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© 2011 Esta obra foi registrada no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional Rio de Janeiro Brasil, conforme Registro Nº 205.241 - Protocolo: 2000/RJ/7906, datado de 17/07//2000. É livre a cópia em meio eletrônico e a impressão deste documento, em caráter total ou parcial, desde que citada a fonte e o sítio da internet onde for encontrado. É vedada a reprodução em outros sítios da internet ou a divulgação a título oneroso sem autorização de Manoel Argôlo Nunes. Contatos com o autor através do e-mail [email protected] O PORTO DAS ILUSÕES Pecadores somos todos nós, pois na busca por acertos, tropeçamos também com nossos próprios erros. Isto é próprio da índole humana. Por isso mesmo, sabiamente nos disse Jesus: “Aquele que não tiver pecado atire a primeira pedra”. Você velejará nas ondas do destino com personagens envolvidos em tramas que bem se assemelham às de muitos de nós mesmos.

4. o Porto Das Ilusoes

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© 2011

Esta obra foi registrada no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional – Rio de

Janeiro – Brasil, conforme Registro Nº 205.241 - Protocolo: 2000/RJ/7906, datado de

17/07//2000.

É livre a cópia em meio eletrônico e a impressão deste documento, em caráter total ou

parcial, desde que citada a fonte e o sítio da internet onde for encontrado.

É vedada a reprodução em outros sítios da internet ou a divulgação a título oneroso sem

autorização de Manoel Argôlo Nunes. Contatos com o autor através do e-mail

[email protected]

O PORTO DAS

ILUSÕES

Pecadores somos todos nós, pois na busca por acertos, tropeçamos também

com nossos próprios erros. Isto é próprio da índole humana.

Por isso mesmo, sabiamente nos disse Jesus: “Aquele que não tiver pecado

atire a primeira pedra”. Você velejará nas ondas do destino com personagens

envolvidos em tramas que bem se assemelham às de muitos de nós mesmos.

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

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MANOEL ARGOLO NUNES

17/07/2000

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

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NOTA DO AUTOR

Os nomes dos locais e de pessoas físicas e jurídicas, citados nesta obra não

correspondem especificamente a realidades. Quaisquer semelhanças com fatos verídicos

serão apenas meras coincidências.

Usamos nomes fictícios, por razões éticas.

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

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I

Somos todos viajantes eternos, desde o início de nossa jornada. Movimentamos nosso

frágil feto já no ventre de nossa mãe. Medrosos e inseguros, damos nossas primeiras

passadas antes de um ano de idade, sob os cuidados de nossos pais.

Somos frutos do amor e, por isso, se do amor nascemos, caminhamos a vida inteira

neste mar ora calmo, ora tenebroso, mesmo que seja da forma mais velada que se possa

imaginar.

Aqui atracou o navio do destino, onde passeiam turistas animados, frios ou

simplesmente desiludidos que desabafam suas mágoas ou contam suas proezas..

Desculpe-me. Esqueci de me apresentar. Eu sou Lúcio. Tenho sido testemunha de fatos

ou depoimentos de outros companheiros e companheiras de” tournée”. Ah! Como sou,

às vezes, indiscreto! Em determinadas ocasiões ouço e vejo o que não devia.

Aqui no porto das ilusões, com a alma desnudada, entre um chope, uma lágrima e um

sorriso, muitos turistas tripulantes de nosso barco descortinam os acontecimentos mais

marcantes de sua existência, ou que desejam manter vivos em suja memória.

Dê uma olhada em nossa embarcação; ela está ancorada. Se quiser, viaje conosco...

Você vai ouvir muitas estórias; (ou histórias com h?)

Se for esta a sua vontade, sorria nos depoimentos agradáveis. Ou chore com os

sofrimentos dos queixosos; porém, vibre e torça por aqueles que relatam ou vivem

ciclos felizes de seu caminho.

Talvez, em determinados momentos de nossas palestras íntimas, se é que podemos

chamá-las assim, você também se recorde de ter passado por situações idênticas às dos

passageiros de nosso navio e pode até ter sentido as mesmas emoções que sentimos.

Aqui no porto, nossas ilusões pairam livres no ar, pois somos atores de brinquedo.

Brincamos de viver. Fazemos de conta que somos venturosos. Só carregamos em nossa

bagagem lembranças do passado e visões do porvir. O palco onde lhe mostramos nossas

cenas é modesto, mas nele nos entretemos, pois se trata de nosso pequeno mundo.

Nosso porto está nos lares, nas ruas, nas escolas e em qualquer parte onde pessoas

pisem no chão, mas consigam ver o sol.

Por favor, seja bem vindo ao nosso “barco”, que está parado aqui no porto das ilusões.

Um dia ele foi, ou poderá ser, tão seu quanto nosso.

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

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II

Aqueles que estão sentados à nossa direita são Gevânio e Camile. Pela quinta vez nesta

semana, ele mostra orgulhoso o papel que segura nas mãos. É um bilhete de Paula. Olha

quem vem chegando!

- Mauro!

- Oi, Ramere.

- Como sabes que aquele papel é de Paula?

- Gevânio mostrou-me. Gabão que só ele.

- O que diz?

- Bem... deixe-me lembrar... Já sei.

“Gevânio, se lhe obrigarem a fazer alguma coisa que detesta, não fique triste, pois o

mais importante já foi feito (você).”

- Poxa! Que chic!” Não é, Mauro? Eu queria ouvir uma declaração idêntica de tua

parte.

- Algum dia você a terá, Ramere, se seu coração chegar a ser livre.

- Mauro, vamos ver a palestra do professor Gevânio.

- Vamos, Ramere.

Várias cadeiras foram postas no salão do auditório da Escola. O Mestre Gevânio é um

homem andado; entende de tudo um pouco. Formou-se em economia; entretanto, por

falta de melhor oportunidade de emprego, está ocupando uma vaga do corpo docente

daquele estabelecimento de ensino. É daqueles que só sabem explicar escrevendo..

Camile continua a seu lado; conheceram-se há poucos dias. O palestrante trouxe papel

em branco; mas, ... e a caneta?

- Alguém me empresta uma escrevente?

Camile adiantou-se.

- Empresto, professor. Empresto-lhe tudo que o senhor quiser (completou baixinho.).

O pequeno homem de óculos, recebendo o “presente”, agradeceu-lhe, sem perceber

naquela hora o verdadeiro significado de tais palavras.

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

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Agora no meio da platéia, Camile lançou-lhe um olhar esfuziante, de fera indomável

provocadora, ou de animal ferido em recolhimento.

A noite ia alta, quando os assistentes, de pé, aplaudiram o “pedagogo”, o qual versara

sobre Relações Humanas.

Na semana seguinte, ela o chamou para sentar-se a seu lado, no pátio do colégio. Só

havia uma cadeira. A jovem trajava uma roupa de linho preto (blusa e calça) e exibia

suas pernas bonitas vestidas, em forma de triângulo agudo. O triângulo que é símbolo

da sabedoria e do poder, contudo, parecia mais ser portador de uma volúpia. Gevânio

respondeu-lhe:

- Pode ficar sentada.

Não obstante, aquela frágil criatura levantou-se e forçou-o a pousar seu corpo sobre a

cadeira ainda quente.

Camile falou baixinho:

-Sinto que te amo..

Depois, refazendo-se, consertou:

- É brincadeira, Gevânio.

Conversaram animadamente, as mãos suaves de Camile acariciavam com leves toques a

camisa marrom do instrutor. Este lhe retribuiu o gesto com um toque viril na parte

superior de suas costas.

Certa feita, numa de suas aulas, entre olhares e sorrisos, e com a língua a “lavar” os

lábios, a aluna deixou cair disfarçadamente um lápis, à frente de sua carteira.

Gentilmente o professor fez questão de apanhá-lo para a dona. Mais tarde, Camile

pediu-lhe uma explicação do exercício do dia. Gevânio aproveitou o ensejo para

aproximar-se dela; a garota sentiu-se tocada e enlevada por sua voz e seu perfume.

O docente continuou suas explanações num quadro de giz. Em determinado momento,

encarou sua aluna que, ao percebê-lo, teve uma tremura no ventre e nas pernas, mas

respondeu-lhe com um sorriso.

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- Mauro, para de falar sobre a vida dos outros. Você não sabe que isso é feio? – bradou

Ramere.

E continuou:

- Nunca mais conversamos como antigamente.

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

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- É tempo que não me sobra. Ora matamos o tempo, ora o tempo nos mata aos poucos –

retorquiu Mauro.

Porém, o que a velha amiga queria de Mauro era estar ali, junto dele. Depois de

demonstrar admiração, com uma língua agitada quase a verter sangue, Ramere fez um

zigue-zague com seu corpo forrado por um tecido fino e ajustado às suas carnes,

caminhando um pouco, e prosseguiu conversa, agora à sombra de uma palmeira, tendo

como testemunha uma lua cheia de magia, paz e sedução.

Contemplavam o céu cheio de estrelas, até que observaram Gevânio a poucos passos de

Camile, a perscrutar-lhe o rosto. Camile contorceu as faces e virou os olhos para cima.

Que sentiu naquele instante? Ansiedade? Dor? Ou prazer sensual? Apenas um “Ai, meu

Deus” foi o sinal de resposta. Repito o que dizia Salomão: Quem pode adivinhar o que

se passa no coração da mulher?”

Deixemos Mauro e Ramere, Gevânio e Camile com seus anseios para os próximos atos.

Ao embalo das ondas do mar dos desejos, a vida continua e o espetáculo não pode

parar.

Graça procurou-me, a mim mesmo, Lúcio, quase desesperada, em noite recente. Perdera

um filho em gestação. A dor e o remorso lhe corroíam a mente e o corpo. Lembro-me

bem de tê-la ouvido dizer-me: “Passamos por certas coisas tristes na vida..., que não

resistimos e vamos morrendo aos poucos.”

Procurei confortá-la.

- “Importante não é pensar na morte; de vital valor é buscarmos a possibilidade de

ressurreição, seja ela moral, espiritual ou psicológica, contanto que seja real.”

Todavia, a sós em meu leito, associei as lembranças dos encontros de Mauro com

Ramere e de Gevânio com Camile às lamentações de Graça e cheguei à conclusão de

que o prazer e a dor caminham lado a lado.

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III

A manhã ensolarada mostrava três arvoredos a contemplarem nuvens ambulantes no

céu. Camile observava o espetáculo pela claridade que vinha da janela de seu quarto. A

sós, pensava intensamente em Gevânio. “Onde estará aquele homenzinho de olhos

meigos? Por que deixa transparecer, ao mesmo tempo, um sorriso tipo colgate e uma

“dor” profunda nas suas pupilas? Que mágoa o entristece, a ponto de, em certas

oportunidades, fazê-lo empalidecer-se, até nos momentos demais descontração e

alegria? Por que seus sacos lacrimais refletem um clarão simultaneamente sedutor e

frustrado?”

Camile quase não dormira. Parecia delirar.

“Ah! Gevânio!... Imaginava com sua mente viçosa de menina de dezesseis anos: “Como

te adoro...!”

Levava os dedos a seus lábios, cheios de carne e restos de batom da noite anterior. Em

seu devaneio sentia-o como se a beijasse. Seus seios se avolumavam, ensinando-lhe que

se encontrava pronta para ser mãe, pelo menos no que lhe dotara a natureza. O vento

nos arvoredos parecia assobiar de excitação, partilhando da ansiedade febril que aqueles

seios alimentavam.

Mesmo sonolenta, fora à feira, a pedido de sua genitora, fazer algumas compras.

Encontrara pequeno grupo de amigas. Unidas, passaram a cantar e a mexer as cadeiras.

Com ar ingênuo de apaixonada, repetia de vez em quando: “Meu Deus, como eu o amo!

Ah! Se estivesse aqui agora...! Como seus olhos castanhos me enlouquecem!”

Não notara que, a poucos metros, Gevânio, parecendo um guarda-costas, media com as

vistas todas as curvas de seu corpinho de rapariga pronta para o amor. Camile fez sumir

a cor de seu rosto.

O professor quebrou o gelo da surpresa.

- Bom dia, meninas!

- Bom dia, profe!

- Gostei de ver. Vocês cantam bem e rebolam melhor ainda.

- Ó, profe, não me olhe com esse jeitinho de gado pedindo comida.

- Por que, Camile?

- Eu não agüento. – respondeu a estudante.

Sem entender direito o recado, ele seguiu caminho. Uma intensa onda de calor sensual

subia-lhe por todo o corpo.

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

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Olhava algumas vezes para trás e via sempre Camile remexendo seu ventre em sua

direção, a fitá-lo, resmungando algumas palavras aparentemente ininteligíveis e

sorrindo baixinho para as amigas, que também riam com ela.

À noite, no final da aula, Camile ainda continuava em sua carteira concluindo sua

tarefa. Todos já haviam se retirado, exceto o professor. A sós, Gevânio tomou-lhe o

lápis de seus dedos e começou a fazer seu exercício, ao tempo em que olhava sua

discípula dentro dos olhos e falava com voz máscula perto de seu rosto; como se

estivesse hipnotizada, a jovem deixava penetrar para dentro de sua boca e suas narinas o

hálito quente que soprava da boca de Gevânio. Não deu outra: a atividade escolar que

esperasse; agarrou seu mestre pelo pescoço e o beijou intensamente. Aqueles dois

corpos se agitavam como as ondas de um maremoto.

Saíram da sala e da escola, fingindo nada terá acontecido. Foram conversar próximo a

um gramado. Ali mesmo dormiram; e a adolescente saboreou os encantos do amor. O

seu ídolo a transformou em mulher.

Já em casa, Gevânio saboreava ainda as reminiscências da madrugada. Não sabia se, de

fato, a amava. Por que, então, explorara tanto os sentimentos daquela gatinha de jeito

meloso? Por que se deixava arrastar pelo impulso frenético de Camile? Para ele, amor

era coisa séria. Mesmo assim, recostado num sofá, acabou adormecendo.

Em seu lar, também Camile dormia feliz; nos delírios de seu sono constatava que fora

realmente amada e viu “suas terras virgens” exploradas pela primeira vez. Nesse frenesi,

repetia, então, para si mesma: “Eu o amo”. O que não escondeu quando o professor

voltou a entrar na sala de aula, logo mais após o novo entardecer, momento em que a

“flor desabrochada” respirou fundo com os olhos nublados de lágrimas, a molharem o

rosto de um sorriso tristonho.

O teacher, como alguns o chamavam, porém, fingiu naquele instante nada ter ocorrido.

Precisava manter-se em sua posição de professor num recinto onde estudavam quarenta

e sete alunos.

Algumas risadas e cochichos ecoaram na sala. Gevânio estava perturbado, mas

demonstrando impassibilidade, fazia navegar o giz no quadro, para correção dos

exercícios do dia anterior. Ao fim de sua aula, deixou a turma, dando graças ao Criador,

por ver-se livre de fofocas e comentários, ao menos temporariamente.

Camile enviou-lhe um olhar de frustração, expectativa e medo. Só Deus seria capaz de

medir a temperatura daqueles dois corações naquele momento.

Amada e amante ainda teriam um longo caminho a percorrer.

Três dias depois, D. Eliara, a diretora do estabelecimento escolar, mandou chamá-lo a

seu gabinete, onde lhe disse:

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- Diante do que todos comentam, o senhor não reúne mais condições para continuar

lecionando nesta escola. Está despedido.

- Não sou de gesso, minha senhora; sou humano.

- Será punido para exemplo dos demais.

- Estou me sentindo bastante humilhado.

- Então, procure dar a volta por cima. Cresça e depois apareça. – argumentou Eliara.

- Vou tentar fazê-lo, senhora diretora. – respondeu Gevânio, retirando-se do recinto sem

olhar para a superiora hierárquica.

O economista passou a viver retirando mesadas da reserva financeira que

prudentemente vinha acumulando.

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IV

O LARGO DA Prefeitura Municipal está repleto. Uma grande extensão forrada de

gramas, paralelepípedos e flores rodeia o prédio. A cidade possui aproximadamente

cento e quarenta mil habitantes, dos quais, cerca de dezoito mil ali deram o sinal de sua

graça. Uma tarde nublada alivia a tensão e o calor da massa popular. O chefe do poder

executivo municipal exalta o dia da emancipação política, lembrando a necessidade de

vigilância constante do povo no combate à violência; ressalta as obras públicas

realizadas em sua gestão; promete mais trabalho, educação e muita honestidade na

administração de seu governo. Com esposa e quatro filhos a seu lado, faz vibrar com

orgulho suas cordas vocais. Bom governante, isto ele é. Aquela gente confia em suas

promessas, tanto quanto o povo hebreu esperava o maná no deserto, em todas as

manhãs. Mas nem todos são expressão do otimismo quase generalizado.

Assentados sobre um banco de mármore, Mauro e Gevânio sorvem de forma calculista

pequenos goles de cerveja. As faces de Mauro estão contraídas. Seu companheiro tem o

rosto tenso; acabara de contar-lhe a sua aventura com Camile. Assustado, Mauro

perguntou-lhe:- E agora?Provavelmente serás pai daqui a poucos meses.

- Impressão tua; isto não me preocupa.

- Estás a fim de assumir a paternidade e desposar a garota?

- Fiz vasectomia.

- Entendi tudo. Ela sabe?-interrogou Mauro.

- Não. – respondeu Gevânio.

- Então comes a maçã do paraíso só pelo gosto da fruta?

- Pelo seu sabor e por minhas necessidades.

-Não pensas naquelas que comungam de teus desvarios?

- Para mim o amor não é um desvario. É tão nato no ser humano quanto o é a atração

das abelhas pelo néctar das flores e tão natural quanto o praticado pelos animais.

Outrossim, quem satisfaz meus apelos carnais também fica saciada de sua fome de

carícias e de amor.

- Pareces um cínico. - falou Mauro.

- Simplesmente não sou hipócrita nem demagogo; as coisas são o que são. O enlace

entre dois seres de sexos opostos acaba dando nisto.

- Tu vais esquecer Camile?

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- Nosso amor apenas está começando. O destino é quem jogará a última carta. –

respondeu Gevânio, assumindo um tom de quem não queria mais versar sobre o

assunto.

- Eu também tenho um nó na garganta para desatar. – disse Mauro.

- Fala, puritano. – pediu o amigo.

- Amo intensamente uma jovem.

- E daí? Que mal há nisso?

- Ela nem percebe que eu existo.

- É de nosso meio social?

- É minha colega de escola.

- Ex-aluna minha?

-Não.

- Mauro, se esperaste até hoje, insiste. A oportunidade virá.

- Lamentavelmente não.

- Por quê?

Queixoso, Mauro assumiu um ar de vítima e desabafou:

- Certa feita, eu seguia três garotas que não cessavam de tecer elogios a ti. Atribuíam-te

todos os predicados que admiravam num exemplar do sexo forte: elegância, maneira

gentil de falar, prudência (imagina só...), responsabilidade, ausência de vícios... Arre!

Não vou ficar aqui te exaltando como elas fizeram.

- Nisto que disseste não há nada demais. Se não sou santo, também não sou de lá do

bloco dos maiores pecadores.

- Gevânio, tu tens sempre uma solução para os problemas; o valor para o x de todas as

questões.

- No que me disseste ainda não enxerguei a razão de teu inferno astral.

- Pois bem. – Uma das jovens acrescentou. E prosseguiu:

- Vocês ainda não viram em nada. Querem colocar o professor nas nuvens. Conversem

com Eliene. Só pensa nele; só fala dele. Aliás, parece não querer fazer outra coisa.

- Mauro, se isto ame dá prazer íntimo, porém não significa que eu seja dono de seu

coração. São fantasias de adolescente.

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- Então arregala bem os olhos que vou te contar outra.

- Desembucha de vez, meu querido.

- Um dia descobri, em seu caderno, um poema escrito a mão, de autoria da própria

jovem, colocando-te um pouco abaixo de Deus e acima dos anjos cupidos do amor.

Fiquei com raiva e arranquei a folha de caderno.

- Malvado!

- Trago-a comigo, para me lembrar que jamais terei seu afeto. Queres ler?

- Dá logo o queijo ao rato que ele está com fome. – adiantou Gevânio.

- Toma. Mata teu apetite.

Eis a mensagem:

“Pequeno Deus que domina minha alma,

Por que escravizas tanto meus sentimentos?

Por que estou aqui tão só a ver teu vulto ao longe,

Apenas como consolo?

Eu queria voar mais alto que as águias;

Sendo pequena, ser grande,

Para envolver o teu mundo com meus pensamentos coloridos pela solidão.

Queria ser um querubim

Para velar tuas mágoas, teus anseios e teus delírios.

E, pasmo, entre espasmos,

Tu me seguirias,

Inspirado pela minha paixão que vibra e que dói,

Compassivo,

Tu me darias teu corpo cativante;

Comovido,

Tu me darias ao menos as migalhas de tua ternura.

Mas sou frágil, sou apenas menina...

Um dia saciarás tua sede na fonte de meu afeto.

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E eu te darei o mel de meu carinho juvenil!

E tu beberás da fonte da água da vida de minha alma.

De Eliene Compostela para Gevânio.”

Embevecido, Gevânio entregou o papel a seu colega. Mauro mudou de idéia e fez ecoar

sua voz cavernosa:

- Fica com ele. Talvez sirva mais para ti que para mim.

- Quem é a moça?

- Descobre por ti mesmo.

Com noite já escura, retiraram-se, dando adeus à garrafa de cerveja, sem notar, sequer,

que não havia mais ninguém no lugar.

Sozinho em seu quarto, Gevânio lia e relia os versos da desconhecida.

Não se lembrava de ninguém com aquele sobrenome; e muito menos que lhe devotasse

afeição.

De qualquer maneira, ela passava a fazer parte de seu caminhar por este mundo de

Deus.

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V

A igreja matriz está cheia; cheia de gente e de emoções.

São quase vinte horas. Ansiosos e curiosos, os convidados se entreolham; há cochichos

e sorrisos, como em toda boa festa religiosa ou social.

Músicas de relax transportam as mentes ao plano dos sonhos.

Aparece Clauco trajando um terno preto, conduzido pelo braço de sua mãe,

carinhosamente chamada de Tudinha, que o deixa junto ao altar. Todos os presentes

viram seus rostos para a porta de frente do templo. Uma donzela, no sentido literal da

palavra, pelo menos em teoria, desponta do último degrau da escada. Com o tradicional

vestido branco, Greta disfarça a ansiedade com um sorriso trabalhado, dirigido

especialmente aos mais próximos do local de sua “passarela”, para chegar ao encontro

do noivo. Seu pai divide com ela as atenções dos convivas; Josué estampa a expressão

feliz de um projeto realizado.

Padre Valter já tem certeza de que celebrará mais um casamento, pois tudo fora

previamente combinado, como em todos os matrimônios, salvo raríssimas e trágicas

exceções, mas sentia antecipadamente no paladar o gosto do pedaço do bolo dos noivos.

Como em todo enlace nupcial, há alegria e tristeza; assim como existe trigo e joio no

mundo. Seu Josué e D. Gertrudes irradiam simpatia para todos os lados; arrumaram a

vida de seus filhos. Glauco associa em seu cérebro a imagem de Greta com a de seu ex-

amor Lícia. Está próximo a iniciar a doce guerra do sexo da lua de mel. Greta está

tensa; a palidez que lhe aflora à pele, camuflada por excelente maquiagem, porém, é o

sintoma de que encontrou ali seu príncipe encantado; lutara tanto...; resistira até o final

aos apelos provocativos de Glauco; mas, finalmente, ia tê-lo debaixo de alguns lençóis.

Laércio ainda a observa com olhos cumpridos e lânguidos; sempre a amara; contudo,

seus sentimentos nunca foram correspondidos. Tavares considera aquela festiva

solenidade uma piada; certa vez fora um dos dois principais protagonistas de uma delas;

agora era “rei do maior gado do mundo” e, para vingar-se, possuía também suas

cabritinhas. Afrânio via o peito pesando, já que não conseguira ter um genro de verdade

para sua filha. Jane, acompanhada de seu pai Rufino, sentia medo de ficar pra titia,

ameaça já maior, devido à proximidade dos trinta e seis anos. Neiva vivia de novo a

sensação da perda de seu marido, o finado Rogaciano. Margô, desacompanhada do

cônjuge, lamentava seu casamento de aparência e gostaria de ser “livre” para tentar

outra chance. Ramere estava grudada em Alício, seu maridaço, com quem mantinha um

relacionamento especial, com a chama da ternura sempre acesa, principalmente da parte

dele. De pé, a um canto, Mauro comenta com Gevânio que brevemente será sua vez, tão

logo Deus ponha uma companheira em sua estrada.

Ao ler uma frase feita de isopor colada à parede afirmando “O que Deus une o homem

não separa”, Gevânio ironizou:

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- Mauro, vês aquele letreiro?

- Sim.

- Se é verdade o que diz, então é verdadeira a recíproca de que “o que o ser humano

separa não foi unido por Deus, mas por ímpetos de momentos impensados, ou por

circunstâncias, diante das quais o Pai Eterno parece ter lavado as mãos.

- Mauro não sabia o que responder. Jesus tinha razão naquela afirmativa; entretanto a

concepção de Gevânio sobre o assunto também tinha sua lógica.

- Do lado oposto, dois vultos femininos tinham os olhos fixos em Gevânio. Camile

sentia saudades e seis meses de amarga solidão, conhecendo, assim, a outra face da

moeda. Eliene Compostela buscava naqueles olhos sensuais tristes do mesmo homem

uma chama do fogo do amor. Ao notar que, depois de fitá-la, Gevânio fofocou alguma

coisa com Mauro, Eliene mentalizou um pequeno poema, talvez inspirado no Evangelho

de São João:

“O verbo amar se fez carne;

Carne e osso entre nós;

Carne de nossos desejos,

Carne de nossa carne

E carne de nossa voz.”

Os recém-casados receberam os parabéns, os abraços e os beijos de rosto perto da

escadaria da igreja; depois foram recompensar os presentes com bolo, guaraná e

cerveja...

Todos seguiram seus rumos. Atrás de Gevânio, uma voz suave entoava baixinho uma

canção romântica, como quem procura dizer alguma coisa sem achar as palavras

adequadas. Não obstante, ele acelerou as passadas, imerso em seus próprios

pensamentos.

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VI

Gevânio sentou-se em um banco do jardim da praça que tem por cartão de visita o

monumento do busto do Governador do Estado. Mediu em seu raciocínio o status e

altivez ostentados por aquela estátua de bronze; parecia até gente de verdade; com os

olhos altaneiros, “dizia” aos que por ali passavam que os amava e que todos eles cabiam

dentro de seu peito “dilatado”.

De walk man atrelado ao sinto, com o fone colado aos seus ouvidos, o teacher viajava

nas dimensões do tempo e do espaço, graças ao “transporte” que lhe fora oferecido por

belas canções que naquele lugar só ele tinha o privilégio de escutar, alheio aos outros

sons e ruídos que por ali flutuavam. A música é um dos melhores alimentos para o

espírito, desde que seja sadia e mexa fundo com a sensibilidade de cada um. Faz bem ao

coração e à mente.

A poucos passos dali, Camile brinca com sua sobrinha de dois anos que sorri, chorando,

às vezes, para temperar o ânimo da moça. Sua tia medita: “Como a vida é engraçada”

Criança é um ser indefeso por si mesmo. Ainda brinca e se alegra, conseguindo animar

os adultos. Tem muita gente velha querendo ser novamente criança e vivendo como se

realmente fosse”. E continuou fazendo-se ave de asas abertas a planar na atmosfera dos

desejos alimentada pelas carências...

“Como gostaria de ser mãe!”

Pensava no futuro; é triste a velhice de uma mulher quando não tem uma filha para lhe

devotar cuidados. A garotinha é um desses espécimes raros de graça e alegria infantil.

Camile pondera: “Como seria bom se todas as pessoas fossem sempre de dois anos para

não desejarem nem praticarem o mal aos outros!”

Nívia agarra-se ao pescoço da tia. Como é gostoso para as crianças mimarem e serem

mimadas por pessoas de sua afeição” . Não foi à toa que Jesus disse:”Deixai vir a mim

as criancinhas, pois delas é o reino dos céus”.

A própria natureza, valendo-se dos instintos da carne e da psique humana, encarrega-se

de trazê-las ao mundo conturbado dos grandes para, quais flores de oásis, enfeitarem o

deserto do coração de muita gente que “sabe onde está o nariz” e é dona de sua própria

vida. Seus sorrisos e seus olhares exalam o perfume da inocência e transformam aqueles

que os criam em deuses de miniatura em suas cabecinhas.

Nívia dava abraços gostosos a Camile. Sinceros, espontâneos, e não pré-fabricados.

Gevânio contempla aquelas cenas e sente necessidade de ser pai. Mas ser pai é uma

coisa muito importante; não é ser reprodutor; é representar um pedaço do Arquiteto

Universal, uma fração ainda que mínima, de sua complacência e de seu carinho divino.

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Ramere e o esposo passeiam de mãos dadas; estão longe do filho que estuda no Rio de

Janeiro; pra gente de posses tudo é mais fácil.

É noite de páscoa; a maioria dos presentes espera o momento da festa dançante em um

dos clubes sociais da praça. Não começou ainda porque grande parte dos católicos

assiste a missa de aleluia, num templo próximo dali. A cervejinha, a dança e as paqueras

ficarão para depois.

Gevânio vê, pela segunda vez, aquela jovem da cor de café ralo com leite, de olhos nele

encravados. Lê uma folha de caderneta escrita à mão. Ele guarda seu aparelho sonoro e

lhe pergunta:

- Estudando?

- Não; escrevo poesias e pensamentos. – foi a resposta daquela flor de dezoito anos.

- Estou sendo indiscreto?

- Não. Se quiseres, leio para ti.

- Será um prazer para mim ouvir tua voz em tom poético.

- Então, lá vou eu.

- Manda. – respondeu Gevânio.

- O amor é como este chão onde pisamos, que é feito por pequenas pedras de várias

cores; também nossas paixões, nossos sonhos, vão sendo construídos aos poucos; cada

sentimento, cada saudade,é uma pedrinha que vai sendo juntada às outras; as sensações

dele provenientes são como o reflexo da luz elétrica que nos ilumina, casada com o

clarão do luar.”

- Interessante teu ponto de vista; aliás, muito bonito.

- Também este jardim que nos cerca é um retrato da ansiedade natural das pessoas em

busca da felicidade; só que, como as flores do jardim secam, muitas emoções negativas

fazem murchar os mais doces anseios secretos da alma. E a abelhinha, ao chegar perto

da flor murcha, lamentavelmente não encontra o néctar de que tanto precisa e que tanto

procurava.

- É fértil tua imaginação, garota. Mas acho que na vida não há lugar para tanto

sentimentalismo. – frisou Gevânio.

- Ainda existem pessoas sensíveis na terra. Tu mesmo estavas a ouvir músicas.

- Isto é verdade.

- Gostas de rock ou música baiana?

- De parte delas. Mas prefiro as lentas, que enlevam o pensamento.

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- Pois gosto de poemas; amo as rosas, embora tenha medo dos espinhos. – respondeu

Eliene.

Gevânio ia perguntar-lhe seu nome, mas a sobrinha de Camile, que acabara de ir de

rosto ao chão desabando em choro,fez com que o professor lhe pedisse licença e se

apressasse em socorro da menina. Sua tia chegou, logo em seguida; como não possuía

carro, o “Tempra” de Gevânio seguiu com os três ao hospital. Lá constatou-se que

Nívea havia quebrado o braço esquerdo; depois de todas as providências, o veículo

levou Camile e a acidentada para casa, a qual foi entregue a sua mãe, preocupada,

porém calma. Sabia que tudo correra bem.

Agradecida, Camile despediu-se do socorrista. Num aperto forte de mão, sentiu

estremecer todo seu corpo. Quase pedia para que o motorista ficasse, contudo imaginava

seu pensamento muito distante; por isso o deixou partir.

De volta ao local próximo ao clube, Gevânio não encontrou mais a poetisa. Pagou

ingresso, entrou para a festa, procurou-a como se fora uma agulha e retirou-se

decepcionado. Provavelmente a garota já deveria estar no segundo sono.

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VII

Ubiratan escrevia com os dedos na areia. A areia estava tão pálida quanto ele. Mirando

as ondas que vinham do mar ao embalo da maré, meditava na sua experiência de vida.

Amara muitas mulheres. Amara realmente ou quisera apenas tê-las em seus braços, no

aconchego acompanhado de carícias?

Jamais se casara. Tinha medo de errar na escolha. A consciência lhe dizia que era

melhor viver sozinho do que arrastar-se pela vida inteira atrelado a uma união infeliz

que o colocasse entre a cruz e a espada. Naqueles escritos gravara os nomes de alguns

de seus romances mais envolventes da juventude e da casa dos trinta para quarenta.

Camile aproximou-se e chamou-lhe a atenção:

- Bira!

- Oi, Camile! Bom dia, fofinha!

- Estou te achando de astral tão baixo...

- Realmente, Mile. Está mais baixo que minhocas, as quais vivem na escuridão debaixo

da terra.

- Poxa! Levanta o ânimo, meu amigo.

- Já tentei.

- Em que pensas?

- Penso que o tempo é um carrasco implacável. Não vês estas ondas que vêm altas, vão

se abaixando e morrem aqui na praia?

- Espetáculo bonito, não é mesmo?

- Não estou vendo as coisas por este mesmo prisma.

- Por que, Bira?

- Como essas ondas, a partir da infância, nossas ilusões vêm à tona de nossas almas que

palpitam de ansiedade. Aqui, um sonho profissional irrealizável; acolá, uma paquera, ali

um simples olhar; mais além, um namoro firme. A necessidade premente de lutar, de

correr atrás do pão quotidiano, e o medo de falhar, fazem que nossos ideais, tal como

essas ondas, depois de virem boiando por cima das águas das tribulações da vida,

acabem morrendo pouco a pouco.

- Não havia considerado este aspecto do destino. – respondeu Camile.

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- Paulatinamente, as muralhas de água de nossos desejos vão diminuindo de tamanho.

Os sonhos vão ficando enfermos; a terra deles vai ficando estéril; e as chances de amar e

ser amado vão deixando de bater a nossa porta.

- Estou notando uma agonia muito profunda em ti, neste momento. Há algo que eu

possa fazer?

- Continua conversando comigo; estou me sentindo muito só.

Camile lembrou-se de sua grande paixão. Como seria gostoso se fosse Gevânio aquele

amigo ali presente!... Prosseguiu o diálogo:

- Claro, Bira. Eu também estou só. Não precisa eu te dizer que meu grande amor esteve

em meus braços e nunca mais me recebeu de volta. Fui tão meiga com ele... dei-lhe o

que de melhor eu tinha. Brincou com meus sentimentos.

- Talvez te considerasse jovem demais para ele.

- O verdadeiro amor não tem barreiras.

- Tolice tua, Camile. Dificilmente nos unimos à pessoa certa.

- Podes explicar melhor esta tua teoria?

Ubiratan ia dizer-lhe que depois o faria. Contudo, Mauro chegou de repente e ouvira as

últimas palavras dos dois; disse em seguida:

- Desculpem-me se me envolvo na conversa. É particular?

- Não tanto. – disse Bira.

- Posso expor meu ponto de vista - inquiriu Mauro.

- Tua opinião será bem aceita. - bradaram em uníssono Camile e Bira.

- Eu mesmo deixei de aproveitar a chance de me deleitar com saborosas paqueras por

causa da vontade obsessiva de ter o coração de uma determinada mulher. – disse Mauro.

E continuou:

- Acontece que o seu estava e continua ocupado por um homem frio, ou, na melhor das

hipóteses, morno. Assim, o que poderiam ser encontros viram desencontros.

- Não adianta malhar em ferro frio. – lembrou Bira.

- Não dei para entender direito; explica-te melhor. – pediu Camile.

Assumindo uma pose de pequeno mestre da arte da vida, Ubiratan foi mais longe.

- Os que amam por atração correm o risco de perder o que realmente nunca tiveram de

todo. A paixão é um fogo e pode apagar-se. Por outro lado, a afinidade, que seria o

melhor canteiro onde germinariam as flores de um sentimento recíproco forte, acontece

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entre pessoas de níveis sociais, econômicos, culturais ou de faixa etária completamente

opostos. E, desta forma, na maioria das vezes, o afeto e a volúpia de cada ser vão se

atrofiando. Os espinhos da indiferença, do orgulho e do medo acabam por matar a

sementinha que começava a germinar ou até mesmo florescer dentro do peito de cada

um.

- Mas sabemos que há exceções .– disse Mauro.

- Eu concordo com quase tudo que falaste, Bira. – expressou-se Camile.

- Pois bem. Isto é também verdade. Entretanto, a monotonia e circunstâncias diversas

acabam por transformar grandes amores em apenas amizades ou simples recordações.

- Falando desta maneira, tu nos desanimas e nos fazes participar de tua “fossa” intima.

Já estou começando a ficar triste. - frisou Camile.

Mas a tristeza sumiu do seu rosto, pois Gevânio acabara de aproximar-se; pressionou os

ombros da jovem, massageando-os carinhosamente, para descontrair-lhe os músculos.

Um sorriso íntimo retratara-se em Camile, que o olhou com olhos de peixe agonizante.

Mauro e Ubiratan entenderam tudo; a amiga não conseguira se libertar da aventura

amorosa e da paixão que a acometera por seu ex-professor.

Abraçaram-se todos e, com os pés castigados pela areia quente, foram tomar uma

cerveja gelada, tão gelada quanto os corações de Mauro e Ubiratan.

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VIII

A barraca estava pouco freqüentada. Mauro e Ubiratan saíram para um banho de mar.

Gostavam de medir forças abraçando as águas e se deixando levar por elas.

Alício e Ramere se aproximaram e esta pousou a mão direita no ombro de Camile, que

exclamou:

- Chegou o casalzinho de pombos.

- Estamos para ser três. – falou Alício.

- Entre a surpresa e o entusiasmo, Camile buscou na fisionomia de Ramere uma

explicação mais lógica. Entendendo o apelo, esta aquiesceu:

- É verdade. Eu e Alício vamos ter um lindo garoto. Estou grávida.

- Tua barriga está bonita. Como sabes que será homem? - inquiriu Camile.

- Pressentimento de mãe que será confirmado brevemente por uma ultra-sonografia,

minha cara.

Alício e Gevânio deixaram o local, talvez para que as duas mulheres travassem um

daqueles bate-papos íntimos. O primeiro dirigiu-se também ao mar para um nado.

Gevânio deslocou-se até outra barraca. Com um sorvete na mão, olhou para Camile e

perguntou-lhe:

- Queres (Parecia haver uma outra intenção em sua pergunta).

- Fitando-o com um olhar penetrante e inquisitivo, esta lhe respondeu, com a boca

“cheia d’água”:

- Dá-me um pouquinho.

- Parece que tu ainda gostas dele. Não é mesmo, Camile - indagou Ramere.

- Adoro-o mais que minha própria vida.

Gevânio trouxe dois sorvetes, um para Ramere e outro para Camile; em seguida, o

homem caminhou na direção dos que nadavam. Ainda não ia longe, quando ouviu um

gritinho:

- Ai que gostoso!

- Era Camile saboreando o sorvete gelado.

Intimamente o teacher notou um eco de saudade naquele ai, um eco que o reconduzia à

noite de prazer que compartilhara com Camile. Ramere também percebeu uma intenção

e uma sensação ocultas naquele delírio da jovem.

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- Lembraste de quê, Camile? – Falou a grávida.

- Recordei-me do beijo e de minha noite de amor com ele. Cada ai era um misto de

prazer e de dor. Cada gemido era, ao mesmo tempo, um suspiro de ansiedade e um

delírio.

Glauco e Greta chegaram, ainda abraçados, vivendo ao calor de sua recente lua de mel.

Greta, que ouvira as últimas palavras, interveio:

- Tu és realmente apaixonada por ele; está na cara.

- É; infelizmente não dá para disfarçar. Seus olhos, sua voz e seu cheiro são afrodisíacos

para mim.

Eliene, a poetisa, que “casualmente” por ali passava com seu tradicional caderno e sua

caneta, registrou o lance e o recitou em voz alta:

“Como é doce amar”! Principalmente se temos a ilusão de que também somos amados.

Como disse o apóstolo Paulo, se não tivéssemos amor, nada seríamos.”

Greta interferiu:

- Sabiam que mais de sessenta por cento da energia de nosso cérebro trabalha em função

da procura do amor e do sexo?

- De fato, o amor e o dinheiro parecem ser as molas mestras da vida no âmbito terreno,

mesmo à custa de dores morais. – tornou a falar Eliene.

Atenta a tudo que ouvia, Camile saboreava seu sorvete.

Os homens, extenuados, voltavam do mar, molhados e cuspindo água salgada. Glauco e

Alício procuravam evidentemente suas esposas. Gevânio mirava o olhar terno de

Camile e, ao mesmo tempo, o rosto da poetisa, cujo nome ainda não conhecia.

Eliene suspirou e quis devorá-lo com os olhos. Mas teve medo. Na guerra da conquista,

Camile tinha outras armas mais mortíferas e provavelmente ganharia a batalha.

Disfarçadamente, retirou-se. De repente, o professor e Camile viram-se de lábios

colados mais uma vez. Abraços, cheiros e toques massageantes aliviavam a tensão dos

dois. Era como se uma brisa cálida tentasse amenizar a “dor” e aquela espécie de “fogo”

que subiam pelo corpo da moça.

...........................................................................................................................................

Rompendo o silêncio, Camile disse:

- Descobri tua antiga paixão. Era Vena.

- Quem A filha do sargento Laurêncio?

- Ela mesma.

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- De fato. Era como uma chama que ardia e queimava sem destruir. Meu coração e meu

cérebro pareciam nadar num lago de fogo, vendo-a e sem poder agarrá-la. Às vezes, eu

era até objeto de escárnio por parte de alguns.

- Ela está em nossa terra, de volta. Ainda a amas?

- Não.

- Por quê?

- O seu desprezo matou meu sentimento de afeto por ela. O amor é como uma brasa; se

não reacendermos sempre, acaba virando cinza.

- Leva-me para casa. Estou cansada. – pediu Camile.

Gevânio a levou em seu carro. Pararam no caminho e mataram as saudades de sua

primeira grande noite de amor. Camile viu estrelas, extasiada, enquanto seu herói

pensava nela com muito amor e carinho.

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IX

A multidão se aglomerara em frente ao largo da praça principal. O chefe do poder

executivo do município declamava em prosa as façanhas de seu candidato e

conclamava, num apelo dramático, os cidadãos e cidadãs da cidade a reelegê-lo nas

urnas.

Prefeito bom é assim mesmo; confia em Deus e no povo; e o povo confia em Deus e no

prefeito.

Gevânio estava só. Camile avisara que estava acometida de gripe e não pudera

comparecer ao comício, pois o frio da noite lhe seria muito prejudicial. Mas com pinta

de jornalista que de eleitor, o professor observava atento cada gesto e cada palavra dos

oradores, animados pelas bandeirolas e pelos requebrados dos mais moços e das

mulheres e meninas mais entusiasmadas.

Debaixo de uma árvore,Vena conversa animadamente com Mauro, que mostra-se como

um dos homens mais felizes do mundo. Vena sente um calafrio, sob os olhares

constantes do amigo. Como é gostoso para alguém que volta da cidade grande ter um

ombro amável que lhe sirva de escora ou um rosto camarada que lhe sirva de espelho

onde se reflitam seus próprios anseios! Ela amava secretamente aquele pedaço de carne

tirado a homem sério, mas, pelo que começava a suspeitar, a perspectiva de uma

eventual paixão dele por Eliene acabara por fazê-la perder as esperanças de ganhar seu

coração. Neste momento, pelo que adivinhava com sua intuição feminina, na mente do

amado, a imagem da poetisa parecia apenas uma visão que se evaporava no compasso

da dança lenta dos minutos. Vena sentiu renascerem suas esperanças e partiu para a

paquera ao mesmo tempo disfarçada e maliciosa. E os gestos de Mauro revelavam que

os portais do desejo e seu mundo de carícias reprimidas poderiam deixar que elas

jorrassem para Vena de forma abundante e incontrolável.

Gevânio assistia, de certa distância, àquele princípio de idílio e aí percebeu claramente

ser mentira tudo que dissera a Camile sobre seus sentimentos para com a visitante da

capital.Um estranho misto de frio e calor percorreu-lhe a espinha dorsal. Saudade do

passado, medo, paixão e ódio formavam um redemoinho em sua mente. Passou a olhar

de forma insistente, embora às furtadelas, para o amigo e para sua antiga idolatrada.

Não podia mais esconder o vendaval de ciúmes que sentia naquela hora. Lembrou de

como Valéria o humilhara com seu desdém e o tratara como se fora só um cachorrinho

de estimação disposto a roer apenas os “ossos” do banquete de suas quimeras.

Mauro percebeu a presença de Eliene do outro lado, a poucos metros; veio-lhe ao

cérebro o desejo de vingar-se. Sim, ali estava a chance de proporcionar instantes de

felicidade a Vena e, simultaneamente, aplicar uma desforra em Eliene e no convencido

Gevânio.

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Pensou e cumpriu. Segurando carinhosamente o rosto de Vena, beijou por longo tempo

seus lábios, no que foi bem correspondido; afinal, era esta a vontade da companheira

que estava ali presente.

Se pensou e se agiu, conseguiu seu intento, pelo menos com relação ao “professor”, o

qual demonstrava-se muito ferido em seu orgulho e em seus sentimentos. O

“mestre”tentara assumir, porém, uma posição de auto-controle. Na sua opinião, Mauro

tinha o direito de ser venturoso, ainda que fosse com a sua antiga amada. Só não

concordava era que aquela cena de amor tivesse que ser feita “junto de suas barbas”,

bem próximo, à sua frente. E a tristeza, com sabor de amargura, achava-se estampada

em seu semblante. Naquela hora sentiu-se como um homem de “duas asinhas de anjo na

cabeça” e teve raiva do amigo. Ficara assim durante todo o tempo do discurso do senhor

prefeito, agora de cabeça baixa. Quando, aos aplausos finais, louvaram a oratória do

candidato, aquilo lhe pareceu um hino da vitória de Mauro que, evidentemente, ganhou

aquele round.

Gevânio arribou a cabeça; seus olhos estavam nublados; mesmo assim, conseguiu

enxergar os olhos de Eliene umedecidos, a fitarem seu rosto, como se quisessem

declarar-lhe todo seu amor.

Mais uma vez, o professor, absorto em seus pesares, não descobriu o apelo apaixonado

do olhar da poetisa.

É quase sempre assim: amor, vingança, vaidade, desprezo e solidão, andam de braços

dados por toda parte.

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X

A noite do domingo seguinte trouxe ao largo da cidade, próximo a uma feira livre, uma

banda musical de forró nordestino.

Gevânio não dançava, não levava jeito para forrotear. Apareceu ali, a fim de conversar

com amigos, e, principalmente, com “amigas”.

Sentiu um calafrio quando viu, em forma de “carne com unha”, Mauro e Vena se

remexendo no embalo das músicas juninas.

Percebeu que ali não era seu ambiente naquele dia. Saiu meio desnorteado pelas ruas,

até que parou em frente a uma igreja evangélica.

A primeira pessoa a avistá-lo foi a jovem tirada a fazer versos românticos.

- Professor, tenha a bondade de entrar.

- OK! Muito obrigado. Com quem tenho o prazer de falar? ( Engraçado, ele ainda não

sabia seu nome.)

- Eu sou Eliene Compostela.

Gevânio ficou de respiração presa, conversando para dentro consigo mesmo. “Então era

aquela linda jovem, de corpo sedutor, a autora do poema a ele dedicado, que Mauro lhe

dera...!” Com o pensamento meio suspenso, como se seu corpo quisesse volitar a

poucos metros do chão, encarou a garota por alguns minutos. Voltou a pensar consigo

mesmo? “Como sou cego! Por que nunca notei a beleza deste rosto? Por que nunca

observei as curvas desse corpo tão bem delineado? Meu Deus, como ela é linda...!”

Meditava estas idéias com os olhos fixos nos da crente, cujo rosto se enrubescera de um

momento para outro. Estava quase boquiaberto, meio bobo, como se fosse menino

perdido. Encontrava-se ali, tão perto da mulher que o amava, provavelmente com todas

as forças de sua alma, ou quase todas, já que Deus também ocupava muito espaço em

seu coração. Voltou a pensar consigo mesmo, ainda fitando a moça: “Que lábios

carnudos! Parecem pedaços de morango porque são vermelhos, mas parecem também

pedaços do maná bíblico, pois revelam a doçura e as linhas de belas faces.” Era uma

das poucas vezes que deixava escapar observação desta natureza em sua mente. Em

matéria sentimental, gostava mais de ir direto ao assunto. Já vira aquele “pedaço de

mulher” outras vezes, mas nunca a havia mirado com tamanha atenção. Sua tez de um

moreno bem claro, quase branca, coberta por um vestido azul que descia até abaixo dos

joelhos, exalava um aroma feminino suave e, ao mesmo tempo, excitante. Seu rosto

lembrava mais uma criatura angelical, exceto seus olhos, que naqueles instantes

deixavam romper-se faíscas de paixão que não passaram despercebidas pelo visitante.

Os dois estavam finalmente bem próximos.

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Era a primeira grande oportunidade que Eliene ganhava na vida de tê-lo tão perto. Meio

sem jeito, esfregando as mãos, ela lambeu as bordas de sua boca com sua língua

sanguínea e úmida e quebrou o silêncio. Segurando-o pela mão, puxou-o em ritmo de

quem está bailando, para dentro do templo. Com voz quase rouca, quase cavernosa,

talvez pela emoção daquele encontro, Eliene disse compassadamente:

- Gevânio, nossa festa aqui é diferente, mas nesta casa você será sempre bem vindo, em

nome de Deus.

-Fico muito feliz por isso e também por conhecê-la pessoalmente. – disse-lhe seu

idolatrado.

Enquanto se dirigiam ao interior da casa de oração, a jovem rebolava sensualmente as

curvas de seu corpo, assistida pelos olhares de todos os presentes curiosos, como a

dizer-lhes que fisgara para Deus e para si própria uma ovelha desgarrada do rebanho, a

sua ovelha predileta, melhor dizendo, “um cordeiro”, com as devidas desculpas e

permissão de Cristo. Carregava, um pouco atrás de si, aquele homem, com uma

expressão de menina feliz, mostrando um sorriso no rosto, um brilho no olhar e umas

batidas mais fortes dentro do peito. Levava-o como troféu, como uma atleta leva pelas

mãos orgulhosamente uma taça.

Gevânio a seguia confuso. Não tinha a intenção de frequentar aquele templo religioso,

mas a surpresa o desarmara; e cedeu ao apelo, sentindo-se um peixe fora d’água, porém,

ao mesmo tempo,um santo pecador que pisava o primeiro degrau da escada do céu,

principalmente quando encarava as costas e as curvas do corpo de Eliene movendo-se à

sua frente, qual dançarina árabe, com elegância e chamamento psicológico para o amor.

Sob os olhares de reprovação de uns e de admiração de outras, a mulher sentou-o a seu

lado, no terceiro banco do lado esquerdo da igreja.

O “teacher”, intimidado com a presença de “irmãos” que antes não faziam parte de seu

convívio social, mantinha-se quieto, ouvindo atentamente as palavras do pastor:

- Irmão, hoje Jesus te trouxe a esta casa. Porque os prazeres do mundo te magoaram e

estás perturbado em teu espírito. Mas, aqui, o Senhor te reserva uma grande e

maravilhosa alegria. Deus quer limpar teus pecados e quer que repartas com teu

próximo a felicidade que te dará neste banco, onde estás assentado. Aceita a Cristo, e

tudo se realizará em tua vida,conforme sua soberana vontade.

Gevânio meditava, meio nervoso?”Como este homem sabe que fui magoado? Como

descobriu que estou intimamente agitado? Que alegria Deus me dará aqui?

Principalmente aqui neste banco?

Mas Eliene, que sentara praticamente “colada” a seu terno e calça, continuava

estampando euforia e prazer no semblante e no trepidar de suas carnes vagamente

inibidas por seu vestido. No mais profundo de seu ser, pensava para consigo mesma:

“Tolinho! A maravilhosa alegria será o meu amor. Sim, a tua felicidade sou eu, eu

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mesma que estou aqui neste banco, tão pertinho de ti. Desde que Cristo derrame em teu

coração rios de amor por Deus e por mim.”

No fim do culto, já fora do templo, Gevânio recebeu congratulações dos presentes por

sua visita. Apertou as mãos de Eliene, depois massageou-as entre as suas. Eliene pediu-

lhe:

- Fique mais um pouco.

- Estou com muito sono. – disse Gevânio, lembrando-se de Camile, que talvez estivesse

pensando nele.

- Volte outras vezes, professor. Ou melhor, venha sempre.

- Minha querida, pode ter certeza de que voltarei.

Deus lhe acompanhe e lhe traga de novo.

- O mesmo lhe digo, minha cara.

- Gevânio tocou levemente os lábios no rosto alegre de Eliene, como um ósculo e como

o primeiro selo do que poderia vir a ser um grande amor. Seus próprios lábios falaram:

- Tchau!

- Tchau, meu amado!

Em sua cama, a evangélica pensava: “Parece que o Criador está começando a me dá-lo

de presente. Ele me chamou de querida e até roçou a boca em minhas faces.”

Conversando com seu cobertor, Gevânio repassava seu encontro com a poetisa, como se

assistisse a uma peça de teatro, No final, ponderou: “ Que mulher! Ela chamou-me de

meu amado. Sei que os evangélicos dizem isto muitas vezes. Mas o tom de sua voz era

diferente... Já começo a querer revê-la.

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XI

É tarde de sábado. Contrastando com o ar cinzento e nublado do céu, na praça do

centro, uma banda faz explodir em ecos de entusiasmo a multidão que brinca o carnaval.

Os adolescentes pulam, remexem os quadris, pernas e braços. Os que passaram dos

vinte e cinco, em sua maioria, estão descansando, sentados junto a mesas de bebidas

oferecidas pela Brahma e pela Antártica. Tomar cerveja é delicioso, principalmente para

os que estão acompanhados por uma paquera, pois a proximidade dos corpos e seus

perfumes, aliados ao som das músicas, fazem o espírito humano viajar pelo mundo das

fantasias, esquecendo seus problemas diários e chegando até a um “desdobramento da

personalidade”, revelando o lado ocultado em condições normais pela prudência e pela

timidez.

Mauro e Vena sambam, grudados, trocando beijos a cada intervalo de aproximadamente

quinze minutos.

Gevânio, de pé, na periferia do grupo dos que sambam, parece montar vigilância ao

casal e a todos que brincam despreocupadamente. Em certo momento, avistou Camile

numa barraca, de cabeça apoiada ao ombro de Afrânio, como se quisesse dormir. O

quarentão sentia-se um homem de vinte anos, com o broto a seu lado. Saboreava um

cigarro que de Hollywood só tinha mesmo a marca.

Isolado, vendo Vena com Mauro, e abandonado também por Camile, o teacher ficou

desconsertado. Convidado por Ramere e seu esposo, foi tomar alguns copos de

Antártica; tentavam puxar conversa, mas Gevânio só lhes respondia através de

monossílabos. Em seu subconsciente, lembrou que Ramere sentira sempre um “fraco”

por ele, mas que nunca se aproveitara da situação, pois considerava Alício como se

fosse um irmão seu, cultivando por sua pessoa a maior estima. Sentia pena do homem,

visto que ela era uma mulher do tipo das que pretendem resplandecer mais que o sol do

meio dia, ofuscando aqueles que estão à sua volta. Seu cônjuge se identificava mais

como um menino que contava com sua proteção.

O professor olhou para Camile, que estava com o rosto a cheirar o pescoço de Afrânio.

Perguntou para si mesmo: “Por que Camile me esqueceu tão depressa? Por que não

correu atrás de mim...? Tem lá suas razões. Sorrateiramente, eu mesmo a deixei na

solidão. Possui o direito de refazer a sua vida. Engraçado..., como ela tem a síndrome de

se apaixonar por homens mais maduros!”

De vez em quando, Mauro e Vena olhavam para ele, acenavam com a mão e beijavam-

se. Vena, para magoá-lo ainda mais. Mauro, para mostrar-lhe que vencera a guerra e que

ele, vencido, devia desistir do conflito e bater em retirada.

Gevânio depediu-se de Ramere e de Alício; ergueu-se e foi dormir, pois já era meia

noite.

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A manhã de domingo o fez acordar, com o som de toques na campainha. Meio tonto e

cheio de ressaca, ouviu o pastor Joel, que estava de pé, ali na sua varanda.

- Professor, vim buscá-lo para ir a um retiro conosco. Nosso carnaval não é do mundo, é

de Jesus. Às oito horas, nossa caravana passará aqui para apanhá-lo. E não me contrarie.

Alguém pede sua presença junto a nós. Ajeite seu visual, daqui a pouco retornarei para

pegá-lo.

Meio atordoado, viu lhe fugirem as forças para dizer “não”. Balançou verticalmente a

cabeça, concordando. O pastor foi embora.

Enquanto tomava seu banho “meia sola”, ponderou: “Quem quer minha presença no

retiro? Jesus? Lógico. Cristo ama a todos. O pastor Joel? Eu seria um ótimo dizimista.

Eliene? Ai, que saudades dela!”

Tomou seu café pela metade e foi quase arrastado para o ônibus dos evangélicos, que

seguiu em direção a um bosque.

Os “irmãos” entoavam hinos sagrados, cujo som misturava-se aos ruídos dos carros que

seguiam pela estrada. Pequenas árvores e a vegetação verdejante que margeava o rio

semi-paralelo ao caminho, estimuladas pelo vento, agitavam-se para saudar os cristãos

que passavam ficando para trás dando também glória a Deus, em seu silêncio. Gevânio

viajava em um dos ônibus da caravana de fiéis. Não cantava, porém buscava um pouco

da paz do Criador em seu próprio cérebro; ele ainda era uma ovelha negra cheia de

ressaca. Bebida tem isto; é bom na hora; no dia seguinte vem o enfado.

Às dez horas, o grupo desceu dos veículos e aglutinou-se junto a um lago formado

abaixo de uma cachoeira que banhava uma pedra gigante.Ali o rio borbulhava fazendo

espumas e fazendo chover para o ar.Ao redor, copas de árvores floridas lembravam o

jardim de Adão e Eva. O pastor Joel convidou todos para se assentarem ao chão coberto

por grama e vegetação rasteira.

O professor viu Eliene desfilar à sua frente, acompanhada de D.Neiva e de uma jovem

que manquejava de maneira não muito notada. As três carregavam microfones sem fio à

mão.

Todos assumiram posição de quem espera alguma coisa.

As três, ao lado do pastor, começaram ensaiar cânticos que logo a multidão repetia,

como fazem os papagaios ensinados; só que, ali, as pessoas pareciam mais aves celestes

rumo às alturas espirituais buscando os eflúvios do bálsamo divino.

Trajando um vestido rosa-claro, Eliene era a que melhor cantava. D. Neiva,

aparentemente, repetia a sua voz, com certo embaraço, motivado pela cicatriz que

encimava seu lábio superior, deixando sempre à mostra dois dentes próximos ao nariz.

A viúva já esquecera Rogaciano, entregando a Deus o destino dele no outro lado da vida

e buscara naquela comunidade religiosa o alento de que precisava. Sentia-se

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terrivelmente necessitada de um companheiro. Talvez ainda não o tivesse encontrado

por causa do defeito físico da filha e também do seu. A beleza de seu rosto, contudo,

compensava,em parte, a sua dor tão exposta nos seus grandes olhos negros plantados em

faces brancas bem conservadas.

Sua filha soltava a voz, deixando escapar por ela o desejo de encontrar um ombro

amigo. Tinha receio de viver só, já que o preconceito contra os portadores de

deficiências ainda é muito profundo em nossa sociedade.

A “ovelha recém-chegada” do rebanho chamou Eliene com um aceno. Esta se aprestou

em vir ao seu encontro.

- Eliene, desculpa minha curiosidade. Aquela senhora, sei que é D. Neiva. E a mais

jovem?

- São mãe e filha, professor. Ficaram assim após uma virada de carro em que viajavam

há ano e meio. Têm sorte por haverem escapado com vida.

-Como se chama a jovem?

Eliene achava gostoso estar ali, frente a frente com o homem de seus sonhos, ouvindo-

lhe a voz, aquecendo-se à luz de seus olhos. Depois de alguns instantes respondeu:

- Seu nome é Malina. Depois que perdeu o pai e que sofreu o desastre automobilístico,

fez da mãe e da igreja a sua grande família.

O pastor Joel acenou para a moça, como a transmitir-lhe uma ordem que ela bem

entendeu. Dando um tchau ao professor, como na maioria das vezes era chamado,

retornou para junto do líder da comunidade ali congregada, o qual cochichou algumas

palavras em seu ouvido direito.

A jovem aproximou-se novamente de Gevânio e disse-lhe:

- O pastor pede para o senhor ir cantar conosco. Ele acha sua voz muito bonita, meu

amado.

Tentando aparentar calma, Gevânio, mais uma vez, foi conduzido pela crente e lá estava

junto ao pequeno coral, fazendo ecoar sua voz grave de sabor de ternura. Os hinos dos

fiéis moviam-se para as nuvens, acompanhados pela melodia dos pássaros e o rio

carregava suas águas pela planície levando junto os sonhos desfeitos dos desiludidos.

Enquanto cantava, Gevânio meditava nos subterrâneos de sua mente: “Quanto é cômica

a situação do mundo! Na praça da cidade, cerveja mata sede e ilusões; pessoas se

divertem cansando braços e pernas na parafernália profana. Aqui vemos o oposto; as

gargantas dos fiéis transformam-se em firmamento aberto para Deus que leva os desejos

da carne “para o espaço”, ou transformam-nos em baile mental silencioso de louvor ao

Dono do Universo. Enquanto Vena se desfaz em suor com Mauro, aqui, Malina não

pode dançar.”

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Às duas da tarde, todos pararam para o almoço campal.

Gevânio avistou seu Tavares e uma garota que mais parecia sua filha. Foi ao encontro

dos dois. Surpreso ao ver Paula de barriguinha grande, perguntou-lhe, após apertar sua

mão direita:

- Como vai?

Seguiu-se meio minuto de contração do rosto da moça e a resposta.

- Vou bem, professor. Daqui a cinco meses ganharei neném. ( E os cantos de seus olhos

encheram-se de água).

- Fico feliz por você. Espero que seja uma criança sadia e bonita.

- Obrigada, pró.

- Seu Tavares, como vai?

- Tudo bem, mestre.

- Vejo que o senhor está em forma.

- Somos recentemente convertidos à igreja.

- Muito bem! (E sussurrando-lhe ao ouvido, Gevânio perguntou—lhe:

- Quem é o pai da criança?

- Eu mesmo, uai.

- Garanhão velho peitudo, hein!

- Eu me divorciei e vou casar-me com Paula. – respondeu Tavares.

-Quando?

- Agora. Nessa próxima terça-feira. O senhor é nosso convidado.

Gevânio agradeceu e despediu-se deles, pensando: “Como os sentimentos das pessoas

mudam de água para vinho e de vinho para água! Aquela não é a Paula que foi minha

aluna.”

Já com a noite meio alta, a caravana retornou à cidade. Eliene contou ao teacher como o

pastor Joel era solidário com D. Neiva e sua filha. Parecia seguir à risca as

recomendações do apóstolo Tiago de que a verdadeira religião consiste em “amparar os

órfãos e as viúvas”. Ironicamente, Gevânio comentou:

- Principalmente quando as viúvas são bonitas e os órfãos são mulheres. Não é mesmo,

Eliene?

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- Por que a ironia?

- Desculpa-me. É que a ovelha desgarrada ainda está vestida de pele de lobo.

- Que Deus te abençoe, meu amado.

- Que Deus, o pastor, D. Neiva e Malina me perdoem.

- Tu és um meninão grande. Tchau, professor!

- Tchau, minha amada!

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XII

Terça-feira, último dia de carnaval. O telefone toca insistentemente às quatorze horas,

na casa de Gevânio.

- Alô!

Professor, sou eu. Paula. Não se esqueça de ir ao meu casamento, hoje à noite.

- Sim, claro!

- Como poderia me esquecer?

- Será às dezenove e trinta, na igreja Deus é Amor.

- Tenho certeza de que Seu Tavares vai te fazer muito venturosa. Ele é cheio da grana.

Faze-o feliz também; ele sofreu muito na sua vida amorosa.

- Eu o amo, teacher, mas não pelo seu dinheiro e, sim, pelo seu jeito carinhoso.

- É isso aí, menina. Estarei lá às dezenove e vinte.

O templo estava lotado, à espera dos noivos; amigos e parentes ali se achavam. Como

era óbvio, apenas os filhos e a ex-esposa de Tavares estavam ausentes. Paula era uma

garota comunicativa e alegre. Todos gostavam do ar de sua graça. Seu Tavares era alvo

de zombarias, para uns; herói anônimo, para outros; amigo dos desvalidos,

principalmente dos pobres.

Os nubentes perfilaram rumo ao local próximo ao púlpito, sob os olhares dos

convidados e dos curiosos.

............................................................................................................................................

Após ler as frases do Gênesis “Não é bom que o homem esteja só... e os dois formarão

uma só carne”, o pastor Luís abençoou as alianças, que foram trocadas pelos noivos.

Tavares jurou amor e fidelidade à companheira esperando ser mais feliz que no primeiro

casamento. Paula repetiu o mesmo gesto pensando segurar aquele ricaço, seu amor e seu

dinheiro para si e para seu(s) filho(s).

O beijo do casal foi até longo demais; à moda dos artistas de cinema.

Gevânio olhou para Vena, que esboçara um sorriso de convencida enfeito por umas

pupilas de quatro noites de sono perdidas, sob o olhar de reprovação de Mauro. Logo

posteriormente, o ex-teacher fitou Eliene, que estava do lado oposto. Esta que viu como

seu ídolo de carne e osso ainda devorava Vena com os olhos, sacudiu para ele a cabeça,

elevou suas vistas em direção às sobrancelhas e mordeu os lábios, como se quisesse

esconder seu descontentamento e sua emoção.

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Após os parabéns aos recém-casados, Eliene, que se encontrava próximo a Vena,

cochichou para consigo mesma: “Não vou permitir que esta vassourinha destrua meu

sonho de amor. Está na hora de mostrar-lhe que uma evangélica também é mulher. Se

ela pensa que pode ganhar todos os homens do mundo, está enganada.” Parou de

cochichar, criou coragem e falou com voz meio trêmula:

- Professor, espero-o no jardim próximo ao Hospital Bom Jesus, amanhã, às quatro da

tarde. Quero explicar-lhe meu ponto de vista sobre algumas passagens da bíblia.

Gevânio sorriu, sem entender direito. Ele já lera o Antigo e o Novo Testamento seis

vezes. Achava que ali tudo era questão da maneira como cada um interpretava. Fitou de

novo Vena e Mauro; depois respondeu enviando um resplandecer de suas íris para os

olhos de Eliene:

- Sim, minha amada. Estarei lá; não se esqueça de levar a “Palavra de Deus”.

Eliene sorriu porque viu Vena contrair o rosto e ficar vermelha e porque, pela terceira

vez, teria a ocasião de estar a sós com o provável futuro crente. Todos se retiraram.

Em casa, a poetisa matutava sobre as passagens bíblicas que comentaria com Gevânio.

Este, com o coração ainda negro com relação a Vena, saboreava o gostinho da derrota

sentida por ela com o convite insinuante de Eliene.

Vena despediu-se de Mauro com baixo astral; não gostava de ver outra representante do

sexo frágil brilhar à sua frente, de forma especial quando estava roubando o amor e a

atenção que um homem lhe devotara incondicionalmente, mesmo sem ser

correspondido. Chegou até mesmo a pensar com seus botões: “Antes estivesse

desfrutando da última noite carnavalesca. Só fui a esse casamento porque meu pai deve

favores a seu Tavares e porque simpatizo muito com Paula.”

Às quatro horas da tarde de quarta-feira de cinzas, Gevânio compareceu ao encontro

combinado na noite anterior. Fez questão de caminhar em volta do jardim cheio de

curtidores de ressaca e de evangélicos sempre dispostos a pescar novas almas para

Cristo, aproveitando o estado de espírito cansado e abatido dos sonolentos e saudosistas

dos festejos de Momo. Andava com o braço direito grudado à parte superior das costas

de Eliene forradas por uma blusa verde cana.

Vena esperava impaciente que Mauro, num banco, mas provavelmente o cansaço o

prendera no sono.

Ao passar junto dela, Gevânio fez-lhe ouvir um simples “olá”.

Meio aérea, redargüiu timidamente:

-Oi!

Agora sentados à beira de um canteiro de flores, Eliene abriu o livro do Gênesis e leu a

frase “E os dois formarão uma só carne” e iniciou o diálogo.

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- Professor, qual sua opinião sobre estas palavras?

- Eu posso dizer o que sinto e penso, sem máscaras?

- Com toda franqueza, meu amado.

Vena, cansada de esperar por Mauro, levantou-se e perambulava pela periferia do

jardim. Passando junto do casal, ouvira Eliene chamar o ex-teacher de “meu amado”.

Católica praticante, não sabia que esta é uma expressão carinhosa que os evangélicos

usam para se saudarem como irmãos, com ou sem segunda intenção. Em seu cérebro de

vinte e três anos fervilharam idéias que lhe diziam: “Então deve ser verdade o que

fofocam por aí. O professor, que era católico de quatro costados, está virando “crente”,

ou melhor, quente, por causa dessa menina. E ela o chama de meu amado. Já andam

abraçados em praça pública. Parece que estou perdendo a parada mesmo.”

- Eliene, antes de continuarmos nossa reflexão bíblica, vou buscar dois sorvetes para

nós refrescarmos nossas gargantas contra esse calor.

- Certo, pró.

Aproveitando a ausência de Gevânio, Vena aproximou-se e sentou-se ao lado da crente;

tentando aparentar calma e entreabrindo um sorriso trabalhado, disse:

- Gostas do professor?

- Por que a pergunta?

- Responde. Isto é muito importante.

- Tenho o direito de ficar calada. – disse a evangélica, que percebera o tom provocativo

da conversa.

As moças crentes não gostam de discussões, ainda mais em querelas amorosas.

Sacudindo-lhe o ombro esquerdo, como a despertá-la de um torpor, Vena insistiu:

- Gostas mesmo dele?

- Amo-o; aliás. Eu o adoro.

- Cuidado, ele te fará sofrer muito.

- Por que?

- É muito volúvel.

- Será futuramente um crente fervoroso e deixará a vida mundana.

- Não tenhas tanta certeza.

- Mesmo assim, eu o amo.

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- Pois fica sabendo que eu sou rainha soberana no coração dele. – disse Vena.

- Parabéns, “rainha da Inglaterra”!

- Ele me adora mesmo. Se eu bater os dedos, o cachorrinho virá lamber os meus pés.

-Vena, tu não sabes do que u’a mulher realmente apaixonada é capaz.

- Ele sempre se lembrará de mim e me desejará.

- Então, por que não casas com ele?

- Porque não o amo; e quero curtir minha vida.

- Fica sabendo que moverei os céus e a terra para possuí-lo.

Vena constatou que ali na possível rival estava um amor sincero, do tipo que ela ainda

não conhecia, que nunca experimentara por ninguém, apesar de amar Mauro. As duas

ficaram caladas por alguns momentos.

Gevânio voltara com os sorvetes. Mas, para deixar as duas à vontade em sua troca de

idéias, escondeu-se atrás de uma touceira de bambu e ouviu tudo. Agora tinha certeza,

tanto quanto é possível ao homem, de que Vena fazia mesmo dele um brinquedinho e

que se o diálogo se prolongasse, provavelmente iria humilhar a outra jovem. Deu alguns

passos para trás, aparentando vir de mais longe; depois chegou com os sorvetes,

fingindo não ter ouvido nada.

- São apenas dois sorvetes e nós somos três; busca outro pra ti. – disse Vena.

Eliene lançou para ele um olhar suplicante pedindo-lhe para ficar. O rapaz entendeu o

apelo e respondeu:

- Tome, Vena; este é seu. O outro, divido com Eliene.

Dito e feito. Agora sentado entre as duas, o profe levava a paleta do sorvete à boca da

poetisa e depois à sua. Evidentemente, a “cristã” mentalizava que a paleta doce servia

de língua para ambos, que punham seus músculos bucais à mostra nesses momentos.

Gevânio apertou com certa força a parte superior do corpo de Eliene para lhe transmitir

segurança. Vena tentou manter-se calma. Era a primeira vez que seu “cachorrinho de

estimação” a contrariava e a desafia, bem à sua frente.

- Fiquem à vontade, pombinhos. Vou andar. – disse, depois de terminar de refrescar o

esôfago.

- Tchau! – responderam Gevânio e Eliene.

- Professor, vamos deixar nossa palestra para o próximo sábado, à tarde?

- Sim.

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- Às dezesseis horas de novo.

- OK.

- Esta garota me deixou quase fora do ar. – disse Eliene.

Beijando-lhe a face, Gevânio se despediu da jovem. Era o melhor a fazer naquele

momento.

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40

XIII

Vena retornaria para a capital do Estado na quinta-feira; preferiu, entretanto, adiar a sua

volta para a segunda-feira seguinte.

Na tarde do sábado, o jardim próximo ao Hospital Bom Jesus estava encoberto por

nuvens espessas; uma brisa lenta embalava as plantas que, comovidas, dançavam,

comemorando um pequeno pedaço de céu azul que surgia no horizonte.

Vena conversou animadamente com sua tia Margô, a qual acabara de divorciar-se.

Em um banco não muito distante, duas pessoas trocavam opiniões.

- Não é apenas o homem que não pode viver sozinho. Até os animais, inclusive os mais

feroz, em sua grande maioria, procuram uma ou mais parceiras. O amor, desde o

prelúdio até o clímax final, é um ditame da natureza, Eliene.

- Para mim, professor, o amor é uma coisa sagrada. Tem que ser autêntico e para toda

vida.

- Acreditas em amor eterno entre duas criaturas?

- Desde que este sentimento esteja alimentado pelas bênçãos de Deus, através do

matrimônio.

- Não é bem assim. As incompreensões, os sofrimentos e o tédio matam qualquer

relacionamento a dois.

- Mesmo no casamento?

- Sim. Principalmente quando o enlace nupcial não é com o par certo.

- Profe, acreditas na existência de almas gêmeas?

- São raríssimos os casos em que o Todo Poderoso as une no altar.

- Talvez fosse amor demais para apenas duas pessoas, não é mesmo?

- Parece mais um fenômeno reservado ao privilégio de poucos.

- Gevânio, o que fazermos quando nosso amor não é correspondido ou quando acaba?

- Apatia, abandono, separação e busca de nova quimera parecem ser os remédios. E tu,

que pensas sobre o assunto?

- Como cristã, nesses casos, aconselho a renúncia e a resignação como armas para salvar

um matrimônio.

- Para transformar-se apenas em casamento de aparência?

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- Jesus disse: “O que Deus uniu o homem não separe”. – argumentou Eliene.

Gevânio lembrou-se de sua conversa com Mauro e voltou a bater na mesma tecla:

- A recíproca também pode ser verdadeira. Os que se separam e os que vivem em guerra

podem não haver sido unidos por Deus.

-Ou não tiverem forças suficientes para amar e perdoar.

- Vejamos alguns exemplos em nosso meio. Seu Tavares separou-se da família por

motivo justo e está constituindo outra. Qual dos dois casamentos tem as bênçãos do Pai

Celestial? A tia de Vena também está separada; entretanto seu casamento fora um dos

mais festivos da cidade.

- Gevânio, falando assim tu me assustas. A palavra de Deus recomenda a fidelidade.

- Lógico; quando ela é possível; quando nos unimos à pessoa certa e enquanto há amor.

- Não tinha analisado o assunto ainda por este ângulo.

- Existem casados vivendo mais sozinhos que leão doente em sua toca.

- Então, tu és a favor do divórcio.

- Pode ser uma saída; pesada e cara, mas honrosa.

- Pró, a bíblia jamais aconselhou a separação de casais.

- Eliene, tu estás enganada. Acho que, de certa forma, recomendou, sim. O apóstolo

Paulo avisou aos coríntios que “se o parceiro ou parceira não cristãos quiser o divórcio,

então que este seja concedido e o outro estará livre para viver como quiser porque Deus

nos chamou para vivermos em paz”.

- Podes citar-me capítulo e versículo deste conselho?

- 1ª, coríntios – capítulo 7 – versículo 15.

- Por que nunca casaste?

- É um passo muito difícil.

- Mas Deus disse que o homem não pode viver sempre só.

- Em 1ª. Coríntios – capítulo 25, vers. 27, o apóstolo dos gentios nos dá a entender que

os que se casam atraem para si muitas tribulações, quando recomenda aos solteiros que

não procurem esposa, por causa dos tempos difíceis que vivemos.E imagina só que isto

foi dito há quase dois mil anos.

-Estou surpresa, pois vejo que conheces mais a bíblia do que eu pensava.

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- Um pássaro pousou na extremidade de uma árvore, balançou o rabinho e depois, a

cabeça, como se quisesse dizer que ambos tinham razão.

-Gevânio continuou:

- Eliene, tu és muito prudente, todavia existem sempre prós e contras nas circunstâncias.

Tudo tem seu preço. O caro sai barato e o barato sai caro.

O clima ameno da tarde, agora com maior parte de céu azul, e a presença de Vena, a

pouca distância, já notada por Eliene, fizeram crescer nela o desejo de um contato mais

íntimo com seu interlocutor. Agora estavam com os rostos tão próximos que um

inspirava o ar expirado pela outra e vice-versa.

A crente lembrou-se da prepotência e da intimidação de Vena e, diante de um olhar

persuasivo e arrogante daquela, quis mostrar-lhe que, a seu modo, também sabia ser

mulher na hora certa. Entreabriu seus lábios e fechou os olhos.

Vena pigarreou, como a advertir Gevânio, que, propositadamente, depositou um beijo, à

moda Rudolfo Valentino, na sua interlocutora, a qual passou a respirar de forma

ofegante, com os seios a arquejarem para trás e para frente, fazendo desabrochar a libido

da moça apaixonada, que comemorava o ato como se fosse o início de uma noite de

núpcias.

Era demais para Vena; retirou-se com a tia.

- Desculpa, foi mais forte que eu. – disse Gevânio.

- Eu te amo. – respondeu Eliene.

- Como Jesus nos ama?

- Sim; e talvez de forma diferente.

Voltaram para a casa de Eliene, como se fossem dois irmãos ou irmãs, de mãos dadas.

Em seu divã, Gevânio comemorou: “Finalmente consegui dar o troco a Vena. Um a zero

de presa”. Não obstante, o gosto do beijo permanecia nele e na evangélica.

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XIV

Gevânio nada revelava a Eliene sobre seus genitores e parentes. A recíproca também era

verdadeira. Outrossim não se interrogavam a respeito do assunto.

Linda manhã de domingo. Numa das igrejas católicas da cidade pessoas se agrupavam

para o batizado do filho de Glauco e Greta, garoto forte e simpático, na faixa etária de

seus dois anos. Adeptos da cátedra de São Pedro e outros ramos da cristandade ali

compareceriam, por amizade aos pais do menino. Vena viera da capital do Estado para

ser a madrinha, juntamente com Mauro de quem ficara noiva há três meses. Greta fizera

questão de ver Eliene na solenidade, graças à antiga camaradagem entre elas. Esta fora,

também impulsionada pela companhia de Gevânio. Todos estavam bem trajados; cultos

religiosos são como festas; aqueles que os freqüentam querem sempre mostrar boa

aparência, a fim de causarem ótima impressão.

Mauro derretia-se em carinhos e atenções para com a futura esposa, deixando bem claro

a Gevânio que o coração de Vena era seu e que isto era fato consumado.

- Eliene, sempre de ombro a ombro com o ex-professor, também dizia à ex-rainha do

coração de Gevânio”que ela já estava ocupando o seu espaço na vida de seu antigo

“súdito” e, no âmago do ser, jurava a si mesma dar-lhe todo afeto que Vena lhe negara.

Mauro e Vena juraram os votos das promessas do batismo, em nome da criança.

Eliene perguntou ao teacher:

- Como podem duas pessoas estranhas adultas falar e jurar por um menino pequeno que

nada entende da vida e do mundo? Quem garante que o garoto cumprirá o que foi dito

pela boca e intenção dos outros, se ele mesmo não prometeu nada?

- Eliene, nisto concordo contigo. Inclusive, é bom lembrar que os antigos adeptos do

Cristianismo primitivo só batizavam pessoas já ajuizadas e convertidas, depois da

adolescência.

- Vejo que tens a mente aberta, no que tange a crenças religiosas.

- Agora te proponho outro dilema. – disse Gevânio.

- Qual?

- Éverdade que Jesus disse?: “Aquele que crer e for batizado será salvo...” Mas te

pergunto: Qual seria o batismo se até entre as correntes “evangélicas”muitas vezes a

mudança de religião exige um novo ritual de batismo?

- O verdadeiro é aquele em que o batizando é mergulhado na água.

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-Claro que a água é o símbolo da vida, segundo o próprio Cristo; entretanto os católicos

também molham a cabeça do recém ingressado na igreja.

Não encontrando outra resposta no momento, Eliene respondeu:

- Digamos que vale o batismo em que prevalece a fé íntima do batizado.

O bolo foi repartido entre os convidados na casa de Greta. Crentes bebiam refrigerantes

e os demais, quando adultos, tomavam seus tragos de cerveja.

Após os primeiros presentes começaram a ir embora. Mauro perguntou:

- Sabem quem vai nos deixar?

Estupefatos, todos se calaram e se voltaram, para ele, esperando a resposta que não

sabiam. Todos, exceto um.

- Fala logo, Mauro. - bradou Alício.

- Pois bem, o professor está prestes a sair de nossa cidade.

- É verdade, Gevânio? – indagou Eliene.

Este respondeu:

-Queria participar a todos em outra oportunidade, para não causar constrangimento

neste dia. Porém, é inevitável que a verdade seja dita. Recebi proposta de bom emprego

em Londres. De início, serei gerente comercial de uma firma do mundo da moda e dos

brinquedos da Inglaterra. Seis mil dólares mensais não podem ser desprezados por

ninguém.

A notícia caiu como ducha fria no meio de todos. O profe era popular e bem querido.

As pupilas de Camile se nevoaram, sendo logo enxugadas por um lenço que Afrânio

havia lhe ofertado dias antes.

Vena salientou a protuberância dos lábios, como se quisesse dizer-lhe que ia tarde, mas

que também sentiria saudades.

Mauro sentiu remorsos. De certos tempos para cá, magoara seu grande amigo. Todavia

refletiu consigo mesmo? “Quando há dinheiro e amor na jogada, amizade fica para

terceiro plano.”

Ramere perguntou-lhe, com voz meio presa na garganta:

- Vais mesmo deixar os amigos?

Sendo o alvo das atenções, Gevânio desabafou:

-Será por pouco tempo. Quando fizer um bom “pé de meia” volto para cá.

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Eliene puxou-o pelo braço e acenou, despedindo-se de todos. Estava ansiosa para ter

maiores esclarecimentos. No caminho de sua casa quebrou o iceberg.

- Gevânio, é verdade o que disseste?

- Felizmente, ou infelizmente, é.

- Tu vais me deixar? Meu amor não conta?

- Eu vou exatamente por nós dois.

- Não entendo. Gostas de mim e me abandonas?

- Telefonar-te-ei sempre e mandarei cartas.

- O que me interessa é tua presença.

- Disse-te que vou por nós dois.

- E se eu implorar que fiques?

Mordendo os lábios e com ar de preocupação, o teacher explicou:

- Vou construir um patrimônio. Depois volto para casar-me contigo.

Eliene pareceu mais confortada, pois, mesmo em circunstâncias tão dramáticas, era a

primeira vez em que ele lhe prometia casamento. Depois falou:

- Casamo-nos e me levas contigo.

- O meu começo em Londres será difícil. Terei que viajar a maior parte do tempo. E, se

não economizar, jamais terei chances de progresso.

- Os menos afortunados também vivem. O amor de Deus e o nosso amor nos ajudará.

- Penso em conforto e segurança para nós e nossos filhos.

- Manda-me cartões postais da Grã-Bretanha.

- Os primeiros que te enviarei serão os do Palácio da Rainha, do rio Tâmisa e do Big

Ben.

-Big Ben... Ordena-lhe que rode seus ponteiros com rapidez para trazer-te de volta o

mais breve possível.

-Será esta minha primeira missão em solo inglês.

- Tens certeza de que não me esquecerás?

- O homem que quer ser feliz jamais despreza a mulher que o ama e a quem tanto quer.

- Isto é uma confissão de teu amor?

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

46

- É. Eu também te adoro; te quero com todas as forças de minha alma.

- No meio da alta sociedade, do luxo e das mulheres sofisticadas não me conservarás na

memória.

- Trarei a beleza de teu rosto, o charme sedutor de teu corpo e o palpitar de teu coração

no meu cérebro e no meu peito.

- Quando irás?

- Daqui a um mês.

- Eliene lembrou-se do vaticínio de Vena, de que ele a faria sofrer muito. Gevânio a

deixou em casa com um beijo de efêmera despedida.

Iria tentar ser rico, sim, mas estava fugindo, naquele momento, de um amor não

correspondido e que estava disposto a esquecer.

A evangélica deitou-se em sua cama e desabou em pranto.

-

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

47

XV

Faltando três dias para a partida, os amigos mais chegados fizeram uma festinha de

despedida para o teacher.

Homens e mulheres bebiam, brindando através das taças ao sucesso daquele que

migraria para o exterior.

Comentários irônicos, críticas de subterfúgios e elogios não faltaram ao futuro viajante,

que a todos respondia com um sorriso burilado e bem decorado, para deixar a todos boa

impressão de seu rosto. Afinal, quem vai não sabe se volta.

Mauro, Alício e Glauco foram os coordenadores da recepção.

Vena já havia voltado para a capital onde ganhava o pão de cada dia. Eliene preferiu

não comparecer, não gostava de ambientes muito freqüentados, especialmente aqueles

acompanhados por cerveja. Seu namorado estranhou sua ausência, mas compreendeu

que deveria ter seus motivos.

Os abraços mais apertados foram os de Mauro, Ramere e Camile.

Já em seu lar, o homenageado telefonou para a namorada. Esta lhe confessou que não se

fizera presente por não se encontrar bem de saúde. Combinaram ir juntos ao porto, onde

moderno transatlântico que conduzia um grupo de estilistas da alta moda londrina

levaria por mar a dentro o ex-professor.

............................................................................................................................................

De braços dados, massageando mãos, braços e dedos, Gevânio e Eliene esperavam, no

porto, a hora em que o navio zarparia. As ondas do oceano agitavam-se no cais, dizendo

aos dois amantes que a vida é um maremoto onde a ansiedade alimenta o amor e este

acende a fogueira da saudade. Cada bater das águas no cais fazia o peito de Eliene

palpitar com mais força. De rostos colados, como dois irmãos que estão prestes a se

perderem de vista, o par troca promessas de amor perpétuo, nas quais, conforme dissera

em certa ocasião, Gevânio não acreditava muito.

Quando a máquina gigante dos mares apitou, conclamando todos os passageiros ao

embarque, Eliene agarrou-se ao pescoço do amado. Molhando de lágrimas seu peito

másculo mostrado pela gola aberta de sua camisa, a jovem gritou desesperada, como

alguém que vê um corpo baixar à sepultura.

- Não! Não me deixes!

- É preciso que eu vá, meu amor.

- Por favor!

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

48

Os funcionários da embarcação avisavam pelo serviço de auto-falantes que o navio já

estava partindo.

Gevânio ergueu para cima o rosto da moça, que o olhou com olhos de gata morta.

Beijou-lhe os lábios banhados pela água salgada dos próprios olhos da crente. A voz lhe

fugiu. Eliene também emudecera.

...........................................................................................................................................

Quanto tempo ficara ali parada?...Dormira... talvez... Sonhara (ou pensara) que viajava

num barco em companhia do paquera e de um filho bonito dos dois.

Abriu as pestanas; descortinou suas pupilas em direção às nuvens; enxergou o mar

vazio. Voltou a chorar, até que D.Neiva e Malina a levaram para casa.

Gevânio ouvia o som de uma orquestra que viajava a bordo; não gostava de dançar;

imaginou-se bailando com aquela mulher, como duas borboletas que brincam no ar.

Lembrou-se das palavras de Jesus: “Que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e

perder a própria alma?” E refletiu consigo mesmo: “De que me adiantará fama, dinheiro

e sucesso,se eu perder o amor de Eliene, depois de nunca haver conseguido o de Vena?”

Contudo, tão agitado quanto a sua mente estava o oceano, com seu manto gigantesco de

água, a dizer-lhe que não tinha mais jeito, que era obrigado a seguir caminho; que as

águas do mar da vida afastara suas duas almas e que só Deus poderia reuni-las um dia,se

esta fosse sua vontade onipotente.

............................................................................................................................................

Cochilou. Dormiu mesmo. Sonhou que era um sultão e que Eliene era uma odalisca e

dançava à sua frente, com o ventre exposto, à moda das antigas cortes muçulmanas do

Oriente Médio. Levantou-se. Avistou, sim, uma linda mulher, mas não era sua querida.

Uma voz sensual feminina, seguida de um olhar de mulher fatal, perguntou-lhe:

- Quer companhia?

- Prefiro dormir.

- Vejo que o senhor está só.

- Estou triste.

- É sentimental?

- Deixei no porto uma parte de meu ser.

- A namoradinha?

- Meu amor.

- Qual deles?

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- Como? Não entendi a pergunta.

Senhora de si, a passageira enfatizou:

- Lembra-te de qual das mulheres que amou?

- Atualmente amo só uma.

A mulher sentou-se ao seu lado e continuou:

- Quando as folhas das árvores secam e são jogadas ao chão pelo vento, outras folhas

nascem para ocupar seu lugar. Assim também são os amores do homem e da mulher.

Gevânio quis dizer-lhe que sua companhia era incômoda, mas não resistiu ao perfume e

à voz da tripulante. Verificou que realmente Eliene parecia ter razão. Era homem e

dificilmente resistiria aos encantos femininos d’além mar.

- Agora o reconheço. Vi sua foto pela internet. O senhor é Gevânio!

- Com quem tenho o prazer de falar? (quis dizer desprazer, mas se conteve).

- Chamo-me Marilyn Douglas. Sou diretora de relações públicas da Willians and

Thompson Company.

- De Londres?

- Sim.

- Estou indo para sua empresa.

- Eu sei. Indiquei seu nome. Descobri que suas notas na Universidade eram as melhores

que se possa obter.

- Minha gratidão e meus parabéns pelo talento de caçadora.

- Não precisa agradecer. Sou mesmo uma caça-talentos. O senhor administrará nossa

parte comercial na matriz. Sei que é um mestre na arte de Hermes.

- Mesmo assim lhe sou grato; sou um mercenário; corro a buscar o dinheiro e a glória,

mesmo que deixe para trás as ilusões.

- Na nossa firma, um trabalha por todos e todos trabalham por um. Com eficiência,

todos seremos sempre mais ricos.

- Senhora? Ou senhorita?

- Fui senhora. Hoje sou livre para amar e talvez até tornar-me a casar.

- Fala bem o idioma português.

- Sou uma poliglota.

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- Quer que falemos em inglês?

- Do you speak English very much?

- Yes, my senhorita.

- Melhor dialogarmos em português. Trabalho muito no Brasil e seu idioma já me é

familiar.

- Ótimo.

- Ajudá-lo-ei no que for necessário em Londres.

- Em tudo?

- Profissionalmente, sim. Ou quer também que eu lhe seja uma conselheira sentimental?

- Eu posso precisar de um ombro amigo.

...........................................................................................................................................

Tornaram-se colegas em plena viagem. Passavam as noites vendo as estrelas refletirem

sua luz nas ondas do mar que visitavam a embarcação.

Marilyn via no parceiro um homem prático e objetivo.

Gevânio fitava o mar que vinha à frente como promessa de muitas libras esterlinas que

seriam convertidas na moeda norte-americana; e olhava o mar que ficava para trás,

como se ouvisse o chamado de Eliene. Sempre sonhara conhecer o Reino Unido com

suas paisagens, seus castelos e suas lendas, porém sentia uma profunda dor no peito

esquerdo, provocada pela saudade dos seus conterrâneos, principalmente de Eliene.

Impiedoso, o transatlântico seguia sua viagem, surdo aos conflitos pessoais dos que

transportava para o primeiro mundo.

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

51

XVI

Na capital britânica, Gevânio se dedicou com afinco ao trabalho, no afã de acumular

fortuna e poder; contava sempre com a colaboração de Marilyn. Quando necessário,

empreendia viagens por terra, mar e ar a serviço. Roma, Paris, Nova York, Chicago, São

Paulo e Rio de Janeiro eram seus alvos prediletos. Várias vezes sobrevoara o Atlântico,

que lhe fazia aflorar à consciência recordações doces e dolorosas.

Queria visitar sua cidade natal, rever os amigos, a mulher que o amava... A empresa,

porém, sugava cada vez mais suas energias. Sem querer, foi-se deixando arrastar pelo

carrossel do mundo dos negócios, onde não sobra lugar para sentimentalismos. Aí a

razão e o jogo de interesses valem mais que o coração.

Segundo prometeu, mandou cartões postais para Eliene; não só da Inglaterra, como

também dos outros países que eram pontos de sua rota comercial no jogo do marketing.

Cada qual revelava paisagens mais belas.

Cenas pitorescas, grupos folclóricos, feições alegres ou pesarosas..., tudo flutuava à

frente da jovem ao passar em revista aquelas fotos. A maioria daqueles rostos perdidos

no meio das multidões, mesmo calados, pareciam comungar de sua solidão e de seu

saudosismo.

A princípio Gevânio telefonava sempre. Gaguejava, movido pela emoção. Eliene,

querendo chorar, não falava quase nada; o que mais solicitava ao namorado era a sua

volta.

Depois, o novo líder empresarial foi substituindo-a pelos cargos da firma e pela força de

seus cofres.

Marilyn era uma ótima amiga e lhe abrira as portas da alta elite do mundo financeiro e

do mundo social.

O homem simples ficou soterrado num passado que rapidamente se escoava para o

vácuo. Onde chegava, todos os serviam, todos o bajulavam. Não se desagrada gente

importante.

Chegou o dia das núpcias de Mauro e Vena. Eliene lá se encontrava a convite da noiva e

por insistência de Greta, que fazia de tudo para que a crente freqüentasse reuniões

sociais ou solenidades, na esperança de vê-la encontrar outro pretendente, pois já se

passavam dois anos e Gevânio jamais retornara.

Marcha nupcial, anjinhos, padrinhos e alianças..., multidão presente..., tudo que dá o

toque de encanto a um matrimônio.Nada faltava.

Vena estava feliz. Mauro também. Mesmo assim mirava Eliene, a quem entregara o

melhor pedaço de sua alma de romântico apaixonado.

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A evangélica não foi à festa de recepção; limitou-se a assistir ao culto do casamento

católico.

Dois dias depois, quando estavam prestes a embarcar para a lua de mel, os recém-

casados receberam um pacote pelo correio. Logo à frente, uma carta dizia: “Mauro,

segue a importância de quatro mil dólares. É meu presente de casamento. Curte bem tua

lua de mel com tua esposa. Quanto a ti, Vena, espero que faças meu amigo muito

feliz.Vocês foram feitos um para o outro. Não fui ao casamento porque acabo de deixar

a cidade de Chicago, onde fechei um contrato bilionário para a Empresa, e estou de

volta, com destino a Londres. Abraços para todos. Gevânio.

Sim; esta era a única linguagem que parecia rolar de seus lábios. Dinheiro..., mais

dinheiro...; amor, fazia de brincadeira, a peso de ouro, onde chegava. As libras esterlinas

e os dólares compravam tudo para ele, menos o aconchego íntimo duradouro e a paz.

Vena carregou Mauro para a capital do Estado, onde trabalhava numa empresa da alta

costura; ali arrumou emprego para seu jovem marido. Eram felizes, apesar de viverem

um pouco sufocados pelo ritmo agitado da grande metrópole brasileira. Já eram

genitores de um casal de filhos de quatro e três anos. Nunca se preocuparam com a

sobrevivência financeira. A firma parecia ir bem e eram conceituados por bons

trabalhadores.

Chegou, no entanto, o momento crucial. Seus patrões e os bastidores da área de recursos

humanos atestavam que as finanças do grupo iam mal. Altos juros transformavam o

déficit numa bola de neve de escala sempre crescente.

Depois de muitas incertezas, o milagre chegou. A empresa foi vendida à Willians and

Thompson Company, de Londres. O grupo inglês agora controlava oitenta e cinco por

cento das ações da “Real Confecções”, da Avenida Paulista.

Gevânio sentou-se ao lado de Sir Thompson e de Lady Marilyn, respectivamente diretor

financeiro, diretor presidente e diretora de recursos humanos da William and

Thompson Company. O gabinete das decisões máximas do grupo localizava-se às

margens do Tâmisa, ladeado por palmeiras e pequenas estátuas que se mantinham em

repouso no jardim.

- É preciso dispensarmos setenta por cento dos funcionários da nova firma adquirida no

Brasil. – disse Marilyn.

- Politicamente, isto criará um impasse com os governantes brasileiros. Uma gestão

presidencial que prometeu combater o desemprego não irá permitir um descalabro deste

de nossa parte. – afirmou Sir Thompson.

- Qual sua opinião, Sir Gevânio?- perguntou Marilyn.

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As coisas já estavam neste pé. Provavelmente a palavra de Mister Gevânio seria o voto

Minerva, o golpe fatal, o tiro de misericórdia para qualquer decisão que seria ali

tomada. Seu tino prático não se fez esperar.

- Pelo bem do Brasil e de nossos empregados da América Latina, sou a favor da redução

das jornadas extras de trabalho, mas, para o sucesso da Empresa, sugiro a demissão de

quarenta e nove por cento do quadro do pessoal.

- Por que quarenta e nove e não cinqüenta por cento?- comentou Marilyn.

- Não quero que a balança pese mais contra mim que contra o lado social da

Companhia. – arrematou Sir Gevânio.

- Suas idéias serão apresentadas à Assembléia Geral dos Acionistas, nos próximos

dias... – disse o presidente Thompson.

Voz de Mister Gevânio era voz de rei; ele sabia o que era melhor. A solução adotada foi

a sua. Redução de jornada de trabalho e demissão de pessoal na porcentagem por ele

estipulada.

Depois de algum tempo, o diretor financeiro, juntamente com Marilyn e o senhor

presidente assinaram uma chuva de cartas de demissões para o grupo brasileiro que fora

incorporado. Não olhavam nomes. A lista já fora preparada do Brasil.

Um G bem grande de Gevânio e um D maior ainda de Diretor carimbavam suas

assinaturas.

Mauro e Vena voltaram à sua cidade de nascimento, com dois filhos para criar e um

punhado de dívidas a saldar, inclusive de casa recém-financiada.

Um dia, conversando com Eliene, Mauro contou-lhe o drama, mostrando-lhe as duas

cartas de demissão.

...........................................................................................................................................

Gevânio voltou de Roma à Inglaterra. Encontrou uma carta do interior paulista.

Tratando-se de missiva vinda de sua cidade, abriu-a e percorreu as vistas rapidamente

pelo papel, como fazem os grandes homens de negócios.

“Gevânio, por Jesus e pelo amor que meu coração de devota, suplico-te. Dá de volta os

empregos a Mauro e a Vena.Deus te recompensará. Beijos. Eliene.”

Era difícil para o poderoso das finanças da Rede. Não podia decidir sozinho. As

demissões e contratações pertenciam mais ao presidente e às diretorias administrativa e

de recursos humanos. Também não poderia resolver dois casos isolados; o problema era

de muitos desempregados. Milhares de cartas iguais àquelas chegavam à Direção da

Empresa, todos os dias. Mesmo assim, tentaria.

Na mesma noite telefonou para Sir Thompson e Lady Marilyn.

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Quinze dias depois, Mauro e Vena estavam readmitidos, após agradecerem a Deus e a

Eliene.

..........................................................................................................................................

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55

XVII

Eliene ensaiava músicas que ouvia nas emissoras de frequência modulada. Acariciava as

cordas de seu violão como se fossem os cabelos do amor longínquo. Parava, suspirava e

sentia vontade de chorar.

Por que o manda-chuva da moda inglesa parou de lhe telefonar?

Por que não recebera mais suas missivas?

Pegou papel e caneta e escreveu-lhe, apresentando sua gratidão pela recontratação de

Mauro e Vena. Passados alguns dias, veio a resposta. “Eliene, hoje meu mundo é

diferente do teu. Mas continuo crendo em Deus. Amo-te. Contudo, amo também o meu

trabalho. Brevemente voltarei ao Brasil e é para ficar de vez. Quanto ao caso de Mauro

e Vena, não me agradeças. Louva o Cristo e torce para que o casalzinho faça bem a sua

parte no emprego. Não te esqueças: Apesar da distância, ainda te amo. Abraços e beijos.

Gerânio Pontes.”

O grande império econômico presidido por Thompson ia subindo de vento em polpa,

inclusive a parte brasileira. Boa administração e bom marketing ajudam muito, de forma

especial, com a colaboração da alta tecnologia eletrônica e a redução de custos

considerados supérfluos.

Os funcionários do primeiro escalão celebravam efusivamente o trigésimo aniversário

do grande empório comercial da moda da terra de Elizabeth II.

Marilyn foi eleita por unanimidade nova presidente do grupo, graças à intensa

campanha de Gevânio e do velho Thompson junto aos grandes acionistas. O brasileiro

continuaria à frente das finanças. O exemplo de seu pai Willians, Thompson ia dedicar-

se à vida simples do campo. Marilyn estava feliz; todavia entre as taças de shop da

vitória, a profissional de negócios transformou-se em mulher necessitada de carinho.

Estava ébria; fora de seu controle, impassível. Pediu a Gevânio que a levasse para sua

mansão.

O veículo de última geração riscou imponentemente o asfalto das ruas londrinas,

carregando aquela deusa e seu amigo particular.

Desde o portão de sua residência, a nova número um da firma foi dispensando a

criadagem.

Segurou seu diretor financeiro pelo braço e os dois foram cambaleando em direção à

suíte da mulher. Gevânio achou estranho. Sempre foram colegas; amantes, jamais. Não

se sentia preparado para bancar o Casanova naquela noite.

O banho quente que tomaram juntos deu-lhe um pouco mais de ânimo. Não amava

Marilyn, como não amava suas parceiras de aventuras internacionais. Não podia,

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entretanto, desprezar aquele corpo irresistível, desnudo à sua frente. Corria os riscos de

ser chamado frouxo ou homossexual, além de colocar em xeque – mate seu cargo no

grupo presidido pela ex-diretora de relações públicas.

Pensou em Vena. Relembrou Camile. Mentalizou o corpo de Eliene. Sentiu saudades

dela. Mas alta elite não sente, raciocina. Tinha necessidade de provar a Marilyn que era

tão homem quanto profissional. Conduziu aquele bife de carne excitada semi-

inconsciente para a cama e ali lhe deu prazer. A executiva se contorceu em gemidos,

entre espasmos de dor e alegria. O parceiro caiu para o outro lado do leito, como animal

ferido de morte. Com a carne é assim. Amor e sexo dizem a mesma coisa, embora não

sejam palavras sinônimas.

No outro dia, Gevânio retirou-se como um fantasma que se desliza entre as sombras.

Ninguém viu movimento de carro perto do palacete. O veículo em que chegaram na

noite anterior pertencia a Marilyn. Era feriado para os funcionários. A presidenta

dormia.

O financista traçava seus planos para vôos mais altos.

Chegando a seus aposentos, mal pôde trajar-se de pijama e o telefone celular tocou com

insistência.

- Hellow! (Aquela voz era muito conhecida; era ela).

- Gevânio, sou eu, Eliene.

- Bocejando, o homem respondeu:

- Lembraste de mim, hein. Thank you very much!

- Sabes que não sei falar inglês.

- Mil perdões! (Em seu íntimo associava a voz da brasileira com a de seu caso da noite.)

- Gevânio, estás me ouvindo? Sou eu, Eliene.

Caindo em si, o trintão assumiu um ar de sóbrio e continuou:

- Que desejas, meu bem?

- Por que falas comigo tão friamente?

- Impressão tua.

- O poder te subiu à cabeça.

- Não.

- Tu bebeste ontem à noite.

- Estás percebendo o cheiro da bebida do outro lado do Atlântico por telefone?

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- Não sejas tão cruel. Sabes que sofro.

- Eu sei; também padeço. Desejas alguma coisa?

- Olha, querido, estou com um problema.

- Vai dizendo.

- Recordas de D. Neiva e de Malina?

- Hum, hum”

- D. Neiva achou um novo príncipe encantado.

- Meus parabéns! Boa sorte para eles.

- Mas ele não tem renda nem emprego.

Gevânio acendeu um charuto, mordeu-o no canto da boca e encontrou a solução.

- Eliene, estou escrevendo agora mesmo um bilhete para a presidente da Rede no Brasil.

Dentro de uma semana o futuro esposo de D. Neiva será empregado da Willians and

Thompson Company.

- Que bom! Vou dar a notícia a ela e a seu Josias.

-Como vai o pastor Joel?

- Trabalha dia e noite, buscando salvar almas.

- Dize a ele que ore por mim.

- Eu já faço orações por ti todos os dias.

- E Malina?

- Aí está outro abacaxi para descascarmos.

- Por que nós?

- Porque sempre confio em teu apoio e sei que não me desamparas nos momentos

difíceis.

- Gevânio sentiu vergonha. Atendera um apelo de Eliene em favor de Vena e Mauro.

Estava dando emprego ao Sr.Josias. Mas, ... e Eliene? Não fora beneficiada em nada por

ele.

- Eliene!

- Sim, Gevânio; estou ouvindo.

- Qual o problema de Malina?

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- Os médicos afirmam que ela está sofrendo de leucemia, embora a doença ainda se

encontre nos primeiros estágios.

- Coitadinha! Onde está?

- No Hospital Bom Jesus. Pelo amor de Deus, faze alguma coisa por ela.

- Daqui a meia hora te ligo.

- Ok, querido.

..........................................................................................................................................

Meia hora depois, o telefone da casa do pastor Joel tilintava.

- Alô!

- Eliene?

- Oi, Gevânio.

- Presta atenção. Daqui a cinqüenta e cinco minutos vai baixar um helicóptero daí de tua

cidade. Uma equipe médica de emergência sairá dele, tomará um táxi e irá ao Hospital

Bom Jesus. Eles têm ordem de conduzir Malina para o Hospital Albert Einstein na

capital bandeirante. Ela vai ser curada. Tudo ficará por minha conta. Não se preocupe.

- Que legal! Falo agora mesmo com o pastor Joel.

- Eliene, um momento. Como vão teus pais?

- Aliás, nunca perguntei por eles, não é mesmo?

- Gevânio, eu sou órfã de pai e mãe desde os cinco anos de idade.

- Perdoa-me, amor. Não queria magoar-te. Eu não sabia.

- Então me dá um beijo.

- Será que o telefone leva?

- Se não o trouxer, os anjos o trarão.

- Tchau, querida!

- Epa, vamos conversar mais um pouco.

- Tudo bem; hoje estou de folga.

- Onde Josias vai trabalhar?

- Inicialmente em Cantúria. Dá para voltar nos finais de semana. Depois vamos

implantar uma filial aí mesmo. É pensamento da nova presidenta Marilyn Douglas

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diversificarmos as nossas atividades em todos os recantos do globo e tenho interesse

especial no Brasil.

- Conheces essa Marilyn há muito tempo?

- É uma antiga funcionária da nossa empresa. Trata-se de um gênio.

- Duvido que seja mais crânio que tu.

- Formamos a dupla dinâmica que contribuiu para que a firma decolasse de vez.

- A sorte te sorri. Rico, inteligente, vencedor de todos os desafios.

- Todos, menos um. – disse o homem do outro lado da linha.

- Qual?

Gevânio ia dizer-lhe que era o coração de Vena, porém lembrou que Eliene o amava e

travou a voz no fundo do céu da boca.

-Tolinha! Então não sabes?

- Não faço a menor idéia.

- Tenho medo de perder-te.

Simultaneamente, ambos levaram dois minutos beijando os telefones, como se

estivessem em um leito de casal.

- Volta amor! – disse Eliene.

- Voltarei brevemente, minha amada. Palavra de Gevânio.

-Então até breve!

- Até qualquer hora.

Eliene tomou todas as providências requeridas pela doença de Malina; comunicou a D.

Neiva as boas novas do emprego de seu Josias; e no final da noite foi descansar.

Cuidava do templo; não obstante, o pastor a dispensou de suas tarefas naquele dia. Era

grata também a ele. Adotara-a como filha e lhe dera todo carinho paternal, juntamente

com sua ex-esposa, a finada Marin Alda.

Depois voltou a pensar em seu amor. Sempre solícito a prestar favores. Resolvia os

problemas com a maior pressa. O que ela ainda não tinha imaginado era que os homens

detentores do poder econômico resolvem suas dificuldades e as dos outros com um

simples telefonema, quando querem.

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60

XVIII

Três meses depois, o pastor Joel discou o telefone.

-Seu Gevânio!

- Sim.

- Bom dia!

- Bom dia! Com quem tenho o prazer de falar?

- Com o pastor Joel, o pai adotivo de Eliene.

- Ah! Como vai, reverendo?

-Bem, com as graças de Deus.

- Quais são as novidades?

- Malina está de volta, curadinha.

- Eu sei. – disse Gev, como já estava sendo chamado nos círculos financeiros

internacionais.

- Sou-lhe grato em nome dela e em nome de sua mãe. – disse o pastor emocionado.

- Agradeça a Deus, reverendo. Mantive-me a par do problema o tempo todo; fazia parte

de minha agenda.

- Obrigado por seu interesse.

-Fiz disso uma questão pessoal.

- E a sucursal em nossa cidade, vai sair quando?

- Leia o jornal “Vespertino da Esperança”, edição da próxima quinta-feira, e ficará

sabendo alguns de meus projetos para o Estado.

Sir Gev ostentava orgulho na voz, falava com segurança, em tom persuasivo.

- Sabe que eu e Malina vamos nos casar?

- AA mim a surpresa é total.

- O senhor está convidado para o casamento.

- Vocês vão passar a dianteira em D. Neiva e Josias?

- Não. Contrairemos núpcias todos na mesma data.

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61

-Seu Josias é um excelente empregado.

- Como vai a empresa?

- Vai ótima. O reverendo sabe que Mauro já é diretor de produção no setor de

brinquedos de nossa subsidiária do Brasil?

- Desconhecia o fato. Vou escrever-lhe dando-lhe meus parabéns.

- Comigo é assim; trabalhou bem, é recompensado. Sigo a máxima franciscana do “É

dando que se recebe”.

- E Vena?

- Aquele nome fez a adrenalina subir ao cérebro de Sir Gev. Amor sufocado..., mas não

morto. A paixão antiga ameaçava nova erupção, como um vulcão considerado extinto.

Sir Gev pigarreou e ajeitou a gravata. Era um grande homem do mundo econômico.

Depois respondeu a Joel:

- A esposa de Mauro é sua assessora pessoal.

- Que bom!

- Como vai Eliene,reverendo?

- Ela está bem.

- Continue tratando-a como filha. Eu a adoro.

- Não se preocupe; está em boas mãos.

- Pode dar-me notícias de u’a mulher chamada Camile?

- Conviveu amasiada com seu Afrânio. Deus o levou ha pouco tempo, deixando-a com

dois filhos.

- Ainda mora na cidade?

- Sim; soube que vai sempre às festas profanas; dizem que passa por muitas

dificuldades.

- Procure para mim seu endereço, pastor, e mantenha-me informado.

- Ok. Já tomei demais seu tempo.

- De maneira nenhuma. É uma satisfação falar com os amigos.

Agora Sir Gev adquiria mais outra metamorfose; além de homem de negócios, falava

também como bom político.

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62

- Até breve, Gevânio.

Dê um abraço a Eliene e lembranças a todos que perguntarem por mim; e também aos

que não me conhecem.

.........................................................................................................................................

O jornal trazia na primeira página a foto de Sir Gev e o título em letras negritadas:

“Gevânio Pontes envia verbas para seis hospitais do Estado. Criada a GV & Marilyn

Brinquedos S. A “.

Eliene e seu “pai” ficaram sabendo que o “amigo” viria à sua cidade dentro de alguns

meses. Mauro, diretor de planejamento e produção da nova empresa, estaria na região

dentro de uma semana para agilizar a instalação de uma sucursal da fábrica.

Informado de seu endereço, o financista anglo-brasileiro mandou um cheque de

duzentos mil libras esterlinas para Camile e uma extensa carta, prometendo-lhe emprego

na nova indústria que ali instalaria, com salário digno.Promessa de Sir Gev era cheque

assinado em branco; podia se confiar. O magnata gostava de pagar bem suas dívidas. E

tinha débitos da juventude com Camile.

Gevânio não compareceu aos matrimônios de Malina e de D. Neiva, porém enviou um

pacote contendo um telegrama de congratulações, dez mil dólares como dotes para os

dois casais e duzentos mil dólares para a congregação presidida pelo pastor Joel na

cidade. Malina e a mãe comentaram com ares de veneração: “Meu Deus, como ele é

generoso!”

Um dia, ao pegar o jornal que sempre buscava para o reverendo, Eliene deu de cara com

a manchete de que Gevânio Pontes tinha já como certa sua candidatura a uma cadeira no

Senado Federal. Lembrou-se dos últimos diálogos em solo nacional mantidos por

ambos. “O antigo namorado prometera ir à Europa para fazer um patrimônio; depois

perseguiu o poder do dinheiro; não era suficiente; já corria atrás da glória do poder

político.

A “enteada” de D. Neiva despiu seu coração e enxergou o que antes se ocultava atrás da

máscara. “Agora está explicada a razão de tanta generosidade do bem sucedido homem

de negócios. Não era esse o rapaz que eu conhecia e admirava...”

............................................................................................................................................

Bandas de rock e da axé music da Bahia faziam o chão da praça principal daquela

cidade interiorana estremecer. A massa popular se agitava de um canto para outro. À

frente do grande colosso industrial, uma faixa de cinquenta metros de comprimento

saudava o visitante.

“Salve, Gevânio, o grande Senador da República já eleito. A ele a gratidão de nosso

povo, pela presença da GV & Marilyn Brinquedos S. A em nossa cidade.”

Page 64: 4. o Porto Das Ilusoes

MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

63

Católicos, evangélicos e os “sem crença definida” estavam atentos. O prefeito dava os

últimos toques para a recepção festiva; estava para chegar uma vultosa soma de trinta

milhões de reais. Sir Gev era fogo. Prometia e cumpria. Pagava adiantado. Eliene

esperava nervosa.

O helicóptero fez gear panfletos no meio da multidão ansiosa. Bandeirolas se agitaram.

Os sons dos atabaques ecoaram pelo ar. Gevânio ainda não havia aparecido.

.........................................................................................................................................

- “Salve o Senador! Salve o Senador!” – gritavam as pessoas, fazendo Eliene fugir de

seu mundo de fantasias e encarar o palanque.

O homem estava de pé, peito erguido. Usava óculos na extremidade inferior do nariz.

De olhos semicerrados e sorriso malicioso, estava amparado pelo chefe do executivo

municipal e Marilyn Douglas.

Do menor para o maior, falavam o presidente da Associação Comercial, Mauro, o

presidente da Câmara de Vereadores e o prefeito.

Gevânio ouvia os aplausos anotando algumas frases de seus predecessores que

poderiam lhe ser mais úteis, dando, assim, os últimos retoques ao dom oratório que

adquirira, graças às cartas de Eliene, à sua vivência no mundo dos cofres e um bom

estudo, durante os dois últimos anos, nas poucas horas de folga.

Vena sorria. Seu cônjuge ia ser gente de prestígio na cidade. Às vezes, o “Senador” a

olhava por cima de seus óculos.

Eliene fitava Marilyn, que fora bastante elogiada por Mauro. Não é todo dia que o

executivo de uma multinacional nos visita. A filha adotiva do reverendo constatava,

com preocupação, que a presidenta da Willians and Thompson Company era muito

bonita e atraente. “Teria ela ocupado seu lugar e o de Vena no coração de Sir Gev?

Deixemos a crente com seus devaneios, pois o “Senador” discursa:

- “Povo de minha terra!

Metade de meu coração!

Entro forte nesta guerra

Pelo bem de minha Nação.”

- Já ganhou! Já ganhou! – começaram a fitar os mais fanáticos.

- “Quando vos deixei, carreguei no peito a dor da saudade e duas mãos fortes para

arregaçar as mangas. Suei minhas camisas.”

- E suas sungas também. – comentou um gaiato.

Page 65: 4. o Porto Das Ilusoes

MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

64

- Os mais próximos riram. Camile moveu a língua de um lado para o outro. Ramere e

Alício falaram algumas palavras. Malina encarou o candidato e cochichou alguma coisa

no ouvido de Eliene. Gev também sorriu. Os tambores rufaram.

- “Tenho trazido a saúde para o povo. Agora ponho em vossas mãos o pão que ganhei

cada dia em terras longínquas.”

- Nas minhas, não. –gracejou em tom de brincadeira um correligionário que estava

perto.

O “Senador” ficou vermelho. Seu nariz transformou-se num pimentão maduro. O

prefeito abaixou a cabeça e prendeu os lábios, como quem queria sorrir, mas se

controlava. Marilyn cotucou a costela de Gev.

- “Graças a meus esforços, vossos filhos hoje têm creches e vós ganhais trabalho

digno.”

O prefeito ia fazer uma cara de desdém, mas se conteve a tempo. Lembrou-se dos trinta

milhões de reais. O homem jogava pesado.

- “Não prometo para cumprir; faço primeiro para mostrar... Os novos empregados desta

filial da GV & Marilyn Brinquedos S. A que falem por minha voz.”

( Tossiu. Pediu desculpas. Mauro correu em seu socorro com um copo de água. É que

ele “berrava” muito alto e sua garganta já estava ficando rouca.)

-“Ponham-me na cadeira do Senado e vocês verão um gigante lutando em defesa dos

fracos”.

Outro gaiato urrou do fundo da multidão:

- Cuidado com a cadeira! Pode tá quebrada!”

A populaça caiu na risada que se confundiu com os aplausos.

-“Senhoras e senhores! O cheque de trinta milhões que entrego agora ao senhor prefeito

é apenas o começo. Dêem-me um voto de confiança...e as verbas se

multiplicarão.Porque amo minha terra.”

A multidão cantou em coro:

- Já ganhou! Já ganhou!

- “Conhece-se o homem por suas obras. Nada há que desabone minha conduta.”

-Safado! – Comentou baixinho um amigo íntimo que estava em sua companhia.

Marilyn lembrou-se da noite em que estavam bêbados em sua mansão e suspirou mais

fundo que a fossa de Mindanau no Oceano Pacífico.

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

65

O prefeito pigarreou e balbuciou para sua esposa:

- Que povo ingrato e incompreensivo! Isto é maneira de se tratar um futuro Senador?

Meu Deus! que decepção!”

E G P continuou:

-“ Não sou de muita conversa.

Sou de realizações.

Marquem meu nome nas urnas.

E serei grato a vossos corações.

Boa noite e até o três de outubro.”

- Já ganhou! Já ganhou! Já ganhou! – gritava a massa.

O “Senador” e o prefeito cortaram a fita, dando por inaugurada a fábrica.

Gev desceu do palanque nos braços do povo, dos mais aduladores, dos político e de seus

seguranças.

Foi dormir na casa do mandatário do município, juntamente com Marilyn. Antes

cumprimentou Eliene com um abraço e um beijo, sob o olhar de cima para baixo da

executiva. Prometeu à evangélica ficar para o culto do domingo. Eliene descontraiu as

faces e sorriu.

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

66

XIX

A igreja evangélica estava cheia; sentados e de pé, crentes de todos os ramos, católicos

e curiosos ouviam as leituras, entreolhavam-se e fofocavam a respeito dos que entravam

porta a dentro. O pastor costumava a ser o centro das atenções; porém, aquele era um

dia especial. O prefeito e o “Senador” davam o ar de sua graça num dos bancos laterais,

ao lado da primeira dama local e deMarilyn, que observava os olhares implorantes de

Eliene a Gev. A inglesa escondia seus olhos de sacos lacrimais profundos com grandes

óculos escuros. Todos os convivas focavam as vistas durante a maior parte do tempo em

Gev. Até um dos párocos ali estava concelebrando ecumenicamente, conforme

recomenda o Vaticano, principalmente em ocasiões como aquela.

Gev não sabia em quantos se desdobrar; tinha que olhar para todos e acenar-lhes com

um sorriso, para Joel, o prefeito, o pároco, e todos os presentes. Precisava dar atenção a

Marilyn que lhe amparara nas terras do rei Arthur. Não podia esquecer de ninguém, do

mais pobre ao mais feio. Cada voto seria indispensável, pois é de pequenos grãos de

areia que se faz uma montanha de dunas. Todos queriam ser mais notados pelo novo

empresário e político “forte” da terra, especialmente em dólares.

Em suas orações, o pastor rogava a Deus, em nome de Jesus, que abençoasse o ilustre

filho da cidade, rumo à vitória na acirrada campanha eleitoral que estava se iniciando.

O padre lembrou que Jesus está “onde dois ou mais estão reunidos em seu nome” e que

o “Senador” imitava o Cristo dando caridosamente, de suas mãos, ajuda aos

necessitados.

Gev não sabia se agradecia, se saudava o povo, ou se continuava a massagear seu nariz

cor de beterraba por dentro.

Marilyn estava empolgada. Criara uma boa cobra nãos pastos ingleses. Estava orgulhosa

de seu trabalho.

Camile mantinha os olhos fixos no candidato, lembrando o tempo em que fora sua aluna

e as duzentas mil libras esterlinas de seu generoso coração. Cheque de Gev era mais doe

que mel.

Vena pensava no seu amor por Mauro e na glória que perdera por não ter casado com

seu antigo admirador secreto. Era-lhe grata,em seu nome e em nome do marido.

Glauco, Greta, Alício e Ramere meditavam no duro trabalho que os aguardava para

darem o triunfo esmagador a Gevânio em toda a região. Amigos são para ajudar e para

serem ajudados.

D. Neiva e Malina recitaram até um poema de gratidão do povo, escrito por Eliene.

Gevânio chorava; seus olhos vermelhos deram um brilho especial às suas pupilas.

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

67

Do outro lado, Eliene também tinha os olhos rasos d’água e manejava a língua para

dentro e para fora, à moda da serpente irritada que espera a vítima para o bote.

No final do culto, todos foram abraçar o futuro Senador. À frente do templo, todos

travavam batalha campal para ficarem mais próximos do candidato. O pastor, o prefeito

e Eliene foram os mais privilegiados.

Juntos para uma foto só dos dois, a “enteada” de Neiva visualizou o rosto do amado.

- Ai que olhos lindos! – bradou Gev.

- Beija-me.

O bom político também sabe beijar em público; e o fez à vista de todos; chupou os

lábios da moça como não fazia há muito tempo.

Uma velhinha ofereceu-lhe também o rosto. Gev depositou um ósculo em sua face.

Todo voto vale ouro e até beijo.

Marilyn observava tudo; ereta, como convém a uma boa executiva britânica.

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

68

XX

No dia seguinte, Marilyn regressou a Londres.

Gevânio afastou-se temporariamente de suas atividades empresariais. Dedicou-se de

corpo e alma à carreira política.

Para dirigir sua campanha publicitária, nomeou Jenifer, uma inglesa já naturalizada

brasileira, que representava o setor da ponta do marketing do grupo financeiro da

Willians and Thompson Company na América Latina. Mulher inteligente aquela.

Entendia todo poder de penetração da mídia. Rádio, TV, jornais escritos, internet...,

tudo foi preparado nos mínimos detalhes; uma simples falha poderia ser fatal. Estavam

em jogo o futuro do grupo britânico no país e a carreira política de Gevânio como

representante do povo. O Governador do Estado tinha o maior prazer em acompanhá-lo

por onde fosse. Provavelmente, possuía seus motivos. Letícia coordenava a campanha.

Parecia que era a candidata. Conclamava os pesos pesados dos Comitês regionais e os

testas de ferro do corpo a corpo para que disputassem voto a voto nas cassas, nas ruas e

nas estradas. Eliene, que representava a cidade de Ypsilone, ouviu, comovida, os apelos

dramáticos de Letícia. Se Gev perdesse a eleição, todos cairiam com ele. Só restavam

três alternativas: vencer, ou vencer, ou vencer.

Gev mudou seu ritmo de vida. Alimentava-se à base de frutas. Fazia caminhadas diárias

e evitava bebida o máximo possível, para diminuir a barriga e para atender à coerência

recomendada pelos evangélicos e pelos pedidos de Eliene. Fez até operação plástica, a

fim de eliminar a pigmentação colorada de seu nariz. O bom visual ajuda a ganhar os

votos do sexo frágil.

Considerando que seria muito exaustiva a sua presença em todas as cidades do Estado,

preocupou-se mais em aparecer nas telas das emissoras de televisão e de rádio, com

uma voz de sonhador romântico, que artificialmente lhe fora moldada por Jenifer. O

idealismo ainda atrai os frustrados e os cheios de esperança.

Frequentemente aparecia nos telões. Era mais fácil para ele. Decorava o mesmo

discurso para todos os lugares, habilmente preparado pelos cobras do intelectualismo e

da imprensa a ele filiados. Assim, falava a todos ao mesmo tempo.

O pastor Joel o alertou, às vésperas do pleito, que devia estar pronto para aceitar

qualquer resultado. Mas Gevânio só enxergava o Senado à sua frente. Custeava

pessoalmente, e com a máquina financeira controlada por Marilyn, o duelo da busca dos

votos.

Fizera do três de outubro o único dia importante da sua vida.

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Chamava todos de irmãos. Amassava e era amassado pelo rolo compressor dos que

caminhavam como formigas pelas ruas. Esqueceu de almoçar. Só entrou na cabine

secreta para dar seu veredicto pouco antes do horário de encerramento da votação.

Contabilizava os votos prometidos pelos cabos eleitorais. Ouvia os boletins da

imprensa; as pesquisas de “boca de urna” indicavam empate técnico.

Era novo no mundo da política, mas era tido também como um fenômeno predestinado.

Confiava no sucesso do trabalho de seus correligionários.

Telefonemas de toda parte tinham que ser atendidos.

Não fechou os olhos durante a noite.

Tudo estava calculado. Tinha tudo para ganhar.

........................................................................................................................................

Dormiu durante ao dia, num hotel da Baixada das Amoras, ele e seu anjo de guarda

somente; precisava de paz.

No final do segundo dia, acordou com a voz de Letícia no celular.

-Senador!

- Oi!

- O senhor foi eleito com a margem de um por cento dos votos.

- Graças a Deus.

- Estamos salvos, Gev.

- Mas, ..., só um por cento?

- O senhor venceu. Isto é importante.

- É..., quase perdia.

-Gevânio, você sempre vence.

- Tem razão.

- Vamos beber para comemorar em casa de Jenifer, amanhã, à noite.

- OK!

O telefone voltou a tocar. Era a presidenta da Willians and Thompson Company:

- Parabéns, campeão!

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-Thank you very much!

- Não se esqueça de mim nem das nossas empresas.

- Não cuspo nos pratos que como. Lambo-os com muito carinho.

.................................................................................................................................

Sozinho, Gev pensava: “Um por cento dos votos. Entre estes estaria o voto de Mauro,

pelas promoções recebidas? Não estaria também, por acaso, o de remorso de Vena?

Poderia se encontrar também o de gratidão de Malina, a quem salvara a vida, com

gordas libras esterlinas. E se ali estivesse também o voto de Eliene, dado por amor? O

de Letícia ou o de Jenifer, pelas altas remunerações recebidas? Estaria inserido também

o meu, como um dos votos “salvadores da pátria?” Eu quase esquecia de votar.” Sim,

como era importante...! Cada voto, isoladamente, pode mudar o destino de um homem

ou de uma nação inteira.

Pegou duas taças de whisky, fez-lhes tim-tim no ar e comemorou batendo forte no peito:

“Viva,Senador!”

......................................................................................................................................

A nata da máquina da campanha comemorava na casa de Jenifer. E eram feitos os

planos para os quatro anos do mandato. Ser Senador é bom. Melhor, só Presidente da

República.

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

71

XXI

O mandatário de Ypisilone, mais uma vez, hospedava Gev em sua residência. Agora um

Senador de Verdade, sem aspas; ele e sua primeira dama estavam tão alegres quanto a

criança de cinco anos que ganha seu brinquedo mais desejado.

Um senador aliado, filho de sua própria terra. Era mais do que queriam. Com sua ajuda,

transformar-se-ia no maior prefeito de todos os tempos; seria eleito tantas vezes quanto

as leis do país permitissem. Ia virar mito, à sombra de Gev; e certamente entraria para a

história de seu povo como o maior prefeito de todas as épocas.

Chuvas de fogos estalavam no ar, num colorido de azul, branco e vermelho. A multidão

pulava, agradecida ao seu porta-voz no Congresso Nacional. Eliene beijava sua boca.

Jesus perdoaria. Deus é amor. E, naqueles instantes, para ela, o amor era Sir Gev. Vena

a olhava com inveja. Mauro fazia das costas do Senador um piano com suas mãos,

manejando-as de forma suave. Puxar saco de poderosos não tem preço. Vale a pena.

O senador vislumbrava o formigueiro humano que resolvera imitar formigas miúdas, as

quais desfilam pelas paredes, empolgadas, prenunciando aguaceiros.

Letícia e Jenifer bebiam à glória de Gevânio. Todos bebiam. De whisky a refrigerantes.

Sementes de fetos eram plantadas nas mulheres mais férteis e excitadas. Era a maior

noite de Ypisilone.

Joel fazia as contas de quanto Gev doaria mensalmente à sua igreja local

“Com tanto dinheiro, um dia, serei até deputado, para a glória de Deus, para a minha e

para o bem estar de meu rebanho.” – gravava o pastor no filme aventureiro de sua

mente.

Brasília,Vena, Eliene e Marilyn seriam as grandes “amigas”de Gevânio.

Quem teria coragem de deixar no horto da melancolia um dos homens mais fortes da

sua pátria? O “Money” da Willians and Thompson Company e da GV & Marilyn

Brinquedos S. A o ajudaria também lá nos bastidores da capital da República. Sua voz

seria forte. Ninguém queria sofrer uma derrota. Por isso, a maioria ficaria com ele. Um

certo gaulês ensinava que “Ai dos vencidos!”

Um por todos e todos por um, Gevânio Pontes.

No dia seguinte, a voz da executiva inglesa o despertava pelo telefone, às seis horas da

matina.

- Marilyn, brevemente muita gente grande andará ao nosso lado.

- Não foi à toa que financiamos sua campanha.

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- Fizeram isso porque confiavam no meu taco.

- Eu, pessoalmente, continuo confiando no seu taco.

Com uma pequena risada,Gev agradeceu, despedindo-se; e, bocejando, voltou a dormir.

Agora ele era mais importante que o velho Willians, Thompson ou Marilyn.

Gritaria mais alto em Brasília e também em Londres, às margens do Tâmisa.

...........................................................................................................................................

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73

XXII

As pessoas que participaram dessa mini odisséia e que não estão relacionadas neste

capítulo partiram para outras regiões e guardam seu mundo particular vestido por sete

capas de silêncio. Por isso não temos condições de revelar nada sobre seu estado atual.

Ramere é muito amável; gentil até demais. Alício já está acostumado com sua

amabilidade e não se importa.

Camile educa seus dois filhos com muito carinho e trabalha. De vez em quando, uma

certa nostalgia faz-lhe lembrar suas quinze primaveras e um certo professor. Mauro

almeja ser presidente da GP & Marilyn Brinquedos do Brasil S. A .

As pesquisas do IBOP apontam que Genário Miller será reeleito para governador o

Estado de Ypsilone, com a margem de oitenta por cento das intenções de votos.

Seu Tavares foi para a capital, com a nova família. Paula diz sempre que o ama, mas,

lembrando-se do primeiro casamento e das cabritas, põe suas barbas de molho.

Glauco e Greta laboram num apiário industrial e exportam produto de primeira

qualidade.

Jenifer e Letícia são os dois braços fortes da Willians and Thompson Company, para o

cérebro fabuloso da presidenta.

O pastor Joel se exulta de alegria quando tira um pecador do abismo do mundo e

quando dorme com Malina, pois, apesar de “salvo”, ainda é um homem. Sua esposa não

tem mais complexo da perna.

D. Neiva olha-se muito no espelho; ainda tem mágoa da cicatriz de seu lábio superior,

mas não sente medo porque Josias a adora.

Marilyn vive a dar ordens e assinar papéis e cheque. Não os lê antes, já que não dispõe

de tempo. É independente, para ser escrava de um único homem. Carrega em seu

espelho pessoal um retrato de Gev que lhe sorri como adolescente de treze anos.

Vena passa dias em Ypisilone fazendo amor com o esposo. O resto do tempo, vive-o no

gabinete de Gevânio, como sua assessora. Sorridente..., graças ao bom salário, e pela

oportunidade de estar próxima a ele. Em certa feita, ela lhe disse:

- Eu não devia ter me casado com Mauro.

Prontamente ouviu a resposta:

- Não chore o leite derramado; não serve mais para ser bebido.

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74

Eliene conta as horas de rever o Senador e poder andar abraçada com seu amado, para

exibi-lo junto às amigas. Sabe que ele dá a entender que aderiu à filosofia do Apóstolo

dos Gentios a respeito dos solteiros. Agora mais amadurecida, está transformando sua

antiga paixão em espécie de ternura maternal para com o ex-teacher.

Gev reparte seu tempo e sua alma com o Poder Legislativo, almoços e jantares com

Vena, fins de semana com a “enteada” de Neiva e viagens de interesses econômicos

nacionais a Londres. Lá sua hospedagem mais comum é a mansão de Marilyn. Ali

demonstra sua gratidão à londrina.

Durante suas folgas, passeia de iate com Eliene, nas proximidades do porto que um dia

os separou. Lembra seu pranto e sua boca sem voz. Recorda-se das suas primeiras

palpitações no mar e da sua “odalisca” milionária, que o prendeu em terras inglesas com

sua lábia, seu senso prático e seu olhar selvagem de fêmea civilizada.

Gevânio não guarda rancores. Matou u’a muda tenra de amor, mas o levou à riqueza e

ao pináculo da glória terrestre.

........................................................................................................................................

Numa tarde de domingo, à beira do cais, Eliene lhe disse:

- Viva o Senador!

Prontamente, Gev respondeu:

- Viva Deus! Viva o Brasil! E viva o porto!

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75

XXIII

Você conheceu nosso “porto”. Visitou nosso “barco”. Sentiu pesar por algumas cenas

de nossa peça. Porém, tenho certeza de que em alguns momentos você sorriu.

Constatou como há sempre um vazio dentro de cada ser que vadeia em nossa

embarcação?

O “navio”é veloz; o “mar”, todavia, é muito grande e profundo.

O oceano dos sonhos é um buraco negro; não sabemos onde começa nem onde termina.

Quanto maior a necessidade de paz, maior será a ilusão de sua busca.

O carente de afeto procura amor, como o viajante do deserto busca o oásis, mesmo que

ele seja apenas uma miragem. A visão sossegar-lhe-á o espírito, por alguns instantes.

O Universo é uma corrente, da qual cada criatura é um elo. Rompendo-se um deles, a

corrente ficaria menor ou mais fraca. Tudo se encadeia e se encaixa nas dimensões do

ontem, do hoje e do amanhã.

Cada gesto é como o badalar de um relógio gigante martelando os ponteiros das horas;

cada um deles deixa guardada uma resposta no fundo das consciências. Sofredores

fazem sofrer e os semeadores da dor senti-la-ão nos seus próprios nervos.

O céu só parece perto por causa da ilusão de ótica de nossos olhos ao vermos o

horizonte.

Que bom seria se o céu e a terra se encontrassem mesmo e andassem de braços dados...!

São os anseios da alma humana que tornam o viver menos tedioso. Quando não houver

ideal, quando não existirem mais sonhos, as águas do mar da vida ficarão estagnadas,

abrigando monstros ferozes e insetos doentios, que impedirão que esteja seja navegado.

Da lesma desprezível até o anjo mais sublime, as oportunidades estão boiando no

grande manancial de água que é o caminhar pela existência.

A dúvida mata os sentimentos de amor, da mesma forma que o ostracismo traz o

esquecimento.

Os que sobem degraus mais altos da escada enxergam menores as manchas dos que

ficaram presos ao terreno.

Se aos olhos do cego tudo é trevas, aos olhos do bom, tudo parece luz.

Aqueles que galgam as posições mais elevadas também desempenham u’a missão, a de

comandar o leme do barco, como o alpinista que finca seus pés no cume da montanha

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76

deseja desvelar o firmamento próximo para os que estão na base inferior avidamente à

suja espera.

O mundo é um carrossel, cujas cadeiras passam todas pelo mesmo lugar, quando

observadas a cada momento certo.

Se o mal é um gigante alimentado pelas larvas dos instintos bestiais do homem, a

Suprema Inteligência do Bem o porá por terra, como a pequena funda de Davi fez

prostrar inerte o gigante Golias.

Quiçá, outros “turistas” que visitarem nosso “barco” rirão de nossas palhaçadas. Não

podemos condená-los. Todos, ou quase todos, somos, por algum tempo, palhaços na

comédia da vida.

Foi um prazer conhecê-lo.

Nosso “barco” vai embora deste “mar”. Os personagens da estória que você conheceu

estão cansados e vão repousar no sono do tempo.

Veja como lhe acenam o adeus com as mãos e os olhares.

Eu, Lúcio, que lhe contei toda essa história, vou também com eles.

Nosso barco vai conduzir-nos pouco a pouco. Ficará pequeno onde o céu do futuro se

encontra com as águas do passado.

O “navio” vai levar-nos a outro “porto maior”, “o porto de Deus.”

F I M

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77

AGRADECIMENTOS

A Deus e a Seu Filho Unigênito, Jesus Nazareno, que têm conduzido nossas vidas da

melhor maneira possível e que me ajudaram na confecção desta obra literária.

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DEDICATÓRIA:

Às memórias de Clarice Lispector e de Joaquim Manuel de Macedo, que me inspiraram

no feito deste romance.

A todos que me concedem e me concederem a honra de tê-los como meus leitores desta

e de outras obras literárias de nossa autoria.

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79

NOTA BIOGÁFICA:

MANOEL ARGÔLO NUNES nasceu na Fazenda Panelas, situada no município de

Cravolândia, no Estado da Bahia, vindo ao mundo no dia 01 de abril de 1951. Fez o

curso de nível médio – auxiliar de administração – na Escola Estadual Antônio Carlos

Magalhães, em Santa Inês – Bahia, onde fixou residência desde o ano de 1967.

Desempenhou a função de professor nos municípios de Cravolândia e Santa Inês. É

funcionário público. Além deste trabalho, escreveu mais duas obras literárias do gênero

romance, intituladas “CONFIDÊNCIAS DE UM SENTIMENTALISTA”, já publicado

na internet, e “O BEIJO VERDE”, o qual será publicado em futuro próximo. Elaborou

também uma obra de caráter religioso denominada BÍBLIA – MENSAGENS

SUBLIMES, a qual se encontra na internet para downloads gratuitos, juntamente com

os demais livros já postados.( Buscar no Google e no 4shared).

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MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

80

ÍNDICE:

Especificação Página

Nota do autor ............................................................................................01

Cap. I ........................................................................................................ 02

Cap. II ...................................................................................................... 03

Cap. III …………………………………………………………………. 06

Cap. IV ………………………………………………………………… . 09

Cap. V ………………………………………………………………….. 13

Cap. VI …………………………………………………………………. 15

Cap. VII ………………………………………………………………... 18

Cap. VIII ……………………………………………………………….. 21

Cap. IX ……………………………………………………………….…. 24

Cap. X …………………………………………………………….…..… 26

Cap. XI ………………………………………………………………….. 29

Cap. XII …………………………………………………….…………….34

Cap. XIII ………………………………………………………………… 39

Cap. XIV ………………………………………………………………… 42

Cap. XV …………………………………………………………………. 46

Cap. XVI ………………………………………………………………… 50

Cap. XVII …………………………………………………………………54

Cap. XVIII ……………………………………………………………….. 59

Cap. XIX …………………………………………………………………. 65

Cap. XX ………………………………………………………………….. 67

Cap. XXI ………………………………………………………………….70

Cap. XXII ………………………………………………………………… 72

Cap. XXIII ………………………………………………………….......... 74

Page 82: 4. o Porto Das Ilusoes

MANOEL ARGÔLO NUNES – O PORTO DAS ILUSÕES

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Agradecimentos …………………………………………………………..76

Dedicatória ................................................................................................. 77

Nota biográfica .......................................................................................... 78

Índice .......................................................................................................... 79