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POESIAS SELECTAS

MANUEL MARIA BARBOSA DU BÒCAGE

COLLIGIDAS E ANNOTADAS

POR J. S. DA SILVA FERRAZ-

E PRECEDIDAS D'UM ESBOÇO BIOGRAPHICO

' POR

i. T. 1'IXTO DE CARVALHO

PORTO : .

,NA LIVRARIA E TVP. DE F. G. DA FONSECA, RDITOR

^Boa do Bomjardim, 72.

1864

• ' t

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ADVERTÊNCIA DO EDITOR

Haverá onze ou doze annos que encarre

gamos o Illm.0 Snr, J. S. da Silva Ferraz de

confeccionar um volume de poesias selectas

de Bocage, que pertendiamos publicar, para

que o clarão d'este astro brilhante da poesia

portugueza podesse illuminar a todos.

Encetou S. S." esse trabalho e já tinhamos

em nosso poder as poesias e algumas notas,

quando appareceu a ultima edição de Lisboa.

Apezar de não estar esta edição no caso da

nossa, por não ser, como ella, accessivel a

todos, todavia entendemos não dever publi-

cal-a por então. O Snr. Silva Ferraz deixou

o trabalho incompleto e nós guardamos o ori

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- 4 —

ginal, que já tinhamos, e ahi o deixamos dor

mir em uma gaveta até o presente.

Ultimamente occorreu-nos a idéa de publi

car o malfadado manuscripto, e encarregamos

o nosso amigo J. V. Pinto de Carvalho de es

crever a biographia do poeta, e de coordenar

e fazer selecção das notas mais essenciaes á

intelligencia dos versos, bem como de escre

ver algumas, que faltassem e fossem indis

pensaveis.

Eis a historia do presente volume, que en

tendemos dever contar ao publico, para mo

tivar a sua apparição.

EDITOR,

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ESBOÇO BIOGRAPHICO

A 17_ de Setembro de 1766 veio á luz em

Setubal um menino, que, bafejado desde o

berço pela deusa da poesia, devia um dia fa

zer ouvir em Portugal e fora d'elle os mavio

sos eccos da sua lyra — sempre brilhante,

ainda mesmo nos seus desvarios deploraveis.

Seu nome, quem o não sabe? E' Manoel

Maria Barbosa d u Bocage. Seu pae José Luiz

Soares Barbosa, Bacharel em Canones, occu-

pára diversos logares na magistratura : porém

desgostoso da vida publica," retirou-se a Selu-

bal, onde abriu escriptorio de advogado. Foi

poeta satyrico e repentista, em cujas compo

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íições transparecia já a aurora do gfenio., que

em seu filho tão brilhante fulgurára:

Sua mãe D. Maria Joaquina Lestof du Bo-

fage, de origem franceza, era uma excellente

senhora e boa mãe, que Bocage teve a infe

licidade de perder na edade de dez annos —

quando mais precisava do seu amparo e di

recção.

Concluidos os estudos necessarios para a

carreira das armas em 1780, assentou praça

de cadete no regimento de Setubal; d 'onde

mudou para a armada real no posto de Guar

da marinha.

Contando apenas 19 annos, havia voltado

para a arma de Infanteria, e no posto de te-

nente se embarcou para a Índia.

Qual o motivo d'esta expatriação, é ponto

por averiguar : attribuiram-n'o alguns a ver

sos contra altas personagens da corte ; po

rém o mesmo poeta nos diz o que o impelliu

a tal resolução nos seguintes versos :;

Um vivo ardor de nome e (ama

A nova região me allráe, me chama.

II

Não foi feliz. A fortuna, que elle esperava

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achar propicia rfesta longinqua colonia, nem

ao menos um sorriso lhe mostrou nos labios.

Perseguia-o uma má estrella — a sua musa

satyrica e mordaz, qu.e não guardando- con

veniencias, foi a causa das suas infelicidade?.

Encontrando, em logar da heroica Goa de

outras eras, um estado em decadência e uma

nobreza orgulhosa e enfatuada, seu genio exal

tado e impaciente indignou-se ; molhou a pen

na no fel amargo da satyra violenta e im-

munda, e despediu os tiros, sem reparar qwe

a elevação dos alvos, e o certeiro da ponta

ria, podia perdél-o. E perdeu-o.

Muitos versos satyricos contra personagens

de ambos os sexos attrairam-lhe o odio e a

aversão de todos. Procuraram desaffrontar-se,

e a vida do poeta esteve por vezes em emi

nente risco. Por fim veio o obsceno poema a

— Manteigui contra a amante do Capitão-

General D. Frederico Guilherme de Souza,

desafiar as iras d'este contra o poeta audaz.

Expulsou-o da cidade para Macau, onde che

gou nos fins de 1788; foi na viagem d'esta

possessão portugueza — ou na ida ou na

volta — que, naufragando, salvou a nado os

seus versos, como Camões salvára o seu im-

mortal poema.

Pouco tempo se demorou em Macau, por

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- 8 -

que, obtendo do Governador soccorros, vol-

IOM á patria, e desembarcou em Lisboa em

1.790.

Bocage chegou á patria demittido do posto.

B sem bens de fortuna, de que viyesse. E' a

isto, talvez, que devemos attribuir essa vida

trabalhosa e essas aberrações deploraveis, em

que o poeta, para agradar a admiradores dis

solutos, que o instigavam, e de cujas mãos

recebia talvez o sustento de cada dia, « sem

ser mau, timbrou algumas vezes em o pare

cer ; sem ser impio, não se envergonhou de o

fingir » — como diz o Snr. Rebello da Silva,

de cujo excellente estudo biographico me ser

vi, para confeccionar este rapido esboço.

No anno seguinte (1791) fez imprimir o

primeiro volume das suas Rilhmas, e deslum

brado pelos applausos com que foi recebido, e

peia fama, que seu talento d'improvisador, seus

epygrammas e poesias satyricas lhe haviam

já grangeado, tornou-se altivo; intolerante e

vaidoso: julgou-se superior a todos e não

poupou a ninguem a sua mordente sntyra

— nem mesmo os seus bemfeitores. D'este

modo não podia Bocage deixar de vêr com

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- 9 -

maus olhos os poetas seus contemporaneos :

com effeito assim aconteceu.

A Nova Arcadia, onde entrou em 1791,

foi o theatro famoso, onde se gladiaram os

athletas da poesia. N'ella tinha Bocage o no

me de Elmano.

Belchior Curvo Semedo, o Dr. Luiz Corrêa

da França, o Padre Joaquim Franco d'Araujo

Freire Barboza, Abbade de Almoster, e José

Agostinho de Macedo, foram n'esta lucta de

epygrammas os principaes adversarios de El

mano. Não podendo alguns Arcades media

neiros congrassar os contendores, foi Bpcage

expulso do seio da Arcadia, o que mais con

tribuiu para exacerbrar-lhe o rancor e tornar

mais pungente o epygramma.

A Arcadia — infeliz — morreu no meio

das inglórias contendas d'aquelles, que mais

se deviam gloriar de servir-lhe de sustenta

culo, que de abrir-lhe a sepultura.

Desvairado e allucinado cada vez mais pelos

louros, que a superioridade da sua satyra so

bre tantos adversarios, lhe grangeava; levado

pela sua imaginação exaltada; enganado por

enthusiastas imprudentes ; correndo atraz dos

applausos deixou-se Bocage resvalar em uma

voragem : deshonrou a sua penna, prostituiu

o seu genio fecundissimo ; contrariou 'os di

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- 10 -

clames da consciencia e da razão, e entre

gou-se á composição de versos impios e im-

moraes. E' uma nodoa indelevel na sua vkla

e na sua gloria.

A famosa epistola — Pavorosa illusão —

apparecendo em Lisboa, motivou uma ordem

de prizão contra o nosso poeta, passada pelo

Intendente Geral da policia. Capturado em 10

de agosto de 1797 foi recolhido ao Limoeiro,

procedendo-se depois a uma rigorosa devassa

sobre o seu procedimento moral, civil e reli

gioso, e ordenando-se a apprehensão de todos

os seus escriptos.

Os esforços dos Marquezes de Ponte de

Lima, de Abrantes, de Pombal, e do ministro

José de Seabra da Silva, seus admiradores,

conseguiram encaminhar o processo a resti

tuir-lhe a liberdade.

Transferido para os carceres da Inquisição,

mostrou-se esta muito indulgente com o ac-

cusado ; contentou-se em admoestal-o e em

tornar-lhe uma declaração de que não mais

escreveria contra a religião. Mandou-o depois

para o hospicio das Necessidades, onde, em

companhia e prática com os doutos e devotos

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— II -

religiosos, que o habitavam, passou algumas

semanas, durante as quaes sen espirito exal

tado se tranquillisou e fortificou, para de fu

turo não mais cair em desvario:-, eguaes aos

que o levaram ao carcere.

Restituido á liberdade, chamou Elmano para

sua companhia a sua irmã D. Maria Francisca,

que esteve com elle até cerrar-lhe os olhos

para o ultimo somno. Quebrou a penna, com

que offendêra os costumes, a religião e a mo

ral, e entregou-se ao estudo, principiando a

traduzir Ovidio, e alguns até dizem que em-

prehendêra a composição d'uma epopeia.

Sollicito em grangear o sustento para si e

para sua irmã, acceitou Bocage um logar na

Officina Chalcographica, de que era director

Fr. José Marianno Velloso, religioso arrabido.

Ganhava 24$000 reis mensaes, e tinha por

obrigação rever as provas dos livros destina

dos á instrucção e traduzir em portuguez obras

poeticas de auctores acreditados.

A este contracto devemos as primorosas

traducções, que nos legou este poeta.

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- 12 -

vr

Finalmente gasto por enfermidades, em que

os padecimentos moraes se reuniram aos phy-

sicos, provenientes do uzo frequente de be

bidas espirituosas, do tabaco de fumo e de

outras extravagancias, que nunca pode de

todo abandonar, falleceu a 21 de dezembro

de 1805 com 39 annos de edade.

Nos seus ultimos momentos—já quando o

pavoroso espectro da morte lhe ondeava diante

dos olhos amortecidos — balbuciou a cus

to um soneto, onde confessa seus desvarios

e d'elles se mostra arrependido : eis os ter

cetos: -

Eu me arrependo : a lingua quasi fria

Brade, em alto pregão, 4_niocidadp,

Que atras do som phantaslico corria

Outro Aretino fui ! A Santidade

Manchei— Oh ! se me creste, gente impia,

Rasga meus versos l crê aã eternidade l

Foi este soneto o derradeiro e mavioso

canto do moribundo cysne. Balbuciou-o elle

com voz tremula e desfalecida envolto já nas

pallidas sombras da morte. Meia hora apenas

antes do poeta cerrar para sempre os olhos :

já quando sua mão não podia segurar a pen-

•-

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- 13 -

na, foi o morgado de Assentis — seu dedi

cado amigo—quem salvou do nada esta pre

ciosa peça poetica — recolhendo-a de seus

tremulos e descorados labios e transmittin-

do-a por sua lettra á admiração da proáteri-

dade.

E' um dos seus mais sublimes. E' a voz

da consciencia accusando-o de ter contrariado

seus dictames, e pedindo a Deus perdão dos

seus desvarios. Este, com todos os seus ul

timos sonetos, são inegualaveis.- Neste genero

de poesia nenhum outro vate portuguez des-

ferio as cordas da lyra de Elmano.

Durante a sua enfermidade todas as clas

ses da sociedade procuravam com interesse

noticias suas ; a humilde caza, em que vi

via, era constantemente visitada por nobres

e plebeus, que lhe accudiam com soccorros.

aliás o elegante traductor dos Jardins de De-

lille, das Plantas de Gastei e do Consorcio

das Flores de Lacroix morreria de fome, an

tes que a aneurisma lhe vazasse a morte den

tro do peito.

Seus restos mortaes enterrados no cemi

terio da Egreja das Mercês, perderam-se!...

Ninguem hoje sabe onde repousa a ossada

do poeta Manoel Maria Barbosa du Bocage.

Suas obras são o seu unico monumento.

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- li -

Til

Fecharei este artigo citando o juizo de al

guns homens competentes sobre o merito

poetico de Bocage.

O snr. Borges de Figueiredo diz no seu

resumido, mas valioso Bosquejo historico da

titteratura Classica: «Sua feliz musa se en

saiou em quasi todos os generos de poesia:

escreveu eclogas, elegias, tragedias, etc ; mas

a composição, aque elle se dedicou com uma

admiravel facilidade, é a dos sonetos, onde

desenvolve uma sensibilidade ardente e pro

funda, e um talento poetico, que o faz olhar

como inimitavel n'aquelle genero. »

O snr. Dr. Joaquim Caetano Fernandes

Pinheiro, Professor de Rethorica na capital

do Brazil, no seu Curso Elementar de Littera-

tura Nacional, obra magnifica e a mais per

feita, que conhecemos, neste genero, diz :

«Á semelhança de Camões, raro é o gé

nero de poesia, em que nos não legasse este

iUuslre poeta alguns testemunhos do seu pas-

inoso engenho. Primou porem na especo de

que nos occupamos; (a epigramatica) e nin

guem, nem antes, nem depois d'elle, lhe ga

nhou a palma.

«Rebentavam-lhe em borbotões torrentes

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— IS —

de poesia, -fi dbmo que instiiictivamente su

perava difficuldades em que outros, encane

cidos sobre os livros, haviam naufragado. Era

a sua imaginação um vesuvio metrico, cujas

ardentes lavas calcinavam as criticas de seus

zoilos. Abundavam armas em seu arsenal, e

conforme as necessidades do momento, ora

lançava mão da ervada seta do epigrama, ora

da clava do soneto. Não somente á satyra,

mas a varios outros assumptos destinava elle

esta graciosa forma poetica, não temendo

ainda de conspurcal-a no tremedal da obsceni

dade. Sob todos os aspectos, que o conside

remos, será Bocage o primeiro sonetista da

litteratura portugueza.»

Finalmente o Snr. Rebello da Silva no

seu profundo e consciencioso Estudo litterario

para servir de complemento á biographia de

Bocage, inserto no tomo VI das suas poesias

diz :

«O soneto deveu-lhe uma superioridade,

que depois e antes nunca teve. Rivalisando

com Petrarcha, se a miudo o não offusca,

faz pasmar a facilidade com que entra na

estreita medida imposta pelas regras. Modu

lando os tons mais arduos, zomba dos curtos

limites concedidos á idéa e aligeira, como se

não pezassem, as prisões artificiosas da metri-

X

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- 16 - .

ficação... A viveza une-se á valentia do me

tro, e á opulencia da rima.»

Rematando o esboço biographico de Bocage

com o juizo destes tres mestres sobre o seu

merecimento poetico, nada mais nos resta,

senão dizer que poderamos adduzir outras

muitas opiniões todos unanimes neste mesmo

sentido ; porem o que fica transcrito é suffi-

ciente para se fazer seguro juizo do poeta ;

pois quem por guias em tal materia tomar

homens d'estes, difficilmente seguirá cami

nho errado.

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SONETOS

Incultas producções da mocidade

Exponho a vossos olhos, oh leitores :

Vêde-as com magoa, vède-as com piedade,

Que ellas buscam piedade e não louvores :

Ponderae da Fortuna a variedade

Nos meus suspiros, lagrymas e amores :

Notae dos males meus a immensidáde,

A curta duração dos seus favores :

E se entre versos mil de sentimento

Encontrardes alguns, cuja apparencia

Indique festival contentamento,

Crêde, oh mortaes, que foram com violencia

Escriptos pela mão do Fingimento,

Cantados pela voz da Dependência.

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- 10 -

II

Chorosos versos meus desentoados,

Sem arte, sem belleza, e sem brandura,

Urdidos pela mão da Desventura ;

Pela baça Tristeza envenenados :

Véde a luz, não busqueis desesperados,

No mudo esquecimento a sepultura :

Se os ditosos vos lêrem sem ternura,

Ler-vos-hão com ternura os desgraçados.

Não vos inspire, oh versos, cobardia

Da satyra mordaz o furor louco.

Da maldizente voz a tyrannia :

Desculpa tendes se valeis tão pouco, '

Que não pode cantar com melodia

Um peito, de gemer cançado e rouco.

V

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- M -

III

Já sobre o coche de ébano estrellado

Deu meio giro a noite escura e feia ;

Que profundo silencio me rodeia

N'este deserto bosque, á luz vedado !

Jaz entre as folhas Zéphiro abafado,

O Tejo adormeceu na lisa areia ;

Nem o mavioso rouxinol gorgeia,

Nem pia o mocho, ás trevas costumado.

Só eu vélo, só eu, pedindo á sorte

Que o fio, c*>m que está minha alma preza

A' vil materia languida, me corte :

Consola-me este horror, esta tristeza ;

Porque a meus olhos se affigura a morte

No silencio total da natureza.

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IV

Não, Marilia, teu gesto vergonhoso,

A luz dos olhos teus, serena e pura,

Teu riso, que enche as almas de ternura,

Agora meigo, agora desdenhoso :

Tua candida mão, teu pé mimoso, ,

Tuas mil perfeições, crêr que a ventura

As guarda para mim, fora loucura ;

Nem sou digno de ti, nem sou ditoso :

E que mortal emfim, que peito humano

Merece os braços teus, ó nympha amada?

Que Narciso? Queheroe? Que soberano?

Mas que lê minha mente illuminada !...

Céos ! . . Penetro o futuro ! Ah ! não me engano

De Jove para o thóro estás guardada.

N

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 loura Filis, na estação das flores

Comigo passeou por este prado

Mil vezes, por signal trazia ao lado

As Graças, os Prazeres, e os Amores.

Quantos mimos então, quantos favores,

Que innocente affeição, que puro agrado

Me não viram gozar (ó doce estado !)

Mordendo-se de inveja os mais Pastores !

Porém, segundo o feminil costume,

Já Filis se esqueceu do amor mais terno,

E com Jonio se ri de meu queixume.

Ah ! se nos corações fosses eterno,

Tormento abrazador, negro ciume,

Serias tão cruel como os do inferno.

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— li —

VI

Marilia, nos teus olhos buliçosos

Os Amores gentis seu facho accendem ;

A teus labios voando os ares fendem

Ternissimos desejos sequiosos :

Teus cabellos subtis e luminosos

Mil .vistas cegam, mil vontades prendem,

E em arte aos de Minerva se não rendem

Teus alvos curtos dedos melindrosos.

Reside em teus costumes a candura,

Mora a firmeza no teu peito amante,

A rasão com teus risos se mistura ;

E's dos Céos o composto mais brilhante :

Deram-se as mãos virtude, e Formosura

Para crear tua alma, e teu semblante.

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- 15 —

VII

Olhos suaves, que em suaves dias

\*i nos meus tantas vezes empregados ;

Vista, que sobre esta alma despedias

Deleitosos farpões, no Céo forjados :

Santuarios de amor, luzes sombrias,

Olhos, olhos da cor de meus cuidados,

Que podeis inflammar as pedras frias,

Animar os cadaveres mirrados ;

Troquei-vos pelos ventos, pelos mares,

Cuja verde arrogancia as nuvens toca,

Cuja horrizona voz perturba os ares :

Troquei-vos pelo mal que me suffoca,

Troquei-vos pelos ais, pelos pezares :

Oh cambio triste ! oh deploravel troca !

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VIII

Da perfida Gertruria o juramento

Parece-ine que estou inda escutando,

E que inda ao som da voz suave e brando

Encolhe as azas, de encantado, o vento :

No vasto, infatigavel pensamento

Os mimos da perjura estou notando...

Eis Amor, eis as Graças festejando

Dos ternos votos o feliz momento.

Mas ah!... Da minha rapida -alegria

Para que accendes mais as vivas cores,

Lisongeiro pincel da fantasia?

Basta, céga paixão, loucos Amores ;

Esqueçam-se os prazeres de algum dia,

Tão bellos, tão duraveis como as flores.

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- 17 -

II

De Paphos o menino ardendo em ira,

Porque uma ingrata as suas leis detesta,

Tão grave insulto despicar protesta,

E a domar-lhe a altivez, teimoso aspira :

Dormindo encontra a desdenhosa Elmira,

Sobre a mão reclinada a nivea testa ;

Teu genio (diz) amansarei com esta

Farpa subtil — e do Carcaz a tira :

Mas a bella Acidalia, a quem sómente

Rende o travesso infante vassalagem,

Lhe apparece, e lhe grita : « Amor, detem-te !

« Tu, filho que não soffres, que me ultragem,

« Elmira vens ferir, irreverente!

« N'ella de tua mãe não vês a imagem ?

.

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l

Oh tranças, de que Amor prisões me tece,

Oh mãos de neve, que regeis meu fado!

Oh thesourol ohmysterio! oh par sagrado,

Onde o menino aligero adormece l

Oh ledos olhos, cuja luz parece

Tenue raio do sol l oh gesto amado,

De rosas e assucenas semeado,

Por quem morrera esta alma, se podesse !

Oh labios, cujo riso a par metira

E por cujos dulcissimos favores

Talvez o proprio Jupiter suspira :

Oh perfeições ! oh dons encantadores !

De quem sois?... Sois de Venus ? E' mentira :

Sois de Marilia, sois de meus amores.

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- 19 -

XI

Já se affastou de nós o inverno agreste

Envolto nos seus humidos vapores ;

A fertil Primavera, a mãe das flores

O Prado amêno de boninas veste:

Varrendo os ares o subtil Nordeste,

Os torna azues; as aves de mil cores

Adejam entre Zephyros, e Amores,

E toma o fresco Tejo a cor celeste :

Vem, oh Marilia, vem lograr comigo

D'estes alegres campos a belleza,

D'estas copadas arvores o abrigo:

Deixa louvar da corte a v5 grandeza :

Quanto me agrada mais estar comtigo

Notando as perfeições da natureza!

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— 20 —

xir

Qual o avaro infeliz, que não descança,

Volvendo os olhos de um para outro lado,

Por cuidar, que ao thesouro idolatrado

Cubiçosa vontade as mãos lhe lança :

Tal eu, meu doce amor, minha esperança,

De suspeitas crueis atormentado,

Receio que a distancia, o tempo, o fado,

Te arranquem meus carinhos da lembrança :

Receio que, por minha adversidade,

Novo amante, sagaz e lisongeiro

Macule de teus votos a lealdade :

Ah ! crê, bella Gertruria que o primeiro

Dia, em que eu chore a tua variedade,

Será da minha vida o derradeiro.

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- 21 -

XIII

Grato silencio, tremulo arvoredo,

Sombra propicia aos crimes, e aos amores,

Hoje serei feliz ! — Longe, temores,

Longe, fantasmas, illusões do medo.

Sabei, amigos Zephyros, que cedo

Entre os braços de Nize, entre estas flores,

Furtivas glorias, tácitos favores

Hei de emfim possuir ; porém segredo !

Nas azas frouxos ais, brandos queixumes

Não leveis, não façaes isto patente,

Que nem quero que o saiba o pae dos numes:

Cale-se o caso a Jove omnipotente,

Porque se elle o souber, terá ciumes,

Vibrará contra mim seu raio ardente.

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— 22 —

XIV

Por terra jaz o Emporio do Oriente,

Que do rigido Affonso o ferro, o raio

Ao gran' filho ganhou do gran' sabaio,

Envergonhando o deus armipotente.

Caiu Goa, terror antigamente

Do naire vão, do perfido malaio,

De barbaras nações... 'ah ! que desmaio

Apaga o mareio ardor da Lusa gente.

Oh ! seculos de heróes ! Dias de gloria !

Varões excelsos, que apezar da morte

Viveis na tradição, viveis na historia !

Allwquerqúe terrivel, Castro forte,

Menezes, e outros mil, vossa memoria

Vinga as injurias, que nos faz a sorte.

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- 23 -

XV

Se o Destino cruel me não consente

Que o ferro nu brandindo, irado e forte,

Lá nos horrendos campos de Mavorte

De louros immortaes guarneça a frente :

Se prohibe que em solio refulgente

Faça os povos felices, de tal sorte

Que o meu nome apezar da negra morte,

Fique em padrões e estatuas permanentes:

Se as suas impias leis inexoraveis

Não querem que os mortaes em alto verso

Cantem de mim façanhas memoraveis:

Submisso á má ventura, ao fado adverso,

Ao menos por desgraças lamentaveis

Terei perpetua fama no universo.

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—- 24 —

XVI

Por esta solidão, que não consente

Nem do sol, nem da lua a claridade,

Ralado o peito já pela saudade

Dou mil gemidos a Marilia ausente :

De seus crimes a mancha inda recente

Lava Amor, e triumpha da verdade ;

A belleza, apezar da falsidade,

Me occupa o coração, me occupa a mente :

Lembram-me aquelles olhos tentadores,

Aquellas mãos, aquelle riso, aquella

Bocca suave, que respira amores...

Ah ! Trazei-me, illusões, a ingrata, a bella !

Pintae-me vós, oh sonhos, entre flores

Suspirando outra vez nos braços d'ella !

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- 28 —

XVII

Marilia, se em teus olhos attentára,

Do estellifero solio reluzente,

Ao vil mundo outra vez o omnipotente,

O fulminante Jupiter baixára:

Se o deus, que assanha as Furias, te avistara

As mãos de neve, o eólio transparente,

Suspirando por ti, do cabos ardente

Surgira á luz do dia, e te roubára:

83 a vêr-te de mais perto o sol descera

No aureo carro veloz dando-te assento:

Ato da- esquiva Dopbne se esquecera

E so a força igualasse o pensamento,

Oh alma da minha alna, eu te cifrooêra

Ccin cila a terra, o mar, e o firmamento.

í

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- 26 -

XVI»

Olha, Marilia, as flautas dos pastores

Que bem que soam, como estão cadentes !

Olha o Tejo a surrir-se! Olha, não sentes

Os Zephiros brincar por entre as flores?

Vê como ali beijando-se os Amores

Incitam nossos osculos ardentes !

Eil-as de planta em planta as innocentes,

As vagas borboletas de mil cores !

N'aquelle arbusto o rouxinol suspira,

Ora nas folhas a abelhinha pára,

Ora nos ares susurrando gira :

Que alegre campo ! Que manhã tão clara !

Mas ah ! Tudo o que vês, se eu te não vira,

Mais tristeza que a noite me causára.

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2Y

XIX

Em vão, para tecer-me um ledo engano,

Filosopho ostentoso industrias cançe:

Diz-me em vão, que exhalando-se a esperança,

Repousa na apathia o peito humano :

O nauta a soçobrar no pégo insano

Vê rir-se ao longe a cérula bonança ;

A mente esperançosa enfrêa, amansa

Os roncos, e as bravezas do oceano.

Se nos miseros cáe da m&o dos fados

O negro desengano, eil-os anciosos,

E á desesperação, e á furia dados !...

Dourai-nos o porvir, oh Céos piedosos !

Justos Céos ! Dêem sequer jardins sonhados

As flores dá ventura aos desditosos !

,

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- 28 —

XX

Os milhões de aureos lustres coruscantes

Que estão de azul abobada pendendo ;

O sol, é a que illumina o throno horrendo

D'essa, que anima os ávidos amantes:

As vastissimas ondas arrogantes,

Serras d'espuma contra os Céos erguendo,

A leda foute humilde o chão lambendo,

Lourejando as searas fluçtuantes :

O vil mosquito, a próvida formiga,.

A rama chocalheira, o tronco inuiío,

Tudo que ha Deus a confessar me obriga :

E [j.ira crer n'um braço, author de tudo,

QUÍ recompensa os bons, que os naus castiga,

Não só da fé, mas da razão me ajudo.

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— 29 —

XXI

Fiei-me nos sorrisos da ventura,

Em mimos feminis, como fui louco !

Vi raiar o prazer; porém tão pouco

Momentaneo relampago não dura :

No meio agora d'esta selva escura,

D'entro d'cste penedo humido, e ouço

Pareço, até no tom lugubre, e rouco

Triste sombra a carpir na sepultura :

Que estancia para mim tão propria é esta !

Causais-me um doce, e funebre transporte,

Aridos inatos, lobrega floresta !

Ah ! não me roubou tudo a negra sorte :

Inda tenho este abrigo, inda me resta

O pranto, a queixa, a solidão, e a morte.

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-30 —

XXII

Arde em vão por Elysa, em vão porfia

Contra a constancia da heroina augusta

O barbaro senhor d'Africa adusta,

Que do sangue de Jove se gloria :

Em vão lhe ofFrece a vasta monarchia,

Aonde a espadoa atlantica robusta

Sustenta os Céos, o caminhante assusta,

E horridos monstros indomaveis cria :

Não cede Elysa ; e vendo que, furioso

Usa da força o libyco tyranno,

Ella intrépida escolhe um fim glorioso.

Mentes, mentes, injusto mantuano !

Dido infeliz foi victima do esposo,

Foi victima da Fé, não do troyano.

-.

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- 31 -

XXIII

Os suaves effluvios, que respira

A flor de Venus, a melhor das flores,

Exhalas de teus labios tentadores,

Oh doce, oh bella, oh desejada Elmira :

A que nasceu das ondas, se te vira,

A seu pezar cantára os teus louvores :

Ditoso quem por ti morre de amores !

Ditoso quem por ti, meu bem, suspira !

E mil vezes ditoso o que merece

Um teu furtivo olhar, um teu surriso,

Por quem da mãe formosa Amor se esquece!

O sacrilego atheu, sem lei, sem siso,

Contemple-te uma vez, que então conhece

Que é força haver um Deus, e um paraiso.

^

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- 32 -

XXIV

Oh rei dos reis, oh arbitro do mundo,

Cuja mão sacro-santa os maus fulmina,

E a cuja voz terrifica, e divina

Lucifer treme no seu cahos profundo !

Lava-me as nodoas do peccado immundo,

Que as almas cega, as almas contamina :

O rosto para mim piedoso inclina,

Do eterno imperio teu, do Céo rotundo:

Estende o braço, a lagrimas propicio,

Solta-me os ferros, era que choro e gemo

Na extremidade já do precipicio :

De rairn proprio me livra, oh Deus supremo !

Porque o rneu coração propenso ao vicio

E', senhor, o contrario que mais temo.

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- 33 -

XXV

Da triste, bella Ignez, inda os clamores

Andas, Ecco chorosa, repetindo ;

Inda aos piedosos Céos andas pedindo

Justiça contra os impios matadores ;

Ouvem-se ainda na fonte dos Amores

De quando em quando as nayades carpindo ;

E o Mondego, no caso reflectindo,

Rompe irado a barreira, alaga as flores :

Inda altos hymnos o universo entoa

A Pedro, que da morta formosura

Comvosco, Amores, ao sepulcro voa :

Milagre da belleza, e da ternura !

Abre, desce, olha, geme, abraça e c'roa

A malfadada Ignez na sepultura. .

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- 34 -

XXVI

Sonhei que nas meus braços inclinado

Teu rosto encantador, Gertruria, via;

Que mil ávidos beijos me soffria

Teu niveo collo, para os mais sagrado :

Sonhei que era feliz por ser ousado,

Que o siso, a força, a voz, a cor perdia *

N'um extasis suave em que bebia

O néctar nem por Jove inda libado :

Mas no mais doce, no melhor momento

Exhalando um suspiro de ternura

Acordo, acho-te só no pensamento :

Oh Destino cimel ! Oh sorte escura !

Que nem me dure um vão contentamento!

Que nem me dure em sonhos a ventura!

•••

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- 3o —

XXVII

Eu me ausento de ti, meu patrio Sado,^

Mansa corrente deleitosa, amena,

Em cuja praia o nome de Filena

Mil vezes tenho escripto e mil beijado :

Nunca mais me veres entre o meu gado

Soprando a namorada e branda avena,

A cujo som descias mais serena,

Mais vagarosa para o mar salgado:

Devo emíim manejar por lei da sorte

Cajados não, mortiferos alfanges

Nos campos do colérico Mavorte ;

E talvez entre impavidas phalanges

Testemunhas farei da minha morte

Remotas margens, que humedece o Ganges.

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XXVIII

Os garços olhos, em que Amor brincava,

Os rubros labios, em que Amor se ria,

As longas tranças de que Amor pendia,

As lindas faces, onde Amor brilhava :

As melindrosas mãos, que Amor beijava,

Os niveos braços, onde Amor dormia,

Foram dados, Armania, á terra fria

Pelo fatal [>oder que a tudo aggrava :

Seguiu-te Amor ao tácito jazigo,

Entre as irmãs cobertas de amargura;

E eu que faço (ai de inirn !) como os não sigo í

Que ha no mundo que vêr, se a formosura,

Se Amor, se as Graças, se o prazer comtigo

Jazem no eterno horror da sepultura ?

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XXIX

Musa chorosa, que por terra estranha,

Tão longe de teu patrio ninho amado

Andas errante, suspirando ao lado

Da saudade fiel, que te acompanha:

Do chão, onde a lançaste, a lyra apanha,

E seja em brando som por ti cantado

Um peito de virtudes adornado,

A piedosa, a magnanima Saldanha :

Louva os dons d'aque!!a alma excelsa e pura,

Que as luas gastará imgoas penosas,

Como a Aurora desfiz a noiie escura :

Depois ás lindas filhas melindrosas,

Rivaes da ttás de Amor na formosura,

Tece capellas e festões de rosas.

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XXX

Do Mandovi na margem reclinado

Chorei debalde minha negra sina,

Qual o misero vate de Corina,

Nas tomitanas praias desterrado :

Mais duro fez ali meu duro fado .

Da vil calumnia a lingua viperina;

Até que aos mares da longinqua China

Fui por bravos tufões arremessado :

Atassalhou-me a serpe, que devora

Tantos mil, perseguiu-me o gran' gigante,

Que no terrivel promontorio mora :

Por barbaros sertões gemi vagante;

Falta-me inda o peor, falta-me agora

Vir Gertruria nos braços d'outro amante.

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- 39 -

XXXI

Adamastor cruel ! De teus furores

Quantas vezes me lembro horrorisado !

O' monstro ! Quantas vezes tens tragado

Do soberbo oriente os domadores !

Parece-me que entregue a vis traidores

Estou vendo Sepulveda affamado

Co'a esposa, e c'os filhinhos abraçado,

Qual Mavorte com Venus e os Amores :

Parece-me que vejo o triste esposo,

Perdida a tenra prole, e a bella dama,

A's garras dos leões correr furioso :

Bem te vingaste em nós do affoito Gama!

Pelos nossos desastres és famoso ;

Maldito Adamastor ! Maldita fama !

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XXXII

Camões, grande Camões, quam semelhante j

Acho teu fado ao meu, quando os cotejo !

Igual causa nos fez perdendo o Tejo,

Arrostar co' sacrilego gigante :

Como tu, junto ao Ganges susurrante

Da penuria cruel no horror me vejo;

Como tu, gostos vãos, que em vão desejo

Tambem carpindo estou, saudoso amante:

Ludibrio, como tu, da sorte dura

Mau fira demando ao Céo, pela certeza,

Do que só terei paz na sapulíura :

Modelo meu tu és... Mas oh tristeza!...

Se te iniito nos transes da veotura, t

Não te iraito nos dons da natureza.

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XXXIII

Sobre os contrarios o terror e a morte

Dardeje embora Achilles denodado,

Ou no rapido carro ensanguentado

Leve arrastos sem vida o Teucro forte :

Embora o bravo Macedonio corte

Co'a fulminante espada o nó fadado,

Que eu de mais nobre estimulo tocado,

Nem lhe amo a gloria, nem lhe invejo a sorte:

Invejo-te, Camões, o nome honroso;

Da mente creadora o sacro lume,

Que exprime as furias do Lyêo raivoso:

Os ais de Ignez, de Venus o queixume,

As pragas' do gigante procelloso,

O céo de Amor, o inferno do Ciume.

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XXXIV

O ledo passarinho, que gorgêa

D'alma exprimindo a candida ternura,

O rio transparente, que murmura,

E por entre pedrinhas serpentèa :

O Sol, que o céo diaphano passêa,

A lua, que lhe deve a formosura,

O sorriso da aurora alegre e pura,

A rosa, que entre os Zéphiros ondêa :

A serena, amorosa primavera,

O doce author das glorias que comsigo,

A deusa das paixões, e de Cythéra :

Quanto digo, meu bem, quanto não digo,

Tudo em tua presença degenera,

« Nada se pôde comparar comtigo. »

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XXXV

Já o Inverno, espremendo as cans nevosas,

Geme, de horrendas nuvens carregado ;

Luz o aéreo fusil, e o mar inchado

Investe ao pólo em serras escumosas ;

Oh ! benignas manhãs ! tardes saudosas,

Em que folga o pastor, medrando o gado,

Em que brincam no hervoso e fertil prado

Nymphas, e Amores, Zéphiros e Rosas !

Voltae, retrocedei, formosos dias :

Ou antes vem, vem tu, doce belleza

Que n'outros campos mil prazeres crias ;

E ao vêr-te sentirá minha alma acceza

Os perfumes, o encanto, as alegrias

Da estação, que remoça a natureza.

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- 4i —

XXXVI

Eurindo, charo ás Musas, e aos Amores,

Das tágides louçans cantor mimoso,

Não damnes o almo verso deleitoso,

Não sóe o lasso Elmano era teus louvores:

Exprime d'Hero as lagrimas, as dores,

Do andar cTAbydo o transito afanoso,

E em fofos escarceus Neptuno iroso

Mugindo, suffocando-lhe os clamores:

Pinta os males d'Amor, de Ignez os fados,

Canta as glorias d'Amor, canta de Alzira

Os olhos, as madeixas, e os agrados:

Em vez de aviventar co'a maga lyra

Musa infeliz, que em ancias, em cuidados,

Em soluços, em ais arqueja, expira.

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XXXVII

Da minha ingrata FIérida gentil

Os verdes olhos esmerados são;

E' de candida prata a lisa mão,

Onde eu de um beijo passaria a mil :

A trança, cor do sol, rede subtil

Em que se foi prender meu coração,

E' de oiro, o pae da túmida ambição,

Prole fatal do calido Brazil :

Seu peito delicado e tentador

E' porção de alabastro, a quem jámais

Penetraram farpões do deus traidor;

Mas como ha de a tyranna ouvir meus ais,

Como ha de esta cruel sentir amor,

Se é composta de pedras, e metaes !

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XXXVIII

Eu vim c'roar em ti minhas desgraças,

Bem como Ovidio misero entre os gétas,

Terra sem lei, madrasta de poetas,

Estuporada mãe de gentes baças :

Tens filhos, antes cães de muitas raças,

Que não mordem com dentes,mas com tretas,

E que impingir-nos vem, como a patetas,

Gatos por lebres, ostras por vidraças.

Tens varias casas, armazens de ratos,

Tens febres, mordachins em demasia,

De que escapamos a poder de tratos :

Mas a tua peor epidemia,

O mal, que em todos dá, que produz flatos,

E' a van, negregada senhoria.

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XXXIX

Já com tenue clarão, já quasi escura

A nocturna Diana o céo voltêa,

E sobre o Tejo azul, que mal pratêa

Vae duplicando a trémida figura:

Aura subtil nas arvores murmura,

No lago adormecido a ran vozêa,

Mocho importuno agouros mil semêa

D'entre as umbrosas moutas da espessura:

Lethargico vapor Morpheu derrama,

Com que insinua um doce desalento

Nojivre coração de quem não ama :

Triste de mim ! Se repousar intento,

Os olhos me abre Amor, Amor me inflamma,

E Analia me persegue o pensamento.

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XL

Das faixas infantis despido apenas,

Sentia o sacro fogo arder na mente;

Meu tenro coração inda innocente,

Iam ganhando as placidas Camenas.

Faces gentis, angelicas, serenas,

De olhos suaves o volver fulgente,

Da idéa me extraiam de repente

Mil simples, maviosas cantilenas.

O Tempo me soprou fervor divino,

E as Musas me fizeram desgraçado,

Desgraçado me fez o deus menino.

A Amor quiz esquivar-me, e ao dom sagrado:

Mas vendo no meu genio o meu destino,

Que havia de fazer? Cedi ao fado.

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-49 -

XLI

Sobre estas duras, cavernosas fragas,

Que o marinho furor vae carcomendo,

Me estão negras paixões n'alma fervendo

Como fervem no pego as crespas vagas:

Razão feroz, o coração me indagas,

De meus erros a sombra esclarecendo,

E vás n'elle (ai de mim !) palpando e vendo

De agudas ancias venenosas chagas:

Cégo a meus males, surdo a teu reclamo»

Mil objetos de horror co'a idéa eu corro,

Solto gemidos, lagrimas derramo :

Razão, de que me serve o teu soccorro ?

Mandas-me não amar ; eu ardo, eu amo ;

Dizes-me que socegue, eu peno, eu morro.

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XLII

Tenta em vão temeraria conjectura

Sondar o abysmo do invisivel Fado,

Que, de umbrosos mysterios enlutado,

Some aos olhos mortaes a luz futura:

Presumia (ai de mim !) vendo a ternura

D'aquella, que me trouxe enfeitiçado,

Presumia que Amor tinha guardado

Nos braços do meu bem minha ventura:

Oh terra ! Oh céo l Mentiram-me os brilhantes

Olhos seus onde achei suave abrigo ;

Quam faceis de enganar são os amantes !

Humanos, que seguis as leis que sigo,

Vós, corações, que ao meu sois semelhantes,

Ah ! comigo aprendei, chorae comigo. ,

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bl -

LXIII

Vem, suspirada, carinhosa Armia,

Remir o escravo, consolar o amante,

Que afflicto, que saudoso, a cada instante

Te envia um pensamento, um ai te envia.

Dá-me nos olhos teus mais puro o dia,

E flores mais gentis em teu semblante

Que a flor de Cytherea, a flor brilhante,

Que o manso Abril prefere a quantas cria.

Inimiga de amor é a tardança :

Não tardes, não, meu bem, que me flagellas

Em prolongar-me a soifrega esperança :

Vem olhar n'este rio as faces bellas,

Vem, por doce illusão da semelhança,

Vêr enganar-se os Zéphiros com ellas.

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LXIV

Voai, brandos meninos tentadores

Filhos de Yenus, deuses da ternura,

Adoçai-me a saudade amarga e dura,

Levai-me este suspiro aos meus amores:

Dizei-lhe que nasceu dos dissabores,

Que influe aos corações a formosura ;

Dizei-lhe que é penhor da fé mais pura,

Porção do mais leal dos amadores :

Se o fado para mim sempre mesquinho,

A outro offrece o bem de que me affasta,

E em ais lhe envia Ulina o seu carinho :

Quando um d'elles soltar na esphera vasta,

Trazei-o a mim, torcendo-lhe o caminho :

Eu sou tão infeliz, que isso me basta.

-.

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ÍXV

Mil poetas enphaticos, e ufanos,

Pintando em verso natalicio dia,

Fazem voar nas azas da harmonia

Aurea chusma de hyperboles e enganos :

Dizem, que sobrepondo-se aos humanos

Ò objecto, que o furor lhes desafia,

Ha de vêr entre os risos da alegria

Sua gloria sem fim, sem fim seus annos :

Desça a mentira ao ultimo terceto

Nos outros ; — que eu desejo-te saude,

Mas sêres immortal não te prometto !

Só rogo a Deus, que em premio da virtude

Cada verso que vai n'este soneto,

A teu favor n'um seculo se mude.

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LX VI

Queimando o véo dos seculos futuros

O vate accezo em divinaes luzeiros,

Assim cantou, (e aos eccos pregoeiros

Exultaram, Sion, teus sacros muros) :

« O Justo descerá dos astros puros

Em deleitosos, candidos chuveiros,

As feras dormirão com os cordeiros,

Soarão doce mel carvalhos duros ; •

A virgem será mãe, vós dareis flores,

Brenhas intensas em remotos dias ;

Porás fim, torva guerra, a teus horrores.

Não, não sonhou o altisono Isaias;

Oh reis ajoelhai, correi pastores !

Eis a prole do Eterno, eis o Messias !

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LXVIIl

Voaste,, alma innocente, alma querida,

Foste vêr outro sol de luz mais pura,

Falsos bens d'esta vida, que não dura,

Trocaste pelos bens da eterna vida.

Por Deus chamada, para Deus nascida,

Já de vans illusões vives segura:

Feliz a fé te cré ; mas a ternura

C'o punhal da saudade está ferida :

Desgraçado o mortal, insano, insano

Em dar seu pranto aos fados de quem mor;

No palacio do eterno soberano !

Perdoa, Anarda, ao triste que te adora :

Tal é a condição do peito humano ;

Se a Razão se está rindo, Amor te chora.

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56 —

LXV1II

Perdi tudo (ai de mim!) perdi Marfida,

Marfida, a gloria minha, a minha amada;

Tenra flor, a esperança mallograda

Do mimoso matiz caiu despida. ;

Pede meu coração mortal ferida,

Só aos ditosos a existencia agrada ;

Vida entre angustias equivale ao nada,

No risonho prazer consiste a vida.

Eia, amante infeliz, teu fim procura !

Phantastico terror não te reporte,

Nos tumulos não reina a formosura l

Diga triste letreiro a minha sorte;

Dai-me piedosa sombra á sepultura

Teixos, cyprestes, arvores da morte.

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- S7 -

LXIX

Lá onde o Fado impenetravel mora,

Voa o menino Amor entre os Amores ; '

Loureja a trança, que matisam flores,

Scintilla o facho, que a Razão devora :

Entra, saúda o nume, ao nume implora

Que de Marilia os olhos tentadores

Vejam sempre ante as Graças, e os Louvores

De seus annos gentis surgir a aurora :

Fronte rugosa vezes tres sacode

O deus, cujo poder tudo atropella,

E ás supplicás d'Amor d'est'arte acode :

« Escape ás minhas leis Maria bella,

Seja, seja immortal ; durar não pode

O mundo sem amor, amor sem ella. »

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LXX

Quantas vezes, Amor, me tens ferido?

Quantas vezes, Razão, me tens curado ?

Quam iiicil de um estado a outro estado

O mortal sem querer é conduzido!

Tal, que em grau venerando, alto e luzido,

Como que até regia a mão do fado,

Onde o sol, bem de todos, lhe è vedado

Depois com ferros vis se vê cingido :

Para que ao nosso orgulho as azas corte,

Que variedade inclue esta medida,

Este intervallo da existencia á morte ! i

Travam-se gosto, e dor; socego, e lida :

E' lei da natureza, é lei da sorte

Que seja o mal e o bem matiz da vida.

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LXXI

Oh tu, que tens no seio a Eternidade,

E em cujo resplendor o sol se accende,

Grande, immutavel ser, de quem depende

A harmonia da etherea immensidade.

Amigo, e bemfeitor da humanidade,

Do mesmo que te nega, e que te offende,

Manda ao meu coração, que á dor se rende,

Manda o reforço de efficaz piedade.

Oppressa, consternada a natureza

Em mim com vozes languidas te implora,

Órgãos do sentimento, e da tristeza:

A tua intelligencia nada ignora ;

Sabes que, de alta Fé minha alma acceza

Té nas angustias o teu braço adora. ' ; i.

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- 60 —

LXXII

Aquelle, que domina os céos brilhantes,

Artifice da machina estrellada,

Ante cuja grandeza os reis são nada,

Átomo a terra, os seculos instantes:

O Deus, que contra os vidos negrejantes

Pela voz dos trovões ao homem brada,

Da misera virtude atropellada

Vinga os tristes suspiros penetrantes:

Sem que o mortal com lagrimas o peça,

Juiz imparcial, juiz superno

Na causa do innocente se interessa :

Manda-te resurgir do horror eterno,

Devorante remorso ! Em ti começa

O supplicio dos maus, dos maus o inferno.

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— 61 -

LXXIII

Oh tu, consolador dos malfadados,

Oh tu, benigno dom da mão divina,

Das magoas saborosa medicina,

Tranquillo esquecimento dos cuidados :

Aos olhos meus, de prantear cançados,

Cançados de velar, teu voo inclina;

E vós, sonhos d'amor trázei-me Alcina,

Dae-me a doce visão de seus agrados :

Filha das trevas, frouxa somnolencia,

Dos gostos entre o fervido transporte

Quanto me foi suave a tua ausencia l

Ah ! findou para mim tão leda sorte;

Agora é só feliz minha existencia

fto mudo estado, que arremeda a morte.

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- 62 —

LXXiV

Dos negros mausoléos a deusa escura,

Que o véo desdobra do funereo dia,

Já Marilia sumiu na estancia fria,

Deu mais um triste exemplo á formosura:

Soltou-se alma gentil, vida immatura

De corpo, que em mil graças florescia ;

Saudade pefennal geme, e avalia

Thesouro de que é cofre a sepultura :

Chora, doce Tirsea, encanto amado!

Feliz essa corrente maviosa,

Se lagrimas podessem mais que o fado!

Se aos choros te surgisse a irmã formosa,

Qual em êrmo jardim desamparado

Aos prantos da manha revive a rosa!

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- 63

LXXV

Tributo em ais no coração gerados

Não dês á chara cinza, afflictp esposo,

Roçam da vida o circulo afanoso

Caminhos florescentes, e esírellados.

Espiritos gentis, por Jove amados,

Volvendo a seu principio luminoso,

Olham sol não crestante, e mais formoso,

Vagueiam sem temor por entre os fados.

Com alta fantasia, e rosto enxuto,

Vê nos elysios a immortal consorte,

Vê da virtude a flor tornar-se em fructo:

Doce, augusta Verdade Amor conforte;

Em vós, oh impios, a existencia é lucto,

E' nos eleitos um sorriso a morte.

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LXXVI-

Se é doce no recente, ameno estio

Vêr toucar-se a manhã cTethereas flores,

E lambendo as arêas, e os verdores,

Molle e queixoso deslisar-se o rio :

Se é doce no innocente desafio

Ouvirem-se os volateis amadores,

Seus versos modulando, e seus ardores

D'entre os aromas de pomar sombrio:

Se é doce mares, céos ver anilados

Pela quadra gentil, de Amor querida,

Que esperta os corações, florêa os prados :

Mais doce é vêr-te de meus ais vencida,

Dar-me em teus brandos olhos desmaiados

Morte, morte de amor, melhor que a vida.

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- 65

LXXV1I

Pela porta de ferro, onde ululando

O cão trifauce está perpetuamente,

Entraste, Orpheu, co'a cythara eloquente

Os monstros infernaes domesticando :

Penedos com teus sons amontoando

Lá ergues Thebas, Anfion cadente,

Pulsa Arion a lyra, e de repente

Vê delphins, vê tritões no mar dançando:

Tu, linguagem do céo, tu, melodia,

A tudo encantas, para tudo és forte,

Menos para aplacar a ingrata Armia :

Mais facil te ha-de ser, domando a sorte,

Ir de novo á tartarea monarchia

Vêr outra vez o carcere da morte !

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- 66 -

LXXVHI

Oh nympha que das graças melindrosas

Tens na face a lindeza, o riso, as cores,

Na face mimos toda, e toda flores,

Que é metade jasmins, metade é rosas !

Nympha suave, para quem saudosas

Dou magoas mil aos Zephiros, e Amores!

Tu gosas de meus ais, e dos louvores

De estremado cantor, meu bem, tu gosas.

Em sons (pinceis phebêos) em sons copia

Teu rosto, um céo ; do original o encanto

Eis, eis n'alma em tumulto a imagem cria :

Eu vate, eu amador não logro tanto;

Amor fogo me dá, Phebo harmonia,

E és mais no coração do que és no canto.

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- 67 -

LXXIX

Co'a mente juvenil, sublime, alada,

Sahes da terrea mansão, mansão profana ;

Introduzes, Moniz, a idéa ufana

Lá na de sóes sem conto estancia ornada :

Já, de Lysia cantando a historia honrada,

Soas qual grega musa, ou qual romana ;

Já medrando nos céos a força humana,

Teu metro creador faz ente o nada:

Nove deusas louçans, tres deusas nuas

Te abrem thesouros ; cada qual te admira

No verso graças mil, que foram suas:

Assás luziu teu estro ; a mais aspira,

E estranho não será que substituas

A tuba de Marão de Flacco á lyra.

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-68

LXXX

C'um diadema de luz no Elysio entrava

Envolto Nelson em sanguineo manto ;

Lavrou nos manes desusado espanto,

E a turba dos heróes o rodeava:

Grita Alexandre : (e n'elle os olhos crava)

«Quem és, que entre immortaes fulguras tanto?

«Sou (lhe diz) quem remiu de vil quebranto

«Europa curva, oppressa, e quasi escrava :

«Deixei de sangue o pégo rubicundo,

«Trophéos em meu sepulchro a patria arvora,

«Raio ardi sobre o gallo furibundo.»

N'isto de novo o Macedonio chora, i.'

E o que immensa extensão venceu do mundo,

Quem venceu um só povo inveja agora.

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LXXXl

Mãe de chefes heroes, de heroes soldados,

A Gallia herdou de Roma o genio, a sorte ;

Seus filhos no igneo jogo de Mavorte

Viram marcios leões tremer curvados:

Mas alta lei dos penetraes sagrados

Baixou, que o fatal impeto reporte ;

Fervendo em raios no occeano a morte

Te obdece, oh Britannia, ao mando, aos fados:

No continente o galio é deus da guerra ;

O anglo audaz sobre o pélago iracundo

Da victoria os pendões, troando, afferra :

Ah ! Nutram sempre assim rancor profundo. !

Um triumpha no mar, outro na terra ;

Se as mãos se derem, que será do mundo ?!

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LXXXII

Um Ente, dos mais entes soberano,

Que abrange a terra, os céos, a eternidade;

Que diffunde annual fertilidade,

E aplana as altas serras do Occeano:,

Um numen só terrivel ao tyranno,

Não á triste mortal fragilidade;

Eis o Deus, que consola a humanidade,

Eis o Deus da razão, o Deus d'Elmano :

Um déspota de enorme fortaleza,

Prompto sempre o rigor para a ternura,

Raio sempre na mão para a fraqueza :

Um creador funesto á creatura ;

Eis o Deus, que horrorisa a natureza,

E Deus do fanatismo, ou da impostura.

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LXXXIII

Liberdade querida, e suspirada,

Que o Despotismo acerrimo condemna ;

Liberdade, a meus olhos mais serena

Que o sereno clarão da madrugada!

Attende á minha voz, que geme e brada

Por vêr-te, e por gosar-te a face amena ;

Liberdade gentil, desterra a pena

Em que esta alma infeliz jaz sepultada:

Vem, oh deusa immortal, vem, maravilha,

Vem, oh consolação da humanidade,

Cujo semblante mais que os astros brilha:

Vem, solta-me o grilhão d'adversidade ;

Dos céos descende, pois dos céos és Olha,

Mãe dos prazeres, doce liberdade !

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LXXX1V

Liberdade, onde estás ? Quem te demora ?

Quem faz que o teu influxo em nós não caia ?

^Porque (triste de mim !) porque não raia

Já na esphéra de Lysia a tua aurora ?

Da santa redempção é vinda a hora

A esta parte do mundo, que desmaia;

Oh, venha !... Oh ! venha, e trémulo descaia

Despotismo feroz, que nos devora!

Eia ! Acode ao mortal, que frio e mudo

Occulta o patrio amor, torce a vontade,

E em fingir, por temor, empenha estudo :

Movam nossos grilhões tua piedade;

Nosso nurnen tu és, e gloria, e tudo,

Mãe do genio e prazer, oh i Liberdade !i

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— 73 -

LXXXV

Oh triste malfadada Academia !

O vate Elmano em satyras se espraia;

Fervem correios ao loquaz Talaia,

Que a todos teu descredito annuncia:

Apollo exulta, o povo te assobia ;

A gloria tua em convulsões desmaia ;

Ah ! primeiro que a pobre em terra caia,

Corte-se o voo da fatal porfia:

Ao satyrico audaz põe duro freio,

Pune o declamador, que te flagella;

Dá-lhe assento outra vez no magro seio :

Bem como a quem profana uma donzella,

Que em lugar de affrontoso estupro feio

Fazem próvidas leis casar com ella.

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LXXXVl

Jonio meu, inda meu (porque o jazigo

Titulos immortaes, não vos devora)

Que ^ncantador, e que encantado outr'ora

Que eras d'elle, e tua luz o amigo !

D'Elmano é grato á dor vagar comtigo

Plagas fataes, onde o silencio mora ;

E' doce á minha dor, que em vão te chora,

Das sombras tuas suspirar no abrigo.

Vate de Ignez l Perderam-te os Amores,

Que em ti gosavam duplicado encanto,

Flores no metro, e no caracter flores :

Sopro da morte se gelar meu pranto,

Ais canoros o claro entre os cantores

Sagre aos dois genios, que se amaram tanto.

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LXXXVII

Pode o tosco pincel, que mal sustento

Pintar ousado divinal belleza ?

Oh ! Quanto fora temeraria empreza !

Pagára içaria sorte o louco intento.

Não pinta humana penna um tal portento,

Milagre da sublime natureza !

Tens mais alto pintor, que não despreza

Pintar-te... a mão, que fez o firmamento:

Tanto não posso, oh d'entre as bellas bella !

E baixará dos céos fiel soccorro,

P'ra tráçar-te a paixão, que me flagella ?

Deliro, amavel Jonia ; em vão discorro :

Confunde-me a afflicção que me flagella,

Mal sei balbuciar que por ti morro.

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- 76 -

LXXXVIIl

Vós, oh Franças, Semmedos, Quintanilhas,

Macedos, e outras pestes condemnadas;

Vós, de cujas buzinas penduradas

Tremem de Jove as delicadas filhas :

Vós, nescios, que mamais 'das vis quadrilhas

Do baixo vulgo insonsas gargalhadas,

Por versos maus, por trevas aleijadas,

De que engenhaes as vossas maravilhas :

Deixae Elmano, que innocente e honrado

Nunca de vós se lembra, meditando

Em cousas sérias, de mais alto estado :

E se quereis, os olhos alongando,

Eil-o! Vêde-o no Pindo recostado,

De perna erguida sobre vós

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LXXXIX

Oh! deusa que proteges dos amantes

O destro furto, o crime deleitoso,

Abafa com teu manto pavoroso

Os importunos astros vigilantes:

Quero adoçar meus labios anhelantes

No seio de Ritalia melindroso ;

Estorva que os máos olhos do invejoso

Turvem de amor os soffregos instantes:

Thetis formosa, tal encanto inspire

Ao namorado sol teu niveo rosto,

Que nunca de teus braços se retire !

Tarde ao menos o carro á Noite opposto,

Até que eu desfalleça, até que expire

Nas ternas ancias, no ineffavel gosto.

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- 78 -

;LXXXX

Triste quem ama, cego quem se fia

Da feminina voz na van promessa !

Aspira a vêl-a estavel ! Mais depressa

O facho apagará, que espalha o dia.

Alada exhalação, que na sombria

Tácita noite os ares atravessa,

Foi comigo a paixão voluvel d'essa

Que o peito me affagava, e me feria :

Do desengano o balsamo lhe applico,

E a teus laços, Amor, sem medo exponho

Dos beneficos céos o dom mais rico:

Vejo mil Circes placido, risonho ;

E se fé me prometteu, ouço, e fico

Como quem despertou de aéreo sonho.

v-

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LXXXXI

Famosa geração de falladores

Soa que foi, Risêo, a origem tua ;

Que nem todos os cães ladrando á lua,

Tiveram que fazer com teus maiores :

Um a lingua ensinou dos palradores,

Outro o moto contínuo achou na sua ;

Outro, além de encovar toda uma rua,

Açaimou n'uma junta a cem doutores :

Teu avo, santanario venerando !

Soube mais orações que mil beatas,

Com reza -impertinente os céos zangando:

Teu pae foi um trovão de pataratas ;

Teu tio, o bacharel, morreu fallando ;

Tu fallando, Risêo, não morres, matas.

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- 80 -

LXXXXII

Magro, de olhos azues, carão moreno,

Bem servido de pés, meão n'altura,

Triste de facha, o mesmo de figura,

Nariz alto no meio, e não pequeno :

Incapaz de assistir n'um só terreno,

Mais propenso ao furor do que á ternura ;

Bebendo em niveas mãos por taça escura

De zêlos infernaes lethal veneno :

Devoto incensador de mil deidades

(Digo, de mocas mil) n'um só momento,

È sómente no altar amando os frades ;

Eis Bocage, em quem luz algum talento ;

Sahiram d'elle mesmo estas verdades

N'um dia em que se achou mais pachorrento.

-.

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81 -

LXXXXUI

Excedo lustros seis por mais tres annos,

Mas bem que juvenis meus annos sejam,

Já murcham de agonia, e já me alvejam

Não raros na cabeça os desenganos.

Os fados, meus verdugos, meus tyrannos,

Que de Pandora o cofre em mim despejam,

Folgam de que os mortaes nas cans me vejam

Tristes amostras de frequentes damnos.

Parece que devia a formosura

Vingar-me dos crueis comigo irados,

E da ternura o premio ser ternura:

Mas Nise (oh vãos extremos desgraçados!)

Na trança infausta branquear procura

O resto escuro, que escapou aos fados.

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LXXXXIV

Meu ser evaporei na lida insana

Do tropel de paixões, que me arrastava :

Ah ! Cego eu cria, ah ! misero eu sonhava

Em mim quasi immortal a essencia humana :

De que innumeros sóes a mente ufana

Existencia fallaz me não dourava !

Mas eis succumbe a Natureza escrava

Ao mal, que a vida em sua origem damna.

Prazeres, socios meus, e meus tyrannos,

Esfaima, que sedenta em si não coube,

No abysmo vos sumiu dos desenganos :

Deus, oh Deus !... Quando a morto á luz me roube

Ganhe um momento o que perderam annos,

Saiba morrer o que viver não soube.

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- 83 -

LXXXXV

Comtigo, alma suave, alma formosa,

Celeste imagem, de que o céo me priva,

Que eu vivesse não quiz, não quer que eu viva

Lei (sendo ethérea) ao coração penosa :

Vendo sumir-me por morada umbrosa,

Ah ! Não desmaies, a constancia aviva,

E por artes de amor, de amor oh diva,

Do não-gosado amante os manes gosa :

Mais doee orvalho de teus olhos desça,

A' linda (como tu) melhor das flores.

Que em torno á campa se abotoe, e cresça ;

Passêa entre os meninos voadores,

Une a mãe aos filhinhos, e pareça

Da morte a solidão jardim de amores.

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LXXXXVI

Debalde um véo cioso, oh Nise, encobre

Intactas perfeições ao meu desejo ;

Tudo o que escondes, tudo o que não vejo

A mente audaz e aligera descobre :

Por mais e mais que as sentinellas dobre

A sisuda Modestia, o cauto Pejo,

Teus braços logro, teus encantos beijo,

Por milagre da idéa afíouta, e nobre :

Inda que premio teu rigor me negue,

Do pensamento a indómita porfia

Ao mais doce prazer me deixa entregue :

Que pode contra Amor a tyrannia,

Se as delicias, que a vista não consegue,

Consegue a temeraria phantasia ?

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LXXXXVII

Oh terra, onde os seus dons, os seus favores

Derrama de aureo cofre a Natureza,

Que na estação do gelo, e da tristeza

Borda teus prados de verdura, e flores :

Oh clima dos heróes, e dos amores,

Esmalte e perfeição da redondeza,

Tu, que abrigas em ti tanta belleza,

Tantos olhos gentis, e encantadores :

Tu, que do Grego errante e cauteloso,

Da mão que ao nada reduziu Dardania,

Tens em teus campos monumento honroso :

D'elles todos, oh patria, oh Lusitania,

O do Tejo é mais ledo, é mais viçoso ;

Graças ao riso da celeste Armania.

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LXXXXVIII

Tu, por Deus entre todas escolhida,

Virgem das virgens, tu, que do assanhado

Tartareo monstro com teu pé sagrado

Esmagatse a cabeça entumecida :

Doce abrigo, santissima guarida

De quem te busca em lagrimas banhado,

Corrente com que as nodoas do peccado

Lava uma alma, que geme arrependida:

Virgem, d'estrellas nitidas c'roada,

Do Espirito, do Pae, do Filho eterno

Mãe, filha, esposa, e mais que tudo amada

Valha-me o teu poder, e amor materno ;

Guia este cégo, arranca-me da estrada,

Que vae parar ao tenebroso inferno J

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- 87 -

LXXXXIX

A fronte, que de louro ergui cingida,

Ufana do louvor, e da innocencia,

Jaz por effeito d'horrida apparencia,

Curvado pelo opprobrio, e denegrida :

De mil gratos objectos guarnecida

Rutilava a meus- olhos a existencia;

Hoje, amavel prazer, na tua auzencia

Parece aos olhos meus um ermo a vida.

De quantas cores se matiza o Fado !

Nem sempre o homem ri nem sempre chora,

Mal com bem, bem com mal é temperado ;

Os estados variam de hora em hora ;

Sabio o mortal que em um, que em outro estado

(Disposto a tudo) a Providencia adora.

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Meus olhos, attentae no meu jazigo,

Que o momento da morte está chegado;

Lá sóa o corvo, interprete do fado;

Bem o entendo, bem sei, falla comigo :

Triumpha, Amor; gloria-te inimigo;

E tu, que vês com dor meu duro estado,

Volve á terra o cadaver macerado,

O despojo mortal do triste amigo :

Na campa, que o cobrir, piedoso Albano,

Ministra aos corações, que Amor flagella,

Terror, piedade, aviso, e desengano :

Abre em meu nome este epitaphio n'ella :

« Eu fui, ternos mortaes, o terno Elmano ;

Morri de ingratidões, matou-me Isbella. »

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CANTATAS

MEDÉA

Já de Colchos a fera, ardente Maga

Horridos versos murmurando havia ;

Ao som de atroz conjuro, e negra praga

Já tinha amortecido a luz do dia:

Já co'a força do encanto

Os implacaveis monstros subjugára

Na feia habitação do eterno pranto,

E á voz terrivel, ao potente aceno

A triforme carranca em fim curvára

Do rei das sombras a feroz consorte.

Embebidas n'um férvido veneno

As roupas nupciaes, brilhante ornato,

Em que ia disfarçada, alegre a Morte,

Instrumento da raiva, e do ciume,

Punindo a vil traição do esposo ingrato,

6

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O invisivel por arte, aéreo lume

Pouco a pouco ateavam

Nas lisas carnes da real donzella,

E a preferida, a bella,

Miseranda rival desesperavam.

Descendente do Sol, do deus fogoso,

Tu, zeloza, frenetica Medéa,

Foste colher ao carro luminoso

Tenue, fatal porção de luz phebéa ;

Talhaste fulvo anel da ignea trança,

E d'elle urdiste asperrima vingança.

Estás desaffrontada ? Estás contente?

Nas garras da afflicção já Creusa expira ;

Jason sem alma a sente,

Jason, que te offendeu, Jason delyra,

Brama de horror, de angustia desfallece,

E mais que teu furor teu dó merece :

Eis o envolve, o consterna amargo lueto,

Foi falso, foi traidor, foi réo seu fructo. -

Que novo crime insólito, execrando,

Que atrocidade insana

Vaes contra a natureza apparelhando ?

Poupa os filhinhos, barbara, inhumana,

Poupa os meigos filhinhos :

Elles são innocentes,

Elles inda tem jús aos teus carinhos.

Não vês que, descontentes,

Não vês que, enternecidos,

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A teu fado, a teu mal dão mil gemidos,

Soluçam, tremem, choram,

.Se lamentam, do 'pae, e a mãe deploram ?

Oh céos ! No coração da maga horrenda

Natureza e vingança

Armam fervente, pertinaz contenda :

Ora a ternura suspirando amansa

Dos zelos a raivosa tempestade,

Ora de agro despeito

Ao vigoroso impulso

Cede a benigna, maternal piedade :

Emfim do irado peito

Foge, voa carpindo Amor expulso.

Eis a mãe (já não mãe) qual impia Furia,

" Medonha, e desgrenhada,

Te faz, oh Natureza, atroz injuria !

A tua doce voz em vão lhe brada,

Em vão lhe representa, em vão lhe pinta

Com mimoso pincel, com vária tinta

Áureos instantes, scenas deleitosas;

Nos meninos gentis em 4'ão lhe aponta

De amor suave as prendas carinhosas :

Co'as imagens brilhantes

Se assanha do divorcio a crua affronta,

Dobra-se a pena, a raiva se requinta.

Já lança mão dos- candidos infantes,

E empunhando o mortifero instrumento

Com que a Ternura espanca

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No sagrado aposento

Estas vozes crueis do peito arranca :

« Longe, affectos piedosos,

Longe, materno amor !— Estes, que eu mato,

São prole de Jason, são criminosos,

Detestavel porção de um peito ingrato.

Morra, morra com ellas a memoria

Do pérfido consorte.

Justiça, Indignação, dae-me a victoria !

Cessa de murmurar, oh Natureza,

Recebe as tenras victimas, oh Morte !... »

N'isto em chammas do inferno a maga acceza,

Vibra o ferreo punhal contra ps mesquinhos,

Lacrimosos filhinhos :

Ao acto de os ferir lhe cae por terra,

Mas a dextra fatal de novo o aferra.

Infancia, formosura, a dof, e o pranto

Nada o terrivel impeto embaraça,

Um após outro os miseros traspassa :

Tu, Ciume cruel, tu podes tanto !

No horror da morte as victimas arquejam,

E, inda sentindo a filial ternura,

A mãe, o algoz acarinhar desejam.

Ella, mais que rochedos secca, e dura,

Denso véo luctuoso

Sobre os rotos cadaveres estende,

E aos olhos tristes do culpado esposo

A triste scena renovar pertehde...

V

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Eil-o, ah! Eil-o, convulso, arrebatado,

Derriba a porta da luctuosa estancia

No liso pavimento ensanguentado :

Ferro mortal brandindo

Corre a Medéa com terrivel ancia.

Ao vêl-o, em novas furias se affogueia,

Relampagos dos olhos sacudindo

A torva maga, e súbito meneia

Com rapido susurro a tenue vara,

Que ás longas vestes do perjuro applica :

Elle treme, elle pára,

Calado, immovel, qual estátua fica;

Porém se perde a voz, e o movimento,

Conserva illesos vista, e sentimento.

Logo o funebre véo Medéa alçando,

Do falsario Jason a angustia dobra,

Aponta ao espectaculo nefando,

Mostra-lhe os filhos, e a traição lhe exprobra.

Depois, abominando os impios lares,

Theatro de seus horridos furores,

As soberbas abobadas atroa

Com mil imprecações, com mil clamores,

E em leve salto se arremessa aos ares,

E pelos ares voa

De aligeros dragões n'um carro enorme,

Dádiva de Prosérpina triforme.

Das Górgonas, das Furias negro bando

Retorce os olhos, que arremedam brazas,

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— 9i —

A segue, e vae correndo, e vae crestando

Com rubro facho ardente ao vento as azas.

Unisono alarido

A sanhuda caterva aos céos levanta,

E da brutal fereza

O triumpho atrocissimo decanta.

O sol na escuridão fica sumido,

Negreja horrorisada a natureza,

Montanhas ergue o mar, volcões a terra,

Aos sons que o coro estygio desencerra :

E entretanto o miserrimo consorte

Jaz entre os filhos, a luctar co'a morte.

« Triumpho (os monstros clamam,

E a Compaixão suspira)

Triumphe, reine a Ira,

Caia, pereça Amor.

« Teus raios, oh Vingança

Jámais, jámais se apaguem :

Sempre o altar te alaguem

Ondas de rubra cor.

« Pasmae, tartareas hydras,

Pasma., infernal tyranno;

Inda o furor humano

Transcende o teu furor.

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- 93 -

« Da atroz Medéa o nome

Em perennal memoria

Será do Averno a gloria,

E dos mortaes o horror.

« Tropel de acerbos males

O mundo assalte e fira ;

Reine, triumphe a Ira,

Caia, pereça Amor. »

n

A MORTE DE IGNEZ DE CASTRO

Longe do caro esposo Ignez formosa

Na margem do Mondego

As amorosas faces aljofrava

De mavioso pranto.

Os melindrosos, candidos penhores

Do tliálamo furtivo,

Os filhinbos gentis, imagem d'ella,

No regaço da mãe serenos gozam

O somno da innocencia.

Oòro subtil de aligeros Favonios

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- 96 -

Que os ares embrandece,

Ora enlevado aííaga

Com as plumas azues o par mimoso,

Ora solto, inquieto

Em leda travessura, em doce brinco,

Pela amante saudosa,

Pelos tenros meninos se reparte,

E com tenue murmurio vae prender-se

Das aureas tranças nos aneis brilhantes.

Primavera louçã, quadra macia

Da ternura, e das flores,

Que á bella Natureza o seio esmaltas,

Que no prazer de Amor ao mundo apuras

Prazer da existencia,

Tu de Ignez lacrimosa

As magoas não distrahes com teus encantos.

Debalde o rouxinol, cantor de amores,

Nos versos naturaes os sons varia ;

O limpido Mondego em vão serpeia

C'um benigno susurro, entre boninas

De lustroso matiz, almo perfume ;

Em vão se doura o sol de luz mais viva,

Os céos de mais pureza em vão se adornam

Por divertir-te, oh Castro l

Objectos de alegria Amor enjoam

Se Amor é desgraçado.

A meiga voz dos Zephyros, do rio,

Não te convida o somno :

-.

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— 97 -

Só de já fatigada

Na lucta de amargosos pensamentos,

Cerras, misera, os olhos; .

Mas não ha para ti, para os amantes

Somno placido, e mudo :

Não dorme a phantasia, Amor não dorme :

Ou gratas illusões, ou negros sonhos

Assomando na idéa espertam, rompem

O silencio da morte.

Ah ! Que fausta visão de Ignez se apossa !

Que scena, que espectaculo assombroso

A paixão lhe affigura aos olhos, d'alma! f

Em marmóreo salão de altas columnas, "

A solio magestoso, e rutilante

Junto ao Regio amador se cré subida :

Graças de neve a purpura lhe envolve,

Pende augusto docél do tecto de ouro ;

Rico diadema de radioso esmalte

Lhe cobre as tranças, mais formosas que elle;

Nos luzentes degraus do throno excelso

Pomposos cortezãos o orgulho accurvam ;

A lisonja sagaz lhe adoça os labios,

O monstro da politica se aterra,

E se Ignez perseguia, Ignez adora.

Ella escuta os extremos,

Os vivas populares ; vê o amante

Nos olhos estudar-lhe as leis que dieta ;

O prazer a transporta, Amor a encanta ;

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- 98 -

Premios, dádivas mil ao justo, ao sabio

Magnanima confere,

Rainha esquece o que soffreu vassala :

De sublimes acções orna a grandeza,

Felicita os mortaes, do sceptro é digna,

Impéra em corações... Mas, céos! Que estrondo

O sonho encantador lhe desvanece !

Ignez sobrcsaltada

Desperta, e de repente aos olhos turvos

Da vistosa illusão lhe foge o quadro.

Ministro do Furor, tres vis algozes,

De buidos punhaes a dextra armada,

Contra a bella infeliz bramindo avançam.

Ella grita, ella treme, ella descora,

Os fructos da ternura ao seio aperta,

Invocando a piedade, os céos, o amante ;

Mas de marmore aos ais, de bronze ao pranto,

A' suave attracção da formosura,

Vós, brutos assassinos,

No peito lhe enterraes os impios ferros.

Cáe nas sombras da morte

A victima d'Amor lavada em sangue :

As rosas, os jasmins da face amena

Para sempre desbotam ;

Dos olhos se lhe some o doce lume,

E no fatal momento

Balbucia, arquejando: « Esposo! Esposo !... »

Os tristes innocentes

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- 99 —

A' triste mãe se abraçam,

E soltam de agonia inutil choro.

Ao suspiro exhalado,

Final suspiro da formosa extincta,

Os Amores acodem.

Mostra a prole de Ignez, e tua, oh Venus,

Igual consternação, e igual belleza :

Uns dos outros os candidos meninos

Só nas azas differem,

(Que jázem pelo campo em mil pedaços

Carcazes de marfim, virotes de ouro)

Súbito voam dous do coro alado ;

Este, raivoso, a demandar vingança

No tribunal de Jove,

Aquelle a conduzir o infausto annuncio

Ao descuidado amante.

Nas cem tubas da fama o gran desastre

Irá pelo universo :

Hão de chorar-te, Ignez, na Hyrcania os tigres,

No torrado sertão da Lybia fera

As serpes, os leões hão de chorar-te.

Do Mondego, que attónito recua,

Do sentido Mondego as alvas filhas

Em tropel doloroso

Das urnas de crystal eis vem surgindo ;

Eis, «ittentas no horror do caso infando,

Terríveis maldições dos labios vibram

Aos monstros infernaes, que vão fugindo.

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— 100 —

Já c'roam de cypreste a malfadada,

'E, arrepelando as nitidas madeixas,

Lhe urdem saudosas, lúgubres endeixas.

Tu, Ècco, as decoras-ta;

E cortadas dos ais, assim resoam

Nos concavos penedos, que magoam .

« Toldam-se os ares,

Murcham-se as flores,

Morrei, Amores,

Que Ignez morreu.

« Misero esposo,

Desata o pranto,

Que o teu encanto

Já não é teu. •

« Sua alma pura

Nos céos se encerra ; ,

Triste da terra,

Porque a perdeu !

« Contra a cruenta

Raiva ferina

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101 -

Face divina

Não lhe valeu.

« Tem roto o seio,

Thesouro occulto,

Bárbaro insulto

Se lhe attreveu.

« De dor e espanto

No carro de ouro

O nnmen louro

Desfalleçeu.

« Aves sinistras

Aqui piaram,

Lobos uivaram,

O chão tremeu.

« Toldam-se os ares,

Murcham-se as flores;

Morrei, Amores,

Que Ignez morreu. »

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- 102 -

A MORTE DE LEMBRO E HERO

De horrenda cerração cVoada a Noite

Surgira ha muito da cimeria gruta

Tapando o longo céo co'as azas longas ;

Reina em meio universo :

Occupam-lhe os degráos do negro throno

A Tristeza, o Silencio,

O Modo, a Solidão, o Amor, e o Crime ;

Voam-lhe em roda os lúgubres fantasmas,

Aves sinistras pousam-lhe no gremio.

Eis manso e manso as nuvens se entumecem,

Eis o liquido pezo

Rompe os enormes, carregados bojos,

Em torrentes susurra, e cáe na terra.

Rebentam furacões, flammejam raios,

O estrondoso trovão no céo rebrama,

O Hellesponto nas rochas ferve, e ronca.

Tu, Abydeno amante,

Tu vélas n'este horror com a saudade.

Já corres insoffrido ás êrmas praias,

D'onde é teu uso arremessar-te ao pégo,

E, destro nadador, talhando as vagas,

-,

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- 103 —

Teus gostos demandar na opposta margem.

Ao longe em celsa torre, estancia chara

De Hero, sol dos teus dias,

O brilhante signal, o amigo lume

(Que é no facho de Amor por ella accézo)

Vês entre as sombras scjntillar a espaços,

E como que te acena, e te suspira.

Debalde o mar bramindo, o céo troando

Teu impeto ameaçam :

Ardem-te n'alma os soffregos desejos ;

Fulgurante illusão, dourando as trevas,

N'um quadro tentador te offrece aos olhos

Glorias a furto, vividos prazeres,

Doces mysterios, que da luz se temem.

A sagaz esperança

Te reforça, te incita,

Jura aplacar-te o ar, por freio ás ondas,

Dar-te os suspiros da suave amada.

Attento á meiga voz, que attrahe, que mente,

No montuoso pélago te arrojas:

A' queda repentina alteia um grilo

O corvo grasnador na dextra parte,

E os eccos, despertando ao som medonho,

Gemem nas brutas, cavernosas fragas.

O triste Agouro te arripia as carnes,

Teus cabellos erriça ;

Mas prevalece Amor, e, expulso o mêdo,

Forças a equorea túmida braveza.

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Metade já do transito affanoso

Indústria, e robustez vencido haviam :

N'isto a procella horrisona recresce,

Fingem sombras do inferno os véos da noite,

Que o súbito relampago retalha ;

Braveja o mar, aos astros se remontam

Serras, e serras de fervente espuma :

Carrancudos tufões arrebatados

Dobrando a força, a raiva, lutam, berram,

E revolvem do pélago as entranhas:

Rochedo immovel, afferrado á terra,

Rebate apenas o horroroso assalto...

Ah ! Leandro infeliz ! Tu já fraqueias,

A destreza, o vigor, nas mãos, nas plantas

Já, misero amador, já .te fallecem.

Procuras o distante o caro lume,

Astro benigno, que te influe, e guia,

Olhas, vês que te falta,

Que desappareceu, que jaz extincto :

Suspiras, esmoreces,

Da tua doce luz desamparado.

Invocas o gran deus que rege os mares;

De teus rogos não cura immoto, e surdo. .

Invocas de Nerêo potente as filhas ;

Ellas ardem por ti; mas, invejosas

Do objecto encantador, que lhes preferes,

A's marítimas furias te abandonam.

Hero invocas, e Amor, e os Céos, e a Sorte :

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- 103 -

A sorte é implacavel,

Dos males, que dispõe, não se arrepende,

Teus dias signalou de um termo infausto.

Debalde te auxilia o deus mimoso,

O alado creador de teus suspiros,

Dos amorosos bens, que desfructaste ;

O facho luminoso em vão meneia

Para encurtar-te as sombras,

E mais facil tornar a undosa estrada ;

Em vão co'as azas brandas

Tenta arrazar os orgulhosos mares.

Sobre altos escarcéos o fado escuro

Folga, triumpha e reina.

Punge, ameaça, desespera os ventos,

Enrola a morte nas horrendas vagas.

Ella, prompta a seu mando, ella acommette

O deploravel moço :

Eis dos olhos gentis lhe turva o lume,

O tardo movimento eis lhe sopeia,

Pelas aguas o embebe, e d'Hero o nome

Do ancioso coração n'um ai lhe arranca.

Abaixo, acima, co'as cavadas ondas

Vae, vem mil vezes o infeliz mancebo...

Ai l Já sem vida aqui, e ali vagueia

A' discripção do mar, e o mar com elle

De Sésto ás praias súbito arremette;

Dá contra a torre d'Hero, ali rebenta,

E deixa o triste corpo á margem nua.

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— 106 —

Tu entretanto, carinhosa amante,

Que fazias, (oh céosl) que imaginavas?

Solitaria, anhelando,

Nas trévas espantosas,

Nos soltos ventos, alterosos mares,

Lias de feio azar presagios feios.

Em torno á viva luz, que vigiavas,

(Que em raro véo com arte envolto havias,

Resguardando-a dos ares indignados)

Em torno á viva luz eis de improviso

Negro insecto voou, zuniu tres vezes,

E á terceira apagou a esperta chamma :

(Foi no ponto funesto em que o mancebo

Com teu nome adoçou o extremo arranco !)

De repentino assombro espavorida,

. Attónita, convulsa

O agourado clarão não renovaste.

Em ancias implorando os deuses todos,

E mais que todos o que em ti reinava,

A bem do affouto, desvellado amante, .

Ao numen indulgente, á mãe piedosa

Mil incenses, mil victimas votaste.

Depois, cevando a revoltosa ideia

Em terriveis imagens,

Ora do moço audaz o usado arrojo

Reprovavas comtigo,

Ora a céga imprudencia maldizias

Com que em tão desabrida, horrivel noite

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- 107 -

A perigosa senha aventuráras...

Ah triste ! Contra ti não te conjures ;

Foi lei dos fados a imprudencia tua.

Hero desanimada

Mettida em profundissimo lethargo,

Jaz sem tino, e sem voz, até que aponta

A purpúrea manhã no céo já ledo.

Farto o cruel Destino,

Adelgaçára os ares,

Ao pégo a mansidão restituira

Depois que a terna victima saudosa

Foi suffocada nas voragens feras.

Elle, o duro oppressor dos desditosos,

Elle, o almo prazer, que os dous gozaiam,

Está vingado em parte, e da vingança

A' desesperação commette o resto.

Hero, ah ! Hero infeliz ! tu pelas aguas,

Humida vista suspirando alongas.

Não vês o nadador por quem desmaias,

O teu bem não fluctúa

Pelas ondas desertas:

Eis a consternação te inclina os olhos

A' pedregosa areia

Aonde o desventurado está sem alma.

Que vista! Que terror!... As alvas carnes

Rotas nas rochas pelo embate undoso,

Inda gotêjam sangue ; aberta a bocca

Parece que inda quer, que inda procura

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Chamar-te, oh Hero, murmurar teu nome !

No espectaculo horrendo

Misera, tu reparas

Tu... (Céos, não lhe acudis?...) tu reconheces

O querido semblante, o corpo amado,

Entre as sombras da morte inda formoso :

Com pallidez, qoe a pinta,

Gritas, arquejas, desespéras, fremes,

Deitas as mãos de ne*e ás tranças d'ouro,

E as tranças d'o«ro, delyrando, arrancas.

Levada emfim de um impeto raivoso

Te arremessas da torre, e dás, e entregas

O teu ai derradeiro ao mudo amante.

Ln jazem sobre a areia luctuosa

As victimas do fado :

Nas angustias mortaes a linda moça

Inda, estendendo os amorosos braços,

Tenta apertar o suspirado objecto.

Apiedados delphins nas ondas surgem,

E altos sons (oh prodigio !) derramando,

Lamentam junto á praia o duro caso :

As mesmas nymphas invejosas d'Hero _

Soluçam de pezar nos vitreos lares.

Um marmoreo padrão se erige em breve ;

Compadecidas mãos a historia triste

Gravam na lisa pedra ; a pedra existe :

Mas o monstro voraz, que róe penedos,

Comendo em parte a fúnebre escriptura,

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— 109 —

Só deixa soletrar-lhe

O remate piedoso,

Em meus piedosos versos trasladado,

Carpido ao som da lyra :

Inda agora de ouvil-o Amor suspira.

Aos dous amantes

D'Abydo e Sésto

Amor funesto

Deu negro fim.

Foram-lhe algozes

Os seus extremos; '

Mortaes, amêmos,

Mas não assim.

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ODES

AO EXM.° SNR. JOSÉ DE SEABRA

DA SILVA

Do Lacio portentoso e d'alta Grecia,

Tenaz memoria minha,

Os fastos, os annaes em vão revolves :

Em vão me representas

Sócrates devorando entre os alumnos

A venefica planta

Com repousado aspecto imperturbavel

Além Regulo, entregue

A raivas brutas da feroz Carthago,

Dando em longos tormentos

A' natureza horror, trabalho à morte :

Aqui o estoico invicto,

O rispido Catão, brandindo o ferro,

Lacerando as entranhas,

-..

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— 111 -

Na gloria abstracto de morrer com Roma.

Que presta ao mal o exemplo ?

Reflectir, e soffrer, quanto differem!

Por haver desgraçados

Sou menos infeliz, sou menos triste ?

E se o sabio d'Athenas

O oraculo moral, ao termo infausto

Volveu olhos tranquillos ;

Se avêsso a Cesar o Uticense austero

Suffocou agras dores

No ardor, na furia, na aversão, no orgulho,

Ou talvez na virtude ;

Se em garras de leões com visos de homens

Transpoz a humanidade

O aprisionado heroe no atroz supplicio;

Todos, ah ! todos viam

D'entre o ponto mortal surgir-lhe a fama :

Em padrão venerando

Dar-lhe eterno caracter, nome eterno.

A' san" posteridade

Ouviam d'ante-mão denominal-os

Martyres da calumnia,

Alvos da inveja, victimas da patria.

A mim, desventurado,

N'um carcere cruel envolto em sombras ;

A mim, curvo, abatido

Ao pezo do grilhão, da injuria ao pezo,

Ente vulgar, inutil,

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- 112 -

De mil tribulações, que recompensa,

Que futuro me resta ?

A desesperação meus lados cinge

A meu peito afanoso ;

Eis férvido tição, roubado ás Furias,

Arremessa ululando ;

Eis. . . mas Céos! QUB visão! Que. luz! Que assombro!

Candida imagem leda

Me abala o coração, me encanta os olhos ! . . .

E's chymera, ou deidade,

Sócia dos numes, ou ficção da ideia,

Tu, que benigno raio '

Derramas n'este horror, n'este amargoso

Domicilio dos males?...

Ah ! Ten^ ethéreo ser, em ti rutila

O reflexo de Jove !

Mas dignas-te de vir ao triste seio.

De medrosa masmorra?... •; ..

Habitantes do céo brilhar no abysmo!...

Attraiu por ventura,

Encaminhou talvez aqui teu voo

O não raro accidente

De estar sem crime habitação de crimes ?

Tu vês, ente celeste,

Tu vês meu coração: não é.perjuro,

Não cruel, não ingrato,

Ama o dever, a probidade, a honra,

Dá hymnos á virtude,

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- 113 —

Aos altares incenso, aos solios culto...

Ah ! Que doces lembranças

Teu ar approvador me accorda n'alma t ,

Das trevas o costume

Quanto me confundia a vista escassa ?

Já outr'ora a meus olhos

Tua face luziu, já foste outr'ora

Meu refugio, meu nume.

Santa Beneficencia l E's tu, que affagas

A desventura minha,

Da desesperação tu vens salvar-n^e

Co'a ridente esperança,

Thesouro de infelizes, dom do eterno !

Ah ! Tu, que em mim restauras

A massiça constancia, o ferreo escudo

Contra os golpes do Fado,

Meu numen tutelar, não dês ao Tempo ;

Azo não dês aos males

De aviltar-me outra vez, d'unir-me á terra

A descaida fronte;

Em beneficio meu de mim te aparta,

Grato logar demanda,

Logar digno de ti, sagrada estancia

Do perfeito heroismo,

Da gloria, que não é romper muralhas,

Tragar a natureza,

Ou nutrir illusões, dar vulto ao nada :

Mas em jugo macio

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Docemente prender geral vontade ;

Idear que prospere

Mais ò publico bem, que o bem privado ;

De aureo, sacro volume,

Volume da razão, que luz no throno,

Transcrever puramente

Leis amigas do céo, do mundo amigas.

No logar, que te aponto,

Conheces, deusas, de Seabra os lares;

Seu louvor no seu nome,

Na gloria, que descrevo, a gloria sua.

Ao paternal brilhante

Onde os influxos teus dos astros descem,

Leva o quadro funesto

Das minhas oppressões, dos meus desastres

Roça com elle o peito

Do preclaro varão, que afflicto invoco :

Deploraveis objectos

N'alma piedosa o sentimento apuram :

Sejam, sejam remidos

Pela dextra efficaz do heroe prestante

Meu prazer, meu repouso,

A mente, a liberdade, a luz e a vida

N'este horror suffocados.

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- 115 -

n

ALLEGORICA — MORAL :

- O QUADRO DA VIDA HUMANA

De porto mal seguro a turvo pégo

Sáe mesquinho baixel com raras vélas,

Vae crespas ondas pávido talhando

A' discripção dos ventos :

Nauta inexperto lhe dirige o leme,

Chusma bisonha lhe marêa o panno;

De um lado fervem Syrtes, d'outro lado

Navifragos penedos :

Susurrante chuveiro os ares cerra,

Luz sulphúreo clarão de quando em quando,

D'imminente procella os negros vultos

Fero estrago ameaçam :

Já bravos escarcéos, que se amontoam,

Por cima do convéz soberbos saltam :

Prosegug na derrota o debil pinho,

Das vagas quasi absorto.

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Depois de longamente haver corrido

A estrada desigual com céos adversos,

Em logar de colhel-o, o panno augmenta,

. Desafia o naufragio :

Imaginária terra se lhe antolha,

De mil, e mil venturas semeada:

Anhélas por surgir no porto amigo,

Cubiçosa esperança :

Para cevar o horror mais campo havendo,

A torva tempestade então mais zune,

Em raios, em tufões todo o ar converte,

Todo o pélago em serras :

O misero baixel desmantelado

Aos duros encontrões do mar, do vento,

Sobe ás estrellas, aos abysmos desce

Entre o pavor, e a morle :

Súbito acode próvido piloto,

Que opprimido até'li jazêra em ferros

N'um vil carcere escuro, onde rebeldes

O tinham sopeado : . - ,< • •

Estende a mão forçosa, afferra o leme,

O lenho desaffronta, o rumo escolhe,

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- 117 -

Com sabar efficaz, com alta indústria

Vae sustendo a tormenta.

Já volumosas nuvens se adelgaçam,

O vento se amacia, o mar se aplana :

Do benigno Santelmo o ténue lume

Reluz no aéreo tope.

Reina um pouco a suave, azul bonança ;

Mas eis se tolda o céo de novas sombras ;

Mais negra, mais feroz, mais horrorosa

Resurge a tempestade.

O sabio director, que todo ufano

Da recente victoria inda folgava,

A repetido assalto oppõe debalde

Arte, vigor, constancia.

Tremendo aos furacões impetuosos,

Lá descorçoa emflm, lá desalenta,

Co'a machina infeliz, que já não rege,

Miserrimo soçobra :

Oh ente racional f Oh ente fragil !

Escravo das paixões, que te arrebatam !

Olbos sizudos n'este quadro emprega :

Eis o quadro da vida.

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ODES A\ACREO\TIUS

t

A BORBOLETA

Veloz Borboleta,

Que leda gyrando

Penosas ideias

Me estás avivando :

Insecto mimoso,

Aos olhos tão grato,

Da minha tyranna

Tu és o retraio :

A graça, que ostentas

Nas plumas brilhantes,

Tem ella nos olhos

Gentis, penetrantes;

Tu andas brincando

De flor para flor ;

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- 119 -

Anarda vaguéa

D'amor em amor.

u

Os teus prisioneiros,

Cupido, os que devem

Saber defmir-te,

Que mal te descrevem !

E's áspide (affirmam)

Coberto de flores,

Sedento d'astragos,

Amigo de horrores :

Sustentam carpindo

Que os feres, e enlêas

Com aureos virotes,

Com ferreas cadêas :

Enganam-se, oh nume !

Teus laços, teus tiros

São longas madeixas,

São ternos suspiros.

m

De liquido aljofar

As faces bordadas,

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— 120 —

Ao vento dispersas

As tranças douradas:

« Vingança, meu filho

(Clamava Erycina)

Que a vil natureza

Se attreve á divina :

« Em damno de um impio

'Mortal, que me aifronta,

Venenos prepara,

Tormentos aprompta :

« Elmano em seus hymnos

Prefere-me Isbella ;

Diz que é mais mimosa,

Mais loura, mais bella.

« Os teus males todos

Me vinguem, oh nume!... »

Amor a interrompe :

— Não basta o ciume ?

IV

Formosa Marilia,

Modêlo das Graças,

Que mil pensamentos

Accendes, e enlaças :

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- 121 -

A'quelle, que animam

Teus doces agrados,

Terror dos amantes,

Mimoso dos fados,

Se folgas de ouvil-o

Por ti suspirar,

Ao céo dos amores

Não deixes voar.

Dos homens ignoras

A indole errante !

Quem é muito amado,

Não é muito amante.

Do vasto abysmo

Do eterno horror

Surgiu a Angustia

De negra cor :

Logo após ella

Veio o Queixume,

E o delirante,

Feroz Ciume :

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— 122 -

Determinavam

Em crua guerra

De pranto, e sangue

Banhar a terra :

Eis que Amarilis

ídolo meu,

Entre mil graças

Lhe appareceu.

Oh milagroso

Dom da belleza!

No mesmo instante

Riu-se a Tristeza :

O agro lamento

Mudo ficou ;

Só o Ciume

Desesperou.

vi

Poupando votos

A' loira Isbella,

Se Amor faltasse,

Nos olhos d'ella:

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— 123 —

De aimos Prazeres

Me pousaria

Candido enxame

Na fantazia.

Outros, que as almas

Tambem tem prezas,

Se regosijam

De ouvir finezas:

Eu antes quero

Muda expressão;

Os labios mentem,

Os olhos não.

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ODES SAPHICAS

A GRATIDÃO

ao Su-v. l,oaaTO io»'

Ao som confuso da celeuma os nautas,

A's duras barras arrimando os peitos,

O cabrestante, que emperrado geme,

Rigidos volvem :

Galerno as azas transparentes bate

Nos azues prados onde o sol passeia ;

Içam-se gaveas, e do fundo a curva

Ancora sóbe.

Amenos campos, agradavel clima

Onde o meu Tejo por arêas de oiro,

Por entre flores murmurando, e rindo,

Limpido corre:

Paternos lares, que saudoso anhelo,

Sacros Penátes, que de longe adoro,

Suave Asylo, que perdi vertendo

Lagrimas ternas :

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- 125 -

*

Eu torno, eu torno, por Amor guiado,

Exposto á furia dos tufões, dos mares;

Eu torno, eu torno para vós : ouviu-me

Jupiter alto.

Do formidavel tribunal supremo,

Ante quem pasma a Natureza, e d'onde

Os nossos crimes, as virtudes nossas

Integro julga:

Do throno eterno, que as estrellas calca,

Throno adoravel, cuja luz divina

Os proprios olhos immortaes, que o cercam,

Trémulos soffrem :

A's méstas preces da minha alma afflicta

O Deus dos deuses annuiu clemente,

E em rósea nuvem pelos ares desce

Nitido Genio.

Purificando c'um sorriso o dia,

Afiaveis olhos para mim volvendo,

Me diz : « Não chores, oh mortal, não chores;

Misero, basta.

Dos orbes de oiro innumeraveis baixo

A suffocar-te as clamorosas queixas :

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— 120 —

Teus bruscos dias vão trocar-se em ledos

Prosperos dias, »

Disse o brilhante cortezâo de Jove,

(Era a Piedade) que na rubra nuvem

Abrindo os ares, mais veloz que os ventos

Subito foge.

Varão sublime, tu ouvindo os éccos

Do mensageiro do inefavel numen,

Ardes em gloria, para mim teu rosto

Placido voltas.

Eis os sorrisos, que a Tristeza amarga

De vós banira com decreto horrendo,

Eil-os de novo sobre vós, oh minhas

Pallidas faces.

Clama, não cesses, Gratidão, não cesses ;

Sê minha musa, Gratidão, virtude

Que desconhecem, desacatam, mancham

Sórdidas almas.

Lembrem-te as feias, ululantes Furias

Postas em torno de meu berço infausto;

Das igneas fauces contra mim vibrando

Hórrido agoiro :

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- 127 -

Lembrem-te os males, as terriveis ancias

Que este sensivel coração farparam;

De fracos peitos que sem dó me ouviram.

Lembra-te, oh deusa 3

Se eu vou nas aras dos Penátes caros

Pendurar votos, consumir incensos,

Depositando sobre a Lysia praia

Osculo grato:

Se as innocentes, fraternaes caricias . •

Vou cubicoso recobrar na patria,

Em cuja ausencia fugitivas horas

Seculos julgo.«

Se as cans honradas vou molhar de pranto

Ao sabio velho, que me deu co'a vida

Os seus desastres, por fatal, por negra

Lúgubre sina :

Se estou já livre da cruel Desgraça,

Que nas entranhas me enterrava os dentes,

Bem como a Ticio nos infernos morde

Sofrego abutre: .

Tudo a ti devo, oh bemfeitor, oh grande,

Que a raçajgante, veneravel toga

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- 128 -

Mais veneravel pelos teus preclaros

Meritos fazes.

Tudo te devo : a gratidão não soffre

Que teus favores generosos calle ;

Julga tu mesmo, se o silencio é crime,

Árbitro excelso.

Aos estrel lados, aos cerúleos globos

Sempre em meus hymnos subirá teu nome,

Emquanto o golpe me não der no fio

Átropos crua.

Oh ceus ! oh fados ! conservae Ferreira ;

São necessarios os heróes no mundo :

E tu, ferrolha os procellosos monstros,

Eólo amigo.

II

SeuVvoxo, T),

ta Sousa, Cesat «LíAvtevsVre,

Consoladora de meus iiegros males,

Musa, que á sombra dos feraes cyprestes

Comigo entoas lacrymosas nénias,

Lugubres cantos :

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Eia, deixemos uma vez, deixemos

O horrivel ermo, que arremeda o cahos,

E em cujas trévas apinhados guicham

Funebres mochos :

Eia, saiámos uma vez, saiámos

D'esta medonha habitação, da noite;

Vamos um dia respirar serenos,

Limpidos ares.

Mas não arranques da mirrada fronte,-

Não, não arranques a funérea c'roa,

Nem dispas essa lastimosa, antiga

Rustica veste.

.1

Vamos carpindo, soluçando, oh Musa,

Aos venerandos magestosos lares,

Que o rubro Phebo co'as irmãs, e as Graças

Candidas piza.

Segue meus passos ; em lugar das campas,

Em vez das portas do silencio eterno,

Hoje de illustre pavimento os lisos-

Marmores toca :

Mas não te esqueça a luctuosa offrenda,

Que envolta em pranto consagraste ás cinzas,

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- 130 -

x

E ás mil virtudes immortaes do luso

Principe excelso.

Alta heroina, singular Lencastre,

D'árida planta não rebentam flores,

Nem méstas aves agoireiras sabem

Cantico alegre.

Outros nas azas de melifluos hymnos

Doces prazeres pelos ares soltem :

Brandos Amores, deleitoras Graças,

Cantem-vos outros.

A luz primeira, que meus olhos viram,

Foi de phantasmas infernaes turbada ;

Elles o berço me embalaram, dando

Hórridos gritos :

As torvas Parcas me fadaram logo,

Negros agoiros sobre mim cahiram,

E de meu lado com terror voaram

Jubilo, e riso.

Tu pois, matrona, que no gráo sublime,

Em que a Fortuna com seus dons te c'roa,

Mais da fecunda Natureza as grandes

Dádivas prézas :

..

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- 131 -,

Tu, que passeias o Pierio cume,

Onde entre flores, que não murcha o tempo,

Aromatisa c'os effluvios cTellas

Zéphyro os ares:

Ouve propicia dissonantes versos,

Nas mudas trévas pela dor creados,

Mais nada quero do favor celeste ;

Ouve-me, e basta.

Se te deverem compassivo agrado

Os acres fructos da roaz Tristeza,

Que no chagado coração me crava

Lividos dentes :

Embora as boccas do profundo Averno

Milhares de furias contra mim vomitem:

Embora á porta do meu pobre asylo

Cerbero ladre.

Peito de bronze, coração de ferro,

Sempre á Desgraça mostrarei constante;

Nunca meu sangue gelarão teus sopros,

Frígido susto.

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ODE ALCHAICA

V Vifcywmso. iwcU Ao í^teVWVvsímo ÇIVMÁ

,WOb'

ao

Tuum Poenos etiam in^emuisse Leones

lateritum, montesque feri, Sylvaíque loquuatur.

Vmc. — Eclog. V.

Canora Musa do culto Pindaro,

Que remontavas seu estro férvido

Sobre as purpuras azas

D'almos, fogosos extasis:

Longe os aromas, com que teu hálito

Fecunda as mentes dos vates inclytos,

Que em altisono metro

Vão enrostar com Jupiter.

Desce a meus 'gritos só tu, Melpómene,

Só tu, que, envolta no manto lúgubre

A lastimosas scenas

Dás suspiros, dás lagrimas.

Desce a meus rogos, traze-me, inspira-me

Nénias queixosas, funebres canticos,

Que desgrenhada entoas

Sobre os medonhos tumulos.

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- 133 —

Negra phalange de Pragas horridas

Assalte o monstro voraz e indómito,

PUC restitúe ao nada

Os vãos humanos miseros :

Eia, imprequemos a Morte livida,

Que nos abysmos em Ihrono d'ébano,

Preside á turma enorme

Das Furias, Hydras, Górgonas.

Ella, a tyranna, de estragos ávida,

Toucada a grenha de crueis áspides,

Mordendo-se, ululando,

Surge do ardente bárathro :

D'estygios monstros maldito séquito

Une-se a ella ; da Terra as humidas,

Pedregosas entranhas,

Fende a caterva rábida.

E eis apparecem no mundo, e súbito

Murcham-se as flores, seccam-se as arvores,

O sol pára enfiado,

Coalham-se as fontes lúbricas.

Das igneas fauces maligno tóxico

Solta nos ares o tropel improbo :

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- 134 -

Cáem por terra arquejando

Envenenadas victimas.

Em torno os olhos a Morte paHida

Mil, e mil vezes, volve phrenetica,

E anniquillar deseja

A Natureza pávida.

Por entre a chusma de fieis súbditos

Que a rodeava, descobre a barbara

Excelso heróe, munido

De fresca idade flórida :t

Varão sublime, pio, magnifico,

Ramo de antiga planta fructifera,

Sempre, oh santa Virtude,

Com teus orvalhos mádida :

Varão eximio, que honrava a purpura,

Que as íôfas azas do orgulho túmido

Prendia, cerceava

Com gésto brando, e placido.

Sciencia augusta, dos deuses dádiva,

Tu exornavas sua alma candida ;

Tu jámais o cegaste,

Vá grandeza phantaslica:

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- 13b —

A vil, bilingue lisonja pérfida

A seus ouvidos sempre foi aspera ;

Só lhe inflammava o peito

A sã verdade lúcida.

A' macilenta pobreza languida

Sempre incansavel sua mão próvida

' Arrancava as mordazes,

As esfaimadas viboras.

De avos egregios o vasto numero

Só recordava para ser émulo

.Da brilhante virtude

Que os fez na patria célebres.

Bom Mascarenhasl A morte horrífica,

Como invejando teu alto merito,

Corre, e crava em teu peito

A garra curva, e rispida.

Com riso horrivel, com impio jubilo

A fera escuta suspiros trémulos,

Que de mil almas voam

Aos grossos ares turbidos;

E c'os sequazes DO feio Tártaro

Cáe a perversa: do baque horrisono

Espantadas as Furias,

Tremem, palpitam, erguem-se !

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- 136 - -

Mas tu, ditoso, placido espirito,

Entre os risonhos coros angelicos

N'um turbilhão de luzes

Sobes aos astros nitidos.

Eu, eu penetro co'a mente aligera

Os sacros muros do céo diaphano,

Lá vejo, sim, lá vejo

Áureo diadema ornando-te.

E ainda carpimos, Hasse magnanimo!

Ah l Não reguemos o surdo marmore

Do heróe, que em paz eterna

Logra a visão beatifica.

Troquem-se os choros em hymnos mélicos,

Em ledos cantos as nénias funebres;

Desarraiguemos d'alma

A seva dor anguifera.

Sim; adoremos calados, timidos,

O Deus terrivel, dos homens árbitro,

Que empunha, que arremessa

O raio horrendo, e. rapido.

Tu, que professas virtudes sólidas,

Ah ! Não consintas, christão philosopbo,

Que abale inutil mágoa

Tua constancia rígida.

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IDYLLIOS

i

IDYLLIO MARÍTIMO

TRITSO

Omnia vincit Amor.

VIRGIL. ECJ.OG. X.

A' foz do Tejo, em branca penedia

Minada pelas ondas salitrosas,

Prisioneiro de Amor, Tritão gemia.

Luziam-lhe as espadoas escamosas,

Sustentava o maritimo instrumento,

O buzio atroadar nas mãos callosas :

Conchas da cor do liquido elemento

Parte do corpo enorme lhe vestiam,

Egual na ligeireza ao proprio vento :

Da barba salsas gotas lhe cahiam,

E nos olhos, que amor affogueava,

Em borbotões as lagrimas ferviam.

Lilia, que um bosque proximo habitava,

Lilia a Napéa, desdenhosa e bella,

Amorosos clamores lhe arrancava:

Um dia a viu na praia, e só de vêl-a

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- Í38 -

Seu coração, feroz enfeitiçado,

Voou, gemendo, para os olhos ,d'ella,

Das entranhas do pélago salgado,

Louco de amores, louco de saudades,

O queixoso amador tinha saltado :

Do pae, que abafa as negras tempestades,

Já seu voraz tormento era sabido,

E das outras equóreas divindades.

De aéreas esperanças illudido.,

Gran tempo seu espirito saudoso,

Rastejando a cruel, vagou perdido ;

Gran tempo glorias vãs sonhou, teimoso,

Antes que désse fructuosa entrada

Ao acre deseagano o peito ancioso.

Já pela transparente, immensa estrada

No coche rutilante o Sol corria

Apoz a Aurora candida, e rosada,

Quando envolto nas sombras da agonia,

Ao vento derramava o deus amante,

Taes queixas, que eu não longe occulto ouvia:

«Liliâ ! Lilia l Ah cruel ! Vêr um instante

Teus olhos garços, tuas loiras tranças

Para meu linitivo era bastante.

Ardo, choro, e não vens, e não te amansas!

Oh céos ! Talvez nos braços cabelludos

De vil, bicórnioJSátyro descanças?

Féra, peor que os jacarés sanlíudos,

,

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— Í39 —

Rirás talvez como elle, em quanto abalo

Com meus suspiros os penhascos mudos !

Ah ! De zelos frenéticos estalo,

E doces illusões desvanecendo,

Na desesperação o inferno igualo.

Quantas serpes contém seu bojo horrendo

Vem cravar-me o lethal, maligno dente

Pelas entranhas, que me estão fervendo.

Como te soffre o céo, como consente

Que ultragem teus desdens a prole augusta

Do numen, que maneja azul tridente !

Não ponderas quem sou, barbara injusta!

Se o meu rendido amor te não commove,

Nem meu grande poder sequer te assusta !

No mar á minha voz tudo se move :

Eu aos deuses undivagos intimo

Altos decretos do cerúleo Jove :

De Éolo as furias em tão pouco estimo,

Que até na horrivel, sinuosa gruta

Com cem cadêas os tufões lhe opprimo :

Muge o mar, treme a terra, o céo se enluta

Apenas, tempestade apregoando,

Este meu buzio concavo se escuta:

Tambem,sequero,os duros sons lhe abrando;

E os magos versos do cantor de Thracia

Vou no rijo instrumento arremedando ;

E desprezas-me ainda, e tens a audacia

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— 140 —

De regeitares com soberbo enfado

O Filho de Neptuno, e de Salacia?

Em que, nympha cruel, te desagrado ?

Que te aífugenta? As lucidas escamas,

As verdes conchas, de que estou forrado?

Pois isto, que por feio, em mim desamas,

E que te obriga a nunca me escutares,

Gera em mais docil peito ardentes chammás.

Oh quantas vezes sahe dos vitreos lares,

Só para vêr-me Arginia, que, em se rindo,

Enfrêa os ventos, agrilhoa os mares !

A Dóris, á benigna mãe fugindo,

Brando affago me traz no lateo rosto :

O teu vaidosa, o teu não é mais lindo ;

Mas a seus doces mimos sempre opposto

Acha meu coração, que foge d'ella,

E vem sacrificar o amor ao gosto:

Debalde a triste nympha se desvéla

Em finezas, e em lagrimas, que tudo

Engeito por amar-te, oh dura, oh bella.

Com semblante enrugado, e carrancudo,

Lhe atalho os ternos ais, e, se porfia,

Ou as costas lhe volto, ou fico mudo.

Oh pasmo ! Nem Protèo pensar devia,

Que eu por uma campestre semidéa

A prole de Nerêo desprezaria.

Mas ah ! Já sinto Amor, que me refreia

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— 141 —

A petulante voz. — Não mais, perdoa

A' desesperação, gentil Napéa :

Para meus braços amorosos voa,

Voa, e verás então, que alegres hymnos

Meu rude buzio, respirando, entoa.

Depois de ouvires os meus. sons divinos,

Mergulhando commigo, irás sem medo

Aos magestosos Paços neptuninos :

Lá no seio de um concavo rochedo

Jaz de meu pae a esplendida morada,

D'onde para te vêr sahi tão cedo :

De oiro, e saphiras altamente obrada,

E de lustrosas conchas de mil cores

Com mimoso artificio variada,

Attrahirá teus olhos, e os Amores,

Que te acompanham, lograrão, pasmados,

Mais prazer entre as aguas, que entre as flores:

Ali sobre diaphanos estrados,

Oh Lilia, a par de Thetis, e Amphitrite

Repousarão teus membros delicados :

Em honra tua festival convite

Farei aos patrios deuses : o meu gosto

Nos mesmos immortaes inveja excite:

Meu venerando pae, no sólio posto,

Com grave riso, e placida alegria

A senil, ruga alisará no rosto:

Rubros coraes, fulgente pedraria

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— 142 —

Te offerecerá nos candidos regaços

A chusma das Nereidas á porfia :

Aquella mesma, que em gostosos laços

Pertende unir-me a si, teus olhos vendo

Confio que te aperte entre seus braços :

Tanto poder terás l Ah ! Vem correndo,

Que já seus raios de oiro o Sol dardeja

Do ethéreo carro, o mundo esclarecendo :

Punge os Ethontes, como que deseja

A quéda anticipar nas agoas, onde

De perto, oh nympha, tuas graças veja.

Vem, pois, encanto meu, vem, corresponde

Ao fervoroso amor, em que me inflammo,

Sáe d'entre a vasta selva, que te esconde.

Masai, que em vão te rogo, em vão te chamo:

Nem fazes caso de meu ser divino,

Nem das lagrimas tristes, que derramo.

Peito insensivel, peito diamantino,

As maviozas preces da ternura

Não amaciam teu rigor ferino.

Ah ! Basta de cegueira, e de loucura,

Basta de suspirar, paixão funesta :

Quem ha-de n'uma penha achar brandura ?

Viboras, que jazeis n'essa floresta,

Vingae-me, envenenae, c'o ténue dente

A ingrata, que me foge, e me detesta :

Sinta rábidas ancias, como sente

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— 143 —

Meu triste coração, de amor ferido,

Atassalhado de peor serpente....

Mas não. Furias do inferno, eu vos convido!

Sois mais dignas de vista: de vós se vale

Um deus irado, um deus escarnecido :

Rebentai de vulcão, que o mundo abaje,

E a peste que exhalaes do peito horrendo,.

O ferreo coração de Lilia rale!»

Calou-se, e do alto escolho á pressa erguendo

O formidavel corpo, inda mais alto,

E as negras mãos, frenetico, mordendo,

Por entre as ondas se abysmou de um salto.

ir

IDYLLIO PASTORIL

FILENA, OU A SAUDADE

Que terna, que saudosa cantilena

Ao som da lyra Melibeo soltava,

O pastor Melibeo, que por Filena,

Pela branca Filena em vão chorava!

Inda me fere o peito aguda pena,

Quando recordo os ais que o triste dava,

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— 144 —

O pranto que vertia, amargo, e justo

A' sombra, que ali faz aquelle arbusto.

f

Tu, maviosa a choros, e a clamores,

Tu, Venus (Venus só na formosura)

Luz de meus olhos, unicos amores

D'esta alma, e seu prazer, sua ventura,

Que, reclinada, amarrotando as flores,

Descanças em meu peito a face pura,

Ouve-me os ais, e as queixas de outro amante,

Que ao teu no ardente extremo é semelhante.

Céos ! (assim começou, e eu escondido

Entre as copadas arvores o ouvia)

Por vós em duras magoas convertido

Vejo em fim todo o bem, que possuia :

A' Candida Filena estar unido

Julgastes que um pastor não merecia:

A mais doce prisão de Amor partistes.

Ajuda, triste lyra, os versos tristes.

Mal haja a lei dos fados inclemente !

O seu poder, o seu rigor praguejo :

Morte ! Geral verdugo ! Estás contente ?

Já saciastes o sofrego desejo?....

Mas Filena inda é viva, inda me sente

Suspirar nos seus braços : inda a beijo!...'

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- 14S —

Ah meus olhos, morreu : sem alma a vistes.

Ajuda, triste lyra, os versos tristes.

Em ti, cara Filena, a sepultura

Tem de Amor, tem das graças o thesouro ;

Ali te arranca a morte acerba, e dura

Da mimosa cabeça as tranças de ouro :

Eis terra, eis cinza; eis nada a formosura...

Ah ! Que não pude perceber o agouro

Com que esta perda, oh fadas, me advertistes.

Ajuda, triste lyra, os versos tristes.

Um dia, ha tempos, Lénia, a feiticeira,

Me disse : Grande mal te está guardado !

Não m'o quiz declarar, e ave agoureira

"De noite me piou sobre o telhado:

Cuidei que perderia a sementeira,

O rebanho, o rafeiro... ah desgraçado!

Perdeste mais., e a tanto inda resistes !

Ajuda, triste lyra, os versos tristes.

A tua meiga voz, o teu carinho

Maior falta me faz, minha Filena,

Que lá no bosque ao rouxinol sósinho

Da preza amiga a doce cantilena;

O teu branco, amoroso cordeirinho,

Mal que se viu sem ti, morreu de pena !

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—" 146 —

Balar saudoso, oh montes, vós o ouvistes.

Ajuda, triste lyra, os versos tristes.

O meu rebanho definhou de sorte,

Depois que te perdi, que anda cahindo ;

Sécca estes campos o halito da morte

Desde que ella sumiu teu gesto lindo!

Rogo-lhe vezes mil, que me transporte

Lá onde, como estrella, estás luzindo,

Lá onde alegre para sempre existes.

Ajuda, triste lyra, os versos tristes.

Já pelas selvas, ao raiar da aurora,

Caçando, as tenras aves não persigo;

Tudo me anceia, me enfastia agora,

Nem soffro os que por dó vem ter comigo !

Figura-me a saudade a toda a hora

Ternas delicias, que logrei comtigo.

Ah ! Quão depressa, gostos meus, fugistes !

Ajuda, triste lyra, os versos tristes.

Como as formigas pelo chão, no estio,

Ou como as folhas pelo chão, de inverno,

No afflicto coração, que em ais te envio,

Jazem penas crueis, quaes as do inferno :

Ora me sinto arder, outr'ora esfrio,

Desfaz-me em ancias um veneno interno :

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— 147 —

Talvez meus pés, oh viboras, feristes !

Ajuda, triste lyra, os versos tristes.

Nos troncos, e nos marmores gravemos

Memorias de Filena idolatrada,

Tão digna dos suspiros, e de extremos,

De tantos corações, tão cubiçada :

Amor! Amor! Seu nome eternizemos....

Ai, que me falta a voz ! Soccorro, amada ;

Conforta-me dos céos, aonde assistes!

Não mais, oh triste lyra, oh versos tristes.

iii

IDYIXIO PUAUMACEUTRIO

CRINAURA, OU O AMOR MAGICO

Já, da noite ametade annunciando,

O gallo vellador tinha cantado ;

Regongavam nas serras as rapozas,

Carpiam pelas arvores os mochos,

E no sordido lago as rans coaxavam.

Por entre densas, pluviosas nuvens,

Prenhes de raios, transluzia apenas

Semi-morto clarão da frouxa lua.

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— 148 -

Entregue ao somno o racional jazia

Ou nos braços.de amor, ou solitario,

,Sobre cama de feno, ou leito de oiro,

Segundo teus caprichos, oh Fortuna,

Com que dás tudo a um, a outros nada.

Só n'um bosque de viboras coalhado,

Fertil de sombras, sombras .dos infernos,

N'um ermo, onde não ha pégada humana,

Que dos Magos noctivagos não seja,

Velava um d'elles, o amoroso Elmano,

Perto de turvo e rápido ribeiro,

Que do atro seio de horrorosa gruta

Com rispido sussurro ia correndo.

Phantasmas infernaes, que a negra noite

Arroja á terra, sacudindo o manto,

Vagavam por ali : Górgonas, Furias,

Que o pavoroso Baralhro vomita,

Que exalam peste das crueis entranhas,

As serpes, as melenas apanhavam

Em torno do infeliz, queixoso amante,

Influindo-lhe a raiva, a dor e a morte.

No centro da terrivel assembléa,

Com carrancudo aspecto o malfadado

Só tinha em ti, Crinaura, os pensamentos !

Tu lhe negavas o fulgar suave

Com que teu rosto os céos abrilhantaram ;

Longe estavas, cruel; porém suppriam

Aos olhos corporais os olhos d'alma;

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— 149 -

Longe estavas, cruel, porém pasmado

Na fantastica imagem de teu gésto,

Que vivamente amor lhe debuxava,

D'esta maneira os ares atroava :

ELMANO

Potentes versos meus, arte divina,

As tartareas cavernas invadistes,

Commove^tes Sumano, e Proserpina,

Hydras,^Cerastes, Furias attrahistes ;

Da fresca lua a face cristalina

Com tenebrosas nuvens denegristes,

Do mais as feras n'esta horrivel malta,

Só não podeis vencer Crinaura ingrata.

Versos ! Versos ! Oh dadiva celeste !

Apinhando os delphins ao som da lyra,

O musico Arion remir podeste

Das cubiçosas mãos, em que cahira !

Desarraigaste as arvores, soubeste

As penhas derreter ! Amor te inspira,

Amor a força tua em mim dilata,

E não has-de vencer Crinaura ingrata !

* ,

Versos ! Versos ! Nas ermas sepulturas

Com graça pelas Graças influida,

Furtando as almas das prisões escuras,

Tornais ás cinzas o calor, e a vida :

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— 150 —

A Dite, revogando-lhe as leis duras,

Tirais a nimpha, do áspide mordida:

Tanto podes, .oh arte- aos deuses grata !

Só não triumpharás d'aquella ingrata !

Ah ! Sim, tentemos outra vez a sorte;

A ternura porfie, a paixão teime ;

Deixae-me, oh Desenganos, longe, oh Morte :

Deus Phebo, teu fervor minha alma queime !

Eia, Venus, e Amor, dae-me um transporte

Digno de vós : oh filho ! Oh mãe í Valei-me,

Não só, não só por mina, de vós se tracta :

Vós venceis, se eu vencer Crinaura ingrata.

Solte-se a véa, principie o encanto;

Versos ! Versos ! Crinaura ! Eu t'os envio.

Eis nas plumas do Zephyro o meu canto,

Eis íris sobre o ar humido, e frio :

Cessa o berro da rã, do mocho o pranto,

Ficam mudas as Furias, mudo o rio :

Lá mostra a lua a face prateada,

Trazei-me, versos meus, a minha amada.

Esta semente, de fragancia bella,

Aos raios veneravel como o loiro,

Planto aqui: flores mil brotarão d'ella

Súbito... ah! Eil-as, é feliz o agoiro:

x

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— 151 —

Accendamos tres vezes esta véla,

Crestêmos á terceira este bisoiro :

Minha mestra m'a deu, Canidia, a fada.

Trazei-me, vetsos meus, a minha amada.

As amoras silvestres espremamos

N'este vaso de Alceo, magico experto ;

Sobre o licor sanguineo desfaçamos

Folha a folha este cravo meio-aberto :

Misturemos-lhe agora o mel, e os ramos,

Que torrei, que moi, remedio certo

Contra o negro lacráo: não falte nada

Trazei-me, versos meus, a minha amada.

i

Pondo este roto véo, que era de Circe,

Depois batendo o pé, Lámia podia

Converter-se em morcêgo, e restituir-se,

A' fórraa natural, quando queria :

Eis o buço de lobo : a sabia Tirse

Com elle assombros mil tambem fazia :

Já com isto em serpente a vi mudada.

Trazei-me, versos meus, a minha amada.

Puz a seccar debaixo de um penedo

Crescida e gorda rã, que apanhei viva ;

fios ossos lhe guardei : pondo-lhe o dedo

Qualquer amante, seu amor se aviva ;

Tem a virtude, em fim, têm o segredo

De amansar lobos : a caduca Oliva

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- 152 —

Com elles das mãos d'um foi já tirada.

Trazei-me, versos meus, a minha amada.

A torta vara, com que ílêo /azia

Milhões de espectros negrejar nos ares,

Com que ao minimo aceno embravecia

Placidas auras, bonançosos mares :

Párte do incenso, que Medòa impia

Dava da horrivel Hécate aos altares,

Guardo n'aquella gruta, ao sol vedada.

Trazei-me, versos meus, a minha amada.

Falta a cinza (eil-a aqui) do corvo branco,

Que Licidas. caçou, que tanto estimo:

Dos feridos com ella o sangue estanco,

E os quasi mortos, em querendo, animo,

Eis a admiravel planta, com que arranco

As mais cravadas settas, eis o limo, .

E esta concha no Euphrates apanhada.

Trazei-me, versos meus, a minha amada.

Produzi, meus encantos, vosso effeito

Para gloria de Amor, e gloria minha ;

Venha curar o mal, 'que me tem feito,

Aquella, em cujos olhos me mantinha : '

Trazei-a. ...ah! Que prazer me inunda o peito,

Que luz, que objecto para mim caminha !

Que força occulla as forças me restaura !

Basta, meus versos : ali vem Crinaura.

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- 1S3 —

IV

ZDYLLIO

A SAUDADE MATERNA

Ai ! Ella os olhos com que o ar serena

Na mísera mãe postos, que endoudece,

Ao duro Sacrifício se oíterece.

CAM. Lus. CANT. 3.°

Não longe da louçã, da flórea margem,

Por onde ameno se esperguiça o Tejo,

E abrilhanta os crystaes em sóes estivos ;

Dos jardins Ulysséos não mui distante

(Qual d'elysios vergeis visinho o Averno)

Sitio jaz, que parece em negras sombras

Summir-se á natureza, ou não ser d'ella !

Ali jámais os lépidos Prazeres

(Meigos socios d'amor, quando é ditoso)

Ousaram d'exercer mimosos brincos :

Oh myrthos! Oh rosaes ! OhPaphios bosques :

Ali não floreceis, ali não voam

Perfumes vossos a encantar o olfato :

Nem teus quebros por nem teus gorgeids,

Cantor da Primavera, e dos Amores,

Geram ternura, melodia exhalam,

10

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— l §4 —

Ao medonho lugar negreja em roda

Selva de esguios, funeraes cyprestes,

Que a profunda raiz no chão da morte

(Fieis ás cinzas) espantaneos ferram.

Em circulo forrando o escuro albergue

Da Tristeza, e do Horror, .sustem na rama

Aves de pranto, de pavor, de agoiro,

Que o dia aborrecendo, amando a noite,

Vifem nas trévas, e nas trévas morrem,

Que sitio para a dor l Para o queixume •

D'aquelles, a que a vida é pezo, é jugo f

Ali, carpindo, suspirando, errante,

^Sósinha, ao desamparo, a triste Analia,

'De olhos fitos nos céos, aos céos pedia

Em lagrimas, em ais vãmente anciosa, '

Seu mais doce penhor, seu bem mais doce.

«Numes, que a possuís, que m'a invejastes,

Era digna de vós, eu d'ella indigna ! »

(Soluçando a miserrima exclamava)

«Mas valham prantos meus o que eu não valho :

Oh Fado ! Oh céo ! Restitui clementes

A suspirada filha á mãe saudosa,

Os genios divinaes, que em vós adejam

(Candida imagem da innocencia della)

Travem d'alma gentil, que entre elles brilha,

Sobre as plumas de neve ao mundo a tornem ;

E com ella, e comsiga á morte as sombras,

Aos sepulchros o medo esmaltem, doirem :

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— 155 —

No despojo mortal, famoso, e charo,

Soltando almo calor, bafejo ethéreo,

Acordem graças, ensinuem vida !

Não careces, oh céo, de seus encantos,

E dos encantos seus carece o mundo :

Por ella a triste mãe não só pranteia,

Por ella está carpindo a Natureza,

Que o dia ornava c'os sorrisos d'ella !

Os campos da existencia, em cujo seio

Foi momentanea flor, na ausencia murcham

Da linda producção, que os enfeitava !

Espinhos lhe deixaes, levaes-lhe as flores !

Oh Fado! Oh céo l Restitui clementes

Ao saudoso universo, á mãe saudosa

As delicias de amor, de amor sagrado.

Mais um milagre vos mereçam prantos :

Se lagrimas de sangue obtel-o podem,

Por lagrimas de sangue o quero, oh numes !

No coração materno extremos fervem,

Capazes d'isto (oh céos !) demais, de tudo....

Mas ai triste ! Eu delyro ! 'Ai triste í Eu sonho !

Da morte a férrea lei não se derroga :

Nas paginas fataes é tudo eterno!

O que se escreve ali jámais se risca !

Mãe chorosa, infeliz, um fructo gemes,

Penas sem fructo ; em lagrimas te mirras,

Em ais te esfalfas, e o destino é surdo !

Pezada escuridão me enlute a vida,

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- 156 - .

(Vida tão negra, que arremede a morte)

Noites, bem noites os meus dias sejam,

Em quanto eternos sóes lá são teus dias,

De um puro, e doce amor, oh doce prenda,

Espirito sereno, alma querida,

Que no mundo em ti mesma o céo geravas !

Ah ! Tu folgas em mim, sem ti eu gemo,

Como a viuva, solitaria rola,

Em sons carpidos apiedando as selvas !

Não roce os labios meus nem mais um riso;

Meu terno coração ralai, saudades....»

. Aqui desprende um ai, que aos astros voa ;

Em súbito desmaio os olhos cérra,

(Os olhos, a que Amor victorias deve)

È cáe sem voz, sem cor, sem luz, sem alma.

Em torno a terra lhe gemeu piedosa,

As plantas sepulchraes com dor vergaram :

E vós, aves do luto, aves da morte

Em menos agro som, porém mais triste,

Como que as leis embrandecer tentaste,

As leis terriveis, de inviolavel firma !

Tudo penou, tremeu, fez tudo extremos

No mal de Analia.... e que faria Elmano,

Ouvindo á voz da Fama' o caso acerbo ?

Sagrou com debil mão no leito infausto

A' cinza amada lutuosos versos;

E quasi reviveu para choral-a.

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EPISTOLAS

i

Ao lllm." eExc.mo Snr, Marquez de Pombal

Só conheço de ti grandeza, e nome,

Magnanimo Pombal, jámais teus olhos ,

Com doce, amavel, usual brandura

De meus destinos a humildade honraram ;

Sempre Fortuna, de meu mal sedenta,

Vedou que, em teu louvor pulsando a lyra,

Arremessasse o canto além dos tempos,

E em premio fosse de te dar meus hymnos

Comtigo reluzir na eternidade :

Declive espaço, que entre nós se estende,

Frouxo alento abatia ao vate ancioso, ; -, ,. /

Quando apenas tentava o cume excelso,

Onde, recta uma vez não caprichosa, . , .'

Te ergueu, te anima, te lauréa a Sorte.

Hoje porém, senhor» que má Ventura

Golpes e golpes, sobre mim desfecha, . .

Hoje que férrea lei de negros fados .{

Me esmaga o coração, me enluta os dias,

Ao desmedido espaço a dor se arroje, ..

Lenitivo benefico implorando, ; : , , :

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- 158 -

Vence o longo intervallo, a ti se eíeva.

Dá-me tão alto jus tua alta fama,

Minha tribulação tem jus tão alto :

Perante as almas que a virtude accende,

E' grave intercessor a adversidade :

O mortal infeliz, o desvalido

Invoca o generoso, o pio, o grande ;

O grande, o pio, o generoso abriga

Das furias do Destino o malfadado.

Cárcere umbroso, do sepulchro imagem,

Caladas sombras de perpetua noite

Me anceiam, me suffocam, me horrorisam.

Não rebelde infracção de leis sagradas,

Não crime,que aos direitos attentasse

Do Solio, da moral, da natureza,

N'este profundo horror me tem submerso.

A calumnia fallaz, de astucias fértil,

Urdiu meus males, aifeou meu nome,

Mil e mil vicios extraiu do Averno.

Minha fama, senhor, que honrada, illesa,

Vagava o seio de Ulysséa altiva,

Foi pelo estygio bando assalteada :

Bramindo lhe ennegrece a tez lustrosa,

Torna-lhe a nivea cor da cor do abysmo :

• Doira zelo impostor paixões damnadas ;

Delatores crueis1 com arte envolvem

Vis interesses no extVior brilhante

Da razão, da, justiça e da verdade;

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- 159 —

Càe a Innocencia, victima da Inveja,

Dos zoilos o rancor de mini triumpha.

Eis-tne vedado ao sol, vedado ao mundo,

Eis a reminiscencia apenas traça

O quadro do, universo á minha idéa ;

Que, se aos olhos illusos déra 'assenso,

Julgára que inda os céos, que inda as estrellas

Não tinham rebentado á voz do Eterno,

Que a antiga escuridão que o cahos informe

No que hoje é Natureza inda reinava ;

Que na mente immortal do rei dos fados

Inda em mudo embryão jazia a terra.

Memoria e dor minha existencia provam,

Porém dor e memoria o ser me azedam, -

E a Desesperação, desfeita em pranto,

Inutil vida aborrecendo, anhéla

A paz, e o somno do insensivel nada.

Sobre meu coração tormentos fervem,

E pela phantasia exacerbados

Se embebem no pavor da morte horrenda.

De um lado em trajo infame a vil Affronta,

Sórdido espectro, me affogueia o rosto,

A doce Patria de outro lado afilicta

Um doloroso adeus me diz carpindo :

Aqui e ali mil pallidos phantasmas,

Prole do Medo, com visagens feias

Série me agoiranl de amargosos damnos.

N'estes horrores a existencia pasma,

s

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- 160 -

O exercido vital em ocio fica,

Sentidos, forças o terror me absorve.

Tal é, genio preclaro, a ordem triste

De meus funestos, nebulosos dias,

Dias marcados no volume eterno

Pela tórrida mão da Desventura.

• Ah ! No maligno seculo corrupto

Em que o duro egoismo abrange a terra,

Inda restam, senhor, ao desditoso

Benignos corações, que se repartam,

Que para os seus prazeres só não vivam,

Que sintam, que venerem, que pratiquem

Lei no altar da Razão por Jove escripta,

Lei na infancia do mundo ao mundo imposta :

« O homem favor e asylo ao homem preste,

« Mutua beneficencia os entes ligue. »

Teu grande coração colheu taes dotes

No thesouro onde os zela a natureza,

Mesquinha de seus dons co'a terra ingrata.

Além da condicção o heroico exemplo

Em teu peito arreigou feliz semente,

Da qual se ergueram generosos fructos.

O varão providente, o pae da patria,

O assombroso Carvalho, o luso Atlante,

Cuja vista mental descortinava

Os sumidos arcanos tenebrosos

Onde sagaz politica se entranha :

O decantado heroe, que d'entre as cinzas,

-

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- 161 -

D'entre os dispersos, lugubres estragos,

Effeitos de fenómeno terrivel,

Mais ampla fez surgir, surgir mais bella

A vasta fundação dos gregos duros ;

Que de soberbas torres majestosas,

D,e ingentes, sumptuosos edifícios

Os hombros carregou d'alta Lisboa :

O politico excelso, a cujo aceno

Vinham, prenhes de fulgidos thesouros

Alterosos baixeis arfar no Tejo, ,

E a risonha Abundancia dadivosa

Da fausta Lusitania enchia os lares ;

O zelador fiel do altar, do throno,

O escudo, o creador das leis, das artes ;

Aquelle, emflm, senhor, que o véo soltando

Em que etherea porção jazia envolta,

Vive nos corações, nos céos, na fama,

Teu. memoravel pae te abriu a estrada,

Por onde foste ao pólo, em que és luzeiro.

Nos elysios curvada a sombra illustre,

Olhos fictos em ti, de lá te acêna,

De lá te influe espiritos sublimes,

Prestante emulação com que o renovas.

Heróe, fructo de heróe, protege, ampara

Ente oppresso, infeliz, que a ti recorre ;

Lava-lhe as manchas da calumnia torpe ;

Ao throno angusto da immortal Maria

Com lamentosa voz dirije, alteia

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— 162 —

Do misero Bocage os ais, e as preces :

Desfaze a treva, que lhe espanca o dia,

Rompe as correntes, cujo som medonho,

De Phebo os gratos sons lhe descompassa,

Tremendo ao feio estrondo a voz, e a dextra.

Já tocaste, senhor, da gloria o cume,

Socios (inda que raros) tens comtudo :

D'elles pode isolar-te um grau mais alto,

Grau onde o Fado occulta o bem que imploro.

Das avarentas mãos sóbe a arrancar-lhe

O defeso penhor, minha ventura.

N'isto é virtude transcender o extremo :

Remindo um triste de oppressão tão crua

As balisas transpõe da heroicidade.

Ao lllm." e £xc.mo Snr. Marquez de Ponte

do Lima

Se aos miseros, senhor, não é vedado

No abysmo em que os confunde a desventura,

Seus males exprimir, chorar seu fado :

Minha consternação, minha amargura,

Vae demandar em ti sagrado asylo,

Acolheifa efiicaz em ti procura.

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- 163 -

Tem as angustias enfadoso estylo,

Mas tu, attento ás leis da Humanidade,

Tu não te has-de enojar, senhor, de ouvilrO,

Outros querem louvor, eu só piedade,

Piedade;— que a perder o gosto á fama

Até já me ensinou a adversidade!

De ethereo dom, qu'espiritos inflamma,

À chamma nos suspiros se evapora.

Ou se apaga nas lagrimas a chamma.

Dos louros, que cingi, não cuido agora ;

E' meu único objecto o lenitivo

Da tenaz afflicção, que me devora.

Em carcere, a que o sol medroso, esquivo,

Seu lume bemfeitor jámais envia,

E- onde sómente a dor me diz que vivo :

Na idéa, com que apenas sei que ha dia,

Encarando, senhor, tua gradeza,

Tua alma generosa affavel, pia :

D'entre as sombras da noite, e da tristeza

Vendo luzir mil dons, com que a Ventura

Se uniu, por gloria tua, á Natureza ;

A Sorte se me anfolha menos dura,

Pondero Q teu favor, -saudavel. porto,

Contra os horrores de procella escura :

Por vil calumnia moralmente morto,

A' physica extincção darei o alento,

Se imaginario for este conforto :

O rumor que me ultraja, é frandulento ;

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- Í64 -

Senhor, meu coração não jaz corrupto,

Corrupto não está meu pensamento.

Detesto o falso, o ingrato, o dissoluto ;

Do triste, do infeliz não olho ao damno

Com ferreo desamor, com o rosto enxuto :

Vejo a copia de um Deus no soberano,

Curvo-me ás aras, e em silencio adoro

D'alta religião o eterno arcano :

Sim erros commetli, mas erros choro ;

Não com pranto sagaz, que a vista itlude ;

Da abjecta hypocrisia ardis ignoro.

O brilhante caracter da virtude,

Arma contra os aspérrimos destinos,

Tem cultos meus: o imparcial me estude.

Na quadra das paixões, dos desatinos,

Se deixei de cumprir fiel, e exacto,

Preceitos veneraveis, sãos, divinos ;

Não sou para com Deus só eu o ingrato ;

Muitos, quê me ennegrecem, que me alteiam,

São talvez meu modêlo ou meu retracto.

Remorsos devorantes não me anceiam :

Mais fraqueza do que indole, meus vicios

As forças da razão me não sopeiam.

Eis, senhor, porque espero achar propicios

Teus influxos comigo, e que derrames

Por minhas afflicções teus benefícios.

De mordazes insectos vis enxames /

Me ferem, me envenenam ; vão .lançando ,

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— 165 -

Sobre o caracter meu labéos infames :

Embebe o coração flexivel, brando,

Na maviosa dor, que em mim suspira,

Que em mim por teu soccorro está chamando.

O Deus a que um só ai remove a ira,

O eterno, o bemfeitor, o omnipotente

Doce clemencia na tua alma inspira v

Se appraz aos céos um animo innocente,

Tambem é grato aos céos o arrependido ;

Uma lagrima extingue o raio ardente.

Deixa pousar, senhor, no attento ouvido

A queixosa, tristissima linguage,

As supplicas, e os ais de um perseguido.

Do susto, da oppressSo, do horror, do ultrage

Solta, restaura com piedade intensa,

Os agros dias do infeliz Bocage.

Teu braço, teu poder meus fados vença,

Como atras nuvens de vapor maligno,

Rebate o sol co'a fulgida presença :

Ganha-me a compaixão do heróe benigno,

Do principe immortal, que em nós impéra,

Não só de um throno, de mil thronos digno.

Tolhe-me ás furias da calumnia fera,

Que o premio singular, premio sublime,

O que o mundo não dá, nos céos te espera.

Teu peito de meus males se lastime ;

Erros tenho, não crimes, commettido ;

O erro exige perdão, castigo o crime.

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- 166 -

Inda que da ventura és tão querido,

Inda que o céo te ergueu o excelso estado

Mais é valer, senhor, ao desvalido,

Mais é tornar feliz um desgraçado.

in

A Gertruriar

Cá do pé das gangéticas ribeiras,

Inimigas da paz, e da alegria,

Cá d'entre serpes, tigres, e palmeiras :

A ti, bella Gertruria, Elmano envia

Seus gemidos ternissimos e ardentes,

Sobre as cinzentas azas da agonia.

Se o teu fiel caracter não desmentes,

Se inda em teu coração não teve entrada

A variedade, o vicio dos ausentes ;

Se do voto reciproco lembrada. .

Suspiras por me vêr, como suspiro

Por dar-te beijos mil na mão nevada ;

Chorando escutarás o que profiro :

Estes queixumes vãos, que entrego aos ares,

Estes inuteis ais, que d'alma tiro.

Do santo abrigo de meus deuses lares

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- 167 —

Pela Sorte cruel desarraigado,

E exposto em fragil quilha a bravos mares ;

Sobre as espaldas do Oceano inchado,

Dirijindo tristissimo lamento

Contra o céo, contra Amor, e contra o Fado ;

Debalde conjurando o rouco vento,

Em vão pedindo a Tethis sepultura

Nas entranhas do mádido elemento :

Puz, finalmente, os pés onde murmura

O placido Janeiro, em cuja areia

Jazia entre delicias a ternura.

Ali, como nas margens de Ulysséa,

Prendendo corações brincavam, riam

Os filhinhos gentis de Cytheréa ;

Mil Graças, que a vangloria trocariam

Em vergonhosa inveja á tua vista,

Usurpar-te meus cultos presumiam ;

Eis olham como facil a conquista ;

Mas a fé me acompanha, a fé me alenta,

E constancia me dá, com que resista.

Este combate a gloria me accrescenta : *

Conhece-se o valor do navegante

Em tenebrosa, horrisona tormenta.

Contemplando na idéa o teu semblante,

Indo evitar o escolho, onde naufrága

O coração mais livre, e mais contente ;

Um virtuoso amor nunca se apaga :

O tiro de outra mão não faz emprego

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- 168 -

Aonde a tua abriu tão doce chaga.

Sempre no mais cruel desasocego,

Sempre comigo mesmo em viva guerra,

A's vastas ondas outra vez me entrego.

Os negros furacões Eólo encerra,

Até que aos froxos olhos se me offrecs

O bruto Àdamastor, filho da Terra.

Vê-me o monstro, que ainda não se esquece

Da nossa antiga audacia, e logo exclama

Com voz horrivel, que trovão parece :

«Oh tu, que de uma van, caduca fama,

De uma illustre chiméra ambicioso,

A estrada vens saber do affoito Gama ;

Tu, dos servos de Amor o mais ditoso,

Se as desordens fataes da louca idade

Te houvesse reprimido o céo piedoso ;

Tu, que de uma terrestre divindade

Memorando os encantos, e os agrados,

Delyras entre as garras da saudade ;

Ò modélo serás dos desgraçados,

Porque mais, oh mortal, a vêr não tornas

Meigos olhos, por Venus invejados.

As correntes de lagrimas, que entornas,

Os suspiros, que exhalas de contin'o,

A singular paixão, de que te adornas,

Nada revoga as ordens do Destino :

Que eu de opaca procella estenda o manto

Quer, e ao fatal decreto a fronte inclino;

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- 169 -

Mas a tua affliccão move-me tanto,

Que os olhos meus, a permittil-o a Sorte,

Saberiam, por ti, que coisa é pranto.

Das entranhas do inferno arranco a morte,

Que a lei do Fado, a meu pezar, me obriga

A que a vjda miserrima te corte.

Mares, lambei dos céos a base antiga,

Morra Elmano ; adejai, dragões do Averno,

Sobre o veloz baixel, onde se abriga ! »

Disse dos nautas o inimigo eterno,

E aos ares arrojou no mesmo instante

Medonhas trévas, pavoroso inverno.

O céo troveja, Eólo sibilante

Ora aos abysmos, ora aos astros leva

Entre as azas da morte o lenho errante :

Sobre elle o mar violento a furia ceva.

Rebefttam cabos, não governa o leme,

Consternada celeuma ao ar se eleva.

Em tanto horror meu coração não tueme,

Antes se alenta, agradecendo ao Fado

Um bem que implora,^-a morte,que não teme.

« Parcas! (eu grito) oh deusas,que a meu lado

Andaes brandindo as fouces carniceiras,

Inclinae para cá seu gume hervado :

O golpe em' mim descarregae ligeiras,

Em quanto offreço á candida Gertruria

O final pranto, as vozes derradeiras.

Céos ! Que prodigio ! O vento applaca arfaria,

11

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- 170 —

E a teu nome adorado a propria Morte

Não ousa, em damno meu, fazer injuria ;

Teu nome vence a cólera da Sorte :

Torna a luz, foge a sombra, e já mil vivas

Os muros vão ferir da etheréa corte :

Só eu choro o prazer, que tu motivas,

Só eu sinto escapar d'este perigo,

Só eu culpo as estrellas compassivas.

A prospera derrota assim prosigo,

Até que vejo, e pizo a sepultura

Dos tristes, que não tem na patria abrigo.

Aqui vae sempre a mais minha amargura,

Aqui, pela Saudade envenenado,

Como espectro acompanho a Noite escura :

Aqui ninguem me attende, (oh negro fado !)

Nemdeuses,nem mortaes,ninguem me attende :

Tão molesto se faz um desgraçado! %

Só teu suave nome, a quem se rende

O proprio deus de amor, algum momento

Meu pranto enfréa, minhas ancias prende.

Sou qual febricitante, que sedento

Em libar fresca taça allivio gosa,

Affagando com ella o soffrimento.

Ai gesto encantador, face amorosa,

Que me inspiraste da paixão mais pura

A doce chamma, a chamma deleitosa I

Que torrente de gosto, e de ternura

Fizeste borbulhar no meu semblante,

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- Í7i -

Em quanto o permittiu minha ventura !

Qual na cálida sésta o caminhante,

Que em despenhada fonte, amena, e fria

Matar o vivo ardor vae anhelante :

Tal nas azas do jubilo eu corria

A saciar em ti, visla adoravel,

O sequioso amor, que em mini fervia.

Oh lúbrico prazer! Fortuna instavel!

Apenas fui feliz, fui desgraçado :

Oh catastrophe acerba, e deploravel !

Mas tu, Gertruria beija, idolo amado !

Tu, meu unico bem, cuja mudança

Me faria acabar desesperado,

Por piedade não percas da lembrança

O terno adeus, e as lagrimas, e os votos,

Com que elle vigorou minha esperança.

Vê que entregue ao furor de horriveis Nótos,

Vim, só por me fazer de ti mais digno,

A climas, do meu clima tão remotos.

Semblante, para mini sempre benigno,

Reserva-me um sorriso : elle sómente

Pode o meu astro serenar maligno;

Elle só me fará viver contente :

Só n'elle está suspensa a minha gloria,

Só d'elle o meu socego está pendente :

Voêmos para o templo da Memoria,

Nossa fidelidade ao orbe espante,

E sirva de modêlo a nossa historia ;

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- 172 -

A todo'o baixo espirito inconstante

Para castigo apontem-lhe a firmeza

Do triste Elmano, e de Gertruria amante;

Obra a mais singular da natureza,

Erario dos seus dons, conheça o mundo,

Que és tão rara em amor, como em belleza ;

Abunda nas saudades, em que abundo,

Manda-me lá d'esses ditosoílares

Nas azas da ternura um ai profundo.

Não tope densa nuvem pelos ares, •

Que a fortaleza, que o calor lhe tire:

Venha, ah ! Venha, apesar de immensos mares,

E em meus ouvidos, fatigado, expire.

IV

A /oano

* ,

Josino, meu Josino, a cujo lado

Gozei de alegres, venturosos dias,

Em quanto o quiz Amor, e o quiz o Fado :

Socio meu, que era attento, e mudo ouvias

A minha branda Lyra maviosa,

Ora a seus ternos sons teu canto unias:

Tu, que da linda Mareia carinhosa

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- 173 —

Inflammas com mil osculos ardentes

As faces cor de neve, e cor de rosa ;

Tu, que no ingenuo peito não consentes

O vicio, que por lei da natureza

Mancha, e corrompe os corações ausentes ;

Tu, que adorando as aras da Belleza,

Tributas aos altares da Amisade

Puros incensos, exemplar firmeza ;

Tu, que d'esta alma occupas ametade,

Ouve o tremulo som, com que suspira

Dentro d'ella a tristissima saudade.

Desde que a existencia expuz á ira

Do fero mar, meu peito não socega,

Meu pensamento esfalfa-se, delyra :

Indomavel paixão, que a todos .céga,

De teus conselhos falta, honrado amigo,

A' desesperação minha alma entrega.

Louco fui, não pensei (mil vezes digo)

Que em horas se trocassem de tormento •

Horas tão doces que passei comtigo;

Fiei-me de um fugaz contentamento,

Devendo conhecer, que os bens do mundo

São qual o subtil pó, que espalha o vento ;

Por isso agora afflicto, e vagabundo,

Estranho tanto o mal, por isso agora

De lagrimas sem' fim meu rosto inundo;

Por isso, na paixão, que me devora,

Invoco a muda paz da sepultura,

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—- 174 —

Da suspirada morte a feliz hora.

Miseros gostos ! Misera Ternura !

Que sempre, injusto Amor, teus servos tenham

Queixumes, que formar contra a ventura !

Uns, adorando ingratas, que os desdenham,

Tarde no escuro abysmo. em que descança

O desengano horrivel, se despenham :

Outros, ' chorando a pérfida mudança

De uma alma desleal, enfurecidos

Co'a morte arrostam, que no inferno os lança:

Outros, emfim, como eu, correspondidos,

Depois em longa ausencia amarga, e crua

Arrancam das entranhas mil gemidos :

Tal, fraudulento Amor, é a lei tua,

Lei que o fado approvou para que a terra

A si mesma se entregue, e se destrua.

Ah ! Josino fiel ! Que horror faz guerra

Aos tristes olhos meus n'estes lugares,

Onde me poz a Sorte, onde me encerrai

Sem medo á fnria dos terriveis mares,

Vim do culto, benefico occidente

Viver com tigres, habitar palmares :

Aqui torrida Zona abafa a gente,

Ferve o clima, arde o ar, e eu o não sinto,

Que tu, fogo de Amor, és mais ardente:

Aqui vago em perpetuo labyrintho

Sempre em risco de vêr maligno braço

N o proprio sangue meu banhado, e tinto ;

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,— 175 -

Mas caso dos perigos eu não faço, -

E que posso temer, quando procuro

Rasgar da fragil vida o tenue laço ?

Enche-me sim de horror o culto impuro

ídolos vãos, sacrilegos altares,

Vis ceremonias d'este povo escuro.

Eterno Deus ! Não longe dos teus lares

Tépida nuvem de maldito incenso,

Dado ao negro Satan, perturba os ares.

Que tolerancia tens, monarcha immenso !

Por mais crimes, senhor, que o mundo faça,

Tudo releva teu amor intenso.

Désce, ah désce dos cèos, potente graça !

Diffunde a santa luz, a santa crença

Pelos cegos mortaes, que o erro enlaça.

Volto, Josino, a ti, Lethal doença

Do Báralhro surgiu, veio intimar-me

A antiga, universal, cruel sentença :

Negras fauces abriu para tragar-me ;

Porém cedeu, rugindo, á voz divina,

Que a vida, a meu pesar, quiz conservar-me;

Eis que pérfida mão cabal ruina,

(Sepultando o dever no esquecimento)

A todos nos prepara, e nos destina :

Rasgado o peito c'um punhal cruento,

Ia baixar o teu choroso amigo,

Qual victima innocente ao monumento :

Uma alma infame, um barbaro inimigo

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— 176 —

Da fe, das leis, do throno, um deshnmano

Crédor de eterno, de infernal castigo,

Tendo embebido seu furor insano

Na falsa gente Brachmam inquieta,

Que amaldiçoa o jugo lusitano,

Contra nós apontava a mortal setta,

Mas estorvou o inevitavel tiro

A mão divina, poderosa, e recta :

Desenvolveu-se o crime, inda respiro;

E já destes, oh réos de atroz maldade,

Em vis theatros o final suspiro.

Eis, amigo, a recente novidade,

Que da remota Goa ao Tejo envio

Nas murchas, debeis azas da Saudade.

A quem tem da tua alma o senhorio,

Offreço n'uma férvida lembrança

Provas do alíecto em que jamais esfrio.

Dize á minha dulcissima esperança,

A' suave prisão d'esta alma afflicta,

Que no meu coração não ha mudança ;

Que estou gemendo aqui, bem como grita

Pelo perdido, aligero consorte

Viuva rola, que a floresta habita ; j

Que é a minha paixão, paixão tão forte,

Que ha de na escuridão da sepultura .:i•

Volver-me as cinzas, sup'rior á morte;- '

E q.ue espero, apesar da ausencia dura,

Por milagre d;Amor, que os meus gemidos

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- 177 —

Voando aos lares seus, aos seus ouvidos,

Lhe vão justificar minha ternura.

A' Hl.™ e Exc.™ S«r.' D. Mariana Joaquina

Pereira Coutinlw.

Piedosa, excelsa heroina,

Tu, que em transcendente altura,

Com alma quasi divina

De uns evitaste a ruina,

De outros creaste a ventura:

Tu, que em formosa união

Com refulgente nobreza

(Accidental condicção) . ,

Ligas mais alta grandeza,

Grandeza do coração :

Tu, que á mãe do luso estado,

Chorada, augusta rainha,

Mereceste honroso agrado,

Colhe os ais que te encaminha

Triste victima do Fado.

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- 178 -

Teus brandos, faceis ouvidos,

Ouvidos ha tantos affeitos,

Senhora, a attender gemidos

De roucos, andados peitos, '-

Pela desgraça opprimidos :

Teu fervor, tua piedade,

Com que viva ao céo te elevas,

Abriguem minha anciedade,

Versos nascidos nas trévas,

Entre a dor, e a adversidade :

Pezada grilhão me opprime,

Duro carcere me fecha,

Tecem-me de um erro um crime,

E a vil calumnia não deixa

Que a compaixão se lastime.

Sombra, qual o averno, escura

Impio's zoilos derramam,

Em vida de crimes pura :

As cadeias me forjaram,

Forjaram-me a desventura. v

Eis doloso, eis negro véo

Meu são caracter encerra ;

Monstros me pregoam réo,

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— 179 —

Tornam-me odioso á terra,

Fingem-me rebelde ao céo.

Desesperada agonia

Aggrava mais minha sorte,

E a meus olhos, noite e dia,

Gyra o phantasma da morte

Co'a turva melancolia.

%

Desparziu preces em vão

Angustia, que em mim se exalta ;

Mas no centro da afflicção

Conheço que inda me falta

Invocar teu coração.

Esse adoravel thesouro

Thesouro da natureza,

Furtado ao seculo de oiro,

Pôde expellir-me a tristeza,

E o mal peor— o desdouro.

Não te imploro, alta matrona,

Como aquelle, a quem o enxame

De vícios mil desabona,

E em si cáe depois que infame

Sobre o delicio resona.

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- 180 -

Eu, desvalido mortal,

Ludibrio da sorte injusta,

Amei sempre, avesso ao mal,

As leis da virtude augusta,

As leis da recta moral.

Se casuacs erros fiz

(Socios da idade imprudente)

Meu desvario infeliz

No coração innocente

Não teve infesta raiz.

• »

Da vaidade activo ardor,

Que o peito inexperto inflatnma,

Das musas suave amor,

Sêde implacavel de fama

Me sumiram n'este horror.

i « *ít

Em versos não baixo, ou rude

A teu animo propicio

Já sagrar louvores pude :

Se grato me fora o vicio,

Eu não cantara a virlude.

Meu crime é ser desgraçado,

Ou talvez não ser indigno

De attrahir da Fama o brado:

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- 181 -

Um bando inerte, e maligno

Da inveja me fere armado.

Risonhas, ternas Camenas

Sobre mim lançavam flores

Viçosas, brandas, amenas,

E com benignos favores

Affagavam minhas penas.

Dom divino, almo, e lustroso,

(Que a raros e céo dispensa)

Azedou tropel damnoso :

O mérito é grave offensa

Ao coração do invejoso

Alma gentil não presumes

Que exaggera altivo abalo

Torpes, sordidos ciumes ;

Se de mim com gloria falla,

Honro a dadiva dos numes.

Mas á triste, á maviosa

Phrase da consternação

Já volve a voz lamentosa;

Mais cubico a compaixão,

Q'um nome, que mal1 se gosa.

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- 182 —

Não te interésse o valor

(Se algum tem) do vate afflicto,

Commova-te o dissabor,

A desgraça, o pranto, o grito.

Que demandam teu pavor.

Exerce efficaz valia,

Que me serene a fortuna,

Irosa fortuna impia:

Para guarida opportuna

Meus ais, minhas ancias guia.

Pelo misero intercede;

Que a ti recorre em seus males,

Que prompto auxilio te pede :

O que podes, o que vales,

Por minhas angustias mede.

Dá-me a luz, que respirei

No seio da humanidade;

Roga que se abrande a lei,

A que a doce liberdade

Submisso e mudo curvei.

Que, ainda que rota a lyra

No chão desprezivel jaz,

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- 183 —

E a musa, que já delyra,

Sem harmonia, sem paz,

Em vez de cantar suspira:

No íneu estro aniquilado

Revivendo a morta chamma,

Te daria eterno brado,

Se ha muito o grito da Fama.

Não te houvera elernisado.

TI

Ao Illm.a Snr. José Caldeira UOrdaz e Quei

roz, Barão de Castello Novo, etc. etc.

Ao que luziu na fama, ornando a patria

Co'as artes marciaes, que a patria munem,

E os dons com que Minerva illustra o globo ;

A aquelle, que depondo o terreo nada

E' scentelha da luz, que forma os astros;

Accesa no esplendor de um Deus, luz tudo ;

A aquelle, em cujo espirito apurado

Reflecte um sol immenso, um dia eterno ;

Ao sublime D'0rdaz, ao genio grande

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— 184 —

De que és herdeiro em titulo, em virtudes,

Esta não baixa offrenda eu destinava,

Grato aos sorrisos, ás caricias gcato,

Com que em mais doce, mais serena idade

Cingiu nos braços a innocencia minha.

Minha innocencia, que estranhada, errante

Trilhava o medo da existencia os campos !...

Elle o meu protector, meu pae foi elle....

Mas da vida é lheor, que o bem não dura,

E quem riu um momento, espere o pranto !...

Os fados, (ah !) vibrando a' ferrea destra,

Os fados avarentos o arrancaram

D'entre os mortaes, que honrava e que instruia;

Mas D'0rdaz vive em ti, D'0rdaz, e a gloria

Nos seus, sendo qual és, heróes não morrem ;

E o que na voz commum de ti resoa

Exige do philosopho, e do vate

Louvor que honra o que o dá, e o que o recebe.

A ti, e aos manes do guerreiro illustre,

Vae pois minha oblação, composta de hymnos ;

Não indignos de ti ; — que as Musas viram

Sorrir-se para alguns a Eternidade :

Teu solido favor lhe alteie o preço,

E todos ficarão crédores d'ella.

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— 185 -

VII

Ao Itt.me Snr. Sebastião Xavier Botelho

Carmina passamos

Donare, et prctium dicerc muocris.

HORÍOII».

Ao gran Vate Salacio o vate Elmano,

Como elle devedor á Natureza,

Mas não como elle devedor ao Fado,

Cá dos lares tristissimos, que habita,

E onde quasi evapora em ais o alento,

Se é que a pode enviar, saude envia.

Acolhe, doce amigo, ás Musas dado,

Acolhe ingenuos sons de afflicta Musa,

Que entre flores outr'ora, entre delicias,

Entre os sonhos de Amor, verdade ás vezes,

Cópia do cép, no candido regaço

De alvas, fagueiras, perigosas Lilias,

Passou dias de gloria, instantes de oiro»

Do Tejo transparente á margem bella

Cantando a vida, como o cysne a morte.

Comtigo fallo, que do Pindo houveste

O solemne idioma, o tom dos numes,

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_ 186 -'

A voz, que longe vae, que longe sobe,

Que sóa além do mundo, além dos tempos ;

Fallo comtigo, a li, que tens na mente

O thesouro brilhante, inexhaurivel,

O igneo foco de altivolas idéas,

Em que Jove reluz qual é no Olympo ;

Fallo comtigo, a ti, que tens na mente

Poder de eternizar e eternizar-te.

Estranho não será nos teus ouvidos,

Aos milagres da Lyra, e do estro «ffeitos,

Que, ufano do que foi, blasone um Vate,

Já claro como tu nos dons de Phebo.

Contra a nobre altivez, que em mim resurge,

Huyve o zoilo mordaz, injurias ladre;

De rojo pela terra a vil serpente,

Da aguia, que arrosta o sol, deteste os voos ;

Sejam no tribunal do vulgo inerte

Sombra o fulgor, o enthusiasmo insania ;

Veja olhados d'ali qual ocio inutil

Seus mil suores o immortal de Smyrna ;

A cega Opinião, que reina em tudo,

Ponha embora a nivelMarões, e Bavios,

Que eu, tu, e alguns (quão raros !) já vingando

Cumes, e cumes de entrepostas serras,

Trilhamos fadigosa estrada immensa,

Que vae da Natureza á Elernidade.

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- 187 -

Dignamente de nós fallar podemos,

Não se ata o dezar nosso ao nosso alarde : .

Quem de celestes dotes se gloria

Honra menos a si do que honra os numes.

E se a turba sem nome, avêssa aos vates,

Este firmado Orgulho em mini condemna,

Bem da minha altivez meus ais a vingam ;

Bem descontado está nos meus desastres,

E nos tormentos meus a gloria minha ;

Tormentos que me agouram tenue resto

Ao que é mais duração do que existencia.

Entre os damnos de Amor, e os da Ventura

Quasi lenho agitado em altas ondas,

E entre negros tufões, que oppostos bramam,

De um lado, sobre nuvem cor do Averno,

Olho a deusa do mal, do horror, do pranto ;

Vejo o que tu não vês, nem vêr mereces,

(E nem eu mereci) vejo a Desgraça,

De ameaço no rosto, a mão no raio,

A meu peito assestando, o tiro, a morte,

Mas sem de audaz vigor despir meu peito.

De Ulina ingratidões eis d'outro lado

Contra mini, como Furias, arremettem.

Aqui cerradas trévas me apavoram,

Esmorece o valor, naufraga o siso,

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- 188 —

Soçobra a coração : para' a minha alma

Nas procellas de Amor não ha Santelmo.

Preza a tantos martyrios a Indigencia

Os apura, os irrita, os desespera :

E' ella, caro amigo, é mais que Phébo

Quem me arranca do espirito enlutado

O metro carpidor em que a deploro,

Qual nas margens do Tibre ao Venusino.

•;in<

Tuas virtudes, teu caracter grande

Na patria, que honras, a experiencia acclama ;

Mas tenho a meu favor para invocar-te

Jus mais alio : és feliz, sou desditoso..

.

-

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CANÇÕES

O Adeus

Suave habitação da minha amada,

Das graças e de Amor ! Feliz morada,

Onde as mãos da Ventura

C'roáram minha fé singela, e pura ;

Onde inflammado expYimentou meu peito -

Que% ha no mundo tambem prazer perfeito :

Leves Favonios, leves passarinhos,

Que, poisados nas flores e nos raminhos.,

Em silencio me ouvistes

Canções alegres e suspiros tristes,

Porque inda o mais ditoso, em quanto adora»

Canta umas vezes, outras vezes chora ;

Tejo, que á minha voz abonançavas, . ;

Que, para me attender, nem murmurava»,

Quando injustos ciumes

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— Í90 —

Me arrancaram mil prantos, mil queixumes ;

Quando á bella constancia do Gertruria

Fiz com suspeitas vans cruel injuria:

Antiga patria minha, e lar paterno,

Penates, a quem rendo um culto interno;

Lacrimosos parentes,

Que inda na ausencia me estareis presentes ;

Adeus! Um vivo ardor de nome, e fama

A nova região me attráe, me chamma.

Oh vós, que nos altares da Amisade

Votastes exemplar fidelidade,

Vasconcellos, Couceiro,

Liz bemfeitor, Andrade prazenteiro,

Vós, que em doce união viveis comigo,

Ouvi o temo Adeus de um terno amigo.

Os mares vou talhar, cujos furores

Descreve o grão cantor, por quem de amores

Inda as musas suspiram :

Aquelles mares, onde os Gamas viram

Do rebelde, horrendissimo gigante

Os negros labios, o feroz semblante.

Quer a sorte, propicia a meu desejo,

Manda-me a Honra, cujas aras beijo ;

Que com férvido brio

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- 191 -

Contemple os muros da invencivel Diu,

D'onde, oh Silveiras, Mascarenhas, Castros,

Foi soar vossa fama além dos astros.

Nos climas, onde mais do que na historia'

Vive dos Albuquerques a memoria,

Nos climas, onde a guerra

Heróes eternisou da lysia terra,

Vou vêr, se acaso a meu destino agrada

Dar-me vida feliz, ou morte honrada.

Suffocae vossa dor, porque os gemidos

Só ás desgraç'as é que são devidos;

E, a pezar da ternura,

Considerae que é solida ventura

Seguir de altos, varões o illustre exemplo;

Por espinhos se vae da Gloria ao templo.

Adeus, socios fieis ; e tu, querida,

Cujos olhos n'est'alma, á tua unida,

O primeiro empregaram

Amoroso farpão, que disparáram,

Abafa os tristes candidos suspiros,

Com que me vibras perigosos tiros.

Por entre a chuva de mortaes pelouro»

A nua fronte enriquecer de louros,

Eu procurp, eu desejo,

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- 192 -

Para teus mimos desfrutar sem pejo ;

Pois quem d'este esplendor se não guarnece,

Não é digno de ti, Hão lê merece.

Eu te levo, meu íbem, no pensamento ;•

Não armes contra mim n'este momento

O novo, o doce encanto,

Que recebem teus olhos de teu pranto ;

Generosa paixão de ti me aífasta :

Adeus, Gertruria, adeus ! não chores, basta.

Canção, fica segura

Nas mãos da nympha lacrimosa e bella ;

Serás consolação, e allivio d'ella :

Pelos olhos da mãe Cupido o jura.

Agora, que ninguem vos interrompe,

Lagrimas tristes, innundae-me o rosto,

Mais do que nunca, assjm o quer meu fado :

Em quanto o gume de mortal desgosto

Me não retalha os amargosos dias,

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— 493 -

Debaixo (Festas arvores sombrias

Grite meu coração desesperado,

Meu coração captivo,

Que só tem nos seus ais seu lenitivo.

Alterosas, fructiferas palmeiras,

Vós, que na gloria equivaleis aos louros,

Vós, que sois dos heróes mais cubiçadas

Que aureos diademas, que reaes thesouros,

Escutae meus tormentos, meus queixumes,

Meus vonenosos, infernaes ciumes,

Ouvi mil penas, por Amor forjadas,

Mil suspiros, mais tristes

Que todos esses, que até aqui me ouvistes.

Aquelles campos, apraziveis campos,

Que além verdejam, dê meu mal souberam

A desgraçada, mas- suave origem:

Ali de uns olhos os meus ais nasceram,

Ali de um meigo, encantador sorriso,

Que arremeda o sereno paraizo,

Brotaram mil infernos, que me afflijem,

Que as entranhas me abrazam,

Que meus olhos de lagrimas arrazam.

Ali de uns labios, onde as Graças brincam,

Ouvi suspiros, grangeei favores ;

Ali me disse Anarda o que eu não digo ;

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- 194 -

Ali, volvendo os ninhos dos Amores,

Cravou n'est'alma para sempre accêza, ,

As perigosas frechas da belleza ;

Ali do proprio mal me fez amigo,

1 Ali banhou meu rosto

Parte do coração, desfeita em gosto.

Novas campinas testemunhas foram

De nova gloria, de maior ventura,

Tal, que julguei, logrando-a, que sonhava :

Entre as doces prisões da formosura,

Entre os candidos braços deleitosos,

Meus crestados desejos amorosos

No alvo rosto, o pejo affogueava,

No nectar. . . ah ! que eu morro,

Se em vós, furtivos extasis, discorro!

Amor ! Amor ! Teus jubiJos excedem

Da loira abelha os engenhosos favos ;

Mais gratos são, que as flores, teus sorrisos:

Gostei todos os bens que aos teus escravos

Fazem tão leve a rigida cadeia,

Tão doce a chamma que no peito ondeia :

Mas oh ! Crueis teus dons, crueis teus risos,

Principio do tormento,

Que já me tem delido o soffrimento.

Miseravel de mim ! Qual o piloto,

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- 195 -

Que lêra nos azues, filtrados ares

Indicios de uma sólida bonança,

E eis que vê de repente inchar os mares,

Vestir-se o céo de nuvens, d'onde chove

O fogo vingador, que vibra Jove ;

Tal eu, quando suppuz mais segurança

No meu contentamento,

O vi fugir nas azas de um momento.

Anarda, Anarda perfida ! Teus olhos,

Onde Amor traz escripta a minha sorte,

Teus mimos por mini só não são gosados !

Oh desesperação, peor que a morte !

Oh damnados espiritos funestos, ,

De horridos vultos, de terriveis gestos,

Moderae vossa queixa, e vossos brados,

. .Que as penas do profundo

Tambem, tambem se encontram cá no mundo !

Vêr outro disputar-me o caro objecto,

Em cujas lindas mãos puz alma e vida,

Não me arranca suspiros : o tormento,

Que no peito me faz mortal ferida,

O maior dos tornientos, oh perjura,

E' vêr, que de outrem soffres a ternura,

E' vêr, que dás calor, que dás alento

A seus mimos, e amores

C'um riso, precursor de mil favores.

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- !96 -

Tu não foges de mim, tu não te esquivas

D'estes olhos, que ein li captivos andam,

Delicias, onde pasma 'O pensamento,

Doces instantes meu ciume abrandam;

Mas ah ! Não é só minha esta ventura, •

Meu vaidoso rival a tem segura.

Que indigna variedade ! Em um momento

Tens olhos inconstantes

Acarinham sem pejo a dois amantes !

Honra, Virtude, Aggravo, e Desengano

Me gritam n'alma, quex sacuda os laços,

Que tanto soffrimento é já vileza ;

Ouço-os, protesto desdenhar teus braços»

Protesto, ingrata, converter meus cultos

Em mil desprezes, irrisões, e insultos:

Mas ah ! Protestos vãos, baldada empregai

Sou a amar-te obrigado;

Não é loucura o meu amor, é fado.

Canção, vae suspirar de Anarda aos lares ;

Mas, se não lhe firmares .

O instavel coração, deixa a perjura,

E iremos socegar na sepultura.

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- 197 -

in

Ao Exc.mo Snr. Luiz de Vasconcellos e Sousa

Vice-Rei do Estado da Brazil, etc.

Musa, tu, que até'gora ao som do vento

Ao som dos crespos, inquietos mares,

Soltaste um vão lamento,

De mil queixumes povoaste os ares,

E' tempo- já: consola-te, respira,

E dignos versos ao teu vate inspira.

Não vou cantar de corações guerreiros

ímpias façanhas, barbaras victorias :

Os heróes, verdadeiros

Não- s3o esses,, que adquirem torpes glorias,,

Bebendo o sangue dos mortaes, afflictos,

Na guerra atroz, nos hórridos conflictos.

Pacifico varão do céo mimoso,

Alma das almas exemplar brilhante,

Um coração piedoso,

Um grato gésto, um placido semblante, r ;

Digno de amor, de submissão, de affecto;

Vae ser do meu louvor sublime objecto.

Sim, Vasconcellos ;. o- teu nome egrégio»

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Que o orbe incensa, que a verdade acclama,

Que ao pé do Solio regio

Conduz mil vezes a volatil Fama,

Na minha ingenua voz farei que sóe,

Que toque ao proprio céo, que aos astros voe.

Se de teus immortaes antepassados

Tu não foras, senhor, fiel transumpto;

Se a teus lustres herdados

Um genio sup'rior não vira junto,

Não te cantára : o sangue sem virtude

E' vão phantasma, que os mortaés illude.

Grande te fez a próspera Fortuna,

Grande te fez a sábia Natureza;

Ellas querem quê se una

Em ti alta virtude, alta nobreza ;

E aos duplicados sons que em ti diviso

Duplicado louvor será preciso.

Não só da fama nos patricios lares

Ouvi contente resoar teus vivas:

N'estes mesmos Jogares

Com palavras de jubilo excessivas

Te ouço cantar, por bocas que não fingem,

Por almas lisas, que meu lado cingem.

De santa gratidão ternos indicios

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Mostram nos olhos, nas acções, nas frentes,

E aos claros céos propicios

Mandam votos purissimos, e ardentes ;

Mandam vozes de amor, e de lealdade

Pela tua cabal felicidade.

Eu, dos braços paternos arrancado,

E pela furia de soberbos mares

Sacudido, arrojado

A remotos, incognitos logares,

Onde talvez que me apparelhe a Sorte

Depois de infausta vida infausta morte :

Eu finalmente, com respeito interno,

Meus frouxos olhos nos teus olhos pondo,

Teu amavel governo,

Tua justiça, teus costumes sondo;

E digo então : — Senhor ! só tu podias

Tornar brilhantes os meus turvos dias :

Só tu, digno d'estatuas de alabastro,

Digno de bronze, que os heróes distingue,

Melhorarás meu astro,

Astro infeliz, que o meu socego extingue :

E poderás soltar minha alma preza

Entre as sombras da livida tristeza.

Abatidos mortaes erguer da terra,

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Formar ditosos, consolar aquelles

A que a sorte faz guerra;

Ser pae> ser protector, e abrigo d'elles,

E' virtude immortal, gloria perfeita,

A quem do Tempo a fera mão respeita.

Se de Tito a lembrança inda boje dura,

Se o mundo o canta, se inda lhe erguem templo

A saudade, a ternura,

E' porque foi da probidade exemplo :

E' porque elle julgou perdido o dia

Em que algum beneficio não fazia.

Se do Magno Alexandre os sabios fallam i

Não é, não é, senbor, porque os seus braços

Altos muros escalam;

E' sim, porque tirou de indignos laços,

E de entre as garras de um destino impio

A régia prole do infeliz Daria

Se a Mantuana sonorosa lyra

Ao prófugo Troyano eleva tanto,

- Não é porque elle Suspira

Aos Gregos susto, aos rutulos espanto;

E' porque d'entre as mortes, e os assombros

O já curvado pae salvou nos hombros.

Viver debaixo do teu jugp brando,

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Sentir as leis do teu poder suave,

Teus meritos alçando

Ao palacio de Jove em metro grave ;

Oh que risonha ! que benigna estr,ella !

Se o pensal-a é prazer, que fora o têl-a !

Surdo o Fado a meus ais, e a minhas mágoas,

D'este ameno paiz me quer distante;

Manda que eu busque as aguas

Onde se banha o válido gigante,

Irmão dos impios, que gerara a terra,

Que ao pae dos deuses declararam guerra.

Mas inda lá n'esses logares broncos,

De miseros mortaes -íBÍsero asylo,

Sobre duraveis troncos

Teu nome escreverei com terno esiylo,

Mostrando que não é lisonja infame

Que move a minha voz a que te acclame".

Oh ditoso Brazil, provincia bella,

Que vês na mão do heróe, que te domina,

Toda a força d'Aquella

A que o rapido Tejo a frente inclina:

Vem de novo com férvidos louvores,

Vem atiçar meus tremulos clamores.

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Vem. . . Mas basta, Canção : que mais pretendes f

Onde vaes arrojar-te? Ah! não prosigas :

D'uns dons que mal compr'hendes

Que poderás dizar, por mais que digas t.

Não escapas do assumpto, que proclamas ;

Só pertence aos Camões fallar dos Gamas.

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ELEGIAS

£ morte do Príncipe D. José

Levou a cruel Morte, sem ler pejo,

Aquelle helio moço, a quem tributo

Esperavam pagar o Indo, e o Tejo.

BSBNARDBS, EdOg. I.

Eu vos saúdo, oh tumulos annosos,

Onde a Tristeza c'o Silencio mora

Entre cinzas, e espectros pavorosos:

Salvé, bosque medonho, onde a canora

Philomela infeliz a injuria antiga

No curvo ramo solitaria chora r

Oh Noite, cujo véo meus ais abriga,

E vós, Manes, Phantasmas, socios d'ella,

Vêde a que extremos a paixão me obríga f

Paixão louvavel, justa, e não aquella

Que ás almas a razão, e a liberdade

Destróe, da vida na estação mais bella.

Mudos objectos, feia soledade,

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Só vós encheis meu sofrego desejo:

Longe, longe de nós a claridade.

Porém que escuto, céos ! Oh céos ! Que vejo !

Ah Musa minha !... E'sW ? Yem, vem,prantêa

O caso que gelou de mágoa o Tejo.

Velêmos sobre a fria, agreste àrôa;

Em quanto nos ornados aposentos' .

Venturosos mortaes o somrio enlêa".

Vê, se é proprio o logar para lamentos,

Repara: que espectaculo ! Que espanto!

Mochos ! Larvas l Cyprestes ! Monumentos !

Celebrem nossos ais, e nosso pranto

O commum bemfeitor, (ah negra sorte !)

O heróe pio, em quem Lysia perdeu tanta:

Aquelle fructo singular, que a morte

Arrancou de alta planta generosa,

Que Deus abençoou no tronco forte;

Aquelle, cuja face magestosa

Inda entre as mais gentis se distinguia,

Qual entre as flores se distingue a rosa;

Aquelle, que te honrou, sabedoria,

Que tantas, tantas vezes, oh pobreza, .

A vibora fartou, que te roia;

Aquelle, que do cume da grandeza

-Baixava a consolar-nos, attentando

Que todos somos uns por natureza;

Aquelle genio raro, affavel, brando,

Que está na ethérea abóbada fulgente,

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Astro novo, entre os astros scintillando ;

Aquelle, que era o pae da lusa gente,

Nosso bem, nosso amor, nossa esperança,

Principe n'alma, príncipe excellente;

José, que em doce paz no céo descansa,

Em quanto o povo -seu, já delirante,

Em vans, perdidas lagrimas se cansa.

"Triste povo l- E mais triste eu, que distante

Não pude acompanhar teu choro afflicto

N'aquelle amargo, lutuoso instante !

Triste povo ! E mais misero eu, que habito

No remoto Cantão, d'onde, Ulysséa,

Não pode a ti voar meu debil grito!

Miserrimo de mim, que em terra alhêa,

Cá 'onde muge o mar da vasta China,

Vagabundo praguejo a morte fêa !

Que rigorosa lei, que horrivel sina

Me estorvou .que escutasse os ais extremos

D'aquella alma real, antes divina ?

D'aquelle augusto peito, onde vivemos,

D'aquelle coração, que idolatramos,

D'aquelle bemfeitor, que já perdemos !

Mas' pois que nós, oh Musa, não lográmos

O doloroso bem de estar presentes

Ao fim do moço heróe, que tanto amamos ;

Já que não vimos consternadífs gentes

Ferindo os- rostos, e ferindo os ares

Com freneticas mãos, com ais- ardentes :

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Já que não vimos nos pomposos lares

A meiga mãe, carpindo, ora ante o leito

Do filho, ora do Immenso ante as altares ;

Já que' não vimos de paixão desfeito

O fiel coração da esposa amante

Em lagrimas sahir do ancioso peito;

Já que não vimos o preclaro infante,

Prezando mais o Irmão, que a monarchia,

Traçar a interna mágoa no semblante ;

E o bom príncipe, em fim, já na agonia,

Estas vozes soltar, balbuciante/

Pondo os olhos na esposa, que o perdia:

A mão, que nos uniu tão docemente,

Ordena, amada, que de ti me aparte :

Seja feita a vontade omnipotente.

Despindo o pó, minh'alma alegre parte,

Mas ,crê, que, voluntaria, só podéra,

Querida esposa, por um Deus trocar-te ;

, Não chores, não suspires... ah ! Pondéra

Que o teu amado, o teu contentamento

Não morre, vae viver lá n'outra esphera ;

Chamado ao summo bem do firmamento,

Vou morar entre os justos, por -clemencia

D'aquelle, que subjuga o mar e o vento.

Louva, louva comigo a providencia,

 sacrosantí lei, que tem disposto

Esta do mundo necessaria ausencia. v

Nadando em mares de ineffavel gosto,

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Vendo t>s eóros angelicos sagrados,

Em cada rosto lograrei teu rosto.

Poder, que move os céos, que rege os fados,

Ha-de applacar a dor que te flagella,

Annuir a meus rogos inflammados...

Deixa voar minh'alma, oh alma bella,

Adeus... Pae... Redemptor... sê... sê comigo...

Adeus... — eis expirou nos braços d'eHa.

Já que não pude, oft Musa, este castigo,

Este damno fatal á humanidade,

Comtigo vêr, e deplorar comtigo,

Pela imaginação, pela saudade

A nós, (tristes de nós!) se represente

O effeito da geral calamidade.

A mente o pinte; que não pode a mente?

Como se goza o bem no pensamento,

Tambem no pensamento o mal se sente.

Oh colossos de aéreo fundamento l

Phantasmas, illusões, que o mundo préza !

De que servis no fúnebre momento ?

Porque blasona a túmida grandeza,

Se é victima do abutre carniceiro, .

Filho do inferfto, horror da natureza?

Que bens herdamos nós do pae primeiro?

A culpa? A rnorte? Aborninosa herança!'

Mal haja o negro monstro lisongeiro !

Ai próle da magnanima Bragança,

Quão cedo te sumiu na eternidade

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A pavorosa mão, que os raios lança í"

Commettêste sacrilega maldade,

Pára... ah! Cessa, mortal, mortal insano,

Treme, ajoelna, adora a divindade f.

Não pode (a Razão diz), ser um tyranno

Esse, que fez^o barro intelligente,

Que o filho deu por ti, genero humano.

O. rei dos reis, o padre omnipotente."

Alma, que q mundo 'vil não merecia,

Comsigo quiz no céo resplandecente.

Cala-te, oh dor... Silencio, ph agonia !

E vós, que os prantos da paixão mais nobre

Verteis do moço her/íe na cinza fria ;

Vós, que beijaes o mausoléo, que o cobre,

Oh lusos ! Con.solae-vos : inda temos

Quem préze o sabio, quem soccorra o pobre.

Basta, basta, não mais; não mais extremos :

No irmão vereis José resuscitado,

João restaurará quanto perdemos.

Inda ha-de se» por todos tão cantado

O novo successor no throno augusto,

Quanto José no tumulo é chorado.

' Nação, fiel nação, desterra o susto :

Outro hèróe, outro Atlante a moriarchia

Nos firmes hombros susterá robusto.

E tu, mãe do teu povo excelsa e pia,

Que inda desfeita em lagrimas contemplo "**

'Na revolta, enlutada pharitasia :

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Sobe; constante, da Memoria ao templo;

Lá vale mais que um sceptro uma alma forte,

Sê da conformidade o santo exemplo.

A' triste, cara irmã, que invoca a morte,

Vae docemente o pranto reprimindo;

Pinta-lhe a gloria do feliz consorte,

Que entre os anjos está, cantando e rindo.

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•. Olinta:

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Caat. xii.

^jjí.iyj^ .'i:'

Olinta jaz na feira,

Comtigo, o.h. Noite; ;parâ sempre mora,

. E Amor grita, Amor chora,

Chora o fagueiro' Amor, que lhe brincava

Nos melindrosos braços,

Movendo aos corações sanguinea guerra ;

Eil-o já delirante'; a eburnea aljava,

Arco, venda, farpões ei^em pedaços

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Sob^e o frio, o medonho

Logar sagrado, aonde

Com ar inda risonho

O seu, e o nosso bem se nos esconde ;

Na terra occulto jaz mais um thesouro

Por decreto da sorte :

D'aquella tenra vida o flo d'ouro

Qu5o cedo rebentou nas moas da Morte !...

Ah Morte inexhoravel, que te nutres

Em minas, em ais, em sangue, em pranto !

Mais negra que os infernos, mais faminta

Que -os famintos abutres !

Oh tu da humanidade horror, e espanto,

Levaste-lhe o melhor, levaste Olinta :

Olinta, em cujas faces delicadas

Corações altrahiam

As rosas sobre neve desfolhadas,

Que de virgineo pejo se accendiam

Ao brando assalto da menor fineza;

Olinta, em cujos olhos que encantavam,

Ufana se revia a Natureza !

Olhos ! Flamma celeste, a que voavam

Açorados, ternississimos desejos

E onde, quaes borboletas, se crestavam,

Dando suspiros, dando-vos mil beijos,

Olhos ! Olhos ! Oh dor l E estaes fechados I

Estaes de opácas névoas eclipsados!

Olhos suaves, olhos milagrosos,

-•.

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- 211 T-

N \ '

Com vossos deleitosos

E froxos movimentos,

Daveis flores aos prados,

Alento aos corações desesperados,

Enfreaveis os ventos,

Removieis das.rochas a dureza,

Trangredieis as leis da Natureza,

E não podeis sahir d'esse lethargo !...

Oh doidas iliusões l Qh desvarios l

Oh desengano amargo !

Olhos tristes, sem luz, olhos já frios,

A morte não se rende á Formosura :

Não, jámais torna a si, jámais desperta

Quem dorme, como vós, na sepultura.

A Desesperação que nunca' acerta

No que faz, DO que diz, porque não pensa,

N'esta alma, de afflicçâo, de amor perdida,

Loucuras proferiu. Não ha quem vença

O monstro-, que executa a lei da Sorte :

E' um contracto a vida,

Que fez o justo céo c'o mundo ingrato,

E tu d'este contracto

E's fatal condição, terrivel morte,

Que restitues a materia ao nada í

O rei, que os povos como os filhos ama,

E que de bemfeitor, de pio a fama

Préza mais do que a púrpura -sagrada,

Castigando com lástima o delicio,

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f 212 -

Reinando era corações, qual novo Tito ;

Aquelles, que -entre bando lisongeiro,

Servil, e dependente,

Se presumem do raio omnipotente

Livres, seguros, co'a Fortuna ao lado,

E de mais pura massa

Que o fragil barro do varão primeiro :

Aquelles, que com ar divinisado,

Insensiveis aos gritos da Desgraça,

Envolvidos eni lúcido brocado,

E tendo a mansidão por um desdouro,

Para vós olham, 'miseros, e pobres,

(Ricos talvez de espiritos mais nobres)

Qual para o mundo o Sol do carrro de ouro,

Todos hão-de sulcar (OJi morte l Oh fado !) '

Esse horrendo Oceano

Da nunca fatigada eternidade:'

Lá verão que no mundo á voz do Engano

Traz o filho da terra hallucinado,

Que no mundo não lia felicidade ;

Todos, todos hão-de ir por lei superna,

Inviolavel, eterna,

Dormir nas trevas, como Olrnta dorme... ..

Mas ah ! Filha cruel do Érebo enorme,

Mudo espectro horroroso, ,

Verdugo universal ! Não te enganaste

Ao menos, quando a fouce preparaste

Contra o peito mimoso, - - . -

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Cujos thesouros, que o purpúreo pejo .

A' sombra do véo candido zelavas

Do expiador, sollicito desejo,

Meu pensamento audaz apenas via,

E inda eu vêl-os assina não merecia l

Nem sequer desviaste a mão ferina

Uma vez parecendo-te divina,

E isempta das pensões da natureza

Aquella rara, e candida belleza l

O magico volver dos olhos puros,

Que viam seus escravos quantos viam

Os olhos, ante quem se derretiam

Os penedos, os marmores mais dnros;

A longa trsnça, a face transparente,

Tão meiga para nós, como innocente,

A rubra, intacta boca, as mãos nevadas,

A flor da gentileza, a flor dos annos,

As pathéticas vozes, já truncadas,

Que não feriram só peitos humanos,

Que essas montanhas estalar fizeram,

Ao menos não podéram,

Hórrido monstro, monstro famulento,

Teu golpe demorar por um momento !

Monstro, monstro voraz, que nos tragaste

Todo o bem, todo o gosto

N'aquelle singular, benigno rosto,

Para que nos deixaste

Cá n'esta solidão? Mortaes, choremos,

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A ver. se á força de chorar morremos:

Por Olinta querida

Em 'lagrimas de amor se esgote a vida í

Fervam suspiros, fervam pelos ares,

E criem nossos olhos novos mares.

De um bem, que áspera lei de nós desterra,.

A falta, a perda qual de vós não sente ?

Mundo, suspiros, lagrimas, oh .gente!

Olinta foi-se, Olinta jaz na terra.Gritemos... sempre em •vão, tristeza, e luto

Nos volva em noite o dia,

Gritemos... sempre em vão... porém qu'escuto!

Cées ! Estreitas ! Que súbita harmonia,

Que nunca ouvido tom; que ethéreo canto

Me faz balbuciar no meu lamento,

Me faz a meu pezar conter o pranto !

Desencrespou-se o mar !... Nem bole o vento !

Soava aquelle arrojo... eil-o calado,

E como que se ri de gosto o prado l

Oh pasmo l Oh maravilha !

Este canto... este som... não é terreno....

Vem do céo, vem do céo, que tão sereno,

Olhos meus, nunca 'vistes ;

Nectar consolador minh'alma rega...

Porém que nova luz nos ares brilha !

Que resplendor me céga !.

A' vista d'elle o sol despe" a belteza !

Como á vista do dia a tocha accêza l

-.

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Que ê isto, coração ! Lagrimas tristes,

Recuastes, fugistes!

Que doçura ! Que encanto !

Este som faz que em extasis me sinta !...

E' verdade, é verdade: os anjos oiço...

Mas é digno um mortal de ouvir-lhe o canto ?.. .

Humanos, escutaes ? Oh céos ! Olinta l

Olinta! é illusão do pensamento...

Não, não é... que portento l

Humanos, attenção: — «Na corte immensa

Do rei, que vibra os raios vingadores...

Prostrada... aos pés divinos...

Olinta... goza já... da recompensa...

Das palmas... da virtude... os seus louvores

Sobre as azas dos hymnos ,

Como sóam no céo... na terra soem...

Consolae-vos, humanos...

Mais suspiros... não voem;

Vosso nescio queixume... a Deus insulta... *

Longe... de olhos profanos...

Que. não merecem... vêl-a, aqui... se encerra...

Aqui... das virgens... entre... o coro .exulta...

Consolae-vos... humanos...

Olinta está no céo, não j az na terra. »

Ah I Que o verso adoravel emmudece,

E a luz celestial desapparece l

Deus ! Oh Deus ! Será sonho ?

Será sonho, oh mortaes, o que escutamos ?

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- 216 —

Não, não é, que ioda o prado está risonho,

Que o limpido regato inda não anda,

Nem Zéphyro bafeja os arvoredos,

Nem bate o mar nos ingremes penedos.

Ah ! Bemdito o Senhor, que nos abranda

Esta saudade, que mortal julgamos.

Prazer, oh mundo ! canticos, oh gente !

Olinta está nos céos, e lá piedosa

Desde os aureos degráos do ílirono eterno

Do nume omnipotente

Nos cliama para o bem de que ella goza.

Lá faz estremecer o horrendo inferno,

Lá prende, orando, p braço justiçoso

D'aquelle, mais que. os seculos annòso,

Que, farto de soffrer nossos delictõs

Quasi, quasi infinitos,

Me faz crer a Razão, que já rpíeria"

Mostrar-nos, oh mortaes, quanto podia,

Lançando-nos ás lestas criminosas

Irresistivel, pasoroso estrago :

A barbara invasão, que opprimiu Roma,

Hórrida furia, que arrazou Carthago,

Ou chuva ardente, que innundou Sodoma.

Scenas terriveis, . scenas lutuosas,

Olinta é quem de nós vos affugenta,

Olinta a mão sustém, que nos sustenta..,'

Ah ! Gratidão, Saudade ! A nossa amada

Seja, seja cantada ;

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Versos, em vez de lagrimas lhe dêmos,

Do cedro vividouro

Com seu nome adorado o tronco honremos ;

De beijos, e de rosas

Cubra-se o cofre, cubra-se o thesouro

D'aquollas sacras cinzas preciosas ;

E depois que do peito amortecido

A nossa fragil vida transitoria

Voar nas azas do final gemido, '

Vereis quão terna Olinta nos recebe

Lá n'essas fontes de inefavel gloria,

Onde mais quer beber quanto mais bebe.

Longe da nossa idéa, oh bens mundanos!

Sim, desde agora vos armamos guerra.

Orae a Olinta, não choreis, humanos:

Olinta está no céo, não jaz na terra.

m

A' morte da Rainha de França

Seculo horrendo aos seculos vindoiros,

Que ias inutilmente accumulando

Das artes, das sciencias os thesoiros,

Seculo enorme, seculo nefando,

14

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- 218 -

Em que das fauces do espantoso Averno-

Dragões sobre dragões vem rebentando :

Marcado foste pela mão do Eterno

Para estragar nos corações corruptos

O dom da humanidade, amavel, terno.

Que fataes producções, que azedos fructos

Dás aos campos da GalHa abominados,

Nunca de sangue, ou lagrimas enxutos !

Que horrores, pelas Furias propagados,

Mais e mais esses ares ennevoam,

Da Gloria longo tempo illuminados !

Crimes, soltos do inferno, a terra atroam,

E em torno aos cadafalsos lutuosos

Da sedenta Vingança os gritos sóam.

Turba feroz de monstros pavorosos

O ferro de impias leis, bramindo, encrava

Em mil, que a seu sabor faz criminosos.

A brilhante nação, que blasonava

D'exemplo das nações, o throno abate,

E de um senado atroz se torna escrava.

Por mais que o sangue em ondas se desate,

Nada, nada lhe accorda o sentimento,

Que as insanas paixões prende ou rebate ;

Vae grassando o furor sanguinolento,

Lavra de peito em peito, e d'alma em alma,

Qual rubra labareda exposta ao vento :

Não cede, não repousa, não se acalma,

E a funesta, insolente liberdade

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Ergue no punho audaz sanguinea palma.

Barbaro tempo ! Abominosa idade,

A 's outras eras pelos Fados preza

Para labéo, e horror da humanidade !

Flagellos da virtude, e da grandeza,

Réos do infame e sacrilego attentado,

De que treme a Razão, e a Natureza!...'

Não bastava esse crime? Inda o damnado

Espirito, que em vós está fervendo,

A nossos parricidios, corre ousado ?

Justos céos ! Que espectaculo tremendo ! -

Que imagens de terror ; que horrivel scena

Vou na assombrada idéa revolvendo l

Que victima gentil, muda, e serena

Brilha entre espesso, detestavel bandó,

Nas sombras da calumnia, 'que a condemna ;

Orna a paz da innocencia o gesto brando,

E os olhos, cujas graças encantaram,

Se volvem para o céo de quando em quando :

As mãos, aqueílas mãos, que semearam

Dádivas, premios, e na molle infanda

Com os sceptros auriferos brincaram,

Ludibrio do furor, e da arrogancia

Soffrem prisões servis, que apenas sente

O assombro da belleza, e da constancia.

Oh Justiça dos céos ! Oh mundo ! oh gente t

Vinde, acudi, correi, salvae da morte

A malfadada victima iryiocente!...

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- 220 -

Mas ai ! Não ha piedade, que reporte

A raiva dos terriveis assassinos ;

Soou da tyrannia o duro corte,

Já cerrados estaes, olhos divinos,

Já voando cumpriste, alma formosa,

A ferrea lei de asperrimos destinos.

Do rei dos reis na corte luminosa

Revés o pio heróe, por nós chorado,

Que da excelsa virtude os louros goza.

Na mente vos observo : eil-o a teu lado

Implorando ao Senhor, que os maus flagella,

Perdão para seu povo allucinado.

Despido o véo corporeo, oh alma bella,

No seio de immortal felicidade,

Só sentes não voar mais cedo a ella.

Em quanto aos monstros d'hórrida maldade

Murmura, a seu pezar, no peito iroso

A voz da vingadora Eternidade.

Desfructa summa gloria, oh par ditoso,

Logra em perpetua paz jubilo immenso,

Que o mundo consternado e respeitoso

Me aprompta as aras, te dispõe o incenso.

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— 221 -

IV

Offerecida ao Snr. Joaquim Pereira tfAl

meida na morte de seu pae.

E' todo o mundo um cárcere, em que a Morlo

Os miseros viventes guarda, encerra,

Pára n'elles cumprir-se a lei da Sorte :

Ou baça enfermidade, ou torva guerra

Vão co'as ferinas garras pavorosas

Tornando pouco a pouco a êrmo a terra :

De dia em dia as lagrimas saudosas

De afflictos corações estão regando , ,

Marmoreas campas, urnas lutuosas :

' Males e males em terrivel bando

Vagam por toda a parte do universo,

Peste, veneno, horrores derramando :

Cáe o eximio varão como o perverso,

A morte pelo effeito os dous eguála,

O modo com que os fere, é que é diverso.

A'q«elle a voz de um Deus do céolhe falla ;.

O remorso, de crimes carregado,

A este o coração golpeia, e rala :

Da chamma divinal affogueado

Um cravando no empyreo os olhos ternos-,.

Ergue de almo futuro o véo doirado :

Outro, mordido de áspides internos,

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— 222 —

Se entranha em feio abysmo, e vê que passa

De mal finito a males sempiternos.

A mão, que as frageis A;idas desenlaça,

Ao pio é, pois, suave ; — ao impio dura ;

Flagello traz a um, ao outro graça l

Que importa que na terrea sepultura

Baquêe o corpo, a victima do nada,

Se triumplia nos céos uma alma pura?

Se na radiante, olympica morada,

C'o fulgor, que do Eterno reverbéra,

Como o sol resplandece illuminada !

Vê negrejar ao longe a ténue esphéra,

Onde o cego mortal vagueia ufano,

Nota quanto différe o que é, e o que era :

Por entre a cerração de antigo engano

Contempla como nutre, e como céva

Vão tropel de illusões o orgulho humano :

Como o barro servil se abstráe, se eleva,

Como a halluciriação, como a loucura

Lhe abafa o pensamento em densa tréva:

Como o bem, como à paz, como a ventura

No mundo não são mais que um fátuo lume,

Que doira mal o horror da vida escura.

Graças, graças ao bom, propicio nume,

Que aliza com a dextra omnipotente

A' fouce matadora o férreo gume !

Dos céos, oh Morte ! és dáviva, eminente,

E's precioso bálsamo divino,

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— 223 —

Que cerra as chagas do infeliz vivente.

Morte, se padecer é seu destino,

Se o torna a febre ardente, a dor aguda

Sem alento, sem voz, sem luz, sem tino:

Se um salutar bafejo lhe não muda

Em manso allivio tão penoso estado,

Dita não é que tua mão lhe.acuda?

E' sim. Pela afflicção desaccordado,

Ia affrontar teu nome em meu lamento,

Oh mimo celestial, oh dom sagrado !

Sumido na tristeza o pensamento,

Teus favores, teus bens desconhecia,

Fonte de perennal contentamento;

Estrada, que a virtude aos astros guia,

Guia ao reino immortal, ditoso, e puro,

Onde nunca interrompe a noite ao dia.

Chave, e porta do incognito futuro,

Doce amiga fiel, que nos franquêas

Dos céos lustrosos o invisivel muro :

Já voou meu terror, já não me ancêas,

Em risonhas idéas se tornaram

Carrancudas visões, imagens fêas;

Razão, verdade a mente me acclararam,

E de teus mil phantasticos horrores

A medonha apparencia em mim doiraram :

Ah ! Verta o meu pincel vistosas cores

Que adocem, que mitiguem da saudade

O terno pranto, os férvidos clamores !

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- 204 —

Ouço gemer a filial piedade,

Férem meu peito os éccos da tristeza,

Ingénuas expressões da humanidade.

Deixemos suspirar a natureza ;

E os estoicos, ou bárbaros, embora

Se paguem de uma.apathica dureza.

Labéo da especie humana é quem não chora ;

Por leões dovorado em selva escura

Aprenda a conhecer a dor, que ignora.

Solta-te em ais, dulcissima ternura ;

De um virtuoso pae, tu, próle amante,

Deves banhar-lhe em pranto a sepultura :

Mas não seja a paixão tão dominante,

Que insulte a sacra mão, que já da terra

O attraiu luminoso, e triumpliante.

Se o mundo é campo de continua guerra,

E os céós habitação de paz serena,

Mingúe o dissabor, que em vós se encerra.

A força da razão sujeite a pena ;

Na vontade de um Deus consiste o Fado ;

Louvem-se o mal e o bem, que o Fado ordena.

O semblante caido, consternado

Erguei da terra, erguei, filhos saudosos

De um respeitavel pae, amante, e amado.

Recordae seus dictames proveitosos,

A mão, que vos guiou para a virtude,

Sem temer-lhe os caminhos espinhosos.

Em vez da pompa van, que attráe, illude

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— 228 -

Inchados corações, e enfeita a morte

Na cega opinião do povo rude :

Um ardor firme, um ávido transporte

De alcançar o que os sabios chamam glória,

E que é no mar da vida o fixa norte,

Honrem ás cinzas, honrem a memoria

D'esse, que do mundano, atroz conflicto

No céo desfructa singular victoria.

Isto exige de vós, e n'alma escripto

Sempre deveis trazer o insigne exemplo,

Que honrosa obrigação vos tem prescripto.

Com os olhos em vós do elhéreo templo

A causa da afflicção, que vos devora,

Como que, absorto em extasis, contemplo :

Como que ao ente excelso, ao Deus que adora,

Ao Senhor, mais que os seculos antigo, , ,

Amplos favores para vós implora.

Oh tu, meu bemfeitor, meu caro amigo,

Que contra o desprazer no affavel seio

D'alta philosophia achaste abrigo:

De um grato coração de mágoa cheio

Acolhe o terno, o candido tributo,

Que a Musa, gloria minha, e meu recreio,

Te offrece, envolta no funéreo luto.

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-226

A' morte do Snr. João dos Santos Bersane

O. sabio não vae todo á sepultura ;

Não morre inteiro o justo, o virtuoso ;

Na memoria dos homens brilha, e dura :

Em quanto o nescio, o inutil, o ocioso

Vão, ignoradas victimas da morte,

Sumir-se no sepulchro tenebroso.

Jonio feliz, bom pae^ fiel consorte,

N'este dia, em que o véo mortal despiste,

Dias eternos te confere a Sorte.

Se longe do universo errado e triste

Triumpha teu espirito fulgente,

Immortal entre nós teu nome .existe,

Da etherea habitação ao Omnipotente . '

Reflecte o resplendor da gloria tua

Na tua prole honrada, e descontente.

Em lagrimas no peito lhe fluctúa

O coração de angustias macerado,

Posto que o ledo empyreo te possua.

Eis o caracter, que aos mortaes foi dado ;

Como que o bem do amigo nos magoa,

Quando o gosto de o vêr nos é, vedado.

Na dextra a palma tens, na fronte a c'roa ;

v.

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— 227 .—

Tens (assegura a fé) porque a virtude

De jus nos almos céos se- galardoa.

Mas,, por mais que s'esmere, e lide, e estude,

Quem á dor accommoda o sofrimento?

Quem ha que á natureza o genio mude ?

Corra o pranto de amor, sóe o lamento,

Té que a paixão nos ais evaporada

Deixe livre folgar o entendimento.

Então tua familia consternada

Vendo na idéa teus serenos dias,

Alma vinda do céo, e ao céo tornada :

Vendo as dignas acções, virtudes pias,

Com que assombros e exemplos semeaste

Na carreira vital, quando a seguias :

Vendo que os sabios, que a sciencia honraste,

Que o mundano esplendor tiveste em pouco,

Que os perversos carpiste, e os bons amaste,

Enfreados seus ais no peito rouco,

De ineífavel prazer sentindo o encanto,

Dirá : — « Quem te lamenta, é cego, é louco.

Perdoa á nossa dor, e ao nosso pranto,

Soffre as mostras fieis do amor mais terno;

E orando pelos teus, que amavas tanto,

Graças lhe adquire do monarcha eterno. *

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- 228 -

VI

A' morte do Marquez d'Angeja

Multis illc bonis flebilisoccidit ;

Nulli flebitor qaam tibi

HoKAao.

Pranteia^ oh lyra triste, amadas cinzas ;

O digno de chorar-se as Musas chorem.

Em seu templo fatal, sombrio, horrendo

Mais um negro trophéo suspende a Morte ;

Em lagrimas, em ais, em lutos novos

A fereza brutal recreia o monstro :

Roubou mais um thesouro á natureza,

No seio universal deu mais um golpe.

Oh fado ! Oh céos ! Oh dor ! Noronha é morto,

Noronha, o moço illustre, a flor da patria.

Pranteia, oh lyra triste, amadas cinzas ;

O digno de chorar-se as Musas chorem.

Dias de aurea existencia! Oh puros dias!

Infancia, elysios d'alma inda recente,

Quadra celeste de innocencia, e riso,

Quaes os filhos da luz, Noronha, ornaste !

De carinhosa mãe no gremio doce

Em sereno repouso afflgurava

Fugido á flórea Chypre um dos Amores,

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- 229 -

Que, já com aza inerte, ali pousando,

No caro, idóneo encosto adormecêra ;

Mas por entre as gentis, infantes graças.

Um gesto, um não sei que, viril, sublime,

Era de alto futuro imagem bella.

No tenro aspecto não mentiu a imagem,

Fiel o annuncio foi; mas âh!... Mentiram

De longos dias esperanças faustas,

E duração de flor tolheu mil fructos.

Pranteia, oh lyra triste, amadas cinzas,

O digno de chorar-se as Musas chorem.

Já na sazão vital, que os erros brota,

Que ás vezes na vontade arraiga os vicios,

Sementes de que surge a dor, e o crime :

No tempo em que a razão succcumbe,outreme,

Ao vaivem das paixões, ao choque, á lucta,

O mancebo exemplar sustêve-as firme,

Vedando ao coração que vicios fossem.

Oh tu, BeneQcencia, oh tu, Piedade,

Sentimentos de um Deus, moral de um nome !

Almos, ethéreos dons ! Outr'ora amigos

De florecer na terra, e de enfeitai-a,

A' corrompida estancia agora esquivos !

Noronha vos gozou, Noronha, o vosso,

N'alma suave, como as flores bella,

Meigo affagava da indigencia o rogo :

Não era estéril dó, nem vão suspiro,

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- 230 =*

O auxilio inefficaz, que dava aos tristes :

Das mãos saia o ouro, e cValma o pranto.

Carrancudo favor, que de agro genio

A custo vem, que á sua origem sabe,

E a miseros mortaes, prestando, amarga :

Espinhoso favor, pezado, acérbo,

' Mais insulto que allivio ao mal, que geme;

Esse methodo atroz, caracter feio,

Dos nadas pelo orgulho entumecidos,

Ou do aváro infernal (se a Natureza

Acaso alguma vez lhe diz que é homem)

Esse, até na virtude afferro ao vicio,

Ah I nunca desluziu semblante amêno,

Ente querido, que merece as mágoas,

As mágoas, que a saudade extráe da lyra,

E que ao sepulchro seu chorosas voam.

Pranteia, oh lyra triste, amadas cinzas,

O digno de chorar-se as Musas chorem.

Guerreiro, que respira, anhéla estragos,

A quem no duro ouvido alegres soam

Os baques d'amplos muros, de árduas torres,

A quem da humanidade é glória o pranto,

E são musica os ais, e o sangue é nectar ;

Execrando mortal, cruento, infrene,

Que na voz o trovão, na dextra o 'raio,

Brama, sumido em pó, sumido em fumo,

E, torrente o suor, e os olhos brazas,

E braza o coração, que as furias soprafn,

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*- 23Í -

Por entre esquadras cem vae solto em mortes ;

Este, da natureza horror e infamia,

E' peste das nações, é tigre, é monstro.

Carpido objecto meu, carpido • objecto

(Ramo da planta, de que reis são. tronco,

E ramo de que lagrimas são fructo)

A fama dos heróes estrême, augusta,

A herdada intrepidez, o avito exemplo,

Os annaes, o esplendor, e o bem da patria

Cingiram-te de Marte ás leis ferrenhas,

A's leis, a que repugna um doce instincto,

Uma alma como a tua, um ser de nume.

Ah ! Se vivesses, que prodigios foram,

Que altos prodigios teus, materia aos vates !

Se invasora ambição, se iniqua força

Tentassem profanar sagrados montes,

(Onde no lenho excelso um Deus foi visto,

È um grande rei, por elle aos lusos dado)

Em teu genio sem par, teu mareio brio

Impenetravel muro a patria houvera !

Aquelles, de que foste o pae, e o chefe,-

Que a pêrda tua eterna em vão deploram;

Aquelles, que adestráste á gloria, ás armas,

De ti volviam tanto, ou mais na idéa :

Nutri ao pensamento este aureo sonho,

E o sonho se esvaiu, se foi comtigo.

Pranteia, oh lyra triste, amadas cinzas, -

O digno de chorar-se as Musas chorem.

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- 232 -,

Ai deusas dos heróes, dos, sabios deusas !

Artes, que o possuistes, que o perdestes !

Sois vós, que ao mausoléo gemes em torno?

Vós sois ; eu lá vos ouço, eu lá vos vejo.

Cortado por miserrimos suspiros

Palpita o grato nome em vossos labios,

E ferve o coração com fille em choro.

Afflictas laceraes os véos, e as tranças,

E éccos mil despertando em grito e grito,

Responde Lysia toda ao som funesto:

Tanto a patria perdeu ! Tal é seu damno !

Pranteia, oh lyra triste, amadas cinzas ;

O digno de chorar-se as Musas chorem.

De imagens festivaes desenlaçada,

Amando a cor da morte, a cor do abysmo,

Se aos tumulos arranco a phantasia,

Não é para dourar-lhe as atras sombras ;

E' para sepultal-a em mais pavores,

E dar-lhe a nova dor materia nova.

Eis da grandeza, da virtude os lares,

Os lares paternaes, a estancia cara,

Onde o cortado em flor caiu sem vida.

Qu'espectaculo,oh céos l Oh céos ! Que objecto !

"Em ancias, em soluços, em clamores

A dolorosa mãe desfaz o alento l

No pólo transparente os olhos pondo,

Da ternura o penhor, delicia, encanto,

O filho eni vão reclama aos astros surdos!

,

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'_ 233 -

Ah l Como é penetrante a dor materna !

Um ai diz mais ali, que mil em outrem.

Pranteia, oh lyra triste, amacias cinzas ;

O digno de chorar-se as Musas chorem.

Qu'espectaculo, oh céoa! Oh céos! Qu£ objecto!

A mãe desanimada ! O pae sem alma !

Sem alma o triste irmão l Sem alma o grande,

O magnanimo, e forte, o caro a todos,

A quem n'um aureo nó, quasi paterno,

Summa. ineffavel mão prendeu comtigo, «

Oh candido mancebo, em vão chorado,

De tantos corações saudade eterna !

Aquelle, que d.as leis, e que da patria

Nos hombros, novo Atlante, o peso esteia,

Iam firme em tudo o mais, co' a dor não pode!

Depois de haver tragado o fel do transe,

Oae ha poucos lhe arrancou porçoens da vida,

Constancia de rochedo (ah !) fora um crime.

Suspirem corações amargurados ;

Não é, não é de ferro a Natureza :

E' muito que a ternura em ais se exhaura.

Quando as garras crueis de negros males

Se enterram na raiz do sentimento ?

Até feros liões, perdendo a prole,

No lybico sertão de magoa rugem.

Pranteia, oh lyra triste, armadas cinzas.

O digno de choras-se as Musas chorem.

Porém qual de improviso acode á mente,

Í5

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— 234 —

Acode ao coração favor piedoso f

Celeste refrigerio abrange, aclara

Espiritos, que a dor sumia em trevas ! . .

Que assombro !.. Que portento! E's tu, deidade.

E's tu, Religião? Tu és, tu fallas,

Arcanos divinaes tu me franqueias ;

Da humanidade oh mãe, dos céos oh filha !

Já novo cortezão de um rei mais alto,

Mais alto, muito mais que os reis do mundo;

Noronha de immortal no grau brilhante,

De sol em sol vagueia, e de astro em astro,

É todo resplendor, delicia é todo,

Porção de etherea luz : — de lá co' um riso

(Qual no florente Abril não tem a Aurora,)

Aos seus, que inda no céo lhe são mais caros.

De amor perenne, immenso, os dons envia,

Em golpes da saudade esparge o nectar,

E sara os corações de angustia enfermos.

Terno pae ! Terna mãe f Não mais suspiros,

Esultae, revivei, familia excelsa.

Quem no mundo carpis, no empyreo folga :

Torne-se era gosto a magoa, o pranto era hymnos

Não chores, lyra triste, amadas cinzas;

O digno de cantar-se as Musas cantem.

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DECIMAS

Improviso — A' morte de Socrates

Terá fim, mas não sei quando.

Socrates, rei da rasão,

Empunha a fatal cicuta,

E da morte á extrema lucta

Não lhe treme o coração :

Supportou-lhe a gradação

Com um ar sereno, e brando ;

Dos discipulos ao bando

Disse : « eu morro e não me queixo ;

E a memoria, que vos deixo,.

Terá fim, mas não sei quando. *

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— 236 -

Defender os patrios lares,

Bar a vida pelo rei,

£' dos Lusos valorosos

Caracter, costume e lei.

GLOSA

Fernando avilta o brazão

De eternos avós herdado ;

Fernando, a delicias dado,

Perde gloria, e coração :

Eis o primeiro João

Surge fausto entre os azares ;

Dissipa torpes pezares,

E vae co'a tremenda espada,

Co'a gloria resuscitada

«Defender os patrios lares.»

Correm tempos, e o destino

De Lysia outra vez se altera:

No berço Bellona fera

Bafeja real menino .

Cresce, e infausto desatino

O move contra Mulei :

Ai! Segue-o submissa grei,

Lusas m5os pendOes desferem,

E até na injustiça querem

«Dar a vida pelo rei. »

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— 237 '—

Cáe o moço miserando

Sobre as bárbaras areias;

Rebenta o sangue das veias,

Inda victoria anhelando :

Ferreo jugo, intruso mando

Nos turva os annaes lustrosos :

Serie de tempos nublosos,

Que a Roma cadeias lança,

(Bem como os da gloria) herança

« E- dos Lusos valorosos. »

Rompe emfim de Lysia o somno,

Alto impulso repentino,

E o renovo bragantino

Reluz no remido throno:

Oh lusos l Celeste abono

Verificae, merecei ;

Duro assalto removei :

Jus vos dão para a victoria

Um Deus, a razão, a historia,

«Caracter, costume, e lei.»

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- 238 —

Quem pode deixar de amar T

Amor, doce flamma acceza

Nos céos, pela mão de Jove,

Agita, transporta, e move

O seio Ja Natureza :

O leão despe a fereza,

Se o vem leoa affagar,

No salso bojo do mar

Arde o mudo nadador ;

O mundo todo é amor,

«Quem pode deixar de amar ?*

Lilia, se vê genios duros,

A ataca-los se resolve,

E com ar mágico volve

A elles os olhos puros:

Eis que vê soberbos muros

Sobre a terra baquear;

Lilia, depois de ganhar

Immensos louros, que ajunta,

Com um sorriso pergunta :

«Quem pode deixar de amar ?»

Perguntei á Natureza

No seu alcançar sublime,

Qual era o mais torpe crime

Que infectava a redondeza !

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- 239 -

Ella, que meus cultos préza,

E me franqueia o altar, ,

Respondeu-me a prantear,

E exhalando um ai ancioso :

« Ah ! É o mais criminoso

«Quem pode deixar de amar ? »

Mandou o supremo auctor

Ao mundo esta paixão doce,

Para que alimento fôsse

Da terrea machina Amor:

De tudo se fez senhor,

Em tudo erigiu altar,

Quem a Amor perteade obstar

Transgride uma lei divina,

E o fim do mundo machina,

«Quem pode deixar de amar.»

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EPIGRAMMAS

A um glutão qite murmurava do auctor

/-.

Dizem qu0, Caldas glutão

Em Bocage afferra o dente :

Ora é forte .pdm.iração

Ver um c§Q,'morder na gente !

Pediu pelo amor de Deus

Dez reis um mendigo a um nobre.

Respondeu-lhe o cavalheiro:

«Que nunca trazia cobre.»

Eis por «excellencia» o triste

Nova supplica começa.

Enternece-se o fidalgo,

Poê-lhe nas mãos uma peça.

v

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241 -

A Morte se enfastiou

De surgir do Orço profundo,

Exclamando : «Não estou

Para tornar mais ao mundo! »

Disse um médico : «Eu lá vou.»

IV

Concluiu pintor famoso

Um certo retrato humano,

E a laful sequaz de Apollo

O foi mostrar muito ufano.

Para o painel apontando,

Lhe disse: « Amigo, que tal ?

Deveis gabal-o, que vós

Conheceis o original.

x

Foi ditosa a pincelada !

Nunca retractei tam bem,

Nunca pintei como agora!... »

Pergunta o- poeta : — «A quem ? »

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- 242 -

Uma terra dizem que ha,

Onde a fome acerba, e dura,

Cabo dos medicos dá : »

Porque è isto ? E' porque lá

Pagam sómente aquem cura.

VI

De que é que só do marido

Laura tem reputação :

Este merito subido

A quem o deve? Eu duvido

Se á cara, se ao coração.

/

VII

Definição do oiro

Faço a paz, sustento a guerra.

Agrado a doctos, e a rudes,

Gero vicios, e virtudes,

Torço as leis, domino a terra.

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- 243 -

VHl

Bernardo, envolto em lemiste

Insulsas nenias recita ;

Ao riso ninguem resiste ;

E o vate funereo grita :

«Não riam, que é cousa triste !

IX

Quanto és, Dido, desgraçada

Com dois maridos no mundo !

Foges, morrendo o primeiro,

Morres, fugindo o segundo.

EpitapMo

D'Elmano eis sobre o marmore sagrado

À lyra, em que chorava, ou ria Amores.

Ser d'elles, ser das Musas foi seu fado :

Honrem-lhe a lyra vates, e amadores.

XI

Á cara de uma estanqueira

Cara, cara, cara, cara,

Cara, cara, e continua!....

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— 241 -

Que revolução é esta ?

Anda pela terra a lua?

Custa a ver qualquer planeta

Com telescopio de cá ;

Ver-se-hia a cara de Helena

Sem telescopio de lá.

XII

Ao nariz da mesma

-

Deu a estanqueira um espirro ;

Gritam os visinhos seus,

Julgando ser terremoto :

« Misericordia, meu Deus! »

Nariz, nariz, e nariz;

Nariz, que nunca se acaba,

Nariz, que se elle desaba, -

Fará o mundo infeliz;

Nariz que Newton não quiz

Descrever-lhe a diagonal ;

Nariz de massa infernal,

Que, se o calculo não erra,

Posto entre o sol e a terra

Faria eclipse total !

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- 245 —

xin

A um canapé antiquissimo

Quando a velha antiguidade

Por esta caza passou,

Disse a este canapé :

Sua bençam, meu avo.

Quando Deus formou o mundo

Em seis dias, como é fé ;

Ao septimo descansou

Aqui neste canapé.

XIV

fT\ Hf • 7\

(De Marcial)

Se me lembro, Elia, tiveste

De bellos dentes a posse :

N'uma tosse dois se foram,

Foram-se dois n'outra tosse.

Segura noites, e dias

Podes tossir affartar;

Podes, que tosse terceira

Já não tem que te levar.

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246 -

xv

« No mundo ha gloria suprema.

Roncava Euclidico auctor.

« Qual é ? » diz taful da gema.

« Qual é! » torna o scismador...

« É resolver um problema.

XVI

Laura divertiu-se muito

N'uma funcção menos má.

« Qual foi o divertimento?

— « Não ter o marido lá.

XVII

Homem de genio impaciente,

Tendo uma dor infernal,

Pedia para matar-se

Um veneno ou um punhal.

« Não ha (lhe disse um visinho

Velho, que pensava bem)

Não ha punhal, nem veneno ;

Mas o medico ahi vem. »

XVIII

Com tam má gambia andas tanto.

Tanto d'aqui para ali ! : .

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- 247 -

Procurador, não me enganas

Tu procuras para ti.

XIX

Lê^se n'uma sepultura

De antiguidade Affonsina :

«Aqui jaz quem não jazera,

Se jazesse a medicina. »

XX

Um geometra zombou

Ao ver que amante infeliz

Por linda moça expirou ;

Mas ao sabio o que o matou ?

Não dar c'o valor de um xiz.

XXI

« Fabio, o meu dilecto amigo,

(Dizia Alpheu consternado)

Dos medicos mais insignes

Está já desamparado.»

— « Oh ! » (sáe d'ali um sujeito,

De circumspecta presença )

« Feliz, se o desamparassem

No principio da doença ! »

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APOLOGOS

O corvo e o pavão

Passeando o pavão com ufania.

E' fama que dissera ao corvo um dia :

« Repara quanto devo á natureza.

Olha que lindas cores, que viveza !

Que adorno, que matiz ! Olha este rabo !

Em mim não ha senão; e tu, diabo,

Negro como um carvão, como um bisoiro,

Inda és, de mais a mais, ave de agoiro ! »

O corvo que na lingua não tem papas,

Lhe responde : — « Essas penas são mui guapas,

Mas, para refrear teu desvario,

Observa d'essas pernas o feitio. »

Ainda (quem dará credito a isto?)

As pernas o pavão não tinha visto :

Mas que muito, se ha gente, e gente grave..

Que em seus olhos não 'vê nem uma trave

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2S1 —

O macaco declamando

Um mono, vendo-se um dia

Entre brutal multidão,

Dizem lhe deu na cabeça

Fazer uma prégação.

Creio que seria o thema

Indigno de se tractar,

Mas isso pouco importava,

Porque o ponto era gritar.

• 'S-'.i:-nn v.i-A>' : '- •)':-'' .

Teve mil vivas, mil palmas,

Proferindo á boca cheia

Sentenças de quinze arrobas,

Palavras de legua e meia.

Isto acontece ao poeta,

Orador, e outros que taes :

Nescios o que entendem menos

É o que celebram mais.

t€

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- 252 -

n

O cão de fralda e a raposa

N'um dos pés arranhado um cão fraldeiro

Temeu chegar ao transe derradeiro -,

O medico chamou, poa-se de cama,

E a dor encareceu coma ama dama ;

(Porque neste melindre, ou nesta balda

Uma dama equivale a um cão de fralda).

Era então a raposa arteira, e fina.

Entre os brutos doctora em medicina.

Entrou ri'um passo gra-ve, rnn ar sisudo,

E em tom de quem dizia : — Eu saro tudo ! -

Tendo-lhe visto o pé, que lhe doia,'

Perguntou ao doente o que sentia.

Depois cte se esfalfar com fofa prosa,

Concluiu : «A molestia é perigosa;

Mas hekJe conseguir a grande empreza

De ajudar, ou vencer a natureza.»

E' certo que- logrou tam alta sorte,

E' certo que a- venceu, mas foi co'a morte.

Tendo emplastros, e purgas decretado,

E com mil beberagens/ misturado

Mil gordos aphorismos de Avieena,

Ou de Averroes, seguin-se-lhe a gangrena,

Que tonrando mortal a arranhadura,

O cãozinho encaixou na sepultura.

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— 253 —

Assim que o duro medico feroz

O mandou visitar a seus avós,

Sem pejo, sem temor, sem pranto, ou ais,

A paga foi pedir aos tristes paes.

Clamaram : — « Ilida a terra te não traga !

O filho nos matastes, e queres paga !... »

« Que ? (responde a raposa) « Ora essa é bella

E o trabalho que eu tive, é bagatella ?

Dar vida não está na nossa mão :

Tanto nos rende o morto como o são. »

ir

O Tigre e a DonitilM

Pezou sempre o beneficio

Porque -a vaidade offendeu,

Principalmente se um grande

De um pequeno o recebeu.

Lembra-me agora uma historia

Succedida entre animaes,

Uma historia, que se applica

Bellamente aos raeionaes :

Ia um tigre muito ufano,

Fiado na garra e prêza,

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Crendo que a tudo excedia

No reino da natureza.

Desta idéa hallucinado,

Incauta planta foi por

Em perfida rede, armada

Por experto caçador.

Preso, lucta sem proveito,

Tenta em vão desenlear-se ;

Lida, revolve-se o bruto,

E o que fax é apertar-se.

Estancando-se-lhe as forças>

Perdida emiir» a esperança,

Cessa, e do peito raivoso

Horrendos bramidos lança.

Ao tempo que elle arquejava,

' Por aquelie sitio vinha

Demandando agrestes fructos

A leve, experta doninha.

Estremece, ouvindo o monstra

Envolto na rede urrar ;

Foge, porém curioza

Põe-se de longe a olhar.

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— 255 —

O tigre, que a vê, que sabe

Quanto é versada em roer,

Despe a soberba, e lhe roga

Que o \enha ali soccorrer.

Tanto adoça e tom pezade

Da rude, extrondosa voz,

Que segura a desprende-lo

Parte a doninha veloz.

Affinca o subtil dentinho

No tenaz, urdido laço ;

ftóe aqui, rõe acolá,

E o desfaz etn breve espaço,£

Livre das prisõens apenas

-A fera ingrata, e medonha,

Do que deve ao pequenino

Fraco animal se envergonha,

E accêza em feroz orgulho, .

Carregando-se na fronte

(Com receio de que a triste

O caso na selvas conte).

Deita-lhe a garra damnosa,

À débil vida lhe extráe. . .

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— 256 —

Ninguem acuda ao malvado,

Se no precipicio cáe.

O leão e o porco

O rei dos anrmaes, o> rugidor leão

Com o porco engraçou, não sei porque razãov

Quiz emprega-lo bem para tirar-lhe o sorna ;

(A quem torpe nascetr nenhum enfeite adorna)

Deu-lhe alta dignidade, e rendas competentes,

Poder de despachar os brutos pretendentes,

De reprimir os maus, fazer aos bonsjustiça,

E assim cuidou vencer-lhe a natural preguiça ;

Mas em vão, porque o porco é bom só para assar,

E a sua occupação dormir, comer, fossar.

Notando-lho a ignorância, o desmazelo, a jneuria.

Soltavam contra clle injuria sobre injuria.

Os outros animaes, dizendo-lhe com ira:

«Ora o que o berço dá, somente a cova o tira ! »

E elle, apenas grunhindo a vilipendios taes,

Ficava muito enxuto. Attenção n'isto, oh paes !

Dos filhos para o genio olhae com madureza.

Não ha poder algum, que mude a natureza r

Um porco hade ser porco, inda que o rei dos bichos

O faça cortez5o pelos seus vãos caprichos.

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SATYRA

PENNA DE TALIÃO

(Ao Padre José Agostinho de Macedo]

Ta nil invicta dicis, faciesvc Miner»»

HotiAT. ART POETICA-

Invidia rumpantur ut iiia Codro.

VIRO. ECLOO. 7.»

Satyras prestam, satyras se estimam.

Quando n'ellas Calúmnia o fel não verte,

Quando voz de censor, não voz de zoilo

O vicio nota, o merito gradua ;

Quando forçado epitheto affrontoso

(Tal, que nem cabe a ti) não cabe áquelle?

Que já na infancia consultavam Phebo.

Elmiro de Pariz, Cotins, são vivos

No metro de Boileau, mordaz, mas pulchro

Codros, Crispinos, Clovienos soam

No latido feroz do cão de Aquino,

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- 25» —

D'esse, cuja moral, mordendo, imitas,

E cuja phantasia em vão rastejas.

Nos igneos versos que Venusa illustram, .

Nos que cfeterna fama bonraranvMantua,

Envoltos no ludibrio existem Bavios,

Mevios existem; e a existencia d'elles,

Se podesse durar, seria a tua.

Refalçado animal, das trévas socio,

Depõe, não vistas de cordeiro a pelle f

Da razão, da moral o tom, que arrogas,

Jámais purificou teus labios torpes,Torpes do lodaçal, dronde zunindo

(Nuvens d'insectos vis) te sobem trovas

A' mente erma de idéas, nua de arte.

Como has-de, oh Zoilo, eternizar meu nome,

Se os Fados permanencia ao teu vedaram ?

Se a ponte, que attravessa o mudo rio,

Que os Vates, que os heroés transpõem seguros,

Tem fatal boqueirão, por onde absorto

Irás ao vilipendio, irás ao nada,

Ficando em cima illeso, honrado o nome,

Que em dicterios plebeus, em cbulas plirases,

Debalde intentas submergir comtigo?

Empraza-te a Razão ; responde, e treme :

Do pbilosopho a tez, a tez do amante,

Meditativo aspecto, imagem d'almaj

Em que fundas paixões a essencia minam

(Paixões da natureza, e não das tuas) •

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- 2S9 -

O que parece em mim, á vista abjecto, .

A mesta pallidez, o olhar sombrio,

O que a preterição desengenhosa

Dos sujos trivios na linguage aponta,

Que importa, oh Zoilo, ao litterario mundo ?

Que importa descarnado, e macilento

Não ter meu rosto o que alicia os olhos ?

Em quanto nedio, e rechonchudo, á custa

De vão festeiro, estupida irmandade,

Repimpado nos pulpitos, que aviltas,

Afofas teus sermões, venaes fazendas

(Cujos crédores nos elysios fervem !)

Trovejas, enrouqueces, não commoves,

Gelas a contrição no centro d'alma !

Ostentas ferreo numen, céos de bronze;

E, e cada berro minorando a turba,

Compras n'aldeia do barbeiro o voto: v

Ali triumphas, e a cidade enjoas.

To, de cerebro pingue, e pingue face,

Pharisaica ironia em vão rebuças

Com que a penuria ao desvalido exprobras :

"Que tem co'a Natureza o que é da Sorte?

Ou dá-me o plano d'attrair-lhe as graças

Mas sem que roje escravo ; ou não profanes

Indigencia, e moral, quaes tu não citas.

Pões-me de inutil, de vadio a tacha,

Tu, que vadio, errante, obeso, inutil,

As praças d'Ulysséa á toa opprimes ;

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- 260 -

Ou do bom Daniel na terrea estancia

Peçonhas tTinveetiva espremes d'alma,

Que entre negros ehapéos, ,tambem negrejas:

E ante o caixeiro boqui-aberto arrotas,

Arrotas ante o vulgo a encydopedia :

Fadas, e agouras o esplendor, que invejas ;

Arranhas mortos, atassalhas vivos,

Insultas a grandeza, a immunidade

Do eterno Mantuano, e dás a Estacio

Um grau, que entregue ao deus, que ardendo era estro,

De Thebas o cantor tentar não ousa,

Quando á mtisi da morte enfreias os voos,

E quer que a Eneida cá de longe adore.

Da preferencia atroz inda não pago

Das Graças ao cultor, de Amor ao vate,

De Nasonia elegia aos sons piedosos,

Que o Ponto ouviu com dor, com mágoa o Tibre,

Versos prépões, sarmatico-latinos,

Versos,que inda ao burel, e ao claustro cheiram,

E que, affrontoso a ti, de applausos cr'ôas,

Só por distarem de teus versos pouco,

Sanguisuga de putridos auctores,

Que vais com cobre vil remir das tendas.

Em quanto palavroso impões aos nescios,

E a credulo tropel roncando affirmas

Que revolveste o que roçaste apenas;

(Fallo das artes, das sciencias fallo !)

Em quanto a estatua da Ignorancia elevas

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Os dias eu consumo, en vélo as noites

Nos desornados, indigentes lares;

Submisso aos fados meus, ali componho

Á pesada existencia honesto arrimo,

Co'a mão, que Phebo eslende aos seus, a poucos.

Ali deveres, que não tens, nem prézas,

Com fraternal piedade acato, exerço ;

Cultivo alíeclos á tua alma extranhos,

Dando á virtude quanto dás ao vicio ;

Não m'envilece ali d'um frade o soldo :

Ali me esforça ao genio, as igneas azas

Coração bemfazejo, e tanto, e tanto

Que a ti, seu depressor, protege,, acolhe;

Que em redondo caracter te propaga

À rapsodia servil, poema intruso,

Pilhagem, que fizeste em mil volumes,

Teu pejado armazem d'alheios fardos,

Onde a Monotonia os meche, os volve,

E onde teimosa apostrophe se esfalfa.

Já c'os céos entendendo, e já co'a terra.

Inda não me elevei do Pindo ao cume

Com fama, que assuberbe os summos vates;

Porem, graças ao dom, que não desdouras

Co'a birra estulta de emperradas trovas,

Vou sobranceiro a ti, de longe te olho ;

E na publica-voz, que se nao merca,

Elmano a cysne aspira, Elmiro é ganso,

É ganso, que patinha, e se enlameia

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— 262 -

Em podres lodaçaes, paúes do Lethes,

A circulos pueris, a vãos Narcisos,

A Lucrecias na sala, e Lais na alcova,

E inda ás séreias do tempo os «bravos» poupo;

Insulso rimador de facho e seitas,

Nugas não douro, não mendigo applausos

De vacuas frontes, plagiarias linguas;

Não sou, nem de improviso,o que és d'espaço!

Claro auditorio meu, vingae-me a gloria!

Vós, que em versos altisonos mil vezes

Me viste ir voando ás fontes do Estro,

Dizei, se me surgiram Grecia, Roma

Nas promptas explosões do enlhusiasmo?

Se a razao, e a moral, se as leis, se a patria

Do metro destemido objectos foram,

Ou das Marilias de hoje o riso ensosso,

Dos olhos o commercio, e não das almas,

O melindre sagaz, lição materna,

E a mercantil firmeza, a cem votada?

Dizei?... Mas contra ti sobeja Elmano;

Teus huyvos, teus' latidos não me aterram:

Sou do novo tri fauce Alcides novo;

Jnda não farto de arrancal-o ás sombras,

As tres gargantas levarei de um golpe ;

E se a canina espuma, ou sangue infecto,

Monstros gerar, que multiplique a morte,

Das Furias o tição lhes torre as frontes.

Braveja, detractor, braveja insano!...

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- 263 -

Arde, blasphema em vão, de algoz te sirva

Tenaz verdade, que te ròe por dentro.

Na voz deprimes o que admiras n'alma! •

Se provas queres, eu te exhibo as provas

Do que leu coração desdiz dos labios.

Traze,á mente o logar, e a vez primeira

Em que, dado á tristeza, e curvo aos ferros,

Olhaste, ouviste Elmano, e grande o crêste, -

Quando inda os voos timido soltava

Na immensidade azul que aos astros guia;

Quando (não como por systema o finges,

Mas só da natureza endereçado)

Seguia o rasto de amorosos cysnes,

Pousando muito áquem do grau que occupa ;

Ainda carecenle da ignea força

Que á patria deu Leandro, Ignez, Medéa,

O Antro dos zelos, de Arenéo e Argira

A historia, que o sabor colheu de Ovidio

Na dicção narrativa, experta, idonea,

E o mais ás Musas grato, e grato a Lysia.

Da estancia,onde nem sempre habita. o crime,

Epistola sem sal, por ti guizada,

Em taes louvores incluiu meu nome :

Versos escuta, que negar não podes ;

Estylo é teu, monotonia é tua ;

O que n'elles se involve, escuta, em premio

Da empreza, que tomei, de os por na mente:

«Do centro d'esta gruta triste, e muda,

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- 264 -

«Fecundo Elmano, pelas Musas dado,

«O prisioneiro Elmiro te saúda,

t De teus aureos talentos encantado ;

«De ti só falla, só por ti suspira,

«Em teu divino canto arrebatado...;

Quem fertil nomeaste, e quem divino,

Hoje é servil, monótono, infecundo,

De texto opimo interprete ingoiado ?

Co'a idade e estudo o génio em todos cresce;

E em mim desfalleceu co'a idade, e estudo?

Responde ao teu juiz, ao são criterio,

Réo de le/.a razão! Trazer á patria

Nova fertilidade em plantas novas.

Manter-lhe às flores, conservar-lhe os frnctos,

Quaes eram no sabor, na tez, na forma,

Sendo o tronco, a raiz, a copa os mesmos,

Sem que os extranbe, os desconheça o dono,

E' fadiga vulgar? Não tem mais preço

Do que esse, que os carretos galardoa

Do gallego boçal nos ferreos hombros?

Verter com melodia, ardor, pureza

O metro peregrino em luso metro,

Dos idiotismos aplanando o estorvo,

D'um. d'outro idioma discernindo os genios,

O caracter do texto expor na glosa,

Proprio tornando, e natural o alheio.

E' ser bugio, ou papagaio, Elmiro?

Confronta originaes, e as copias delles ;

•-

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— 268 —

Verás se a Musa, que de rastos pintas, •

No voo altivo o Sulmonense atinge,

Gastei transcende, e com Delille hombreia.

• Citas um verso mau, mil bons não citas ?

Citas um verso mau, que não transforma

Em mattos os jardins? E' natureza

Estarem par a par espinhos, flores.

E não sabes, malevolo, que a regra

Une a tenues objectos simples phrases ?

Se imparcial, se critico escrevesses,

Centenas (Taureos versos apontaras,

Sem de um só deduzir sentença iniqua:

D'Ausonia o quadro, ou venerando, ou belíoy

Com justa, sabia mão presentarias ;

— Idades centos blasonando ao longe

Co'a ruina immortal da excelsa Roma ;

Ante as aras carpindo Amor, Saudade,

E ao céo medrosas lagrimas furtando ;

Aos amigos dos homens, e aos numes

Na terra verdejando elysios novos;

Correntes sem rumor, como as do Leth.es,

Os males na memoria adormecendo,

E em marmores, corynlhios alvejantes , -

O grande Fenelon, e o grande Henrique. —

Se o rival de Virgilio (o que proclamas*

Porque de Gallia é filho, e não de Lysia,

A cujo seio, em que borbulham genios,

Chamas com lingua audaz) esteril d'elles !

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Se o rival de Virgilio ouvisse os versos

De imterprete fiel, não rude escravo,

Honrára co'um sorriso uleis suores.

Pede ao molle Belmiro, anão de Phebo,

Ao que ergues uma vez, e mil derrubas ;

Pede ao vampiro, que a ti mesmo ha pouco

Nas tendas, nos cafés deveu sarcasmos ;

Pede ao bom Melizeu, d'Arcadia Fauno,

De avelada existencia, e mente exhausta,

Que affectas lamentar, e astuto abates,

Que por alfeloa tróca os sons (FEulerpe,

(Os sons da sua Euterpe, e não da minha)

Dize ao teu coro, de garganta indocil,

(Sem que esqueça o pygmeu no corpo,e n'alma)

Dize dos corvos de Ulysséa ao bando

Que, interpretes qual fui, d'exiinios vates,

Não pagos de ir no rasto o voo alteem:

Ou tu mesmo apresenta, oferece á crise

De gordo original versão mirrada ;

Sulcado o Estacio teu de unhadas minhas,

De muitas que soffreste, e que aproveitas ;

N'elle, oh magoa ! oh labéo l Por ti mudados

A pompa na indigencia, o luto em riso;

Mostra em teus versos as imagens suas

Tibias, informes, encholhidas, mortas :

Desdentado leão, leão sem garras,

Que á longa idade succumbiu, rugindo;

Mas leão, que de perto, irida é terrível,

-.

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- 267 -

E que no quadro teu vale um cordeiro.

Ousa mais: a Lusiada não sumas,

Que o numero de versos fez poema,

Tal, que seu mesmo pae sem dor o enterra.

Expõe no tribunal da Eternidade

Monumentos d'audacia, não d'engenho ;

O prologo alteroso, em que abocanhas

Do luso Homero as veneraveis cinzas,

E não de inepto, de apoucado arguas

Quem, porque teme a quéda, encolhe as azas ;

Quem de ephemeros « vivas » não contente,

Chegando a mais que tu, se atreve a menos.

Nem somente Melpomene dispensa

Gran.nome, nem Caliope sómente.

Como os Voltaires, na memoria vivem

Lafontaine, Chaulieus, subsistem n'ella :

Todos teem nome, e grau ; tu mesmo o dizes,

Contradictorio, tumido versista.

Thema, que escolhes, genero, que abraças,

Não te honra, nem desluz : no desempenho

O lustre, a gloria estão. Tem jus á fama

O vate, ou cante heróes, ou cante amores ;

Com tanto que de Phebo as leis não torça,

Aos mais varios assumptos ajustadas.

Co'a materia convém casar o estylo :

Levante-se a expressão, se é grande a ideia;

Se a ideia é negra, a locução negreje;

E tenue sendo, se atenue a phrase.

17

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- 268 -

Segue o que tens de cor, mas não practicas,

Serás o que não és, o que não foste,

Quando das Musas no Almanak.... ai triste!

Que a par de seus irmãos morreu de traça,

Forjaste de uma freira equorea nympha,

Jacinta de um Tritão fingiste acceza :

Chamaste grande, harmonico a Lereno,

Ao fusco trovador, que em papagaio

Transformaste depois, v havendo impado

Com tabernal chanfana, alarve almoço,

A expensas do coitado orango-tango,

Que uma serpe engordou, cevando Elmiro.

Os teus vicios em rosto aos mais não lances,

Tu, furia, tu, dragão, que entornas peste,

Por systhema, por habito, e por genio.

Os sette, que detrães, em que te aggravam ?

Querias par a par subir com elles,

Nas azas do louvor a ignotos climas ?

Que disseras, mordaz, quando a mimosa,

Quando a celeste Catalani exhala

Milagres de ternura ; e de harmonia,

Sim, que disseras, se ultrajando a scena,

De rouquenha bandurra um biltre armado

Ante a assembléa estatica impingisse

Solfa mazomba, hispanico bolero ?

Pois isto, oh Zoilo, tam improprio fora,

Como annexar teu nome aos sette, e aos outros.

Que do silencio meu não colhem manchas,

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- 2G9 -

Nem carecem de mim, por si famosos,

E ha muito em l yra eterna ao pólo erguidos.

Verdade ! Rectidão ! Vós sois meus numes !

Vê se as adoro, oh Zoilo ! eu amo Alcino,

Filinto, Corydon, Elpino eu louvo;

Todo me apraz Dorindo, Alieno em parte;

Nas trevas para mim reluz Tomino ;

Nos genios transcendentes me arrebato,

Prezo alumnos phebeus, desprezo Elmiros.

De alta justiça que mais prova exiges ?

Tu, que de iniquo e parcial me increpas ?

Tu, que em vez de razões opprobrios vibras

Perante um mundo, que te sabe a historia !

Tu, que affeito á moral dos Tupinambas,

Tens ampla consciencia, onde Amizade,

Onde Amor, e outros vinculos sagrados

São nomes vãos, phantasticos direitos ;

Tu... mas lingua de bronze, e voz de feYro

Mal de teus vicios a expressão dariam.

Indomito molosso, ardido ex-frade.

E' comtigo a razão qual é co'as ondas

Arte, e saber de naufrago piloto :

Serás qual és, e morrerás qual vives.

Prosegue em detrair-me, em praguejar-me ;

Porque Delio dos « prologos » te exclue :

Pregoa, espalha em satyras, em lojes

Que Zoilos não mereço, e sê meu Zoilo :

Chama-me de Thisyphone enteado,

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- 270 -

Porque em femeo-belmirico falsete

Não pinto os zelos, não descrevo a morte,

Erra versos, e versos sentenceia :

Condena-me a cantar de Ulina, e d'anmos ;

Âggrega o magro Elmano ao fulo Esbarra ;

Ignora o «baquear» que é verbo antigo ;

Dos Sousas, dos Arraes somente usado ;

Metonymias, synedoches dispensa ;

Da-me as pueris antitheses, que odeio ;

D'estafador de anaphoras me encoima ;

Faze (entre insanias) um prodigio, faze,

Qual anda o caranguejo andar meus versos;

Supõe-me entre barris, entre marujos,

(De alguns talvez teu sangue as veias honre!)

Mas não desmaies na carreira ; á vante,

Eia, ardor, coração... vaidade,ao menos.

As oitavas ao «Gama» esconde embora ;

N'isso nem perdes tu, nem perde o mundo ;

Mas venha o mais ! Epistolas, sonetos,

Odes, canções, metamorphoses, tudo...

Na frente pões, teu nome, e estou vingado.

FIM

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NOTAS DO AUCTOR

Á Satyra antecedente

Pagina 257 verso S. — Quando forcado epi-

thelo aifrontoso.

O epilhelo de t lolo» que na salyra me dá

Élmiro.

Pag. 260 v. 13. — E quer que a Eneida cá

de longe adore.

Nec tu divinam Eneida tenla.

ESTAGIO,. Thebaid.

Pag. idem v. 18. — Versos prepões sarma-

lico-lalinos.

O ex-frade tem desenterrado das tendas, e

lojas de confeiteiros, elegias, e outros versos

de Jesuitas polacos, que denodadamente pre

fere a Ovídio.

Pag. 161 v. 15. — A rapsodia servil, poema

intruso.

«Contemplação da Natureza» poema para o

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— 272 —

auctor, e rapsodia para mim, c para Iodos os

conhecedores.

N'esta fastidiosa compilação usurpadora

apostrophe clama de seis em seis versos, pouco

mais ou menos, desaloja o rancho das irmans,

e fica ali como vilão em casa de seu sogro.

Pag. 263 v. 8. r- Olhaste, ouviste ElmanO;

e grande o creste.

O salyrico, antepondo os meus versos de

algum dia aos de hoje, affecla comludo es

quecer-se dos elogios, que me fez, e escreveu,

sendo ainda frade graciano.

pag. 265 v. 16. — Co'a ruina immortal da

excelsa Roma.

Veja-se o poema dos «Jardins» no canto IV.

Pag. 266 v. 8. — Pede ao bom Melizeu,

d'Arcadia Fauno.

Elmiro,incapazde açaimar a maledicencia,

que o caracterisa, exprobra a penuria ao re-

sequido Melizeu, em vez de lhe notar unica

mente o sestro com que.antepõe um pau de

alfeloa ás composições Etiterpicas, com que

podia afamar-se entre os Hurons, mui afiei-

coados a poesias d'esle

Pag. idem v. 14. — Sem que esqueça o

pygmôo no corpo, e n'alma.

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- 273 -

.Todos sabem a applicacão antiga cTaqtieHc

meu verso :

Quintanilha, pygmêo no corpo, e n'alma;

Se houver todavia quem a ignore, declaro

que pertence a um nojento homunculo, en-

genhador de miudezas metricas, a quem o

esquecimento de uma virgula arruinou um

soneto, e que propaga, c palmèa a salyra de

Elmiro; porque nunca fiz a injustiça de ga

bar os seus nadas. Tanliim sufficil hbc.

Pag. idem v. 20. — Sulcado o Eslacio teu

de unhadas minhas.

O indigno traduclor de Eslacio me rogou

mil vezes que lhe castigasse a versão, onde o;

caractere a phrase do original padecem in-

clemências. . , , /

Pag. 267 v. 2. — Ousa mais ; a Lusiada

não sumas.

Movito d'Elmiro aos seismezes: obra em

que a gloria de Camões é enxoval badano pro-'

logo, e resarcida no mais. O auclor a sumiu.

Pag. 268 v. 5. — Forjaste de uma freira

equorea nympha.

Em um dos lAlmanachs» citados ha um

idyllio piscatorio de Elmiro, em que uma

nympha do mar se chama Jacinla ; nome que,

junto com a pessoa, prova o gosto do auclor.

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- 274 —

Pag. idem v. 8. — Ao fusco trovador, que

cm papagaio.

Mclamorphose de Lereno em papagaio, no

tempo em que Elmiro almoçava com elle, e

d'elle ; acção que advoga pela moral do cie-

rigo-prégador, l&o superfluo como os inse

ctos.

Pag. 269 v. 7. — Nas trevas para mim

reluz Tomino;

Falo de Sanclos e Silva, cujo estro, ás vezes

assombroso, o consola de um desastre como

o de Homero, e Milton.

Pag. 270 v. 3. — Erra versos, e versos sen-

tencêa.

Veja-se na satyra de Elmiro a linha —

Rasteiras copias de originaes suberbos.

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NOTAS O

Ás

POESIAS SELECTAS DE BOCAGE

ESBOÇO BIOGIUPHICO

Pag. 6

Sua mãe era de origem franceza . . .

Descendia de Anlonio Ledotix du Bocage,

nalural de Cherburgo, na Normandia, que

(*) ADVERTÊNCIA. O meu amigo Francisco Gomes

da Fonseca, editor d'este livro, encarregando-me de es

crevera biographia de Bocage e de rever as notas, que

para esta edição escreveu ha doze annos o snr. Silva Fer

raz, deu-me lambem plena auclorização de cortar, e

substituir por outras, as que eu julgasse menos necessa

rias.

Em virtude desta auclorisaçSo supprimi as que me

pareceram de menos importância, e escrevi outras, que

vão assignadas com as minhas iniciaes J. Y., valendo-

me para a maior parte dYlIas da ultima edição de Lisboa.

Porto, setembro de J 804.

/. F. Pinto de Carvalho.

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— 276 —

em 1701 viera serÇir na marinha porlngueza

no poslo de capitão de mar c guerra, c

poucos annos depois fora promovido a Vice-

Almirante.

E' aqui logar de dar noticia d'uma celebre

poetiza, que occupou um logar imminenle no

mundo lillerario, e pertenceu á familia do

nosso poeta. Era madame du Bocage. — Marie

Anne Lepage ; mulher de Fiquei du Bocage,

lio do nosso poela.

Imitou em verso o Paraizo perdido e a Morte

de Abel. Compoz um poema, intitulado as

Sciencias e as leiras e uma tragedia, as Amazo

nas; porem a sua obra prima é o poema a

Colombiada, que mereceu ser elogiado por

Vollaire — o maior vulto lillerario d'aquella

época.

Pertenceu ás Academias Arcadicas de

Roma, Bolonha, Padua, Lyon, Rouen, e depois

d'uma longa existencia de 91 annos de per

manentes Iriumphos morreu no -principio

d'esle seculo, Ires-annos antes de Bocage.

Haviam-lhe os seus admiradores dado por

divisa esta legenda — forma, Venus; arte,

Minerva.

í. v.

Pag. H

E alguns dizem que emprehendera a com

posição d'uma epopeia.

Diz-se que o assumpto delineado por Bocage

era o descubrimenlo da America.

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277

Sobre se elle teria ou não forças para desen

volver convenientemente este grandioso as

sumpto diz o snr. Rebello da Silva :

tSe nos guiarmos superfecialmente pelo

que ficou de Elmano, parece licito duvidar.

Se de mais perlo contemplarmos alguns longes

dos seus hymnos, notando a invenção origi

nal, que vislumbra através do tecido mylho-

logico, não faltam motivos para acreditar

que sim.»

Outros apontam mais dous assumptos; a

tomada de Lisboa e as acções gloriosas pra

ticadas na india pelo grande Affonso de Al

buquerque.

Sobre isto porem nada ha de positivo.

^ J. Y.

SONETOS

Pag. 28

O sol, é a que illumina o Ihrono horrendo

D'essa, que anima os ávido^amanlcs

São dous versos ambos elliplicos. No pri

meiro subintende-se a palavra — lua. — No

segundo — noite.

Pag. 30

Mentes, mentes, injusto Manluano!

Dido infeliz foi viclima do esposo,

Foi viclirna da fé, não do troyàno.

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- 278 -

Esle soneto é mylhislorico. Nestes últimos

versos allude o poeta ao celebre anachronismo,

de que uza Virgilio na Eneida, fazendo o

troyano Eneas coetaneo de Dido, fundadora

de Cartago. Este anachronismo foi tambem

aproveitado por Melaslasio, que compôz um

drama, cujo assumpto é o tragico fim dos

amores de Eneas e Dido, inventados pelo Man-

tuano.

Pag. 31

A que nasceu das ondas, . . .

E' Venus, que a mythologia diz que fora

gerada da espuma do mar.

Pag. 33

Esle soneto parece ler sido "feito quando

Bocagc estava proximo a buscar terras da Azia.

. 37

Este soneto foi feito om Macau, e offerecido

asnr." D. Maria de Saldanha Noronha c Me

nezes, e a suas filhas.

Pag. 38

Qual o misero vale de Corina

Nas lomilanas praias desterrado

Compara-se Bocage com Ovidio, que foi des

terrado por Augusto' para Tomes na enlremi

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— 279 —

dade do Ponto Euxinio, porque, dizem alguns,

a uma filha do Imperador, chamada Julia,

sob o pseudonimo de Corina, endereçara o

poela sulmonense algumas elegias lascivas.

Esla opinião é apenas uma conjectura, por

quanto a cairza verdadeira do desterro do

Ovidio, sempre dissimulada por elle — é um

problema indissoluvel, e mui forle devia

ella ser, para que nem Augusto, nem Tiberio

se movessem ás continuas supplicas de perdão,

que o desterrado lhes fizera.

j. v.

Pag. 39

Estou vendo Sepulveda affamado.

Este e os seguintes versos alludem ao las

timoso naufragio de Manoel de Souza Sepul

veda, acontecido em 1533 no cabo da Boa Es

perança. Escapando com sua espoza, filhos è

outros companheiros do furor das aguas, in

ternaram-se no sertão, dirigindo-se para o rio

de Lourenco Marques, onde os porluguczes

vinham commerciar ; porem encontrando-se

com uns selvagens, que se fingiram amigos,

commelteram a imprudencia de largar as ar

mas. Vendo-os desarmados accometteram-nos

os selvagens e expoliaram-nos de tudo, inclu

sive, dos vestidos, e, fazendo alguns portugue-

zes resistencia, foram mortos.

Sepulveda vendo a mulher e os filhos cra

vados na area para encobrir sua nudez,

expostos a um calor abrazador, e devorados

p.ela fome e pela sede, corre em todas as direc

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— 280 —

coes a buscar agua para refrigeral-os, e algum

alimento : nada encontrando volta para os

seus e acha a espoza e os filhos mortos de calor,

de fome e de sede.

Em visla de tão horroroza scena, foge des

vairado pelo dezerlo e não mais d'elle houve

nolicia.

Dos seus companheiros: uns morreram,

outros ficaram escravos dos selvagens, ale que

passados a n nos foram resgatados por uni mer

cador porluguez de Moçambique, que lá foi

comprar marfim.

liste desastroso successo inspirou a Jerony-

mo Corte Real um bello poema epico.

'. v. .J

. . ; Pag. 46

Eu vim c'roar em li minhas desgraças.

Foi feito á cidade de Goa, onde, como se

vê do esboço biographico, o auclor despe

dindo as -agudas sctlas da sua salyra contra

miiHos- magnates d'aquella cidade, soffreu

por isso crueis perseguições.

J, v.

Pag. 54

Queimando o véo dos seculos futuros.

Este soneto aHude ás profecias de Daniel

nos cap. VII, IX etc.

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-; 281 —

Pag. S5

Voaste alma innocenle, alma querida.

Fcrdinand Dinis tradusindo esle soneto crê

que elle celebra uma grande desgraça, succe-

diila ao poela. Talvez porem fosse desgraça

succedida a oulro, que se lastimasse e pedisse

a Bocnge a lamentação de- uma morte, que

nada lhe importava. JNão era isso raro n'aquel-

le tempo.

Pag, 67

Co'a mente juvenil, sublime, alada.

Este soneto foi dedicado a Nuno Alvares

Pereira PaloMpniz, poeta e lilteralodislinclo,

natural de Lisboa. Tornou-se celebre pela

polemica, que sustentou por alguns annos

com José Agostinho de Mecedo, ferindo-se mu

tuamente com pungentes epigramas em fo

lhetos impressos e manuscritos, tanto em

proza, como em verso. Sendo o mais notavel

escrito desta contenda o poema heroi-co-

mico — Agostinheide — com que Pato

Moniz fulminou o seu adversario, e que por

alguns é tido como um dos melhores da nossa

lilleratura.

Abraçando as idcas liberaes da revolução

de 1820, foi eleito deputado por Selubal"ás

cortes de 1822-1823, onde se tornou notavel,

tomando activa parte nas questões da época.

Desterrado depois dos acontecimentos de

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Villa-Franca para a ilha do Fogo, lá morreu

em 1827, segundo dizem.

j. v.

Pag. 68

C' um diadema de luz no Elysio entrava.

Esle soneto foi inspirado pela glorioza morle

do Almirante Inglez Horacio Nelson, que na

celebre e sanguinolenta batalha de Trafalgar

a 21 de outubro de 1805 derrotou as esqua

dras combinadas — franceza e hespanhola.

Foi um golpe profundo no poder de

Napoleão; mas a Inglaterra pagou-o caro —

Nelson o seu mais valente e dislinclo Almi

rante morreo no meio dos triumphos deste

dia.

j. v.

Pag, 73

Oh! triste, malfadada Academia.

Esta Academia é a Nova Arcadia, onde

Bocagc teve assento, mas d'onde foi expulso,

como se vê do esboço biographico.

Pag. 75

Pagara içaria sorte o louco intento.

Bellissima comparação do nosso poela.

Allude á sorte de Ícaro, o qual diz a fa

bula que fora encerrado por Minos em um

laberintho de Creta, juntamente com seu pae

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- 283 —

Dedalo. (D'onde veio chamarem-se assim os

labyrinthos.)

Tentando ambos fugir, fizeram umas azas

de cera, com que se elevaram voando, com a

tenção d'irem pouzar em terra amiga ; porem

icaro, despresando os avisos do pae, elevou-se

mais alio, do que devia, de que resultou der

reter-lhe o calor as azas e cahir no mar, onde

afogou.

Egual sorte teme Bocage, tentando elevar-

se á altura da bellezade Joniapararelraclal-a.

j. v.

Pag. 76

Vós, oh Francas, Semmedos, Quinlanilhas,

Macedos

Estes, e o Abbade de Almoster, foram os

mais temiveis adversarios, com que o nosso

poeta crusou as armas.

Exceptuando q primeiro, que não tinha

forca para medir-se com Klmano, todos

os outros lhe apararam os golpes com denodo ;

e se a satyra de Bocage a todos verberou

atrozmente, não lhes resta pequena gloria

em terem sustentado o duello com o gigante,

sem se confessarem vencidos.

Para se vingar de Belchior Curvo Semmedo,

homem de incontestavel talento, teve Bocage

de recorrer a um mizeravel expediente, qual

foi o rediculisar-lhe a pequenez da estatura.

Semmedo jamais lhe voltou as costas ; com

bateu sempre, até quejazendo Bocage no leito,

18

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- 284 -

donde mais se não levantou, foi reconciliar-

se com elle.

Com o Dr. José ThOmaz Qúinlanilha viveu

algum tempo Bocage em boa harmonia, porem

nas guerras da Arcadia enconlraram-se face

a face, como adversarios. Quinlanilha era

homem de talento, e fosse porque se respei

tassem mutuamente, ou por oulro qualquer

molivo, é certo que poucas vezes apparecem

em guerra declarada.

Joaquim Franco de Araujo, Abbade de Al-

moster, foi tambem objecto das salyras de

Elmano; porem o Abbade linha talento e

facilidade em versejar, e não deixou sem res

posta as diatribes de Bocage, embora ellas fos

sem pungentes, como elle costumava fòr-

jal-as.

Estamos chegados ao mais terrivel, perti

naz e valente adversario de Elmano. E' José

Agostinho de Macedo. Ambos consumidos

pela inveja e pelo ciume, os dous poetas

declararam-se uma guerra de exlerminio.

Para derrolal-o desenvolveu Bocage todo õ

seu talento, e a Pena de Talião e a satyra

mais brilhante e mais vehemente, que talvez

se haja escrito na lingua de Camões.

Reconciliados na ultima enfermidade de

Bocage, ainda se dirigiram mutuamente ver

sos jaudatorios e J. Agostinho lamentou em

sentidos cantos a morte de Elmano ; porem

passados annos, sendo publicada a — Pena

de Talião — o ciume e o odio, acudindo-lhe

de novo ao coração, levou José Agostinho a

cuspir mil improperios, indignos do seu ia

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- 285 -

contestavel talento, sobre a memoria do poeta,

<}ue abraçara, como amigo, na hora extrema.

J. Y.

Pag. 83

Comtigo, alma suave, alma formosa.

Este e outros sonetos foram feitos durante

a ultima enfermidade do poeta e dedicados a

D. Anna Perpetua, filha (ou irmã,) de Anto

nio Bersane Leite, verdadeiro amigo de

Bocage; á qual o nosso poeta consagrara

intima affeicão nos ultimos tempos da sua

vida.

Parece que esta senhora regenerara o cora

ção voluvelde Bocage «captivandoo, na frase

elegante do Snr. Rebello da Silva, com os

grilhões de flores, que o Tasso presta a uma

das suas divas.»

Se é verdadeira (como se acredita) a tra-

diccão, que isto nos transmitio, Bocage, se

a morte lhe não abrevia a existencia, ligar -se-

Iria a esta senhora pelos laços do matrimonio.

j. v.

CANTATAS

Pag. 95

Longe do caro esposo Tgnez formoza.

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- 286 -

Já observou o snr. João Baptista d'Almeida

Garrei que o assumpto dramatico de Igncz de

Castro, tantas vezes tentado, ainda não estava

traclado.

Entre os poetas porem, que tem cantado

esses infeliaes amores, parece que deve ler

Jíocage o primeiro logar depois do grande

épico, que ornou o seu poema com :

O caso triste e digno de memoria.

da miscra e mesquinha.

Que depois de ser morta foi rainha.

ODES

Pag. 110

Esta ode foi escrita na prisão para implorar

a protecção de José de Seabrada Silva, então

ministro do reino. Com effeito este minislro,

amante das letras e dos seus cultores, inter-

poz o seu valimento, e ajudado por outros

amigos do poeta, conseguio que os ferros Ibe

fossem pouco pezados, e alfim pôl-o em liber

dade.

Não se limitou a isto a protecção de José de

Seabra. Solto Manoel Maria quiz garantir-lhe

o pão quotidiano empregando-o na Biblioteca

publica ; porem Bocage, inimigo de toda a

sujeição e serviço obrigado e prezo, levado

pelo seu genio independente, regeitou-o.

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— 287 —

Breve conheceu o errado passo, que dera, e

constrangido pela necessidade aceitou um

emprego naofficina do Padre José Marianno.

j. v.

Pag. 110

Socrates devorando entre os alumnos

A venefica planta.

Este grande philosopho accusado de cor

romper a mocidade com as suas doutrinas,

de desprezar os deuses, e introduzir divinda

des novas, foicondemnado a beber a sicuta,

o que elle fez rodeado dos seus discipulos,

fallando-lhes sempre da immorlalidade da

alma, até que o mortal veneno lhe minou

as entranhas c desmoronou a existencia.

j. v.

Pag. 110

Alem Regulo entregue

A's raivas brutas da feroz Carthago.

Allilio Regulo, general romano, sendo ca-

ptivo pelos cartagineses, foi por elles man

dado a Roma persuadir ao Senado, que fizes

se a paz ; porem Regulo em logar disto acon

selhou-lhe o contrario, pelo que os carlhagine-

zes, julgando-se escarnecidos o turturaram

e mataram barbaramente. Já Camões fallan-

do do nosso Infante Santo U. Fernando, disse :

Regulo, porque a patria não perdesse

Quiz mais a liberdade ver perdida.

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- 288 -

Pag. 110

Aqui o estoico, invicto

O rispido Calão brandindo o ferro,

Lacerando as entranhas

Na gloria abstracto de morrer com Roma.

O suicidio, que perpetrou Catão Uticence,

para se não entregar a G. Julio Cezar, vence

dor de Pompeu, deu assumpto á melhor tra

gedia classica, que possuimos, do snr. J. 1>.

d'Almeicja Garrei.

ODES

. 117 v. S

Do benigno Santelmo o tenue lume

Reluz no aereo tope.

Sanlelmo é um fogo electrico, que apparece

na ponla dos mastros por occasião de tor

menta.

Vasco da Gama contando a sua viagem ao

rei de Melinde diz tambem :

Vi claramente visto o lume vivo

Que a maritima gente tem por santo

Em tempo de tormenta e vento esquiva

De tempestade escura e triste pranto.

LUSÍADAS — CANTO v, EST.XVIU.

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- 289 -

Pag. 124

Ao som confuso da celeuma os naulas.

Depois das anacreonlicas, as odes, em que

Bocage sobresahio, são as saphicas. A suave

melodia do seu metro devia de agradar ao

excellente ouvido do poeta, que por oulro

lado devia preferir a saudade e ternura, que

nestas odes se expressa, ás divagações enlhu-

siasticas e philosophico — moraesj que fazem

objecto das odes pindaricas e horacianas.

Esta ode é dirigida a Lazaro da Silva Fer

reira, que foi quem, sendo governador de

Macau, proporcionou ao poeta meios de vol

tar a metropole.

Pag. 132

Canora Musa do culto Pindaro,.

O metro alcaico despresado pelos nossos

modernos escriplores, occu pados em fazerem

reyiver os .antigos metros nacionaes, não foi

contudo abandonado pelos nossos visinhos

da Hespanha. Zorrilla e Avellaneda fizeram

com versos alcaicos varias combinações.

Este melro não é desagradável ; o 'que é ex

travagante e de mau gosto é a combinação,

de que usa Bocage. com quasi todos os versos

esdruxulos, cuja repetição é desharmonica e

enfadonha. Mas é em semelhantes eslrophes,

que os nossos escriptores compozeram odes

aica i cas.

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— 290 —

EPISTOLAS

Pag. 157

Das epistolas, que Bocage escreveo ha pri-

zão, só copiamos duas, ainda que as restantes

não sejam inferiores. Como porem lera o

mesmo assumpto lornanvse monotonas.

Assim na que dirige a Henrique José de

Carvalho e Mello, Marquez de Pombal, filho

do grande ministro de D. José, diz o poeta :

Memoria e dor minha existencia provam.

e na que endereça ao Marquez de Ponte de

Lima repete:

Em carcere, a que o sol medroso, esquivo

Seu lume bemfeitor jamais envia,

Onde somente a dor me diz que vivo.

Pag. 168, v. 2

Sempre no mais cruel desasocego,

Sempre commigo mesmo em crua guerra.

O leitor imparcial não achara inleiramenle

desarresoada a imputação de eslafador de

anaphoras e antilheses, com que o nosso

poeta foi acoimado pelo seu rival José Agos

tinho de Macedo. E é forçoso lambem confes

sar que essa profuzão de anaphoras e antile-

ses não serve menos de deleitar o ouvido, que

de cobrir ás vezes bastante nudez de pensa

mentos. Mas estes defeitos, que tornaram

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- 291 -

celebre a eschola, Elmanista, foram augmen-

tados pelos imitadores de Bocage, os quaes

não lhe comprehendendo as bellezas, lhe

copiaram os defeitos.

Pag. 174, v. 26

Aqui vago em perpetuo labyrinlho,

Sempre em risco de ver maligno braço

No proprio sangue meu banhado e linlo.

Estes versos dito a conhecer o risco, que a

vida de Bocage corria em Goa.

Pag. 193, v. 25

Alli me disse Anarda o que eu não digo.

Este verso de poetica ingenuidade exprime

mais que quantos lindos ditos e amorosos re

quebros podem vir á memoria de um poeta,

o poeta ainda amoroso; que para exprimir

afleclos destes diz o Horacio francez :

Crest peu d'être poete ; il faut être amoureux.

ELEGIAS

Pag. 203

Eu vos saudo, oh Inmulús annosos.

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— 292 —

Esla elegia foi composta nos arredores de

Macau, onde havia um logar coberto de se

pulturas dos Chins.

O principe D. José, a cuja morle ella fo-

feita, morreu a 11 de Setembro de 1788.

Pag. 218, v. 18

A brilhante nação, que blasonava.

De exemplo das 'nações, o Ihrono abatos

E de um senado atroz se torna escrava

Allude á sanguinaria republica de 1792-93

ao governo da espoliação, do terror e da gui

lhotina. D'csla republica de violencias, op-

pressões, confiscações, emigrações, caplivei-

ros, proscripções e assassinios juridicos, diz

Lamarline : « Que não era um governo ; era

uma revolução, um desmoronamento com

pleto de uma sociedade finda. >

Pag. 223, v. 26

Ah ! veria o meu pincel vistosas cores

Que adocem, que mitiguem da saudade

O terno pranto, os fervidos clamores.

t Na elegia á morte de Joaquim Pereira de

Almeida depois de ter feito uma energica pin

tura dos diiferentes modos, porque, a mor

te se apodera de toda a humanidade, com

que ternura não rompe o poeta nesta affe-

ctuosa exclamação ! «

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— 293 —

Taes são as palavras de J. M. da Costa e Silva

citando o tercelo acima indicado.

DECIMAS

Pag. 235

Socrates, rei da razão. etc.

Veja-se o poema de Lamartine — La mort

de Socrate — onde se descreve bellamente a

morle philosophica, digna da vida do grande

mestre de Platão.

Pag. 236

Fernando avilta o brazão etc.

Esta gloza, bem como outras, que não

transcrevemos, foi feita por occasiao da decla

ração de guerra entre Portugal e a Hespanha

em 180Í.

Os versos 15, 16 e 17 da pag. 237

Oh Lusos l celeste abono

Venficai, merecei

Duro assalto removei.

Alludem de certo á conquista da praça de

Olivenca e á entrada do oxcrcilo hispano —

francez" no Alemtejo commandado pelo Prin

cipe da Paz D. Manuel Godoy.

j. v.

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- 294 —

EPIGRAMMAS

Pag. 240

Disem que o Caldas glolão.

O Padre Domingos Caldas Barboza, presi

dente da Arcadia, onde tinha o nome de Lo

reno Celynunthino, era grande comilão, bra-

zileiro, e linha as feições e a cor um pouco

amulatadas.

Costumava entoar as suas trovas acompa

nhando-se em uma viola, pelo que deu á col-

leccão d'ellas o titulo de Viola de Loreno.

Alguns amigos e incencadores deram-lhe

'lepois da apparicão deste livro a alcunha de

Theocrito portuguez. Bocage na guerra com a

Arcadia foi sobre elle que descarregou os pri

meiros tiros, por ser o Presidente. Depois,

sempre que o encontrava em alguma reunião

fulminava-o com o rediculo, de modo que o

pobre homem fugia de Bocage, como o diabo

da cruz.

O livro de Loreno chegou a Pariz e foi ás

mãos Philinlho Elysio: o poeta desterrado

não pode tolerar, que se profanasse o nome

do inspirado cantor dos campos da Sicilia

(Theocrito) dando-o ao mesquinho fazedor de

trovas auctor da — Viola de Loreno, — e des-

pedio-lhe lambem de lá a sua frechada em

reforço a Bocage, que já de persi só o linha

bem marlyrisado.

j. v.

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— 295 —

Pffg. 243

Bernardo envolto em limiste.

O Dr. Manoel Bernardo de Souza Mello era

nni pobre poela de cemiterios, que tecia ne-

nias aquantas pessoas ceifava a mão da morte ;

quiza sua má estrella divertir-se com elle, e

fel-o sahir d'enlre cypresles para as luelas do

Parnaso.

" • No primeiro vulto, que se lhe apresentou,

beliscou-lhe o calcanhar. Infeliz! O beliscado

era Bocage ! Voltou o poela o rosto e vio o

reptil engatinhando se-lhe nas botas ; sacudio-

as e despedio-lhe um soneto epigramatico,

que matou pelo rediculo o pobre carpidor de

iinados. Ainda o mimozeou com mais alguns

brindes, sendo este epigrama a ultima pá de

terra lançada na campa do aniquilado verse

jador.

Tanto este, como o Padre Caldas, e José

Daniel Rodrigues da Costa, auctor do Almo

creve das pelas, foram umas infelizes crealu-

ras, que Bocage cubrio de rediculo, e expoz á

gargalhada publica, em todas as partes, que

.lhe appareciam.

j. v.

EPÍGRAMMAS

Pag. 234 -IX

Quanto és, Dido, desgraçada

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- 296 -

Este epigramma é traduzido d'esl'oulro de

Ausonio —

Infelix Dido, nnli bene nupta marito;

Hoc perecente, fugis ; hoc fugienle, peris,

em que o auctor se aproveita do anachronis-

mo commettido por Virgilio na Eneida, o que

tambem fez Melaslasio na sua tragedia — Di-

done —

Esle mesmo já foi tradusido por Elpino Du-

riense (Antonio Ribeiro dos Santos) Se nos não

falha a memoria era esta a sua versão, ou

antes paraphrase:

Infeliz Dido

T3o mal casada

Com dous maridos

Es desgraçada."

Com ambos elles

Mau fado corres :

Morre tim e foges,

Foge o outro, e morres.

Felinlo Elysio (Francisco Manoel do Nas

ci menlo) linha-o tambem já tradusido em

dous versos soltos:

Dido infeliz ! a um e outro mal uniàa

Morre-te um — foges: foge-te outro — morres.

Pag. 245 -XIII

Estes epigrammas a um canapé velho tem

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- 297 -

uma historia engraçada e já muito sabida.

Fora Bocage visitar o seu amigo José Bersa-

ne levando vestidos uns calções novos de

seda; chegando á sala assentou-se em um

carunchoso canapé, que rangeu por todas as

juntas e com um prego rasgou os mimosos

calções do nosso poeta. Bocage levantou-se e

fulminou o canapé com uma tremenda des

compostura. «Não tens vergonha, lhe disse

Bersane, em eslar ahi a descompor o meu ca

napé em proza vil l Se lhe soubesses a edade

respeilal-o-ias mais —

Fugío do incendio de Troya,

Lá desse incendio vorax,

Enéas com o pae ás costas,

E o moco Go'aquillo alraz.

Qual historia! Olha isto ser só do incendio

de Troya t

Quando Deus formou o mundo

Em seis dias, como é 'fé ;

Ao septimo descancou

Aqui neste canapé.

Não, senhor, retorquio Bersane ; sabes mal

a idade do meu canapé ; por quanto:

Inda antes d'existir mundo ;

Einda antes de haver Adões

Já elle linha este préguinho,

. Com que rasgava calções.

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- 298 -

Ergo, meu amigo, tornou Bocage ; fique

mos intendidos e desenganados.

Quando a velha Eternidade

Por esta casa passou,

Disse áquelle canapé:

— A sua benção, meu avô. —

E assim devia de continuar este espirituoso

tiroteio, de que nada mais se conserva, o que

é sem duvida para sentir, pois mui curiosa

seria a colleccão de epigrammas que os dous

poetas jogaram contra o decrepito canapé.

j. v.

APOLOGOS

Pag. 256 '

O rei dos animaes o rugidor leão etc.

Não nos consta que nenhum poeta anterior

a Bocage escrevesse em alexandrinos, que s5o

para os francezes o que para nos são os hende

casyllabos. Ultimamente o Snr. Antonio Fe-

leciano de Castilho n'uma poesia ao Impera

dor do Brazil, que precede o seu estudo dra

matico — Camõens — mostrou quanto pro

veito pode tirar deste metro um bom versifi-

cador.

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— 299 —

SATYRAS

Pag. 260

Ou do bom Daniel na terrea estancia.

Assim se chamava um chapeleiro do Rocio,

onde Macedo tua passar as turdcs.

Pag. 266 '

Se o Rival de Virgilio ouvisse os versos

Este rival de Virgilio é Delille, auctor do

poema os jardins que Bocage tradusio.

Pag. 267 v. 2

Ousa mais — a Lusiada na sumas.

Esta Lusiada foi publicada em 1811, como

titulo de.Garna e annos depois refundida, am

pliada e publicada com o nome de — Oriente.

Pag. 277 v. 7

O prologo alteroso, em que abocanhas

Do luso Homero as veneraveis cinzas.

As douctrinas expendidas por J. A. de

Mecedo, que queria, abatendo o merito da

famoza epopeia os Lusiadas, elevar o do seu

0m»/e,-,foram combatidas por Nuno Alvares

Pereira i -\tu Moniz. E' originalíssima a se-

Í9

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- 300 -

giiinte decima, que enlão appareceu, e cujo

auclor se ignora ;

Ao Parnaso quer subir

Novo rival de Camões,

E das loucas preterições

As Musas se põem a rir : ."

Apollo, sem se affligir, '.. i

DWarle diz ao casmurro :

« Pode entrar, que não o empurro,

« Não me vem causar abalo,

» Já cá sustento um cavallo,

. t Sustentarei mais um burro. »

ERRATAS. !•>'; .1 i ' r . i ; ': • • .li-:

Pag. -26, v. 3 — O sol, é a que ele. deve lêr-se —

O sol e a que. O musmo erro sahiu nas nolas.

Pag. 153, v. 14 deve lèr-se — Nem teus quebros

por lá, nem leu'6 .gorgejos. !

Pag. 178, v. 2 — Ouvidus ha tantos etc.-deve sei —

Ouvidos ha tanto, , . , -,

Pag. 182, v. 5, em logar de pavor, deve lêr-se —

favor.-

Pag. SUO v. 8, em Jogar dê moas, deve ser — mãos.

Pa:g.240. v. l — Diitm que Caldas, deve lêr-se —

Dizem que o Galdife ; • '." . '

Pag. 245, v. 14 '-<. jjffartar, deve sen— a fartnr. —

Pag. -2fi2> rv.->23-:-i, seguiu-se-lhe, deve '2r-se ae-

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INDICE

Pag.

ADVERTÊNCIA DO EDITOR ... . 3

ESBOÇO IMOGRAPHICO . . .5

SONETOS: desde a png. 9 a - . . 88

CANTATAS : — Medéa . . . 89

' — A' 'morte de Ignez de Castro. . 95

— A' morte de Leandro e Hero . . 102ODES : — Ao Ex.mo snr. José deSeabra da

Silva . . . r, . 110

— Alegorica — Moral : O Quadro da vida

humana \. .,. . , ,. . . 115

— Odes Anacreonlieas: — A borboleta. 118

— OdêsSaphicas : — A Gratidão . T24

— Ode Alchaíca. , . . 132

IDÍLIOS : — idílio maritimo, Tritão . .137

— idilio pnsloril,— Filena, ou a- saudade 143

— idilio pharmaceulrio — Crinaura, ou

o amor magico . ,. . 147

-— idilio — A saudade materna . 153

EPISTOLAS; — ,âo lllm.° e Ex.™ snr. Mar

ques de Pombal ' . . . 157

— Ao'Illm.° 'e fix.™0 snr. Harquez de

Ponte do Lima . ' . . . 162

— A Gertruria . . ,,•'•.. 165

— A Josino ' . ' . ".,.,; i . 172— A' íllm.* é Ex.ma snr.' D. Mariana

Joaquina Pereira Cbutinhò . . 177

— Ao Illm." snr. José Caldeira D'0rdaz

e£K«iroz, Barão de CáitelloNovoetc.etc. 183

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— 302 —

."

Pag.

— Ao lllm." snr. Sebastião Xavier Bo

telho .-.,-.. '. . . t85

CANÇÕES : — Ó Adeus . . . 189

— O Ciúme*- .... . 192— Ao Kx.ma snr. Lniz de Vascnncellos

e Souza, Vice-rei do estado do Rrazil . 197

ELEGIAS ; — A' morte do Príncipe D. José 203

— A Oiinta . 209

— A' morte da Rainha de Franea . 2l7

— Oferecida- a o snr. Joaquim Pereira,

d'Almeida, na morte de seu pae . 221

— A' morte do snr. João dos Santos ' .

Bersane ..,',. . . 226

— A' -morte do Marques d'Angeja . . 2^8

DECIMAS : — A morte di&acrates (impro-

( viso) . .' ' -. . . . 235

— Defender os patrins lares — Glaza , 236

— Quem pode deixar d'amar ? — Idem. 238

EPIGltAMMAS: _4 um g Io tão . ' . 240Definição do ouro . '-''';. '.• !. "248

— Epitaphio . '. : L,:.i.*J! •'..'/. 243

— J' cara d'uma estanqueira '" '.'. " .. .»— Ao'nariz da mesma . •'• , .•• ': " '. 244

— A um canapé antiquíssimo . ' , Í45— (De Marcial] . •'•'."• . ' ' . »

APOLOGUS : — -O corvo e o pavão. . 248 f

— O tnacaco declamando .. . 25

— O cão de fralda e a rapoza, ^ . . 252

— O tigre e a doninha . • . . 253

— O leão e o porco . . : . 256

SATYRA — Pena de Talião (ao padre José

Agostinho de Macedo) . . '. 257

NOTAS DO AUCTOR .... .... 271

NOTAS . . . , ; , 275

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JAN 2 3 1958

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