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4 O sistema G7/8 e a economia política da globalização I: Do processo de formação do G7 à transição para o G8
O pós-guerra deu origem a uma série de fóruns deliberativos nos quais a cooperação econômica e monetária tem sido discutida: G10, G7/G8, G24, G22, G20 – “o bando dos Gs”
Roy Culpeper
4.1. Introdução
Um elemento importante de se perceber no processo de evolução da
economia política global desde meados do século XX é o papel dos principais
países capitalistas avançados e de suas interações nas formas de resolução ou
intensificação das crises. Em especial, quando se olha para a economia política
global a partir dos anos 1970 – em um contexto de crescente transformação da
ontologia espacial da política mundial (Agnew, 2005) –, é possível perceber a
centralidade dos processos de institucionalização das relações entre os
principais países capitalistas para o entendimento das dinâmicas da economia
política global.
Nos dois próximos capítulos será apresentada a evolução da economia
política global, com destaque para o período que concerne ao sistema G7/8 – ou
seja, da crise da década de 1970 até a primeira década do século XXI. O
objetivo neste ponto é dar o contexto no qual o sistema G7/8 se desenvolverá
bem como apresentar a história do sistema G7/8, desde sua constituição até os
desdobramentos contemporâneos. Neste sentido, no capítulo 4 será abordado o
contexto de surgimento do sistema G7/8 até o período anterior à incorporação da
Rússia em tal processo e a consequente expansão da reunião dos líderes de G7
para G8. Já no capítulo 5, destaque será dado para o momento que vai da
constituição e consolidação do G8 ao surgimento do G20 como fórum distinto de
deliberação acerca de certas questões da economia política global.
Como forma de expor o sistema G7/8 serão utilizados os ciclos das
cúpulas, por razões meramente didáticas. Os ciclos das cúpulas se completam
em sete anos, seguindo a ordem França, Estados Unidos, Reino Unido,
Alemanha, Japão, Itália e Canadá como os respectivos locais a sediarem as
reuniões. Atualmente, completou-se o 5º ciclo iniciado em 2003, que agora
137
incorpora a Rússia – que sediou pela primeira vez uma cúpula do G8 em 2006,
entre as cúpulas de Gleneagles (Reino Unido) e Heiligendamm (Alemanha). A
divisão em ciclos é útil para diferenciar as mudanças sofridas nas agendas,
ainda que nenhum dos temas necessariamente se esgote em um único ciclo – o
que se pode perceber, na verdade, e uma mudança de ênfase ao longo do
tempo.
4.2. O fim da Era de Ouro
No início de julho de 1944 mais de 700 delegados de 44 países se
reuniram no Mount Washington Hotel, em Bretton Woods, New Hampshire, e em
três semanas finalizaram os planos para a ordem monetária e financeira mundial
pós-guerra. Com o desenvolvimento do FMI e do Banco Mundial – bem como
dos papéis a serem por eles desempenhados no novo ordenamento econômico
mundial – “o capitalismo organizado da nova social-democracia (...) foi aplicado
ao âmbito internacional” (Frieden, 2006, p. 259).
Tal Sistema de Bretton Woods pautou as relações entre os países
capitalistas avançados no período que vai do final da Segunda Guerra Mundial
ao início dos anos 1970. Fundamental neste processo foi a emergência de uma
nova classe dominante nos Estados Unidos, que iria formar as bases para uma
visão hegemônica de ordem capitalista transnacional. Foi a visão de mundo
desta classe, aliada ao anti-comunismo do pós-II Guerra Mundial, que tornou
possível a intrincada aliança entre planejadores keynesianos – comprometidos
com as políticas econômicas nacionais direcionadas para o crescimento
econômico e para o pleno emprego – e os internacionalistas liberais –
comprometidos com a estabilidade financeira e com o comércio multilateral – em
um bloco histórico. Em suma, a reconstrução da economia capitalista liberal
após do término da II Guerra Mundial foi moldada pela interação dessas visões.
Tratava-se de um sistema híbrido, que combinava internacionalismo com
autonomia nacional, prosperidade com estabilidade social e democracia1. Neste
período, tal combinação levou à estabilidade econômica mais duradoura da
história moderna.
Contudo, a despeito de tal estabilidade histórica, a economia política global
não pode ser entendida a não ser a partir de uma perspectiva mais longa, que
1 Como visto no capítulo anterior, se tratava, segundo Ruggie, de um “liberalismo incrustado”, no qual se tinha “(...) uma forma de multilateralismo compatível com as exigências da estabilidade interna” (Ruggie, 1982, p. 399).
138
perceba a relação existente entre os desdobramentos contemporâneos e as
transformações ocorridas na passagem dos anos 1960 para os anos 1970.
Assim sendo, os problemas e dilemas contemporâneos não são facilmente
resolvíveis, em especial devido à notória incapacidade das economias
capitalistas avançadas de superar de maneira definitiva o período de
crescimento lento que se inicia por volta de 1973 (Brenner, 2006). Na verdade,
os problemas que emergem no final da primeira década do século XXI podem
ser vistos exatamente como expressão dessa incapacidade.
A partir do início dos anos 1970 – e, em especial no que concerne ao
período entre os anos 1970 e meados dos anos 1990 – é possível identificar, no
que diz respeito à economia mundial, uma queda nos investimentos cujas
consequências foram um baixo aumento da produtividade, um crescimento lento
dos salários, um alto índice de desemprego e uma gama de recessões e crises
como não se via desde os anos 1930.
A despeito das previsões feitas no início da década de 1970 pela OCDE,
de que o crescimento mundial continuaria, no médio prazo, a uma taxa de 5% ao
ano (Went, 2000; Brenner, 2006), em meados da década de 1970 percebe-se o
fim da era de expansão do capitalismo mundial – ou “era de ouro” (Hobsbawm,
1998). Isso fica ainda mais claro quando as atenções são voltadas para a queda
do crescimento econômico, da produtividade por trabalhador e do aumento do
desemprego no período em questão em alguns dos principais países do G7
(tabelas 4.1; 4.2 e 4.3):
Tabela 4.1
Média do crescimento anual do PIB real dos seis maiores países industrializados (%)
1950-1973 1973-1979 1979-1983
Estados Unidos 2,2 1,9 0,7
Reino Unido 2,5 1,3 0,4
França 4,1 2,6 1,1
Alemanha 5,0 2,6 0,5
Itália 4,8 2,0 0,6
Japão 8,4 3,0 3,9 Fonte: Went, 2000
139
Tabela 4.2
Aumento na produtividade por empregado por ano (1950-1981) (%)
1950-1973 1973-1981
Estados Unidos Agricultura 5,5 1,6
Indústria 2,4 -0,2
Serviços 1,8 0,1
Reino Unido Agricultura 4,7 2,8
Indústria 2,9 1,8
Serviços 1,6 0,7
França Agricultura 5,6 3,5
Indústria 5,2 3,2
Serviços 3,0 1,6
Alemanha Agricultura 6,3 3,9
Indústria 5,6 2,6
Serviços 3,0 1,6
Japão Agricultura 7,3 1,1
Indústria 9,5 4,7
Serviços 3,6 1,9 Fonte: Went, 2000
Tabela 4.3
Desemprego médio (1952-1983) (%)
1952-1964 1965-1973 1973-1979 1980-1983
Estados Unidos 5,0 4,5 6,5 8,4
Reino Unido 2,5 3,2 4,6 9,0
França 1,7 2,4 4,2 7,6
Alemanha 2,7 0,8 3,1 5,7
Itália 5,9 3,4 6,0 8,6
Japão 1,9 1,3 1,8 2,3 Fonte: Went, 2000
De acordo com Brenner, o ponto chave para entender tanto a era de ouro
quanto o longo declínio subsequente seria a trajetória da taxa de lucro (Brenner,
2003 e 2006). Assim, no caso da economia mundial pós-II Guerra Mundial a
manutenção de altas taxas de lucro pelos países capitalistas desenvolvidos foi
condição sine qua non para que fossem gerados grandes superávits através de
quantidades fixas de instalações de equipamentos, superávits estes que
possibilitaram a manutenção de altos índices de investimento, rápido
crescimento da produtividade e até mesmo o aumento dos salários reais sem
140
que isso ameaçasse os lucros. Neste processo, foi fundamental a repressão aos
trabalhadores, em especial aos movimentos de contestação que pululavam
desde os anos 1930 até após a II Guerra Mundial. Desta forma os salários reais
foram diminuídos à força com o intuito de garantir os grandes superávits e as
altas taxas de lucro. A partir daí foi possível o aumento da produtividade, do
emprego e dos salários reais, o que por sua vez levou a um aumento da
demanda por investimentos e bens de consumo e, por conseguinte, ao
crescimento da economia como um todo.
Neste contexto, os países da Europa ocidental e o Japão foram exitosos
na medida em que, através de seus grandes setores domésticos de
manufaturados, conseguiram aproveitar as altas taxas de crescimento do
comércio mundial durante o período pós-II Guerra Mundial para expandir suas
exportações e conquistar, assim, frações cada vez maiores do mercado mundial.
Assim, seria possível perceber, desde os primórdios da “Era de Ouro”, um certo
desenvolvimento desigual entre os países centrais que, se por um lado apontava
para um declínio relativo da economia estadunidense, por outro era fundamental
para a perpetuação do crescimento dos Estados Unidos no período – seja para
as empresas estadunidenses que necessitavam de locais lucrativos para seus
investimentos diretos, para os fabricantes domésticos que necessitavam de
demandas crescentes para aumentar suas exportações ou para o Estado que
necessitava da consolidação política de uma ordem capitalista pós-II Guerra
Mundial em seu combate ao comunismo.
Desta forma, desde o início dos anos 1960 Japão e parte da Europa
ocidental foram capazes de combinar técnicas relativamente avançadas com
salários relativamente baixos, o que os habilitou a reduzir significativamente seus
custos de produção em comparação à produção estadunidense. Tal tendência a
conquistar novas frações do mercado mundial por parte de tais países continuou
durante os anos 1960. Contudo, neste mesmo período os produtos desses
países, muitas vezes similares aos produtos estadunidenses, tendiam a entrar
em competição com estes, o que acabou levando ao excesso de capacidade e
de produção.
Ora, neste processo de exacerbação da competição entre os países
desenvolvidos é possível perceber dois fenômenos distintos. Por um lado, em
função dos baixos custos de produção Japão e parte da Europa ocidental foram
capazes de manter suas taxas de lucro; por outro lado, essas condições não
eram encontradas nos Estados Unidos, que se viram em uma situação de
redução das taxas de lucro. Consequentemente,
141
“O resultado inexorável foi uma taxa de lucro agregada (grifo do autor) em declínio no setor manufatureiro internacional, que expressava o excesso de capacidade e de produção em todo o sistema. Entre 1965 e 1973, o setor manufatureiro dos Estados Unidos experimentou uma queda de 43,5% na taxa de lucro sobre seu estoque de capital; já os setores manufatureiros das economias do G7 juntos, representando o setor manufatureiro internacional como um todo, experimentaram um declínio na lucratividade da ordem de 25%” (Brenner, 2003, p. 57).
Tal competitividade exacerbada entre os países desenvolvidos teve
significativas consequências para a economia mundial no período, levando a
uma queda significativa da balança comercial e do balanço de transações
correntes dos Estados Unidos. Além disso, é importante notar que o Sistema de
Bretton Woods, na forma como se consolidou, padecia de uma falha ou
contradição central. De acordo com o “dilema de Triffin” – em alusão ao seu
formulador, professor de economia na Universidade de Yale, Robert Triffin –, a
tendência do Sistema de Bretton Woods de sustentar as demandas por reservas
com o aumento do estoque de dólares no exterior era algo altamente instável.
Isso se dava pelo fato de que tal mecanismo de criação de liquidez internacional
se baseava no déficit do balanço de pagamentos dos Estados Unidos, o que no
longo prazo solaparia a confiança no dólar e, por conseguinte, no sistema
monetário (Eichengreen, 2000; Gilpin, 2002).
No início, devido à capacidade dos Estados Unidos de cobrir seus déficits
graças ao alto volume de suas reservas de ouro, tal “dilema” despertou interesse
apenas nos meios acadêmicos (Gilpin, 2002). Contudo, a partir dos anos 1960
os Estados Unidos começaram a apresentar sérios déficits em seu balanço de
pagamentos2, o que em um determinado momento colocou os Estados Unidos
em uma situação extremamente delicada: uma vez que a conversibilidade do
padrão monetário do Sistema de Bretton Woods era em dólar – na razão de
US$35 o onça de ouro –, não era possível aos Estados Unidos desvalorizarem o
dólar, segundo as regras do jogo, sem a cooperação dos demais Estados. As
alternativas que se apresentavam neste contexto eram duas: primeiro,
deflacionar a economia estadunidense – o que comprometeria significativamente
as políticas domésticas adotadas no período ligadas ao movimento de direitos
civis e à guerra do Vietnã –; segundo, romper, mesmo que unilateralmente, com
2 Em outubro de 1960 o preço do ouro nos mercados privados chegou ao patamar de US$40 por onça, indicando como o mundo havia mudado desde os anos 1940, “quando os US$35 por onça de ouro pareciam um referencial imutável” (Eichengreen, 2000, p. 174).
142
o regime cambial do Sistema de Bretton Woods preservando, assim, a
autonomia política.
Tendo em vista tais pressões e alternativas possíveis, em 15 de agosto de
1971 o presidente estadunidense Richard Nixon anunciou a adoção de uma
série de medidas para conter a evasão de ouro e reverter a situação econômica
dos Estados Unidos: primeiro, suspensão da conversibilidade do ouro em dólar –
o que acabou por colocar o dólar como fundamento exclusivo do sistema
monetário mundial –; segundo, visando forçar europeus e japoneses a
valorizarem suas respectivas moedas em relação ao dólar, a imposição de uma
sobretaxa de 10% sobre as importações; terceiro, buscando conter a inflação
nos Estados Unidos, o controle de salários e preços. Após tais medidas, os
países industrializados se viram em uma série de negociações visando a
reestruturação do sistema monetário internacional: em dezembro de 1971, a
partir do Acordo Smithsoniano entre os países do G103, houve uma
desvalorização de 8% do dólar, um alargamento das bandas de flutuação de 1%
para 2,25% e a eliminação das sobretaxas nas importações dos Estados Unidos.
Contudo, a flutuação da libra esterlina em 1972 fora dos limites anteriormente
definidos pelo Acordo Smithsoniano foi o prelúdio para o grand finale: em março
de 1973 foi acordado que as taxas de câmbio flutuariam, levando assim ao fim o
Sistema de Bretton Woods – cujo fim oficial se daria nos dias 7 e 8 de janeiro de
1976, em reunião do comitê interino do Fundo Monetário Internacional em
Kingston, Jamaica (Solomon, 1979; Eichengreen, 2000; Gilpin, 2002).
Assim, entre os anos de 1971 e 1973 o sistema Bretton Woods de taxa
cambiais fixas foi abandonado e o dólar desvalorizado – caminho inverso ao
seguido pelo marco alemão e pelo iene japonês, que sofreram forte valorização
cuja consequência foi a perda de competitividade por parte das manufaturas
destes países, resultando na queda de sua taxa de lucro. Assim, a taxa média
de lucro do setor de manufaturados nos Estados Unidos caiu, no período entre
1969-1973, 29,5% em comparação com a taxa média de lucro no período entre
1948-1969. No tocante ao G7, a lucratividade agregada no setor de manufaturas
caiu cerca de 25% (Brenner, 2003 e 2006).
Neste contexto, outra questão que merece destaque é o choque do
petróleo. Entre 10 e 14 de setembro de 1960, na Conferência de Bagdá, Irã,
Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela criaram a Organização dos Países
3 Composto por Bélgica, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Holanda, Suécia, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos – tendo status de observador BIS, OCDE, FMI e
143
Exportadores de Petróleo (OPEP), cujo objetivo principal era o de coordenar a
produção mundial de petróleo e o aumento dos valores pagos pelas empresas
de extração de petróleo aos países produtores. Assim, em 1973 a OPEP dobrou
o preço do petróleo, para mais de US$5 por barril e dois meses depois dobrou
novamente o preço para quase US$12 por barril.
Dado o fato de o petróleo corresponder a ¾ da energia dos países
industrializados, cuja maior parte das importações de petróleo era oriunda dos
países da OPEP, tais aumentos tiveram impactos significativos na economia
política global do período. Somado a outros fenômenos do período, uma das
consequências foi o aumento na inflação, que em 1974 era de 12% nos Estados
Unidos, 14% na França, 16% no Reino Unido e 23% no Japão. Tal aumento de
preços, associado a uma percepção de que a economia dos países estava em
uma situação extremamente delicada, levou a uma sensação próxima ao pânico,
dado que tanto trabalhadores quanto proprietários dos países industrializados
estavam acostumados com crescimento, pleno emprego e estabilidade de
preços: “uma geração de europeus, norte-americanos e japoneses conheciam
apenas a prosperidade” (Frieden, 2006, p. 367).
Assim sendo, a despeito da pertinência do resgate da teorização marxista
da taxa de lucro para o entendimento das dinâmicas do processo de acumulação
capitalista a partir do pós-II Guerra Mundial (Brenner, 2003 e 2006), pode se
dizer que a crise que se manifesta na década de 1970 não foi apenas do
processo de acumulação; não foi fruto de um único incidente ou de qualquer
evento isolado dentro de um ciclo comercial normal. Na verdade, tratava-se de
uma crise fundamental – até mesmo orgânica – da “normalidade” que afetou
todos os aspectos da ordem pós-II Guerra Mundial, sejam eles as relações
sociais de produção, a composição do bloco histórico hegemônico até então, o
papel do Estado e a ordem internacional. O novo conceito de controle que
emerge a partir dos esforços construtivos com o intuito de lidar com a crise
orgânica dos anos 1970 foi o neoliberalismo4 (Overbeek & van der Pijl, 1993).
Comissão Europeia –, se trata de um grupo formado nos anos 1960 para lidar com questões concernentes à política de empréstimos no âmbito do FMI. 4 Embora seja possível identificar pelo menos três correntes teóricas representativas do neoliberalismo – Escola Austríaca (von Mises e Friedrich Hayek), Escola de Chicago (Milton Friedman) e Escola de Virgínia ou Public Choice (Gordon Tullock e James Buchanan) –, um ponto comum de todas elas é o fato de se colocarem contra a expansão das fronteiras econômicas do Estado, a intervenção estatal e o planejamento central e em defesa do mercado auto-regulado; em suma, se trata de “uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar” (Anderson, 1995, p .9).
144
Neste contexto de reconstrução da hegemonia em escala mundial o
consenso em torno das políticas keynesianas e de pleno emprego começa a ser
questionado; assim, abre-se espaço para reações por parte de outros setores da
sociedade. Em especial, os grandes setores industriais, apoiados por governos
cada vez mais adeptos do modelo neoliberal, buscaram compensar suas perdas
mediante a redução dos custos diretos e indiretos da mão-de-obra – havendo,
inclusive, uma disseminação ideológica neste período acerca do papel dos
históricos aumentos salariais na eclosão da crise. Deste modo, o crescimento
dos salários reais e dos encargos sociais foram contidos a partir dos anos 1970
(tabelas 4.4 e 4.5), o que colocou os movimentos trabalhistas na defensiva e
marcou a crise do bloco histórico até então dominante (Cox, 1987).
Tabela 4.4
Crescimento dos salários reais
(variação média anual percentual)
1960-1973 1973-1979 1979-1990 1990-2000
Estados Unidos 2,8 0,3 0,4 1,1
(por hora)
Alemanha 5,4 2,5 1,0 0,95
(por hora)
Japão 7,7 2,8 1,6 0,5
(por hora) Fonte: Brenner, 2003
Tabela 4.5
Crescimento dos salários reais
(variação média anual percentual)
1960-1975 1975-1980 1980-1985
Estados Unidos 6,5 2,0 2,7
Alemanha 4,8 2,0 0,7
Japão 8,5 8,2 3,2
G7 7,6 4,2 2,6 Fonte: Brenner, 2003
Com o fim do Sistema de Bretton Woods, e da obrigação por parte dos
Estados Unidos de sustentar a conversibilidade do dólar em ouro e com a
oficialização da flutuação monetária, caíram por terra as justificativas até então
145
existentes para a manutenção do controle internacional de capitais. Em 1974 os
Estados Unidos acabaram com o controle de capitais, seguidos pelo Reino
Unido em 1979 e pelos demais países industrializados nos anos 1980. Neste
processo, os petrodólares tiveram um papel central: a abundância destes no
mercado internacional em função do aumento dos preços do petróleo contribuiu
para que os governos liberalizassem seus sistemas financeiros a fim serem mais
atrativos para tais recursos (Howard & King, 2008).
Todos esses processos de globalização financeira foram acompanhados
por um ressurgimento do fundamentalismo do laissez-faire desde os anos 1970
– o que fica claro na medida em que se percebe que a austeridade neoliberal
tem, em grande medida, eclipsado a ideologia orientada para o crescimento que,
originalmente, servia de sustentáculo da economia mundial pós-II Guerra
Mundial.
Embora tenha mudado do conceito de “capital produtivo” para o
fundamentalismo do laissez-faire característico do capital financeiro, o bloco
histórico que se encontra por trás do liberalismo transnacional contemporâneo
apresenta uma continuidade fundamental com o projeto político do bloco
hegemônico do pós-II Guerra Mundial. Enquanto o “liberalismo corporativo” (van
der Pijl, 1984) orientado para o crescimento das primeiras décadas do pós-II
Guerra Mundial e o neoliberalismo possam divergir em termos de abertura
internacional, ambos compartilham um mesmo comprometimento com uma
economia mundial mais aberta baseada na propriedade privada dos meios de
produção e na troca generalizada de commmodities. Tal projeto de globalização
capitalista liberal tem sua justificativa ideológica na teoria ortodoxa do livre
comércio. Essa doutrina continua a ser parte integral da ideologia central das
instituições da ordem mundial pós-II Guerra Mundial, tais como Banco Mundial,
FMI e OMC. Ambas as instituições promovem a liberalização e temem a
repolitização do comércio como um sendo o primeiro passo em direção ao
isolamento, na medida em que um grupo de interesse após o outro demandem
protecionismo. Tais questões foram fundamentais no processo de reconstrução
da hegemonia global após a crise dos anos 1970.
4.3. Da constituição ao primeiro ciclo: 1975-1981
Durante o primeiro ciclo das cúpulas, um elemento central diz respeito ao
próprio processo de criação e consolidação das cúpulas como uma nova forma
146
de promover a discussão e a coordenação entre as principais democracias
liberais nas questões concernentes às políticas macroeconômicas e de energia –
tendo em vista a crise do Sistema de Bretton Woods e o choque do petróleo.
Neste sentido, o primeiro ciclo representou o processo de institucionalização das
cúpulas, de um encontro ad hoc para um encontro periódico entre seus
membros, tendo como tema comum a todo o período o encorajamento de um
crescimento não-inflacionário, um consumo responsável de petróleo e a
promoção do livre-comércio – neste caso, como forma de combater a ameaça
protecionista no período. Tal ciclo também se caracteriza por ter sido o ciclo de
passagem do modelo keynesiano para o neoliberalismo, expressando assim a
transição dos blocos históricos – o que fica mais claro na passagem da cúpula
de 1978 para a de 1979. Além disso, em função das mudanças no contexto
histórico-estrutural, principalmente no que diz respeito à relação Leste-Oeste,
temas relacionados a tal questão também começaram a ganhar espaço na
agenda até assumirem a primazia no segundo ciclo (Dobson, 2007).
Assim, da mesma forma que as instituições do Sistema de Bretton Woods
foram fundamentais no processo de definição das bases ideológicas do
consenso no período da Era de Ouro, com a crise de tal sistema não apenas as
instituições já existentes teriam que se reformular – FMI e Banco Mundial, por
exemplo – mas também novos arranjos institucionais deveriam ser criados.
Como colocado anteriormente, de maneira geral, os países capitalistas
ocidentais se viram frente a uma série de crises no início dos anos 1970:
primeiro, a crise do Sistema de Bretton Woods, que apontou para os limites das
organizações multilaterais criadas após o fim da II Guerra Mundial – em 1973 a
Rodada Tóquio do GATT, por exemplo, não foi capaz de conter as pressões
protecionistas, o que não apenas intensificava a crise então vigente como
também ia contra um dos valores centrais tanto do bloco histórico liberal-
corporativo anteriormente hegemônico quanto do bloco histórico liberal
transnacional então emergente; segundo, o choque do petróleo (1973); terceiro,
o avanço dos partidos comunistas no sul da Europa; quarto, a “entrada” da Índia
para o clube das potências nucleares; por fim, a derrota dos Estados Unidos no
Vietnã.
Neste contexto, há a percepção de que as respostas dadas
individualmente para tais crises se mostraram insuficientes pra superá-las. Tal
percepção não era uma novidade neste momento, pois desde 1971 Henry
Kissinger já vinha considerando, junto a outros líderes dos países
industrializados, a possibilidade da realização de um encontro para lidar com as
147
questões econômicas internacionais do período. A saída foi pensar em outra
solução, que incorporaria os líderes das grandes potências democráticas. Assim,
em 1975, o presidente francês Valéry Giscard d’Estaing convidou os líderes das
seis maiores democracias liberais do mundo da época – Estados Unidos, Reino
Unido, Alemanha, Itália5, e o Japão – para participarem de um encontro privado
para lidar com as questões econômicas – e principalmente com as monetárias.
Conforme ele explicou na época a James Reston, do New York Times, na sua
visão,
“Os países capitalistas parecem absolutamente incapazes de gerenciar suas situações monetárias e econômicas (...) mas nós nunca temos uma conversa séria entre os grandes líderes capitalistas para dizer o que faremos agora (...). A questão deveria ser discutida entre aqueles que possuem uma responsabilidade maior como os Estados Unidos – uma conversa entre poucos e quase em um nível privado” (Reston apud Putnam & Bayne, 1987, p. 27).
Tal encontro que marca o início do G7/8 – na época, ainda G6 – ocorreu
de 15 a 17 de novembro de 1975 em Châteu de Rambouillet. O modelo usado
foi o do “Grupo da Biblioteca” ou Grupo dos Cinco – ministros de finanças de
Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e, posteriormente, Japão, cuja
primeira reunião ocorreu na biblioteca da Casa Branca em 1973. Conforme
defendido por Giscard e semelhantemente pelo Grupo da Biblioteca, os
elementos centrais da cúpula de Rambouillet eram seu tamanho reduzido e seu
caráter seleto e pessoal. Assim, a ideia era que a cúpula fosse limitada aos
países com maior influência na economia política global, que poderiam assim
conversar de maneira aberta e sem inibições. Nas palavras do chanceler alemão
Helmut Schmidt, “nós queremos um encontro privado e informal daqueles que
realmente importam no mundo” (Schmidt apud Putnam & Bayne, 1987, p. 29).
Desde o seu início, portanto, o G7/8 apresentou um caráter altamente anti-
burocrático e informal.
Além disso, outro aspecto presente desde o início era a convicção de que
os líderes dos países em questão deveriam discutir as questões concernentes
5 Embora não fizesse parte do “Grupo da Biblioteca” e não constasse nos planos iniciais de Giscard, este concordou em ceder às pressões italianas não apenas pelo fato de neste período a Itália estar na presidência da Comunidade Europeia mas também, e principalmente, pelo fato de que a recusa poderia enfraquecer o governo italiano em sua batalha interna com os comunistas. Tal questão remete a um dos elementos ideológicos centrais no processo de constituição do G7/8: a defesa do mundo democrático liberal em um contexto de crise orgânica. Assim como a Itália, o Canadá solicitou participar da cúpula de Rambouillet. Contudo, a despeito do apoio por parte dos Estados Unidos, tal solicitação foi negada pelo presidente francês – no caso, o Canadá seria incorporado no grupo a partir do ano seguinte, na cúpula de Puerto Rico (1976).
148
aos rumos da economia internacional. A percepção era a de que tais líderes
poderiam contribuir de uma maneira que ia além das contribuições por parte dos
ministros. Não se tratava de uma crítica à despolitização das questões
econômicas – que aliás seria ainda mais reforçada pelo neoliberalismo então
emergente –, mas de uma percepção de que, naquele contexto de crise
orgânica, a integração de políticas, guiada por um projeto comum entre as
principais democracias liberais, era condição sine qua non para a reconstrução
de uma ordem econômica mundial (neo)liberal. Isso fica expresso no artigo 2 da
declaração de Rambouillet:
“Nós estamos unidos devido às nossas crenças e responsabilidades comuns. Cada um de nós é responsável pelo governo de uma sociedade democrática, aberta, dedicada à liberdade individual e ao avanço social. Nosso sucesso irá fortalecer, e de fato é essencial para, as sociedades democráticas por toda parte” (Group of Seven, 1975).
Na cúpula de Rambouillet o foco temático se deu nas políticas
macroeconômicas, questões monetárias e de comércio internacional. Outros
temas como energia, países em desenvolvimento e as relações comerciais entre
o leste e o oeste foram discutidas, mas submetidas aos temas principais. A
recessão havia começado nos países da OCDE em 1974, e os países
participantes da cúpula – Reino Unido posteriormente – haviam adotado duras
políticas fiscais e monetárias a fim de conter a inflação no período. Assim, um
elemento fundamental da cúpula foi a busca pela restauração da confiança no
sistema “(...) e demonstrar que os líderes das maiores economias estavam
trabalhando juntos pela recuperação” (Putnam & Bayne, 1987, p. 37).
Apesar da rejeição por parte dos partícipes da cúpula das propostas de
uma institucionalização mais formal feita por Kissinger e pelo Japão, com o
sucesso da cúpula de Rambouillet começou-se a pensar sobre a organização de
uma nova cúpula, o que foi proposto pelo presidente estadunidense Gerald Ford.
Dentre as razões para tal cúpula, destacam-se a percepção da necessidade de
continuar o processo de coordenação da recuperação da economia
internacional, a necessidade de fortalecer a Itália – tanto em termos econômicos,
devido às pressões sofridas pela lira no período, quanto em termos políticos,
devido à força dos comunistas nas eleições de 1976 – e a percepção, por parte
de Ford, de que a organização da cúpula lhe poderia ser útil para as eleições
presidenciais de 1976. Além disso, buscando um equilíbrio com relação à
influência europeia na cúpula e em função de sua importância para os Estados
Unidos em termos de sua produção petrolífera – especialmente em um contexto
149
pós-choque do petróleo – os Estados Unidos fizeram uso de suas prerrogativas
de organizador da cúpula e convidaram o Canadá para participar da mesma –
que terminou por se tornar membro permanente do clube.
Em 27 e 28 de junho de 1976 ocorreu a cúpula de Puerto Rico. Assim
como na cúpula anterior, o equilíbrio nas políticas macroeconômicas foi o tema
central, sendo mantida a condenação das práticas protecionistas no que diria
respeito ao comércio mundial (Group of Seven, 1976). Contudo, o que ficou
notório é que a falta de organização prévia, ao contrário do que havia ocorrido
em Rambouillet, contribuiu para que não se chegasse a algum resultado mais
concreto, apenas reafirmando decisões tomadas na cúpula anterior. Os fracos
resultados da cúpula de Puerto Rico tiveram grande influência nos rumos
posteriores das cúpulas. Contudo, não foram os únicos fatores a influenciar tal
processo; para entender tais mudanças faz-se necessário uma breve
contextualização.
Tendo como pano de fundo o temor de um possível recrudescimento do
comprometimento dos Estados Unidos com a Europa ocidental, um número
significativo de líderes políticos e homens de negócio europeus – de esquerda e
direita – se reuniu nos anos 1950. A partir de tal iniciativa, teve início, em 1954,
as conferências de Bilderberg e em 1955, na terceira conferência6, foram
explicitados os seguintes objetivos:
“(...) alcançar o denominador mais alto possível de entendimento mútuo entre os países da Europa ocidental e da América do Norte e também trabalhar para remover as causas de atrito, estudar aqueles campos onde a ação pode ser necessária para prevenir o surgimento de atritos no futuro e examinar as áreas gerais nas quais acordos podem ser buscados. [Isto deverá ocorrer] em uma atmosfera de confiança mútua e amizade pessoal que admite uma discussão franca e aberta. (...) Todos compartilham um alto propósito e um grande reconhecimento da urgência da situação. (...) sempre haverá diferenças de opinião entre os países da Europa ocidental e da América do Norte (...). Divergências de visão não são em si deploráveis, e de fato, são a quintessência da vida democrática. Contudo, é uma questão de urgência máxima que a vontade e os meios devam existir para encontrar uma base comum sobre a qual construir nosso futuro” (Garmisch-Partenkirchen Conference, 1955, p. 1).
Na medida em que “criaram oportunidades para (...) redes e agrupamentos
transnacionais” (Gill, 1990, p. 132), tais conferências foram significativamente
relevantes, em especial para ampliar, em um contexto de macartismo, uma visão
de desenvolvimento internacionalmente orientada na elite estadunidense –
6 A primeira conferência ocorreu em Oosterbeek, Holanda (29-31 de maio de 1954); a segunda em Barbizon, França (18-20 de marco de 1955); e a terceira em Garmisch-Partenkirchen, Alemanha (23-25 de setembro de 1955).
150
contendo assim forças sociais que poderiam incentivar uma postura unilateral
por parte dos Estados Unidos. Além disso, também foram relevantes para conter
as rivalidades intra-europeias (como por exemplo a rivalidade entre França e
Alemanha).
Como visto, nos anos 1970 começou a se difundir uma visão de que o
mundo passava por um processo de transição, com um aumento das tensões e
atritos entre determinados interesses domésticos e a crescente interdependência
associados a um suposto declínio da hegemonia estadunidense. Neste contexto,
forças sociais internacionalistas estadunidenses começaram a se articular com o
intuito de lidar com tais questões, sendo a Comissão Trilateral um marco neste
processo. Neste sentido, o objetivo era criar “um grupo de pressão privado que
buscaria influenciar os governos (...) e remodelar a hegemonia estadunidense
em um formato mais coletivo, tripartite” (Ibidem, p. 137), grupo este que emergiu
a partir das conferências de Bilderberg em 19727. Em muitos aspectos as
conferências de Bilderberg foram uma espécie de balão de ensaio para a
Comissão Trilateral, que envolveu em larga medida os mesmos temas e os
mesmos tipos de atores, com algumas diferenças fundamentais: primeiro, a
Comissão Trilateral era menos fechada em termos comparativos; segundo, ao
contrário das conferências de Bilderberg, incorporavam os japoneses; terceiro,
Bilderberg incorporava uma proporção muito maior de social-democratas e
sindicalistas (Ibidem).
Feita esta breve contextualização, a partir de 1976 começa-se a perceber
certo atrito, em função dos fracos resultados da cúpula de Puerto Rico e dos
fenômenos associados ao contexto histórico-estrutural, entre dois grupos no
sistema G7/8 que então se constituía: de um lado o “grupo da biblioteca”, com
uma visão mais informal acerca do que deveriam ser as cúpulas, e de outro os
“trilateralistas”, que embora também reconhecessem a importância da vontade
política que esteve associada ao início do sistema G7/8, viam as cúpulas como
momentos que deveriam não apenas servir para a troca de experiências e
visões, mas também para a busca de respostas e soluções concretas para as
grandes questões enfrentadas na década de 1970. Para que isso ocorresse era
fundamental um processo coordenado de preparação das cúpulas, o que
7 Se por um lado a origem imediata da Comissão Trilateral possa ser datada de um discurso de David Rockfeller na conferência de Bilderberg em 1972, a criação formal da Comissão ocorreu no ano seguinte, em 1973. De acordo com Gill, seria possível dividir a Comissão Trilateral em três fases no que diz respeito ao seu aspecto organizacional: construção e estabelecimento (1972-1974); consolidação e centralização (1975-1979);
151
contribuiu para a crescente institucionalização do sistema G7/8. Neste processo
começam a ganhar destaque figuras que passarão a ser centrais, a saber, os
“sherpas”: representantes pessoais dos líderes que estariam à frente das
discussões e do estabelecimento da agenda das cúpulas. Eles se reuniriam
várias vezes por ano antes do encontro anual do G7/8 – as cúpulas em si – e
suas reuniões são, via de regra, reservadas, muitas vezes até mesmo sem a
presença de seus assistentes, chamados de “yaks”8. Em suma, percebe-se que,
para os trilateralistas, “os burocratas eram parte da solução, não parte do
problema” (Putnam & Bayne, 1987, p. 48). Assim, a partir da cúpula de 1977,
questões políticas específicas foram discutidas em detalhes entre os sherpas
antes da cúpula e uma versão prévia do comunicado final também foi discutida.
Além disso, a partir de então outras instituições internacionais passaram a ser
envolvidas no processo, como OCDE, FMI e GATT.
Na passagem do ano de 1976 para o ano de 1977 a retomada do
crescimento nos países da OCDE sofreu um revés, e a prescrição de inspiração
keynesiana feita na ocasião era a de que Alemanha, Japão e Estados Unidos
deveriam adotar políticas domésticas de estímulo à atividade econômica. Tal
política coordenada faria com que tais países atuassem como uma “locomotiva”
que puxaria o crescimento econômico, com um efeito multiplicador significativo
para a economia mundial como um todo. Embora tal ideia tenha estado presente
nas cúpulas de 1977 e 1978, isso não ocorreu sem resistências. Na visão de
alemães e japoneses, a “teoria da locomotiva” subestimava o risco, ainda
presente, da inflação e sua consequências para a estabilidade dos negócios.
Neste sentido, começa aqui a se estruturar a alternativa, no âmbito do sistema
G7/8, à proposta keynesiana: ao invés de uma política coordenada de estímulo
da demanda, o que se apresentava era um “ajuste estrutural no lado da oferta”
(Putnam & Bayne, 1987, p. 65). Tal tensão entre visões acerca do modelo mais
adequado para a organização econômica fica clara na declaração final da
cúpula, que enfatiza a necessidade de se “criar mais empregos enquanto se
continua a reduzir a inflação”. O interessante neste ponto é perceber o espaço
que o discurso anti-inflacionário começa a ganhar em contexto de crise do
expansão geográfica (a partir de 1979). Para maiores detalhes, ver Ibidem, p. 143-172 e The Trilateral Comission (http://www.trilateral.org/). 8 Devido ao papel que passou a ser desempenhado pelos representantes dos líderes, a palavra “sherpa” passou a ser utilizada metaforicamente para tais representantes. Originalmente o termo diz respeito a uma etnia da região do Himalaia, no Nepal. Em função do papel desempenhado por representantes de tal etnia para os primeiros exploradores do Himalaia, o nome sherpa passou a ser sinônimo de guia. Já o termo
152
modelo keynesiano: de acordo com a mesma declaração, “a inflação não reduz o
desemprego. Pelo contrário, é uma de suas causas principais” (Group of Seven,
1977).
Duas outras questões centrais levantadas na cúpula de Londres (“Londres
I”) – de 6 a 8 de maio de 1977 – diziam respeito à energia nuclear e ao comércio
internacional. No tocante à energia nuclear, os Estados Unidos buscaram um
comprometimento, por parte dos países membros do G7, com a redução da
proliferação nuclear, mas apesar do apoio inicial do Canadá, tal posição foi
isolada a partir de uma discussão acerca da necessidade de diversificação das
fontes energéticas tendo em vista o contexto do choque do petróleo. Com
relação ao comércio internacional, houve uma condenação, por parte dos
estadunidenses, alemães e japoneses, do protecionismo e o incentivo para a
conclusão da Rodada Tóquio. Franceses, italianos e ingleses, por sua vez,
temendo a competição dos novos países industrializados em alguns produtos
específicos, como têxteis, por exemplo, foram menos entusiastas de tal
proposta, embora não tenham se colocado contra. Por fim, cumpre destacar que
em 1977 foi a primeira vez que o presidente da Comissão Europeia foi convidado
para participar da cúpula – o que passaria a ser comum a partir de então.
Uma questão central apontada pela cúpula de Londres é o fato de que a
economia mundial passava por problemas mas não havia consenso acerca das
causas nem do rumo que deveria ser adotado para sua solução. Tal tensão
também estaria presente na cúpula de Bonn, em 1978; neste contexto, é
possível perceber o processo de consolidação da hegemonia neoliberal.
Nos dias 16 e 17 de junho de 1978 ocorreu a cúpula de Bonn (“Bonn I”).
Embora a “teoria da locomotiva” ainda estivesse presente no debate (Group of
Seven, 1978a), no início de 1978 as principais economias ocidentais, com
exceção dos Estados Unidos, cresciam abaixo das expectativas. Isso levou a
Alemanha a defender especialmente a valorização do dólar – o que deveria
passar pela redução das importações de petróleo por parte dos Estados Unidos.
Em março de 1978 o dólar ficou abaixo dos DM2,00 – um valorização acumulada
do marco alemão de 20% em doze meses. Tendo que enfrentar um dólar fraco e
temendo o contágio inflacionário, o chanceler alemão iniciou os primeiros
movimentos para o Sistema Monetário Europeu, que foi o principal tema do
Conselho Europeu dez dias antes da cúpula de Bonn (Putnam & Bayne, 1987;
Eichengreen, 2000; Gilpin, 2002). A despeito das tensões entre alemães e
“yak” diz respeito, originalmente, aos animais de carga utilizados pelos sherpas do Himalaia nas expedições.
153
estadunidenses, em Bonn I chegou-se a um acordo que articulava questões
macroeconômicas e energéticas: os Estados Unidos se comprometeram com um
pacote anti-inflacionário, que incluía a contenção de salários e gastos públicos e
o aumento do preço do petróleo no mercado interno até os níveis mundiais;
europeus e japoneses, por sua vez, adotaram certas políticas expansionistas –
os japoneses se comprometeram a elevar os gastos governamentais em 1,5%
do PNB, e alemães e franceses em aumentar a demanda interna em cerca de
1% através de aumentos nos gastos governamentais e de cortes nos impostos
(Eichengreen, 2000). Uma novidade em Bonn I foi a condenação, em uma
declaração política, do terrorismo internacional9 – o que remete ao caráter
informal da cúpula, capaz de incorporar com relativa facilidade temas relevantes
para a agenda internacional.
Em suma, a cúpula de Bonn pode ser vista como uma cúpula exitosa.
Contudo, é fundamental perceber os limites dos acordos então estabelecidos.
Em especial, o segundo choque do petróleo em 1979 após a Revolução Iraniana
demonstrou para vários que as medidas até então acordadas eram
demasiadamente modestas – o que apontaria os limites não apenas das
medidas em si mas especialmente do modelo keynesiano aggiornato, abrindo
espaço, assim, para a emergência de um novo conceito de controle (Overbeek &
van der Pijl, 1993). Neste sentido, entre os anos de 1978 e 1980 começa a
emergir o consenso, entre os países mais industrializados do mundo, de que
apenas uma restrição fiscal e monetária seria capaz de restaurar a estabilidade
econômica.
Mas outros fenômenos conjunturais também foram relevantes para a
evolução do sistema G7/8 nos anos subsequentes: a Revolução Islâmica e
queda do Xá Reza Pahlevi no Irã, a tomada da embaixada estadunidense no Irã
e a invasão soviética ao Afeganistão são extremamente significativos neste
contexto. Se as cúpulas anteriores tinham como foco o primeiro choque do
petróleo e a necessidade de recuperação econômica, a partir de 1979 a
preocupação passou a ser a recessão e o segundo choque do petróleo – o que
só terminou na cúpula de 1983.
9 “Os Chefes de Estado e de Governo, preocupados com o terrorismo (…) declaram que seus governos intensificarão seus esforços conjuntos para combater o terrorismo internacional. Para este fim, em casos nos quais um país se recusar a extraditar ou processar aqueles que tiverem sequestrado uma aeronave e/ou não retornarem tal aeronave, os Chefes de Estado e de Governo estão conjuntamente resolvidos que seus governos devem tomar ações imediatas para cessar todos os vôos para aquele país. Ao mesmo tempo, seus governos irão iniciar ações para deter todos os vôos de origem de
154
Durante as cúpulas anteriores ávidos debates ocorreram com relação à
resposta que deveria ser dada à crise orgânica pela qual a economia mundial
passava nos anos 1970. Dois modelos básicos se apresentavam naquele
momento: por um lado, um modelo de inspiração keynesiana, cujo foco era na
demanda e, assim, destacava a necessidade da ação estatal – via aumento do
gasto público ou redução dos impostos, o que aumentaria o déficit do orçamento
– para estimular o crescimento econômico. Por outro, um modelo orientado no
lado da oferta que enfatizava a necessidade de uma política monetária e fiscal
austera que visasse a contenção da inflação o que geraria crescimento
econômico. De acordo com tal modelo, neoliberal, o crescimento viria não da
intervenção estatal no lado da demanda mas através da redução das barreiras à
livre operação das forças de mercado.
Nota-se, neste período, um processo de embate ideológico ou, em outras
palavras, de luta pela hegemonia. Se por um lado Estados Unidos, Reino Unido
e, em alguma medida, Itália e Canadá apoiavam uma postura orientada pelo
lado da demanda, Alemanha e Japão tinham uma visão mais para o lado da
oferta, com a França ocupando um lugar de meio termo10. Durante o processo, é
possível perceber nas cúpulas a mudança de um modelo keynesiano rumo a um
modelo neoliberal – as concessões feitas na cúpula de Bonn I são um exemplo,
mas o marco dessa transformação no que concerne especificamente ao sistema
G7/8 é o ano de 1979. O segundo choque do petróleo foi central, tanto em
termos materiais quanto ideacionais: a negligência até então prevalecente para
com a inflação foi vista cada vez mais como a causa da vulnerabilidade da
economia mundial ao choque cujo "efeito na política econômica foi desacreditar
a estratégia adotada nos cinco anos anteriores" (Putnam & Bayne, 1987, p. 96).
Neste sentido, após o segundo choque começa a emergir certo consenso
entre os principais países industrializados acerca da necessidade e da
centralidade do combate à inflação – consenso que se expande para a
Comunidade Europeia, FMI e OCDE, que passam cada vez mais intensamente a
defender tal proposta neoliberal. É fundamental neste ponto perceber que tal
empreitada teórico-normativa não se resumia apenas ao segundo choque do
tal país ou de qualquer outro país feito por linhas aéreas do país em questão” (Group of Seven, 1978b). 10 Nota-se, assim, que o processo de “neoliberalização” dos países a partir do final dos anos 1970 não foi algo homogêneo. Na verdade, o caso dos países do G7 (e de maneira mais ampla do sistema G7/8) exemplifica como “o desenvolvimento geográfico desigual do neoliberalismo, sua aplicação frequentemente parcial e irregular de um Estado e formação social para outro, testifica (...) as formas complexas nas quais as forças
155
petróleo, mas dizia respeito a todo um modelo de controle e regulação – enfim,
de produção de subjetividade – para lidar com a crise orgânica dos anos 1970.
Uma batalha deste porte, que articula elementos de caráter material –
formas de organizar a economia mundial em suas dimensões comercial,
financeira e produtiva e a relação entre essas áreas – e ideacional – todo um
complexo ideológico que dá sustentação, legitimidade e em certa medida coesão
ao modelo que se apresenta –, ou seja, intimamente relacionada ao processo de
produção e constituição de um novo sujeito coletivo não é algo simples mas
permeado por contradições nos mais diversos níveis. Uma vez que se retome a
questão do Estado neste ponto, percebe-se seu papel central neste processo,
como unidade política fundamental no processo de construção do consenso e de
articulação interna dos processos de globalização neoliberal neste caso
específico.
O movimento de transformação para o modelo neoliberal nos principais
países componentes do sistema G7/8 é extremamente elucidativo deste
processo. Com a derrota do governo de Callaghan em maio de 1979 para a
conservadora Margaret Thatcher o Reino Unido passou por uma mudança mais
radical em direção ao neoliberalismo. Nos Estados Unidos o percurso foi um
pouco mais gradual, se iniciando com a chegada de Paul Volcker à presidência
do Federal Reserve em outubro de 1979, ainda durante o governo Carter.
Contudo, foi durante o governo de Ronald Reagan a partir de 1981 que o modelo
neoliberal foi mais profundamente adotado. No que concerne à Alemanha, as
medidas de estímulo adotadas pouco antes do segundo choque do petróleo
causaram um aumento significativo do déficit orçamentário. Em um contexto de
reconfiguração do bloco histórico as respostas para lidar com tal déficit geraram
uma fissura no bloco então dominante na Alemanha, levando a uma polarização
entre os democrata-liberais, defensores da liberdade do mercado, e os social-
democratas, mais intervencionistas – o que em última instância levou à queda do
chanceler Schmidt em 1982. Mesmo assim, tal transição foi menos abrupta
dentre outros fatores por questões de caráter ideológico, dado o fato da
Alemanha historicamente ser uma defensora de uma postura anti-inflacionária –
em função do ocorrido na República de Weimar e no imediato pós-II Guerra
Mundial (Frieden, 2006; Harvey, 2005; Putnam & Bayne, 1987).
O caráter sistêmico de tal processo termina por apontar que, se por um
lado o Estado – como ponto nodal – é fundamental na definição da forma pela
políticas, tradições históricas e arranjos institucionais existentes moldam porque e como o processo de neoliberalização realmente ocorreu” (Harvey, 2005, p. 13).
156
qual ideologias e transformações no bloco histórico são absorvidas e
implementadas, por outro o poder estrutural do capital é de suma importância na
definição dos contornos, limites e potencialidades do papel do Estado em tal
contexto (Gill & Law, 1989). Isso fica claro quando as atenções são voltadas
para o caso francês. Com a ascensão dos socialistas ao poder com François
Mitterrand em lugar de Giscard em maio de 1981, há a tentativa de
implementação de uma política econômica diametralmente oposta àquelas
adotadas nos demais países do G7 – ou seja, uma política econômica orientada
pela demanda, de estímulo ao crescimento com o intuito de reduzir o
desemprego. Não obstante, o contexto histórico-estrutural acabava por
impossibilitar um curso de ação isolado nestes termos. Consequentemente,
houve na verdade um aprofundamento do déficit, um enfraquecimento do franco
e uma manutenção da inflação nos mesmos patamares anteriores enquanto a
inflação nos demais países membros do G7 diminuía. Por fim, a França acabou
por adotar medidas de austeridade e, em última instância, o modelo neoliberal
que se configurava.
Tais transformações no bloco histórico tiveram impacto direto na lógica de
funcionamento do sistema G7/8. Em especial, percebe-se uma mudança na
forma de lidar com as questões macroeconômicas: a partir de 1979, as cúpulas
passariam a ser “menos ambiciosas” (Putnam & Bayne, 1987, p. 98) deixando
para a esfera do mercado a regulação da economia. Isso ficaria ainda mais
claro, com impactos significativos na economia política global a partir de 1982,
quando foi dada maior capacidade de articulação e decisão aos ministros das
finanças e presidentes de bancos centrais de Reino Unido, Estados Unidos,
França, Alemanha e Japão (Baker, 2006).
Neste contexto, nos dias 28 e 29 de junho de 1979 ocorreu a cúpula de
Tóquio (“Tóquio I”). O segundo choque do petróleo foi fundamental para a
condução de tal cúpula; neste sentido, a questão energética e as políticas
macroeconômicas que deveriam ser adotadas em resposta a tal crise foram o
centro dos debates. O grande receio que rondava os países do G7 naquele
momento dizia respeito ao risco de inflação em função da crise energética, e
neste sentido os países europeus foram para a cúpula com o intuito de levar os
Estados Unidos a uma redução na importação de petróleo. No final, foi acordado
uma declaração metas de consumo de petróleo para cada um dos participantes
para os anos de 1979 e 1980 – além de uma meta de redução de consumo para
ser atingida no ano de 1985. Tal decisão foi relevante, dentre outras razões, pelo
seu efeito de demonstração; ou seja, enviou sinais da existência de certa coesão
157
entre os países mais industrializados do mundo desde Rambouillet, em 1975.
Além disso, teve um papel importante na articulação entre organizações
internacionais na área de energia, com a criação de um grupo internacional de
tecnologia de energia ligado à OCDE e AIE (Group of Seven, 1979a).
O fato de tais questões terem sido o foco das discussões não implica que
foram os únicos temas discutidos. No tocante às questões comerciais, foi
reafirmado o compromisso com o livre comércio e, em especial, com os acordos
alcançados na Rodada Tóquio do GATT. Por fim, por se tratar da primeira cúpula
que ocorria na Ásia, em Tóquio I um tema que foi abordado na ocasião dizia
respeito aos refugiados da Indochina – Vietnã, Laos e Camboja. Foi acordado
pelos países o acolhimento de um número maior de refugiados em seus
territórios e o levantamento de fundos para lidar com tal questão humanitária
(Idem, 1979b).
As questões energéticas ainda estavam no centro dos debates em 1980.
Assim, nos dias 22 e 23 de junho de 1980 ocorreu a cúpula de Veneza (“Veneza
I”). Em linhas gerais, Veneza I deu continuidade às decisões tomadas um ano
antes em Tóquio I: nas questões macroeconômicas, a manutenção de políticas
anti-inflacionárias; nas questões energéticas, manutenção dos acordos de
Tóquio I; nas questões de comércio internacional, defesa do livre comércio e
condenação das práticas protecionistas (Idem, 1980a).
Além de tais temas, duas outras questões foram objeto de atenção em
Veneza I. Em primeiro lugar, as relações com os países em desenvolvimento.
Neste sentido duas questões foram centrais neste tópico: os impactos (i) do
aumento do preço do petróleo e (ii) e da importação de alimentos para os países
em desenvolvimento. Neste sentido foram apoiados os programas do Banco
Mundial e da FAO (ibidem). A despeito da relevância da incorporação de tal
questão, nenhum resultado substantivo foi alcançado em Veneza I. Por fim, no
final de 1979 ocorreram dois eventos que exerceram impacto na cúpula de 1980:
a invasão do Afeganistão pela URSS e a ocupação da embaixada dos Estados
Unidos no Irã. Nestes dois casos as reações dos Estados Unidos e dos países
europeus foram distintas, o que acabou gerando certo atrito entre eles. Assim, a
cúpula de 1980 foi importante pelo fato de ter, em alguma medida, contribuído
para a resolução de tais divergências – com destaque para o papel dos Estados
158
Unidos neste processo. Foram, assim, produzidos documentos condenando a
ocupação da embaixada e a invasão do Afeganistão (Idem, 1980b; 1980c)11.
A política econômica estadunidense na primeira metade da década de
1980 teve impactos significativos para o sistema G7/8. Neste período as políticas
de caráter neoliberal de corte dos impostos e o aumento dos gastos militares
levaram a um aumento do déficit orçamentário dos Estados Unidos, que
associado ao aumento do consumo decorrente do corte dos impostos, levou a
um aumento do déficit comercial e das pressões inflacionárias. Buscando
combater tais questões Paul Volcker elevou as taxas de juros de curto prazo – o
que levou ao aumento do fluxo de capitais para os Estados Unidos e a
consequente valorização do dólar12 (Eichengreen, 2000; Frieden, 2006, p. 372-
378 passim). Consequentemente, em 1981 as preocupações que rondaram as
cúpulas anteriores – dólar fraco e as questões energéticas – deram agora lugar a
outras questões: as taxas de juros estadunidenses, o dólar forte e as relações
entre os blocos ocidental e oriental.
Neste contexto, entre os dias 19 e 21 de julho de 1981 ocorreu a cúpula de
Ottawa. No tocante às questões políticas, houve referência à questão do
terrorismo, em especial no que concerne ao sequestro de aviões. Além disso,
fez-se menção à questão árabe-israelense e seus deletérios impactos no Líbano
bem como à questão do Afeganistão (Group of Seven, 1981a; 1981b). No que
concerne à relação Leste-Oeste, apesar das relações comerciais entre os blocos
serem mais importantes em termos econômicos para a Europa do que para os
Estados Unidos, o documento final aprovado segue muito mais próximo da
posição estadunidense, afirmando que, apesar do “complexo equilíbrio dos
interesses políticos e econômicos” era necessário “garantir que, no campo das
relações Leste-Oeste, nossas políticas econômicas continuem a ser compatíveis
com nossos objetivos políticos e de segurança” (Idem, 1981c, §36).
Com relação às questões econômicas o ponto a ser destacado é que não
havia, por parte do governo estadunidense, interesse em alterar sua política
econômica naquele momento. Além disso, como visto anteriormente, a visão
neoliberal predominante a partir de 1979 dava ênfase ao papel dos Estados na
criação das condições para a livre e criativa operação das forças de mercado –
em oposição a uma visão keynesiana de estímulo ao crescimento a partir da
11 Também foi elaborado um documento sobre a questão dos refugiados – documento este que envolvia questões relacionadas aos países da Indochina, Cuba e Afeganistão (Group of Seven, 1980d). 12 Neste sentido, “o dólar registrou uma valorização de 29% em termos nominais e de 28% em termos reais entre 1980 e 1982” (Eichengreen, 2000, p. 195).
159
adoção de determinadas políticas macroeconômicas. O governo Reagan
compartilhava de tal visão, o que fica claro nas colocações feitas pelo presidente
Reagan em setembro de 1981 – poucos meses depois da cúpula de Ottawa – no
encontro anual do Banco Mundial e do FMI:
“a contribuição mais importante que qualquer país pode fazer para o desenvolvimento mundial é adotar firmes políticas econômicas em casa. (…) Reduzindo a taxa de gastos governamentais, honrando nosso comprometimento com o equilíbrio orçamentário, reduzindo os impostos para encorajar o investimento produtivo e a poupança pessoal, eliminando a regulação governamental excessiva, e mantendo uma política monetária estável, estamos convencidos que iremos adentrar em uma nova era sustentada e não inflacionária de crescimento e prosperidade, do tipo que não temos visto há muitos anos” (Reagan, 1981).
Por fim, é importante destacar a questão do comércio internacional. Se nas
cúpulas imediatamente anteriores tal questão, embora mencionada, não havia
sido objeto de atenção maior, em Ottawa foi acordado que uma nova
conferência ministerial do GATT deveria ocorrer em 1982 com o intuito de
combater o protecionismo durante a recessão. Além disso, neste contexto foi
criado o grupo quadrilateral (“Quad”) de ministros do comércio de Estados
Unidos, Japão, Canadá e Comunidade Europeia – grupo este que exerceria uma
importante função neste âmbito (Ulrich, 2006).
4.4. Segundo ciclo: 1982-1988
É possível perceber nos anos 1980 uma intensificação das tensões entre
os blocos da Guerra Fria, que começa a diminuir a partir de 1985, com a
chegada ao poder na URSS de Mikhail Gorbachev. Somado a isso, nota-se
também tensões no Oriente Médio – guerra Irã-Iraque, instabilidade no Camboja
–, o que acaba impactando na agenda das cúpulas no segundo ciclo. Não
obstante, a despeito de tal influência das questões de segurança, se trata de um
ciclo de consolidação hegemônica do neoliberalismo, no qual as questões
macroeconômicas permaneceram com peso relevante na agenda das cúpulas
assim como a questão da promoção do livre-comércio – com o início da Rodada
Uruguai em 1986 que levaria à criação da OMC em 1995.
Na passagem de 1981 para 1982 os indicadores econômicos dos países
industrializados se encontravam em uma situação extremamente delicada
(Putnam & Bayne, 1987). Neste contexto, a postura estadunidense, intimamente
relacionada à visão monetarista então predominante, mantinha a ideia de
160
“primeiro arrumar a casa”. Neste sentido, a diplomacia econômica transatlântica
estava em seu ponto mais complicado desde a suspensão unilateral da
convertibilidade do dólar em ouro feita por Nixon (Henning, 1987), e foi neste
contexto que ocorreram as negociações iniciais para a cúpula de Versailles,
entre 4 e 6 de junho de 1982.
Se por um lado não havia, em Ottawa, consenso entre europeus e
japoneses acerca dos problemas da política monetária estadunidense, em
Versailles os Estados Unidos se viram isolados (Ibidem). Embora as questões
macroeconômicas não tenham sido muito debatidas na cúpula, é interessante
perceber que menção especial foi feita à importância de um engajamento
coletivo para uma “maior estabilidade do sistema monetário mundial”. Mesmo
assim, a visão estadunidense prevaleceu no período na medida em que grande
ênfase foi dada “ao papel do FMI como autoridade monetária” (Group of Seven,
1982a): em função da estrutura de cotas vigente no FMI, em questões que
necessitam de super-maioria os Estados Unidos possuem poder de veto
(Vreeland, 2007). Destacam-se ainda as colocações acerca da “luta contra
inflação” e da urgência em se “adotar políticas monetárias prudentes e atingir um
controle maior dos déficits orçamentários” (Group of Seven, 1982a). Em um
contexto de recessão marcado pelas mais altas taxas de desemprego em
décadas (tabela 4.3) e em contraposição à ideia da “locomotiva” de Bonn I, tais
afirmações associadas a tal postura expressam claramente o processo de
consolidação de uma nova forma de subjetividade, agora neoliberal.
Com relação às questões políticas, houve referência às Malvinas, em
apoio ao Reino Unido – embora em um comunicado do presidente Mitterrand ao
final cúpula, e não na declaração final (Mitterrand, 1982) –, e às questões Leste-
Oeste, que demonstraram claramente as tensões existentes entre
estadunidenses, mais radicais em termos de sanções econômicas à URSS, e
europeus mais moderados e céticos. Um elemento central neste ponto dizia
respeito aos impactos de tais sanções, que seria muito maior na Europa do que
nos Estados Unidos (Putnam & Bayne, 1987). No final, menção foi feita à
necessidade de um maior controle das exportações de bens estratégicos ao
bloco oriental e maior cooperação no âmbito da OCDE com relação à troca de
informações sobre as relações comerciais, econômicas e financeiras com tal
bloco. Por fim, em um comunicado separado, colocou-se a questão dos ataques
de Israel ao Líbano, reafirmando o cessar-fogo nos termos das resoluções 508 e
509 do Conselho de Segurança (Group of Seven, 1982b).
161
No tocante à questão do comércio internacional, percebe-se a
continuação, mesmo que tímida, de um movimento que se inicia na cúpula
anterior, com a criação do “Quad”. Neste sentido, em um contexto de recessão e
pressão protecionista por algumas forças sociais nos Estados Unidos, Europa e
Japão, Estados Unidos e Alemanha pressionaram por um acordo preliminar
sobre as questões que seriam discutidas no âmbito da reunião ministerial do
GATT em novembro de 1982. No final, contudo, pouco de concreto foi decidido.
No que concerne à relação com os países em desenvolvimento e ao diálogo
norte-sul, menção foi feita mas ênfase foi dada no papel de outras instituições
internacionais neste processo – destaque para Banco Mundial e FMI.
Algumas mudanças que ocorreram após a cúpula de Versailles tiveram
significativa importância para os desdobramentos futuros do sistema G7/8. A
França adotou uma série de medidas congruentes com um modelo neoliberal,
desvalorizando o franco, congelando os preços e salários e introduzindo uma
série de medidas fiscais deflacionárias. Os Estados Unidos, por sua vez,
diminuíram as taxas de juros, o que contribuiu significativamente para a
superação da recessão de 1981-1982. Mesmo assim, em função das altas taxas
de desemprego e de inflação no período havia a ideia, por parte de alguns, da
necessidade da adoção de políticas coordenadas entre os países do G7 para
superar tais questões. Não obstante, os governos neoliberais – destaque para
Estados Unidos, Japão, Alemanha e Reino Unido – se colocaram contra tal
questão.
Como decorrência das mudanças das atitudes com relação às cúpulas,
para 1983 buscou-se a organização de uma cúpula menos estruturada; neste
sentido, menor papel foi desempenhado pelos sherpas na preparação da cúpula,
com o aumento dos contatos diretos entre os líderes. Neste processo, é possível
perceber uma expansão do sistema G7/8, dado que parte das negociações mais
relevantes não deixou de ocorrer, apenas foi deslocada para outros fóruns, como
OCDE e AIE, por exemplo.
Assim, entre os dias 28 e 30 de maio de 1983 ocorreu a cúpula de
Williamsburg. No tocante às questões econômicas, foram discutidas questões
concernentes ao déficit orçamentário e às taxas de juros estadunidenses; não
obstante, não se chegou a nenhum resultado conclusivo em relação a tais
questões, apenas à necessidade de se buscar “políticas orçamentárias e
monetárias apropriadas que irão conduzir à baixa inflação, taxas de juros
reduzidas, aumento dos investimentos produtivos e maior oportunidade de
162
empregos” (Group of Seven, 1983a, §2)13. Além disso, questões relacionadas à
liberalização comercial foram objeto de discussão. Na verdade, tais questões
eram de significativa importância para os Estados Unidos, que defendiam uma
nova rodada do GATT que enfatizasse o comércio norte-sul. A despeito de tais
questões, no final foi apenas destacada a necessidade de novas “negociações
de liberalização no GATT, com ênfase particular na expansão do comércio com
e entre os países em desenvolvimento” (Ibidem, §3). Em suma, o que se
percebe em Williamsburg é um passo menor nas negociações monetárias e
comerciais entre os países. No que diz respeito às questões políticas,
Williamsburg teve uma importância singular. Em um contexto de tensão Leste-
Oeste, a cúpula teve um papel fundamental na consolidação do “sistema militar
ocidental” – e em especial na consolidação do Japão neste processo (Putnam &
Bayne, 1987, p. 181; Group of Seven, 1983b).
Devido às experiências das cúpulas passadas, na cúpula de Londres de 7
a 9 de junho de 1984 (“Londres II”), nota-se uma postura mais comedida e
menos ambiciosa por parte dos participantes – o que levou, em larga medida, a
uma continuidade de Williamsburg na questão econômica. No tocante à
economia mundial no período, passava-se por um contexto mais favorável do
que nas cúpulas anteriores, com crescimento econômico e diminuição da
inflação (Group of Seven, 1984a, §3; tabelas 4.6 e 4.7). Isso ocorria
principalmente nos Estados Unidos, o que marca a tensão entre o otimismo
estadunidense e o europessimismo e euroesclerose – período de estagnação da
integração europeia que vai de meados dos anos 1960 a meados dos anos
198014.
13 Destaque deve ser dado ao fato de que foi acordada a continuação e aprofundamento do processo de consulta iniciado em Versailles acerca das taxas de câmbio. Assim, a despeito das tensões existentes, percebe-se que Versailles foi relevante na medida em que estabeleceu as bases dos acordos feitos um ano depois, em Williamsburg. 14 Neste processo, permanecia o consenso neoliberal: “políticas monetárias e orçamentárias prudentes (…) que tem nos trazido até aqui tem de ser sustentadas e onde for necessário, fortalecidas. Nós reafirmamos o comprometimento de nossos governos com tais objetivos e políticas” (Group of Seven, 1984a, §4).
163
Tabela 4.6
Crescimento anual do PIB (%)
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995
Estados Unidos -0,2 2,5 -2,0 4,5 7,2 4,1 3,4 3,3 4,1 3,5 1,9 -0,2 3,3 2,7 4,1 2,5
Canadá 2,2 3,5 -2,9 2,7 5,8 4,8 2,4 4,3 5 2,6 0,2 -2,1 0,9 2,3 4,8 -
Reino Unido -2,1 -1,3 2,1 3,6 2,7 3,6 4 4,6 5 2,3 0,8 -1,4 0,1 2,2 4,3 -
França 1,7 0,9 2,4 1,2 1,5 1,7 2,5 2,5 4,6 4,2 2,6 1 1,4 -0,9 2,2 2,1
Alemanha 1,4 0,5 -0,4 1,6 2,8 2,3 2,3 1,4 3,7 3,9 5,3 5,1 2,2 -0,8 2,7 1,9
Itália 3,4 0,8 0,4 1,2 3,2 2,8 2,9 3,2 4,2 3,4 2,1 1,5 0,8 -0,9 2,2 2,8
Japão 2,8 2,9 2,8 1,6 3,1 5,1 3 3,8 6,8 5,3 5,2 3,4 1 0,2 1,1 1,9
Mundial 1,9 1,9 0,3 2,5 4,6 3,7 3,4 3,6 4,7 3,7 2,9 1,6 2,1 1,8 3,3 2,9
Fonte: Banco Mundial
164
Tabela 4.7
Inflação (%)
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990
Estados Unidos 9,1 9,4 6,1 4,0 3,8 3,1 2,2 2,8 3,4 3,8 3,9
Reino Unido 10,1 10,8 8,5 5,4 3,3 3,1 3 4,6 4,5 4,5 3,2
Canadá 19,4 11,4 7,4 5,5 4,6 5,8 3,4 5,3 6,3 7,3 7,7
França 11,3 11,4 12,0 9,5 7,3 5,5 5,3 2,8 3,1 3,3 2,6
Alemanha 5,5 4,2 4,6 2,8 2,0 2,1 3 1,3 1,7 2,9 3,4
Itália 20,8 18,8 17,5 15,1 10,8 9,2 7,5 6 6,7 6,2 8,4
Japão 5,4 4,4 2,1 2,4 3,2 2,3 1,7 0,3 0,8 2,3 2,4
Mundial 13,3 10,6 8,5 7,5 7,6 5,5 4,8 6 6,3 6,9 7,7
Fonte: Banco Mundial
Outra questão fundamental neste contexto era a crise da dívida dos países
em desenvolvimento. Tal questão vinha desde 1982, mas, em 1984, Argentina,
Equador, Bolívia, México se encontravam em uma situação extremamente
delicada. Em face de tal questão percebe-se certa divergência de interesses
dentre os países do G7: França defendia um aporte de capital ao FMI; Alemanha
e Reino Unido, embora concordassem com os Estados Unidos de que tal
proposta poderia ter um impacto inflacionário na economia mundial, por outro
lado concordavam com a França de algo deveria ser feito no sentido de
“convencer os países devedores a ‘continuar a jogar o jogo’” (Putnam & Bayne,
1987, p. 186). Para os Estados Unidos, por sua vez, a solução de tal questão
passava pela liberalização das relações comerciais entre norte e sul – questão
por eles defendida desde 1981 no âmbito do G7. Mas em função dos interesses
japoneses e europeus, tal questão continuava pendente. Por fim, houve menção
a ambas as questões, destacando e legitimando o papel do FMI no processo de
gestão da dívida dos países em desenvolvimento, “encorajando uma cooperação
mais próxima entre FMI e o Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD)” e a abertura dos mercados para “as exportações dos
países em desenvolvimento” (Group of Seven, 1984a, §9). Não obstante, tais
questões apareceram de maneira mais geral, sem detalhamento sobre o aporte
de capitais ao FMI e da retomada das negociações de liberalização do comércio
no âmbito do GATT.
No tocante às questões políticas, houve quatro documentos: (a) sobre o
conflito Irã-Iraque, reafirmando a autoridade do Conselho de Segurança para
lidar com tal questão e destacando as complicações que tal conflito poderia ter
para o mercado mundial de petróleo (Idem, 1984b); (b) sobre o terrorismo,
reafirmando e aprofundando questões já levantadas nas cúpulas de Bonn I
(1978), Veneza I (1980) e Ottawa (1981) (Idem, 1984c); (c) sobre as relações
leste-oeste e o controle de armas (Idem, 1984d); (d) Pouco tempo antes da
cúpula, houve a comemoração, por parte dos antigos aliados, dos 40 anos do
dia-D – da qual foram excluídos os países derrotados na II Guerra Mundial.
Assim, foi proposto pelos britânicos um documento sobre os valores
democráticos, reafirmando os valores que seriam centrais ao sistema G7/8
desde sua criação (Putnam & Bayne, 1987; Group of Seven, 1984e)15.
No ano de 1984 a economia estadunidense cresceu mais de 7% (tabela
4.6). Para alguns grupos e técnicos que faziam parte do governo dos Estados
15 É interessante destacar que, em Londres II, pela primeira vez questões de meio ambiente entram na declaração final (Group of Seven, 1984a, §14).
166
Unidos tal crescimento se deu com um grande efeito colateral, com destaque
para os desequilíbrios fiscal e comercial, o que intensificava as pressões internas
em favor de medidas protecionistas. De acordo com alguns, era necessário um
crescimento da economia mundial suficiente para absorver as exportações
estadunidenses reequilibrando, assim, as contas estadunidenses. Neste
processo, o governo dos Estados Unidos passou a dar uma importância ainda
maior à liberalização do comércio mundial, envidando esforços para lançar uma
nova rodada do GATT. Por outro lado, as discussões concernentes ao sistema
monetário internacional acordadas em Williamsburg não haviam avançado
satisfatoriamente. Neste sentido, os franceses se opunham a uma nova rodada
do GATT enquanto tal questão não fosse tratada de uma maneira menos
superficial, em especial pelos Estados Unidos. É neste contexto que ocorre,
entre os dias 2 e 4 de maio de 1985, a cúpula de Bonn (“Bonn II”), com duas
questões centrais para serem tratadas.
Tais questões foram expressão clara do desacordo existente. Nas
discussões sobre uma nova rodada do GATT em 1986 a França se colocou
contra a menção explícita a uma data. Em face de tal tensão, na declaração final
se colocou que uma nova rodada do GATT era necessária e que “a maioria de
nós pensa que deve ser em 1986” (Group of Seven, 1985a, §10) – o que deixava
explícita a discordância existente. Nas questões monetárias, as discussões
foram, em larga medida, superficiais. Apenas houve menção ao trabalho do G10,
mas sem nenhuma colocação mais incisiva sobre a questão, o que refletia os
interesses estadunidenses (Ibidem, §11). Europeus e japoneses eram favoráveis
à adoção de certas políticas de harmonização das taxas de câmbio e vinham
pressionando os Estados Unidos a reduzirem seu déficit a fim de conter a
valorização do dólar. Estes, contudo, eram contrários a tal política alegando,
desde Williamsburg, que “o dólar forte não era consequência dos déficits e das
altas taxas de juro nos Estados Unidos” (Eichengreen, 2000, p. 198).
Com relação às questões econômicas, manteve-se o consenso neoliberal.
A diferença em Bonn II, embora incipiente em termos de negociação, dizia
respeito à incorporação, na declaração final, de políticas econômicas particulares
com as quais cada Estado se comprometia individualmente. No que concerne às
relações com os países em desenvolvimento, o tema recebeu significativa
atenção, mas, no final, repetiu-se a abordagem adotada em Londres II, de
reafirmação e legitimação do FMI e do Banco Mundial para lidar com tais
questões relacionadas ao desenvolvimento e negociação das dívidas (Ibidem,
§8). No tocante às questões políticas, foi dada atenção às questões das drogas,
167
além da produção de uma declaração política sobre os 40 anos de fim da II
Guerra Mundial (Idem, 1985b).
A despeito da produtividade da mão de obra do setor manufatureiro
estadunidense ter crescido em uma média anual de 3,5% entre 1979 e 1985, tal
processo era insustentável em função do esvaziamento que tal setor vinha
vivenciando desde os anos 1970 devido à crise econômica que figurava no
período (Brenner, 2003). Neste sentido, mesmo indo contra a política adotada
até então, a resposta foi a desvalorização do dólar, que se deu mediante o
Acordo do Plaza, de 22 de setembro de 1985, no qual o Grupo dos Cinco
Ministros de Finanças (G5) concordava, “sob pressão americana” (Brenner,
2003, p. 108), em agir de maneira coordenada para desvalorizar o dólar.
A despeito do papel central dos Estados Unidos na condução de tal
processo, a afirmação de Brenner parece um tanto quanto exagerada face aos
desdobramentos no âmbito do G7 ao longo da década de 1980. Como visto,
desde o início dos anos 1980 havia uma demanda, por parte dos demais
membros do G7, de desvalorização do dólar que sempre era postergada pelos
Estados Unidos:
“‘Espere um pouco’, foi sua mensagem em Ottawa; ‘Vamos estudar isso’, a abordagem em Versailles; ‘Nosso boom solucionará isso’, a linha em Williamsburg; e ‘após nossas eleições’, a promessa em Londres II. Ações sérias com relação ao dólar ao déficit orçamentário teriam que esperar até 1985” (Putnam & Bayne, 1987, p. 128).
Além disso, a partir de junho de 1984 é possível perceber uma valorização
significativa do dólar, que atinge mais de 20% em fevereiro de 1985 – indicando,
para alguns, a existência de uma bolha especulativa (Eichengreen, 2000). Neste
sentido, o que se pode perceber é, na verdade, certa convergência de interesses
entre os países do G7 em meados dos anos 1980 – com destaque para o papel
central desempenhado pelos Estados Unidos neste processo, o que levou ao
Acordo do Plaza. A partir de tal acordo houve uma série de desvalorizações do
dólar com relação ao iene e ao marco, o que combinado com o congelamento no
crescimento dos salários reais estabeleceu as bases para a recuperação da
economia estadunidense por uma década e evitou a aprovação de uma
legislação protecionista que vinha sendo discutida no congresso estadunidense
tendo em vista as consequências do dólar valorizado para os produtores
estadunidenses de artigos de exportação. Foram atendidos, assim dois
interesses: do governo Reagan, que temia as consequências do protecionismo
para sua política de liberalização e desregulamentação econômica; e dos
168
europeus e japoneses, que temiam as consequências do protecionismo para o
acesso ao mercado estadunidense (Eichengreen, 2000).
É interessante perceber neste ponto que um ator fundamental neste
processo foi o G5. Tal grupo começa a ganhar relevância a partir de 1982, na
cúpula de Versailles, quando foi decidido que os ministros de finanças e
presidentes de bancos centrais de Estados Unidos, Reino Unido, Japão,
Alemanha e França deveriam se reunir periodicamente juntamente com um
representante do FMI. O ponto central de tais reuniões girava em torno do
desenvolvimento de mecanismos multilaterais de vigilância, buscando assim a
construção de políticas de convergência e estabilidade as taxas de câmbio
(Baker, 2006). No que concerne ao Acordo do Plaza, este demonstrou algo
interessante, a saber, o aprofundamento da lógica neoliberal, com uma
separação ainda maior entre as questões econômicas e as questões políticas –
sendo as primeiras deixadas a cargo de técnicos, não de políticos. É neste
sentido que se deve entender o papel pouco significativo de Bonn II para o
Acordo do Plaza.
Além disso, juntamente com a busca por “contornar a pressão da mão-de-
obra sobre a lucratividade por meio do deslocamento industrial” (Arrighi, 2008, p.
139), o acordo foi um ponto de inflexão nos investimentos externos japoneses:
se antes de 1970 eles eram baixos, com um aumento relativo a partir de 1969
para a produção de manufaturas intensivas em trabalho no Leste Asiático, entre
1985 e 1989 tais investimentos (em iene) triplicaram (Brenner, 2006). Ora, uma
vez que as moedas dos países do Leste Asiático eram vinculadas ao dólar, com
a queda deste a partir do Acordo do Plaza – associada à produtividade da mão
de obra destes países – tais países aumentaram significativamente sua
participação no mercado mundial, passando de 1,2% das exportações mundiais
em 1965 para 6,4% em 1990 (Brenner, 2006, p. 190-191). Tal questão é
fundamental para se entender os processos de reconfiguração da economia
política global a partir de meados dos anos 1980.
Além disso, a ascensão de Gorbachev ao poder na União Soviética trouxe
novos elementos para a relação Leste-Oeste: poucos meses antes da cúpula de
Tóquio (em novembro de 1985), houve uma reunião entre Gorbachev e Reagan
em Genebra – a primeira reunião entre os líderes da União Soviética e dos
Estados Unidos desde o encontro entre Carter e Brejnev em 1979. Neste
contexto, entre os dias 4 e 6 de maio de 1986 ocorreu a cúpula de Tóquio
(“Tóquio II”). Embora a reunião entre Gorbachev e Reagan tenha levado muitos
a acreditarem que o tema predominante em Tóquio seria a relação Leste-Oeste,
169
a agenda política da cúpula foi dominada pela questão do terrorismo em função
principalmente do sequestro do avião TWA em junho de 1985, em Beirute. Foi
reafirmada assim a Declaração de Bonn de 1978 contra o terrorismo bem como
a necessidade de articulação com outras instituições internacionais – como
ONU, Organização Marítima Internacional (OMI) e Organização da Aviação Civil
Internacional (OACI) – em função de sua expertise para lidar com o terrorismo
(Group of Seven, 1986a). Além disso, também foi assunto da cúpula o acidente
nuclear ocorrido em abril de 1986, em Chernobyl, com destaque para o incentivo
dado para a participação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) no
processo pós-acidente (Idem, 1986b).
No tocante às questões econômicas, ênfase foi dada no comércio
internacional. Ao contrário dos anos anteriores, em Tóquio II os chefes de
Estado estavam apoiando, de maneira geral, as articulações feitas em favor de
uma nova rodada do GATT, o que cinco meses depois se consolidaria na
Rodada Uruguai. É interessante perceber neste processo que as grandes
tensões giravam em torno da agricultura, tema este que foi deslocado para o
âmbito da OCDE (Idem, 1986c, §13). A expansão econômica e a queda da
inflação no período foram fundamentais para a manutenção da hegemonia
neoliberal em Tóquio II (Tabelas 4.6 e 4.7)16. Contudo, algumas questões
permaneciam em aberto; assim, concomitante à reunião do G7 os ministros de
finanças (G5) se reuniram em torno das questões relacionadas à política
econômica. Neste contexto, James Baker, Secretário do Tesouro dos EUA,
propôs institucionalizar os processos de coordenação de políticas econômicas
que já vinham sendo implementados desde antes do Acordo do Plaza – uma
espécie de melhora no sistema de vigilância multilateral praticado pelo G5 em
conjunto com o FMI desde Versailles (1982). Tal proposta dizia respeito
originalmente apenas ao G5; contudo, ações e articulações feitas por parte da
Itália e do Canadá levaram à sua inclusão no processo e à consequente criação
do G7 – grupo dos sete ministros de finanças (Idem, 1986, §7). Percebe-se,
assim, neste contexto um retorno à coordenação de políticas macroeconômicas,
algo que não ocorria desde Bonn (1978).
Entre os dias 8 e 10 de junho de 1987 ocorreu a cúpula de Veneza
(Veneza II), que em larga medida reafirmou elementos colocados nas cúpulas
anteriores. Tendo em vista que a economia mundial atingia o 5º ano consecutivo
16 “Desenvolvimentos desde nosso último encontro refletem a efetividade das políticas com as quais temos nos comprometido nas sucessivas cúpulas econômicas nos anos recentes” (Group of Seven, 1986c, §2).
170
de crescimento razoavelmente equilibrado (Tabela 4.6), tal reafirmação se fez
presente nas questões econômicas e em especial no que concerne ao papel do
grupo de ministros de finanças e presidentes de bancos centrais e sua relação
com o FMI – com destaque para o retorno da noção de coordenação nos
documentos das cúpulas (Group of Seven, 1987a). Visando a redução do
desemprego, em Veneza II foram acordadas certas políticas estruturais – o que
não significava o abandono de uma visão de mundo neoliberal, dada a ênfase
em políticas monetárias e fiscais prudentes e na “eliminação das imperfeições de
mercado” (Ibidem, §8). No tocante ao comércio mundial, foi reafirmado o papel
do GATT e da Rodada Uruguai para evitar o protecionismo, bem como o papel
da OCDE nos processos de negociação na área agrícola, conforme estabelecido
anteriormente em Tóquio II. Além disso, questões concernentes à dívida dos
países em desenvolvimento foram colocadas em discussão. Com relação aos
países mais pobres – como os países da África Subsaariana –, foi defendida
uma redução das taxas de juros daqueles que realmente se esforçassem na
implementação das reformas estruturais consideradas necessárias – redução
esta que deveria ser negociada no âmbito do Clube de Paris17. Além disso, foi
reafirmada a política de negociação particular de cada caso – em especial no
que concernia aos países médios – e o papel do FMI e do Banco Mundial como
interlocutores neste processo.
No tocante às questões políticas, em Veneza II foi dada grande atenção
aos desenvolvimentos políticos da URSS, desde a chegada de Gorbachev ao
poder (Idem, 1987b). No tocante à questão do terrorismo, foram reafirmados os
compromissos estabelecidos em Bonn I, Veneza I, Ottawa, Londres II e Tóquio
II, mais uma vez enfatizando o papel de certas instituições internacionais para o
êxito de tais políticas – como OMI e OACI – e reafirmando a declaração de Bonn
I sobe terrorismo e aviação civil (Idem, 1987c). Além disso, foram produzidos
documentos sobre a Guerra Irã-Iraque, sobre a questão do combate às drogas e
sobre o combate a AIDS, apontando a OMS como “o melhor fórum para o
desenvolvimento conjunto de esforços internacionais no âmbito mundial para
combater a AIDS” (Idem, 1987d).
As questões de coordenação de políticas macroeconômicas características
de Tóquio II e Veneza II remetem diretamente ao Acordo do Plaza de 1985, que
17 O Clube de Paris é um grupo informal, composto por governos em grande parte de países industrializados membros da OCDE, credores dos países em desenvolvimento. Tal grupo se reúne regularmente em Paris desde 1956, e em tais reuniões busca-se um acordo entre devedores e credores sobre a reestruturação da dívida dos países devedores.
171
teve significativas consequências para os países do G7. No segundo semestre
de 1986 o dólar apresentava uma desvalorização de 40% com relação ao iene e
ao marco, o que gerou problemas de competitividade para os produtos europeus
e japoneses. Além disso, com a desvalorização do dólar e a consequente queda
das taxas de juros o valor dos ativos estadunidenses ficou em uma situação
muito delicada. Em face de tal situação, em fevereiro de 1987 os países do G7
se reuniram no que ficou conhecido como Acordo do Louvre. Neste encontro os
Estados Unidos defendiam que Alemanha e Japão aumentassem seus gastos e
cortassem impostos e taxas de juros, o que na visão estadunidense
fortaleceriam a demanda doméstica nestes países contribuindo, assim, para a
diminuição do déficit comercial estadunidense e para fortalecimento do dólar.
Tais países, por sua vez, defendiam uma diminuição do déficit orçamentário dos
Estados Unidos, que estaria contribuindo para a elevada demanda
estadunidense por capital externo e importações. Ações neste sentido foram
tomadas e no fim de 1987, buscando conter a queda do dólar e,
consequentemente, acalmar os mercados financeiros, o Fed aumentou as taxas
de juros. Não obstante, tal ação foi neutralizada na prática por intervenções
semelhantes por parte de alemães e japoneses. Como consequência, houve
uma fuga de capitais do mercado financeiro estadunidense, o que levou à crise
de outubro de 1987 da bolsa de valores – que só foi superada no curto prazo
mediante intervenções do Fed e das autoridades japonesas (Webb, 2001;
Brenner, 2003).
É neste contexto que ocorre a cúpula de Toronto, de 19 a 21 de junho de
1988. Em tal cúpula são reafirmados os princípios e medidas adotados ao longo
dos anos 1980 com destaque para o papel da coordenação de políticas
macroeconômicas para lidar com os problemas do final de 1987 (Group of
Seven, 1988a). Além disso, também foi reafirmada a importância das políticas
aconselhadas pelo grupo de ministros de finanças e presidentes de bancos
centrais – especialmente neste caso com relação à redução dos déficits
orçamentários e de manutenção das políticas monetárias acordadas neste
âmbito. Assim como em Veneza II, ênfase foi dada na questão das reformas
estruturais no âmbito da agricultura e no papel da OCDE neste processo.
Na área política foi dado destaque ao início da retirada das tropas
soviéticas do Afeganistão. A questão do Oriente Médio também foi mencionada
e, além disso, houve nova condenação ao terrorismo na aviação civil, bem como
ao tráfico de drogas, ao conflito no Camboja e ao apartheid (Idem, 1988b;
1988c).
172
Duas outras questões merecem destaque com relação à cúpula de
Toronto. Em primeiro lugar, os avanços com relação às questões levantadas em
Veneza II no que concerne à dívida os países em desenvolvimento. Tais
avanços ficaram conhecidos como “termos de Toronto”, e enfatizavam a redução
dos juros e alagamento de prazos para países mais pobres. Não obstante,
permaneciam como fundamentais neste processo os ajustes e reformas
estruturais, orientadas para o mercado e monitorados pelo Clube de Paris, FMI e
Banco Mundial (Idem, 1988a, §22-30). Segundo, menção explícita é feita no
documento final aos países asiáticos que emergiam como novos países
industrializados na época. Tendo em vista o papel que tais países começavam a
ter na economia mundial graças à sua capacidade de competição em produtos
industrializados, começa-se a perceber a atenção dada pelo G7 a tais países.
4.5. Terceiro ciclo: 1989-1995
Um elemento central presente em todo o terceiro ciclo foi o fim da Guerra
Fria e os processos de democratização e redemocratização em curso no mundo
– com atenção especial para os países do então extinto bloco soviético –
destaque feito para a Rússia neste processo. Novas questões, como o meio-
ambiente, foram trazidas ao debate nas cúpulas e, neste contexto, as questões
econômicas que deram origem ao G7 foram colocadas à margem das
discussões – sendo deixadas para o âmbito das reuniões dos ministros de
finanças e presidentes de bancos centrais. Ao mesmo tempo, o surgimento, nas
declarações das cúpulas, do termo “globalização” aponta para o início do
discurso sobre uma globalização neoliberal inexorável.
Neste contexto, entre 14 e 16 de julho de 1989 se iniciou o terceiro ciclo
com a cúpula de Paris (“cúpula do Arco”). No tocante às questões econômicas,
dois pontos merecem destaque. Em primeiro lugar, o acordo entre os ministros
de finanças do G7 na cúpula do Arco foi fundamental para a aprovação, no
âmbito do FMI em Setembro de 1989, do Plano Brady sobre o perdão da dívida
para países altamente endividados em troca da abertura econômica (Vásquez,
1996; Bayne, 2005a). Em segundo lugar, foi anunciada a constituição, em 1989,
de um Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o
Financiamento do Terrorismo (GAFI/FATF – Financial Action Task Force ou
Groupe d’action financière), grupo este que estaria aberto para a participação de
173
outros Estados interessados (Group of Seven, 1989a, §53). Em 2007, tal grupo
contava com 34 membros (FATF-GAFI).
Em tal cúpula ênfase foi dada na questão ambiental; não obstante, um
ponto fundamental que se percebe é a importância dada às questões políticas,
como a declaração sobre os direitos humanos em geral e, em especial, na China
(Group of Seven, 1989b; 1989c), sobre a questão árabe-israelense (Idem,
1989d), a questão do Líbano (Idem, 1989e), apartheid e a África do Sul (Idem,
1989f), Camboja (Idem, 1989g), terrorismo (Idem, 1989h) e América Central
(Idem, 1989i; 1989j). Em especial, foi acordado em Paris um mecanismo de
coordenação técnica e assistência financeira para os países da Europa central
que buscavam se transformar em economias de mercado – com destaque
naquele momento para Hungria e Polônia (Idem, 1989l, §9) – com a
incorporação da OCDE neste processo no que ficou conhecido como G24
(Bayne, 2005a; Woodward, 2009). Além disso, é interessante perceber a
menção explícita aos países em desenvolvimento na declaração, que de certa
forma começa a chamar tais países para um diálogo com o sistema G7/8 (Group
of Seven, 1989a, §9).
Com a queda do muro de Berlim e o êxito do G24, as atenções foram
voltadas para a União Soviética. Assim, o tema central da cúpula de Houston, de
9 a 11 de julho de 1990, foi o processo de democratização da Europa central e
do leste e a União Soviética18. Os países da Europa central e do leste foram
incentivados a se integrarem à economia mundial, sendo dado destaque ao
papel do recém-estabelecido Banco Europeu para Reconstrução e
Desenvolvimento (EBRD), assim como do Centro para Cooperação com as
Economias Europeias em Transição da OCDE. Neste processo, foi destacada a
importância de que a liberalização para investimentos fosse colocada como
condicionalidade pelos programas dos bancos multilaterais de desenvolvimento
e do FMI voltados tanto para estes países quanto para os países em
desenvolvimento. Com relação à União Soviética, foi destacada a necessidade
do apoio ocidental às reformas que vinham sendo implementadas. Contudo, em
função de discordâncias entre os países do G7, em Houston foi apenas
acordada a necessidade de “um estudo detalhado da economia soviética, para
fazer as recomendações para sua reforma e para estabelecer os critérios a partir
dos quais a assistência econômica ocidental poderia efetivamente apoiar tais
18 Neste sentido, semelhantemente ao que havia ocorrido em Toronto (1988), foi inclusive feita uma declaração política acerca da garantia da democracia no mundo.
174
reformas” – estudo este que seria preparado por FMI, Banco Mundial, OCDE e
EBRD (Idem, 1990b, §45).
Outro tema de destaque foi o comércio internacional. Contudo, apesar da
Rodada Uruguai estar prevista para terminar em dezembro de 1990, a cúpula de
Houston não logrou êxito em seu engajamento com a questão, que permaneceu,
assim, em aberto. Foi também discutida a situação dos países em
desenvolvimento, com menção explícita à “Iniciativa para as Américas”,
anunciada pelos Estados Unidos em 27 de junho de 1990 e seu potencial para
garantir o “crescimento sustentável das Américas” através do encorajamento do
livre comércio e de regimes de investimentos (Ibidem, §52). No tocante à dívida
do terceiro mundo, foi reafirmado o papel do Clube de Paris e a necessidade que
este buscasse implementar mecanismos alternativos com relação à dívida dos
países mais pobres. As questões ambientais também foram destacadas assim
como o papel da GAFI/FATF no combate à lavagem de dinheiro. Além disso,
embora a menção explícita ao termo “globalização” só viesse ser feita em
Nápoles, 1994, em Houston há preocupação com o que seriam questões
transnacionais – neste caso, terrorismo e não-proliferação nuclear (Idem, 1990c).
As relações com a União Soviética avançaram na passagem de 1990 para
1991, e na busca por aproximá-la do ocidente, na cúpula de Londres (“Londres
III”), de 15 a 17 de julho de 1991, Gorbachev foi convidado para participar de
uma sessão com os membros do então G7. Contudo, a despeito de tal fato,
devido às reservas existentes com relação à efetividade das políticas
econômicas adotadas pela União Soviética o engajamento do G7 se deu em
larga medida em termos condicionais.
Tal convite foi de extrema relevância para a relação Leste-Oeste; não
obstante, é importante destacar o impacto da Guerra do Golfo em tal cúpula.
Neste sentido, a questão da energia voltou com renovada relevância, sendo a
AIE chamada para coordenar a ação dos Estados membros bem como o uso
das reservas de petróleo. Neste processo, menção foi feita à questão do Oriente
Médio na declaração final, além de uma declaração política, que dentre outras
questões enfatizava a necessidade de fortalecimento da ONU dado o papel de
destaque que tal organização teria nos mundo pós-Guerra Fria (Idem, 1991a) e
uma declaração sobre transferência de armas convencionais e não-proliferação
(Idem, 1991b).
Contudo, neste caso especificamente as questões ao narcotráfico e terrorismo não fizeram parte explícita do documento (Group of Seven, 1990a).
175
No início dos anos 1990 a economia dava sinais de desaceleração em
alguns países; assim, uma das questões discutidas na cúpula dizia respeito às
recomendações acerca das políticas econômicas necessárias para a retomada
do crescimento – políticas estas que tinham um caráter eminentemente
neoliberal (Idem, 1991c, §7). Não é apenas neste ponto que a dimensão
neoliberal da declaração de Londres III vem à tona. No tocante à situação dos
países da Europa central e do leste, a transição destes para se tornarem
economias de mercado é vista de maneira extremamente positiva, assim como o
fato de todos os países da Europa central e do leste – com exceção da Albânia –
serem, naquele momento, membros do FMI e do Banco Mundial. FMI e EBRD
eram vistos, assim, como fundamentais no processo de “estabilização
macroeconômica (...), privatização e reestruturação das empresas estatais,
aumento da competição e fortalecimento dos direitos de propriedade (...) [bem
como na] promoção da transição para economias abertas, orientadas para o
mercado” (Ibidem, §24).
A questão ambiental foi retomada, principalmente tendo em vista a
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
(CNUMAD ou Eco-92) que ocorreria no próximo ano. Neste sentido, a partir de
então foram iniciadas reuniões anuais entre os ministros de meio ambiente do
G7; não obstante, na medida em que as discussões se moveram de princípios
gerais para questões mais específicas bem como para os comprometimentos
mais formais, as tensões e divergências nesta área temática entre os países do
G7 começaram a aflorar. Também foi tema de discussão a questão do perdão da
dívida dos países mais pobres. Neste sentido houve certa demanda por avanços
em tal processo, com destaque para as medidas especiais com relação aos
países mais pobres – medidas estas que fossem além dos “termos de Toronto”,
o que ficou conhecido como os “termos de Londres”.
Em agosto de 1991, em função das consequências oriundas das reformas
econômicas e políticas implementadas por Mikhail Gorbachev, setores do
Partido Comunista soviético o depuseram mediante um golpe de Estado.
Contudo, em função da resistência liderada por Boris Yeltsin, tal golpe não logra
êxito e Gorbachev é restituído ao poder mas enfraquecido. Neste processo, em
dezembro de 1991 a URSS deixa de existir. Neste contexto de fim da URSS é
que ocorre, de 6 a 8 de julho de 1992, a cúpula de Munique. Nos primeiros seis
meses de 1992 a Rússia, sob o comando de Boris Yeltsin, havia se
comprometido com um ambicioso programa de reformas econômicas, voltadas
para a lógica de livre-mercado. Assim, o tema principal em Munique dizia
176
respeito à ajuda a ser dada à Rússia. Yeltsin foi então convidado para participar
da cúpula – como Gorbachev havia sido no ano anterior – e foi prometido US$24
bilhões para a Rússia via FMI, além de enfatizada a necessidade, na Rússia, de
“estabilização macroeconômica (...), privatização, reforma agrária, medidas para
promover o investimento e a competição (...)” (Idem, 1992a, §32).
Com relação aos países da Europa central e do leste foi destacado seu
processo de reforma política e econômica com vistas à integração plena na
economia mundial. Neste processo foi enfatizada a importância do G24 e das
instituições financeiras internacionais que, desde 1989, já haviam transferido
cerca de US$52 bilhões para tais países (Ibidem, §25), bem como a necessidade
do aprofundamento das relações de cooperação entre os antigos países do
bloco socialista e os países ocidentais no que concerne à não proliferação de
armas nucleares (Idem, 1992b). Outra questão política fundamental tratada em
Munique foi o processo de desintegração da Iugoslávia (a partir de 1991) e, em
especial, a Guerra da Bósnia (Idem, 1992c).
Foi dado destaque à reforma da Política Agrícola Comum da Comunidade
Europeia; contudo, mesmo assim não foi possível resolver em Munique os
impasses relacionados à questão comercial visando a conclusão da Rodada
Uruguai (Idem, 1992a, §8). Menção também foi feita à Conferência das Nações
Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD ou Eco-92) e à
necessidade do aprofundamento dos processos de cooperação na área
ambiental.
Entre 7 e 9 de julho de 1993 ocorreu a cúpula de Tóquio (“Tóquio III”).
Assim como ocorreu na cúpula anterior, um dos tópicos de maior destaque foi a
Rússia. Neste caso, ao contrário do que ocorreu na cúpula anterior – quando
parte da supracitada ajuda de US$24 bilhões foi interrompida em função de
problemas na execução do programa do FMI – as deliberações foram menos
ambiciosas, mas ainda insuficientes para promover a integração da Rússia no
mercado mundial e garantir seu crescimento econômico (Idem, 1993a, §9-11). É
fundamental perceber neste ponto um elemento central no processo de
integração da Rússia no sistema financeiro mundial: em abril de 1993, em
acordo com o Clube de Paris, a Rússia assumiu as dívidas da ex-URSS
(Storchak, 2006).
Tendo em vista o fim da Guerra Fria e os desdobramentos de tal questão
para o ordenamento político mundial, foi dada atenção aos processos de
reconstrução política pós-Guerra Fria, em especial para a situação dos países
oriundos do ex-bloco socialista e de suas relações com as instituições
177
internacionais – com destaque para o Tratado de Não-Proliferação Nuclear
(TNP). Além disso, houve referência à situação dos Bálcãs, Oriente Médio,
Camboja, Haiti e ao processo de fim do apartheid na África do Sul (Group of
Seven, 1993b).
Tabela 4.8
Desemprego (%)
1990 1991 1992 1993 1994
Estados Unidos 5,6 6,8 7,5 6,9 6,1
Canadá 8,1 10,3 11,2 11,4 10,4
Reino Unido 7 8,6 9,8 10,3 9,7
França 9,4 9,1 10,2 11,3 12,6
Alemanha - 5,3 6,3 7,7 8,7
Itália 9,8 10,1 9,3 10,2 11,1
Japão 2,1 2,1 2,2 2,5 2,9 Fonte: Banco Mundial
Embora em Munique no ano anterior as questões do crescimento
econômico e do desemprego já preocupassem – na verdade, as atenções
começam a se voltar para tais questões de maneira mais explícita, mesmo que
de uma forma ainda tímida, a partir da declaração de Londres III –, sendo
mencionadas na declaração final, em Tóquio III é possível perceber uma
intensificação de tal preocupação (Tabelas 4.6, e 4.8): logo no segundo
parágrafo da declaração econômica há menção explícita à preocupação com o
“crescimento insuficiente e criação inadequada de empregos” (Group of Seven,
1993a, §2). Como forma de solucionar tal questão foram mantidos na declaração
elementos de caráter neoliberal: “políticas macroeconômicas prudentes para
promover o crescimento sustentável não-inflacionário, e reformas estruturais
para melhorar a eficiência dos mercados, especialmente dos mercados de
trabalho”, além de destacar a importância de uma “conclusão rápida e
satisfatória da Rodada Uruguai” para a retomada do crescimento (Ibidem, §3)19.
Neste sentido, uma questão de destaque em Tóquio III diz respeito à
questão do comércio mundial. Neste ponto, o grupo quadrilateral (“Quad”) de
ministros de comércio se reuniu pouco antes da cúpula, sendo suas decisões
conjuntas confirmadas posteriormente pelos líderes na cúpula do G7 – o que foi
19 Neste sentido também foi realizada um reunião dos ministros de finanças em Tóquio para lidar com tal questão (Group of Seven, 1993c).
178
central para a conclusão da Rodada Uruguai em dezembro do mesmo ano
(Bayne, 2000 e 2005a; Ulrich, 2006). Neste processo, em função de tais
preocupações políticas e econômicas, embora a questão dos países em
desenvolvimento e do perdão de suas dívidas tenha ocupado parte da
declaração final, sua relevância desta vez foi marginal.
Entre os dias 8 e 10 de julho de 1994 ocorreu a cúpula de Nápoles. Na
passagem de 1993 para 1994 nota-se certa redução na taxa de desemprego em
alguns países do G7 bem como uma retomada no crescimento de tais países
(Tabelas 4.8 e 4.6), o que é mencionado na declaração de Nápoles como
consequência da estratégia de crescimento adotada em Tóquio III; contudo, tal
redução do desemprego ainda era baixa e não atingia a todos os países, o que
levou à reafirmação das políticas que vinham sendo adotadas desde o ano
anterior.
Nesta cúpula a questão do perdão da dívida dos países em
desenvolvimento voltou com certa relevância, naquilo que ficou conhecido como
os “termos de Nápoles”. Além disso, em uma declaração política separada foram
discutidas questões concernentes à estabilidade política mundial como um todo
– incluindo aí questões como Bósnia, Coréia do Norte, Oriente Médio, Conselho
de Segurança, TNP e ASEAN, por exemplo (Group of Seven, 1994a).
Não obstante, a despeito de tais questões, Nápoles não se destaca por
decisões substantivas tomadas, mas sim por duas iniciativas procedimentais que
teriam desdobramentos para as cúpulas posteriores. Em primeiro lugar, destaca-
se a mudança de postura com relação à Rússia, que é convidada para participar
da cúpula do G7 novamente mas desta vez não para discutir questões
relacionadas a ajuda econômica mas como participante ativo nas questões
políticas tratadas na cúpula, o que foi um marco em sua integração como
membro pleno do sistema G7/8 a partir da cúpula de Birmingham, em 1998. Em
segundo lugar, em Nápoles se inicia uma discussão sobre a revisão das
instituições internacionais – tema este que seria retomado nas cúpulas
seguintes. É neste contexto que surge, nas cúpulas do G7, o termo
“globalização”, que passa ser associado ao fim da Guerra Fria demandando tais
ajustes e revisões institucionais (Bayne, 2005a; Group of Seven, 1994b).
Tal revisão institucional continuou na cúpula seguinte, de 17 a 15 de junho
de 1995, em Halifax. O foco foi no regime monetário internacional e no sistema
ONU, estando os demais temas – como comércio, desenvolvimento, crime e
drogas, e meio ambiente – presentes mas relegados a um segundo plano.
Mesmo assim, questões relacionadas à Bósnia foram objeto de discussão, bem
179
como outras questões relacionadas à estabilidade da ordem mundial (Chrétien,
1995; Group of Seven, 1995a). É importante notar, neste contexto, o impacto da
crise do México neste processo: naquele momento, dificilmente seria possível
prever tal consequência da globalização neoliberal.
Antes da crise, o México era visto como o grande exemplo a ser seguido
pelos países “emergentes”: foi o primeiro país – em 1994 – a ser admitido na
OCDE e neste mesmo ano formou uma zona de livre-comércio com Estados
Unidos e Canadá, o NAFTA. A despeito dessas questões, no dia 20 de
Dezembro de 1994 se iniciou a débâcle mexicana: o peso perdeu cerca de 40%
de seu valor, o mercado de capitais mexicano entrou em colapso e o governo
mexicano falhou completamente em deter a fuga de capitais. Adotando à risca
as políticas de privatização, desregulação e liberalização, o México se abriu para
o capital externo. Esta política favoreceu um aumento nas exportações
mexicanas; contudo, suas importações aumentaram em um patamar ainda
maior. O resultado foi um aumento do déficit no balanço de pagamentos
mexicano de US$28 bilhões, o que na época correspondia a mais de 7% do PIB
mexicano (Went, 2000). Tal déficit era coberto pela entrada de capitais; contudo,
esse fluxo de capitais direcionados para a América Latina neste período era, em
sua maior parte, composto por capital especulativo ou fruto de privatizações.
Ora, em algum momento os bens públicos a serem privatizados terminam; por
outro lado, o capital especulativo é volátil e instável, podendo sair do país em
questão ao menor sinal de instabilidade. Essa mistura entre privatizações e
capital especulativo mostrou ser extremamente explosiva.
A crise mexicana é paradigmática na medida em que deixou às claras um
novo problema da economia global: devido à ausência de um mecanismo
regulatório que ocupasse o vácuo deixado pelos Estados em seu processo de
(neo)liberalização, uma crise em um país poderia se espalhar e atingir outros
países rapidamente. O “efeito tequila” afetou o mercado de capitais no Brasil,
Argentina e Chile, além de afetar também a cotação do real brasileiro e do dólar
americano e os preços dos títulos da Nigéria, Bulgária, Marrocos e Rússia. Daí
as razões da preocupação do G7: evitar uma crise sistêmica, evitar a bancarrota
daquele que era um exemplo a ser seguido pelos países “emergentes” e, no
caso específico dos EUA, evitar uma crise do NAFTA (Went, 2000). Assim, em
Halifax foram discutidas várias questões que tinham como objetivo evitar novas
crises como a mexicana, dentre as quais se destacam uma melhora da
regulamentação financeira, aumentar as fontes de financiamento do FMI e uma
melhor padronização dos dados econômicos dos países (Group of Seven,
180
1995b, §16)20. Tendo em vista a questão da reforma do sistema ONU, algumas
questões foram levantadas em Halifax, contudo sem um progresso significativo.
20 Para maiores detalhes, ver Group of Seven, 1995c.