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365 Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 67, p. 365-377, set./dez. 2005 Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br> ESTADO E EDITORAS PRIVADAS NO BRASIL: O PAPEL E O PERFIL DOS EDITORES DE LIVROS DIDÁTICOS (1970-1990) DÉCIO GATTI JÚNIOR * RESUMO: Trata-se da comunicação de resultados de investigação no campo da história das disciplinas escolares, com foco no papel e no perfil dos editores de livros didáticos de história brasileiros que atuaram entre as décadas de 1970 e 1990. Partiu-se da constatação de que boa parte das grandes editoras do final da década de 1990 era ligada à produção de livros didáticos, sendo empresas que ti- nham iniciado suas atividades em meados da década de 1970. Para subsidiar a análise foram consultados tanto a bibliografia e docu- mentação pertinente quanto os depoimentos de editores brasilei- ros. Ao mesmo tempo em que se operava a passagem de uma for- ma de produção quase artesanal para uma produção industrial, vivenciou-se um processo de melhoria da qualidade tanto dos con- teúdos, quanto da edição, o que significava a disponibilização de um material mais adequado para a população, seja por meio da po- lítica distributivista operada pelo Estado, seja por meio da aquisição nas livrarias pela população. Palavras-chave: Livro didático. Editores. Ensino de história. THE STATE AND PRIVATE PUBLISHING HOUSES IN BRAZIL: THE ROLE AND PROFILE OF TEXTBOOK PUBLISHERS (1970-1990) ABSTRACT: This paper presents the results of a research in the field of the history of school disciplines, focusing on the role and profile of the Brazilian publishers of History textbooks from the 1970s to the 1990s. The study first verified that, at the end of the 1990s, * Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e membro da ANPEd, ANPUH e sócio-fundador da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE). E-mail: [email protected]

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    Dcio Gatti Jnior

    ESTADO E EDITORAS PRIVADAS NO BRASIL:O PAPEL E O PERFIL DOS EDITORESDE LIVROS DIDTICOS (1970-1990)

    DCIO GATTI JNIOR*

    RESUMO: Trata-se da comunicao de resultados de investigaono campo da histria das disciplinas escolares, com foco no papel eno perfil dos editores de livros didticos de histria brasileiros queatuaram entre as dcadas de 1970 e 1990. Partiu-se da constataode que boa parte das grandes editoras do final da dcada de 1990era ligada produo de livros didticos, sendo empresas que ti-nham iniciado suas atividades em meados da dcada de 1970. Parasubsidiar a anlise foram consultados tanto a bibliografia e docu-mentao pertinente quanto os depoimentos de editores brasilei-ros. Ao mesmo tempo em que se operava a passagem de uma for-ma de produo quase artesanal para uma produo industrial,vivenciou-se um processo de melhoria da qualidade tanto dos con-tedos, quanto da edio, o que significava a disponibilizao deum material mais adequado para a populao, seja por meio da po-ltica distributivista operada pelo Estado, seja por meio da aquisionas livrarias pela populao.

    Palavras-chave: Livro didtico. Editores. Ensino de histria.

    THE STATE AND PRIVATE PUBLISHING HOUSES IN BRAZIL:THE ROLE AND PROFILE OF TEXTBOOK PUBLISHERS (1970-1990)

    ABSTRACT: This paper presents the results of a research in the fieldof the history of school disciplines, focusing on the role and profileof the Brazilian publishers of History textbooks from the 1970s tothe 1990s. The study first verified that, at the end of the 1990s,

    * Doutor em Educao pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP), professorda Faculdade de Educao da Universidade Federal de Uberlndia (UFU) e membro da ANPEd,ANPUH e scio-fundador da Sociedade Brasileira de Histria da Educao (SBHE). E-mail:[email protected]

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    many of the large publishing houses were connected with the pro-duction of textbooks and had begun their activity in the 1970s. Tocomplement this analysis, the pertinent bibliography and documen-tation as well as the testimony of Brazilian publishers was consulted.At the same time as a shift from an almost handcrafted form of pro-duction to industrialized production occurred, there was a process ofimprovement in both quality of content and of publication. Thismeant the availability of more adequate material for the populationeither through the distributional policies carried out by the State orthe direct purchase in bookstores.

    Key words: Textbooks. Publishers. Teaching of history.

    s polticas pblicas para o setor editorial didtico, entre as dcadas de1970 a 1990, no importando muito sob qual governo especifica-mente, foram marcadas pelo atendimento de interesses emanados do

    Estado, que era obrigado a conviver com um pas que apresentava deficin-cias de toda ordem no campo educacional e que encontrava na distribuiode livros um paliativo extremamente til, permitindo, simultaneamente,agradar as editoras, garantir espao na imprensa, facilitar negociatas e pro-mover polticos (Carvalho, 1991, p. 16). Alm disso, atendia s necessida-des da indstria editorial, que funcionava em um mercado consumidor ex-tremamente limitado, haja vista o pequeno nmero de leitores e aconseqente mediocridade da quantidade de livros que eram ao menos com-prados no pas.1

    Sem dvida que a combinao destes interesses ocasionou o afuni-lamento das funes do Estado, que se limitava ao empreendimento deuma poltica distributivista de livros sem, no entanto, ocupar-se dos pro-blemas nevrlgicos do sistema educacional brasileiro (Carvalho, op. cit., p.39-134).

    Os editores, desse modo, precisavam que seus livros fossem bemaceitos no mercado escolar para que sua atividade editorial pudesse ter con-tinuidade. Nesse sentido, era comum no final da dcada de 1990 a adap-tao dos livros didticos, em uma velocidade surpreendente, s modas di-dticas e s mudanas curriculares estabelecidas pelos setores pblicosafetos a rea educacional.

    No Brasil da dcada de 1970, o componente ideolgico era forteno processo de definio da produo didtica, especialmente dos conte-dos veiculados na disciplina Histria. J no final da dcada de 1990, se-

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    gundo os editores entrevistados, os lucros advindos da venda deste tipo delivro sobrepunham-se a quaisquer questes ideolgicas.

    Nos Estados Unidos, os editores afirmam que o que importa alucratividade e que (...) se existe alguma censura, a que se refere poss-vel lucratividade (Apple, 1994, p. 1995). Situao parecida era constan-temente afirmada pelos representantes das editoras nacionais, tais como:(...) o que importa no a ideologia contida no livro e sim sua aceitaono mercado (Munakata, 1997, p. 20).

    Em uma abordagem mais tcnica podem-se perceber as diversas eta-pas que envolvem a produo de livros didticos. Etapas que aumentaramna mesma proporo em que cresceu a complexidade da produo didti-ca no pas. Nesse sentido, o depoimento do Sr. Jos Lino Fruet (gerenteeditorial da editora Saraiva) foi esclarecedor ao abordar o processo de edi-o, impresso e distribuio dos livros didticos. Para ele,

    (...) fazer livro, hoje [1997], muito mais trabalhoso do que era 20 anosatrs. (...) Eu, como gerente, fao uma ponte entre os aspectos, digamosassim, filosficos e a concretizao prtica. (...) A gente faz uma anlise edi-torial do material, com todas as caractersticas editoriais. Se o material temcondio, a gente coloca para os pareceristas (...). Para isso, a gente procu-ra professores que tenham experincia de sala de aula e formar um timecom vrias vises. (...) normal que qualquer material tenha altos e bai-xos, tenha coisas lindas e outras que esto deixando a desejar. (...) A genteprocura cercar, resolver todas essas questes que foram colocadas, no im-por para o autor, mas levantar os problemas para ele, que com a sua expe-rincia, (...) vai solucionar de uma forma adequada. (...) H casos em queexistem trs, quatro verses. (...) Depois, ele entra na produo editorialpropriamente dita. feito, principalmente, com os assistentes editoriais,que fazem o trabalho que chamamos de copidescagem. No uma sim-ples reviso de portugus do material. Ns interferimos bastante em todacomunicao do material. (...) Isso, naturalmente, levando em considera-o a matria, a faixa etria, uma srie de coisas. (...) Depois, segue a fasede produo de arte. O material vai para a composio. Nesse meio tem-po a gente discute o projeto grfico da obra. (...) A vai para a reviso. (...)Depois, seguem as etapas normais do processo editorial. Eles do a primeiraprova, a segunda, a terceira, as figuras, todas as ilustraes. O autor acom-panha tudo isso e ns acompanhamos at a liberao da arte para fazer fil-me e impresso. Bem resumidamente assim.2

    Percebe-se, dessa forma, que os procedimentos editoriais do final dadcada de 1990 eram bastante sofisticados. As colees de histria, especi-

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    almente aquelas destinadas ao ensino fundamental eram cada vez melhorproduzidas, com cores vivas, boxes, filigranas e, algumas, j incorporavam asubstituio da encadernao, colada ou costurada, pela utilizao da espi-ral plstica. A esta complexa estrutura de produo e seus respectivos cus-tos financeiros deveriam ainda ser acrescentadas as despesas e o trabalhocom armazenamento, mercadologia, propaganda, distribuio e vendas. Defato, divulgar e distribuir uma determinada coleo eram pr-condiespara posicion-la bem no mercado de didticos de ento.

    Segundo o depoimento do Sr. Antnio Alexandre Faccioli (diretorde didticos da Saraiva), a divulgao exigia investimentos pesados das edi-toras: em geral voc tem que fazer oferta do livro. (...) Voc tem que tercacife. No adianta s fazer a obra. Voc tem que colocar dez, vinte, trintamil exemplares da obra ou mais para serem distribudas. Se voc no ven-der adequadamente, voc no vende nem o que voc deu.3

    Os editores eram os responsveis pela execuo das polticas editori-ais destas empresas privadas dedicadas ao setor editorial. Apple (1994) ana-lisou o perfil destes profissionais nos Estados Unidos e concluiu que suasligaes mais diretas no se estabelecem com os autores ou com os conte-dos veiculados por seus produtos, mas sim com as demandas do mercadoconsumidor. Para corroborar esta afirmao, evidenciou o fato de que 75%dos editores de livros escolares naquele pas eram provenientes do setor devendas das editoras, ou seja, conheciam mais as condies de comercia-lizao de livros que outra etapa produtiva (Apple, op. cit., p. 9-12). Nocaso dos editores brasileiros entrevistados durante a pesquisa que originoueste texto, o perfil dos editores era, na poca, bastante diferente daqueleapresentado nos Estados Unidos.

    Formao acadmica e itinerrio profissional dos editores

    Por meio das entrevistas realizadas em 1997 foi possvel levantar in-formaes sobre a formao dos editores. O Sr. Antnio Alexandre Faccioli,da Saraiva, era formado em Letras. Segundo seu relato, s havia cursado agraduao, na dcada de 1970. Porm, destacou que sua formao edito-rial foi realmente prtica, bem como que havia feito um curso de extensouniversitria em marketing na FGV, no final dos anos 80.4

    O Sr. Jos Lino Fruet, tambm da Saraiva, era graduado em Comu-nicao Social, com especializao em Jornalismo. Destacou, porm, que

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    para se manter atualizado, lia muito, no s na rea de Comunicao pro-priamente dita, mas, inclusive, na rea de Pedagogia, Didtica e Educa-o.5

    O Sr. Jos Orlando Cunha, da Editora L, teve uma curta passa-gem pelo curso de Medicina da UFMG, mas graduou-se em Administraode Empresas. Relatou que teve a oportunidade de fazer vrios cursos pa-ralelos rea de administrao, durante todo este perodo de formao,que foi de junho de 1976 at os dias de hoje,6 bem como que procuravaestar sempre atualizado sobre os mtodos mais modernos de administra-o.

    O Sr. Joo Guizzo, editor da tica poca, informou que sua for-mao acadmica era em Letras e tambm em Cincias Sociais, de modoque esses cursos me deram uma base boa para o trabalho que eu fao: ocurso de Letras me habilitando no trabalho com texto e o curso de Cinci-as Sociais porque ele d uma base cultural ampla muito boa, ao mesmotempo uma base terica e uma base informativa muito ampla, muito boa,para esse tipo de trabalho (Munakata, 1997, p. 22).

    Depreende-se das informaes fornecidas pelos editores elencadosque todos cursaram apenas a graduao, nas reas de Letras, Administra-o, Comunicao e Cincias Sociais, que aparentemente so reas hete-rogneas, mas que, de certa forma, tm interfaces com o trabalho edito-rial.

    Quanto ao itinerrio profissional dos editores, o Sr. Antnio Ale-xandre Faccioli relatou ter iniciado seu trabalho junto editora Saraiva h25 anos:

    Fui desenvolvendo um trabalho, assumindo maiores responsabilidades,coordenando, gerenciando e chegando a direo do departamento. Esseprocesso todo est muito ligado ao prprio crescimento do papel do livrodidtico no mercado. Ento, esse boom do final dos anos sessenta exigiu odesenvolvimento de profissionais. Formao, que foi feita na prtica. (...)No meu caso, especificamente, como diretor, voc vai tambm aprimoran-do um conhecimento maior de mercado, de marketing e de administra-o. Enfim, em todos os aspectos ligados ao trabalho como diretor de de-partamento como um todo, e no s ao aspecto tcnico do livro didtico.7

    Sobre seu itinerrio profissional, o Sr. Jos Lino Fruet relatou quetambm havia iniciado suas atividades como copidesque, bem como que

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    (...) tinha a opo de trabalhar com fascculos, que era uma onda na po-ca. Mas surgiu a oportunidade de eu vir para c e aqui fiquei, percorren-do todos os graus. Copidesque, supervisor e gerente. Isto j faz 24 anos.(...) a gente procurou aperfeioar bastante o processo de produo edito-rial, que era um processo um tanto artesanal.8

    O Sr. Jos Orlando Cunha comentou sobre sua dedicao intensiva editora e sobre suas vinculaes classistas, pois segundo o editor,

    (...) o principal negcio da minha atividade sempre foi a Editora L, como exerccio de um trabalho em tempo integral. A Editora L criou, nestesltimos anos, um apndice que a grfica que serve prpria Editora eserve tambm a outros (...). Eu j fui diretor do Sindicato Nacional dosEditores de Livros (SNEL). Eu sou diretor fundador da Associao Brasi-leira de Livros Didticos (ABRELIVROS) e sou, atualmente, diretor suplenteda Cmara Brasileira do Livro (CBL).9

    O itinerrio profissional do Sr. Joo Guizzo foi o seguinte:

    Entrei via anncio de jornal, que pedia um copy [copidesque], copy dedidticos, e como eu tinha experincia de trabalho em texto, eu eraredator, ento eu me candidatei e fui admitido como redator em 1975.(...) Comecei dessa forma e, dentro da tica, logo depois de um ano detrabalho, mais ou menos, passei a coordenar uma pequena equipe de pro-fissionais de texto tambm redatores que passaram a trabalhar em tex-to, fazer o copy de textos didticos. Hoje a equipe um pouco maior, so25 pessoas comigo. Ento, eu acompanhei bastante esse crescimento daempresa se bem que um pouco, assim, como crescimento de um filho,porque quando o filho vai crescendo, quem nota que o filho cresceu soos outros. Assim tambm na tica: ela foi crescendo, crescendo, aumen-tando e eu aqui dentro. Lgico, de vez em quando, se eu paro para fazerum balano, eu me dou conta desse crescimento, mas no dia-a-dia a gen-te no observa. (...) Eu, pessoalmente, de redator passei a assistente edito-rial, depois a assessor e, finalmente, a gerente que o cargo que eu tenhohoje. (Munakata, op. cit., p. 122)

    Os editores entrevistados revelaram em seus depoimentos queeram profissionais que fizeram carreira nas editoras em que trabalhavam.Carreiras longas, quase todas iniciadas na dcada de 1970 e que, portan-to, j beiravam, naquela poca, aos 30 anos de experincia no ramo edi-torial.

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    Figura 1(Capa da 17 edio do livro Histria do Brasil, de Joana Neves e Elza Nadai,

    publicado pela Saraiva, em 1995)

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    Figura 2(Capa da 1 edio do livro Histria moderna e contempornea, de Jos Jobson de

    Andrade Arruda, publicado em 1991, pela Editora tica)

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    Figura 3(Capa da 1 edio do livro Brasil: histria em construo (vol. 3), de autoria de

    Ricardo de Moura Faria, Adhemar Martins Marques e Flvio Berutti, publicado pelaEditora L, em 1996).

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    Relao dos editores com os autores

    De modo geral, os depoimentos dos editores demonstraram a exis-tncia de timo relacionamento profissional e pessoal com seus autores,aos quais consideravam como seus parceiros. Somavam mais de 20 anoso relacionamento estabelecido entre os editores e os autores dos livros darea de histria selecionados poca das entrevistas, em 1997.10 Sendoassim, os editores forneceram informaes interessantes. O Sr. Jos LinoFruet informou que:

    No caso da Saraiva, o autor um parceiro. No quer dizer que ele mandeno produto, mas ele participa do produto. Ns sempre procuramos dis-cutir, mostrar para ele, obter a aprovao dele tambm. Sabemos que emalgumas editoras o autor no interfere muito nesse processo. S v o livropronto. Existia, no passado, editoras em que o autor, inclusive, se respon-sabilizava pela produo dos desenhos. Ele quem tinha que providenci-ar. A tendncia, (...) nas editoras em geral e na Saraiva especificamente, do autor ter voz ativa. claro que s vezes a viso dele limitada, tal comoa postura pedaggica e tcnica. Essa uma das razes dos pareceristas defora. (...) Acho que tem que haver a contribuio de todos para alargar oespectro de aceitao da obra em todos os sentidos. (...) H autores que noquerem se envolver muito. A gente faz com que eles se envolvam, pelaquesto da parceria. Pelo menos ver e dar a sua opinio. H outros quequerem ser extremamente deterministas. (...) claro que temos que ade-quar. Isso uma discusso grave tambm que existe. (...) Com os ilustra-dores, por exemplo, muitos deles se acham artistas e querem fazer a obradeles. Eles no se viam inseridos em um processo industrial, pedaggicoetc. Eles tm que adequar a atividade deles quela proposta. (...) Ele sem-pre tem algum compromisso e ainda est inserido num processo pedag-gico. No s o industrial.11

    O Sr. Jos Orlando Cunha, da Editora L, por seu turno, abordoua temtica de seu relacionamento com os autores da rea de Histria vin-culados a sua editora, informado que:

    Essas parcerias ns entendemos isso dentro da empresa tm que ser umtrio. Ele tem que ser muito forte e fortalecido o tempo todo: o autor, o edi-tor e o comercial. (...) Obviamente que existe um dilogo muito bom, mui-to grande nas propostas a fazer para eles. Ns temos que ouvir deles o de-senvolvimento do original, o acompanhamento deles em nossa rea deproduo, quer dizer, tem que haver um entendimento muito grande en-tre autor e editor atravs da produo, para sair um bom produto, que ve-

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    nha a satisfazer o autor, o pblico e a empresa comercialmente. O impor-tante ter mais de um autor em uma obra porque mais de uma cabea, mais uma experincia e muito importante tambm sempre que o au-tor, que escreve para a Editora L, esteja intimamente ligado com a sala deaula. Isto muito importante para ns.12

    Percebe-se, desse modo, que o autor era considerado pelos editoresum parceiro, mas um parceiro que no devia e nem podia fugir aos limitesque o mercado consumidor e a poltica editorial estipulavam. As coleesdidticas, empreendimentos altamente dispendiosos, no davam margema muitas inovaes. Os editores destacaram, inclusive, problemas que, vezpor outra, enfrentavam com o setor de artes que tinha dificuldades emaceitar os limites impostos pelo mercado para a edio dos livros escolares.

    interessante observar, no entanto, a preocupao do Sr. JosOrlando Cunha em ter mais de um autor para suas colees e que essesautores tenham uma vinculao com a sala de aula. Provavelmente, essapreocupao esteja vinculada a necessidades intimamente ligadas capaci-dade dos autores estarem modernizando suas colees constantemente,mantendo-as sempre afinadas com a linguagem dos alunos; disponibili-dade dos autores para realizarem essas modernizaes, lanando coleesnovas em um ritmo veloz e, sobretudo, participando das fortes estratgiasde divulgao da editora.

    Consideraes finais

    Partiu-se da constatao de que as grandes editoras do final da d-cada de 1990 tinham na produo de livros didticos seu suporte comer-cial, tendo sido beneficiadas pelo boom editorial da dcada de 1970, quan-do foi possvel perceber a passagem da produo quase artesanal presentena realidade brasileira at a dcada de 1960 para a formao de uma po-derosa indstria editorial.

    Quanto aos editores entrevistados, h muito em comum entre eles,seja no aspecto relacionado formao acadmica ou mesmo ao itinerrioprofissional, j que eram oriundos da rea de Humanas, especialmente docampo das letras e da comunicao, sendo apenas um deles oriundo da reade administrao de empresas, o que os diferencia do perfil dos editores nor-te-americanos. Alm disso, foi possvel constatar que todos tinham carreiraslongas nas editoras em que se encontravam no final da dcada de 1990.

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    Depreende-se ainda dos depoimentos dos editores que os autoreseram considerados parceiros. Porm, um parceiro com sua ao cada vezmais condicionada realidade que o mercado consumidor e a poltica edi-torial impunham.

    Em sntese, pde-se perceber que ao mesmo tempo em que se ope-rava a passagem de uma forma de produo quase artesanal para uma pro-duo industrial na maior parte das editoras, vivenciou-se na rea de his-tria um processo de melhoria da qualidade tanto dos contedos, maiscrticos e completos, quanto da edio, em quatro cores e com a utilizaode papel de alta qualidade, o que significava a disponibilizao de um ma-terial mais adequado para a populao, seja por meio da distribuio reali-zada pelo governo federal, seja por meio da aquisio nas livrarias.

    Recebido em maio de 2005 e aprovado em setembro de 2005.

    Notas

    1. Ver a esse respeito Oliveira et al. (1984, p. 83-110).

    2. Antnio Alexandra Faccioli e Jos Lino Fruet. Depoimento (1997, p. 18-20).

    3. Idem, ibid., p. 23.

    4. Idem, ibid., p. 1.

    5. Idem, ibid.

    6. Jos Orlando P. da Cunha. Depoimento (1997, p. 106).

    7. Antnio Alexandra Faccioli e Jos Lino Fruet. Depoimento (1997, p. 2).

    8. Idem, ibid.

    9. Jos Orlando P. da Cunha Depoimento (1997, p. 106-107).

    10. Os autores em questo eram as professoras Joana Neves e Elza Nadai (Editora Saraiva), oprofessor Ricardo Moura Faria (Editora L) e o professor Jos Jobson de Andrade Arruda(Editora tica).

    11. Antnio Alexandra Faccioli e Jos Lino Fruet. Depoimento (1997, p. 28-29).

    12. Jos Orlando P. da Cunha. Depoimento (1997, p. 111).

    Referncias bibliogrficas

    APPLE, M.W. Trabalho docente e textos: economia poltica das relaesde classe e de gnero em educao. Porto Alegre: Artes Mdicas,1995. p. 94.

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    CARVALHO, L.I. A distribuio e circulao de livros nas escolaspaulistas. 1991. Dissertao (Mestrado) Pontifcia UniversidadeCatlica de So Paulo, So Paulo. p. 16.

    MUNAKATA, K. Produzindo livros didticos e paradidticos. 1997.Tese (Doutorado) Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo,So Paulo. p. 20.

    OLIVEIRA, J.B.A. et al. A poltica do livro didtico. So Paulo:Summus; Campinas: UNICAMP, 1984. p. 83-110.