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Trata da questão da restauração da memória no sentido mais am- plo do termo, mostrando a neces sidade de utilização de um mêto do de análise para essa questãõ que seja dialêtico. Mostra tam- bem que arte e cultura, os prin cipais componentes da memória~ possuem uma dimensão social e outra estêtica, ambas insepará- veis. Revela as três maneiras básicas de enfocar a questão e, ao nível de cada uma, como são ou deixam de ser combinadas es- sas duas dimensões básicas.Abor da suscintamente de que maneira a produção artística e cultural ê apropriada, na Bahia, pelo me canismo estilizador oficial ou produtor de mercadorias, ressal tando o mecanismo, os tipos de agentes mediadores e de produ- tos resultantes: uma cultura es tilizada, ora para um mercado de elite, ora para um mercado massificado. o estudo e a discussão acerca da memõria não devem ser encara dos como meros exercicios acadêmicos, como aliás, e da prefe- rência de intelectuais ~ue têm aversão pela atividade prática. Mas isto, a rigor, sõ tem sentido se empreendido desde o pon- to de vista do interesse popular e se feito no âmbito de uma praxls que, por seu turno, esteja inserida num projeto prõprio de transformação histõrica da sociedade, de vez que a memorla também é, ela prõpria, sob tal ângulo, uma referência. Não * Arquiteto e técnico em planejamento. Pesquisador do Mestra do em Arqui tetura e L1rbanismo da FAUFBa.

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  • Trata da questo da restauraoda memria no sentido mais am-plo do termo, mostrando a necessidade de utilizao de um mtodo de anlise para essa questque seja dialtico. Mostra tam-bem que arte e cultura, os principais componentes da memria~possuem uma dimenso social eoutra esttica, ambas insepar-veis. Revela as trs maneirasbsicas de enfocar a questo e,ao nvel de cada uma, como soou deixam de ser combinadas es-sas duas dimenses bsicas.Aborda suscintamente de que maneiraa produo artstica e cultural apropriada, na Bahia, pelo mecanismo estilizador oficial ouprodutor de mercadorias, ressaltando o mecanismo, os tipos deagentes mediadores e de produ-tos resultantes: uma cultura estilizada, ora para um mercadode elite, ora para um mercadomassificado.

    o estudo e a discusso acerca da memria no devem ser encarados como meros exercicios acadmicos, como alis, e da prefe-rncia de intelectuais ~ue tm averso pela atividade prtica.Mas isto, a rigor, s tem sentido se empreendido desde o pon-to de vista do interesse popular e se feito no mbito de umapraxls que, por seu turno, esteja inserida num projeto prpriode transformao histrica da sociedade, de vez que a memorlatambm , ela prpria, sob tal ngulo, uma referncia. No

    * Arquiteto e tcnico em planejamento. Pesquisador do Mestrado em Arqui tetura e L1rbanismo da FAUFBa.

  • uma referncia qualquer, evidentemente, mas, ao contrrio, umbalizamento poltico, cultural e educativo atravs do qual umpovo pode ver o seu passado para compreender porque e como elese fez presente para, acima de tudo, arrancar e dilatar o seufuturo das entranhas desse largo movimento - um futuro dotadode uma escala verdadeiramente humana, sem duvida. ( precisocompreender que um povo, uma classe ou um grupo e:nico que"busca as suas origens" sem um objetivo claro, sem um planoou uma perspectiva consciente - ou ainda, que faz da pesquisae da prxis cultural no uma coisa seria, poltica antes detudo, mas um modismo a mais: uma afirmao de extravagnciadescomprometida - pode apenas estar colhendo material que.se-r abundantemente utilizado, ora pela poltica oficial, orapelo mecanismo produtor de mercancias ou, se quisermos, ofer!cendo aos que utilizam esse material condies para reitera-o da escravido que se pensa estar combatendo, uma escravi-do que se reproduz ainda que sob formas novas, "modernas".

    Estamos absolutamente convencidos de que a quase totalidadedo acervo cultural que constitui a memria de Salvador - nogeral e, especificamente, no que se refere s instncias populares - est sendo apropriada pelos mecanismos atrs referi-dos e isso, como frisamos, porque os segmentos populares queos criam, recriam e os buscam em "suas origens" carecem de umprojeto.

    Uma tomada crescentemente coletiva e solidria de conscinciadeveria estar sendo sempre capaz de interceptar, no exercciomesmo de resistncia e afirmao e em cada ato e momento dedescoberta e criao, o uso e a apropriao do "trao" sob aforma mercantil - algo assim como um estar sempre negando, fuqindo e reiterando a liberdade, enquanto antev e produz o futuro igualmente liberto. Para exemplificar, a tentativa deresgate que se faz na Bahia, notadamente em Salvador e algu-

  • mas cidades do Recncavo baiano, no mbito dos movimentos ne-gros, dos seus traos e caracteres tnicos de origem, deveriaser acompanhada de um esforo sistemtico e consciente de in-terceptao da apropriao que feita pela politica oficiale pelo mecanismo produtor de mercadorias - tal como acontecefartamente ao nivel das festas populares, do carnaval e dosterreiros de candombl, s para ficar nestes exemplos - doscitados traos e caracteres. Neste sentido, a nosso juizo, osnegros deveriam declarar-se em permanente "estado de quilom-bo",~ao invs de se deixarem envolver pelos dois mecanismoscombinado'S atrs referidos. Tais elementos deveriam, ao con-trrio, ser reunidos, examinados e dispostos como ingredien-tes autnomos de um projeto de cunho popular numa perspectivade confluncia com outros segmentos igualmente populares, co~binados a partir de uma tica central de classe encerrando umprojeto maior e mais amplo. Alis, no caso dos negros, nota-se que, entre ns, a dificuldade maior do surgimento desseprojeto - ou melhor, da insero do projeto especifico do ne-gro num projeto popular maior - est ligada a uma particularconfuso feita entre explorao de classe e racismo.

    Alis, sobre tal questo o professor Jairo Simes (que tambm compositor), numa entrevista concedida Rev~ta da Bahia{l}expressou a opinio de que na Bahia o movimento negro tambm".6e.6o.td.o!za lLt'tav da.6 -tragel1..6da :te.tev~.o", mas que, noobstante, "bu:eJtnamen:te e...6:te...66e.nme.no.6c.omeam a.6eJt ca.pta.-do.6 c.om pIlo6uncdade na mecda em que e.tu .6e adel1..6am, e.tu.6e apto6undam em .6UM Jr.a1Ze...6,em .6UM mo:t[va.e...6, na.6U4 :teo-!a". E completa assim a sua argumentao: "Eu ac.ho que ~:to que e...6:t.e...6CJleveooo o cai..tic.o que ctt c.eJt:to ponto .teva a.6oedade paJul 6Jten:te dentJLo da. ptpJa. .t do c.a.pU:aU.6mo,mM teva :tambm o e.temen:to c.on:te...6:tctt!o". O professor Simeschega a admitir, numa outra passagem da mesma entrevista, queo fato da sociedade capitalista criar e lanar no mercado uma

  • infinidade de bens de consumo alienantes gera, num primeiromomento, "e.-pe/Utn.a.6 CJl.e.-c.e.I'Lte.-" de consumo para as camadaspopulares (entre as quais se encontra a maioria dos negros) ,mas que algo como a repetio da negao dessas esperanaspode levar, num momento posterior, a uma situao explosiva.

    t claro que as causas centrais desta problemti~a no se en-contram nos meios de comunicao e de consumo, mas nos meca-nismos mais fundamentais de funcionamento e reproduo destetipo de sociedade. Mas no exatamente desta questo que de-sejamos falar aqui. O que desejar;amos questionar se com osnegros tende a ocorrer o que pensado pelo professor Simes,ou se algo exatamente oposto. O nosso questionamento se fundana convico de que processos semelhantes no se concluem poruma espci e de "gerao espontnea", mas sim base da formu-lao consciente de um projeto social profundamente imbricadoem situaes objetivas dadas ao funcionamento da prpria es-trutura social em movimento. Parece ser verdadeiro que no co~tinente africano - pelo menos no entendimento de determinadoestudioso (2) - os movimentos de libertao comearam por viade contestaes aparentemente culturais, atravs das qu~is oelemento ideolgico e politico mais geral foi ganhando corpo,at a sua culminao em verdadeiros movimentos de massas. Masuma comparao to mecnica como esta - que no feita peloentrevistado e que aqui evocada apenas a titulo de exemplo,j que se busca tanto na Africa as origens tnicas e sociaisdos negros baianos - no tem qualquer validade referencial,posto que entre a situao das naes atrasadas daquele cont1nente e um Brasil capitalisticamente desenvolvido e, nestestermos, j bastante "absorvente" de todo tipo de manifestaopopular espontnea, existe uma diferena antes de tudo quali-tativa.

  • A nosso juizo, como diziamos, esta questo do negro, pelo menos na Bahia, est no s apenas no limiar da discusso, co-mo est obscurecida por um acentuado folclorismo diletanteque nem mesmo conseguiu estabel ecer as pre1issas da prpriadiscusso. Por enquanto a coisa no passou muito da produo"espetacular" da questo, mesmo porque tem muita gente e muito intelectual interessado na perpetuao desse estado decoisas. No s no se equacionou com justeza a relao doscomponentes raa e classe, como no se buscou compreender bemas diferenas dos mecanismos de dominao, sobre os negros,entre o modo de produo escravista-colonial, onde o negro,como escravo, era tratado de uma maneira, e o modo de produ-o capitalista que, a partir da abolio oficial - quando aproduo cafeeira j no podia ser sustentada pelo trabalhocompulsrio, tendo de, obrigatoriamente, troc-lo pelo trab~lho assalariado -, passou a trat-lo de maneira dif~rente nacondio de assalariado. Sabemos, contudo, que so dois tra-tamentos distintos, em tempos histricos distintos, e que s~ber diferenci-los assim mais do que importante para ente~der a especificidade dos mecanismos de dominao de hoj~bemcomo do prprio racismo, para se ter um delineamento tticoe prtico consequente.

    Com efeito, a situao de escravo no dava ao negro a condi-o de "penetrar" no mundo da mercadoria, embora fosse eleo trabalhador que. diretamente a produzia para o mercado ex-terno (no acar, na minerao e, mais tarde, at 1888, nocaf). Sendo assim, os mecanismos de alienao, descobertospor Marx (3), interpostos entre as pessoas no citado " mundodas mercadorias", no envolviam o negro, dai porque o siste-ma de dominao, opresso e represso recaia sobre ele dire-tamente, ao passo que hoje, no mbito do sistema capitalistae na condio de assalariado - portanto produtor e consumidor de mercadorias -, tais mecanismos o envolvem, a aliena-

  • o se torna mais sutil e, portanto, mais perigosa, sendo osmesmos que envolvem qualquer trabalhador assalariado. Sem is-to no se pode sequer compreender a ao da "midia" sobre osnegros e a sua cultura. Da mesma forma que os demais trabalh~dores, os negros esto tambem sujeitos aos mecanismos adicio-nais, como os j referidos meios de comunicao que tambemconsomem, os ditames do senso comum, todo o aparato ideolgi-co viabilizado pelo Estado e instncias a eles subordinadas.So estas diferenas entre os dois modos de produo que nos diferenciam as correspondentes condies de dominao a queestiveram e esto sujeitos os negros,como os aproximam, hoje,de todos os demais segmentos de explorados pelo capital. Sequestes e distines como estas no forem colocadas, discutidas e aprofundadas como merecem, a "questo do negro" jamaissair do espetacular e qualquer tomada de conscincia efetivase tornar impossivel - e o negro, com toda a sua rica cultu-ra "resgatada" (a sua memria especifica), nunca se libertardo mecanismo produtor e padronizador de mercadorias, tal comoacontece nos dias de hoje.

    A atitude que consiste em negar uma certa esfera de autonomiaque o costume socialmente perpetuado, numa determinada estru-tura de classes, deu ao racismo, reduzindo-o mecnica, sim-ples e diretamente sua causa central, a determinao decla~se, e uma atitude, enquanto trao ou caracteristica de com-preenso, dogmtica, pertencendo quela verso segundo qualao desaparecerem as classes desaparecero automaticamente to-dos os efeitos de ordem ideolgica e cultural por elas produ-zidas - viso esta, ainda mais, que e a mesma que estabeleceum vinculo fixo e imutvel entre a base e a superestrutura(ideologias, etc.) da sociedade ou que, no terreno filosfico,defende uma teoria do reflexo vulgar e carente de toda imagi-nao que,ademais, no leva em conta a complexidade do apara-to cognoscitivo'do homem diante do objeto do conhecimento.

  • Mas preciso que se diga tambm que, aquel 'outra oposta, queconsiste em negar a esfera fundamental do condicionamento declasse do racismo, to dogmtica e falsa quanto a primeira,com o grave e inconveniente resultado de que joga o negro esua cultura - aqui j sem qualquer condio de defesa - nosbraos do mecanismo capital ista massificador. Os negros se to.!:.naram "negros" (fonna explicitada do preconceito) porque fo-ram escravos - e porque continuaram, no conjunto, como classeoprimida - e no escravos ou parcela das classes oprimidasporque eram de cor negra. Alis, o mecanismo e a estrutura s~cial que os produziu assim e, tambm, ao preconceito, consti-tuem um largo continuum que tem inicio na colonizao, quandoo n~gro, capturado no continente africano - como, em escalamenpr, o indio na Amrica do Sul - e convertido em escravo,ajudava ao continente recem-descoberto a inserir-se na acumu-laQ primitiva escala mundial (mas com seu leit-motiv ime-diatall1entecentrado nas sociedades europias) e se ,prolongaat os dias de hoje quando esse mesmo negro, como parcela po~dervel do proletariado em algumas sociedades, tambm fontede gerao de mais-valia convertivel em capital. A segundapostura - a do racismo como causa de si mesmo - deve ser vis-ta ou como produto da desinformao inculcada, que reduz e si!!!plifica tudo por impossibilidade de enxergar a essncia so-cial do fato, ou ento como uma encorpada manifestao ideol~gica especifica de segmentos minoritrios de negros que seaburguesaram -'intelectuais, artistas, profissionais liberais,executivos, etc., bem sucedidos e incorporados s regras e sbenesses do establishement - e que desejariam, em proveito dasituao social que desfrutam (e no do grupo tnico e sociala que pertencem ou a que pertenceram tomado por inteiro), versumir o incmodo racismo, mas no tanto a atual estrutura declasses que" no conjunto, reitera e realimenta o prprio ra-cismo (o preconceito) mas reproduz tambm, embora contradito-

  • riamente, a situao de destaque e de privilegio social des-ses mesmos negros bem sucedidos ou cooptados: os que abandon!ram completamente o "estado de quil ombo" (e que comemoram o13 de Maio como o Dia da Libertao:).

    t bvio que a essa altura estamos falando da necessidade deum esforo de contraposio com a perspectiva de autonomia, eno de compromissos ou de concesses aos mecanismos de apro-priao cultural atrs citados.

    Mas ser com este obj etivo que a memri a e a cul tura so- qua.!!.do so - "restauradas" e "conservadas"? Ou, bem ao contrrio,o carter e a funcionalidade da preservao e da obra preser-vada tomam outras destinaes, ai sim, essencialmente mercan-tis, como no caso eloquentemente significativo, para citar oexemplo talvez maior, da explorao turistica que torna a cultura e os objetos da memria meros artigos de consumo para vi. -sitantes fugazes e tratados como passivos rebanhos encaradosapenas como depositadores de alguns raros e cobiados lucrose valores cambiais? Por outro lado, por que, em adendo, cer-tas categorias de monumentos so cuidadosamente resgatadas eoutras no? Ainda para esclarecer e evocando um exemplo maisdo que ilustrativo, por que esmagaram o Sitio de Canudos duasvezes, em cerca de meio seculo ou pouco mais, uma pelas armase outra pelo afogamento?

    Ora, em tese so trs, basicamente, as posturas essenClalS enecessariamente politicas que existem ou que podem existir naconduo da preservao de monumentos, sitios e elementos damemria e da cultura em geral.

    A primeira delas, a que e normalmente aplicada pela interven-o oficial - e tambem defendida por artistas e intelectuaisconservadores -, cons iste na quase absoluta nfase dada na res

  • taurao e manuteno dos monumentos e elementos cul tura is produzidos pelas classes dominantes do passado e do presente: p!lcios, sobrados, solares, teatros, templos, artefatos beli-cos, jias, cristais, etc. - elementos que, vale insistir, ta~bem no escapam apropriao estilizada do uso capitalista.Trata-se de atitude que encontra confirmao na maneira comoe escrita e transmitida a histria de um pais, histria esta- a oficial - que nunca comporta ou assume um heri ou um hi-no de carter efetivamente popular. Sob tal orientao, o cuidado e o tratamento dos monumentos e vestigios culturais dasclasses e dos segmentos sociais oprimidos so sistematicamen-te deixados de lado e, via de regra, um monumento de um seg-mento desses s e "1embrado" (salvo a oportuni dade de uso mercantil) quando os interessados esto organizados e conscien-tes e, por isso mesmo, em condies de cobrar e de exercerpresso - como,alis, aconteceu, cerca de alguns poucos anosatrs, Com o templo da "Casa Branca" em Salvador a exigiroseutombamento pelo SPHAN. Fora isso, a sua memria e produo cultural so util izados e vendidos como "artesanato"; so, Umavez mais, estilizados (inclusive como verdadeiros manequins)nas telas ou nas pginas de algum pintor ou escritor bem suc~dido para um vernissage ou um best-seller a mais para o cons~midor endinheirado; so incorporados e ajustados aos mecanis-mos de produo e troca de mercancias; so simplesmente esqu~cidos e perdidos no tempo e, no raro, sumariamente elimina-dos quando, por uma ou por outra razo, no podem ser domadosou adaptados aos designios atrs citados. Afinal de contas,Zumbi, Pajeu, Jose Maria ou o Conselheiro jamais sero admitidos "pacificamente" e sem reservas, pela historiagrafia ofi-cial, como os heris que de fato foram - alis, os verdadei-ros heris nos horrores de suas memorveis odisseias. Jamaispassaro, na literatura oficia", de meras lideranas de "fan~ticos" ou de bandoleiro,; sem quaisquer significados, por in-conscientes que fossem, de liberdade e de elevao da condi-

  • isso com a cultura negra, com as festas populares e ate compessoas e ambientes brutalmente inumanos, como o caso deAlagados, a maior "invaso" de habitaes populares sobrerea de mangue existentes em Salvador. Coisas como estas PQdem ser encontradas nas esculturas de certos escultores, napintura de certos pintores, na literatura de certos escrito-res e na msica de certos compositores - todas elas estiliza-das, "embonecadas", "romantizadas", etc., para se ajustaremao gosto do bom consumidor oficialou burgus. Podem ser fa-cilmente visiveis a olho nu em murais localizados em salesde bancos privados ou oficiais, em grandes sales de shopping-centers onde a tnica e a banalidade generalizada ou em. con-fortveis apartamentos ou manses em arejados bairros reside~ClalS, como podem ser vistos ou vis;veis tambm nas festas delargo, nos carnavais ou simplesmente nas paradas de sucesso.

    Patricia Galvo e seus companheiros da Vanguarda Socialistaj denunciavam tais procedimentos e alguns dos seus princi-pais patrocinadores (sobretudo, naturalmente, os ancestraisdeles ainda vivos e atuantes) com desusada perspiccia e viv!cidade, h cerca de meio seculo, quando essa produo longeainda estava de se inserir nos modernos meios e mecanismos deproduo e difuso. De l para c alguns desses procedimentosmudaram, decerto para pior. Assim, certa literatura, certasartes ou, se quisermos,. certas escolas, passaram de "realis-tas" para a menos exigente e sempre mais cmoda condio deprodutores de mercadorias busca do mercado de sucesso fcilpelo best-seller e pelo elemento de ponta nas paradas de su-cesso. Se, em tais casos, o especifico approach "realista"afrouxou a sua rigidez esquemtica e dogmtica, o metodo, po-rem, no essencial permaneceu. Porem, o mais incrivel no e nemconstatar esta permanncia prolongada e adaptada aos novostempos e s novas demandas de um mercado de elite ou de um me!cado de massas assombrosamente manipulado, mas sim constatar

  • que depois de Patricia, seus parceiros e seu movimento, transcorridos cerca de cinquenta anos, pouco ou nada de critica seria foi feita (s elogio fci1 e conveniente), nem mesmo (eprincipalmente) agora quando o quadro de uma tal produo setornou extremamente problemtico. Isso sem contar que termi-nou por tecer intimas relaes com os ambientes, agentes e r!gimes mais retrgrados de toda a nossa histria, sobretudo amais recente.

    o que esta produo demaggica e rentve1 terminou objetiva-mente pretendendo fazer foi lanar uma ponte orgnica entresistema e agentes de um poder discricionrio ao extremo e asmanifestaes populares - tudo isso base da esti1izao me!cantil de caracteres tornados inertes, e fci1, e devidamen-te absorvidos, e disseminados segundo os interesses do capi-tal e do poder. Foi e e desta forma que "eliminaram" a contr!dio embutida nesta relao que e, em ultima instncia. umacontrad-iode classe. Pagu e seus companheiros nem mais solembrados mas, em compensao - em compensao: -, sobre osex-"realistas" e seus filhotes repousam todas as benesseseencomendas, todos os amparos e interminveis_elogios (acompa-nhados de placas, medalhas, diplomas, comendas, monumentos, h~menagens e nomes em equipamentos de uso coletivo, praas eruas, no importa onde e a que preo) e os convenientes reto!nos econmicos e sociais patrocinados por sequazes, aproveit!dores e mecenatos no menos desqua1ificados - alguns dos quaistornaram-se "notveis" em egregias" academias de letras semjamais terem escrito uma s linha que no fosse de discursoe1eitoreiro.

    Da decada de 50 de 60 era difici1 contar com um largo movi-mento de critica, nos termos acima colocados, porquanto o es-tilo de produo cultural largamente hegemnico foi exatamen-te aquele que perdurou pelo menos ate o golpe de 1964.De 1964

  • dcada de 70 no foi possivel esperar mais, desde que rei-nou sobre o pais o mais cabal obscurantismo que interceptavano nascedouro a menor inteno critica. E agora tem inicio,com o advento da Nova Repblica, uma fase que se nos apresen-ta, ate aqui, como dolorosamente impotente na qual, at mesmopor falta de 1an ou de projeto, no se tem feito muita coisaalm de revirar os bas das dcadas de antes do golpe na ten-tativa de encontrar frmulas (gastas) para pensar um presen-te e um futuro avessos a esquemas j de si esclerosados e su-perados, independentemente das conjunturas em que nasceram. Ecom um agravante: a Lei Sarney , referente ao Ministrio daCultura, vai decerto tornar muito pior esse estado de coisas, medida que entrega de vez e diretamente ao grande capital,como numa bandeja enfeitada de recursos e subsidios, a produ-o artistica e cultural brasileira. Nunca tero tido tantasasas os mediadores intelectuais que se colocam entre a cultu-ra e a memria de um povo e.os mecanismos de cooptao do ca-pital e do Estado. E o capital, que no tolo, vai desta vezcristalizar o comando da produo artistica e cultural ba-se do seu instrumento infalivel: a lei do valor nas condiesde uma economia crescentemente monopolista.

    A segunda postura essencial na conduo da preservao de mo-numentos, sitios e elementos da memria e da cultura em ge-ral, s existe como postulao de vez que, t~deDendentementede seu carter e da justeza que possa ter ou deixar de ter p~ra quem a defende ou a combate, no tem a menor possibilidadepolitica de ser levada a efeito nos limites de uma sociedadecapitalista. Trata-se da concepo, defendida inclusive poralguns intelectuais ligados a algumas "minorias" (sobretudoraciais), ou firmemente inscritos em seitas, que nega a necessidade ou a importncia da preservao dos monumentos e ele-mentos c~lturais e artisticos das classes dominantes, postu-lando' a preservao exclusiva dos monumentos e elementos cul-

  • turais e artisticos das classes ou minorias dominadas. s nose pode ver nisso uma atitude, alem de criminosa, desproposi-tada de tudo - sobretudo de factibilidade histrica - porqueinfelizmente, como se sabe, alguns paises que se declararamrompidos com as formaes sociais ate aqui vigentes reproduziram e ainda reproduzem dogmas desse tipo. No por acaso essaatitude anda combinada, no campo da arte, com outro tipo depadronizao, de uma padronizao grosseira em nome de um certo "realismo". Os dois estilos, aparente ou supostamente opos-tos, encontram-se e coincidem pelo menos neste ponto comum:, astandartizao que obedece a um padro de politica de seita,de um lado, e a standartizao "elegante" para o mercado, deoutro.

    o erro desta concepo reside em no compreender que a hist-ria das classes sociais, feita, toda ela, essencialm~nte deconflitos, no pode ser registrada em fragmentos ou rupturasartificiais ou arbitrrias, mas sim completa na sua manifest!o scio-dialetica concreta. Este e o erro politico, porque,por outro lado, e falsa a afirmao de que a arte ou a cultu-ra produzida pela intelligentsia das classes dominantes nun-ca tenha nada a acrescentar, seja em contedo, seja em formasde expresso, ao acervo artistico e cultural da h~anidade c~mo um todo. No minimo se pode contrapor a uma tal afirmaodizendo qU a referida intelligentsia, como a sua produo,no pode ser vista, abordada e, principalmente, julgada de ~do indiscriminado. Para exemplificar pelos extremos - inclusive para ver se para alguns a argumentao fica desta formamais clara e convincente -, no se pode misturar artistas me-diocres que se puseram conscientemente a servio dos nazistasnem mesmo com certa categoria de romnticos (ainda entre osalemes) que, apesar de um acentuado reacionarismo em suasposies politicas e ideolgicas, tinham, de qualquer maneira,importncia como artistas. O critico marxista ingls Terry

  • Eagleton, no seu MaJl.X.i..6moe.CIca. UteJ1Ja., chama a aten-o para isto em duas passagens interessantes. Uniadelas e~ta: No .6e. tJuU:a. de. .6abeJt.6 e. e:ta.6 .6o, e.m .teJlmO.6 po.attC.O.6 ,'pJwglLe.6.L6:ta.6l ou 'ILe.aCJYI.Ja..6' r ) - a.6.6-mc.omo .tambm11M ve.m ao c.a.&o o a.to de a mlLJla.do.6 eCJ:tOlLe lLec.onheu-damen.te ma..L6 -mpolL.ta.n.tedo .6c.ulo v.in.te: Ye.a..t6, EUo.t, Po'und,LQWIl.enc.e.- .6e,'[.e.m, e.m po.at.
  • plitudes de poesia, fora, valor esttico e transcedncia,obras que exatamente rasgaram horizontes de liberdade em seusrespectivos tempos, como as de um Michelngelo, um Mozart ouum Beethoven, um Balzac, um Czanne, um Kafka, um Tolsti,umCamus, um Mann, entre muitos e muitos outros, e a criminos~e injustificada "caa s bruxas" teria de comear muito cedo,por um Esquilo que, como se sabe, era ligado aristocraciade Atenas, ou ento por demolir monumentos arquitetnicosproduzido~ pelas classes dominantes (as pirmides do Egito,as catedrais gticas europeias, etc.) que, pelas s~as inova-~s tecnicas e pelo seu valor exatamente artstico, combin!do com seu significado histrico passaram a ser patrimniointransfervel da humanidade.

    Alis, a concepo sectria sobre a obra artstica e cultu-ral manifesta-se tambm por outros variados aspectos, e umade suas manias consiste em ver obra "decadente", sem maissem menos, em tudo o que no se enquadra no voluntariSInO triu.!lfalista de seus esquemas propagandsticos. Para tal concep-o, s para figurar, o Goethe trgico de Ols So6Jl11entoll' doJovem (lJeJLtheJt seria certamente um "escritor decadente", ousimplesmente "burgus", por apresentar um heri que sucumbe(" derrotado") diante de um turbilho de paixes ''burguesas'~"desvios" aosquais incapaz de controlar. A "decadncia" e,!taria na ausncia de um heri, necessariamente padronizado,que sasse inclume e vitorioso daquele intenso vendaval dedramas terrveis, na verdade nada "pessO'ais". Uma tal conceE.o no pode perceber que o que menos conta numa obra como acitada a tragdia, em si, do jovem Werther (poderia ser oGustav von Aschenbach, de T. Mann), vale dizer, a sua neces-sria e imediata morte - a sua imploso, se quisermos; que,por assim dizer, aquela morte O preo, elevado, mais al-ta tenso humana, da persistente e apaixonada defesa, pelomesmo Goethe romntico ao extremo (no o caso de T. Mann),

  • dos valores mais universais que ele via na hatureza e na humanidade; que, por conseguinte, a tragediaconstitui-se numaeloquente forma de denuncia da negao histrica - pelo capi-talismo triunfante - de tais valores; que, numa palavra, o h!ri consumido nas suas paixes e impossibilidades (nada ab!tratas ou "reacionrias" para o tempo) mas que, em contrapar-tida, permanece de p a bandeira dos valores que fizeram deGoethe o poeta e dramaturgo geniais que foi em obras como aacima citada - genio que, para concluir, ter seu valor sem-pre mais ressaltado quanto mais a sociedade humana progridae seja capaz de reconhecer, realizar e desenvolver (sempre emaspectos e combinaes novas) os valores mais elevados ali j~reclamados. Uma mesma concepo mostra-se da mesma forma in-sensivel s demonstraes, mesmo as mais fortes e profundas,que so feitas por um Sartre, um Kafka, um Genet ou umCamus,acerca da alienao, do descompromisso cotidiano e da. gosmadeixada pelo sistema nos seus pores (prises e prostibulos),produzidos e reproduzidos por esta mesma estrutura social naqual vivemos, na consciencia e nas atitudes dos homens agindopor dentro de poderosas engrenagens.

    t preciso ter, ademais, sensibilidade para ver que todos, ouquase todos, os grandes e graves problemas ideolgicos e asmais contundentes deformaes espirituais, produzidas e multiplicadas na consciencia e no comportamento dos homens pela --como dizem algl.\ns- "sociedade moderna" ou "ps-industrial"(capitalista) de hoje, esto genialmente condensadas em obrascomo MoJLte em Veneza, Tolo KJr..ogeJt, A N.u.&e.a,A Queda, NOMaSenho~ ~ F!o~e6, entre muitas obras, e que, em termos dedenuncia e elevao de um conhecimento profundamente renova-dor, j no pouca coisa: Para os que portam uma tal concep-o, e inadmissivel que homens como Camus e Kafka se quedem

    na denuncia artistica e filosfica desse tipo de existencia;faz-lhes falta, por certo, em obras como O E~~g~ e A Me

  • tamOIl.60.6e., as saidas triunfalistas do tipo "o povo nunca apa-nha" to comuns a determinado tipo de "realismo" torpe. Estaconcepo no compreende ~ porque no est interessada nisso - que a apreciao da obra de arte no pode nem deve pau-tar-se por criterios rigidos que mal se distinguem dos que sopraticados no "mundo do mercado" - o mundo ao qual, por su-posto, ela pretende se contrapor.

    Aqui, e preciso falar francamente, encontram-se numerosissi-mos exemplos de criaes autenticamente populares, seculosaps seculos e nas mais distantes e variadas regies do globo,que conseguiram, e ainda conseguem, expressar-se em termos deelevados significados e valores artisticos e que conseguiramcaptar, re-criar e transmitir valores transcedentes aos seusrespectivos tempos - criaes que a histria da humanidadehaver de armazenar e reproduzir dinamicamente; mas, a bem daverdade, quantas, entre todas essas criaes, conseguem igua-lar-se aos padres produzidos por um Goethe,um Heine, umPi-casso, um Van Gogh, um Thomas Mann, um Tolsti, um Stendhal ?Ou no ser que o que algumas pessoas, alguns grupos e algu-mas concepes qe gostam de mistificar "o povo" deseja mesmoe, em seu nome, coagular o desenvolvimento das artes, da ci~cia e da filosofia e manter, desta forma e a um s tempo, es-se mesmo povo embrutecido e longe do convivio edo acesso qu!les que tiveram condies e que souberam elevar a dignidadee a conscincia humanas sua mais fina e elaborada depuraoem cada momento? Alis, todos aqueles que, sem distino,re-ligiosos ou no, em nome do "proletariado" ou do "bom e puropovo", desejamve-l o "1ivre" dos inte1ectuais, nada mais es-to pretendendo para esse mesmo povo alem da eternizao ~oembrutecimento e da ignorncia a que ele foi e e sempre so-cialmente submet.ido~ e no esto, seno, tentando encobrir ejustificar uma atitude extremamente autoritria que, em al-guns asos, mal se distingue, pelos metodos e pelas intenes,

  • do terror fascista. Um povo verdadeiramente esclarecido. cul-to e consciente no e. afinal de contas. um povo facilmentemanipulado. e a "educao" e a "politizao" massificada emcima da standartizao no e. nem nunca foi. sinnimo de es-clarecimento.

    A terceira postura. a postura correta que. a nosso juizo. ja-mais vai ser encampada - e muito menos em toda a sua plenit~de - pela politica oficial do Estado. consiste em estabele-cer equilibrio nestes dois sentidos combinados entre si: pre-servar todo o acervo artistico. arquitetnico. filosfio cie~tifico e cultural de todas as classes sociais a um s tempopara que que este acervo possa ser um elemento integral (emtodos os sentidos) de educao e tomada de conscincia - ouseja. para que. de um lado. o humano que transcende possa serapreendido onde possa estar e. de outro. para que a sua dialetica interna possa ser apreendida na sua inteireza por quan-tos o discutam; numa palavra. para que a compreenso do com-plexo processo de luta de classes no seja mutilada em quai~quer dos seus aspectos. E importante saber reconhecer critic~mente o humano e o embrio do universal que deve existir nosmelhores exemplares dentre esses diversos segmentos de expre~so e. ao mesmo tempo. saber dar relevo critico s funes s~cio-ideolgicas cumpridas pela produo da intelligentsia dasclasses dominantes ou formadas no seio delas.

    Mas a critica s funes scio-ideolgicas cumpridas pela in-telligentsia das classes dominantes. formada ou apenas origi-nria (no importa base de que laos e por quanto tempope~durem) do seio delas tambem no pode ser qualquer uma criti-ca. no pode ser uma critica baseada em criterios e referen-ciais estreJtos. dogmticos e indiscriminados - e neste sen-tido seria bom apreciar as excelentes criticas feitas porMarxao prprio Goethe. Ela requer um metodo. muito cuidado. e no

  • menos sensibilidade. De um lado est - e deve ser como talreconhecida e denunciada - a referida funo, que nao podeser gratuitamente eliminada "em nome do genio" ou no de um suposto primado absoluto do valor esttico e que, objetiva e,svezes largamente, pode ser descoberta; e de outro est a esf!ra da produo art;stica propriamente dita, que possui seusprprios atributos e, nos dom;nios deles, uma imensa e gener~sa autonomia. A nosso juizo toda a obra do critico . marxistaAdolfo Sanchez Vazquez caminha muito para a primeira tendn-cia, que consiste em minimizar os sintomas do que se poderiachamar de uma "sociologia da arte" - como certo que as co.!:!.cepes stalinistas caem irremediavelmente no erro oposto.

    De maneira que as duas tendencias, que de fato se relacionamem certo mbito e em certa medida, no podem ser aproximadase coladas entre si de forma direta, maniqueista, automticae mecnica, maneira de um decreto - um decreto sempre abo-minvel, diga-se de passagem. A produo e a expresso tradu-zida em obra de arte ou num artefato reflete sempre, como jfoi acentuado por vrios autores marxistas, um dado meio numdado tempo social; e os liames, muitas vezes imp~cept;veis,indiretos e, inclusive, permeados de uma enorme densidade deimaginao, fantasia, margem de criatividade e corresponden-te liberdade de criao (que, ao contrrio do que deve acont!cer com a produo cient;fica, so prprios e exclusivos daproduo art;stica), so no s objetivos como podem ser en-contrados em certa ampl itude - e de tal maneira que constituiatitude igualmente arbitrria a que consiste em querer elimi-nar qualquer ordem ou grau de ligao entre as imagens art;s-ticas e as suas condicionantes sociais - liames que podemser constatados mesmo nas produes abstracionistas, surrea-listas, etc. Mas isso no deve nos conduzir a uma pusilnimerendio concepo dos que eliminam a riqueza de caminhosque transitam, dialeticamente, de uma instncia outra. Ora,

  • se at mesmo a mais exigente produo de noes e categoriascientificas usa os imprescindiveis recursos da imaginao (impossivel pensar e formular conceitos abstratos sem o empr~go, embora aqui disciplinado, da imaginao), o que no di-zer da produo artistica em cujos dominios a imaginao notem nada a ver com a fotografia ou no deve qualquer atribu-to a nenhum rigor ou parmetro lgico? Como querer e preten-der ento que entre os fatos sociais (e seus condicionantes)e as imagens artisticas no entre solta a imaginao a vagar,explorar, enriquecer e embriagar esse espao e trajeto togenerosamente amplo? At artistas - e com mais razo: - reconhecidamente engajados, como Brecht, demonstraram que, nosverdadeiros exemplos de realismo (no "daquele" realismo es-tereotipado ...), esse espao e essa distncia so grandes esempre abertos mais larga e generosa criao e fantasia. Ocarter e a dignidade, tomados na mais sria e sublime acep-o do termo, de um Balzac,. um Tolsti ou de um Dostoievski,eram to grandes e to soberbos que a criao artistica e i~telectual desses homens aristocrticos foi sempre uma evasorumo ao universal, necessariamente nunca completada mas sem-pre insistente, dos seus marcos ideolgicos de origem - na-quele exato sentido acentuado por Terry Eagleton. No obsta~te a fuga nunca ter-se cumprido completamente (e nem podia:),a prpria fuga era to criativa e to fantstica que pre-enchia a referida distncia de valores humanisticos e de si~nificados e alcances universais ilimitados. Alis, com a ev~luo da criao artistica - considerada obra por obra, ar-tista por artista - passa-se algo parecido com a produo doconhecimento. J se disse, e com justeza, que o limite do c~nhecimento absoluto o infinito, e que, no obstante isso,este conhecimento absoluto j se encontra, em certa medida,no conhecimento relativo e localizado. Esta colocao elimi-na, de um s golpe, o relativismo inconsequente e as falsas

  • globalizaes metafisicas. o conhecimento relativo mantem umtrao de ligao viva com o conhecimento absoluto, e pormeio deste trao que deste ultimo se aproxima e qe, ao mes-mo tempo, confere objetividade ao prprio conhecimento. A rigor, portanto - e e isto o que se deseja destacar - no e-xiste, em qualquer momento dado, um conhecimento absoluto,mas somente e sempre a sua possibilidade para a qual o movi-mento est sempre a indicar. Cada conquista feita por umgra.!!de artista encaminha-se num sentido parecido com este. Comefeito, no existe o "humano universal" - que seria uma ide!lizao abstrata e coaguladora do prprio movimento -, mas umhumano que se refaz cada instante, que varia com a evolu-o da prpria humanidade e que, no entanto, tende para a co~pletao igualmente ~ituada no infinito. No obstante isto,em cada transcedncia ao seu tempo (e e este o exato significado do termo "transcedncia") produzida por um grande arti~ta, existe um lao e um embrio que o liga a esta possibili-dade sempre no limite, mas sempre reiterada enquanto busca.No , pois, porque atingiram o humano e o universal "absol~tos" que as conquistas realizadas por esses homens se torna-ram perenes, e sim porque - e medida que - estabel eceramum trao de unio sempre (e necessariamente) mvel e renov-vel entre o seu tempo e as mais largas perspectivas de evoluo da humanidade.

    Balzac e Tolsti eram aristocratas. Jean Genet era, para muitos, um "decaido". E dai, qual a importincia disso? ~ por i~so - por tudo isso, portanto - que, mesmo entre artistas dereconhecido e insofismvel alinhamento politico e ideolgicocom a burguesia, no raro se pode encontrar imensas riquezasde conteudos e formas de expresso, porque eles, numa pala-vra, se tm gnio e talento e no fazem do mercado um fim emsi mesmo, no so e nem esto obrigados a serem cabotinos,estilizadores baratos ou porta-vozes (melhor dito, robots) C!

  • gos eautomticos da estreiteza, da estuoidez, da mesquinheze da sordidez de sua classe de origem. Por isso tambm quecheira mal a desconfivel atitude que consiste em catalogar,"sem mais delongas", os artistas em "burgueses" e "prolet-rios"edar o assunto por encerrado. A coisa no , no minimo,to simples assim, e ridiculo pensar que o seja. Ridiculo epernicioso. Tudo o quanto se pode e se deve exigir de um ar-tista o grau de fidelidade que a sua produo confere a es-sa caminhada; ou seja, estabelecidos os caminhos da busca des-se humano-em-renovao na perspectiva sempre mvel do absolu-to distante, averiguar se a sua obra est lanada - se dire-ta ou indiretamente, e ainda em que medida - neste caminho,desde o ponto de vista artistico e social. Eser flexivel qua~to maneira e ao estilo que cada um escolheu no intuito derealiz-la. Quanto ao estilo - ou "escola", se quisermosdeve existir uma generosa flexibilidade e evitar a cataloga-o abusiva dos "ismos". Desde que o principio da busca esteja em curso, o uso e o emprego de recursos - "velhos" e "no-vos", mas sempre em combinaes e criaes renovadas segundoas exigncias de cada tempo - tambm ilimitado. Por outrolado - imperioso insistir nisso - no com qualquer con-cepo (ou ideo 1og ia) que um art ista, sobretudo no mundo dehoje (totalmente encharcado do "espirito" e da estrutura damercadoria, que exaurem inexoravelmente as energias e as pos-sibilidades da criao artistica escala universal), vai co~seguir esta ultrapassagem urgente e necessarla, mas este e umassunto que no cabe num trabalho como o presente.

    t preciso denunciar o elitismo das politicas oficiais da pre-servao, mas igualmente impostergvel e necessria a denu~cia do erro oposto, o erro daqueles que mistificam o povo, queo endeusam acriticamente e que professam que o povo incond~cionalmente'sbil, "bom" e perfeito ou que tudo o que por elee produzido tem valor e significado artistico, etc., como se

  • o povo no constituisse uma estrutura social contraditria, c~mo se ele no estivesse maciamente sobrecarregado de ideolo~gia estranha aos seus prprios des;gnios histricos, ou comose no mais se justificasse, por ele j possuir tudo isso, asua prpri a 1ibertao - o que no quer dizer que faamos tabul arasa do povo, evidentemente. Para esses maus tutores do povo,para esses clericais que nem conseguem enxergar o autoritari~mo e o reacionarismo de tais posturas - as quais, em ultimainstncia, ao darem o povo como uma categoria social "pura",limpa, pronta e acabada, na verdade do as costas sua verd!deira educao - passamo-lhes as palavras de alguem que sa-bia levar o povo a serio - Brecht: "... M.b-i..do que. tambm o-6ub-6tan:ti..vo 'povo' tem um ae.e.rtto muLto paJL:Ue.u.R.aJt.,um ae.e.rttofte.U..g-i..oM, Mlene e .~MpeJ.-tO ao qual rto de.vemo-6 -i..grtOftaft c!en0ftma alguma. No devemo-6 -i..grtOftaftute. -6Mpe.Uo ae.e.rtto poftquertee.u-6-i..tamo-6 de todM M man/tM u:i.UZaft o e.Orte.eJ.-tode ~pu.tM ... E plte.wame.rtte. rtM e.hamadM Ve.MU 'poti.e.M' daftea.t-i..dade ortde. o 'povo' -6e mOf.>tItama-i..-6-6UPe.Mti0-60 ou., paJta.-6e.Jt ma-i..-6 exato, o rtde de-6pe.Jtta ma-i..-6a -6upe.M ti.o. AU o po votem -6ua..6 qua.t-i..dade-6 J.mu:t.vw, -6ua fte.U..g-i..odade, -6e.M -i..rt-i..m-i..-gO-6 he.Jte.ctJc...J.mpi.e-6-me.rtte. da mu.ttido d0-6 que tltabalham, do 'pequeno povo' emopo.o aO-6 gJtartde-6 . A ~tJt-i..a dM mu.Ua..6 na-i..Mc.a.e-6ftea.t-i..zadM e.om bMe rtO e.Orte.e.Uo de povo uma ~tJt-i..a .tMgae. e.omplic.ada e uma ~tJt-i..a da luta de c..tM-6 e-6" (4)

    REFER~NCIAS BIBLIOGRAFICAS(I) REVISTA DA BAHIA. Salvador (9): 4-13, jun. 1988.(2) SARAIVA, Jos Flvio Sombra. Formao da Africa Contempo-

    ranea. so Paulo, Atual, 1987.