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o PAPEL DA HISTORIOGRAFIA COMO INSTRUMENTO DE AVAUAÇÃO DO SURGIMENTO DA GESTÃO URBANA CONTEMPORÂNEA 1 A perda da dimensão histórica do processo concreto na produção dos atuais conceitos e técnicas utilizados pelo planejamento urbano estão produzindo uma leitura e uma apropriação deformadas de certos instrumentos técnicos fundamentais para a efetiva transformação da gestão urbana visando um processo democratizador no uso da cidade capitalista. A historiografla da história do urbanismo enquanto instrumento de análise tem sido pouco utilizada, no sentido de compreendermos melhor o processo de construção da cidade capitalista. A reconstrução das origens da cidade contemporânea (Folin, Dai Co, Piccinato, Indovina e outros) procura explorar um campo importante que é a história da cidade capitalista e as origens dos processos de controle desenvolvidos pelas várias frações da classe dominante (burguesia industrial, financeira, aristocracia). A história do urbanismo moderno vai apagar e reconstruir uma nova interpretação sobre esse momento de transição da cidade barroca para a cidade contemporânea a partir da ideologia produzida durante a realização de várias CIAMs (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna) em 1928 a 1930. A origem da cidade contemporânea tem por modelo o tipo de gestão urbana desenvolvido pela Alemanha após seu processo de unificação em 1870. Este modelo é a base para compreendermos a atual crise de administração urbana, bem como a maneira como se dá a apropriação das técnicas e instrumentos utilizados pelo planejamento urbano. A reconstrução da historiografia do urbanismo passa necessariamente pela reconstituição dos caminhos que este corpo disciplinar percorreu. A Escola de Veneza, nos seus principais trabalhos produzidos e difundidos, baseia-se na análise das condições gerais de produção e sua relação concreta com a configuração urbana, principalmente no caso alemão da segunda metade do século XIX. Ela vai contextualizar a produção teórica sobre a metrópole junto com o surgimento do corpo disciplinar do urbanismo através da releitura dos trabalhos de Reinhardt Baumeister (Stadtserweiterungen, 1876) Eugne Hénard (Les Transformations de Paris, 1903-1908), Richard Hurd (Principies of City - Land Values, 1903), que antecedem as análises realizadas pela Escola de Chicago e que vão dar origem às primeiras idéias do urbanismo moderno. A Alemanha, dado o seu processo de urbanização e as relações concretas deste com as condições gerais necessárias ao processo de acumulação, é um grande laboratório de práticas, propostas e estudos sobre urbanismoque serão re1erenciaispara outros pafses. Georg Simmel escreve A Metrópole ea Vida Mental (Die Grosstãdte und das Geisteleberlj, em 1902, que no mesmo ano foi publicado em Chicago, vindo a ser um re1erencial teórico importante para os estudos da Escola de Chicago. Massino Gacciari analisa a importância conceitual e teórica da Sociologia alemã (Durkhein, Max Weber,

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  • o PAPEL DA HISTORIOGRAFIA COMO INSTRUMENTO DE AVAUAO DOSURGIMENTO DA GESTO URBANA CONTEMPORNEA 1

    A perda da dimenso histrica do processo concreto na produo dosatuais conceitos e tcnicas utilizados pelo planejamento urbano estoproduzindo uma leitura e uma apropriao deformadas de certosinstrumentos tcnicos fundamentais para a efetiva transformao dagesto urbana visando um processo democratizador no uso da cidadecapitalista.A historiografla da histria do urbanismo enquanto instrumento deanlise tem sido pouco utilizada, no sentido de compreendermos melhoro processo de construo da cidade capitalista. A reconstruo dasorigens da cidade contempornea (Folin, Dai Co, Piccinato, Indovina eoutros) procura explorar um campo importante que a histria da cidadecapitalista e as origens dos processos de controle desenvolvidos pelasvrias fraes da classe dominante (burguesia industrial, financeira,aristocracia).A histria do urbanismo moderno vai apagar e reconstruir uma novainterpretao sobre esse momento de transio da cidade barroca paraa cidade contempornea a partir da ideologia produzida durante arealizao de vrias CIAMs (Congresso Internacional de ArquiteturaModerna) em 1928 a 1930.A origem da cidade contempornea tem por modelo o tipo de gestourbana desenvolvido pela Alemanha aps seu processo de unificaoem 1870. Este modelo a base para compreendermos a atual crise deadministrao urbana, bem como a maneira como se d a apropriaodas tcnicas e instrumentosutilizados pelo planejamentourbano.

    A reconstruo da historiografia do urbanismo passa necessariamente pelareconstituio dos caminhos que este corpo disciplinar percorreu. A Escola de Veneza, nosseus principais trabalhos produzidos e difundidos, baseia-se na anlise das condies geraisde produo e sua relao concreta com a configurao urbana, principalmente no casoalemo da segunda metade do sculo XIX. Ela vai contextualizar a produo terica sobre ametrpole junto com o surgimento do corpo disciplinar do urbanismoatravs da releitura dostrabalhos de Reinhardt Baumeister (Stadtserweiterungen, 1876) Eugne Hnard (LesTransformations de Paris, 1903-1908), Richard Hurd (Principies of City - Land Values, 1903),que antecedem as anlises realizadas pela Escola de Chicago e que vo dar origem sprimeiras idias do urbanismo moderno.

    A Alemanha, dado o seu processo de urbanizao e as relaes concretas deste comas condies gerais necessrias ao processo de acumulao, um grande laboratrio deprticas, propostas e estudos sobre urbanismoque sero re1erenciaispara outros pafses.

    Georg Simmel escreve A Metrpole e a Vida Mental (Die Grosstdte und dasGeisteleberlj, em 1902, que no mesmo ano foi publicado em Chicago, vindo a ser umre1erencial terico importante para os estudos da Escola de Chicago. Massino Gacciarianalisa a importncia conceitual e terica da Sociologia alem (Durkhein, Max Weber,

  • Simmel) como elemento para a estruturao da teoria ecolgica (A Dialtica do Negativo napoca da Metrpo/~. Diz ele:

    Diante dessa metrpole se acaba toda aura. Haussmann expressa a vontade dopoder da metrpole; realizar a metrpole destruindo o ideal dialtico da sociedadecomo comunidade. Usa a cidade diretamente como mercadoria, e abre a especulaodo grande capital financeiro, expulsando-o de seu centro.Haussmann concebe a metrpole diferente da cidade como cenrio da luta declasse~.

    Na Alemanha, o brusco e rpido boom de urbanizao provoca rupturas radicais,levando o Estado prussiano a procurar reprimir e controlar esse processo novo e dirigi-Io. Apartir dessa questo importante analisarmos o processo de urbanizao naquele pas nofinal do sculo XIX, quando tm incio as primeiras experincias de definio do campodisciplinar e dos instrumentos tcnicos, assim como das teorias explicativas, que "serousados pelos urbanistas.

    A anlise do contexto histrico se faz necessria para que possamos reconstruir asinteraes entre as condies gerais da produo e o papel que o locus urbano exerce nocaso alemo. A recuperao e a reconstruo do objeto de estudo a partir do materialismohistrico nos permite o uso desse instrumental de leitura, para no cairmos nos medelosestruturalistas de explicao do urbano. Por isso, o zoneamento enquanto tcnica deinterveno s pode adquirir a posio de neutralidade ao abstrair o seu contexto histricoconcreto de formulao.

    Assim, Baumeister escreve o manual A Expanso Urbana em seus AspectosTcnicos, Legislativos e Econmicos, em 1873, em que expe os requisitos, as funes econformaes do plano regulador, definindo, com grande exatido, as caractersticas geraisque Rude Eberstadt determinar mais tarde, em 1910,como A Estrutura da Cidade de NossoTempo, no manual sobre a situao da habitao e sobre a questo da habitao, no qualele diz:

    As tarefas do presente exigem princfpios autnomos para a planificao das cidades.Os detalhes do nosso plano urbanfstico devem nascer de forma planejada e sobreregras bsicas precisas. Para um plano geral, portanto, devemos desenvolver umaforma base (Groundform) que corresponda estrutura da cidade de nosso tempo naqual se possa incluir cada uma das partes?

    Os manuais tcnicos do urbanismo que surgiram nos meados do sculo XIXdefendiam a autonomia do espao construdo das cidades. Esta posio conceitual visavadar aos urbanistas e administradores urbanos uma maior liberdade operativa para osinstrumentos tcnicos que, aparentemente, no estariam reproduzindo as relaeseconmicas dominantes. Nos trabalhos de Baumeister j esto colocados os conceitosbsicos que procuram encontrar analogias e fenomenologias capazes .de dar umasimilaridade com tecidos orgnicos naturais, como na Biologia.

    Os .principais canais atravs dos quais a prtica urbanstica se consolida comodisciplina so os manuais tcnicos e tericos, exposies, congressos e revistasespecializadas. Nos primeiros momentosde formao do campo disciplinar e das tcnicas deinterveno, como o zoning, os grandes congressos ocupam um papel importante deFItrodocontexto de cultura de massa. Os principais eventos que iniciam a formao da culturaurbanfstica so em princfpio as exposies gerais universais (Paris, 1889; Chicago, 1893;

  • Paris, 1900), assim como os congressos de arquitetura ou as reunies de associaesprofissionais.

    Em 1903 ocorre em Dresden o que se considera a primeira exposio de urbanismopropriamente dita: Die Deustchestadte auss Tellung. A exposio s6 leva em considerao aexperincia das cidades alems; nela se veicula uma quantidade de informaes sobreplanos reguladores urbanos, propostas para habitao e circulao, edifcios e reas livrespblicas e infra-estrutura urbana. Ao todo so 214 planos urbanos das cidades alems, almde vasto material sobre poltica habitacional, construes subterrneas, poltica imobiliria,bancos pblicos e financiamento para programas urbanos.

    O urbanismo alemo o primeiro a elaborar uma legislao urbana especfica pararegulamentar a expanso urbana (Plano de Berlim, 1862). O modelo alemo , e, durante apassagem do sculo XIX para o sculo XX, o modelo de interveno seguido por outrospases. Assim, ao separarmos essa anlise do contexto e do processo de urbanizao daAlemanha, deparamos com a viso estruturalista ou com a viso historicista. A tese por n6sdesenvolvida que o processo de urbanizao teve particularidades naquele momento paraa acumulao e reproduo do capital, em funo da formao do Estado alemo. Aacumulao primitiva que poderia gerar o caos urbano no era permissvel no caso alemo.Por isso, as chamadas condies gerais da produo se ligam com a forma da urbanizao.

    O processo de unificao tardio, que se consolida em 1871 com a derrota da Franana Guerra Franco-Prussiana, faz com que muitos capitais franceses se desloquem para aAlemanha. um perodo de rpido crescimento, muito diferente do caso francs e do ingls,onde existiram momentos diferenciados entre o capitalismo concorrencial e o capitalismooligopolizado e financeiro. O capitalismo alemo no percorreu esses dois momentosseparadamente, mas de uma s6 vez, provocando um boom de crescimento nas suascidades, como ocorreu por exemplo na regio da Saxnia, em Dresden, passando de 90.000habitantes em 1850 para 400.000 em 1900. No vale do Ruhr cidade possua mais de 50.000habitantes em 1871; em 1900 Dusseldorf e Chemnitz possuam mais de 200.000 habitantes.Dortmund passa de 7.500 para 140.000 habitantes, Duisburg de 7.500 para 90.000habitantes. Nos ltimos 30 anos do sculo XIX, a Alemanha j tinha triplicado sua produoindustrial. Em 1907, 50% da (PEA) - Populao Economicamente Ativa - estava empregadana indstria.

    Nesse perodo, o Estado alemo no era um Estado democrtico burgus, mas umEstado controlado pela pequena nobreza de origem junker. A burguesia industrial no tinhaacesso nem ao Estado nem ao poder, mas o Estado guilhermino necessitava de indstriaspara garantir a expanso do imprio prussiano, criando uma diviso de poder local entrecampo e cidade e concedendo poderes para a burguesia capitalista controlar as cmarasmunicipais dos burgos alemes. Desta maneira, a administrao e gesto das cidades sedo sob formas muito particulares de relacionamento entre a burocracia estatal e atecnocracia alem da poca com a burguesia capitalista e o Estado aristocrtico guilhermino.Nesse contexto, vamos encontrar o burgomestre de Frankfurt, Franz Adickes, propondo pelaprimeira vez a concepo bsica do zoneamento modemo de forma definitiva.

    Aps a introduo do zoneamento na Alemanha, publicada em 1893, numa revistaespecializada, a descrio completa das caractersticas tcnicas do zoneamento, colocandotodos os seus fundamentos.

    A gesto urbana na Alemanha tinha um aspecto importante a se observar: a formacomo era feita a escolha de seus prefeitos (Burgmeister). O prefeito e os assessores diretos(secretrios) eram quadros profissionais fixos de carreira dentro da administrao estatal.

  • Existia um grupo que congregava esses quadros chamado Unio para a Poltica Social, decaractersticas reformistas e preocupado com a formulao das polticas sociais do tipotransferncia indireta de renda via programas sociais (habitao, transporte, educao esade). Este movimento tinha grande penetrao e participao na formulao das polticassociais das classes dirigentes.

    Outro aspecto para a compreenso das determinaes o papel dos movimentossociais; no caso especfico, o papel do Partido Social-Democrataalemo que, com o fim dasleis anti-sociais em 1890, ter um papel importante. Neste ano, o Partido Social-Democrata(SDP) consegue 1.427.000 votos (19,7% do eleitorado), obtendo um total de 35 deputadosno Reichstag, em 1912, conquista a maioria do parlamento com 4.250.000 votos e 110cadeiras. O eleitorado do SDP eminentemente formado por operrios ligados aomovimento sindical. Porm, a nvel local (municpio), o sistema de representao noConselho Municipal extremamente autoritrio. Lder do SDP, 8ernstein j colocava napoca que, na Alemanha, a social democracia havia obtido' h muito tempo o direito cidadania no parlamento, o mesmo no ocorrendo no Conselho Municipal.

    Este perodo aps 1890 de intensas mobilizaes por parte dos sindicatos, queconvocam grandes greves gerais em 1891, 1905 e 1912, sacudindo a opinio pblica eforando, enfim, o Estado a aprovar vrias leis de seguridadesocial.

    Ao analisar o Estado alemo neste perodo, importante observarmos que aburguesia capitalista (industrial, financeira e comercial) detm um papel importante nasrelaes econmicas, mas no detm o poder poltico. A burguesia capitalista no temacesso direto nem burocracia estatal central, nem ao poder local. O Estado prussiano altamente centralizado, possuindo uma burocracia bastante qualificada, originria da classemdia, e que tinha um papel fundamental de mediao das relaes entre a aristocracia e aburguesia.

    2. CAPITALISMO TARDIO E O PAPELDO URBANISMONAALEMANHA NA FORMAODO CORPO DISCIPLINAR

    O processo tardio do capitalismo na Alemanha vai colocar a burguesia alem diantede duas questes importantes para a sua consolidaoenquanto classe dominante: primeiro,a convivncia com o Estado centralizado e autoritrio controlado por uma aristocracia deorigem feudal e proprietria de terras e, segundo, a entrada em condies desfavorveis nadisputa dos mercados internacionais. Dentrodeste contexto, as cidades alems cumprem umpapel importante para a consolidao da burguesia4.

    Desde a formao do Estado prussiano at a unificao alem, a aristocracia junkerdependia dos capitalistas no sentido de que estes deveriam suprir as necessidades comrelao aos armamentos e material blico para as conquistas expansionistas do impriGguilhermino. Dentro deste papel, o Estado alemo vai permitir que a sua burguesia industrialtenha liberdade e poderes suficientes para moldar e adaptar as cidades Its necessidades doseu processo de acumulao. Neste contexto histrico particular de formao do capitalismoalemo que poderemos entender de forma objetiva a formao do corpo disciplinar.

    As mercadorias produzidas pelo capitalismo alemo teriam de rebaixar ao mximoseus custos de produo, de tal forma que os preos dentro do mercado internacional astomassem competitivas diante das equivalentes de outros pases. Assim, as "deseconomias"provocadas pelas condi8sgerais de produo dentro do espao urbano deveriam sereliminadas pela racionalizao do uso da infra-estrutura urbana, como a localizao dasreas industriais da cidade, a relao destas com a rede ferroviria e fluvial para o

  • escoamento da produo e o acesso aos insumos bsicos. Outro aspecto importante est nocontrole da renda fundiria urbana, de tal maneira que possibilitasse o rebaixamento doscustos da produo de habitao para os trabalhadores das indstrias e da classe mdialigada aos servios em geral.

    A modernizao das relaes de produo contou com dois fatos significativos. Deum lado, a eliminao das relaes de servido existentes no campo (1807 e 1816), o quelevou a uma exploso demogrfica e aumento da produo agrcola (1816 - 1865), que podeser considerada uma espcie de reforma agrria. Por outro lado observamos, a nvelinternacional, a vitria alem na Guerra Franco-Prussiana em 1871, o que, por meio dasindenizaes de guerra pagas pela Frana, vai possibilitar uma entrada significativa decapitais que sero empregados na industrializaoe na infra-estruturaurbana e regional.

    Outro fator importante foi a construo da rede ferroviria:

    A expanso da rede ferroviria o motor do processo como um todo, sendo que umsculo antes, na Inglaterra, a indstria txtil havia cumprido o mesmo papel. O Estadoprussiano que ir financiar toda a rede, como empresrio e administrador. Em 1840,92% das ferrovias prussianas eram privadas, mas, a partir de 1860, o Estado eraproprietrio de 94,5% do total da rede .... Com cerca de 20 mil quilmetros de ferrovia,superava a rede ferroviria francesa em 2,5%. O suporte dos grandes bancos decisivo; em nenhum outro pafs se registra um caso de estreito relacionamento entreo capital financeiro e a indstria manufatureira. A formao da grande concentraoindustrial e financeira, a modernidade da implantao, o elevado nfvel tecnolgicocontribuem para determinar, aps a crise econmica mundial de 1873, ospressupostos da afirmao da Alemanha como um grande pafs industrial na primeiradcada do sculo XXS.

    A relao entre a chamada fase concorrencial e a fase monopolista do capitalismono ir ocorrer em dois momentos separados como na Inglaterrae na Frana. A Alemanha jcomea a sua industrializao na fase monopolista, combinando com a fase concorrencialque, na realidade, no a antecedeu. Inicia-se a fase monopolista por meio de setores como ometalrgico, o metal-mecnico, o qumico, o eletrotcnico e o eletrnico; concomitantementeocorre a formao de cartis (carvo, ao e indstria farmacutica). Na Alemanha, ocapitalismo no percorreu o caminho clssico passando linearmente por cada perodo(capitalismo concorrencial, monopolista, financeiro, etc.). A interveno do Estado foifundamental para que fosse acelerado o processo de acumulao por meio dodirecionamento das obras pblicas e da infra-estrutura, associando a participao direta docapital financeiro aos setores industriais6.

    Em 1910, a Alemanha exportava mais ferro e ao do que a Gr-Bretanha, a suaproduo de ao era 77 toneladas por homem-ano contra 48 toneladas por homem-ano daInglaterra, e seu preo era 20% mais barato. primeira fase, carbo-siderrgica, segue,depois de 1890, a segunda fase baseada no desenvolvimentoda indstria qumica, eltrica emecnica. Nestes setores, os alemes desenvolveram-semais rapidamente e com estruturaadequada. As' novas descobertas tcnico-cientficas so transformadas rapidamente emtcnicas industriais, acelerando a produtividade e a concentrao industrial. Entre 1882 e1907, os trabalhadores empregados em empresas com mais de 50 operrios passam de26,35% para 45,5%, e o nmero das empresas com mais de 1.000 operrios passa de 250mil para 879 mil. Na Alemanha est concentrada 30% de toda a produo mundial daindstria eletrotcnica. Em 1913, 85% dos corantes qumicos produzidosmundialmente saemda A1emanha7. .

  • Dentro deste contexto, de boom econmico, a classe dominante, no caso aaristocracia junker, no abre mo de seu papel dentro do aparelho de Estado: controla edivide as funes de tal maneira que o poder local (municpios) possua, por meio da CmaraMunicipal, UITl sistema eleitoral que garanta burguesia local poder suficiente para controlare gerir as cidades; ao mesmo tempo, esta autonomia local controlada atravs dos quadrostcnicos da administrao e quadros de carreira da burocracia estatal alem. O burgomestre(prefeito) um administrador de carreira indicado em lista trplice, mas escolhido peloimperador. Assim, a nobreza possua mecanismos que combinavam a centralizao viaadministrao federal (quadros profissionais) com os interesses locais da burguesia atravsdo legislativo. Esta relao possibilitou criar uma estrutura de gesto urbana muito particularna qual o Estado possua poderes suficientes para controlar e fiscalizar as propostas e aoda burguesia (industrial, financeira, comercial), sem tolher sua capacidade produtiva eempreendedora, fundamental para as conquistas e expanso do imprio alemo.

    Para compreendermos melhor a estruturao do poder a'nvel municipal, necessrioanalisarmos o acesso via processo eleitoral vigente na Cmara Municipal, sendo que oConselho Municipal designado mediante o sistema de trs classes. O mecanismo quedivide os habitantes diante dessas trs classes d-se em funo de sua posiofiscal/rendas, ou seja, do controle dos contribuintes. Pertencem primeira classe oscidados que arrecadam as taxas mais altas de impostos, ou seja, aqueles que possuem asrendas mais elevadas; trata-se, na sua maioria, de grandes proprietrios imobilirios(aristocracia latifundiria) que possuem tambm terrenos e edifcios urbanos, os industriais egrandes comerciantes e os banqueiros. Pertencem segunda classe os que pagamcontribuies de menor valor, resultantes de servios prestados: so os altos funcionrios,elite intelectual (professores, profissionais liberais). E, por fim, pertencem terceira classetodos os habitantes que pagam taxas e impostos de menor valor; ou seja, a classe mdiabaixa e a massa dos trabalhadores.

    Essa estrutura de participao poltica garantia que o poder local estivessediretamente controlado pela burguesia, a elite intelectual profissional e a burocracia estatal.Mesmo com a liberalizao poltica ocorrida aps 1890, com a legalizao dos partidosoperrios e sindicatos, no se altera o sistema eleitoral vigente a nvel municipal, enquantona Cmara Federal, o Reichstag, o sistema se baseia no voto censitrio (por cabea), o quepossibilitava a ascenso dos partidos de esquerda, j que a estrutura poltica a nvel localpermanecia nas mos do Estadoe da burguesia.

    O desenvolvimento das chamadas tcnicas de planejamento e da legislao urbanana Alemanha est intimamente relacionado com o tipo de gesto e controle poltico que exercido pela classe dominante. Dentro deste contexto histrico de formao do capitalismoalemo e do papel do Estado, vai-se desenvolver uma forma particular de poltica urbana,fruto das necessidades do processo de concentrao e acumulao do capital, que encontrapela frente um mercado externo altamente disputado, uma classe operria bastanteconcentrada e um dos casos mais rpidos de migrao e transformao da populao ruralem urbana. As cidades alems no estavam preparadas para receber nem o capital nem afora de trabalho de maneira to rpida. Isto obrigou a administrao urbana a encontrarsolues que conciliassem a falta de terrenos e reas para a implantao de grandesdistritos industriais, e conseqentemente, toda a infra-estrutura necessria, e aindaalojamentos em quantidade suficiente para atender s necessidades de crescimento donmero de trabalhadores urbanos.

    Este rpido crescimento econmico concentrado em poucas dcadas ir criar dentrodas cidades alems problemas de tal ordem como nenhum pas havia enfrentado at ento.

  • Mesmo durante o governo do primeiro-ministro Bismark, que se utilizou de leis repressivas eanti-sociais, no se foi capaz de conter o avano e organizao dos trabalhadores, que empouco tempo possuam os maiores sindicatos e organizaes clandestinas da poca. Ocrescimento das lutas polticas e reivindicatrias dos trabalhadores comea a provocarpreocupaes, principalmente na aristocracia ligada ao aparelho de Estado, que seempenhava em manter seus privilgios polticos, sociais e econmicos, passando a adotarmedidas de poltica social indireta, visando conter os conflitos entre o capital e o trabalho.

    Dito de forma muito esquemtica, o significado de tal ao reformista o de controlaros impulsos inovadores e manter as rendas sobre as novas camadas sociais criadaspela revoluo industrial, venham de onde vierem, da classe trabalhadora ou da novaburguesia industrial. Tenta-se realizar uma rdua conciliao entre a permanfJncia daordem poltica tradicional e o universo scio-cultural anterior e as inovaes implcitas industrializao. A estratgia a de mediar desde cima os conflitos atravs docontrole e da manipulao das distintas classes sociais, impedindo a formao denovas estruturas institucionais mais representativas e democrticas, ou mantendo asj existentes, mesmo que inacessveis aos novos protagonistas da industrializaoB.

    O carter do reformismo municipal alemo est relacionado com a complexaformao do Estado, no sentido de que este ltimo procura conciliar as necessidadesmateriais resultantes da produo industrial, sem com isso modernizar e democratizar asinstituies anteriores.

    Para compreender melhor este reformismo municipal preciso analisar o papel dosquadros tcnico-administrativos dentro da burocracia do Estado. Estes quadros possuamimportncia, pois garantiam a combinao entre os problemas sociais e polticos e assolues propostas pelo aparelho de Estado. O Estado alemo possua uma preocupao nosentido de contar com quadros .competentes e com certa autonomia, para que no setransformassem numa correia de transmisso mecnica da ideologia do grupo dominante,mas que fossem capazes, dentro dos limites polticos das instituies vigentes, de resolveros conflitos entre a burguesia industrial e os outros segmentos sociais.

    A maior parte destas aes se realiza no mbito especfico das cidades. nesteterreno onde se situa o hall de funcionrios da administrao, que presidem umarepresentao municipal, possuindo, como temos visto, uma estrutura plutocrtica.Estes cidados pertencentes classe mdia, cientfica e tecnicamente qualificados,apartidrios do ponto de vista poltico, no eleitos, mas com comprovada fidelidade aogoverno central, so delegados do poder estatal, aqueles aos quais se confia a tarefade mediar os conflitos que se materializam de maneira especfica nas condiesambientais e funcionais da cidade. Isto explica porque so eles os canais atravs dosquais as ideologias reformistas se aplicam ao nvel nacional, para elaborar objetivos epolticas especficas para as cidades. Isto explica, assim mesmo, por que, para p6r emprtica tal ideologia, tem-se dotado de muitos elementos de controle e interven~que no tm paralelo em qualquer outro pas em fase equivalente de transformaCP.

    A mediao exercida pelo Estado via quadros administrativos tinha o sentido deprocurar solues que, por um lado, no se chocassem com as instituies autoritrias earistocrticas, garantindo, ao mesmo tempo, um sucesso no processo de implantao doparque industrial alemo, que no conflitasse com a emergncia das necessidades dereproduo da fora de trabalho. A procura da racional idade na gesto dos conflitos urbanosna Alemanha do final do sculo XIX uma resposta muito particular da relao entr'8 Estado,capital e ,fora de trabalho.

  • 3. A RELAO DO URBANISMOCOMA GESTOURBANANAALEMANHA

    Podemos afirmar que a Sociologia alem tem uma participao importante nafundamentao terica do conceito de autonomia do organismo diante da dimenso maisampla e complexa das formas no fsicas do espao. Gabera Simmel expressar de maneiraclara esta autonomia em um trabalho que hoje considerado como um clssico naSociologia Urbana: A Metr6pole e a Vida Mental

    O que este autor expressa neste texto, publicado em 1902, nada mais do que adocumentao e a reflexo da prtica ideolgica de uma intelligentsia a servio do Estado,como fizeram tambm Franz Adickes e o grupo Unio para a Poltica Social.

    Esses administradores e gestores urbanos alemes do final do sculo XIX realizaramum importante trabalho: o de traduzir e transformar a complexa realidade da grande cidademoderna em frmulas redutoras que levam a uma simplificao do funcionamento e docomportamento social das metrpoles.

    A analogia entre autonomia do urbano ("cincia do urbano") e o conceito deorganismo urbano dar origem mais tarde famosa Escola de Chicago, que retirou osmodelos tericos e conceituais da Sociologia alem, via Simmel:

    A definio de organismo aplicada cidade um imediato sucesso. A possibilidadede classificar o fen6meno urbano com o mtodo da cincia natural (o mais objetivo)entusiasma os admiradores da nova disciplina, o que lhes confere o grande prestfgiodo pensamento cientffico. A idia de organismo comporta uma correlao entrediversos elementos do complexo urbano e, analogamente, entre diversos tipos deinterveno atravs de obras ou hipteses. Trata-se de valorizar a polftica ad hocpara resolver um problema local sem ter em conta a particularidade mas superar noconjunto por meio da tcnica urbanfstica co"entefO

    Essa autonomia retirada por meio da objetividade cientfica da Biologia, comosuporte ideolgico num primeiro momento, para se aprofundar, num segundo, atravs dosprincpios da termodinmica, sempre reforando a possibilidade de traduzirmos a complexarealidade das cidades numa anlise estruturalista.Coube a estes administradores e gestaresurbanos aquUoque Gramsci atribui aos intelectuaisorgnicos, no sentido de que deslocaramo eixo da discusso poltica. Foram capazes de montar um discurso que retirava qualquercarter politizador dos problemas urbanos, reduzindo-os a simples questes de ordemtcnica.

    Desta maneira, o surgimento da tcnica urbana moderna est relacionado com ocontradiscurso criado pela intelligentsia administradora alem, que estabelece uma novadefinio do que deva ser a questo urbana.

    Descobre-se que existe na cidade uma estrutura coerente e legfvel que caracteriza aimplantao do modo inequfvoco e peculiar, referindo-se atividade urbana, situaoe condio no encontrvel em outro contexto tal que, se o fosse, se apresentaria demodo quantitativamente diverso. Mais que qualquer outra disciplina, d urbanismo ,desde c seu surgimento, uma cincia burguesa, fruto de um esforo de racionalizar oreal, mesmo que para isso tenha que sistematicamente reduzir a realidade11 A possibilidade de reduo do objeto est relacionada com o processo de

    "fetichizao" das relaes e da amplitude fsica da cidade capitalista que, por meio detransformao em mercadoria, possibilita a negao da dimenso d() valor de uso. Nestesentido, podemos entender a importncia da definio do conceito de pblico e de privadocomo elementos estruturadores da cidade burguesa.

  • o contexto poltico na Alemanha, como j colocamos anteriormente, combina umaquantidade de fatores que possibilitam no s o desenvolvimento do instrumental terico,mas tambm a sua aplicao pragmtica, resultando numa quantidade aprecivel de planos,estudos e solues. A material idade produzida pelo corpo disciplinar logo no seu surgimentona Alemanha torna-se uma arma de propaganda e difuso que estimular a utilizao destastcnicas em outros pases. por meio dos congressos nacionais, internacionais, dosseminrios de divulgao de trabalhos especializados na rea, das revistas, dos manuais edos estudos tericos que se far a homogeneizao do corpo tcnico e da ideologia a nvelinternacional.

    Os principais congressos internacionais que iniciaro este processo so: osCongressos de Arte Pblica, em 1898, em Bruxelas, e, em 1901, em Paris, tendo comotemrio central as questes sobre a nova esttica urbana e a organizao dos instrumentosde controle dos edifcios e do urbanismo (Cdigo de Obras e Legislao Urbana); osCongressos de Londres, em 1906 e 1910, patrocinados pelo Royal Institute of 8ritishArchitects, sero o palco de confronto entre as duas principais escolas de urbanismo dapoca: a escola alem, baseada na viso do plano regulador, e a escola inglesa, baseada nalegislao urbana; os Congressos de Londres, em 1908, e de Viena, em 1910, cujo temacentral tratava das questes relacionadas habitao popular e sua tipologia, custos eformas de financiamento; o Congresso de Paris, de 1908, que tratar do problema das viasde circulao e das rodovias interurbanas; O Congresso Internacional de Stuttgart, quetratar das questes relacionadas com os problemas sanitrios e da rede de distribuio degua e de gs.

    Dentro do contexto de difuso que se d por meio dos congressos internacionais, aexposio urbanstica de Dresden, em 1903, tem uma importncia muito grande, pois oprimeiro encontro sistemtico e extenso sobre o corpo disciplinar especificamente. Nestaexposio so apresentados mais de 200 planos diretores de cidades alems, o que provocarepercusso em torno da maneira como a nova tecnologia poderia vir a ser utilizada. Aps aexposio de Dresden, em 1903, ocorre a exposio de Dusseldorf, em 1904, tendo comotema os parques urbanos, a Exposio de Darmstadt, em 1905, e a Exposio Internacionalde Viena.

    As exposloes internacionais e congressos cumprem o importante papel deestabelecer a primeira divulgao de experincias nacionais que, dada a sua importncia,necessitavam de fruns de intercmbio que possuam um duplo carter: por um lado, o deinternacionalizar as experincias nacionais tornando o corpo disciplinar cada vez maisuniversal e, por outro, o de abrir espao para o intercmbio cultural com outros pases. Aformao do corpo disciplinar, atravs destes congressos, dava-se pela sistematizao deexperincias que possibilitavam a especializao do conhecimento na rea, desenvolvendouma cultura muito prpria e peculiar.

    Vai se formando, de fato, com maior preciso, a figura do urbanista como umprofissional especialista em questes urbanas, que intervm em situaes diversas,portanto com o acmulo crescente de experincias e conhecimento. atravs desteprocesso que podemos definir propriamente a cultura urbanfstica. Esta, por sua vez,vai-se constituindo atravs de uma srie de canais diversos mas convergentes. A faltade um corpo disciplinar institucionalizado naquele momento preenchido por meio datroca de experincias e comunicaes sobre o tema ... A relao entre asintervenes e os escritos que se acumulam comea a reagir uma contra a outra e,

  • problema atual. No interessa analisar a cidade do ponto de vista de sua construo,mas como ela se desenvolver dali para frente13

    O que observamos hoje nos planos diretores, principalmente no Brasil, umarepetio mecnica do problema da anlise histrica no urbano desde a origem do corpodisciplinar. A anlise no procura ir alm de uma simples caracterizao dos tipos deatividades preponderantes na cidade e de como estas foram se solidificando. Desta maneira,a anlise histrica possui um carter nitidamente positivista e descritivo, impossibilitando acontribuio que o instrumental poderia trazer no sentido de apontar uma anlise que valm do simples reajuste de tendncias dominantes no desenvolvimento de uma cidade.Assim, a histria nada mais do que o reforo de uma tcnica operativa. A histria urbanacomo instrumento de pesquisa do processo formativo da cidade um captulo marginal nahistria do urbanismo.

    Dentro da ideologia dominante na formao do corpo disciplinar, s passaram a terlegitimidade e valor cientfico os instrumentos e tcnicas que reforassem o carter operativoda disciplina. Desta maneira, os instrumentos legais que reafirmam esta idia so o planodiretor (regulador) e o cdigo de edificaes e de zoneamento.

    O carter do plano diretor e dos instrumentais como o cdigo de obras e leis dezoneamento surgiram dentro de uma viso autoritria de coero, no sentido de impor umasoluo tcnica que visava adaptar a cidade s necessidades da lgica da produo e, comisto, reduzir os conflitos entre os capitais, controlar a especulao imobiliria e manter a forade trabalho a um custo de reproduo baixo. Estes instrumentos permitiram em grande parteque a transio da cidade pr-capitalista para a cidade do capital ocorresse sem maioresconflitos que pudessem inviabilizar o capitalismo e sua relao com o espao urbano.

    Mais recentemente, com o questionamento do planejamento urbano em aspectoscomo a sua eficincia, tem-se recuperado o seu papel a partir da discusso sobre a suapostura autoritria e coercitiva, procurando resgatar a participao direta da comunidade edos movimentos sociais na gesto urbana. Esta concepo da participao e do carterconsultivo uma prtica recente que visa introduzir dentro do planejamento o oposto daprtica autoritria. Na realidade, os instrumentais do planejamento necessitam recuperar osaspectos de. anlise histrica, pois os antigos instrumentais estariam associados nica eexclusivamente viso propositiva na tica da classe dominante e do capital.

    Os postulados e premissas em que se baseia o urbanismo a partir do final do sculoXIX so os seguintes:

    a) a cidade o nico campo de aplicao do urbanismo: as grandes questes detransformao territorial ocorrem na cidade. A urbanizao um efeito e no umacausa;

    b) a cidade destinada a crescer indefinidamente, e o problema com relao a limitaro seu crescimento ainda no colocado. Compreende-se o crescimento comofenmeno natural e no discutvel. No existe no urbanismo alemo o problema dotamanho timo, diferente da viso utpico/reformista;

    c) a cidade monocntrica, e a expanso em todas as direes equilibrada. Acidade cresce e cria riquezas. Com o crescimento da cidade, os terrenos sofremconstante valorizao. A desordem o crescimento espordico;

    d) as classes sociais e segmentos de classe utilizam a cidade de modo diferenciado. a partir deste conceito que surge a classificao dos vrios tipos de uso doespao urbano e a base do processo de zoneamento da rea urbana. Na

  • realidade, as construes populares so sempre colocadas na margem da reaurbana, prximas s indstrias, no extremo da segregao social sob a qual construda a estratgia do zoning,

    e) construir livremente um dos direitos fundamentais do cidado (baseado no cdigonapolenico). A ideologia liberal procura apoiar-se em alguns de seus princpiospara apropriar-se melhor das potencialidades de especulao e

    1) a interveno pblica tem por objetivo principal aquele de garantir a condionatural mnima do desenvolvimento.

    A relao entre a tipologia dos edifcios e o crescimento das cidades umapreocupao que passa a ocupar um espao importante dos instrumentos do planejamento.A discusso da tipologia est relacionada com o melhor aproveitamento e rentabilidade dastaxas de ocupao da terra urbana. Dentro desta questo, surge o conceito de habitaounifamiliar e habitao multifamiliar, sendo que, na Alemanha, devido ao rpido crescimento,opta-se pela habitao multifamiliar atravs da construo de edlffclos fechados. Em pasescomo a Inglaterra, opta-se pela habitao unifamiliar, de tipo extensivo: edlffclos abertos.Essa polmica ocupar um papel importante dentro do surgimento do corpo disciplinar.

    O problema da escolha do tipo de edifcio a ser incentivado na expanso urbana estrelacionado com o tipo de crescimento do tecido urbano, no qual se insere a especificidadetipolgica e funcional, acompanhada de consideraes de carter social. Os urbanistas egestores urbanos alemes da poca rejeitam a utilizao da chamada edificao abertacomo soluo para os problemas urbanos. A tendncia seria a combinao de vrios tipos deedificao (aberta e fechada), procurando sempre obter o mximo de densidade na utilizaodas tipologias. Desta mar:'eira, o urbanismo alemo adota a edificao fechada como aquelaque permite a realizao de altas densidades na ocupao da terra urbana.

    No caso alemo, as habitaes usadas para a renda se utilizam desta tipologia, assimcomo para edifcios administrativos e comerciais. Os edifcios de apartamentos afirmam-secomo a alternativa mais utilizada para responder ao crescimento da grande cidade industrial.,Os urbanistas alemes calculavam que, em 1880, 90 a 96% da populao urbana do pasmorava em habitaes de aluguel, sendo que, apenas na cidade de Dresden, em 1871, 10%da populao morava em apartamentos sublocados.

    Desde o incio do boom de crescimento das cidades alems, os urbanistas eadministradores percebem que a questo habitacional no simplesmente um problema deordem tipolgica, mas um problema ligado ao processo de especulao imobiliria, queprocura aproveitar ao mximo as rendas criadas a partir da incorporao de novos terrenosem funo da expanso do permetro urbano.

    A procura tipolgica dos arquitetos modernos est relacionada com o uso do edifcio.H uma definio de standards timos com relao aos diversos parmetros de utilizao doedifcio, mas o parmetro utilizado pela indstria da construo civil a maximizao do lucrorebaixando os custos do edifcio, seja a nvel dos materiais, assim como pela diminuio doespao til dos edifcios. Podemos afirmar que, no surgimento do corpo disciplinar, osurbanistas possuam uma viso mais crtica com relao aos aspectos multidisciplinares daformao da cidade, de tal maneira que procuravam tratar da questo fsico-espacial.dentrode um contexto mais amplo.

    Com relao habitao popular, as propostas e solues estavam voltadas pararesolver a questo dentro da tica das polticas pblicas de carter indireto. Diante dosconflitos que os operrios enfrentavam por seus salrios, o Estado alemo utilizou-se das

  • politicas sociais e setoriais no sentido de garantir que a reproduo da fora de trabalhoencontrasse na habitao um custo menos oneroso arcado diretamente pelos trabalhadores.Neste sentido, a poIftica habitacional, enquanto uma polftica setorial, era tratada de formaintegrada dentro das chamadas polfticas sociais de carter indireto.

    A Alemanha procurou aplicar este conceito de polftica social na questo habitacionaldesenvolvendo propostas que facilitassem a construo de habitaesoperrias prximas sindstrias, desenvolvendo o conceito de quarteiro operrio modelo. A utilizao daexpropriao como mecanismo de controle sobre a especulao imobiliria e a rendafundiria nasce como necessidade de cerceamento ao livre uso do solo urbano em funo damaximizao dos lucros imobilirios. Este controle tinha como objetivo a garantia daexpanso da rea urbanizada, sem com isto eliminar totalmente a propriedade privada daterra urbana. Desta maneira, a expropriao como instrumento do planejamento urbanoprocurava impedir que a lgica de expanso da cidade ficasse sujeita ao lanamento deloteamentos resultantes da urbanizao de reas agrfcolas. Podemos afirmar, ainda, que aexperincia alem conseguiu controlar a configurao espacial, impedindo que as cidadesfossem um grande mosaico de loteamentos, diferente do que tem ocorrido nas cidadesbrasileiras.

    A expropriao no urbanismo alemo fruto da necessidade de reestruturao ereparcelamento do solo. A cidade, ao se expandir (crescimento do perfmetro urbano),coloca-se diante de uma antiga e irracional subdiviso em lotes, fruto da estrutura fundiriaagrfcola. A expropriao e a recomposio foram os nicos meios disponfveis para evitar, porum lado, que se atingisse injustamente algum proprietrio particulare, por outro, para impedirque os interesses dos especuladores organizados se sobrepusessem vontade dacomunidade.

    Com relao especulao imobiliria, a atitude pragmtica e eficiente do controledos mecanismos de gesto urbana no pode ser analisada exclusivamente como resultadoda aplicao mecnica do instrumental. necessrio fazermos as devidas mediaes entreo contexto histrico de formao do capitalismo alemo e a relao entre as vrias fraesda classe dominante. No momento em que a burguesia industrial alem percebeu anecessidade de colocar o espao urbano como o seu aliado no sentido de obter o mximo deaproveitamento dentro das condies gerais de produo, ela passou a controlar o setorligado s rendas fundirias urbanas, mas, ao mesmo tempo, abrindo perspectivas no sentidode que as poupanas se dirigissem tanto para o setor industrial como para o sistemafinanceiro. A aplicao do instrumental sem a mediao histrica provoca o que geralmenteobservamos no Brasil, onde o atraso da legislao urbana e sua ineficincia fruto destaincapacidade de perceber as relaes entre a especulao imobiliria e os mecanismoshistricos da poupana interna.

    ( 1) Este trabalho faz parte do 42 captulo da dissertao Reviso das Origens do Urbanismo Moderno:A Importncia da Experincia Alem no Questionamento da Historiografia do Urbanismo,apresentada ao Mestrado em Planejamento Urbano, IAU/UnB.

    ( 2) CACCIARI, MASSIMO - Dela Vanguarda a La Metropo/i. Barcelona: Gustavo Gilli, 1972. p. 102.( 3) EBERSTADT, R. Apud FOLlN, Marino - La Ciudade dei Capital y otros Escritos. Mxico: DF.

    Gustavo GiIIi, 19n.p. 92,198 p.( 4) PICCINATO, Giorgio. La Construzione Del/'Urbanstica - Germania - 18711914. 2. ed. Roma:

    Offina, 19n,p. 29-30.( 5) PICCINATO, idem.