12
45 4. Rede Recíproca 4.1- Definição O conceito de rede recíproca é de extrema importância para o estudo dos sólidos cristalinos. Isto ficará claro ainda neste capítulo, quando analisarmos o fenômeno de difração de raios-X por cristais, e mais ainda nos próximos capítulos. Começamos com a definição puramente matemática da rede recíproca. Considere uma rede de Bravais, definida pelo conjunto de pontos R tais que 3 3 2 2 1 1 a a a R n n n , onde a 1 , a 2 e a 3 são os vetores primitivos e n 1 , n 2 e n 3 são inteiros. Como vimos no capítulo anterior, o conjunto {R} define a periodicidade da rede de Bravais, ou seja, para cada R está associada uma operação de simetria de translação que deixa a rede invariante. Considere agora uma função “onda plana” em três dimensões, r k i e . Para um vetor de onda k genérico, esta função de onda não terá a mesma periodicidade da rede de Bravais (ou seja, não será invariante pelas mesmas operações de simetria). Mas para um conjunto discreto de vetores k = G, isto ocorrerá e estes vetores de onda G definem a rede recíproca. Portanto, a rede recíproca é o conjunto de todos os vetores de onda G tais que as correspondentes ondas planas r G i e têm a mesma periodicidade da rede de Bravais. Matematicamente, isto significa dizer que a onda plana r G i e é invariante pelas mesmas operações de simetria de translação da rede de Bravais, ou seja, r G R r G r G R i i i e e e T ) ( para todos os pontos R da rede. Assim, 1 R G i e , ou seja, m 2 R G (m inteiro). Cada rede de Bravais {R} tem sua rede recíproca {G} correspondente. A rede de Bravais é definida como um conjunto de pontos no espaço real (dimensão de [L]), enquanto que a rede recíproca é formada por um conjunto de pontos no espaço dos vetores de onda (dimensão de [1/L]), também conhecido como espaço recíproco ou espaço k. (4.1) (4.2) (4.3) (4.4)

4. Rede Recíproca

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Page 1: 4. Rede Recíproca

45

4. Rede Recíproca

4.1- Definição

O conceito de rede recíproca é de extrema importância para o estudo dos sólidos

cristalinos. Isto ficará claro ainda neste capítulo, quando analisarmos o fenômeno de

difração de raios-X por cristais, e mais ainda nos próximos capítulos.

Começamos com a definição puramente matemática da rede recíproca. Considere

uma rede de Bravais, definida pelo conjunto de pontos R tais que

332211 aaaR nnn ,

onde a1, a2 e a3 são os vetores primitivos e n1, n2 e n3 são inteiros. Como vimos no

capítulo anterior, o conjunto {R} define a periodicidade da rede de Bravais, ou seja, para

cada R está associada uma operação de simetria de translação que deixa a rede invariante.

Considere agora uma função “onda plana” em três dimensões, rkie . Para um vetor de

onda k genérico, esta função de onda não terá a mesma periodicidade da rede de Bravais

(ou seja, não será invariante pelas mesmas operações de simetria). Mas para um conjunto

discreto de vetores k = G, isto ocorrerá e estes vetores de onda G definem a rede

recíproca. Portanto, a rede recíproca é o conjunto de todos os vetores de onda G tais que

as correspondentes ondas planas rGie têm a mesma periodicidade da rede de Bravais.

Matematicamente, isto significa dizer que a onda plana rGie é invariante pelas

mesmas operações de simetria de translação da rede de Bravais, ou seja,

rGRrGrG

R

iii eeeT )(

para todos os pontos R da rede. Assim,

1RGie ,

ou seja,

m2RG (m inteiro).

Cada rede de Bravais {R} tem sua rede recíproca {G} correspondente. A rede de

Bravais é definida como um conjunto de pontos no espaço real (dimensão de [L]),

enquanto que a rede recíproca é formada por um conjunto de pontos no espaço dos

vetores de onda (dimensão de [1/L]), também conhecido como espaço recíproco ou

espaço k.

(4.1)

(4.2)

(4.3)

(4.4)

Page 2: 4. Rede Recíproca

46

Consideremos um exemplo unidimensional, onde a rede de Bravais é um conjunto

de pontos na reta, separados pelo parâmetro de rede a, como mostra a Fig. 4.1. Os pontos

da rede são simplesmente naR , onde n é inteiro. Consideremos uma onda plana real,

)(sen kx . Vemos claramente que esta onda plana só terá a mesma periodicidade da rede

para valores discretos de k. Estes são os vetores G da rede recíproca unidimensional, que

podem ser obtidos através da relação (4.4). O resultado é amG /2 , ou seja, os pontos

G também estão espaçados periodicamente ao longo da reta, com parâmetro de rede

a2 .

A rede recíproca é uma rede de Bravais. Isto pode ser mostrado construindo-se

explicitamente seus vetores primitivos. Vamos propor1 os seguintes vetores b1, b2 e b3

construídos a partir dos vetores primitivos da rede de Bravais, a1, a2 e a3:

)(2

321

32

1aaa

aab

;

)(2

321

13

2aaa

aab

;

)(2

321

21

3aaa

aab

.

Queremos mostrar que os vetores 332211 bbbG mmm satisfazem a condição (4.4).

Seja 332211 aaaR nnn um vetor qualquer da rede de Bravais. Para calcular o

produto escalar G.R, note primeiramente que

ijji 2ab ,

onde ij é o delta de Kronecker. Desta forma,

)(2 332211 mnmnmn RG .

1 Exploraremos a unicidade ou não desta proposta na lista de exercícios.

a

k = G1 = 2 / a

k = G2 = 4 / a

k = / a (não é G!)

Figura 4.1 – Uma rede unidimensional de lado a. Os vetores de onda k associados a ondas planas

com a mesma periodicidade da rede são vetores G da rede recíproca, como os dois primeiros

exemplos. A terceira onda plana não representa um vetor da rede recíproca.

(4.5)

(4.6)

(4.7)

Page 3: 4. Rede Recíproca

47

Como todos os ni e mi são inteiros, a soma dos produtos 332211 mnmnmn também é,

de modo que fica demonstrada a relação (4.4). Portanto, a rede recíproca é uma rede de

Bravais gerada a partir dos vetores primitivos bi.

Sendo a rede recíproca uma rede de Bravais, ela terá sua própria rede recíproca. A

rede recíproca da rede recíproca é a rede de Bravais original. Para verificar isto, basta

notar, através da Eq. (4.3), que o conjunto de vetores {P} que satisfaz 1GPie para

qualquer G é nada mais que o conjunto {R}. A Eq. (4.3) revela portanto uma dualidade

entre os vetores {G} e os vetores {R}.

4.2 – Exemplos

Consideremos alguns exemplos importantes. A rede recíproca da rede cúbica

simples de lado a é também uma rede cúbica simples no espaço recíproco, de lado a2 .

Isto vem trivialmente da construção dos vetores primitivos (4.5).

Para encontrarmos a rede recíproca da rede fcc, formada a partir dos vetores

primitivos da Eq. (3.3), aplicamos a esses vetores a construção (4.5). O resultado é

)ˆˆˆ(2

141 zyxb

a

; )ˆˆˆ(

2

142 zyxb

a

; )ˆˆˆ(

2

143 zyxb

a

Estes são os vetores primitivos de uma rede bcc de parâmetro de rede a4 . A recíproca

da rede fcc é portanto a rede bcc.

Para acharmos a rede recíproca da rede bcc, basta usarmos o fato que a rede

recíproca da rede recíproca é a rede original. Assim, se a rede recíproca da rede fcc é uma

rede bcc, a rede recíproca de uma rede bcc de lado a tem que ser uma rede fcc, de

parâmetro de rede igual a a4 .

A rede recíproca da rede de Bravais hexagonal é também uma rede hexagonal no

espaço recíproco, porém com os eixos girados por 30o em relação aos eixos da rede

original. Isto será mostrado na lista de problemas.

A célula primitiva de Wigner-Seitz de uma rede recíproca é de grande

importância no estudo dos estados eletrônicos em sólidos periódicos. Isto será visto com

mais detalhe no próximo capítulo. Por ora, diremos apenas que esta importância é

reconhecida com um nome especial: primeira zona de Brillouin. Desta forma, a

primeira zona de Brillouin da rede fcc é a célula de Wigner-Seitz da rede bcc, ou seja, o

octaedro truncado da Fig. 3.9. De maneira semelhante, a primeira zona de Brillouin da

rede bcc é o dodecaedro rômbico da Fig. 3.9. A Fig.4.2 mostra a primeira zona de

Brillouin de uma rede quadrada em duas dimensões.

(4.8)

Page 4: 4. Rede Recíproca

48

Figura 4.2 - A região sombreada mostra a primeira zona de Brillouin de uma rede quadrada em 2D. Os

pontos indicam os vetores da rede recíproca.

4.3 – Planos Cristalinos e Índices de Miller

Os pontos de uma rede de Bravais podem ser agrupados em planos cristalinos.

Define-se um plano cristalino como o plano que contém ao menos 3 pontos não

colineares da rede. Pode-se verificar facilmente que, se isto acontece, o plano contém não

apenas três, mas infinitos pontos2. Uma família de planos cristalinos é um conjunto de

planos cristalinos paralelos que juntos contêm todos os pontos da rede. Exemplos de

famílias de planos cristalinos estão mostrados para a rede quadrada na Fig. 4.3.

Há uma estreita conexão entre as famílias de planos cristalinos e os vetores G da

rede recíproca. Esta conexão será explorada extensivamente quando discutirmos a teoria

de difração de raios-X por cristais, e pode ser expressa pelos seguintes teoremas:

2 Para isto basta considerar as infinitas translações por vetores da rede definidos pela diferença entre as

posições dos três pontos originais.

Figura 4.3 – Três famílias distintas de planos cristalinos da rede quadrada bidimensional.

Page 5: 4. Rede Recíproca

49

1. Para cada família de planos separados por uma distância d, há uma família de

vetores G da rede recíproca perpendiculares aos planos, todos múltiplos

inteiros de um vetor de menor comprimento Gmin, cujo módulo é d2 .

2. E vice-versa, ou seja, para cada família de vetores G paralelos, múltiplos

inteiros de um Gmin de módulo d2 , há uma família de planos cristalinos

normais aos vetores G.

A demonstração rigorosa destes teoremas se encontra nos livros-texto3. Optamos

por mostrar um exemplo bidimensional (novamente a rede quadrada) que ilustra o

primeiro teorema. Considere a família de planos mostrada na Fig. 4.4 e os vetores G,

múltiplos de Gmin (na figura mostramos apenas dois deles). Note que as ondas planas

associadas a estes vetores de onda têm a periodicidade da rede, mas isto não aconteceria

para um vetor G de módulo menor que d2 .

Esta relação entre os vetores G e as famílias de planos cristalinos faz com que

possamos utilizar estes vetores para classificar os diferentes planos. Assim, os índices de

Miller (h, k, l) de uma família de planos cristalinos são simplesmente as coordenadas do

vetor Gmin em termos dos vetores primitivos da rede recíproca:

321min bbbG lkh .

Os índices de Miller podem também ser interpretados no espaço real. Dada uma

família de planos cristalinos é sempre possível encontrar um elemento desta família que

passe pela origem e outro que “corte” os vetores primitivos da rede de Bravais ai, como

mostra a Fig. 4.5 (a menos que os planos sejam paralelos aos vetores). Como a distância

3 Por exemplo, Ashcroft, p. 90.

Figura 4.4 – Planos cristalinos separados por uma distância d e dois vetores G pertencentes à família

de vetores perpendiculares aos planos. Note que o vetor Gmin tem realmente o menor módulo:

qualquer onda plana de frequência espacial menor que esta não terá a periodicidade da rede

(4.8)

G = 2Gmin

d

Gmin |Gmin| = 2 / d

Page 6: 4. Rede Recíproca

50

entre os dois planos vale d, o segundo plano é definido pela equação 2min rG . Pode-

se mostrar (verifique!) que este plano corta os vetores primitivos a1, a2 e a3 nas posições

11ax , 22ax e

33ax respectivamente, onde h

x1

1 , k

x1

2 e l

x1

3 . Assim, os índices h,

k e l são inversamente proporcionais aos números x1, x2 e x3, respectivamente.

4.4 – Lei de Bragg

Raios-X são difratados por cristais porque são ondas eletromagnéticas com

comprimento de onda da mesma ordem das distâncias interatômicas (~10-10

m = 1 Å).

Em 1915, W. H. Bragg (pai) e W. L. Bragg (filho) ganharam o Nobel de Física por terem

desenvolvido um método prático de utilização do fenômeno de difração de raios-X

como instrumento de análise estrutural de materiais. Esta descoberta foi de grande

importância para o nascimento da Física do Estado Sólido.

A explicação dos Bragg para o fenômeno de difração de raios-X está ilustrada na

Fig. 4.6. Supõe-se que a radiação eletromagnética é refletida de forma especular (com o

ângulo de incidência igual ao de reflexão) pelos planos cristalinos. A condição para

interferência construtiva é que a diferença de caminho ótico entre dois raios seja igual a

um múltiplo inteiro do comprimento de onda, de forma que

nsend 2 .

Figura 4.5 – Definição dos índices de Miller no espaço real. A figura mostra os dois planos que são

usados na definição dos índices de Miller, um que passa pela origem e outro que corta os vetores

primitivos.

d

d sen

(4.9)

Figura 4.6 – Explicação de Bragg para o fenômeno de difração de radiação ondulatória por cristais.

a1

a3

a2

x1a1

x2a2

x3a3

0

Page 7: 4. Rede Recíproca

51

Esta é a chamada lei de Bragg para difração em cristais. A lei de Bragg

relaciona os ângulos de interferência construtiva com parâmetros geométricos

microscópicos de cristais. Representa, portanto, um instrumento extremamente útil para a

análise estrutural de sólidos através dos espectros de difração. A Fig. 4.7 mostra um

espectro de difração de raios-X para um cristal de KBr. Note que a interferência

construtiva ocorre para ângulos de espalhamento muito específicos, e a cada um dos

picos podemos associar uma distância interplanar de acordo com a Eq. (4.9) (os

respectivos planos cristalinos estão indicados também na figura).

Figura 4.7 – Espectro de difração de raios-X para um cristal de KBr (Fonte: Kittel, 8ª edição, p. 42).

4.5- Condição de Von Laue

Como diz Kittel em seu livro, a argumentação dos Bragg de que os raios-X são

refletidos especularmente pelos planos cristalinos é “convincente apenas porque reproduz

o resultado correto”4. De fato, fisicamente, quem espalha a radiação eletromagnética são

os elétrons, e não necessariamente os planos cristalinos representam superfícies onde a

densidade eletrônica é alta. Nesta seção apresentaremos uma derivação mais rigorosa da

condição de interferência construtiva.

Consideremos uma amostra cristalina de volume V, mostrada na Fig. 4.8. Supõe-

se que haja um feixe de raios-X incidente com vetor de onda k e que seja espalhado pelo

cristal em todas as direções. Deseja-se encontrar as direções k de espalhamento elástico

para as quais existe interferência construtiva.

4 Kittel, p. 29.

Page 8: 4. Rede Recíproca

52

Como dissemos, o espalhamento é feito pelos elétrons, de modo que é razoável

supor que a amplitude de espalhamento a partir de um certo volume dV localizados na

posição r seja proporcional a n(r)dV. Além disso, a interferência entre a radiação

espalhada entre pontos separados por um vetor r dá origem, como mostra a figura, a um

fator de fase rkrkk ii ee )( , onde kkk é a diferença entre os vetores de onda

espalhado e incidente. A amplitude de espalhamento F é, portanto,

rk

rkkiendVF )(),(

Agora a condição de periodicidade cristalina é imposta à densidade de elétrons:

)()( Rrr nn . Sob esta condição, é simples verificar que a expansão de Fourier de n(r)

contém apenas os vetores de onda G da rede recíproca5, de modo que

rG

G

Gr ienn )( ,

onde os coeficientes de Fourier, nG, são obtidos a partir da transformada inversa

célula

i

cel

endVv

n rG

G r)(1

.

Substituindo-se n(r) na expressão (4.10) para a amplitude de espalhamento,

obtém-se

kG

G

G

rkG

G

Gkk

,

)(),( VnedVnF i ,

5 Uma boa revisão sobre expansões de Fourier de funções periódicas está no Apêndice D do Ashcroft.

r

k

k’

k’

k

V

Figura 4.8 – Condição de Von Laue para interferência construtiva. O ângulo da diferença de fase da

radiação espalhada entre pontos separados por r é krsen + k’rsen’ = (k – k’).r .

(4.10)

(4.11)

(4.12)

(4.13)

Page 9: 4. Rede Recíproca

53

de onde se tira imediatamente a condição de Von Laue:

Gk ,

ou seja, haverá espalhamento com interferência construtiva apenas quando o vetor de

onda espalhado diferir do vetor de onda incidente por um vetor da rede recíproca. A

condição de Von Laue representa a primeira de muitas aplicações práticas do conceito de

rede recíproca, que apresentamos no início deste capítulo de forma puramente abstrata.

Pode-se mostrar que a condição de Von Laue e a Lei de Bragg são descrições

equivalentes do fenômeno de difração de ondas por cristais. Partindo da condição de Von

Laue e usando o fato de que o espalhamento é elástico (|k| = |k’|), temos

2222 22 GGkk GkGkGkk .

Esta equação exprime uma relação geométrica mostrada na Fig. 4.9, se lembrarmos que

todo e qualquer vetor G é um múltiplo inteiro de um vetor Gmin de módulo d2 , onde d

é a distância entre os planos de uma família de planos perpendiculares a G.

A partir da Fig. 4.8, e da Eq. (4.15), temos

2

2222

d

nsen

d

n

,

que dá

sendn 2 ,

ou seja, a lei de Bragg.

(4.14)

(4.15)

d

G = nGmin k

Gmin = 2 / d

Figura 4.9 – Equivalência geométrica entre a Lei de Bragg e a condição de Von Laue.

(4.16)

(4.17)

Page 10: 4. Rede Recíproca

54

4.6 - Influência da base

Para obtermos a condição de Von Laue, levamos em conta apenas a periodicidade

da rede, ou seja, o fato de que toda estrutura cristalina é construída a partir de uma rede

de Bravais subjacente. Mas, como veremos a seguir, a base, ou seja, o arranjo geométrico

dos átomos dentro de uma célula unitária, pode ter efeitos importantes na difração,

determinando a intensidade relativa entre os picos de difração ou mesmo eliminando

alguns destes.

A partir da Eq. (4.13), a amplitude associada a um pico de difração que satisfaz a

condição de Von Laue para um vetor G específico é

célula

i

cel

endVv

VVnF rG

GG r)( .

Considerando um cristal composto por N células unitárias, temosGG SNF , onde

célula

iendVS rG

G r)( ,

é o chamado fator de estrutura (nada mais que a transformada de Fourier de n(r), a

menos de uma constante).

Suponhamos agora que a densidade eletrônica n(r) pode ser decomposta em uma

soma sob contribuições de todos os átomos do cristal

)()(1

atN

j

jjnn rrr ,

onde Nat é o número total de átomos do cristal. Note que as densidades “atômicas”, nj,

estão centradas nas posições atômicas rj6. Substituindo esta expressão na fórmula para

SG, obtém-se

GrGrG

G rri

N

j célula

j

ii

j

N

j célula

j endVeendVSat

j

at

)()(11

.

Sabendo que 1 RGie , e usando o argumento descrito na Fig. 4.10, pode-se escrever SG

de forma ligeiramente diferente:

6 Na verdade, a decomposição de n(r) em contribuições atômicas não é única, pois não se pode associar

unicamente os elétrons na região entre os átomos (região intersticial) a seus átomos de origem. O caso dos

metais alcalinos ou dos sistemas covalentes é bem representativo desta dificuldade. De qualquer forma, isto

não tem relevância na discussão subsequente.

(4.18)

(4.20)

(4.21)

(4.19)

Page 11: 4. Rede Recíproca

55

GrG

G

is

j

espaçotodo

j

iendVeS j )(

1

,

onde o somatório agora é sobre os s átomos contidos em uma célula unitária e a integral é

em todo o espaço.

Definindo-se o fator de forma atômica, fj, como

G

Gi

jj endVf )()( ,

temos

s

j

i

jjefS

1

)(rG

G G

Note o significado físico da equação (4.24). Ela exprime o fator de estrutura (que

é basicamente a amplitude de espalhamento para um dado G) como uma interferência

entre amplitudes espalhadas pelos átomos da base: fj, que depende apenas do tipo de

átomo, pode ser visto como uma amplitude de espalhamento atômica e jie

rG é um termo

de interferência.

Vejamos um exemplo de aplicação da expressão (4.24) na determinação da

intensidade relativa entre picos de difração. Tomemos um cristal de silício, que se

cristaliza na estrutura do diamante, definida por uma rede fcc de vetores primitivos

)ˆˆ(21 zya a , )ˆˆ(

22 zxa a e )ˆˆ(23 xya a e por dois átomos idênticos na base, em

posições 0 e )ˆˆˆ(4

zyx a . A rede recíproca, como vimos anteriormente, é bcc de lado

a4 :

(4.22)

Figura 4.10 – A soma sob todas as células da integral em uma célula da densidade atômica é igual à

integral por todo o espaço.

(4.23)

(4.23)

(4.24)

Page 12: 4. Rede Recíproca

56

)ˆˆˆ(2

1 zyxb a

, )ˆˆˆ(

22 zyxb

a

, )ˆˆˆ(

23 zyxb

a

.

A partir dos vetores da rede recíproca,332211 bbbG nnn , e sendo fSi(G) o

fator de forma atômica do Si, temos, a partir da equação (4.24),

)(

2exp1)( 321Si nnnifS

GG .

Assim, diferentes vetores G terão amplitudes de espalhamento diferentes, dependendo

dos valores de n1, n2 e n3:

...,6,2 se 0,

ímpar se),1)((

...,8,4,0 se ,)(2

321

321Si

321Si

nnn

nnnif

nnnf

S G

G

G .

A intensidade de espalhamento é proporcional a 2

GS . Note portanto que a

intensidade de espalhamento é nula para alguns vetores da rede recíproca. Isto é

consequência direta da interferência destrutiva entre os átomos da base.

O que você esperaria que acontecesse para um cristal de GaAs?

Referências:

- Ashcroft, Caps. 5 e 6.

- Kittel, Cap. 2.

(4.25)

(4.26)

(4.27)