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300.3 11- DOSSIÊ SOBRE A OBRA "O QUINZE". 1980.

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300.3 11- DOSSIÊ SOBRE A OBRA "O QUINZE". 1980.

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f

1-:f-. 9. 19 <3'0

Geraldo Bezerra de Menezes

Em ligeira comunicação ao Conselho Federal de Cultura, pronunciei-

me sobre a significação do meio seculo de O Quinze, obra de estréia e obra

central de Rachei de Queiroz.

Recorri ao depoimento de Adonias Fi lho, exegeta dos escritos da

admi rivel ficcionista e a quem coube saud~-la em sua investidura na Academia

Brasileira. Sublinhou o exímio analista haver aquele romance renovado, coma

Baoaceira, de José An~rico, as bases do ciclo nordestino de nossas letras, a

brindo novo processo da ficção brasileira.

Fez mais. Ressaltou que o volume espelha uma regiao de sofrimen-

tos, para valorizá-la no ce rne mesmo dos problemas humanos. Destacou-lhe o

acervo temâtico- a seca, primordialmente, o acervo estilístico, na linha da

expressão direta e da incorporação da fala regional; o acervo técnico, no se~

tido do processo narrativo atualizado. Para afinal postular, com toda just..!_

ça, a colocação histdrica de Rache\ de Queiroz no patne1 da literatura brasi

1 e i r a.

AÍ tendes, em sfnte se aguda, esclarecedora, o julgamento da obra

e sua ressonância.

Outro registro. Não fazia mui to, O Quinze fora objeto de conside-

rações e aplausos naquele plen~rio, quando traduzido para o alemão. O Conse

lheiro Djacir Menezes, apàs relembrar que lhe saudara o lançamento na "Fol ha

Acadêmica 11 dirigida por Bruno Lobo, comentou, ex-catedra, a versãogermânica,

com a notícia alviçareira, quase um milagre, de que o tradutor conservara a

seiya original do 1 ivro. No mesmo dia, gratíssima coincidência, o Conselhe..!_

ro Herberto Salles, a comprovar a repercussão além-fronteiras daquelas pági-

nas, exibiu-nos, publicamente, o exemplar da tradução japonesa, editada em

Tóquio.

Seriam suficiente s esses dados para evidenciar que bem houve a Aca

demia, por intermédio do benemérito presidente, Edmo Rodrigues Lut t e rbach,

Saudação a Rachei de Queiroz, em 17 de setembro de 1980, na sessão da A­cademia Fluminense de Letra s comemorativa de meio século da publicação de 11 0 Quinze".

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em celebrar, sem c.onotaçocs nostá lgi cas , os dez lustros de O Quin ze, marco

de nossa produção romanesca, não obstante escrito por uma jovem situada en-

tre os seus 19 e 20 anos.

Pela associação do romântico e do social, o 1 ivro é de ontem e de

hoje. Não sai da moda, não se des atualiza. Mexeu com o povo. Tocou a sen­

sibilidade brasileira. Coroam-no 25 ediçÕes nacionais e diversas traduções

estrangeiras.

No seu lançamento, aplaudiram-no Augusto Frederico· Schmidt, Agrip..!_

no Grieco, Gastão Cruls e outros mais. De imediato, foi galardoado com o

prêmio da Fundação Graça Aranha, ainda vivo o seu patrono.

PD poeta Augusto Frederico Schmidt, na p~gina crftica de agosto de

1930, impressionou o fato de ser mulher, e mulher incrivelmente jovem, a au

tora daquele 11 1 i vro brasileiro, profundamente bras i lei ro 11, dotado da 11 força

direta de contar e de escrever 11, capaz de seguir 11 uma f'amrlia de retirantes,

na sua cami·nhada, na via crucis sem redenção'' e 11 fixar a tragédia infinita

das terras calcinadas 11•

Neste livro, a temâtica e nordestina, com peculiaridades cearenses.

E ê nacional. ~maneira de Alencar ou de Bernardo Guimarães, onossoBeecher

Stowe, e raros outros, voltou-se a escritora para 11 cenários brasileiros, per

sonagens bras i lei r os, problemas bras i· lei ros 11• Sem preconceitos .nat i v i stas,

ligou-se ao nosso complexo cultural, aos nossos espaços geogr8ficos, ãs nos

sas matrizes, não se condicionando~ ficção estrangeira.

Os sofrimentos, as misêrlas, os fracassos, a desolação, as desesp~

ranças dos retirantes, os seus dramas, em suma, são descritos com realismo.

t gente de carne e osso, com mais osso do que carne, que salta dessas pági-

nas •. Tudo se condensa neste lance: 11Sombras arrastando passos inconscientes,

na verdadeira embriaguez da fome 11 (pàg.77). Ou se reflete neste instantâneo:

11 Na plataforma da Estação, uma rapariga magra, suja, esfarrapada- um dos e

ternos fantasmas da seca ... " (pág. 130).

Folgo em não vislumbrar nenhuma parcialidade em O Quinze. Nenhuma

-expressao ou frase comprome tedora, nenhuma intenção de transformá-lo num ro

mance político-ideológico. Nada disso. A despeito da penetração étcnica e

social, sem formulação científica, que ressai do conteudo.

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- . A sua mensagem- a mensagem sócio-brasileira do livro- nao e ar

tificiosa. t inteiramente espontânea. Não est~ em doutrinações a latere, ex

temporâneas, abusivas, ambíguas. Está no tema que se fixa no espaço ou con-

texto social da seca, bem as sim na paisagem, nos tipos, na trama, nos coló-

qui os.

Despreocupadamente, a autora f az história social, pondo em evidên-

cia a problemática da seca de 1915, de que fora vítima sua família, que teve

de fugir aos seus horrores. O livro é, no particular, um testemunho; a bem

dizer, um documentário. E vai mais longe. Retrata a psicologia do povo so-

fredor, a par do estado de esp[rito dos seus figurantes.

Contudo, o escopo da moça dos anos 30 era exclusivamente literàrio:

compor um romance, tendo por núcleo a fuga de uma famrlia do flagelo das se-

cas, revel~ndo a vi'da e o mundo dos retir an tes. Mostrou-se irrepreensfvel

no encadeamento expositivo, ao longo da caminhada ou itiner~rio do desesp!:

ro. Suas p~ginas ajustam-·se â definição de Stendhal, em~ Rouge ~~ Noir,

para quem o romance é exatamente isto: "um espelho ao longo de um caminho''.

Alcançou êxito. Surpreendente êxito. No Ri·o, em São Paulo, em to

do país.

Co~ que vivacidade esti lfstica imprimiu densidade humana ao meio

soci·al, à fisionomia dos seus heróis, às suas pai·xÕes, às suas lutas. Nisto,

o forte, a marca, o esplendor da obra.

Nascida na capital do Estado, da boa copa cearense, a romancista é

filha do Juiz de Direito Daniel de Queiroz, que fi'nanciou a edição original

dos mi 1 exemplares de O Quinze, e descende, "pelo lado materno, da estirpe

dos Alencar". Mantem ate hoje sua fazenda "Não me deixes", no Quixadà. Ela

soube, com sua vivência, valer-se dos termos e dizeres, dos costumes e hábi-

tos regionais, numa forma oral rica, conquanto simples, comunicativa. Preser

vou as suas passagens do erudi tismo exibicionista. Não o desmê1e o trecho

escoteiro em que alude ao romancista de Quincas Borba, na prosa, o Ídolo de

sua progenitora e a quem ela mesma se sentia presa desde menina-moça, confo~

me confissão expressa no discurso acadêmico. Eis o trecho de O Quinze: "E

a moça comparou Dona lnàcia àquelas senhoras de alma azul, de que falava o

Machado de Assis ... " (pãg. 84, da lla. ed.). O artigo que a escritora ante

____ ______, - ·-· ~--~·_..._..__..__.

- >ob ••• •

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pÕe ao nome de Machado traduz intimidade 11terârta corno criador das Me mó-

rias Póstumas de Bras Cubas.

Louve-se a lucidez, o encanto, a criatividade das narrações e diá-

Jogos, constante 1 iterária em Rachei de Queiroz.

Consenti o auditório numa expansão pessoal e familiar. Guardo de

minha visita ao Ceará, terra de avoengos paternos, lembrança singular. Eu

diria estarrecedora. Lá encontrei, --no Cariri, principalmente, -- mais

Bezerra de Menezes que castanhas de caju. Compreende-se que, no romance, d~

parasse, como deparei, em termos de ficção que seja, com um possível parente.

Delegado, por sinal. Não obstante està no I ivro - "Alma boa, o compadre

Lufs Bezerra!•• (pâg. 89).

Emprestamos, senhoras e senhores, sentido mai·s amploàcomemoração.

Têmo~la por um tributo à romancista, à teatrõloga, à cronista, à tradutora

e à influente intelectual. Em uma palavra, à trajetÕria, triunfante e sem

treguas, de Rachei de Queiroz.

O preito ao livro clncoentenãrio envolve os romances que vieram de

pois: João M1 gue I , Caminho de Pedras, Três Mari·as e DÕra, Doralina.

Cobre as crônicas reunidas em livros, que refletem artenoescrever

~ ala. e · W1 22t-: lt • ti rodn i o ... imprensa- A Donze I a e a Moura Torta, 100 Crô-

nicas Escolhidas, O Brasileiro Perplexo, O Caçador de Tatu, As Meninas e

Outras Crônicas e o recentrssimo O Jogador de Sinuca e mais Historinhas, reu

n indo 25 crôn i cas-.con tos ..

Compreende as peças, versando o cangaço e o fanatismo. A primeira,

Lampião, de 1953, calcada na vida do famoso cangaceiro, e distinguida, em S.

Paulo, com o prêmio Saci, reservado à melhor peça do ano; a segunda, Beata

Maria do Egito, que logrou, em 1959, os prêmios de Teatro do Instituto Nacio

nal do Livro e da Secretarla de Educação do Rio de Janeiro.

Repercute, nas pàg~nas infantis de O Menino Migico, detentoras, em

1969, do prêmio Jabuti de Literatura lnfanti 1 da Sociedade Felipe de Olivei-

r a.

Inclui o notável labor da tradutora, que transpôs para o nosso i-

gioma, entre os que me ocorrem, Tolstoi, Memorias; Dostoiewski, Recordações

da Casa dos Mortos, Os Demônios, Os Irmãos Karamazov; Samuel Butler, Des-

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, 5

tino da Carne; Santa Tereza de Jesus, Memórias; Charles Chapl in, A História

da Minha Vida (co-traduzida).

Abrange, afinal, sua presença no Conselho Federal de Cultura, na

Academia Brasileira e na 21a. Sess~o da Assembl~ia Geral da ONU, em 1966, on

de atuou na Comissão de Di rei tos Humanos.

o romance Três Marias, na decima edição, conquistou outra !áurea

da Sociedade Felipe de 01 iveira. Traduziu-o Fred P. El lison, edição da Uni

r versidade do Texas. Essas páginas trazem a singularidade, realçada pela crt

tica, da narração à base da primeira pessoa do singular.

Dôra, Dorallna divide-se em três partes: o 1 ivro da Senhora, -ma e

e rival da fi lha, desenrolado numa fazenda; o livro da Companhia, a Companhia

de Comedias e Burletas Brandini Filho; a que Dôra se incorporou; o livro do

Comandante, o vivfssimo Senhor Brand~ni.

Suas crônicas são leves, concisas, objetivas. De muita transparê~

cia, muita comunicabi lidade, muito humor.

Não se deve esquecer que a Academia Fluminense deu exemplo de pio-

neirismo, Hà mais de vinte anos, recebeu entre os titulares a educadora e

filologa Albertina fortuna, ex-presi.dente desta Casa. Hoje, além da mestra

de AsEectos Formais da Lin~ua Portuguesa, abrigamos a romancista Maria Alice

Barroso, autora de ~roem para Matar e Histeria de um Casamento, e Maria da

Conceição Pires de Melo (Manita), a poetisa de Sonhos.

Lembro que, em crônica de 2 de setembro de 1911, publicada no "Jor

nal do Brasil", Carlos de Laet salientou que nao descansaria enquanto nao

visse, entre os membros efetivos da Academl·a Brasileira, "uma ou duas damas,

dentre as muitas- di·zia ele-...- qtJe ora nos abrilhantam a literatura11• No

ano segui·nte,- consulte-se o artigo de 27 de junho de 1912, exaradono"Jor

nal do Brasi 1"- mandou à mesa uma proposta indicando para. Correspondente

Carolina Michaellis, 11 ê! quem devemos,- asseverava o indômito polemista-

nós os amigos do idioma português, tão acurados e completos estudos fi lol:ógl.

cose literàrios 11•

Os escritos da homenageada deram pre~to ao famoso "louvado para

Rachel de Queiroz", do poeta Manoel Bandeira. Despeço-me, e jà é tempo, re

produzindo-o:

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Louvo o Padre, louvo o Fi lho,

o Espírito Santo louvo.

Louvo Rac he i, minha amiga,

nata e f 1 o r ~o nosso povo.

Louvo o seu romance O Quinze

as Três e outros t'rês; louvo

Marias especialmente,

mais minhas que de vocês.

Louvo a c ronista gostosa.

Louvo o se u t eatro: Lampião

e a nossa Beata Maria,

mas chega de louvação,

porque , por mais que a louvemos,

nunca a louvaremos bem,

Em nome do Pai, do Fi lho

e do Espírito Santo, amém.

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O CINQÜENTENÁRIO DE UM LIVRO

Geraldo Bezena de Menezes

•• O Quinze FEZ CINQUENTA. m ligeira comunicação ao Conselho Federal de Cultura, pronunciei·me sobre a significação do meio sécu· lo de O Quinze, obra de estréia e obra central de Rachei de Quei· roz.

ao depoimento de Adonias Filho, exege­ta dos escritos da admirável ficcionista e a quem coube saud~·la em sua investidura na Academia Brasileira. Sllblinhou o ex I mio analista haver aquele romance reno­vado, com a Bapceira, de José Américo, 85 bases do ci· elo nordestino de nOSSM letra5, abrindo novo processo da frcçfo brasileira.

Fez mais. Ressaltou que o volume espalha uma re­gf!o de sofrimentos, para valorizá·la no cerne mesmo dos problemas humanos. Destacou·lhe o acervo Jemãti· co - a seca, primordialmente; o acervo estillst1co,- na li· nha da expresslo direta e de incorporaçi!'o da fala regio­nal; o acervo *nlco, no sentido do processo narrativo atualizado. Para afinal postular, com toda justiça, a colocaçfo hist6rlca de Rachei de Queiroz no painel da literatura brasileira.

AI tendes, em slntese aguda, esclarecedora, o jul· gamento da obra e sua ressonância.

Outro registro. Não fazia mu ito, O Quinze fora ob­jeto de considerações e aplausos naquele plenário, quan· do traduzido para o alemão. O Conselheiro Djacir Mene­zes, após relembrar que lhe saudara o lançamento na "Folha Acadêmica" dirigida por Bruno Lobo, comentou, ex-catedra, a versfo germânica, com a noticia alvissarei· ra, quase um milagre, de que o tradutor conservara a sei· va original do livro. No mesmo dia, gratlssima coincidên· cia, o Conselheiro Herbirto Salles, a comprovar a reper· cusslo alifn.fronteiras daquelas páginas, exibiu-nos, pu· blicamente, o exemplar da tradução japonesa, editada emT6quio. ·

Serit'Micientes esses dados para evidenciar que bem ho;:;(e'-a Academia, por intermédio do benemérito presidente, Edmo Rodrigues Lutterbach, em celebrar, sem conotações nostálgicas, os dez lustros de O Quinze, marco de nossa produção romanesca, não obstante escrito por uma jovem situada entre os seus 19 e 20 anos.

Pela associação do romântico e do social , o livro é de ontem e de hoje. Não sai da moda, não sP. desftualiza. Mexeu com o povo. Tocou a sensibilidade brasileira. Coroam·no 25 edições nacionais e diversas traduções estrangeiras.

No lançamento, aplaudiram·no Augusto Frederico Schmidt. Agripino Grieco, Gastão Cruls e outros mais. De imediato, foi galardoado com o prêmio da Fundaçfo Graça Aranha, ainda vivo o seu patrono.

Ao poeta Augusto Frederico Schmidt, na página critica de agosto de 1930, impressionou o fato de ser mulher, e mulher incrivelmente jovem, a autora daque le '1ivro brasileiro, profund8mente brasileiro", dotado da "força direta de contar e de escrever", capaz de se­~ir "uma famn!a de retirantes, na sua caminhada, na na cruds sem redençfo" e "fixar a tragédia infinita da5 terras calcinadas".

N- livro, a temática 6 nordestina, com pecu· liaridades c-enses. E 6 nacional. À maneira de Alencar ou de Bernardo Guimarfes, o nosso Beecher s-. • raros outros, voltou-se a escritora para -cemrlos bras!· leiros, personagens brasileiros, problemas brasileiros".

.Sem po-ICOIIDI rwttvlstas, ligou1e eo noao compiiiXo c:ultanl. - - 81M901 fiCJIIIiftOOS, às nosas matri­z•. nlo • c:andicl-.do j ficçio estran{lllirlL

O. IOfrimenml, a misérias, os fr~ a desola· çJo as ~ doi retirantes. oc ~ dramas, em suma. sio dMctitos com realismo. ~ gente de ~rne e os· so, com mais osso do que carne, que salta dessas páginas.

Tudo se condensa neste lance: "Sombras arrastando pas· sos Inconscientes. na verdadeira embriaguez da fome" (pg. 77) . Ousa refleta neste Instantâneo: "Na plataforma da Estaçfo, urna rapariga magra, suja, esfarrapada - um do& eta-1101 ~tMmas da seu..." (~ 130).

Folgo em não vislumbrar nenhuma parcialidade em O Quinze. Nenhuma expressã'o ou frase ~omprometedo­ra, nenhuma intenção de transformá·lo num romance polftico·ideológico. Nada disso. A despeito da penetra· ção étnica e social, sem formulação cientrfica, que ressai do conteúdo.

A sua mensagem - a mensagem sócio-brasileira do livro não é artificiosa. !: inteiramente esj:>ontânea. Não está em doutrinações a latere, extemporâneas, .abusivas, amblguas. Está no tema que se fixa no espaço ou con· texto social da seca, bem assim na paisagem, nos tipos, na trama, nos colóquios.

Despreocupadamente, a autora faz história socla~­pondo em evidência a problemática da seca de 1915, de que fora vitima sua famUia, que teve de fugir aos seus horrores. O livro ê, no particular, um testemunho; a bem dizer, um documentário. E vai mais longe. Retrata a psicologia do povo sofredor, a par do estado de espf· rito dos seus figurantes.

Contudo, o escopo da moça dos anos 30 era exclu· sivamente literário: compor um romance, tendo por nú· cleo a fuga de uma fam li ia do flagelo das secas, revelan· do a vida e o mundo dos retirantes. Mostrou·se irrepreen· slvel no encadeamento expositivo, ao longo da caminha· da ou itinerário do desespero. Suas páginas ajustam·se à definição de Stendhal, em Le Rouge et le Noir, para quem o romance é exatamente isto : " um espelho ao ion· go de um caminho".

Alcançou êxito. Surpreendente êxito. No Rio, em São Paulo, em todo o pa rs.

Com que vivacidade estilfstica imprimiu densidade humana ao meio social, ã fisionomia dos seus heróis, às suas paixões, às suas lutas. Nisto, o forte, a marca, o esplendor da obra.

·Nascida na capital do Estado, da boa cepa cearense, a romancista é filha ·do Juiz de Direito Daniel de Quei· roz, que financiou a ediçfo original dos mil exemplares de O Quinze, e descend,, "pelo lado materno, da estir· pe dos Alencar". Mantém até hoje sua fazenda "Não me deixes" , no Quixadá. Ela soube, com sua vivência, valer·se dos termos e diz~res, dos costumes e hábitos regionais, numa forma "oral rica, conquanto simples, comunicativa. Preservou as suas passagens do eruditis· mo exibicionista. Não o desmente o trecho escoteiro em que alude ao romancista de Quincas Borba, na prosa, o ldolo de sua progenitora e a quem ela mesma se sentia presa desde menina·moça, conforme confissA'o expressa no discurso acadêmico. Eis o trecho de O Quinze: "E a moça comparou Dona Inácio àquelas senhoras de alma azul, de que falava o Machado de Assi.s ... " · (pg. 84

1 da 11 a ed) . O artigo que a escritora ftntepl!e ao nome de Machado traduz intimidade llterAria com o criador das Memórias Póslumls de Bms Cuba

Louve-se a lucidez, o encanto, a criatividade das nar· rações e diálogos, constante literária em Rachei de Quei· roz.

Consenti o auditório numa expansfo pessoal e fami· llar. Guardo de minhas visitas ao Ceará, terra de avoen· gos paternos, lembrança singular. Eu diria estarrecedora. U encontrei, no Cariri, principalmente, - mais Bezerra de Menezes que castanhas de caju. Compreende-se que, no romance, deparasse, como deparei, em termos de fic­çJo que seja, c:Om um ·posslvel.parente. Delepdo, por sinal. Nfo obstante -está no livro- "Alma boa, o com­padre Luis Bezerr~l" (pg. 89) •

Emprestamos. senhoras e senhores, sentido mais amplo à comemoraçfo. Têmo·la por um tributo a ro­mancista, à teatróloga, à cronista, ·a tradutora e A lnflu· ente Intelectual. Em uma palavra, i trll)atórla, 'triun­fante e sem tréguas, de Rachei de Queiroz.

O preito ao livro cinqüentemlrio lrJVOive os roman­ces que vieram depois: Joio Miguel, Caminho de hdras, Tr& Marias e Dora, Do131ina.

Cobre as crônicas reunidas em livros. que refletem arte no escrever e constância no tiróclnio pela Imprensa -A Donzela e a Moura Torta, 100 Cr6Dicas l!scolblclas, O lkuilei8o Pe.rpku, O CAçadGr de Tatu., AI .Mea!Du

e Outras Crônicas e o recentrssimo O Jogador de Sinuca e mais Historinhas, reunindo 25 crônicas-contos.

Compreende as peças, versando o cangaço e o fana· fismo. A primeira, Lampião, de 1953, calcada na vida do famoso cangaceiro, e distinguida, em São Paulo. com o prêmio Saci, reservado à melhor peça do ano; a segun· da, Beata Maria do Egito, que logrou, em 1959, os prêmios de Teatro do Instituto Nacional do Livro e "a Secretaria de Educaç!o do Rio de Janeiro.

Repercute nas p6glne5 Infantis de O Menino M,zjéo, detentores, em 1969, do prêmio Jabuti de Literatura Infantil da Sociedade Felipe de Oliveira.

Inclui o not6vel labor da· tradutora, que transP6s para o nosso idiqma, entre os que me ocorrem, T ois· to!, Memórias; Dostoiewski,. Recordações da Casa ao. Mortos, Os Dem6Dios, Os lrml01 Karamazov; Samuel . Butler, Destino da Carne; Santa Teresa de Jesus, Memó· ria; Charles Chaplln, A Bist6rla de minha Vida (co· traduzlda).

Abrange, afinal, sua presença no Conselho Federal de Cultura, na Academia Brasileira e na 21• Sess!o da Assembléia Geral da ONU, em 1966, onde atuou na Comissão de Direitos Humanos.

O romance Três Marias, na décima ediçlo con· quistou outra !áurea da Sociedade Felipe de Olivei· ra. Traduziu-o Fred P. Eilison, edição da Universidade do Texas. Essas páginas trazem a singularidadt, realça· da pela critica, da narração à base da primeira pessoa do singular.

Dora, Doralina divide-se em três partes: O livro da Senhora mãe e rival da filha, desenrolado numa fazen· da; o ii~ro da Companhia, a Companhia de Comédias e Burletas Brandini Filho, a que Dora se incorporou; o livro do Comandante, o vivfssimo Senhor Brandini. ·

Suas crônicas são leves, concisas, objetivas. De mui· ta transparência, muita comunicabiiidade, muito humor. E que assombroso senso de observação! Em verdade, toda sua obra, revela tais atributos.

Na oração acadêmica, recorda que asseverara ao an· tecessor, Ministro Cândido Motta Filho, a respeito do neto, Nélson Motta : '.' Eu sou ff do Nelsinhol Fã de fir· ma reconhecida! " E o Ministro "inchou o peito naque­le orgulho inocente que s6 os av6s conhecem".

Numa crônica, alude às moças bem nascidas e da pequeno dote que conseguem estabelecer·se com bom marido e casa agradável ("Livro", Rio, 10·1 · 1976).

Ressalta, em outra, esta verificação compromete· dora: "E assim bela e assim vestida e assim pintada e formosa começou a lhe pesar o marido enfermiço" {lOOCrônicas~,pg. 151). .

Atente-se na interrogaçfo, saborosamente c(Yica: "Pois, diga-se o que quiser, este Brasil é grande, nfo é mesmo? ~lb., pg. 11}1). .

Agora, o despreocupado filosofar: "A cada ano, e cada dia, a cada hora e minuto, você tem menos V!~~ dentro de si (ib., pg. 187), · ·

As crônica• de ·o Caçador de Tatu forarri ·selecio­nadas e apresentadas por Herman Lima (Rio, 1957). E alvo de consagrador .~rtlgo c!8 Gilberto Amado.

Paulo Ronai afirma que submeteu as 100 Crônicas Escolhlc!M a um tnie dll teleitura, do qual salram elas pe(feitas, sem um arranh!o (Ric:bel de Queiroz ou a c:ompleu aatunlidade· - "Rftista Brasileira de Cultu­ra" out.-dez. eM 11171, pg. 861.

Em 1957, o conjunto de sua obra propiciou à as· critora o Prêmio Machado.de Assis. da Academia Brasi· lelra, que anos mais tarde - 19n, precisamente - aco­lheu·a. abrindo "fase nova nfo s6 à sua histbria, mas a vida -cultural brasileira. Faz PouCO, chagoU ao nosso Pe. tft Trim~m outra escritora de renome - Olnah Silveira de Queiroz, filha "de Alerleo SI!Yelra, figura aureolada de nossa literatura regionalista.

Nllo se aeve esquecêr· qoe a Academia Flumtneme leu exemplo de pioneirismo. H' mais de vinta anos, ré: cebeu entre os titulares a educadora e filbloga · Albertf; · na Fortuna, ex·presldente desta Casa. +ioje, •lfm· dl mestra de Aspectos FO!IIIIIIs .da Lfnpa P~ abri,

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u A ACADEMIA FLUMINENSE HOMENAGEIA RACHEL DE QUEIROZ

4NOS gamos a romancista Maria Alice Barroso, autora de Um Homem para Matar e História de um Casamento, e Maria da Conceição Pires de Melo (Manita), a poetisa de So­nhos.

Lembro que, em crônica de 2 de setembro de 1911 , publicada no "Jornal do Brasil", Carlos de Laet salientou que.·nlo descansaria enquanto não visse. entre os mem­l.-0$ afetivos da Academia Bnwleira, " uma das duas da._ dentre as muitas - dizia ele - que ora nos abrilhantem a literatura". No ano seguinte, - comul­t.-,.,o artigo de 27 de junho de 19l2. exarado no " Jor· na I do Brasil" -mandou à mesa uma propo•ta indicando parã .Correspondente Carolina Michaelli~ "a quem deve­mor,. - 85S8\Ierava o indômito polemi5ta - nós, o• ami­gos 8G idiOITiol por1uguis, tio K<Bido5 e completo• estu­doJ filol6gjcos 1 literMios ' ~

.O. escritos da homenageada deram pretexto ao la­mote< " louvldo para Rechel de Queiroz", do poeta Manüel Bandeira. Despeço-me, e já é tempo, reproduzin· do«.

.Louvo o Padre, louvo o Filho, • Espírito Souto louvo. l.ouvo Rachei, minha amiga,

· 1111ta e flor do nosso povo.

Louvo o seu romance O Quinze e outros tn!s ; louvo as Três Marias especialmente, mais minhas que de vocês.

Louvo a cronista gostosa. Louvo o seu teatro: Lampião 10 a nossa Beata Maria,

· nas chega de louvação, porque, por mais que a louvemos, mmca a louvaremos bem, m nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém.

Saudaçio a Rachei de Queiroz, em 17 de setembro de 1980, na sessão magna da Academia Fluminense de Letras comemorativa de meio século da publicação de "O Quinze".

ATENDIMENTO

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RACHEL DE QUEffiOZ FALA DE

O QUINZE R

o ano de 1929, certa mocinha do Ceará, que já se iniciara como jornalista. começou a es· crever um livro. Fazia·o à noite, a lápis, em cadernos de cole­

gial. Escrevia a maior parte do tempo estirada no soalho da sala, jun to ao lampião de querosene que passava a noi­te aceso para clarear o casarão; naqueles tempos a luz elétrica não chegara ainda ao sitio Pice, na Parangaba.

Tinha a moça que trabalhar e5coodido porque andava muito magrinha e a mãe temia vê-la acabar trsica, per­dendo o •ono e varando as noites a escrever llteratices.

O tema do livro se baseava em auunto que era en­tlo e ainda ~ hoje a preocupaçlo ~tante da terra : a seca. A seca estava sempre pr-nte, como um mal de . tam ma, no ambiente da moça sertaneja, que tinha no sangue, por parte de pai e mãe, a herança de •'rias ge­rações de sertanejos do Quixadá. Tanto que o titulo da­do pela a0:1tora à sua história - "O Quinze" - dtulo que mais tarde tanta gente de fora estranhou, ali parecia nã'o carecer de explicações. No Nordeste as grandes seeas são conhecidas e guardadas na memória do povo pela de­zena final do ano em que ocorreram; e assim se diz o "setente e sete" (1977), "O Quinze", "O Dezenove", "O Trinta e dois" .

Pronto o livrinho (ninguém em casa, nem a autora, se atrevera a chamá·lo de "romance") lido, discutido na roda da famflia, criticado, muito pouco elogiado (a­quela gente era entendida de letras, severa, exigente e pouco dada a ttiunfalismos) resolveu-se a publicação. Entre pais e irmãos ninguém chegou à ousadia de imagi­nar um contacto com editoras do sul-maravilha. Tratou­se de edição local, contratou-se a tipografia úrânia, com o mestre Camarão, que cobrou onze mil réis por pá· gina impressa : arredondada, chegou a dois contos de réis a conta, que o pai assumiu. Um pintor amigo desenhou a capa, que a autora detestou mas não teve a coragem de recusa r, capa que aliás foi suprimida ã segunda edi· ção; como suprimido também nessa edição segunda fo i o prefácio explicativo em que a timidez da estreante, altamente apavorada, tentava assumir ares desenvoltos, senão petulantes.

Outro amigo, escritor temporariamente na terra, deu endereços do Rio, São Paulo e mais cidades impor· tantes. E, assim, o livrinho tomou o seu ita no Norte e, para surpresa geral, deu sorte. Livro é como gente, eci· ma de tudo precisa ter sorte. Quanta obra excelente passa por a r. despercebida, simplesmente porque não dã sorte.

Ademais, aqueles tempos eram diferentes, o meio literário menor, o número de titules publicados muito mais escasso; e os crfticos andavam de bom humor, sei lá, desejosos talvez de novidades.

Da ( por d iante todo mundo sabe a história, o peque­no livro e sua jovem autora sobreviveram, e neste mês de agosto completaram cinqüenta ano• - ele de idade, ela de carreira.

·Conto assim a aventura de "O Quinze" na terceira peuoa, porque é justamente como me sinto a re5peito,

.uma tercaira ~ O livro e a ITIOÇa, que é que têm mais comigo, a velha senhor.a vivida que os contempla dos longes deste dirtància de meio século?

Livros, eu gosto de dizer. sio corno filho, a gente os concebe • 01 põe na vida. depois elots gailham o mundo por conta própria. Agradam, desagradam, sobrevivem, morrem. Como gente, iguai• à genta. Eue ai está sobre­vivendo. Mais pelo drama que tenta espelhar do que por méritos próprios; mais pela força das pessoas que ainda hoje povoam e padecem no Nordeste, do que pela ex­celência dos retratos.

E a autora - bem, a autora. Tantos anos, tanta vi· da, cicatrizes, bons momentos, o amar e o sofrer - todos sabemos como isso altera, desgasta e marca. Dizem que as mudanças que o tempo opera nas células do corpo são tão intensas e radicais que, de sete em sete anos, nin· guém tem mais em si a substância antiga, está todo re­novado e substituldo. Sendo assim, em cinqüenta anos, sete vezes me troquei, vejam bem I

Então, as generosas palavras de louvor ditas aqu i não são para mim, são para a moça, embora me pareçam, mesmo para ela, extremamente exageradas, excessivas. E . a moça, onde existir e se airi~a existe, que as ente· soure no seu cofre de guardados :Jà velha senhora não ca· be nenhum direito a tais grinaldas.

Resta porém o carinho, o calor afetuoso das pala· vras amigas, a alegria de estar aqui a comemorar o meio centenário de uma criação de papel e tinta a que vocês, com o seu generoso apreço, suscitam vida, quentura de sangue, presença real. E em nome da mocinha desapare­cida, sete vezes transformada, a velha senhora agradece de todo o coração.

Palavras de Rachei de Queiroz, em agradecimento às homen:~gens que lhe foram prestadas pela Academia Fluminense, pelo cinqüentenário do O Quinze.

<::;j:::> Gráfica Falcão editora ltda. ·

A Academia Fluminense atingiu um de seus mais altos momentos culturais, 110 comemorar os cinqüenta ·anos do romance "O Quinze" e prestar homenagem ã escritora Rachei de Queiroz, a pri­meira mulher a integrar o quadro de imortais da Academia Brasileira. A expressiva solenidade con­tou com a ·presença · do mundo· intlllectual flumi- ­nense, juntando-se à homenagem as demais entida­des culturais do Estado do Rio de Janeiro, pelos seus presidentes e representantes, além de autorida­des e estudantes.

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Page 11: 300.3 11-DOSSIÊ SOBRE A OBRA O QUINZE. 1980

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ACADEMIA FLUMINENSE COMEMORA OS

•• CINQUENTA ANOS DE

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Rache/ de Queiroz fala do O Quinze, agradecendo ·as~ hom(m~agens que. lhe tributaram os intelectuais fluminenses, ladeada pelo acadêmico Geraldo Bezerra de Menezes, que a saudou, e pelos presidentes da Acade­mia Fluminense de Letras, Edmo Rodrigues Lutterbach, da Academia Ni­teroiense de Letras, Horácio Pacheco, e do Instituto Histórico de Niterói, A tédio Moledo dos Santos. (Páginas 10 e 11).