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A DISLEXIA É UMA DIFICULDADE NA LEITURA, ESCRITA E SOLETRAÇÃO DE PALAVRAS, FRASES E TEXTOS A DISLEXIA É UMA DIFICULDADE NA LEITURA, ESCRITA E SOLETRAÇÃO DE PALAVRAS, FRASES E TEXTOS Especialistas interpretam o mundo de quem convive com a dislexia, o transtorno da fala e da escrita que atinge cerca de 15 milhões brasileiros. Em geral, são pessoas com um nível de inteligência acima do normal Helio P. Leite 10.06.2010 Desde os 4 anos de idade, o pequeno Kenzo Lima, hoje com 10, apresentava algumas difi- culdades que preocupavam sua família. A fala do menino era confusa e quando ele ingressou na escola não conseguia identificar as letras. O servidor público Hiroshi Plácido, 39 anos, teve a certeza de que algo realmente estava errado quando notou que o filho se isolava cada dia mais. “Ele também não tinha êxito na escrita e passou a evitar a escola, chorava e pedia para não ir. Buscamos ajuda especializada para entender o que se passava. O diagnóstico não deixou dúvida: Kenzo sofria de dislexia. Foi um grande susto porque não sabíamos do que se tratava e não tínhamos a mínima ideia de como ajudá-lo a superar os entraves que atrapalhavam seu desenvolvimento”, relata Hiroshi. A dislexia é uma dificuldade na leitura, escrita e soletração de palavras, frases e textos que pode comprometer seriamente a evolução escolar de crianças acometidas pelo distúrbio (veja infografia). Normalmente, o disléxico tem atraso na aquisição da linguagem, é propenso a trocar letras na hora de falar, apresenta dificuldades em assimilar as cores, números em sequência e memorização de músicas. A aversão a livros e a tudo rela- cionado à escrita é inevitável, pois, para os disléxicos, essa representação da linguagem nada mais é do que uma grande sopa de letrinhas. A fonoaudióloga Alice Sumihara explica que o transtorno pode ser diagnosticado somente de- pois da alfabetização. Para confirmar um caso de dislexia é preciso uma investigação criteriosa realizada por uma equipe multidiciplinar composta por psicólogo, psicopedagogo e fonoaudiól- ogo. O diagnóstico é fechado depois da exclusão de outros fatores, como deficit intelectual, disfunções ou deficiências auditivas e visuais, lesões cerebrais congênitas ou adquiridas e desordens afetivas anteriores ao processo de fracasso escolar. No Brasil existem, em média, 15 milhões de crianças e jovens com dislexia. 1 / 3

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A DISLEXIA É UMA DIFICULDADE NA LEITURA, ESCRITA E SOLETRAÇÃO DE PALAVRAS, FRASES E TEXTOS

A DISLEXIA É UMA DIFICULDADE NA LEITURA, ESCRITA E SOLETRAÇÃO DEPALAVRAS, FRASES E TEXTOS

Especialistas interpretam o mundo de quem convive com a dislexia, o transtorno da falae da escrita que atinge cerca de 15 milhões brasileiros. Em geral, são pessoas com umnível de inteligência acima do normal

Helio P. Leite

10.06.2010

Desde os 4 anos de idade, o pequeno Kenzo Lima, hoje com 10, apresentava algumas difi-culdades que preocupavam sua família. A fala do menino era confusa e quando ele ingressou na escola não conseguia identificar as letras. O servidor público Hiroshi Plácido, 39 anos, teve a certeza de que algo realmente estava errado quando notou que o filho se isolava cada dia mais. “Ele também não tinha êxito na escrita e passou a evitar a escola, chorava e pedia para não ir. Buscamos ajuda especializada para entender o que se passava. O diagnóstico não deixou dúvida: Kenzo sofria de dislexia. Foi um grande susto porque não sabíamos do que se tratava e não tínhamos a mínima ideia de como ajudá-lo a superar os entraves que atrapalhavam seu desenvolvimento”, relata Hiroshi. A dislexia é uma dificuldade na leitura, escrita e soletração de palavras, frases e textos que pode comprometer seriamente a evolução escolar de crianças acometidas pelo distúrbio (veja infografia). Normalmente, o disléxico tem atraso na aquisição da linguagem, é propenso a trocar letras na hora de falar, apresenta dificuldades em assimilar as cores, números em sequência e memorização de músicas. A aversão a livros e a tudo rela-cionado à escrita é inevitável, pois, para os disléxicos, essa representação da linguagem nada mais é do que uma grande sopa de letrinhas.

A fonoaudióloga Alice Sumihara explica que o transtorno pode ser diagnosticado somente de-pois da alfabetização. Para confirmar um caso de dislexia é preciso uma investigação criteriosa realizada por uma equipe multidiciplinar composta por psicólogo, psicopedagogo e fonoaudiól-ogo. O diagnóstico é fechado depois da exclusão de outros fatores, como deficit intelectual, disfunções ou deficiências auditivas e visuais, lesões cerebrais congênitas ou adquiridas e desordens afetivas anteriores ao processo de fracasso escolar. No Brasil existem, em média, 15 milhões de crianças e jovens com dislexia.

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Não existe um padrão, mas as vítimas desse distúrbio geralmente são excelentes em artesplásticas, música, matemática. O nível de inteligência é, no mínimo, na mesma média apre-sentada pela população em geral. “Albert Einstein, físico alemão que propôs a teoria da rel-atividade e conquistou o Prêmio Nobel de Física em 1921, era disléxico. Em anos de exper-iência, nunca avaliei um disléxico que não tivesse uma inteligência superior”, garante Alice Sumihara, que também é psicóloga.

Autoestima A dislexia pode variar de leve à severa. “Em casos raros, a pessoa jamais conseguirá seralfabetizada. Já nas situações em que ela se apresenta de forma moderada ou leve, desde queacompanhados e tratados, os disléxicos conseguem desenvolver mecanismos para driblar asdificuldades e levar uma vida acadêmica normal. Muitos se formam e são profissionaisextremamente bem-sucedidos”, garante.

Ao tomar conhecimento dos sintomas da dislexia no filho, Hiroshi viu um filme passar em suacabeça. “Percebi que Kenzo, em um grau mais severo, apresentava as mesmas dificuldades que eu tive quando criança. Passei maus bocados porque não conseguia ler, entender e interpretar textos. Com os números, sempre me dei muito bem, mas era tachado de atrasado porque não conseguia acompanhar a turma nas outras disciplinas”, relata. As dificuldades foram superadas pela persistência. Hiroshi acabou desenvolvendo habilidades para se adaptar ao transtorno e o ensino médio foi feito com menos traumas.

No entanto, independentemente do grau em que se apresenta, a dislexia sempre abala acriança psicologicamente. “É tudo muito confuso para a vítima desse transtorno. Os disléxicostêm baixa autoestima, julgam que são incapazes e fogem de tudo relacionado à escrita. Aomesmo tempo, eles desenvolvem outras habilidades muito bem e entram em conflito por contadisso”, explica a psicóloga infantil Vânia Jughartha Bonna.

Eles precisam de muita atenção

A ciência pouco sabe sobre a dislexia. Por enquanto, estudos evidenciam que o problema éhereditário, mas nada foi comprovado sobre alterações fisiológicas no cérebro dessas pessoas.“Na verdade, o caminho percorrido para a decodificação do processo de leitura no cérebro éque é diferente para os disléxicos”, completa Vânia. Não existem ainda exames específicos que detectam o problema, o que contribui para a demora em fechar o diagnóstico.

Alguns pais se sentem perdidos. Foi o que aconteceu com a corretora de seguros AndreiaSilva de Mesquita, 33 anos. O filho dela era disperso e chegou a rasgar os cadernos diversas

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A DISLEXIA É UMA DIFICULDADE NA LEITURA, ESCRITA E SOLETRAÇÃO DE PALAVRAS, FRASES E TEXTOSQui, 10 de Junho de 2010 17:00 -

vezes. “Bruno não aprendia ler e escrever. Fiquei desesperada porque os professores daescola não conseguiam ajudá-lo. Cheguei a imaginar que ele tinha algum transtorno grave epor dois anos procurei vários neurologistas. Mas a dislexia foi diagnosticada por umafonoaudióloga especialista nesse problema”, conta.

Volta por cima A partir daí, Bruno passou a ser acompanhado por Alice Sumihara e hoje já está no 4º ano doensino fundamental. “Ele ainda troca algumas letras e precisa fazer provas orais, mas temmelhorado muito e até gosta de ir para a escola. Eu também precisei aprender a lidar com asdificuldades dele”, explica Andreia. O entendimento dos pais e educadores sobre a dislexia éfundamental para a superação dos entraves comuns a esse transtorno.

A dislexia não é uma doença, mas precisa ser tratada por profissionais especializados na área.Alice observa que de 10% a 17% da população têm esse distúrbio. “Em uma classe de 30alunos, pelo menos três apresentam algum grau de dislexia. Já vi casos de alunos de 15 anosque ainda estão no 2º ano do ensino fundamental”, lamenta. O tratamento é individualizado e aavaliação bem feita é que orientará os exercícios que facilitam a leitura, a escrita e o entendi-mento. “Especialistas no problema apresentam ferramentas que auxiliam a criança a encontrar o caminho para seu desenvolvimento acadêmico”, completa Vânia.

Márcia Neri

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