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3. LEgadO: uma JanELa abERTa OPUS ARTIFICEM PROBAT

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– Sim! Sim! E instrumentos musicais, muitos e variados, de todos os tipos. E flores, festões, folhas, faunos, pautas de música com claves de fá e de sol e a assinatura de músicos, de Beethoven…

– E os textos? – Sim, talvez uma página com o nome de Goethe e estátuas a encimar a

fachada principal, alusivas às tramas do teatro e… – Sim, sim, claro. E à vida: a Dor, a Bondade, o Amor e o Ódio… – Ah, sim, mas só o Ódio será masculino, é claro que o Amor terá de ser

uma mulher… – Oh! Mas assim não há simetria, três mulheres e um homem? – Porque não? Será o último do friso. E motivos geométricos, vários e

repetidos, alguns com volume… – Algo eclético e elegante, tudo executado com os materiais modernos,

tirando partido da inovadora pedra artificial. – E quanto pesarão as estátuas? Como se colocam lá em cima? Como se

ligam e se fixam os elementos? – E as mísulas e as cornijas? Quem desenha? Quem faz? – Quantos operários em obra? E quantos mestres? – E o cimento? Já se garante o fornecimento em Portugal? – E a opinião dos engenheiros franceses? Auguste Perret? A opinião

dele é importante…

OPUS ARTIFICEM PROBAT100 ANOS, 100 FOTOGRAFIAS DAS FACHADAS (2009-14)

Esmeralda Paupério, Clara Pimenta do Vale, Domingas Vasconcelos, Bárbara Rangel

Era uma vez quatro homens, ilustres escultores do Porto, formados na Aca-demia de Belas-Artes da cidade. Trazem vestidas batas de mangas compridas cingidas aos pulsos, os seus fatos de trabalho no atelier. Param na Praça e olham para o edifício em construção. Do alto das fachadas, grossos cabos pendem das roldanas, subindo e descendo ferramentas e materiais.

Passam por eles quatro mulheres, de saias rodadas e xaile cruzado, trans-portando argamassa à cabeça. Elas não fazem parte desta história, nesse início do século XX.

O arquiteto chega. Estudou no Porto e em Paris, é diplomado pelo go-verno francês. Aprumado, no seu fato de três peças, José Marques da Silva (1869 -1947) havia convocado Henrique Araújo Moreira (1890-1979), Diogo de Macedo (1889-1959), José Sousa Caldas (1894-1965) e Joaquim Gonçalves da Silva (1863-1912) para, juntos, delinearem o discurso decorativo das fa-chadas do Teatro São João.

Apure-se o ouvido para escutar esta reunião na obra:

– Sim, sim, claro. As artes cénicas têm de estar presentes nas fachadas. Pretende-se um trabalho modernista, no contexto deste edifício e da memória do anterior…

– O dinheiro é pouco e esta Grande Guerra torna tudo mais complicado… – Há que concluir a obra! – Não, não vamos fazer estátuas em granito. As paredes de suporte não

resistiriam… – Rebocos em pedra artificial, semelhante ao que se faz agora em

França, e esculturas em cimento armado? – Sim. Este material moderno permite outra liberdade e a custos mais

baixos…– O modernismo do edifício ficará plasmado nos materiais e técnicas

construtivas. Faremos imagens alusivas às artes cénicas! – Carrancas? Bobos? Uma Medusa?

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100 anos passados, quatro mulheres, profissionais licenciadas em Engenharia Civil ou em Arquitetura pela Universidade do Porto, encon tram-se. Sacodem as calças e as botas, tiram as luvas e arregaçam as mangas das camisas. Uma delas traz ainda o fluorescente colete verde, indispensável na obra. Cabelos desalinhados, de quem andou sobre as coberturas quando o vento soprou forte, marcas do capacete na testa, batom esbatido, que o nevoeiro e a morri-nha do Porto não ajudam a manter a compostura de uma mulher no andaime da obra.

Conversam sobre a recuperação em curso no Teatro Nacional São João.

– Como é possível não existirem registos dos trabalhos dos escultores? Quem fez o quê?

– Como colocaram as estátuas lá em cima? – E quanto pesarão? Têm juntas… – Possivelmente terão sido feitas por partes. – E as mísulas e as cornijas? – O que terá sido modelado in situ, nas próprias fachadas? – Como ligaram e fixaram os elementos? – E quantos operários haveria em obra? Onde terão ido buscar

o cimento? – Quem terá decidido a composição das fachadas?

100 anos após o papel das mulheres na Construção Civil se cingir ao “acar-tar da massa” à cabeça, estas quatro mulheres, familiarizadas com a obra e a recuperação do património, escolhem 100 fotografias dos elementos escultó-ricos concebidos por quatro homens. Discutem opções, partilham ecrãs de

computador em tempo de confinamento motivado pela pandemia do vírus SARS-CoV-2 (Covid-19). Como selecionar 100 fotografias de entre as mais de 3000? Exige-se um esforço acrescido para cumprir o trabalho previsto, mas nada pode impedir a partilha e a disseminação do conhecimento, nem da arte e da cultura! Sim, claro, a escolha das imagens será feita, para além dos afazeres a que o confinamento obrigou: o trabalho profissional a partir de casa, o acompanhamento de filhos que continuam os estudos à distância, o voluntariado para o fabrico e distribuição de equipamentos de proteção, destinados a quem, nos hospitais, cuida dos infetados.

Sim, sim, continuemos. Manhãs de domingo, tardes e serões. Mostremos os trabalhos feitos em cima dos andaimes, a escala das peças decorativas, o rigor da execução, a expressão das esculturas e as marcas que o tempo nelas vai deixando. Com estas fotografias procuraremos surpreender os menos atentos e chamar a atenção para as fachadas do Teatro. Lançaremos um convite para uma visita ao edifício através do olhar, diligente e curioso, a quem quiser descobrir segredos, que, afinal, estavam há tantos anos à vista de todos! Seremos todos a olhar pela cidade, porque quem a faz são os cida-dãos e a história nela entranhada.

Sabemos agora que o cimento armado não é eterno, que a sua degradação é contínua. E sabemos agora que este imenso património decorativo pode desaparecer se não for continuamente cuidado.

Que a seleção de imagens da obra de conservação deste edifício notável aqui apresentada possa evidenciar a importância da manutenção regular e programada deste vasto património do início do século XX. Nós, que o rece-bemos e continuamos a desfrutar e a cuidar dele, poderemos assim entregá--lo às gerações futuras!

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ESMERALDA PAUPÉRIO é engenheira civil, integra o Instituto da Construção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e, desde 2000, o Núcleo de Reabilitação. Trabalha na área da inspeção, diagnóstico e definição de intervenções estru-turais, em particular no âmbito do património cultural imóvel. É membro do Conselho de Administração do ICOMOS Portugal e membro convidado do GECoRPA – Grémio do Património.

CLARA PIMENTA DO VALE é arquiteta, Professora Auxiliar na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto e inves-tigadora do Centro de Estudos de Arquitetura e Urbanismo. Membro dos corpos sociais dos Arquitetos sem Fronteiras – Portugal, da Sociedade Portuguesa de Estudos de História de Construção e da Associação Portuguesa para a Reabilitação Urbana e Proteção do Património.

DOMINGAS VASCONCELOS é arquiteta. Técnica Superior na Divisão de Património  Cultural da Câmara Municipal do Porto. Membro da Comissão Portuguesa do Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios e do Comité Científico Internacional sobre Lugares de Religião e Ritual.

BÁRBARA RANGEL é arquiteta, investigadora e Professora Auxiliar do Departamento de Engenharia Civil da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. A sua carreira pro-fissional começou com o Arq. Rafael Moneo e com o Arq. Álvaro Siza. As áreas de investigação em que trabalha e publica são Integrated Project Design e Digitalização da Construção. É editora da revista Cadernos d’Obra  e editora convidada da Springer Science.

Todas as imagens: © Instituto da Construção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.

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coleçãoCadernos do Centenário | 2Caderno de Obra

direção editorial João Luís Pereira (TNSJ)

coordenação técnica e científica Esmeralda Paupério (IC)Xavier Romão (FEUP)

coordenação editorial Fátima Castro Silva (TNSJ)

ediçãoTeatro Nacional São JoãoInstituto da Construção – Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

colaboraçãoDireção Regional de Cultura do NorteFundação Instituto Arquiteto José Marques da Silva

designSal Studio

revisãoMadalena Alfaia

© 2020, Teatro Nacional São João

impressãoORGAL Impressores 1.ª edição: novembro de 2020Depósito legal n.ºISBN 978-989-54947-0-5

tiragem 500 exemplares

O TNSJ É MEMBRO MECENAS DO CENTENÁRIO OPERAÇÃO CENTENÁRIO

Esquissos inicial e final da frontaria do Teatro: © Fundação Instituto Arquiteto José Marques da Silva.Imagem atual do Teatro © João Tuna, Teatro Nacional São João.

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11 OBRA ABERTAPedro Sobrado

15 DISSEMINAR O CONHECIMENTOHumberto Varum

17 TEATRO NACIONAL SÃO JOÃO: UM SÉCULO A CRIAR MEMÓRIASAntónio Ponte

2. INTERVENÇÕES: ETAPAS NA CONSTRUÇÃO DE UM SABER

105 UMA CÁPSULA DE TEMPO: OBRA DE CONSERVAÇÃO E RESTAURO DAS FACHADAS CONVERSA COM ÂNGELA MELO, MARGARIDA LENCASTRE E ISABEL DIAS COSTA Clara Pimenta do Vale

121 ELEMENTOS DECORATIVOS DAS FACHADAS DO TEATRO NACIONAL SÃO JOÃOCOMO SE CONSTRUÍRAM, PORQUE SE DEGRADARAMEsmeralda Paupério, Xavier Romão, Nelson Vila Pouca

149 ARGAMASSAS DO TEATRO NACIONAL SÃO JOÃOBASES PARA INTERVENÇÕES NOS REVESTIMENTOS DECORATIVOSAna Velosa

3. LEGADO: UMA JANELA ABERTA

163 ROTEIRO DAS FACHADAS Esmeralda Paupério, Xavier Romão

227 OPUS ARTIFICEM PROBAT100 ANOS, 100 FOTOGRAFIAS DAS FACHADAS (2009-14)Esmeralda Paupério, Clara Pimenta do Vale, Domingas Vasconcelos, Bárbara Rangel

1. PROJETO: NOVOS MATERIAIS, NOVOS PROGRAMAS

21 “JOÃO, VÊ, VÊ, VÊ! IT’S ALIVE! ”CONVERSA COM JOÃO CARREIRAAna Martins

37 MARQUES DA SILVA, UM CRIADOR NO LIMIAR DA MODERNIDADEO TEATRO SÃO JOÃO ENQUANTO DESAFIO PARA A CONSERVAÇÃO DO PATRIMÓNIO DO SÉCULO XXAna Tostões

53 ANVERSO E REVERSOVINTE E DUAS FOLHAS VOLANTES COM NOTAS E DESENHOS DO ARQUITETO JOSÉ MARQUES DA SILVA Luís Soares Carneiro

69 DIALOGAR COM A VIBRAÇÃO DA CIDADECONVERSA COM ÁLVARO SIZA VIEIRAAna Martins

75 A CIDADE VISTA DA OBRA (2009-19)

ÍNDICE