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C A P Í T U L O II ====================== OS IMIGRANTES INSURRETOS DE SCHIO QUE VIERAM PARA SÃO PAULO E PARA O BRÁS (Um estudo comparativo das principais características dos imigrantes de Schio que se dirigiram - depois das greves do “triênio vermelho” - para o Estado de São Paulo, para a Capital e para o bairro do Brás – entre 1891 e 1895 - das origens familiares à chegada à Hospedaria dos Imigrantes)

355tulo II pp 40-73 .doc) - UNESP: Câmpus de Assis · foi o Brasil. 9 O Setor Demográfico da Prefeitura de Schio [Ufficio Anagrafe del Comune di Schio (UACS)], que coleciona cadastros

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C A P Í T U L O II

======================

OOSS IIMMIIGGRRAANNTTEESS IINNSSUURRRREETTOOSS DDEE

SSCCHHIIOO QQUUEE VVIIEERRAAMM PPAARRAA SSÃÃOO PPAAUULLOO

EE PPAARRAA OO BBRRÁÁSS

((UUmm eessttuuddoo ccoommppaarraattiivvoo ddaass pprriinncciippaaiiss ccaarraacctteerrííssttiiccaass ddooss iimmiiggrraanntteess ddee SScchhiioo qquuee ssee ddiirriiggiirraamm -- ddeeppooiiss ddaass

ggrreevveess ddoo ““ttrriiêênniioo vveerrmmeellhhoo”” -- ppaarraa oo EEssttaaddoo ddee SSããoo PPaauulloo,, ppaarraa aa CCaappiittaall ee ppaarraa oo bbaaiirrrroo ddoo BBrrááss –– eennttrree

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Capítulo II: Os imigrantes insurretos de Schio que vieram para São Paulo e para o Brás.

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E foi assim que o operário do edifício em construção/ Que sempre dizia sim, começou a dizer não/ E aprendeu a notar coisas a que não dava atenção:/ Notou que sua marmita era o prato do patrão/ Que sua cerveja preta era o uísque do patrão/ Que seu macacão de zuarte era o terno do patrão/ Que o casebre onde morava era a mansão do patrão/ Que seus dois pés andarilhos eram as rodas do patrão/ Que a dureza do seu dia era a noite do patrão/ Que sua imensa fadiga era amiga do patrão./ E o operário disse: Não! E o operário fez-se forte/ Na sua resolução. (Vinicius de Morais) _________________________________________________

11.. NNoo pprriinnccííppiioo,, oo ccééuu ddeessaabboouu ssoobbrree SScchhiioo Em 17 de fevereiro de 1891, após 18 anos de ininterrupta “paz social” na pequena e industrializada Schio, província de Vicenza, Itália, os operários têxteis do maior estabelecimento industrial do país, na época, pararam as máquinas. Motivo: a empresa reduzira o preço das horas trabalhadas. Os operários, já esgotados com seus míseros salários não fizeram por esperar. Pronunciaram a palavra maldita: greve! Foi – usando a metáfora bíblica - como se o véu do templo fora rasgado por um ato coletivo de incontinência. Afinal, a ideologia da harmonia entre as classes havia, aparentemente, prevalecido nas relações entre os trabalhadores e os administradores do capital. Assim, tudo isso ruía: a força de trabalho passou a não mais produzir novos valores. Às centenas, saíram a campo sem qualquer estrutura que os pudesse sustentar, sindical ou de qualquer outra natureza. Um ou outro grupo de anarquistas e socialistas reunia-se aqui ou acolá, mas nada compacto. Quase toda a mobilização se deu de modo espontâneo. Ocuparam com seu cortejo as principais ruas centrais da cidade e finalizaram a manifestação no largo, então, intitulado Valetta dei Frati, realizando ali, até o quinto e último dia da paralisação, suas clamorosas assembléias. Estavam absolutamente a sós desde o início e, assim, resistiram até a exaustão! As instituições todas interferiram de modo a finalizar com aquele movimento. Mobilizou-se da imprensa à polícia. Os representantes do Capital mantiveram-se mudos o tempo todo! Apesar dos trabalhadores terem eleitos sua comissão de negociação, nada de efetivo aconteceu em seu favor. Sofreram, portanto, de um lado, uma fragorosa derrota devido às parcas e desiguais condições de confronto e, por outro, pela intransigência patronal que nada fez para solucionar o impasse, porque via com bons olhos a deflagração do conflito capital-trabalho, com vistas a proceder uma “limpeza” nos quadros politizados do lanifício, substituindo, por extensão, a maioria dos operários homens por mulheres trabalhadoras, cujos níveis salariais eram sistematicamente mantidos abaixo dos patamares masculinos.1

O epílogo trágico de tamanha ousadia era facilmente previsível, o La Provincia di Vicenza, jornal de matriz conservadora e de circulação ampla na região de Schio daquela época, assim escreve:

Lo sciopero di Schio – È terminato! 21-2 Lo sciopero cagionato dalla riduzione della tariffa sulla mano d’opera fu parziale, dei tessitori soltanto. Persistendo essi a non lavorare, il sig. Giovanni Rossi ordinò la chiusura dello Stabilimento Centrale. (...) Questa mattina la campanella dello stabilimento centrale annunziava ripreso il lavoro, e cogli altri operai, tutti i tessitori furono al loro posto. (...) Gli operai andando all’Opificio ne ridevano sicuri di sé stessi, e questo è l’único, il più eloquente epilogo di un istante di scoraggiamento che da certa gente sarà strombazzato come gravissimo sciopero.2 Antes desse desfecho, uma delegação operária havia-se dirigido até Santorso para conversar com Alessandro Rossi, no intuito de convencê-lo a intermediar as negociações e conseguir demover a direção da fábrica, cuja gerência estava a cargo de seu filho, o ‘Cavallieire’ Giovanni, a não rebaixar seus parcos salários. Sua peremptória resposta foi relatada pelos embaixadores proletários ao jornalista Giuseppe Bertizzolo que, alguns anos depois, a descreveu com as seguintes palavras: 1 Cf. VERONA, Antonio Folquito I xe come la zavorra ... op. cit., pp. 247-152. 2 La Provincia di Vicenza, Vicenza, a. XII, no. 51, 1891, p. 3.

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Capítulo II: Os imigrantes insurretos de Schio que vieram para São Paulo e para o Brás.

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[Il senatore Rossi disse] (...) che non poteva assolutamente addivenire a qualsiasi miglioramento (...) e che era nella necessità di fare questo ribasso onde assicurarli il lavoro, che diversamente doveva respingere le commissioni avute e mandarli a spasso. Si vede [concludeva l’articolista] che il senatore Rossi non arrivò a capire la causa della sottoconsumazione.3 O discurso pronunciado pelo renomado empresário e senador do Reino da Itália, naquele momento fatídico, onde propunha claramente aos operários que aceitassem o rebaixamento dos salários para que lhes fosse garantido, em contrapartida, o nível de emprego nos é assaz familiar. Mostra quanto o liberalismo, pretérito e hodierno, se utiliza dos mesmos estratagemas para conseguir reduzir a massa salarial, achatando-a, para otimizar os lucros do capital. Na lógica dos interesses dominantes, a greve deveria terminar sem que nada fosse concedido. Os trabalhadores deveriam voltar à fábrica assim como dela saíram. E assim foi. Na assembléia dos acionistas do Lanificio Rossi SpA. realizada em Milão, logo após o término da paralisação, o senador Rossi, explicando o rebaixamento efetuado afirmava que:

(...) [i salari dei] tessitori della fabbrica centrale erano non solo e di gran lunga i più alti d’Italia anche secondo gli annali di statistica di Bodio; ma più alti che in Francia, in Austria, nel Belgio e soprattutto in Germania (...) Il cav. Giovanni Rossi, stretto dalla concorrenza, rivide gli stati della produzione e trovò che dal 1884 al 1890 la spesa della pura mano d’opera di tessitura si era aumentata del 37% mentre quella della produzione non aumentò che del 17%. (...) D’onde la necessità di ridurre varie tariffe dal 10 al 15%, alcune dal 18 al 20%, parte lasciandole intatte. (...) Coteste tariffe pei tempi che corrono (...) la fabbrica centrale non potrebbe nemmeno mantenerle qualora venisse ribassata l’attuale tariffa doganale; non solo i tessitori, anche altri operai vennero dalla Centrale ritoccati – ad esempio i filatori che guadagnavano L. 5,50 al girno, vennero ridotti a L. 5 e se ne dicono contenti.4 O senador enganara a ilustre platéia ao citar a aceitação de alguns ao infame arrocho. A maioria nervosamente havia reagido de outra maneira. A altivez dos operários, entretanto, não impediu que a direção do Lanificio Rossi SpA., passada a turbulência paredista, lançasse mão de uma sistemática e violenta repressão contra os trabalhadores insurretos. Os gerentes identificaram, em primeiro lugar, as poucas lideranças e as demitiram imediatamente. Depois foram as centenas dos participantes comuns, que sofreram toda a sorte de ameaças e convites para abandonarem a fábrica.5 E, finalmente, o rebaixamento salarial mantido para amplas categorias! O resultado imediato dessa operação ‘profilática’ foi, além das eliminações definidas pela administração da fábrica, uma avalancha de pedidos de demissão e desligamento por parte de operários descontentes. Uma correspondência, enviada de Torrebelvicino, publicada na época esclarecia os motivos dessas demissões voluntárias:

Dopo l’allontanamento successo di tanti operai che emigrarono in America al principio del 1891 molti dei quali si licenziarono volontariamente piuttosto di cedere alle pessime condizioni che volevano sottometterli gli industrili capitalisti e diversi licenziati perché rei della fede al Socialismo non condividevano l’idea dei loro padroni (...)6

A “paz social” havia sido quebrada e a “desordem” restaurada. Uma pequena paralisação aconteceria novamente três meses depois, com idêntico resultado. Outras mais

3 G.B. [Giuseppe Bertizzolo] Cose del Lanificio, in “Giornale Visentin”, 07/07/1895. Apud SIMINI, Ezio Maria Le origini a Schio.

In FRANZINA, Emilio (a cura di) La classe, gli uomini e i partiti - Storia del movimento operaio e socialista in un provincia bianca: il Vicentino (1873-1948). Vicenza, Odecrilibri, 1982, vol. 1, p. 205.

4 La Provincia di Vicenza, Vicenza, a. XII, no. 53, 1891, p. 3. 5 Simini levanta a hipótese de que a direção do Lanifício tenha se utilizado da Società di Mutuo Soccorso para ampliar os subsídios

aos operários que desejassem emigrar. Cf. SIMINI, Ezio Maria Le origini a Schio ... op. cit., pp. 206-207. 6 Giornale Visentin dell’11/6/1893. Apud SIMINI, Ezio Maria Le origini a Schio ... op. cit., pp. 230-231.

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Capítulo II: Os imigrantes insurretos de Schio que vieram para São Paulo e para o Brás.

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viriam nos meses e nos anos sucessivos. Muitos desses operários “subversivos” de 1891 optaram por deixar Schio, o Vêneto e até mesmo a Itália.7 22.. AA iimmiiggrraaççããoo:: uummaa hheemmoorrrraaggiiaa iinneessggoottáávveell Os relatos falam de uma ‘fiumana’8 de homens, mulheres, crianças, velhos e parentes que abandonou Schio ao longo daquele ano todo, seguindo o caminho já aberto por outros. Rumaram para quase todos os continentes. Dos vários países que aportaram, o principal deles foi o Brasil.9 O Setor Demográfico da Prefeitura de Schio [Ufficio Anagrafe del Comune di Schio (UACS)], que coleciona cadastros de população desde o recenseamento napoleônico, passando pelo período subseqüente, de dominação austríaca, até o controle efetivo organizado pelo Estado italiano a partir da unificação do Vêneto à Itália, ocorrida exatamente em 1866, registrou que um grande fluxo migratório se deslocou para o Brasil, sendo que a mais expressiva leva chegou durante o ano de 1891 e algumas outras menores aportariam no país até 1895.10

Os que emigraram tiveram anotados em sua ficha familiar o destino genérico a ser almejado, isto é: “Brasile”. Essa informação, com certeza, foi transmitida ao órgão público encarregado por parentes e conhecidos. Na falta de dados precisos, entretanto, o funcionário encarregado de atualizá-las anotava o destino, às vezes, somente com o termo: “America”, como se ambos fossem sinônimos. Somente em anotações bem posteriores ao período da imigração é que aparecem anotações mais precisas como: “San Paolo”, “Rio Grande do Sul”, “Rio de Janeiro”, etc.11 O desconhecimento da efetiva ubiqüidade dos lugares brasileiros de destino é bastante comum. Uma publicação italiana recente confunde São Paulo com Petrópolis, afirmando que um determinado imigrante vivera na primeira cidade, quando de fato se fixou na segunda e o que se sabe é que jamais pisou o solo paulista. Contudo, essa desassociação geográfia é mais universal do que se pensa. Para exemplificar, trazemos o comentário de Mikhail Naimy sobre as perguntas que as pessoas comuns faziam quando seu pai voltou ao Oriente Médio, depois de passar algum tempo nos Estados Unidos:

(...) Uma mãe indagava a respeito de seu filho no Equador, uma esposa sobre seu marido na Argentina, um irmão sobre seu irmão nas Filipinas – inconscientes da distância entre estes lugares e a Califórnia, onde meu pai havia estado. Com exceção de poucos, toda

7 Sobre as duas greves sucessivas de têxteis naquela cidade, escreve Chilese: Sempre a Schio l’anno dopo i tessitori scenderanno in

sciopero per opporsi alla decurtazione dei salari, per 4 giorni, in massa (1300), ma senza alcun esito positivo; il 5 maggio dello stesso anno ancora i tessitori di Schio, questa volta in un numero molto più ridotto (18) scioperanno per 7 giorni con lo stesso risultato. CHILESE, Luciano. Aspetti e problemi dell’economia industriale nel vicentino di fine ‘800: occupazione, scioperi e salari. In FRANZINA Emilio (a cura di) La classe ... op. cit., p. 269.

8 Significa, literalmente, a cheia do rio. Neste caso, a utilizamos num outro sentido, como “grande multidão”, referindo-se ao deslocamento de grande quantidade de pessoas, que, na época, emigravam da Itália.

9 Além do Brasil, que de longe foi o que mais recebeu imigrantes de Schio, também a Suíça, a Alemanha, os Estados Unidos, a Austrália e em menor escala a Argentina acolheram grupos desses operários. Na Suíça, concentraram-se nas cidades da zona industrial de Zurique, às margens do lago homônimo. Dentre essas cidades, a que mais recebeu imigrantes de Schio foi Thalwil. Nos Estados Unidos, esses imigrantes se concentraram em duas cidades industriais: a Capital Nova Jersey e Paterson, localizadas, do outro lado do rio Hudson, em frente a Nova Iorque, já no Estado de Nova Jersey. A propósito da vinda ao Brasil dos operários de Schio, assim escreve Simini: Le nazioni che nel 1891 conoscono un grosso aumento di ospiti in arrivo, assai superiore all'incremento fisiologico annuale, sono l'Austria-Ungheria e la Svizzera e, in termini addirittura giganteschi, il Brasile. E` fuori discussione, perciò, che proprio verso quest'ultimo paese si diressero in massa i vicentini ed anche gli scledensi (...) Ma anche quelli che raggiunsero il Brasile poterono trovare sbocchi occupazionali in alcuni opifici tessili. SIMINI, E. M. Esclusione di operai e dinamiche sociodemografiche in un distretto industriale: l'emigrazione da Schio a fine Ottocento. In FRANZINA, Emilio (a cura di) Un altro Veneto: saggi e studi di storia dell'emigrazione nei secoli XIX e XX. Padova, Francisci Editore, 1983, p. 61.

10 Em números exatos, foram confirmados, até a presente data, a entrada de 1039 imigrantes de Schio no Brasil, entre 1891 e 1895. Algumas poucas famílias chegaram ao Brasil antes desse período, ainda na década de 1870, e outras mais viriam no período sucessivo que avançaria até a segunda década deste século. Contudo, em termos numéricos, esses pequenos contingentes foram insignificantes se comparados ao período aqui estudado. O imigrante Nicola Viero, amplamente citado ao longo deste trabalho, infelizmente, não foi identificado nos registros anágraficos de Schio durante a pesquisa que ali realizamos. Por faltar-nos seus dados biográficos e a certeza de que de fato vivera em Schio, consideramos melhor não incluí-lo na relação dos imigrantes que de lá vieram para o Brasil (São Paulo – Brás).

11 Deve-se levar em conta, também que a imprecisão permeava não somente as referências geográficas dos trabalhadores, alijados social e culturalmente das noções espaciais oficiais dominantes e, por isso, com pouquíssimas informações a respeito da real localização do Brasil, vindo a confundi-lo, assim, com outras regiões americanas, mas também dos funcionários e burocratas europeus, responsáveis pelo controle das partidas.

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Capítulo II: Os imigrantes insurretos de Schio que vieram para São Paulo e para o Brás.

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essa boa gente não fazia nenhuma distinção entre uma parte das Américas e outra – tudo era apenas uma ‘Merica’ (...)12 Além dos registros de Schio, contribuíram também para identificar e localizar o destino dos imigrantes os registros da antiga Hospedaria dos Imigrantes, hoje sob a custódia do Museu do Imigrante (MI); os registros obituários dos cemitérios paulistanos pesquisados no Arquivo Histórico do Município de São Paulo (AHMSP); e as parcas lembranças dos familiares residentes no Brasil. A partir desse acervo, podemos afirmar que essa imigração se espalhou pelos Estados da região Centro-Sul do País.

TABELA 02

IMIGRANTES DE SCHIO NO BRASIL (1891-1895) NÚMERO DE FAMÍLIAS E DE IMIGRANTES POR ESTADO

NÚMERO DE IMIGRANTES

ESTADOS

BRASILEIROS

NÚMERO DE

FAMÍLIAS HOMENS

MULHERES

TOTAL

MÉDIA DE PESSOAS

POR FAMÍLIA

ESPIRITO SANTO

1

3

0

3

--

MINAS GERAIS

1

5

7

12

--

RIO DE JANEIRO

13

32

21

53

4,0

RIO GRANDE DO SUL

42

91

68

159

3,7

SÃO PAULO

81

149

108

257

3,1

NÃO IDENTIFICADOS

151

322

233

555

3,6

TOTAL

289

602

437

1.039

3,5

Fonte: UACS – MI - AHMSP

Os Estados brasileiros que receberam contingentes migratórios de Schio foram, por ordem de grandeza numérica: São Paulo, 257; Rio Grande do Sul, 159; Rio de Janeiro, 53; Minas Gerais 12; e Espírito Santo, 3. Entretanto, deve-se considerar que 555 pessoas não tiveram seus destinos ou desembarques identificados.13

Merece sublinhar, preliminarmente, que, além do grande contingente de imigrantes que

se deslocou para São Paulo, um expressivo grupo se dirigiu, como já foi citado, ao planalto do Rio Grande do Sul.14

12 NAIMY, Mikhail. A New Year. Apud TRUZZI, Oswaldo Mário Serra Patrícios: sírios e libaneses em São Paulo. São Paulo,

Hucitec, 1997, p. 189. 13 A família de Antonio PRESSANTO, segundo fontes orais familiares, teria se fixado, inicialmente, em Videira (SC).

Posteriormente, nessa cidade os filhos teriam aberto uma cervejaria, hoje de renome. Entretanto, não encontramos qualquer outro registro que confirme ter sido esse o primeiro destino. Cf. tb. UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 513 A – Pressanto, Antonio.

14 Cf. FORNER, Débora et alii Rezar e Trabalhar – a História da Vila de Galópolis. Caxias do Sul, Universidade de Caxias do Sul, monografia, Dezembro de 1990, p. 16. Aqui os autores afirmam que os trezentos e oito tecelões, juntamente com seus familiares, foram obrigados a imigrar para o Brasil, sob pena de serem presos. É necessário esclarecer que não há registros de nenhuma natureza atestando que os operários ao abandonarem Schio o fizeram pelo receio de serem aprisionados. Ao contrário, parecem ter tido maior incidência as motivações advindas do desencanto com as condições de trabalho locais e pelo desejo, alimentado pela campanha em favor da emigração para o Brasil, de reconstruir uma nova vida, muitas vezes, é verdade, passaram-lhes uma imagem falsa do país que os receberia. Em segundo lugar, o número de imigrantes citado, 308 sobreviventes, não corresponde ao que contabilizamos desembarcando no Brasil, durante o ano de 1891. Essa quantidade poderia expressar somente o contingente que poderia Ter se fixado no Rio Grande do Sul. Imprecisões semelhantes foram reproduzidas no texto de um artigo, publicado pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre, onde se afirma que: No início de 1890, um comício promovido pelos operários do Lanificio Rossi, na cidade italiana de Schio, provocou a expulsão de 308 tecelões. Tiveram que deixar a empresa e o país. Eles protestavam contra a redução de 20% dos seus salários. As autoridades ficaram do lado do conde Alexandre Rossi, que perdoou

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Capítulo II: Os imigrantes insurretos de Schio que vieram para São Paulo e para o Brás.

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É provável que para lá tenham se dirigido, malgrado a omissão dos registros de Schio,

muito mais imigrantes do que se pôde catalogar. Por outro lado, é necessário ressaltar que os aludidos operários imigrantes de Schio já foram objeto de estudos no Rio Grande do Sul. Segundo a historiografia riograndense teriam partido de Schio 308 operários, destes se fixaram na, então chamada “5a. Légua” (Nossa Senhora da Maternidade) do Município de Caxias, hoje distrito de Galópolis, as famílias de Giovanni Battista Mincato; Giuseppe Comerlato (Maria Pagliosa, esposa); Giuseppe Berno; Giuseppe Bolfe (Maria Dalmedico, esposa) ; Giuseppe Casa (Lucia Cortese, esposa) e respectivos filhos. A partir de sua iniciativa fundou-se, em meados da década de 1890, a “Cooperativa de Tecidos de Lã” que encampava a “Sociedade de Tecidos Tevere” e a “Sociedade Novità”, dissolvidas em assembléia dos sócios aos 4 de fevereiro de 1917. Entretanto, olhando atentamente a origem desses operários encontramos alguns dados que não avançam precisamente na direção apontada pelos estudiosos do Sul. Sem querer tirar o brilho que envolve a iniciativa industrialista comentada até no além-mar é imperioso dizer que muito provavelmente vários desses operários tiveram suas origens em municípios limítrofes de Schio, onde também havia unidades fabris do Lanificio Rossi SpA em funcionamento: Torrebelvicino, Pievebelvicino e Piovene (Rocchette). Nesses locais ocorreram, no mesmo período, movimentos reivindicativos de natureza semelhante ao de Schio. Para exemplificar apresentamos dois casos significativos. O primeiro refere-se a Emilio Casa, que em 1o. de setembro de 1937, era funcionário do Lanifício “São Pedro” (hoje Sehbe) e filho de Giuseppe Casa (espso de Lucia Cortese), a quem se atribui ser um dos fundadores da “Cooperativa de Tecidos de Lã”, nasceu exatamente em Pievebelvicino e não em Schio, aos 20 de maio de 1889. Chegou ao Brasil, com a família, entretanto, aos 4 de agosto de 1891, pelo porto de Rio Grande, muito provavelmente seguindo, assim, as sendas dos imigrantes partidos de Schio.15

Outro caso que vale ressaltar, dos cinco mencionados protagonistas, é o de Francesco

Comerlato. Era filho de Giusppe Comerlato (e de Maria Pagliosa), este também um dos fundadores da “Cooperativa de Tecidos de Lã”. Francesco, entretanto, nascera provavelmente num município próximo de Schio chamado na época de “Valli dei Signori” (hoje, Valli del Pasubio), aos 4 de abril de 1871, chegaria ao Rio Grande do Sul, em 27 de novembro de 1882, isto é, há quase dez anos antes da imigração de Schio acontecer. Que vínculo prévio poderia tê-lo ligado aos operários que viriam depois?16

Não há dúvida de que todos tinham origem operária, o que não vale dizer que eram

obrigatoriamente de Schio. Seus nomes, não foram detectados por nós nos arquivos demográficos escledenses quer por ali não figurarem, quer por não aparecer qualquer indicação de comprovada emigração, o que era muito raro. Deve-se levar em conta, também, que na época de que estamos tratando, referia-se preferencialmente à cidade de Schio porque ali se situava a sede da empresa de referência: a Lanerossi. A cidade constituía-se num parâmetro regional, em italiano chamado de “circondario”. Outro dado que se deve considerar é que muitos operários empregavam-se em unidades fabris de municípios diferentes como: Magré e Santorso aproveitando de sua proximidade geográfica.17

apenas os grevistas com família. Os solteiros vieram parar no Brasil ZERO HORA, Porto Alegre, 04/12/96, Fasc. Esp. In http://www.paginadogaucho.com.br/hist/cs.htm. Segundo a documentação da época e a historiografia produzida em Schio nos confirmam, houve efetivamente uma greve prolongada e não apenas um comício, como aqui se afirma. Não há notícias nos documentos italianos que dêem conta do referido indulto aos casados com a conseqüente punição aos solteiros. O levantamento mostra-nos a presença significativa de famílias inteiras entre os que aportaram no Brasil, preferencialmente para o Rio Grande do Sul.

15 ASPLSP: Registro de Empregados – No. de ordem: 10? (21) – Emilio Casa – 01/01/1937; 16 Os Comerlato e os Pagliosa têm, seguramente, origem no município de Valli del Pasubio e não em Schio, segundo dados colhidos

dos registros de casamento da Catedral de Caxias do Sul (RS). Cf. ACDBCS: Livro de Registros de Casamento No. 5 (1894-1896) – Catedral de Caxias do Sul, pp. 211 e 233. Dois operários irmãos Nicodemo e Valentino Comerlato, que haviam nascido nos Estados Unidos, e que haviam chegado no Brasil, em maio de 1911, foram empregados no Lanifício São Pedro, respectivamente, a partir de 2 de abril de 1917 e 1º de julho de 1915. ASPLSP: Cf. Registro de Empregados – No. de ordem: 102 (24) – Nicodemo Cumerlato – 01/01/1937; e No. de ordem: 103 (15) – Valentin Cumerlato – 01/01/1937.

17 Circondario - termo da nomenclatura político-administrativa italiana que corresponde ao da microrregião administrativa em uso no Estado de são Paulo. Atualmente, corresponde à área compreendida, além de Schio, pelos municípios de Pievebelvicino, Torrebelvicino, Valli del Pasubio, Santorso, Piovene-Rocchette, Cogollo del Cengio e Marano Vicentino. Neste caso, porém,

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Capítulo II: Os imigrantes insurretos de Schio que vieram para São Paulo e para o Brás.

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Giovanni Battista Manea, entretanto, era de Schio. Ali nascera aos 17 de outubro de 1888. Chegou, aos 3 anos de idade. Era o filho caçula de uma numerosa família de 7 pessoas, que veio no comboio da imigração de 1891. Inicialmente, deve ter residido em Caxias do Sul mas, posterior e definitivamente, em Galópolis. Empregou-se no Lanifício ‘São Pedro’ aos 18 dias de fevereiro de 1914 e, em janeiro de 1937, desempenhava aí a função de “contramestre”.18

Portanto, como se pode observar, a história da imigração de Schio para o Rio Grande do Sul está indelevelmente associada à fundação do distrito de Galópolis, e da citada cooperativa industrial têxtil, depois transformada, como já vimos, Lanifício “São Pedro” e, hoje, Lanifício Sehbe S.A.19 Independentemente de suas origens específicas, esse contingente de trabalhadores que veio da região de Schio deu vida a um insólito empreendimento de matriz industrial - dentro de uma área eminentemente rural - alterando e dinamizando qualitativamente os processos produtivos até então existentes naquela região. Caxias do Sul tornou-se um pólo industrial – não nos esqueçamos dos Ebberle – também por iniciativas como a dos construtores da “Cooperativa de Tecidos de Lã”. Esses operários malgrado eventuais vínculos com as idéias socialistas e anarquistas estavam, sob a ótica econômica, integrados ao circuito das mercadorias. Detinham um saber desconhecido da grande maioria dos imigrantes vênetos, trentinos e lombardos que povoaram o planalto gaúcho, originários do campo. A propósito, assim escreve Vânia Merlotti:

(...) il caso particolarmente interessante della città operaia di Galópolis, formata inizialmente da un gruppo di operai di Schio, licenziati dalla Lanerossi e immigrati a fine Ottocento, i quali, organizzati in cooperativa, fondarono un piccolo lanificio. La città operaia ad esso collegata, nata per l’esigenza di attirare, concentrare e fissare in un contesto urbano una potenziale manodopera disseminata nelle colonie agricole (...)20 A tecelagem nascida das mãos operárias, entretanto, teria outro fim, conforme nos atesta, sob outro enfoque, um incógnito autor:

Um grupo tentou a sorte em Caxias, em terras devolutas da quarta e quinta légua. Construíram rodas d'água e montaram uma cooperativa para uma pequena tecelagem de lã. Em 29 de janeiro de 1898 era inaugurado o Lanificio São Pedro. Sem experiência administrativa, os italianos uniram-se a um antigo industrial de Piemonte que modernizou a empresa. Em pouco tempo, Hércules Galló assumiu o controle da indústria de tecidos de lã e o poder político na vila. Até hoje a localidade fundada pelos grevistas de Schio tem o nome de um capitalista.21

fizemos corresponder à região mais ampla que envolve o município de Schio e Tretto, depois da fusão, e ainda Malo ,Monte di Malo, Thiene, Magré, San Vito di Leguzzano e Carré. Cf. RICATTI, Bernardetta & TAVONE, Francesco (a cura di) Archeologia Industriale e Scuola. Firenze, 2 ed, Manzuoli Ed.,1990, p. 155. Os locais de nascimento dos 34 noivos identificados como originários da província de Vicenza, que contraíram matrimônio na Catedral de Caxias do Sul, entre 1893 e 1896, foram: Caldogno (1); Piovene (1); S. Giorgio in Bosco (1); Sovizzo (1); Thiene (1); Tretto (1); Valdagno (1); Santorso (2); Schio (3); Torrebelvicino (3); Magré (4); Valli del Pasubio (6); Malo (9).

18 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 820 – Manea, Domenico; e ASPLSP: Registro de Empregados – No. de ordem: 10? (22) – João Baptista Manea – 01/01/1937;

19 Além de padroeiro do Rio Grande do Sul, o apóstolo é também, coincidentemente, orago de Schio. Sobre o deslocamento de migrantes escledenses para as diferentes áreas do Brasil, o historiador Mario Sabbatini, escreve que: Da Schio vennero anche alcuni operai dell'industria: fatto eccezionale per l'epoca in una regione di immigrazione agricola, che ci pare interessante ricordare perché‚ dimostra come dalla provincia di Vicenza provenisse non solo il flusso più numeroso dell'emigrazione veneta, ma anche quello più ricco di componenti sociali. Si trattava di una parte del folto gruppo di operai licenziati nel 1891 dal Lanificio Rossi in seguito ad un grande sciopero. Lo stesso senatore Alessandro Rossi aveva contribuito finanziariamente ad agevolare il loro espatrio in Brasile per garantirsi da ulteriori agitazioni. Alcuni si fermarono a San Paolo, altri a Porto Alegre, un gruppo si recò a Caxias do Sul (...) SABBATINI, Mario & FRANZINA, Emilio (a cura di), E. I Veneti in Brasile nel centenario dell'emigrazione (1876-1976). Vicenza, Accademia Olimpica, 1977, p. 37. Sabe-se, ainda, que um grupo de operários escledenses fixou morada também em Porto Alegre.

20 Cf. HEREDIA, Vânia Merlotti. 120 anos de imigração italiana. In Revista da Universidade de Caxias do Sul, Chronos, vol. 29 (1996), 1, pp. 128, numero monográfico. Apud http://www.italians-world.org/_vti_bin/shtml.exe/altreitalie/16_Riviste.htm/map.

21 ZERO HORA, Porto Alegre, 04/12/96, Fasc. Esp. In http://www.paginadogaucho.com.br/hist/cs.htm.

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Entretanto, as experiências não foram similares nas diversas áreas do país por onde passaram, malgrado a presença predominante do vínculo profissional com o setor secundário, marca indelével de sua condição originária. Outra menção que se faz necessária é para o grupo desses operários que se dirigiu às fábricas têxteis do Estado do Rio de Janeiro. Particularmente citada era uma tecelagem existente no distrito de Cascatinha, município de Petrópolis. Essa fábrica pertencia à Companhia Petropolitana e, pelos dados de 1906, ocupava cerca de 1100 operários, quase todos italianos. Na época era a única fábrica de tecidos de seda do Brasil. Seu fundador era um italiano de nome Edoardo Capitani.22

Outros rumaram ainda, em menor número, para Minas Gerais e Espírito Santo. Para esses Estados, foram apenas duas famílias e, devido ao isolamento territorial, não há qualquer registro que aponte para a integração delas com indústrias que porventura por lá se instalaram.23

Os que se dirigiram, especificamente, para o Estado de São Paulo, foram identificados, em grande parte, na documentação pesquisada junto aos arquivos da extinta Hospedaria dos Imigrantes, local, como já aludimos no capítulo anterior, situado no bairro do Brás e onde funcionava o gigantesco albergue para os imigrantes recém-chegados.24 33.. DDee SScchhiioo ppaarraa SSããoo PPaauulloo//BBrrááss:: uummaa ppeennoossaa ttrraajjeettóórriiaa

Dentre todas as famílias (289) de Schio que imigraram no Brasil, em 1891, 81 entraram e fixaram-se, definitiva ou temporariamente, no Estado de São Paulo. Malgrado as dificuldades em se obter a confirmação rigorosa do paradeiro da maioria dos imigrantes de Schio que foram para o restante do Brasil, se nos basearmos apenas nos dados fornecidos pelas famílias cujo paradeiro é conhecido, já nos é permitido afirmar que o fluxo para São Paulo foi, com certeza, o mais expressivo, se não o maior entre os demais. Esse significativo comboio compunha-se de 257 pessoas, que, em sua grande maioria, permaneceu por algum tempo na Hospedaria do Brás, estabelecendo com esse bairro seu primeiro contato.25

A cidade de São Paulo e, mais precisamente, o bairro Brás se tornariam, a partir de sua chegada, pontos indeléveis de referência dentro do território paulista e brasileiro. Como já vimos no capítulo anterior, esses espaços, exatamente no período 1891-1895, sofriam toda sorte de transformação com vistas à construção da sociedade industrial, nos moldes das metrópoles dos países do hemisfério Norte. Das 81 famílias que entraram no Estado, 16 se fixaram na Capital e, dentre elas, 8 foram localizadas no Brás. Em São Paulo, os Berton; Boniver; Casara;

22 PUBBLICAZIONE DEL FANFULLA op. cit., p. 260. Falando sobre a eficiência do ensino de italiano na escola de Cascatinha, o

autor da mesma publicação assim se manifesta: Miglior fortuna ha avuto la scuola italiana di Cascatinha, un piccolo borgo di 3.500 abitanti poco distante da Petropolis, dove si trovano più di 2.000 italiani, parte impegnati nella fabbrica di tessuti che dà vita alla località e parte dediti all'agricoltura, la scuola è mantenuta dalla Società di Mutuo Soccorso ed è molto frequentata, perché ha un eccelente maestro. Idem, pp. 796-797.

23 Esse contingente constituía-se de apenas 15 pessoas. Para Minas Gerais, foram os COSTABEBER, que acabaram se fixando em Tombos e aí permanecendo até 1914. Um de seus descendentes, por nome Segundo morreria, em 3 de abril de 1939, em Novo Mundo, ainda naquele Estado. Para o Espírito Santo, foram os DRAGO, cuja família era composta apenas pelo pai e dois filhos. O pai, Giovanni, morreria em 19 de junho de 1892, no hospital de Vitória. Os filhos regressariam à Itália nos anos seguintes. Cf. UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1476 a – Costabeber, Secondo; e Foglio di Famiglia no. 1434 – Drago, Giovanni.

24 Hoje, os pavilhões internos do prédio da antiga Hospedaria dos Imigrantes são, ainda, utilizados para albergar trabalhadores, agora nacionais, que vão a São Paulo em busca de colocação. Nas dependências fronteiras, funciona, atualmente, o Museu da Imigração.

25 As famílias de Schio que entraram no Estado de São Paulo, entre 1891 e 1895, foram: ANDRIGHETTO; BASSO; BELTRAME, Eugenio; BELTRAME, Guglielmo Luigi; BENETTI; BERTON; BICEGO; BONIVER; BORGHERO; BRESSAN; CAMPANA; CARPIN; CASARA; CERIBELLA; CHEMELLO; CHIARATI; CISCATO; CISCO; COR(R)À; CRESTANA; DAI ZOVI; DAL LAGO; DAL SANTO; DALLA COSTA, Pietro; DALLA COSTA, Stefano; DALLA VECCHIA; DANIELE; DANIELI; DE LUCA; FABBIANI; FERRARO; FRIZZO, Domenico; FRIZZO, Emilio, FUCCENECCO; GAFFI; GAVASSO; GHIOTTO; Bortolo; GHIOTTO, Vittorio; LAGO; LOSEO, Angela; LOVATO; LUCCARDA; MAGNANI; MALAGNINI; MARTINUZZI; MARZOTTO; MELO; MENIN, Girolamo; MENIN, Pietro; MILANI; NAZZO; PASQUALOTTO; PATRONCINI, Giovanni; PATRONCINI, Luigi; PEZZELATO; PIAZZA; POLI; RABBITO; RENZI; ROMAN; ROSSI; SALIN; SCAPIN; SCARAMUZZA; SEGALA; SELLA; TESCARI; TESSARI; TESSARO; TESTA; TOVAGLIA, Pietro Nicola; TOVAGLIA, Giuseppe; USTORIO; VICENTIN, Antonio; VICENTIN, Girolamo; ZALTRON, Giovanni (I); ZALTRON, Giovanni (II); ZALTRON, Giuseppe; ZAMBELLI; ZANELLA e ZANONI. Esse levantamento pode ainda ser acrescido, visto que muitas famílias entraram pelo porto do Rio de Janeiro, sem passar e deixar-se registrar na Hospedaria dos Imigrantes.

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Corà; Frizzo (Domenico e Emilio); Luccarda; Martinuzzi; Poli; Scaramuzza; Tovaglia (Giuseppe e Pietro Nicola); Vicentin (Girolamo e Antonio); Zambelli; e Zanella chegaram e ficaram. Dirigiram-se, com certeza, para o Brás estas famílias: Corà; Poli; Tovaglia (Giuseppe e Pietro Nicola); Vicentin (Girolamo e Antonio); Zambelli; e Zanella. Queriam reconstruir suas vidas. Uns precisavam refazer suas famílias. Por outro lado, todos, indistintamente, vieram para trabalhar, muitos ainda com a crença de que através dele poderiam amealhar alguma coisa e daí construírem algo melhor do que conseguiram até então. A rudeza das condições de vida encontrada, não os fez esquecer, porém, de manter alguma comemoração, alguma boa comida, o vinho de vez em quando. Havia entre eles os que não acreditavam mais na força regeneradora do trabalho, conscientes de que deviam, para melhorar suas vidas, reivindicar e lutar. Se trabalho, suor e lágrimas fizeram parte do cotidiano operário, boa parte deles foi deixada entre os muros caiados do cemitério da incipiente metrópole, onde enterraram seus entes queridos, principalmente suas criancinhas. Alguns chegariam até a aí morrer. Vários não suportaram as condições encontradas, voltaram ou deslocaram-se, em novo comboio, para outros lugares distantes, sempre em busca de sua grande utopia: a construção de uma vida melhor.

Neste momento, uma grande questão se nos põe: saber como eram esses imigrantes e quais as principais características da imigração escledense em São Paulo e, mais especificamente, para a Capital do Estado e o para o bairro do Brás. Buscando analisá-las sob o enfoque historiográfico, dando-nos conta dos aspectos demográficos e socio-econômicos que envolveram essa corrente migratória, não queremos perder de vista também que as centenas de histórias de vida que a compõem, resultantes da implementação de projetos individuais, da obtenção de algum sucesso, depois de amargados tantos fracassos, fizeram parte desse grande drama humano. Por isso, na medida do possível, os dados analíticos e estatísticos serão acompanhados de expressões e relatos de vicissitudes, anseios e utopias dessa parcela de imigrantes que procuraram encontrar na cidade de São Paulo e no Brás as condições necessárias para resgatar sua dignidade anteriormente ultrajada.26

Se, do ponto de vista numérico, esse contingente, como já dissemos, desapareceu diante da magnitude da “Grande Imigração”, os imigrantes de Schio trouxeram consigo um aporte patrimonial inestimável, forjado na história e na produção cultural de seus antepassados. Seus próprios sobrenomes carregavam as marcas deixadas pelos topônimos das áreas de origem, pelas artes e ofícios de seus ancestrais, pelas diversas línguas dos povos milenares - euganeus, vênetos, etruscos, latinos, germânicos e ciganos - que os constituíram. De sons tão variados como: Andrighetto, Bressan, Ciscato, Danieli, Fabbiani, Ghiotto, Lovato, Menin, Nazzo, Patroncini, Roman, Scarpin, Tescari, Ustorio, Volpe e Zaltron esses nomes podem ser encontrados em quase todas as províncias do Vêneto. Essa região italiana, situada a Nordeste da península, fora passagem obrigatória do Leste europeu para a Itália. Tornara-se, na Antigüidade, a única porta aberta a permitir que ostrogodos e longobardos chegassem ao âmago do que fora, outrora, o majestoso Império Romano. Por isso, o Vêneto já se transformara, muito antes dos deslocamentos populacionais hodiernos, numa terra de imigração. Entretanto, as crises agrícolas e a revolução industrial do séc. XIX produziram o processo inverso, de sumária expulsão.

Após sua incorporação, pelo Tratado de Versalhes (1815), ao Império Austro-húngaro, o Vêneto veria muitos de seus trabalhadores rurais sem-terras, os braccianti, mas também operários desempregados, serem obrigados a emigrar, em busca de ocupação, para regiões daquele Estado, mas também para outros países, principalmente da Europa central.

26 A respeito da presença e permanência dos imigrantes italianos na cidade de São Paulo, já no início da “Grande Imigração” escreve

Esmeralda Blanco: Dentre [os imigrantes (...)], muitos são os que, fixando-se na zona urbana, contribuem consideravelmente para a urbanização de São Paulo, contribuição essa, extensiva também ao setor secundário que, estimulado pelas novas funções da cidade, adquire maior expressão. O imigrante europeu, principalmente o italiano, que aflui em maior quantidade, amplia o mercado consumidor, inserindo, inclusive, novos hábitos de consumo. A população cresce, então vertiginosamente, sobretudo próximo ao centro – em função do comércio, das finanças, dos serviços públicos, da recreação – refletindo a expansão industrial e comercial da Capital, que se converte numa cidade ‘estrangeira’. DE MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro Mulheres e menores ... op. cit., p. 15.

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O fluxo migratório originário de Schio possibilitou que seus operários têxteis percorressem o caminho do êxodo que tantos outros já haviam feito, anteriormente, ao longo do século passado. Nesse novo contexto, contudo, a trajetória seguiria noutra direção, longe do continente. Dessa vez, o percurso tornava-se mais penoso e a meta a se atingir jazia num lugar bem mais distante das inicialmente procuradas. Os trabalhadores teriam que, lançando-se ao mar (Mediterrâneo), ultrapassar também um oceano (Atlântico) para alcançarem-na. A ruptura tomara um caráter mais definitivo e os vínculos com os que permaneceram se tornariam progressivamente mais tênues e esporádicos, até desaparecerem no tempo. O eventual retorno tornar-se-ia bem mais custoso e difícil. Malgrado muitos imigrantes vênetos, originários da zona rural, viessem colher café nas safras, voltando logo a seguir para casa, para os operários de Schio a separação com a terra mãe, tinha, a princípio, um caráter mais definitivo que muitos dos deslocamentos anteriores. Partiam em verdadeiros comboios, em grupos. Alguns se deslocaram apenas com um dos filhos. Se ainda solteiros, com um dos pais. Na grande maioria, partia a casa inteira. Os que chegavam na última hora, agregavam-se às pressas, vinculando-se a esta ou àquela família. Nicola Viero – o imigrante de Schio no Brás que nos legou seu testemunho – partiu num dos comboios de maio de 1891. Sua carta revela-nos as condições da partida e da viagem, quando escreveu:

Ecomi con questa mia col farti conoscere l'esito del mio (viaggio) da Schio fino qui.

Sappi che arrivai a Vicenza, ma dovetti aspettare fino alle ore 2,40 pomeridiane per Milano. Arrivato che fui andai subito a mangiare un boccone incompagnia dei miei amici. Poi sebbene ora tarda non feci ameno di andare a vedere la galleria Vittorio Em(manuele), il Duomo che mi resero tanta soddisfazione a vederle. Per il dormire me ne andai all'albergo della luna, alla Stazione, mintendi; alla fine partii alle ore 4.50 antimeridiane, ma quel viaggio non fu tanto felice, perchè le bottiglie perdettero la virtù il salado del sig. Battista lo terminai a Verona, dunque restai quasi svagligiato. (...)27 Nota-se pela descrição as condições precárias dessa viagem que, neste caso, como certamente o foi para a maioria dos imigrantes de Schio, realizou-se em trem e cuja trajetória seguiu o trivial percurso: Schio-Vicenza-Milão-Gênova. Malgrado tenha tido, talvez pela primeira vez na vida, a possibilidade de encher suas vistas, conhecendo a Galeria “Vitório Emanuel” e a catedral de Milão, Viero conta que, por falta de dinheiro para pagar um alojamento, teve que dormir ao relento (l’albergo della luna), na estação ferroviária daquela cidade, o que foi fisicamente possível por se encontrar nos meados da primavera. Teve que despertar de madrugada para embarcar. Faltou-lhe, ainda, comida durante o trajeto, pois o lanche que lhe havia sido preparado terminou logo no início da viagem, em Verona. E Viero continua a descrever sua viagem:

(...) Finalmente arrivai a Genova, subito me ne andai all'ufficio della navigazione per vedere e per sentire come andava quella istoria, e per assicurarmi l'ora della partenza. Poi pensai d'andare a mangiare un boccone e mediante una guida pratica della Città, andai in un'osteria Italiana cioè veneta; la mangiai benone vino abbastanza buono a cent. 60 al litro. Poi feci un giro per la Città per vedere qualche cosa di bello (...) Finalmente feci il dietro front e andai a mangiare una seconda volta, e con questo non tardò a venire la notte, e così me ne andai in compagnia di quatro amici a dormire in un'osteria con la spesa di una lira ciascheduno. Ecco arrivato l'ora della partenza. (...)28 Em Gênova repetiu o que havia feito em Milão, conhecer as atrações da cidade. Mas aqui foi obrigado a desembolsar o pouco que tinha, tanto para comer como quando compartilhou o alojamento com outros quatro companheiros de sorte. Pelo que se observa, tratava-se de um grupo de cinco homens avulsos29 que, segundo Viero afirmou, cada um teve que pagar uma lira pelo referido pernoite. Esta é, seguramente, uma característica marcante da 27 BCS: Lettera di Nicola Viero ... op. cit., p.1. 28 Idem. 29 Para homens “avulsos”, entendemos os adultos solteiros ou casados desacompanhados de suas respectivas famílias.

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imigração de Schio: os imigrantes não partiam sozinhos, estavam acompanhados de outros imigrantes, ainda que avulsos, solteiros ou casados. Mas, afinal, como estavam organizados esses comboios? É o que veremos a seguir. 33..11.. CCoommoo ppaarrttiiaamm ooss qquuee iimmiiggrraarraamm?? A Tabela 02 apresentada nas primeiras páginas deste capítulo, contém os números gerais da imigração de Schio para o Brasil. Nota-se que o número médio de pessoas por família vindas para o país é da ordem de 3,5, quantidade pequena se comparada à imigração vêneta em seu conjunto. Uma primeira marca da imigração de Schio é sua diferenciação com respeito ao enorme fluxo que se originou nas colinas e vales de Belluno, Vicenza e Treviso, em meados da década de 1870, e na planície do Pó, especialmente nas províncias de Mântua, Pádua e Rovigo, dez anos depois, onde – malgrado suas peculiaridades - as famílias camponesas e de “braccianti”, muito numerosas e conservando ainda a estrutura patriarcal predominante na zona rural vêneta, vendiam tudo o que, porventura, possuíam em suas aldeias e se deslocavam para as áreas receptoras transoceânicas, não deixando para trás algum vestígio e desfazendo-se de qualquer perspectiva de retorno.30 Mas, no interior da imigração de Schio há também ligeiras diferenças entre as várias correntes. Nesse caso, é mais apropriado falar em correntes imigratórias que imigração, no singular. Essas várias imigrações aconteceram protagonizadas pelo mesmo grupo social – a força de trabalho industrial daquela cidade - num mesmo período: os anos 1890. A escolha da área de destino, de fixação definitiva ou temporária, em certa medida, exigiu, também, um tipo “familiar” mais adequado, tendo em vista, é claro, o passado recente dessas famílias. Se tomarmos os fluxos mais expressivos que partiram de Schio, isto é: para o Estado de São Paulo, Rio Grande do Sul e o extenso segmento dos “não identificados”, veremos que há famílias mais numerosas, no segundo caso (3,7), comparadas às congêneres que se fixaram em solo paulista (3,1). Chegaremos à proporção semelhante se tomarmos em consideração o terceiro caso: as de destino incógnito (3,6), com certeza, rumaram para o Rio Grande do Sul, conforme já advertimos. Podemos dizer que as diferenças e semelhanças entre essas várias correntes migratórias poderiam ser sintetizadas assim: as famílias operárias residentes em Schio, de origens diversas – recentemente agrícolas, em processo de proletarização e completamente proletarizadas – romperam com os vínculos da indústria escledense abruptamente, motivadas pela crise nas relações de trabalho; num mesmo instante – entre fevereiro e maio de 1891 - e encontraram-se – por necessidade - num movimento migratório que as levou para várias áreas do Brasil. Como já acenamos, os pólos de atração foram múltiplos. Fica patente que a imigração para o Estado de São Paulo trouxe, tomada em seu complexo, famílias menos numerosas que as destinadas a outras regiões brasileiras. Por que as de constituição menor optaram, então, pelo Estado de São Paulo? Podemos considerar duas hipóteses quanto à reduzida quantidade de pessoas que as compunham: 1) a existência de uma mudança estrutural ocorrida na constituição das famílias de Schio: proletárias há algumas décadas ou em processo de proletarização, fruto, portanto, das condições de vida urbana forjadas por aquela sociedade industrial; e 2) é preciso levar em conta também o peso alcançado por aqueles que partiram ainda solteiros ou avulsos sem os respectivos familiares em busca de trabalho, mantendo, com isso a perspectiva de um possível retorno imediato ou quando casados que, às vezes, partiam acompanhados dos filhos maiores, no intuito de conseguir aqui uma inserção profissional mais estável e moradia para o restante da família, que deveria vir num momento sucessivo. Daí que tenderiam a dirigir-se às áreas industriais preponderantemente as famílias nucleares.

30 Nota-se nos registros do MI, do final da década de 1880 e início de 1890, que as famílias camponesas vindas dessas regiões

italianas entravam em bloco, cada uma com dezenas de componentes. Tem-se a impressão efetiva de que ninguém ousara permanecer na aldeia natal.

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33..22..QQuuaannttaass ppeessssooaass ffoorrmmaavvaamm aass uunniiddaaddeess ffaammiilliiaarreess eesscclleeddeennsseess eemm SSããoo PPaauulloo ee nnoo BBrrááss??

O número de membros das famílias que imigraram no Estado de São Paulo diminui em relação à emigração dirigida ao país como um todo, veremos pela tabela seguinte, como essa mesma proporção se verificou entre os imigrantes que se dirigiram para a Capital paulista e para o Brás, objeto de nosso estudo.

Uma leitura imediata desses números nos confirmam a tendência de que fora mantida a

quantidade de membros das famílias na média de 3,1 por unidade, a mesma constatada para o conjunto do Estado.

TABELA 03

IMIGRANTES DE SCHIO NO ESTADO, NA CAPITAL E NO BRÁS (1891-1895) NÚMERO DE FAMÍLIAS E DE IMIGRANTES

NÚMERO DE FAMÍLIAS

NÚMERO DE IMIGRANTES

MÉDIA DE PESSOAS POR FAMÍLIA

ESTADO CAPITAL BRÁS ESTADO CAPITAL BRÁS ESTADO CAPITAL BRÁS

81

16

8

257

51

28

3,1

3,1

3,5

Fontes: UACS - MI

No entanto, se tomarmos apenas os números do Brás, como mostra a tabela acima,

veremos que a média se eleva para 3,5 pessoas/família, indicando que houve maior prevalência de famílias inteiras que de pessoas solteiras ou avulsas entre os imigrantes de Schio, em contraposição ao que se poderia esperar. Portanto, a média de pessoas por família no Brás ficou acima das que deslocaram-se para outras áreas do Estado de São Paulo. Como explicar? Esta questão aparentemente de difícil solução nos irá acompanhar nos próximos parágrafos. Comecemos pela diferenciação sexual dos distintos fluxos dessa imigração. 33..33.. QQuuaannttooss hhoommeennss ee qquuaannttaass mmuullhheerreess ddee SScchhiioo eemmiiggrraarraamm?? A segmentação por gênero se tomarmos a imigração de Schio como um todo, nos mostra uma notável prevalência de homens (602) sobre as mulheres (437), constituindo-se numa diferença de 165 pessoas ou, relativamente, de 16 dígitos em favor dos primeiros, conforme a tabela abaixo.

TABELA 04 IMIGRANTES DE SCHIO NO BRASIL (1891-1895)

COMPOSIÇÃO POR SEXO

NÚMERO DE HOMENS

%

NÚMERO DE MULHERES

%

TOTAL

602

58

437

42

1.039

Fonte: UACS

O que vale também dizer que para cada mulher imigrada havia proporcionalmente quase

1,4 de homem. Quando se trata de analisar exclusivamente os dados relativos ao Estado de São Paulo, observamos que, em vista do que foi demonstrado na mesma tabela, os percentuais não se alteram, mantendo-se a prevalência de homens (149) sobre as mulheres (108), permanecendo, assim, a mesma diferença relativa de 16 dígitos em favor dos primeiros. O que vale também

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dizer que, no Estado, para cada mulher imigrada de Schio havia proporcionalmente também quase 1,4 de homem.

A imigração de Schio na cidade de São Paulo, entretanto, diminuiu a diferença entre o

número de homens (29) e de mulheres (22), descendo para 1,3 homem para cada mulher, como se observa na tabela acima.

TABELA 05

IMIGRANTES DE SCHIO NA CIDADE DE SÃO PAULO (1891-1895) COMPOSIÇÃO POR SEXO

NÚMERO DE HOMENS

%

NÚMERO DE MULHERES

%

TOTAL

29

56,8

22

43,1

51

Fontes: UACS - MI

No Brás, esses números se aproximam ainda mais: a quantidade de homens (15) e mulheres (13) apresentam uma maior equivalência entre os dois gêneros. Segundo os dados que seguem, havia para cada mulher, 1,15 de homem proveniente de Schio naquele bairro operário.

TABELA 06

IMIGRANTES DE SCHIO NO BAIRRO DO BRÁS (1891-1895) COMPOSIÇÃO POR SEXO

NÚMERO DE HOMENS

%

NÚMERO DE MULHERES

%

TOTAL

15

53,6

13

46,4

28

Fontes: UACS – MI - AMSP

Esse aumento da presença feminina no conjunto da população escledense do Brás pode

representar, por um lado, um desejo real de fixação imediata do núcleo familiar na área receptora. Pois a vinda da mulher significava que havia, de antemão, a aspiração de conseguir estabelecer naquele lugar uma permanência mais prolongada. Nesse sentido, é exemplar o caso da família de Giuseppe Tovaglia. Ele chegou sozinho junto com outros, no início do grande fluxo de 1891, entretanto, escapou do controle, provavelmente por meio de contato prévio, e não se fez inscrever nos registros da Hospedaria, a seguir instalou-se no Brás. De profissão funileiro, certamente encontrou trabalho logo que chegou. Sua família - a mulher e um filho - havia permanecido em Schio. No final daquele ano nasceria uma filha e no final de 1892 nasceria, ainda, uma segunda. O nascimento desta induz-nos a crer que ele tenha voltado a Schio nesse ínterim, talvez para ultimar a vinda dos demais. Em meados de 1893, toda a família já estava reunida no Brás.

Outro aspecto da acentuada presença feminina entre os imigrantes de Schio no Brás pode ter respondido também a uma outra exigência, de ordem profissional, que se origina na anterior condição operária da mulher, enquanto força de trabalho industrial, o que a desvinculava parcialmente dos afazeres domésticos que eram transferidos, no período em que se encontrava na fábrica, a outras mulheres não ocupadas fora do lar, principalmente as anciãs e parentes que, muitas vezes convivia na mesma casa. Havia um número expressivo de crianças não cuidadas que cresciam literalmente nas ruas, enquanto seus pais trabalhavam nas fábricas, argumento que seria utilizado contra o trabalho externo da mulher. Esta, pari passu, tornava-se financeiramente solidária e, muitas vezes, arrimo na constituição da renda familiar. A indústria

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têxtil escledense havia absorvido grande quantidade de mulheres, como também assim estava procedendo a similar paulistana. Houve, portanto, uma confluência de exigências entre essas duas tendências: uma de ordem interna ao grupo familiar, com a profissionalização da mulher, sem alterar substancialmente a dupla jornada; e outra, por fatores externos advindos da dinâmica de acumulação capitalista, na absorção da força de trabalho feminina pela indústria têxtil. 33..44.. QQuuaannttaass ppeessssooaass ccoommppuunnhhaamm aass ffaammíílliiaass??

Continuamos nossa investigação com o objetivo de responder à questão relativa à exigüidade da composição familiar na imigração de Schio. Nesse diapasão, achamos interessante observar como estavam distribuídas as pessoas no interior das unidades familiares. Com isso, chegar-se-ia a uma idéia exata de sua composição numérica. Construímos, então, a tabela que segue, que nos apresenta o número de imigrantes que compôs as diversas famílias.

Um dado que, inicialmente, nos salta aos olhos é o grande número de imigrantes avulsos, que se dirigiram ao Estado de São Paulo, apresentados na primeira coluna: 27 pessoas, correspondendo a 33,4% do total das famílias, formando o segmento mais expressivo. Como neste caso, os avulsos, todos homens, poderiam ser tanto solteiros que vieram individualmente para inserirem-se profissionalmente, como também casados, como já foi citado, que vieram para abrir caminho às suas famílias.

TABELA 07

IMIGRANTES DE SCHIO NO ESTADO, NA CAPITAL E NO BRÁS (1891-1895) NÚMERO DE IMIGRANTES POR FAMÍLIA

IMIGRANTE POR FAMÍLIA

01

02-03

04-05

06-07

08-09

TOTAL

ESTADO

27

24

15

9

6

81

%

33,4

29,6

18,5

11,1

7,4

100

CAPITAL

4

4

6

1

1

16

%

25

25

37,5

6,25

6,25

100

BRÁS

1

2

4

1

0

08

NÚMERO

DE

FAMÍLÍAS

%

12,5

25

50

12,5

--

100

Fontes: UACS – MI

Outros avulsos vieram com o pretexto de consolidar uma separação matrimonial já em andamento na Itália. Na mesma corrente imigratória que levou os trabalhadores de Schio para o Rio Grande do Sul, a presença de avulsos é reduzida a quase à metade da que detectamos na imigração para o Estado de São Paulo: das 41 unidades familiares lá identificadas, apenas 7 (17,1%) eram compostas por homens avulsos.

Voltando à Tabela 07, observamos que, depois da relevância manifesta pelos avulsos, vieram as unidades familiares propriamente ditas com 2 ou 3 membros, que formaram o segmento mais numeroso com 24 unidades ou o equivalente a 29,6% daquele conjunto. Com peso menor, vieram as famílias com 4 ou 5 membros: 15 unidades (18,5%); com 6 ou 7 membros: 9 unidades (11,1%); e com 8 ou 9 membros: 6 unidades (7,4%). Uma característica marcante da imigração escledense para o Estado, como um todo, é, portanto, a presença significativa de imigrantes avulsos e, também, a predominância de um número exíguo de membros em sua estrutura familiar que se compunha, basicamente, de três pessoas: o pai, a mãe e um filho.

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Temos, entretanto, que relevar, nesse conjunto, a importância adquirida pelas unidades familiares com mais de cinco membros. Se somarmos as 9 com 6 ou 7 membros, mais as 6, da última coluna (com 8 ou 9 imigrantes), chegaremos a um total de 15 unidades, eqüivalentes a 18,5%, peso que se iguala ao das famílias com 4 ou 5 pessoas. Sua composição numérica revela um passado rural bastante recente, contrastando com a tradição urbana e industrial de onde partiram, principalmente porque, conforme dissemos, o engajamento profissional da mulher, somado à inadequação salarial e o elevado índice de mortalidade infantil não permitiam o aumento da prole.31 Quanto à mortalidade infantil é interessante notar que das 81 famílias de Schio que entraram no Estado de São Paulo, nasceram ao longo da década 1881-1891, 125 filhos, sendo que destes, 41 (32,8%) faleceram ainda durante aquele período. Essas crianças morreram em tenra idade: os que não atingiram 1 ano chegaram a 70,1% dos decessos; e os que não atingiram 3 anos, a 100%. Vejamos os números expressos na tabela abaixo:

TABELA 08 IMIGRANTES DE SCHIO NO ESTADO DE SÃO PAULO (1891-1895) NÚMERO DE FILHOS NASCIDOS E MORTOS ENTRE 1881 E 1891

ANOS

1881

1882

1883

1884

1885

1886

1887

1888

1889

1890

1891

TOTAL

NASCIMENTOS

12

9

8

11

9

12

17

9

11

14

13

125

ÓBITOS

3

3

1

2

7

5

7

5

3

4

1

41

Fontes: UACS

O período entre 1885 e 1888 foi o mais dramático, quando a taxa de mortalidade infantil atingiu o ápice de 52,2% das crianças nascidas nesse período. Como se pode observar, das 9 crianças nascidas em 1885, 7 (77,7%) faleceriam; 5 delas, contudo, durante aquele mesmo ano. Das 12 nascidas em 1886, 3 (25%) morreriam ainda no decorrer do ano e outras 2 nos dois anos sucessivos. O número de nascimentos cresceu em 1887, subindo para 17, mas o número de óbitos também se elevou, atingindo 7 (41,2%) crianças; destas, 4 durante esse mesmo ano e as outras 3 nos anos seguintes. O ano de 1888 voltou a apresentar um alto índice de mortalidade infantil: das 9 crianças nascidas naquele ano, 5 (55,5%) morreram sem completar um ano de idade.

As famílias, cujo passado mais recente se reportava à origem camponesa, tenderam a

deslocar-se para a zona rural e se inserir na cafeicultura paulista, ao contrário das de longa tradição operária. Uma delas é a família Ustorio: o marido chamava-se Liberale, era nascido em Pádua, aos 9 de março de 1848. Seus pais, muito provavelmente eram também camponeses ou “braccianti”. Liberale, quando pequeno foi internado num asilo para crianças abandonadas daquela cidade. O lugar era conhecido, então, como “Pio Luogo”. Conheceu sua mulher, Brigida Volpe, nascida em Montemerlo, na mesma província de Pádua, aos 11 de abril de 1854. Com ela aí casou-se e fixou morada inicialmente em Rovalon, vilarejo da mesma província, trabalhando na zona rural desse município. Junto tiveram sete filhos. Elvira, a filha mais velha aí nasceu, aos 9 de março de 1876. A família mudou-se a seguir para Montemerlo. Nesse lugar nasceu Eugenia, a segunda filha, aos 13 de novembro de 1877. Os três filhos vindouros: Riccardo, que nasceu aos 4 de novembro de 1881; Emma, nascida em 1o. de janeiro de 1884, e Carolina, aos 31 de agosto de 1885, vieram à luz em Montemerlo, terra da família materna. As

31 Uma comparação com os dados fornecidos pela imigração no Rio Grande do Sul nos mostra que lá o segmento predominante foi

o das famílias com 2 ou 3 membros: 14 unidades (34,1%); seguido pelas famílias com 4 ou 5 membros: 12 unidades (29,3%); pelas famílias com 6 e 7 membros: 6 unidades (14,6%); e, por último, pelas famílias com 8 membros: 2 (4,9%). No Sul, o eixo expostou-se para o centro da tabela, dando maior ênfase às famílias de mais de 4 pessoas que constituíam 48,8% do total, enquanto no Estado de São Paulo essas mesmas famílias chegavam a totalizar apenas 37%.

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tensões sociais nessa região cresceram em meados dos anos 80. Houve freqüentes greves de “braccianti” conhecidas como “La Boje”, reprimidas com violência pela polícia real. Entre 1885 e 1888, a família Ustorio imigrou para Schio, em busca de melhores condições de vida, seguindo o fluxo dos trabalhadores rurais desapossados que deixaram as grandes propriedades da planície do rio Pó rumo as áreas industriais setentrionais. O pai empregar-se-ia como alfaiate possivelmente em algum atelier e todos foram morar na casa sob o número 874 na Via Poleo, bairro homônimo já situado no limiar da zona rural escledense. Nessa casa nasceram Emília, aos 6 de fevereiro de 1888; e Adele, em 1o. de setembro de 1890. Nota-se que a própria composição numérica dessa família, de 9 pessoas, não a aproxima do mundo industrial a que fora atingir. As marcas da tradição agrícola eram indeléveis em sua história. Em 2 de março de 1891 a família deixou Schio rumo ao Estado de São Paulo. Desembarcou no porto do Rio de Janeiro aos 19 de maio seguinte. Passou pela Hospedaria e terminou rumando para o município de Pedreira, onde aí permaneceu.32 As famílias que permaneceriam na Capital e no Brás apresentariam, entretanto, outras características, como se pode observar na mesma Tabela 07. Para a cidade de São Paulo, o número de avulsos decresceu relativamente se comparado ao fluxo que se dirigiu para o Estado, conforme foi expresso na tabela anterior. Outro dado interessante que aparece nos dados referentes a essas famílias, é que, em contraste com os números apresentados, onde o maior grupo familiar compunha-se de 2 ou 3 membros, aqui os mais numerosos são os agrupamentos com 4 ou 5 pessoas, isto é, um núcleo convivente de pai, mãe, com dois ou, no máximo, três filhos. Nota-se que para a cidade de São Paulo se deslocaram uma família com 6 membros, dos Zambelli, que depois será localizada no Brás; e a família Frizzo com 8 membros. Entretanto, é necessário nos atermos sobre alguns aspectos da história desta família. Os Frizzos são originários da planície rural vêneta, portanto eram camponeses. Chegaram ao Estado de São Paulo pela primeira vez em 1889, provavelmente rumaram para a cafeicultura e daí, passados alguns anos, dirigiram-se para a Capital paulista. Aí, encontraram-se com outros imigrantes (parentes) vindos de Schio, em 1891 e com eles conviveram por um certo tempo. Em 1893, os Frizzos retornaram à Itália e foram fixar-se, por pouco mais de um ano, em Schio. Com certeza, deduzimos isso pela observação do endereço (Via Passuè, 129) onde a família residiu precariamente, essa curta temporada significou a sua completa proletarização. Por isso, malgrado tenha se mantido numerosa – pela recente origem rural – a família Frizzo já integrava, em 1894, quando retornou a São Paulo, a massa dos operários paulistanos. Especificamente para o Brás, podemos observar que, pelos números da tabela que apresentamos, a quantidade de famílias com 4 ou 5 pessoas se sobrepõem duplamente aos percentuais alcançados pela família restrita de pai e mãe ou, ainda, do casal mais um único filho e quadruplica em relação aos avulsos. Houve ainda uma única família que ultrapassa a marca da família nuclear: a dos Zambelli, com seis membros. Foi uma das duas famílias mais numerosas que se fixou na Capital (Brás).33 Como se pode aferir – comparando os dados expressos na Tabela 07 - quase um terço de todo o conjunto era formado por um grupo familiar não muito numeroso. Na maioria dos casos, a família se constituía no casal e uma, duas ou, no máximo, três crianças. Muitos dos recém-casados, viviam há pouquíssimo tempo juntos. Casavam-se e emigravam. Foi o que aconteceu com Pietro Basso, de 28 anos, sapateiro, e Elisabetta Zorzan, de 42 anos, arrumadeira, que casaram-se aos 21 de maio de 1891 e partiram para São Paulo alguns dias depois, dando entrada na Hospedaria em 25 de junho seguinte.34 Houve casos, ainda, de maridos que vieram com dois filhos e deixaram para trás o restante da família. Não era raro, também, encontrar viúvos acompanhados pelos próprios filhos. Carlo Andrighetto, 56 anos, carpinteiro, viúvo, partiu de 32 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1626 – Ustorio, Liberale; e MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 25, fls.

252. 33 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 434 A – Zambelli, Giuseppe; e MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 25,

fls. 210. 34 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 777A – Basso Pietro; e MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 26, fls.

269.

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Schio aos 8 de março de 1891, juntamente com seus filhos Riccardo, de 24 anos, e Fortunato, de 13. Os três aportaram no Rio de Janeiro, em 23 de abril seguinte, e se deslocaram para São Paulo, permanecendo alguns dias na Hospedaria. Sobre seu destino imediato nada se sabe. Entretanto, Carlo viria a morrer, em 15 de dezembro de 1908, no porto de Santos.35

Se, entretanto, somarmos as famílias com 2 ou 3 membros ao agrupamento celular mais

denso, composto de 4 a 5 pessoas, alcançaremos um percentual que, na Capital e no Brás, ultrapassa em alguns dígitos os 50%. A família dos Roman enquadrava-se nesse segundo grupo. Havia o pai Angelo Antonio, 35 anos, carregador, nascido em Milão; a mãe, Maria Carpin, de 29 anos, operária têxtil, nascida em Schio; juntamente com os filhos: Attilio, de 4 anos; Virginia, com quase 2 anos e Riccardo, com apenas 8 meses. Partiram de Schio em fevereiro de 1891. Desembarcaram no porto do Rio de Janeiro e deram entrada na Hospedaria do Brás no dia 28 de março seguinte.36

Como é possível notar, a imigração escledense difere bastante do fluxo geral de

imigrantes italianos, principalmente dos vênetos e friulanos, trazidos para o Estado de São Paulo pela “Grande Imigração”.37 Com isso, podemos traçar um perfil daquilo que poderíamos chamar de família padrão, no contexto da emigração escledense para a cidade de São Paulo. Ela se caracterizou como uma família operária, composta por poucos elementos e inteiramente integrada ao mercado de trabalho. Mais que uma família nos moldes tradicionais, de matriz agrária ou camponesa, os núcleos familiares de Schio haviam sofrido as influências da Revolução Industrial. A grande casa rural tornara-se um cubículo, o pomar e o jardim foram reduzidos ou desapareceram por completo, as figuras ancestrais davam lugar ao casal e a petizada que rodeava a moradia não era mais formada somente por netos, filhos e sobrinhos, mas por uma prole heterogênea e multiétnica. Símbolo tradicional do vêneto rural: a longa mesa onde se estendia a polenta, ainda quente, que cortada seria servida à multidão dos parentes parte integrante da grande família, fora substituída por outra de parcas dimensões, rodeada apenas pelos mais próximos. Certamente, as novas relações produzidas no contexto familiar produziriam outra forma de entender o lugar que as pessoas iriam aí ocupar. Quais foram, então, os diferentes papéis assumidos pelas pessoas, por via contratual ou por nascimento, no interior dessas famílias? 33..55.. QQuueemm eerraa qquueemm ddeennttrroo ddaa ffaammíílliiaa iimmiiggrraannttee?? Usando a rígida nomenclatura da época, consideramos como chefe dessa família nuclear o pai, o filho ou o irmão mais velho, desde que respondendo pelo conjunto. Foi considerado chefe também a pessoa avulsa, sempre do sexo masculino. A mulher, na figura da mãe aparecia como responsável somente na ausência do marido. Evidentemente, em se tratando de relações familiares do final do século XIX, deve-se ter presente que, malgrado boa parte das mulheres trabalhadoras já tivesse se constituído como força de trabalho autônoma, sua posição e funções intra-familiares praticamente não haviam se alterado substancialmente. As referências e padrões mudaram muito lentamente. De modo oficial, nenhuma mulher emigrou para São Paulo com o status de chefe. Angela Loseo, por exemplo, de apenas 43 anos, artesã, ficou viúva. Partiu de Schio em maio de 1891, desembarcando no porto de Santos e chegando à Hospedaria do Brás, aos 12 de junho seguinte, acompanhada de seus dois filhos solteiros: Giuseppe, de 9 anos, e Attilio Antonio Fabbiani, de 4. Junto vieram também o filho Giovanni Giuseppe, de 21 anos, 35 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1433B – Andrighetto, Carlo; e MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 25,

fls. 93. 36 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 929 – Roman, Angelo Antonio; e MI: Livro de Registro de Imigrantes no.

24, fls. 215. Os irmão menor de Maria Carpin, Ercole, de 24 anos, havia entrado na Hospedaria do Brás em 23 de julho de 1890. Deve ter voltado à Itália e, em 10 de abril de 1891, embarcaria de novo para o Brasil, só que desta vez para o Rio Grande do Sul. Era casado com Elisabetta Bon. O irmão caçula, Pietro Carpin, de 22 anos, seguiu, provavelmente, no início para o Rio Grande do Sul, junto com o irmão e a cunhada, mas, em 10 de novembro de 1891 daria entrada na Hospedaria de São Paulo. Cf. MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 20, fls. 195; e 30, fls. 216.

37 Segundo o Prof. Trento, essa imigração: caracteriza-se, em relação às outras destinações geográficas, por uma elevadíssima composição familiar. TRENTO, Angelo Do outro lado: um século de imigração italiana no Brasil; trad. de Mariarosaria Fabris e Luiz Eduardo de Lima Brandão. São Paulo, Nobel, 1989, p. 31.

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artesão e filho de operário têxtil, recém-casado com Maria Fracasso. Nos registros da Hospedaria, entretanto, aparece como chefe o filho mais velho, que já havia constituído outra família, e não a mãe.38

Uma segunda mulher, Emilia Miotto, 27 anos, artesã, esposa de Giovanni Crestana, apesar de ter partido de Schio com o marido e todos os filhos, acabou ingressando na Hospedaria com o sobrenome próprio e registrada como chefe (responsável pelos filhos que a acompanhavam). Por um acidente de percurso, motivado talvez pelo fato da família já ter, previamente, mantido algum contato em São Paulo, o marido, juntamente com o filho mais velho, desembarcou no mesmo porto do Rio de Janeiro como os demais, em 19 de maio de 1891, mas não se dirigiram à Hospedaria. Alguns dias depois, a família rumaria para Porto Ferreira.39

Dos imigrantes de Schio que entraram no Estado de São Paulo, o grupo mais expressivo foi o das pessoas que vieram como filhos, independente da idade que possuíam na época (crianças ou adultos). Juntos alcançaram 120 (46,7%) pessoas desse conjunto populacional. Os que desempenhavam o papel de chefes de suas respectivas famílias representavam, pelos números expressos na tabela abaixo, 81 (31,5%) dos imigrantes e constituíam o segundo agrupamento mais significativo. Esse peso, já observamos anteriormente, fica dimensionado em função da grande presença dos avulsos que, malgrado tenham vindo sozinhos, foram considerados, individualmente, uma unidade familiar.

O terceiro contingente em expressão numérica foi o das mulheres enquanto esposas, acompanhando seus respectivos maridos (chefes). Ao todo eram 46 pessoas e significavam 17,9% do total. As mulheres, na condição de esposas, estavam presentes, portanto, em 56,8% das 81 famílias imigrantes.

TABELA 09 IMIGRANTES DE SCHIO NO ESTADO, NA CAPITAL E NO BRÁS (1891-1895)

STATUS FAMILIAR

STATUS FAMILIAR

CHEFE

ESPOSA

FILHOS

IRMÃOS

PAIS

OUTROS

TOTAL

ESTADO

81

46

120

06

03

01

257

%

31,5

17,9

46,7

2,3

1,2

0,4

100

CAPITAL

14

07

14

01

01

01

51

%

36,9

18,4

36,9

2,6

2,6

2,6

100

BRÁS

08

06

11

01

01

01

28

NÚMERO

DE

IMIGRANTES

%

28,5

21,4

39,3

3,6

3,6

3,6

100

Fontes: UACS - MI

Se retirarmos do total de unidades familiares os 27 avulsos, solteiros ou casados que não

se fizeram acompanhar das respectivas consortes, constataremos que ficaram faltando ainda 8 famílias com mais de uma pessoa sem que houvesse qualquer vestígio da figura da esposa. De fato, quase uma dezena de famílias veio de Schio sem elas. Já citamos os Andrighettos, que desembarcaram o pai e dois filhos; o mesmo aconteceu com a família Fabbiani, onde a mãe (Angela Loseo) imigrou com os filhos solteiros.

38 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 96 – Loseo, Angela; MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 26, fls. 136. 39 MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 25, fls. 252.

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Mas houve também um caso mais complexo, o da família Segala: o pai chamava-se Giovanni, 46 anos, nascido em Veneza, “industriante”, casou-se em segundas núpcias com Catterina Caltran, 33 anos, dona de casa, nascida em Thiene (VI). Ambos chegaram a Schio provenientes de Calvene, em 18 de dezembro de 1885. Fixaram residência na Via Porta di Sotto, no. 269. Tiveram 5 filhos : Renzo, nascido em 05 de fevereiro de 1883; Elisabetta, nascida em 03 de abril de 1884; Maria Giustina, nascida em 30 de abril de 1886 e morta, no ano seguinte, em 23 de agosto; Gemma, nascida em 13 de setembro de 1887; e Olga Maria, nascida em 05 de setembro de 1889 e morta também no ano seguinte, em 08 de julho. Os problemas financeiros da família fizeram o marido partir de Schio, em 14 de abril de 1891, com a filha do primeiro casamento, Catterina, de 20 anos, e o irmão Pietro, de 40, solteiro e alfaiate. Os três desembarcaram no porto do Rio de Janeiro (Pinheiro), em 17 de maio de 1891, a seguir viajaram de trem até São Paulo, dando entrada na Hospedaria dos Imigrantes no mesmo dia. A esposa, Catterina, permaneceu na Itália, e, através de duas cartas que enviou, em 1895, ao diretor-presidente do Lanerossi solicitando ajuda à família que passava necessidade, sabemos que o marido continuava, ainda, no Estado de São Paulo, e que sua situação financeira era muito precária.40

O operário têxtil Carlo Berton, de 45 anos, e seu filho Giuseppe Luigi, com 10, vieram juntos mas sem a esposa e mãe Maria Fiorenza Pellizzari, porque esta não quis imigrar e, por isso, permaneceria em Schio, sozinha até a morte.41

Sem esposa veio também o sapateiro Innocente Giuseppe Lago, de 40 anos, nascido em

Rovereto (TN), juntamente com seu filho Attilio, de 12 anos, já nascido em Schio, porque a respectiva mulher e mãe, Teresa Vitale, havia falecido, em 15 de novembro de 1890, poucos meses antes da partida para o Brasil. Pai e filho deixaram Schio em maio de 1891 e desembarcaram no porto de Santos no dia 12 de junho seguinte, rumando depois para a Hospedaria e dali a um paradeiro desconhecido.42

Pietro Menin, 55 anos, operário têxtil nascido em Malo (VI) chegou a Santos, aos 13 de

maio de 1891, juntamente com um grande comboio de trabalhadores escledenses. Trouxera consigo o filho Giuseppe, nascido em Schio, de 15 anos, provavelmente também ele operário têxtil, como o pai. Um outro filho, Girolamo, também nascido em Schio, de 30 anos, casado, junto com sua mulher, Maria Nardello e a filhinha, Maddalena, de apenas um ano de idade imigrou no mesmo momento que o pai. A esposa e mãe, Maddalena Zironda, assim como as anteriores, também ficaria na Itália. Viria para São Paulo somente dois anos depois se encontrar com a família, para nunca mais retornar.43

Um caso análogo e curioso foi o que aconteceu com a família Ghiotto. Bortolo, de 63 anos, operário têxtil, nascido em Schio, emigrou para São Paulo junto com o filho do primeiro casamento: Ernesto, de 12 anos, provavelmente operário como o pai, e mais quatro enteadas, também filhas de operário têxtil, que levavam o sobrenome de Navarini: Maria Anna, de 13 anos, nascida em Cittadella (PD); Ida, de 9 anos, também nascida na mesma cidade; Anna, de 7anos; e Linda, de 4 anos, ambas já nascidas em Schio. Em comboio deixaram Schio no dia 4 de abril de 1891 e chegaram ao Rio de Janeiro a 13 de maio seguinte, rumando no mesmo dia para a Hospedaria do Brás. A partir daí, seu destino nos é totalmente incógnito. A única informação que se há é que Bortolo morreria em 1904, provavelmente em São Paulo. Sua segunda esposa e mãe das meninas Navarini, Elisabetta Gallina, entretanto, não os acompanhou. Ficou em Schio

40 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1021 c – Segala, Giovanni. BCS: Lettera di Segala (Caltran), Catterina a

Giovanni Rossi. Schio, 28 maggio 1895 (Zavorra); e Lettera di Segala (Caltran), Catterina a Giovanni Rossi. Schio, s.d. (Zavorra). MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 25, fls. 243.

41 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 831 B – Berton, Carlo; e MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 25, fls. 65.

42 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 232E – Lago, Innocente Giuseppe; e MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 26, fls. 135.

43 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 37A – Menin, Pietro e Menin, Girolamo; e MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 25, fls. 210.

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para dar à luz o primeiro filho do casal, Angelo, que nasceria somente em 3 de maio vindouro. Elisabetta e o pequeno Angelo chegariam em data posterior, talvez ainda durante o ano de 1891. Em outubro de 1906, após a morte do marido e do pai, transferir-se-iam para a Argentina.44

Figura nesse segmento o operário têxtil Giuseppe Marzotto, que nasceu em Vicenza, aos 2 de junho de 1853, e residiu em Schio durante 17 anos seguidos. Aí casou-se com Elena Zanini e juntos tiveram uma farta prole. Poucos vingaram, talvez por isso chegaram a adotar mais uma criança. Dos 8 filhos legítimos que tiveram, apenas três sobreviveram. O casal muito provavelmente não combinava e o casamento foi à deriva, pelo menos temporariamente. Em abril de 1891, a mãe e mais dois filhos imigraram para o Rio Grande do Sul. Ali, o caçula morreria logo depois de chegar. O pai e o filho Giovanni, que havia nascido em Schio, aos 13 de janeiro de 1881, parecem ter permanecido nessa cidade até que em 18 de julho de 1895 embarcaram juntos para São Paulo. Giuseppe voltaria a aparecer nos registros italianos indo habitar na Suíça, em novembro de 1905. Toda a família se reuniria novamente – de modo definitivo - em Vicenza quase seis anos depois.45

Outro caso semelhante se deu com Giovanni Zanella e sua filha Luigia. Ambos se separaram do restante da família e rumaram para São Paulo, em 1891. Encontramo-los no Brás, alguns anos depois. Ao contrário do desfecho anterior, essa família não se recompôs. Não há qualquer registro de retorno à Itália e tudo indica que o pai tenha aqui se casado novamente.46

Os demais segmentos dentro da família foram pouco representativos. Se somarmos aqueles que imigraram na condição de irmãos; pais [sogro (sogra)]; ou como agregado, atingiremos a quantia de 10 pessoas que equivaleram a apenas 3,9% do conjunto. O grosso da imigração de Schio articulou-se, portanto, em torno do núcleo familiar restrito representado pelo trinômio: pai-mãe-filhos. Na cidade de São Paulo, há uma ligeira alteração do quadro apresentado na tabela anterior. Senão vejamos: os que vieram na condição de chefes, em número de 14 (36,9%) que antes jaziam na segunda posição, aqui empatam com os classificados como filhos, também com 14 (36,9%) pessoas. Houve, portanto, como já se havia notado em reflexões anteriores, um aumento do peso das pessoas avulsas no conjunto dos imigrantes que se fixaram na Capital. Em conseqüência dessa mesma argumentação, nota-se também que a presença da figura da esposa, embora tenha crescido no contexto geral, sofreu um ligeiro decréscimo dentro da unidade familiar, baixando de 53,2% para 50%. O peso dos demais segmentos – todos com 2,6% cada um - se justifica mais em função da diminuição quantitativa dos imigrantes que permaneceram na cidade de São Paulo, respeito aos que se deslocaram para o Estado como um todo, que efetivamente por uma alteração qualitativa na correlação interna da composição familiar. Os imigrantes escledenses que foram para o Brás apresentam algumas características próprias com respeito aos que se fixaram na Capital. Essa diferença, entretanto, não deve ser dogmatizada, pois as dificuldades encontradas durante as buscas, para a identificação e localização dessas famílias, fez que as encontrássemos somente através dos adultos cujos filhos passaram pelos registros funerários. Como acessar os adultos avulsos a não ser quando morressem?

Em apenas um caso, o de Girolamo Vicentin,47 a identificação veio através do registro de óbito de um adulto que, por sua vez, não chegou como avulso visto que estava acompanhado de toda a família. As tendências observadas nos dados relativos à capital são de certa forma extensivos ao Brás. Portanto, malgrado a particularização para efeito analítico, com certeza, o

44 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 420 – Ghiotto, Bortolo; e MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 25, fls.

218. 45 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1431 C – Marzotto, Giuseppe; 46 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 725 A – Zanella, Giovanni. 47 AHMSP: Livro de Registro no. 34 - Inumações - Cemitério do Brás - relativo aos anos de 1894 a 1895, p. 238.

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número de avulsos e, conseqüentemente, de “chefes” que se dirigiu àquele Bairro foi muito maior do que conseguimos recolher. Na Tabela 09, o número de chefes (8; 28,5%) diminui proporcionalmente em relação aos números da tabela anterior e o peso dos filhos, aqui, salta quase onze dígitos, com 11 pessoas (39,3%). Essa desproporção se dá, principalmente, pela chegada, em 1893, da família de Giuseppe Tovaglia – esposa e três filhos – que haviam permanecido na Itália, quando o marido imigrou, em 1891. Por outro lado, as mulheres “esposas” crescem em participação no bairro do Brás, alcançando relativamente a marca dos 21,4% do conjunto, o que constitui num índice muito elevado para o perfil assumido por essa imigração. Chegaram a estar, assim, presentes em 75% das unidades familiares arroladas. Vale aqui também ressaltar a advertência feita anteriormente, segundo a qual a tendência na relação entre número de famílias e de “esposas” deveria se projetar na ordem inversa da que se apresenta.

As demais pessoas que desempenhavam outros papéis (pai, irmão e agregado) no

interior das famílias do Brás foram neles representadas por um membro cada. Seu peso numérico não se alterou em relação ao conjunto de imigrantes que se fixou na Capital, embora o peso relativo tenha aumentado devido ao número menor de famílias identificadas no Bairro. Outro dado importante que precisávamos visualizar era o estado civil dos imigrantes. Assim, saberíamos qual a real importância de cada um dos segmentos na conformação desse fluxo migratório. 33..66.. QQuuaannttooss ccaassaaddooss,, ssoolltteeiirrooss,, vviiúúvvooss ee sseeppaarraaddooss vviieerraamm ddee SScchhiioo?? A tabela abaixo nos revela a distribuição das pessoas segundo o estado civil formalmente registrado. Isto significa que não incluímos os amásios ou conviventes espontâneos, se eventualmente existissem. A primeira coluna ressalta, com 145 pessoas (56,4%), a grande incidência na emigração de Schio para o Estado de São Paulo do segmento dos solteiros que incluía adultos e crianças de ambos os gêneros. Como se pode observar, os casados formavam o segundo grupo com 105 pessoas (40,9%), seguidos pelos viúvos (2,3%) e, por último, pelos separados com apenas 1 pessoa (0,4%).

Vejamos o que aconteceu com a composição da imigração que se deslocou para a cidade de São Paulo. Novamente, aqui, o número de solteiros foi maior que o de casados e, apesar de decrescer relativamente em relação aos números anteriores, mantiveram-se em patamares bem superiores a 50%, o que de certa forma reforça a característica dessa imigração.

TABELA 10 IMIGRANTES DE SCHIO NO ESTADO, NA CAPITAL E NO BRÁS (1891-1895)

ESTADO CIVIL

ESTADO CIVIL

SOLTEIRO

CASADO

VIÚVO

SEPARADO

TOTAL

ESTADO

145

105

6

1

257

%

56,4

40,9

2,3

0,4

100

CAPITAL

28

22

1

0

51

%

54,9

43,1

2,0

--

100

BRÁS

14

13

1

0

28

NÚMERO

DE

IMIGRANTES

%

50

46,4

3,6

--

100

Fontes: UACS - MI

Os números representativos dos casados, içados pelo ingresso de famílias inteiras na cidade de São Paulo, entre o término do grande fluxo da imigração de Schio, no final de 1891, e

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o ano de corte: 1895, representavam 43,1%. É possível prever que outros jovens que chegaram como solteiros no início dessa imigração teriam já - no ocaso desse período - contraído matrimônio na cidade e no Bairro aos quais nos deparamos. A conformação da população escledense no Brás não sofreu alterações significativas em relação à que se fixou na inteira cidade de São Paulo, como se pode observar na Tabela. Os solteiros, contudo, sofreram apenas uma pequena retração com respeito aos percentuais referentes ao Estado, enquanto os casados – nas mesmas circunstâncias - cresceram 3,3 dígitos. Houve um único caso de alguém pertencer ao segmento dos viúvos: chamava-se Andrea Corà, de 61 anos, operário têxtil de origem desconhecida, que emigrou para Schio desde 1873, procedente de Thiene, município próximo dessa cidade, ainda na província de Vicenza. Sua falecida esposa, Catterina Vasoin, morrera depois do nascimento da filha Elisabetta, aos 3 de maio de 1872, provavelmente quando ainda habitavam em Thiene. Andrea, seu filho mais velho, sua nora e a filha caçula chegaram a São Paulo, em 1891, e fixaram-se no Brás.48 Depois de sabermos o estado civil, perguntamo-nos a respeito da constituição das diversas faixas etárias presentes nessa corrente migratória. 33..77.. QQuuaall aa iiddaaddee ddooss iimmiiggrraanntteess eesscclleeddeennsseess?? Para responder a tal quesito, elaboramos – a partir dos dados colhidos no inteiro grupo que se deslocou para o Estado de São Paulo – a Tabela 11. Dividimo-lo com as segmentações necessárias para que pudéssemos ter uma idéia das variações mais importantes na sua composição etária. Como se pode observar na referida tabela, o grupo etário mais significativo foi o das crianças de 0 a 8 anos, teoricamente, o período efetivo da “infância”, fase em que estariam ainda alijadas do trabalho cotidiano. Sabe-se, entretanto, que na prática era comum utilizar-se dos filhos de trabalhadores ainda em tenra idade para executar tarefas consideradas “secundárias” do processo industrial. Esse segmento correspondeu a 26,1 % dos imigrantes.

TABELA 11 IMIGRANTES DE SCHIO NO ESTADO, NA CAPITAL E NO BRÁS (1891-1895)

IDADE NO MOMENTO DO EMBARQUE

IDADE (EM ANOS)

0-8

9-20

21-30

31-40

41-50

51-60

+ 60

TOTAL

ESTADO

67

58

60

33

22

11

6

257

%

26,1

22,5

23,4

12,8

8,6

4,3

2,3

100

CAPITAL

8

15

13

4

6

3

2

51

%

15,7

29,4

25,5

7,8

11,8

5,9

3,9

100

BRÁS

7

7

7

1

5

0

1

28

NÚMERO

DE

IMIGRANTES

%

25

25

25

3,6

17,8

--

3,6

100

Fontes: UACS - MI No caso de Schio, não há conhecimento de que algumas delas tenham sido admitidas sistematicamente no interior de uma de suas fábricas, apesar de sofrerem diretamente as conseqüências do empobrecimento progressivo dos respectivos pais, integrantes do proletariado local. O segundo grupo – de 58 pessoas (22,5%) - inclui crianças entre menores e adultos recém-inseridos na produção industrial. Formavam, juntamente com o segmento seguinte, o grosso da força de trabalho. Seriam os jovens trabalhadores. As crianças, seguramente, a partir

48 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 948 A – Corà, Giuseppe Pietro. MI: Livro de Registro de Imigrantes no.

25, fls. 287.

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dos 9 anos, eram introduzidas no recinto fabril para que efetuassem trabalhos, como já dissemos, paralelos e subsidiários às tarefas mais complexas e básicas da produção têxtil. A terceira coluna nos revela o peso dos adultos entre 21 e 30 anos, formando o segundo grupo mais importante sob o ponto de vista quantitativo e, certamente, do ponto de vista da qualificação profissional os mais requisitados. Eram ao todo 60 pessoas, representando 23,4% do conjunto imigrante. Os adultos com idade entre 31 e 40 anos – segmento formado por aqueles que constituíam-se no centro das relações familiares – eram em número bem inferior aos fornecidos pelas colunas anteriores, chegando a 33 pessoas (12,8%). Se abusássemos um pouco de nossa capacidade especulativa e somássemos os números da segunda, terceira e quarta colunas, alcançaríamos a cifra de 151 pessoas, com idade variável entre 9 e 40 anos. E se, ainda hipoteticamente, pudéssemos isolar as crianças, abaixo de 9 anos, e os idosos, acima de 60, do mercado de trabalho, construiríamos com os demais o universo da força de trabalho ativa, ou absorvível, dessa corrente migratória que seria composta por 184 pessoas. Com esses dados, chegaríamos à conclusão que 82% dos trabalhadores de Schio encontravam-se no período mais produtivo de suas vidas, daí uma das possíveis razões que permitiram a vários desses imigrantes, malgrado terem tido suas passagens subsidiadas pelo Estado - fugirem ao controle na Hospedaria dos Imigrantes e integrarem-se – sem maiores dificuldades - ao mercado de trabalho industrial da Capital e do Brás, sem passarem obrigatoriamente pelo trabalho agrícola. Os adultos mais velhos, entre 41 e 50 anos, representavam apenas 8,6% do conjunto. O segmento seguinte, dos que ultrapassaram os 51 anos, caiu pela metade do anterior e os idosos com mais de 60 anos somavam apenas 6 pessoas (2,3%). Na cidade de São Paulo, entretanto, a média de idade desloca-se para o centro, mostrando uma configuração etária mais velha que no conjunto do Estado. O número relativo de crianças entre 0 e 8 anos cai mais que 10 dígitos com respeito à tabela anterior. Por outro lado, a presença das crianças, menores e jovens adultos entre 9 e 20 anos sofreu uma elevação relativa de 6,9 dígitos na Capital. Aqui também, o peso dos adultos entre 21 e 30 anos foi maior (2,1 dígitos).

Uma das causas desse envelhecimento está no fato de que houve uma maior incidência

de pessoas adultas entre os imigrantes que se dirigiram para a Capital. Das 16 famílias, uma era recém-casada (Emilio Frizzo e Teresa Scaramuzza), portanto, sem filhos; três não possuíam crianças abaixo de nove anos (Berton, Corà e Zanella); e quatro eram formadas por pessoas avulsas solteiras (Boniver, Casara, Luccarda e Poli), todas com idade superior a 19 anos. Os que apresentavam idade entre 31 e 40 anos tiveram aqui um peso bem menor (7,8%) que no Estado (12,8%). Entretanto, demonstrando a tendência detectada anteriormente de elevação da idade média dos imigrantes, os que possuíam de 41 a 50 anos cresceram na Capital (11,8%) em detrimento do conjunto que se fixou no território paulista (8,6%). Os mais idosos, como se pode observar, também aumentaram sua importância relativa na cidade de São Paulo, alcançando 9,8%, contra 6,6% no Estado. O grosso da população escledense na nascente metrópole paulistana ficou, portanto, entre os segmentos com idade entre 9 e 30 anos, correspondendo a 54,9% do total.

No bairro do Brás, essa composição etária sofreu uma profunda reviravolta. Para os três primeiros segmentos, houve uma distribuição eqüitativa de pessoas, com 25% do conjunto cada um, conforme aparece na Tabela 20. As crianças até 8 anos voltaram a ter um peso compatível ao do conjunto da imigração para o Estado inteiro. Com essa alteração significativa, as pessoas com idade até 30 anos passaram a representar dois terços do contingente. Houve um decréscimo pela metade no peso dos adultos de 31 a 40 anos, em relação aos imigrantes que foram para os demais bairros paulistanos e, inversamente, os adultos de 41 a 50 anos aumentaram sua presença com 17,8%, contra 11,8 na Capital. A grande maioria (70%) da força de trabalho de Schio que se fixou no Brás, composta de 20 trabalhadores, situava-se na faixa etária entre 9 e 30 anos o que significa que esses trabalhadores eram extremamente jovens.

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33..88.. OOnnddee nnaasscceerraamm ooss iimmiiggrraanntteess qquuee vviieerraamm ppaarraa SSããoo PPaauulloo?? A Tabela 12, a seguir, apresenta os dados sistematizados de forma a responder esta questão. Pelas informações obtidas, podemos afirmar que, dos 257 imigrantes que partiram para o Estado de São Paulo, 96,1% nasceram nos municípios da região italiana do Vêneto. Destes, 213, isto é 82,9%, haviam nascido numa de suas províncias: Vicenza, onde, justamente localiza-se Schio. Portanto, a grande massa dos trabalhadores que emigraram tinha raízes familiares profundas na própria província. Em conseqüência, também ressentia-se das influências culturais locais, marcadas principalmente pela tradição camponesa ainda muito arraigada nos costumes e pela presença da estrutura da religião católica, cuja ideologia sedimentava junto às classes trabalhadoras os valores da abnegação aos bens materiais e da obediência às autoridades constituídas.

Nos municípios da plana província de Pádua nasceram 19 desses imigrantes, o que correspondeu a 7,4% do total. Muitos deles já haviam vivido a experiência do êxodo em seu próprio torrão natal, pois a aludida província foi assolada, entre 1884-1886, pelas violentas greves camponesas, denominadas “La Boje”, já citadas, que provocaram confrontos permanentes com as forças “da ordem” a mando dos grandes proprietários das fazendas da região da planície oriental do Pó. A ida para Schio, num primeiro momento, esteve integrada nesse contexto.

TABELA 12 IMIGRANTES DE SCHIO NO ESTADO, NA CAPITAL E NO BRÁS (1891-1895)

LOCAL DE NASCIMENTO – 1

O R I G E M

NÚMERO DE IMIGRANTES

%

R E G I Ã O

P R O V Í N C I A

ESTADO

CAPITAL

BRÁS

ESTADO

CAPITAL

BRÁS

Vicenza49

213

39

21

82,9

76,4

75

Pádua

19

3

3

7,4

5,9

10,7

Treviso

7

2

-

2,7

3,9

-

Verona

4

1

-

1,5

2

-

Belluno

2

-

-

0,8

-

-

V Ê N E T O

Veneza

2

-

-

0,8

96,1

-

88,2

-

85,7

OUTRAS REGIÕES ITALIANAS

7

4

3

2,7

7,8

10,7

E X T E R I O R

1

1

-

0,4

2

-

N Ã O D E C L A R A D O

2

1

1

0,8

3,9

2

11,8

3,6

14,3

T O T A L

257

51

28

100

100

100

100

100

100

Fonte: UACS – MI

Os que nasceram na província vêneta de Treviso tinham – assim como na de Pádua -

também vínculos com a origem rural, à diferença que nessa área predominava a pequena propriedade camponesa. Corresponderam a 2,7% do total. Os que originaram-se na província de Verona, tiveram um peso menor: 1,5%. Essa região vêneta, por possuir uma extensa área agrícola na planície do Pó - integrava-se junto com Pádua à área de conflito já mencionada. É provável, portanto que as famílias que dali emigraram tivessem sofrido as conseqüências do embate entre os interesses dos trabalhadores rurais volantes e os grandes proprietários de terra.

49 Obviamente, os que nasceram em Schio – os escledenses de nascimento – estão incluídos entre os nascidos na província de

Vicenza, visto que Schio está sob sua jurisdição administrativa.

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Os nascidos nas províncias vênetas de Belluno de Veneza contribuíram com apenas 0,8% cada uma para a formação desse contingente emigratório. As aldeias dos vales e montanhas de Belluno forneceram grande parte dos emigrantes de matriz camponesa que, na década 1875-1885, rumaram para o Rio Grande do Sul. Entretanto, não os encontramos fartamente em Schio. Quanto à inexpressividade dos imigrantes oriundos da província vêneta de Veneza, é importante dizer que, de todas elas, era a que menos se caracterizava, então, como uma área de expulsão de excedente de força de trabalho. Das sete províncias vênetas, apenas a de Rovigo não marcou presença nessa imigração. Nas outras regiões italianas, nasceram 2,7% do total de imigrantes partidos de Schio: 2 no atual Trentino-Alto-Adige; 2 na Lombardia (Milão e Módena); 1 no atual Friuli (Udine); 1 na Emilia-Romagna (Bolonha); e 1 na região do Lazio (Roma). Dessa pequena amostragem é possível aferir que a pequena cidade industrial de Schio já havia – desde a década de 1880 – atraído um contingente significativo de força de trabalho, não só das províncias limítrofes de Vicenza, mas também de quase todas as regiões do Centro-Norte da Itália. Entre os imigrantes de Schio que desembarcaram no Estado de São Paulo, houve um único caso de alguém ter nascido fora da Itália. Tratava-se de Pierre Boniver que veio ao mundo aos 15 dias do mês de abril de 1854, em Verviers, Bélgica. Era filho de Pierre e Madelaine Strazzart. Chegou com os pais, a Schio, com apenas um ano de idade. Seu pai fora empregado pelo Lanificio Rossi S.p.A. e exercia a função de diretor de tecelagem. Pierre deixou Schio no dia 17 de março de 1891, com 36 anos completos, rumo ao Brasil. Desembarcou no porto do Rio de Janeiro no dia 13 de maio do mesmo ano, a bordo do vapor Regina Margherita. Seu destino foi a cidade de São Paulo.50 A configuração dos imigrantes de Schio que se fixaram na Capital paulista, segundo o local de nascimento, não se altera substancialmente da que aparece no Estado. Entretanto, apresentou algumas peculiaridades próprias. As alterações consideráveis estiveram na diminuição do peso não somente da corrente originária na província de Vicenza, que sofreu uma queda de 6,5 dígitos em relação à anterior, mas também a que se originou em Pádua, com a perda de 1,5 dígito e do Vêneto em geral. As demais províncias: Treviso e Verona tiveram pequenos ganhos relativos de 1,2 e 0,5 dígito, respectivamente. Ninguém nascido quer na província de Belluno, quer na de Veneza permaneceria na cidade de São Paulo. No conjunto, os vênetos perderam terreno, passando de 96,1% no Estado para 88,2% na Capital. Vale a pena notar que deu-se o inverso quando tratou-se de trabalhadores originários das demais regiões italianas, do exterior e daqueles cujos locais de nascimento era desconhecido pelo Serviço Demográfico da Prefeitura de Schio. Aqui, houve um expressivo acréscimo de sua importância no conjunto dos imigrantes. Os não vênetos passaram de 3,9% na tabela referente ao Estado para 11,8% na que se refere à Capital.

Como explicar tal diferença? Um dado interessante, que salta aos olhos, é a ausência de trabalhadores originários de Belluno na cidade de São Paulo, indicando que havia, ainda, um forte vínculo desses com o campo e, muito provavelmente, tenham-se dirigido diretamente para alguma fazenda do interior e não para a indústria. Nessa chave hermenêutica, pode-se entender também a queda nos percentuais dos originários das províncias de Vicenza e Pádua. Em contrapartida, os imigrantes que antes de chegarem a Schio já haviam passado, em suas regiões de origem (já mencionadas), pelo processo brutal de proletarização e com mais tempo de experiência profissional, afeita a atividades propriamente urbanas, não tiveram escolha senão permanecerem na cidade que se encontrava em plena fase de industrialização. Daí compreende-se o porquê do significativo aumento da presença desses contingente entre os que se fixaram em solo paulistano. No Brás, as tendências já observadas na composição da imigração de Schio na cidade de São Paulo se reforçam. Diminuiu de 4,9 dígitos a importância dos imigrantes que nasceram vênetos. Destes, apenas os nascidos nas províncias de Vicenza (75,1%) e Pádua

50 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 186 – Boniver, Pierre. MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 25, fls.

215.

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(10,7%) se fixaram naquele bairro. Por outro lado, aumentou ainda mais o peso dos imigrantes que nasceram fora da região vêneta que passaram a atingir um percentual de 14,3%.

Fica claro que a escolha do Brás para viver e trabalhar não foi aleatória, sua escolha

harmonizava-se perfeitamente com a história desses trabalhadores que – inaptos para executarem outros misteres – carregavam consigo as marcas da “cultura profissional” dos desapossados: o trabalho industrial, condição de sua classe. Da cidade industrial de Schio – que, então, tinha apenas pouco mais de 15 mil habitantes - para o Brás que, como já vimos, passava de 16.807 habitantes, em 1890, para 32.387, em 1893 - não havia solução de continuidade profissional. Ambos os espaços pertenciam a um mesmo território, construído pela sociedade industrial, ainda que erigidos em latitudes bastante diversas. 33..99.. OOss qquuee nnaasscceerraamm nnaa pprroovvíínncciiaa ddee VViicceennzzaa A partir dos dados que revelavam o local de origem e a maciça presença de pessoas vindas da província de Vicenza para o Estado de São Paulo, procuramos visualizar, através da tabela abaixo, como esses nascimentos foram distribuídos entre os vários municípios que a compunham. O contingente dos nascidos na mesma província onde se situava Schio era de 213 imigrantes, representando 82,9% do fluxo total. Destes, formando o segmento mais importante estavam os 118 (45,9%) que nasceram no município de Schio. O segundo foi formado pelos 29 (11,3%) imigrantes que nasceram nos municípios a sua volta (Circondario). O terceiro grupo mais importante foi constituído pelos que nasceram na Capital provincial, Vicenza, somando 18 pessoas (7%). O quarto grupo compunha-se de 47 imigrantes que nasceram aleatoriamente em outros 19 municípios dessa província.51

TABELA 13 IMIGRANTES DE SCHIO NO ESTADO DE SÃO PAULO (1891-1895)

LOCAL DE NASCIMENTO (2) – PROVÍNCIA DE VICENZA

NÚMERO DE IMIGRANTES

%

O R I G E M

ESTADO

CAPITAL

BRÁS

ESTADO

CAPITAL

BRÁS

SCHIO

118

12

12

45,9

23,5

42,8

Circondario

29

5

4

11,3

9,8

14,3

Capital da Província

18

7

4

7

13,7

14,3

Outros municípios

47

14

-

18,3

27,4

--

P R O V Í N C I A

D E

V I C E N Z A

n. d.

1

1

1

0,4

82,9

2

76,4

3,6

75

FORA DA PROVÍNCIA

42

11

6

16,3

16,3

21,6

21,6

21,4

21,4

NÃO DECLARADO

2

1

1

0,8

0,8

2

2

3,6

3,6

T O T A L

257

51

28

100

100

100

100

100

100

Fonte: UACS - MI

É interessante notar que malgrado tenhamos falado até o presente momento de imigração escledense, vemos, através da presente tabela, que a designação não é totalmente precisa na medida em que é patente constatar que a maioria dos imigrantes que a constituiu (54,1%) não era formada por pessoas nascidas em Schio, mas que viveram parte do tempo de

51 Os demais municípios da província de Vicenza, onde nasceram imigrantes de Schio que entraram no Estado de São Paulo, foram

(os números entre parênteses correspondem ao número de imigrantes aí nascidos): Montecchio Maggiore (8), Posina (7), Sarego (6), Arzignano (3), Mason Vicentino (3), Breganze (2), Camisano Vicentino (2), Chiampo (2), Longare (2), Sandrigo (2), Villaverla (2), Caldogno (1), Lugo Vicentino (1), Montebello Vicentino (1), Novale (1), San Nazario (1), Schiavon (1), Torri di Quartesolo (1) e Valmarana (1).

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suas vidas em Schio, atraídas – depois que foram expulsas do campo - pelas possibilidades eventuais de emprego na indústria. Essa maioria participara de um fluxo regular que retirava força de trabalho, como se pode notar, de toda a província, mas também da região e de outras partes do país, e a endereçava para Schio. Boa parte dos nascidos no Município de Schio eram de fato filhos desses “estrangeiros”, como eram chamados pelos autóctones, migrantes em sua própria terra. Tornavam-se, agora, vindo para São Paulo, duplamente imigrantes.

Se os imigrantes de Schio que permaneceram na cidade de São Paulo - como aconteceu

no restante do Estado – também haviam nascido, em sua expressiva maioria, na província de Vicenza, entretanto, a composição e o peso de cada segmento não se deram da mesma forma. Apresentaram-se, na Capital, algumas peculiaridades que queremos ressaltar, calcados nos dados fornecidos pela Tabela 13. Os nascidos no município de Schio diminuem de importância, baixando dos 45,9%, alcançados na emigração para o Estado, para 23,5%, uma queda que os reduziu quase à metade do peso anterior. Isso nos revela um dado importante: dos 12 aí nascidos, 8 (66,6%) eram crianças e menores com menos de 16 anos de idade e 5 (41,7%) eram filhos cujos pais haviam nascido fora do município. Os imigrantes nascidos em Schio com mais de 18 anos limitavam-se a apenas 4 (33,3%): a Pietro Nicola Tovaglia, com 26 anos; a Giuseppe Tovaglia, com 29; a Adalgisa Ronda, com 42; e a Giovanni Zanella, com 48. No Circondario nasceram 5 pessoas: 2 em Thiene; 1 em Malo; 1 em Marano Vicentino e 1 em Santorso. Contudo, o grupo mais significativo e majoritário foi formado pelos imigrantes nascidos em outros municípios da província de Vicenza, com a participação de 27,4% do inteiro contingente.52 Dois outros segmentos cresceram em proporção na Capital: os que haviam nascido na Capital provincial: Vicenza, passando de 7% no conjunto da imigração para o Estado para 13,7%; e os que haviam nascido fora da província (região, país, exterior) que, somados ao não declarado alcançaram o expressivo percentual de 21,6%. A participação dos imigrantes que tiveram Vicenza por local de nascimento é interessante porque daquela cidade, nas duas décadas que antecederam a imigração de 1891, se dirigiu para Schio um importante fluxo de migração interna. Esses trabalhadores eram, principalmente, artesãos que, com certeza, transformaram-se em operários da indústria têxtil. Três famílias dali se originaram: a de Girolamo Vicentin (cuja mulher, Maria Meneghetti nascera em Galiera Vêneta, província de Pádua); a de seu filho Antonio (cuja mulher, Artemigia Incerti, nascera em Modena); e a família Martinuzzi, cuja mãe era de Vicenza e o pai de Palmanova, no Friuli. Aos chegarem a Schio, em 1882, os Vicentins declararam exercerem a profissão de “sapateiro”. Vejamos o que aconteceu no Brás: as correntes imigratórias se distinguiram na Capital paulista entre a que se fixa em outros bairros e a que ruma para o Brás. Observamos que nesse Bairro entraram todos os que haviam nascido em Schio e que, de 1891 a 1895, dirigiram-se para a cidade de São Paulo. Esse volume de pessoas fez com que o peso desse segmento voltasse a ter preponderância sobre os demais. Todavia, trouxeram consigo também as mesmas características apresentadas na análise dos dados da tabela anterior, isto é, a maioria era constituída de menores com pais “estrangeiros”. Também a maioria [4 (57,1%)] dos que nasceram no Município de Vicenza e que se fixaram na Capital paulista rumou para lá. Mais significativo, entretanto, é que também a maioria dos que nasceram fora da província [6 (60%)] para aí se dirigiu, confirmando o que já havíamos levantado: a passagem por Schio desses trabalhadores – a migração interna - representou a ruptura com seus meios de sobrevivência. Como força de trabalho, estavam à mercê da dinâmica do mercado, da chamada lei da oferta e da procura, portanto, disponíveis para atender ao capital lá onde ele necessitasse: em São Paulo 52 Os municípios da província de Vicenza, onde nasceram imigrantes de Schio que se fixaram na Capital paulista, foram (os

números entre parênteses correspondem ao número de imigrantes aí nascidos): Montecchio Maggiore (7), Sarego (5), Arzignano (1), e Longare (1).

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(Brás), Buenos Aires, Nova Jersey, Thalwil53, etc. não importaria o lugar. Portanto, a etapa seguinte para esses migrantes internos, não poderia ser outra senão a imigração externa que os conduziria para outras áreas receptoras. São Paulo aparece como preferência porque se constituiu também num pólo de atração para os trabalhadores agrícolas que, em muitos casos, eram aparentados com os operários. Há famílias que se dividiram: uns foram para o Rio Grande cultivar a terra, produzir o vinho e viver como camponeses vênetos, outros permaneceram em São Paulo e tornaram-se ou continuaram a ser operários ou a exercer atividades profissionais urbanas. Schio não somente proletarizou parte do campesinato à sua volta mas, recebendo uma forte migração interna, constituiu, com estes, uma extensa classe de trabalhadores aptos a integrarem-se nas condições definidas pelas relações capitalistas – de âmbito internacional - hegemônicas daquela época e fundamentadas no chamado “livre comércio”. Mas como foram discriminados – do ponto de vista profissional – os imigrantes de Schio? Eram todos operários têxteis? Quais as outras atividades que exerceram? 33..1100.. OO aaddeeuuss aa SScchhiioo

O início das partidas do grande comboio de trabalhadores industriais de Schio se deu a partir do mês de fevereiro de 1891, talvez logo depois da greve do dia 17. Entretanto, durante todo esse mês, houve apenas um registro oficial de saída da cidade. Seu peso foi insignificante, como bem se pode observar pela tabela abaixo. Alguns dados que aí aparecem, nos chamam bastante a atenção. As correntes imigratórias que deixaram Schio, antes de 1891, foram constituídas por grupos de trabalhadores, de famílias individuais ou mesmo de pequenos grupos familiares. O que vemos retratado na tabela, contudo, é algo bem diferente. Nota-se que daquela cidade houve uma saída em massa que obedeceu a uma espécie de programação, ou melhor de uma ação combinada entre muitas pessoas.

Basta verificarmos que a imigração orientada para o Estado de São Paulo em que o grosso ocorreu entre 1891 e 1895, concentrou-se em apenas três meses de 1891: em março, com 39 (15,2%) imigrantes; em abril, com 77 (29,9%); e em maio, com 34 (13,2%), comprovando o que afirmava – referindo-se à imigração em geral vinda para o Brasil - o jornal operário “Adriatico”, em sua edição de 13 de abril de 1891:

Domenica partirono per il Brasile 550 emigranti, compresi i bambini; le altre due

spedizioni (...) furono di 400; poi vi sono quelli partiti e che partiranno com la Veloce il 24 (Aprile) e da ciò si possono dedurre le condizioni di lavoro di questo paese, nonostante l’intonazione rosea che qualche ottimista cerca dare alle sue corrispondenze.54

Vale dizer que 58,3% dos trabalhadores imigrantes deixaram Schio rumo ao Estado de São Paulo [à Capital: 53%; e ao Brás: 67,8%] exatamente durante esse trimestre de 1891, sem contar os que foram arrolados como “indiscriminados” – que certamente devem ter obedecido à mesma proporção – e cujas partidas não foram registradas pelos agentes públicos encarregados.

Essas saídas estavam, portanto, diretamente associadas às greves ocorridas em meados de fevereiro e logo no início de abril, caracterizando uma clara atitude de resistência coletiva às condições de vida e de trabalho proporcionadas pela indústria têxtil escledense daquela época. O mês de abril, sozinho, representou [para o Estado: 29,9%; para a Capital: 25,6; e para o Brás: 42,8] o período de maior peso nos índice de partidas, principalmente para os trabalhadores que se dirigiram ao Brás. Essa visibilidade na confluência dos imigrantes – que partiram num determinado período, para encontrarem-se depois num mesmo e determinado lugar (o Brás) - nos faz supor que houve alguns componentes prévios e comuns que constituíram essa corrente migratória específica. Queremos dizer que a data das partidas e o local de destino não foram

53 Nesta cidade suíça reunir-se-íam, no mês de setembro de 1914, vários imigrantes escledenses procurados pelas autoridades

italianas por serem considerados “subversivos” à ordem pública. 54 In “Adriatico”, 13.04.1891. Apud SIMINI, Ezio Maria Le origini a Schio ... op. cit., p. 206.

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escolhas aleatórias. Com certeza, os que rumaram para um mesmo lugar tinham afinidades não só profissionais, mas também políticas. Não nos devemos esquecer que em Schio já pululavam grupos de socialistas ligados a Andrea Costa, primeiro deputado de esquerda eleito para o Parlamento italiano, mas também os anarquistas cuja propaganda aguerrida se fazia através de larga imprensa operária. É sintomático que justamente nesse grupo de abril estivesse o, então, menino Giovanni Patroncini, posteriormente fichado e procurado pela polícia política italiana como um perigoso anarquista.55

TABELA 14 IMIGRANTES DE SCHIO NO ESTADO, NA CAPITAL E NO BRÁS (1891-1895)

PERÍODO DE SAÍDA DA ITÁLIA

NÚMERO DE IMIGRANTES

%

ANO

MESES ESTADO

CAPITAL

BRÁS

ESTADO

CAPITAL

BRÁS

1891 Fevereiro 1 0,4 - - Março 39 7 5 15,2 13,7 17,9 Abril 77 13 12 29,9 25,6 42,8 Maio 34 7 2 13,2 13,7 7,1 Julho 2 - 0,8 - - Agosto 2 2 - 0,8 3,9 - Setembro 4 2 - 1,6 3,9 - Dezembro 5 - 1,9 - - Indiscriminados 80 7 5 31,1 13,7 17,9

1893 Março 4 4 4 1,6 7,9 14,3 1894 Julho 2 2 0,8 3,9 -

Novembro 7 7 2,7 13,7 -

TOTAL DO ANO

257

51

28

100

Fonte: UACS

Como veremos, esses imigrantes não ficariam isolados, trouxeram e estenderam seus

vínculos muito além das fronteiras estabelecidas. É bem plausível que tenha havido algum contato prévio - por meio de algum imigrante de Schio que chegara num período anterior à imigração de massa - e que já conhecia o bairro do Brás e as transformações em andamento.

O fluxo imigratório estancou-se, porém, a partir do mês de junho de 1891. O número dos imigrantes que saem de Schio até o final daquele ano é pouco significativo, equivalente a apenas 5,1% do total que se dirigiu ao Estado de São Paulo. Um peso um pouco superior (7,8%) se deslocou para a Capital paulistana e para o Brás, não se apurou qualquer índice de partidas. Os imigrantes esparsos – pessoas e famílias individuais - que chegaram nos anos seguintes, até 1895, constituíram-se numa corrente intermitente de imigração, vieram mais reabastecer o grupo inicial. A atitude de resistência agora estava amparada nos vínculos de parentesco, políticos e até de amizade com os que haviam chegado no início daquele qüinqüênio.

33..1111.. AA ttrraavveessssiiaa

Tanto as listas de bordo quanto os próprios relatos dos imigrantes, nos dão conta que a maioria dos imigrantes do Norte da Itália partiu do porto de Gênova56, então, já o maior porto da Itália. Poucos embarcaram em Trieste e, menos ainda, foram aqueles que optaram pelos portos

55 Cf. Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1622 a – Patroncini, Luigi; Ver tb. VERONA, Antonio Folquito Relatório

Final das pesquisas desenvolvidas no período de 12.08.89 a 12.08.92. Assis, UNESP-DLM, vol. II, 1992, pp. 176 e 177. Família no. 139.

56 Sobre as condições do translado, escreve o historiador Angelo Trento que: (o imigrante trabalhador) recrutado quase sempre por agentes e subagentes (sic), vendidas as poucas coisas que possuía, encontrava-se em Gênova entregue a si mesmo à espera de embarque. Muitas vezes, lá chegava vários dias antes, por má-fé‚ dos agentes mancomunados com taberneiros e estalajadeiros, e era obrigado, algumas vezes, a privar-se até mesmo do que lhe sobrava. Sua sorte tampouco melhorava ao subir a bordo. TRENTO, A. Do outro lado ... op. cit., p. 44. Cf. tb. HALL, M. M. op. cit., p. 141.

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franceses, que ofereciam como vantagem a fuga do controle oficial italiano, mas que, em contrapartida, eram muito mais distantes das zonas de origem. De modo especial, partiram de Gênova os imigrantes que tiveram suas passagens subsidiadas pois a sede da Sociedade Promotora de Imigração na Itália - que visava atrair e transportar força de trabalho italiana para as lavouras paulistas, havia sido ali instalada desde 1887.57 O transporte dos imigrantes, no final do século passado, era feito por companhias de navegação privadas e seus registros acabaram, provavelmente, em algum arquivo particular, desconhecido até o presente momento.58 O que sentiram os imigrantes de Schio sobre essas carcaças, como eram chamados os vapores que, de barcos mercantis usados na cabotagem foram - de um dia para outro - transformados em transatlânticos capazes de trasladar milhões de pessoas da Europa e, principalmente, da Itália aos quatro cantos do mundo? Quem nos expressa o sentimento comum é ainda o sapateiro Nicola Viero , que se fixaria depois no Brás. Este trecho de sua carta denuncia de viva voz e com veemência duas situações degradantes a que foram submetidos os imigrantes: as péssimas condições de higiene e de alojamento; e a superlotação dos barcos.

Ecco arrivato l'ora della partenza; Adesso ti narrerò del bastimento; Sappi che il primo giorno che montai restai così talmente confuso che non ti posso descrivere, ma ora incomincio coll'avezzarmi. Ma come scrissero tanti altri che vorrebbero starci due o tre mesi, io ti dico che sto meglio alla forca che in questo seraglio di bestie che vanno alla vendita in altre terre, cioè mintendi; che si sta male perchè siamo in troppi e questa è la cagione di tutto questo. 59 Alguns anos mais tarde, em 1896, os Domenico Marchioro, filho de outra família operária de Schio, que fez a mesma travessia até o porto do Rio de Janeiro, encontrou as mesmas dificuldades. Domenico nos expressa com detalhes a experiência daqueles fatídicos dias: Partimmo da Genova nei primi giorni di giugno ed ebbe così inizio, anche per me, la dura esperienza dell’emigrante, una esperienza che mi mise presto a contatto con molti aspetti della vita i quali contribuirono a farmi conoscere anzitempo. La vecchia carcassa sulla quale c’imbarcammo era un mercantile attrezzato al trasporto di persone e si chiamava “Arno”. Le formalità dell’imbarco finirono a sera tarda, quando era già ora di scendere sotto coperta a dormire. Entrato nel dormitorio ebbi la sensazione di svenire per il caldo soffocante e il fetore caratteristico della terza classe di questa specie di piroscafi. Provai l’istinto impulsivo del bambino di chiamare la mamma, ma uno dell’equipaggio mi fece capire brutalmente che le donne, coi i più piccoli, dovevano di notte restare separate nelle loro cabine. Così dopo qualche istante d’esitazione mi gettai su una cuccetta e mi addormentai pesantemente (...)60 Além de reeditar e comprovar, nesse parágrafo anterior, a denúncia que já havia sido feita por Viero a respeito das desumanas condições higiênicas, Domenico vai, mais adiante, aumentar sua lista, mostrando como sofriam as mulheres mães e, particularmente, as criancinhas, quando afirma que: Ero un ragazzino e mi abituai presto alla vita di bordo, anche se quella carretta faceva spesso la danza del ventre. Assai più difficile abituarvisi fu per le donne, quasi tutte cariche di piccini e soggette più degli altri al mal di mare. Guai però ad ammalarsi sul serio, poiché nel piroscafo non c’erano né infermeria né medico. Faceva le veci di medico un graduato

57 Cf. TRENTO, A. Do outro lado ... op. cit., p. 110. Vários imigrantes foram também transportados por vapores franceses como o

Bearn, o Bretagne e o Poitou que pertenciam à Societé Générale de Transports Maritimes a Vapeur de Marseille. Os vapores: Andrea Doria, Attività, Las Palmas e Vittoria pertencia à Companhia “La Veloce Navegizione Italiana. Cf. respectivamente: OESP - No. 4761, São Paulo, de 10 de janeiro de 1891, p.4; e No. 5302, de 6 de dezembro de 1892, p. 3.

58 No M.I., faltam as listas de bordo de praticamente todo o ano de 1891. Apesar do nosso empenho e o dos funcionários da Prefeitura de Schio, não foi possível localizá-las tb. na Itália. Os contatos feitos com a “Capitaneria dei Porti”, em Gênova, e com o Ministério do Interior, em Roma, resultaram em vão. O acesso a elas teria permitido identificar, senão todos, pelo menos um número ainda maior de imigrantes escledenses entre os passageiros dos respectivos vapores. Diante dessa ausência documental, nos ativemos aos dados registrados no M.I.

59 BCS: Lettera di Nicola Viero ... op. cit., p. 1. 60 MARCHIORO, Domenico op. cit., p. 3.

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dell’equipaggio non troppo complimentoso chiamato il “cavadenti”. (...) Ci vollero ben trenta giorni per fare la traversata.61 33..1122.. DDoo ppoorrttoo àà HHoossppeeddaarriiaa Quando se pensa na entrada de imigrantes no Estado de São Paulo‚ é de praxe se acreditar que a maioria tenha desembarcado no porto de Santos. No que se refere à imigração escledense, entretanto, os resultados vão na direção oposta a essa afirmação. Apenas 32,7 % [19,6% para os que ficaram na Capital; e 10,7% para os que foram para o Brás] desembarcaram no porto de Santos. Portanto, dos dois portos brasileiros que receberam os imigrantes provenientes de Schio, o porto do Rio de Janeiro foi o mais utilizado alcançando a maioria absoluta dos que dirigiram-se ao Estado de São Paulo (53,7%) decaindo um pouco nesses índices para os que se fixaram na Capital paulista (49%) e elevando-se acima de todos os percentuais anteriores para aqueles que iriam morar e trabalhar no Brás (64,3%).

TABELA 15

IMIGRANTES DE SCHIO NO ESTADO, NA CAPITAL E NO BRÁS (1891-1895) PORTOS DE DESEMBARQUE

NÚMERO DE IMIGRANTES

%

PORTOS DE DESEMBARQUE

ESTADO CAPITAL BRÁS ESTADO CAPITAL BRÁS

Rio de Janeiro 138 25 18 53,7 49 64,3 Santos 84 10 3 32,7 19,6 10,7

Não identificados 35 16 7 13,6 31,4 25

T O T A L

257

51

28

100

100

100 Fonte: MI

Vale notar que entre os que desembarcaram no Rio de Janeiro, 10 imigrantes que

dirigiram-se ao Estado de São Paulo e 6 dos que dirigiram-se para a Capital e para o Brás, o fizeram no terminal chamado “Pinheiro”. Daí, tomavam o trem da Estrada de Ferro do Norte (depois Central do Brasil) e apeavam na Estação do Brás, de onde seguiam depois para a Hospedaria dos Imigrantes que ficava a poucos metros daquele local.62 Sobre os que não foram identificados, retomaremos a seguir. Antes porém, queremos relacionar as datas dos desembarques e dos conseqüentes ingressos na Hospedaria dos Imigrantes do Brás, visto que o período de traslado se completava em apenas um dia. Confirmando o que já havíamos observado, as chegadas (com um mês de diferença das partidas – tempo médio gasto com o traslado) corresponderam substancialmente ao movimento de saída da Itália.

Quem saiu de Schio em março de 1891 em direção ao Estado de São Paulo, deveria, teoricamente, ter dado entrada na Hospedaria em abril seguinte. Essa tendência se confirmou, pois se na Tabela 14 aparece que, entre março e maio, partiram de Schio 58,3% dos imigrantes,

61 Idem, pp. 3-4. 62 A maioria, como já se viu, procedia do Rio de Janeiro. Cabe aqui uma indagação. Quais seriam as possíveis razões que levaram as

autoridades federais a utilizarem-se desse expediente? Sendo as passagens totalmente gratuitas e os imigrantes se destinando ao Estado de São Paulo, não se entende por que devessem desembarcar no porto do Rio, a quase 500 km. de distância, para depois tomar o trem até São Paulo e só aí poderem dar entrada na hospedaria paulistana. Seria por medidas profiláticas? Seria por exigência das companhias de navegação que não queriam atracar no porto paulista? No Rio, havia um mínimo de infra-estrutura para hospedar tanta gente. É sabido da existência, na época, de uma hospedaria na Ilha das Flores, para atender a essas finalidades. Todas as tentativas de resposta, por enquanto não passam de meras conjecturas, pois não encontramos nenhuma efetivamente plausível. A propósito das condições de desembarque no porto do Rio, eis o que nos conta Marchioro: Approdammo dapprima in un’isola chiamata “Isola Grande” vicina alla baia di Rio de Janeiro dove sostammo sul piroscafo per la quarentena che si protrasse ben oltre quaranta giorni prescritti. Ci sbarcarono quindi, nell'Isola dei Fiori (...) Cf. MARCHIORO, Domenico, op. cit., p. 4.

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os registros da Hospedaria do Brás informam que 73,5% deles aí entraram nos três meses consecutivos, isto é: abril (8,2%), maio (56%) e junho (9,3%).

TABELA 16

IMIGRANTES DE SCHIO NO ESTADO, NA CAPITAL E NO BRÁS (1891-1895) PERÍODO DE ENTRADA NA HOSPEDARIA DOS IMIGRANTES

NÚMERO DE IMIGRANTES

%

ANO

MESES ESTADO

CAPITAL

BRÁS

ESTADO

CAPITAL

BRÁS

1891 Março 6 - - 2,3 - - Abril 21 2 - 8,2 3,9 - Maio 144 21 18 56 41,2 64,3 Junho 24 7 2 9,3 13,75 7,1 Julho 3 - - 1,2 - - Agosto 3 1 1 1,2 2 3,6 Setembro 2 - - 0,8 - - Outubro 9 2 - 3,5 3,9 - Novembro 3 - - 1,2 - - Dezembro 5 - - 1,9 - - Indiscriminados 24 5 3 9,3 9,8 10,7

1893 Indiscriminados 4 4 4 1,6 7,8 14,3 1894 Agosto 2 2 - 0,8 3,9 -

Indiscriminados 7 7 - 2,7 13,75 -

TOTAL DO ANO

257

51

28

100

Fonte: UACS

Nota-se que a diferença da tabela anterior, na Tabela 16 o número de “indiscriminados” (cujo mês de saída de Schio não foi estabelecido com precisão) caiu de 31,1% para 9,3%. Malgrado as imprecisões em muitos dos registros de saída, nota-se que há uma certa proporcionalidade entre os percentuais obtidos nas duas tabelas.

Esses números ressaltam ainda mais, portanto, a existência já aludida anteriormente de uma imigração articulada, isto é, o “comboio de abril” – 144 imigrantes distribuídos em 40 unidades familiares - que chegou à Hospedaria em maio de 1891. Além da importância dos aspectos quantitativos que essa corrente específica encerra, é preciso notar-se também sua riqueza e complexidade. É no mês de maio que podemos encontrar o desembarque do grupo mais consistente de famílias (20 das 37) onde um dos responsáveis fora cadastrado como operário têxtil. A maioria [135 pessoas (52,5%)] desembarcou entre os dias 13 e 27 de maio e somente no primeiro dia deste período desembarcaram 49 pessoas (19,1%) que haviam viajado num mesmo e único vapor: o “Regina Margherita”, que atracou no porto do Rio de Janeiro.63

Entre os que chegaram no “comboio de abril” e desembarcaram no dia 13 de maio de

1891, estava Giovanni Patroncini, então ainda criança e que pertencendo a uma família de anarquistas, ao voltar à Itália, seria procurado pela polícia política italiana como alguém perigoso à segurança nacional italiana.64 Encontrava-se entre eles também o intelectual, certamente engajado politicamente, Giuseppe Renzi, romano de nascimento, que vendia livros em Schio, antes de embarcar para São Paulo com outros seus companheiros operários.65

63 É irresistível (e por isso fazemos menção) o apelo, ainda que numa analogia totalmente aleatória, ao “Mayflower”, de 1620, que

levou os puritanos ingleses ao Massachusetts. Os que desembarcaram no dia 13 de maio no porto do Rio, estavam as seguintes famílias escledenses: BONIVER; DANIELE; DE LUCA; GHIOTTO, Bortolo; GHIOTTO, Vittorio; LUCCARDA; MAGNANI; MENIN, Girolamo; MENIN, Pietro; PATRONCINI, Giovanni; PATRONCINI, Luigi; RENZI; TESCARI; VICENTIN, Antonio; VICENTIN, Girolamo; e ZAMBELLI;

64 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 1622 a – Patroncini, Luigi; e MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 25, fls. 218.

65 UACS: Registro di Popolazione: Foglio di Famiglia no. 682B – Renzi, Giuseppe; e MI: Livro de Registro de Imigrantes no. 25, fls. 214.

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Diminui o peso dos que chegaram em maio e se fixaram definitivamente na cidade de

São Paulo, vista como um todo. Entretanto, se os restringimos somente ao bairro do Brás, eles passaram a representar 64,3%, demonstrando mais uma vez ter havido uma escolha intencional e prévia do destino a ser atingido.

44.. NNoo ddeesseemmbbaarrqquuee,, aass pprriimmeeiirraass iimmpprreessssõõeess

Foi Nicola Viero , através de sua carta, quem nos comunicou como foram as primeiras sensações experimentadas pelos imigrantes de Schio quando se depararam pela primeira vez com a nova realidade. O primeiro impacto, ao deparar-se com a baía de São Vicente, foi o deslumbre da beleza natural:

Ora Ecco arrivato a San Vincenzo; Oh! se vedessi Pietro che bella veduta (...) Vidi

ancora il paese il suo porto, le belle montagne che lo circondavano. Dico il vero che restai meravigliato, insomma bisogna viaggiare per vedere qualche cosa di nuovo. Questo è quanto vidi stando incima al Bastimento,66

Logo a seguir encontra a miséria vivida pelas populações ribeirinhas e, especialmente

pelos filhos de pecadores que se sujeitavam a peripécias para conseguir comida ou alguma moeda que lhes jogavam do convés. O espanto, talvez, tenha se dado menos por reencontrar a precariedade das condições de vida e mais por revê-la sob uma nova e inesperada roupagem:

(...) intanto per primo osservai una quantità di gondoglieri che ci venivano incontro per chiedere del pane per mangiare; Poi vidi dei giovanetti che saltavano nell'acqua per prendere un soldo che noi altri glielo butavamo per vederli nuotare.67 A atração que lhe exercia a nova terra, contudo, foi maior que as iniciais desilusões e, assim, não se furtou a continuar investigando-a:

(...) Verso le 10 ant. smontai da detto (bastimento) e con una piccola barca me ne andai in paese curioso di vedere come la era. Per primo andai con dei (compagni) a mangiare un boccone; cioè una scattola di sardine, e del pane che questo era quanto potevano avere in quei luoghi, il vino a una lira alla bottiglia abbastanza buono (...). Poi andai a camminare un po’ il paese e quivi vidi qualche cosa di bello (...)68 A investida, contudo, trouxe-lhe outro sobressalto. O que viu – impensável para o ambiente beato e puritano de Schio - deve ter-lhe provocado algumas considerações sobre a lascividade pública das mulheres que viviam na prostituição portuária. Com ênfase afirmou:

(...) mi fu indicato dei postriboli che a me pare impossibile che in quei luoghi esistessero. Ah! bisogna vedere per credere. Quelle donne del posto nominato erano nude come la natura le fecero. Ti poi immaginare Pietro il ridere che feci nell'osservare quei strani e dico anche ridicoli costumi.69 Finalmente, depois de 10 dias de quarentena, o imigrante de Schio desembarcou de modo definitivo no porto de Santos e daí rumou para a Capital paulista. Pernoitou apenas uma noite na Hospedaria para, a seguir, ser imediatamente assumido numa sapataria, na Rua Visconde de Parnaíba, como já citamos. Ao contato com a vida operária de seus conterrâneos que por alí também viviam, iria escrever com certo amargor:

66 BCS: Lettera di Nicola Viero ... op. cit., p. 1. Ver tb. Apud SIMINI, Ezio Maria Italiani in Oceania – Un operaio agli antipodi:

Pietro Munari, italiano in Australia. Schio, Home Page: Saggi Italiani in Oceania, 1997, pp. 6-8. 67 Idem. 68 Ibidem. 69 Ib.

Page 34: 355tulo II pp 40-73 .doc) - UNESP: Câmpus de Assis · foi o Brasil. 9 O Setor Demográfico da Prefeitura de Schio [Ufficio Anagrafe del Comune di Schio (UACS)], que coleciona cadastros

Capítulo II: Os imigrantes insurretos de Schio que vieram para São Paulo e para o Brás.

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Sappi che chi ha un'arte alle mani può partirsi dal suo paese ma come gente di fabbrica

è meglio che vi stia per una lira al giorno più tosto di venire a San Paulo (...)70 Foi com esse impacto - que permeou tanto a compreensão cultural da vida quanto das condições objetivas de produção e sobrevivência - que os imigrantes de Schio se depararam com a nova realidade. O ânimo que daí se originou iria corroborar na efetivação de estratégias que iriam adotar tanto para resistir as investidas da violência institucional quanto para alcançar sua acalentada utopia.

70 Ib.