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64 1. CAPÍTULO 4 HIDROGEOLOGIA 4.1 Esboço do balanço hidrológico global Na presente secção, ir-se-ão definir números globais que intervêm no ciclo hidrológico e que afectam o sistema aquífero. O balanço hídrico não é mais do que a aplicação do princípio de conservação de massa a uma região definida por determinadas condições de contorno (Custódio e Llamas, 1976). Para uma dada região, com um volume conhecido e durante um certo período de tempo, a diferença entre o volume de entradas e o total de saídas de água do sistema deve ser igual à variação positiva ou negativa do armazenamento. O balanço hidrológico foi utilizado com o intuito de estimar a recarga do aquífero. O balanço hidrológico pode ser definido pela equação (Eq. 4.1): P = EVR + EXC ± ∆A (Eq. 4.1) onde: P – precipitação; EVR – evapotranspiração real; EXC – excedentes; A – variação de reserva de água no solo. Utilizaram-se as equações do balanço hidrológico de forma sequencial. A metodologia usada pode ser consultada em Lencastre e Franco (1984) ou em Custódio e Llamas (1976). Os dados de precipitação, temperatura e evaporação foram usados de modo a estabelecer-se o cálculo de conservação de massa (isto é, o balanço hidrológico). Os dados médios de insolação utilizados correspondem à estação da Serra do Pilar (Porto), para o período de 1961-1990. Embora não correspondam à estação meteorológica de Luzim, dado que ambas se situam à mesma latitude não há qualquer problema em considerar os ditos valores. Estes valores estão de acordo com os dados publicados pela Direcção Geral do Ambiente (2001).

4.1 Esboço do balanço hidrológico global - LNEG · 66 escoamento superficial (ESC) foi calculado segundo a regra de Thornthwaite e Mather (Lencastre e Franco, 1984). Tabela 4.2

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1. CAPÍTULO 4

HIDROGEOLOGIA

4.1 Esboço do balanço hidrológico global

Na presente secção, ir-se-ão definir números globais que intervêm no ciclo

hidrológico e que afectam o sistema aquífero. O balanço hídrico não é mais do que a

aplicação do princípio de conservação de massa a uma região definida por determinadas

condições de contorno (Custódio e Llamas, 1976). Para uma dada região, com um volume

conhecido e durante um certo período de tempo, a diferença entre o volume de entradas e o

total de saídas de água do sistema deve ser igual à variação positiva ou negativa do

armazenamento.

O balanço hidrológico foi utilizado com o intuito de estimar a recarga do aquífero. O

balanço hidrológico pode ser definido pela equação (Eq. 4.1):

P = EVR + EXC ± ∆A (Eq. 4.1)

onde:

P – precipitação; EVR – evapotranspiração real; EXC – excedentes; ∆A – variação de reserva de água no solo.

Utilizaram-se as equações do balanço hidrológico de forma sequencial. A metodologia

usada pode ser consultada em Lencastre e Franco (1984) ou em Custódio e Llamas (1976).

Os dados de precipitação, temperatura e evaporação foram usados de modo a

estabelecer-se o cálculo de conservação de massa (isto é, o balanço hidrológico).

Os dados médios de insolação utilizados correspondem à estação da Serra do Pilar

(Porto), para o período de 1961-1990. Embora não correspondam à estação meteorológica

de Luzim, dado que ambas se situam à mesma latitude não há qualquer problema em

considerar os ditos valores. Estes valores estão de acordo com os dados publicados pela

Direcção Geral do Ambiente (2001).

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Os métodos de Penman e Thornthwaite foram aplicados para calcular a

evapotranspiração potencial. Comparando os dois métodos, pode-se observar que o método

de Thornthwaite estima valores de evapotranspiração potencial mais baixos para o período

de Inverno e mais altos para o período de Verão.

O valor da capacidade de campo utilizado foi de 100 mm. Este foi escolhido após

consulta bibliográfica (Mendes e Bettencourt, 1980; ECD, 1995) e por ser aquele que permite

obter resultados considerados mais credíveis.

Assumindo o início do ano hidrológico a partir de Outubro, onde se prevê que o

volume de água cedido pelo solo seja nulo, elaborou-se o balanço hidrológico sequencial

mensal, segundo o método de Thornthwaite modificado, para o período compreendido entre

1994 e 2004 (Tabela 4.1).

Tabela 4.1 Balanço hidrológico sequencial mensal para a estação de Luzim (1994 – 2004) segundo o método de Thornthwaite modificado, com os valores estimados de evapotranspiração potencial pelos métodos de Thornthwaite e Penman

Out. Nov Dez Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Anual

P 170 201 216 227 83 99 144 110 30 19 42 79 1420

(usando valores de evapotranspiração potencial calculados segundo o método de Penman)

ETP 32,0 24,0 21,0 20,0 25,0 52,0 53,0 54,0 74,0 77,0 73,0 50,0 555,0

P-ETP 138,0 177,0 195,0 207,0 58,0 47,0 91,0 56,0 -44,0 -58,0 -31,0 29,0

PA -44,0 -102,0 -133,0

AS 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 64,4 36,1 26,4 55,4 982,4

ETR 32,0 24,0 21,0 20,0 25,0 52,0 53,0 54,0 65,6 47,3 51,6 50,0 495,6

D 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 8,4 29,7 21,4 0,0 59,4

EXC 93,4 177,0 195,0 207,0 58,0 47,0 91,0 56,0 0,0 0,0 0,0 0,0 924,4

(usando valores de evapotranspiração potencial calculados segundo o método de Thornthwaite)

ETP 33,0 15,0 9,0 9,0 11,0 24,0 28,0 48,0 67,0 85,0 83,0 51,0 463,0

P-ETP 137,0 186,0 207,0 218,0 72,0 75,0 116,0 62,0 -37,0 -66,0 -41,0 28,0

PA -37,0 -103,0 -144,0

AS 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 69,1 35,7 23,7 51,7

ETR 33,0 15,0 9,0 9,0 11,0 24,0 28,0 48,0 60,9 52,4 54,0 51,0 395,3

D 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0 6,1 32,6 29,0 0,0 67,7

EXC 88,7 186,0 207,0 218,0 72,0 75,0 116,0 62,0 0,0 0,0 0,0 0,0 1024,7

Legenda: P - Precipitação D - Deficit Hídrico EXC - Excedente hídrico

ETP - Evapotranspiração potencial mensal

PA -perda potencial de água acumulada desde o início do período seco

ETR - Evapotranspiração real mensal

AS - Água armazenada no solo

Os valores anuais obtidos para a evapotranspiração real e o escoamento global,

calculados através do balanço hidrológico ao nível do solo, são apresentados na tabela 4.2. O

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escoamento superficial (ESC) foi calculado segundo a regra de Thornthwaite e Mather

(Lencastre e Franco, 1984).

Tabela 4.2 Valores anuais obtidos através do balanço hidrológico ao nível do solo (estação de Luzim)

Método Evapotranspiração real (mm)

Défice hídrico (mm)

Excedentes (mm)

Escoamento superficial

(ESC) (mm)

Penman 495,6 59,4 924,4 857 Thorntwaite 395,3 67,7 1024,7 943

Uma vez que é a partir dos excedentes que existe infiltração ou escoamento

superficial é possível, a partir da equação anterior, estabelecer a relação (Eq. 4.2):

EXC = ESC + infiltração (Eq. 4.2)

Assim, o volume de excedentes que se infiltra vai variar entre 67 e 82 mm/ano

(4,7% e 5,8% da precipitação anual), conforme sejam usados os dados de

evapotranspiração de Penman ou de Thornthwaite. Tendo em consideração que se está

numa zona de grandes declives, por vezes, com coberturas argilosas, os valores estimados

parecem correctos.

4.2 Inventário hidrogeológico

Uma das etapas fundamentais num estudo hidrogeológico é a execução do

denominado Inventário Hidrogeológico (s.l.). Este inventário consiste na localização de todas

as nascentes, poços, fontes, furos e minas de água existentes em determinada região, isto é,

de pontos de água e obtenção de informação de carácter hidrogeológico em cada um deles

(perfil litológico ou situação geológica da captação; posição do nível piezométrico;

características químicas da água extraída; volume de água utilizado por unidade de tempo;

evolução temporal de alguns dados anteriores; posição geográfica de cada ponto de água;

uso da água, estado de conservação da captação; etc…). A grande vantagem do inventário

hidrogeológico é o de ser um dos meios mais eficientes de recolha de informação das

características hidrogeológicas de uma região sem grandes custos económicos.

A região abrangida pelo inventário hidrogeológico (Figura 4.1), neste trabalho, incluiu

toda a área onde se encontram as descargas e escombreiras da mina de Germunde.

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Figura 4.1 Localização das captações abrangidas pelo inventário hidrogeológico

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(Figura 4.2 e Figura 4.3) e também locais onde, provavelmente, não se observava poluição,

a fim de servirem de referência padrão do carácter químico da água (Figura 4.4).

Figura 4.2 Aspecto geral da escombreira e local onde foram efectuadas as amostragens de água da mesma

Figura 4.3 Descarga de mina (M1). Aspecto interior e exterior

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Figura 4.4 Pontos de amostragem F18 e F14

Para além disso, foram inseridos 4 pontos de observação de águas superficiais (dois

no Rio Douro, um no Rio Arda e um na ribeira da Murteira).

No total, foram inventariados 17 furos, 10 nascentes, 5 poços e 4 descargas mineiras

(Anexo B) As profundidades dos furos variam entre 20 e 80 m, enquanto que nos poços

varia entre 5 e 16 m. A água subterrânea é utilizada, essencialmente, na rega de pequenas

hortas e jardins. Por vezes, é também usada na lavagem de roupas e dos espaços exteriores

das habitações. No entanto, devido ao teor de ferro das águas, esta prática foi sendo,

progressivamente, abandonada.

Foram efectuadas medições, in situ, dos seguintes parâmetros: pH, temperatura e

potencial redox (através de um aparelho de marca WTW, modelo pH91), condutividade

eléctrica e TDS (condutivímetro da marca HACH). Sempre que foi possível o acesso aos

furos, mediu-se o nível de água através de uma sonda manual, de escala centimétrica, da

marca SEBA.

Posteriormente, seleccionaram-se para monitorização química, após análise criteriosa

dos dados (de campo e de gabinete), alguns dos pontos de água que se encontram

inventariados na Figura 4.1.

Tinha-se previsto, na fase inicial deste trabalho, a construção de piézometros para a

monitorização qualitativa e quantitativa da água subterrânea, pelo menos, nas zonas onde

não houvesse pontos de água ou locais em que as captações existentes não tivessem

condições para serem utilizadas como pontos de controlo. No entanto, a falta de

financiamento do projecto impediu a sua construção, pelo que se teve de recorrer apenas às

captações de água existentes.

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O acesso ao inventário de nascentes e furos afectados pela exploração mineira,

elaborado pela ECD, permitiu que durante o inventário de campo se efectuasse uma

averiguação do estado actual desses pontos de água. Verificou-se que as captações que

secaram durante a exploração mineira (como consequência do rebaixamento do nível

aquífero e da subsidência), continuavam nas mesmas condições (Figura 4.5), comprovando

que o equilíbrio hidrodinâmico atingido após a desactivação da mina é diferente do inicial.

Figura 4.5 Localização das captações que secaram durante a exploração mineira (legenda dos padrões da geologia igual à figura 4.1)

4.3 Unidades Hidrogeológicas

As características topográficas e geológicas das jazidas de carvão ocorrentes na Mina

de Germunde bem como os diferentes métodos de lavra adoptados ao longo dos tempos

condicionam o regime de circulação e de armazenamento das águas superficiais e

subterrâneas que circulam no maciço rochoso (Curi e Silva, 1998).

Trata-se de um maciço muito complexo e heterogéneo, em que as litologias

presentes têm características hidráulicas distintas (ECD, 1995).

Assim, as três unidades geológicas ocorrentes na área afectada pelos trabalhos

mineiros (Precâmbrico e/ou Câmbrico Inferior (CXG), Ordovícico e Carbonífero), devido ao

seu desenvolvimento, à sua litologia e aos seus limites tectónicos, podem ser considerados,

sob o ponto de vista hidrogeológico, como três unidades também independentes e

homólogas das unidades geológicas estabelecidas (como nos trabalhos de: Arrais, 1988;

Lippman e Weissenbach, 1988; Mendes e Dinis da Gama, 1988; ECD, 1995; Silva e

Chaminé, 1991; Curi e Silva, 1998; Santos, 1998; Pedrosa et al., 2000; Chaminé et al.,

2004). Na Figura 4.6, apresenta-se o mapa hidrogeológico da área de trabalho.

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Figura 4.6 Mapa hidrogeológico da Mina de Germunde

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De realçar que a presença de um sistema de falhas, com atitude transversal,

relativamente, às formações e às quebras de subsidência permite, também, um aumento

significativo das taxas de infiltração da precipitação em todas as unidades hidrogeológicas

(Chaminé et al., 2004).

4.3.1 Unidade Hidrogeológica do C.X.G. (Precâmbrico e/ou Câmbrico Inferior)

Pode admitir-se como sendo a mais homogénea, impermeável e menos produtiva de

todas as unidades presentes. De natureza essencialmente xistosa, apresenta à superfície

uma importante formação argilosa de alteração, impermeável, que drena sobre ela a água

das chuvas para fora do respectivo afloramento, não permitindo infiltrações significativas.

4.3.2 Unidade Hidrogeológica do Ordovícico

Nos terrenos do Ordovícico, é inevitável separar duas litologias distintas. Uma delas é

formada pelos quartzitos; a outra é constituída pelos xistos ardosíferos. Esta separação é

importante visto que estas litologias apresentam diferentes competências e,

consequentemente, distintos comportamentos geomecânicos e hidrogeológicos.

Sub-Unidade Rochas Quartzíticas

Formada por rochas quartzíticas (às vezes, maciças) e conglomerados (muito

silicificados), com intercalações de quartzitos xistóides; genericamente, estas rochas de

natureza quartzítica apresentam um comportamento hidrogeológico muito distinto das

litologias pelíticas, a tecto.

Os quartzitos revelam-se muito produtivos devido à sua elevada permeabilidade por

fracturação e à comunicação hidráulica com o Rio Douro, Rio Arda e outras linhas de água de

menor importância. Dados obtidos durante o funcionamento da mina permitiram verificar

que a recarga deste aquífero é essencialmente feita por infiltração da água da chuva (Arrais,

1988).

Sub-Unidade Rochas xistentas

Constituída pelas rochas xistentas, aflorantes a tecto das litologias quartzíticas, de

cor acinzentada e, por vezes, ardosíferas. Quando observada à superfície, a respectiva zona

de alteração é pequena, não formando qualquer capa argilosa significativa de cobertura que

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proteja a entrada da água das chuvas, ocorrendo, ainda, descontinuidades abertas, que

conferem uma elevada anisotropia na sua permeabilidade.

Há recarga por águas pluviais nas zonas de descontinuidades abertas existentes

paralelamente à xistosidade e possíveis planos de falha. A anisotropia da permeabilidade,

devido à percolação preferencial nas descontinuidades mais abertas, é, geralmente, pequena

(Lippman e Weissenbach, 1988).

Lippman e Weissenbach (1988) expressam a possibilidade de a “Sub-Unidade Rochas

xistentas” apenas existir até à profundidade do 3º piso da mina. De facto, estudos

efectuados na frente da travessa 406 (4º piso da mina) pareciam indicar a presença de

níveis quartzo-quartzíticos (“Sub-Unidade Rochas Quartziticas”) na zona de contacto entre o

Carbonífero e o Ordovícico (Arrais, 1988).

4.3.3 Unidade Hidrogeológica do Carbonífero

Geralmente, quando não existem minas, as formações carboníferas apresentam

baixa permeabilidade e são, geralmente, consideradas como não aquíferas. O movimento

das águas subterrâneas é largamente restrito aos fluxos preferenciais em fracturas e

fissuras.

A exploração do carvão associada aos processos de rebaixamento dos níveis de água

e subsidência provocam mudanças fundamentais na hidrologia e na hidroquímica das águas.

Numa mina de carvão abandonada, o fluxo subterrâneo faz-se, principalmente, ao longo dos

vazios da mina e dos estratos que colapsaram devido à subsidência. Consequentemente, a

conceptualização dos trabalhos mineiros inundados tem de ser realizada como se se

tratassem de reservatórios interligados discretamente, embora de uma maneira geral,

separados uns dos outros somente por um discreto fluxo em excesso (Chen et al., 1999).

Nesta unidade, podem ser diferenciados dois tipos litológicos com diferentes

características geológicas e hidrogeológicas: rochas de natureza conglomerática e arenítica

(por vezes, brechóide) e rochas xistentas (argilosas, carbonosas e carvão). Estas últimas,

encontram-se muito tectonizadas, sob a forma de dobras e falhas, apresentando, por isso,

baixa permeabilidade; logo, não existem condições para a criação de aquíferos. No entanto,

à superfície, existem descontinuidades, algo abertas, que podem permitir a entrada de águas

pluviais. A ocorrência de água no Carbonífero deve-se, principalmente, à existência de

trabalhos mineiros antigos e dos consequentes aluimentos. O estudo efectuado pela ECD

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(1995) refere que a água que se infiltra nesta unidade, para além das águas pluviais, é,

também, proveniente da unidade dos quartzitos ordovícicos, situados a tecto das camadas

de carvão, os quais são um meio propício à comunicação com a rede fluvial vizinha.

A delimitação do aquífero da jazida de carvão foi feita com base em critérios

geoestruturais e inferências hidrogeológicas em virtude de os dados sobre a produção

aquífera dos furos serem insuficientes para definir com precisão os limites (ECD, 1995).

A jazida de carvão encontra-se circunscrita, do ponto de vista hidrogeológico do

seguinte modo (Arrais, 1988; ECD, 1995):

• a muro, pelo contacto entre o Carbonífero (normalmente com a brecha de base) e os

terrenos do CXG, com reduzida permeabilidade;

• a tecto, pela falha de cavalgamento (ϕ1) Ordovícico-Carbonífero, com litologias

argilosas de contacto, aproximadamente, contínuas e pouco permeáveis. Contudo, a

partir de profundidades superiores ao 3º piso (profundidade superiores a 150m), na

Mina de Germunde, a formação do Carbonífero contacta directamente com quartzitos

do Ordovícivo. Quando este contacto foi intersectado pela exploração mineira,

diversos problemas hidrogeológicos emergiram, nomeadamente, inundação de

travessas ou galerias (Arrais, 1988). A existência de comunicação hidráulica entre as

duas formações foi corroborada pelo ensaio de traçadores realizado pela Teixeira

Duarte (1985), onde a injecção de permanganato de potássio nas formações do

Ordovícico foi detectada nas galerias da mina;

• a noroeste, pelo maciço de protecção do rio Douro, com rochas que, provavelmente,

apresentam permeabilidade induzida, mas com tendências auto-colmatantes; aquele

maciço corresponde a uma área onde não era efectuada a exploração de carvão

(reservas calculadas em 1 milhão de toneladas), entre o rio Douro e a mina e que

correspondia a um ângulo, com o pilar do poço de extracção, de 60º. Através dele,

pretendia-se impedir o influxo de água à mina e movimentos de terreno na

vizinhança do rio Douro (Mendes e Gama, 1988);

• a sudeste, pelo nível que ocorre no Ordovícico no seio do complexo carbonífero.

A precipitação é responsável pela maior parte da água que entra nesta unidade

hidrogeológica quer pela ausência de terrenos impermeáveis na cobertura quer pela

existência de rochas fracturadas sobrejacentes. A formação de quebras de subsidência à

superfície contribuiu com um acréscimo significativo de infiltração. Este facto foi comprovado

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pelo controle efectuado de precipitação, caudais extraídos e níveis do rio Douro (Lippman e

Weissenbach, 1998; Arrais, 1988). De facto, o estudo da precipitação mostrou que as

variações de afluxos de água à mina no 1º piso eram análogas às oscilações da precipitação,

com um atraso de uma semana. Esta influência esbate-se nos pisos inferiores de tal modo

que, no 3º piso, as oscilações de caudal já não eram tão sensíveis (Arrais, 1988).

4.3.4 Produtividade Aquífera e Descargas

Os quartzitos são, entre as unidades hidrogeológicas presentes, as que apresentam a

maior produtividade aquífera na área. Estudos de afluxos de água à mina permitiram inferir

os caudais desta sub-unidade hidrogeológica como sendo superiores a 2,7 L/s (Mendes e

Dinis da Gama, 1988). Devido à inexistência de captações com sistema de captação de água

dentro desta unidade não foi possível uma observação directa durante o trabalho efectuado.

Na unidade hidrogeológica do CXG, através do inventário foi possível saber que nesta

unidade existem pelo menos dois níveis aquíferos. Informação disponibilizada pelos

proprietários dos furos indica que, aquando da construção dos mesmos, o primeiro nível

situava-se entre os 14 e os 28 m de profundidade e o segundo nível estava entre os 40 e 50

m de profundidade. Os furos monitorizados nesta unidade, uma vez que, por norma, captam

todos os níveis aquíferos encontrados durante a perfuração, apresentam caudais próximos

de 2 L/s.

Nesta unidade, existem várias nascentes junto do contacto com o Ordovícico

(encosta a NW). Na maior parte delas, foram construídas galerias de modo a aumentar o

caudal captado. Estas nascentes são pouco produtivas e secam no pico do Verão. Os caudais

registados durante o trabalho de campo foram sempre inferiores a 1L/s.

Na unidade hidrogeológica do Carbonífero, os pontos de água inventariados são

piezómetros, não tendo sido possível a quantificação da produtividade aquífera durante a

realização deste trabalho. A consulta bibliográfica dos registos dos afluxos de água ao

interior da mina durante a sua laboração registava para esta unidade uma produtividade

aquífera da ordem de 0,5 a 1 L/s.

A água dos sistemas aquíferos desta região sai principalmente por:

• extracção de água bombeada em furos e poços;

• nascentes e minas de água (nascentes de água onde foram construídas galerias)

existentes na área;

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• descarga da mina;

• descarga do aquífero em linhas de água.

Não foi possível quantificar a descarga dos aquíferos pois não se conseguiu controlar

os volumes de água extraído dos furos, poços e nascentes, nem identificar todos os locais de

descarga do aquífero nas linhas de água e nem quantificar todas as descargas da mina.

Durante os anos de elaboração desta tese, foram sendo medidos os caudais da

principal descarga mineira (inventariado como ponto M1). Ao longo do ano, o caudal de

saída, à boca da descarga, tem pequenas oscilações entre, aproximadamente, 2,7 L/s a 3

L/s. Estes caudais superiores à produtividade aquífera da unidade do Carbonífero indicam

que a mina inundada continua a receber influxos laterais do Ordovícico que mantém o seu

caudal constante. Assim, pode-se estimar que a descarga mineira M1 forneça, por ano, ao

Rio Douro volumes de água compreendidos entre 87708,3 m3 (no caso de caudais de um ano

seco) e 104068,8 m3 (caso de um ano húmido). A estação hidrométrica de Rio Mau

(R07G/03H) do INAG (situada, aproximadamente, a 2 km a montante da mina de

Germunde), registou, para o período compreendido entre 1976 e 1984, valores de

escoamento anual do rio Douro entre 8129240 e 23137007 dam3. Assim, a descarga da mina

contribui com uma percentagem de água inferior a 0,001% para o aumento do volume de

água no rio Douro.

A extracção, através de furos e poços, não foi possível contabilizar. Todavia, como a

água é utilizada essencialmente na rega, ela volta a entrar no ciclo hidrológico podendo-se,

por isso, considerar as perdas pouco significativas.

4.3.5 Estimativas de permeabilidade dos materiais constituintes do Maciço Rochoso

Os maciços rochosos são meios macro e microscopicamente heterógeneos e

descontínuos, formados pela matéria rochosa, por material intacto e por descontinuidades

que podem ser planos de estratificação, falhas, planos de xistosidade, fissuras, cavidades e

grutas.

Os principais condutores de água, excepto em certos maciços sedimentares (onde a

proporção de fluxo de água através da rocha pode ser significativa), são as descontinuidades

abertas. As fracturas têm, de um modo geral, uma permeabilidade mais alta do que a matriz

rochosa.

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No caso mais geral, as águas circulam pelo maciço através do seu sistema de

fracturas, sob a acção dos gradientes hidráulicos em condições que, incluindo o próprio

regime de escoamento, se revelam fortemente dependentes das características geométricas

das fracturas. Como resultado, a maioria das propriedades físicas dos maciços rochosos

dependem do ponto escolhido (heterogeneidade), da direcção considerada para a sua

determinação (anisotropia) e das dimensões dos volumes envolvidos nos ensaios (efeito de

escala).

Para além disso, é necessário realizar um tratamento estatístico adequado aos dados

obtidos de modo a que as propriedades (determinadas sobre um número significativo de

ensaios) sejam definidas por uma média ou valor mais provável e por medidas de dispersão.

Deste modo, é possível determinar a representatividade e o significado dos ensaios sobre

volumes diferentes os quais, consoante a dimensão envolvida, podem ser aplicados à escala

da rocha intacta ou das fracturas individuais, da rocha fracturada ou do maciço rochoso na

sua globalidade.

A evolução da permeabilidade com a dimensão do volume testado deverá apresentar

uma extrema variabilidade e dispersão de valores, consoante as fracturas existentes, até que

um volume representativo do maciço — designado por Volume Elementar Representativo,

(VER) — seja alcançado (Cunha, 1990).

De notar que, quando estamos perante um maciço rochoso fracturado em presença

de água e se executa uma obra ou uma abertura subterrânea (como no caso das minas),

introduz-se uma perturbação no maciço, que provoca variação das condições de escoamento,

assim como variação do estado de tensão, havendo uma interligação estreita entre estes

dois fenómenos. Como é facilmente dedutível, quando se modificam as condições de

escoamento num maciço rochoso, provoca-se uma alteração nas acções geomecânicas que,

por sua vez, são responsáveis pela transformação do estado de tensão. Assim, são

produzidas deformações que vão causar modificações na permeabilidade do maciço e,

consequentemente, nas condições de escoamento.

A ECD (1995) efectuou algumas tentativas para calcular a permeabilidade dos

materiais constituintes da mina de Germunde. Para o cálculo da condutividade hidráulica dos

diversos materiais foram realizadas diversas estimativas baseando-se:

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• no estudo das curvas de pluviosidade da região e dos caudais afluentes aos diversos

pisos da mina elaborado pelo Departamento Técnico da Mina de Germunde;

• em valores de referências bibliográficas;

• nos resultados dos ensaios de permeabilidade realizados em 1985 pela “Empresa de

Sondagens e Fundações Teixeira Duarte” (Teixeira Duarte, 1985).

Para o estudo do comportamento hidromecânico do maciço foi utilizado um Modelo

Contínuo. Neste tipo de modelos, o escoamento é simulado num meio contínuo equivalente,

sendo as suas características de permeabilidade determinadas a partir das contribuições das

famílias de fissuras (ECD, 1995). O maciço rochoso é idealizado como um meio contínuo

poroso, utilizando-se a Lei de Darcy (Eq. 4.3) — que estabelece a relação entre o

escoamento e o gradiente hidráulico para meios porosos homogéneos:

Q = K*A*i (Eq. 4.3)

sendo:

Q – caudal; A – área da secção;

K – condutividade hidráulica; i – gradiente hidráulico.

A escolha deste modelo teve em conta que a circulação das águas na mina se faz em

manto contínuo, com espessura de 150m a 200m e que a fonte de alimentação provém da

água das chuvas, não havendo infiltrações significativas das formações envolventes, não

perturbadas pela exploração mineira (ECD, 1995): isto é, um meio contínuo equivalente

(meio contínuo poroso isotrópico) que corresponde ao estado real.

O Departamento Técnico da Mina de Germunde, através do estudo das curvas de

pluviosidade da região e dos caudais afluentes aos diversos pisos da mina, calcularam os

seguintes valores de gradientes hidráulicos: 0,7 (para a secção longitudinal) e 1 (para a

secção longitudinal). A partir destes valores, foi possível saber que a permeabilidade

equivalente vertical está condicionada à permeabilidade da camada do Carbonífero

fracturado, enquanto que as permeabilidades equivalentes horizontal e longitudinal poderão

estar mais condicionadas à permeabilidade da camada do xisto fracturado (Ordovícico) (ECD,

1995).

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A junção destes dados com os anteriormente mencionados permitiu à ECD obter os

seguintes valores médios das condutividades hidráulicas para os materiais constituintes da

região de Germunde (Tabela 4.3).

Tabela 4.3 Valores médios das condutividades hidráulicas estimados pela ECD (1995)

Formação Valor médio (m/dia)

Não fracturado 0,1 Xisto

Fracturado 10,0 Não fracturado 0,07

Carbonífero Fracturado 3,0

No entanto, no caso do maciço rochoso de Germunde, o meio é fracturado, logo

descontínuo e anisotrópico, onde a comunicação hidráulica é reduzida, a permeabilidade é

direccional e as fracturas são as condutas preferenciais para o escoamento subterrâneo. Por

isso, estes valores têm de ser usados com as devidas precauções. Na Figura 4.7, apresenta-

se o perfil hidrogeológico esquemático.

Figura 4.7 Perfil hidrogeológico esquemático do maciço de Germunde (adaptado de Chaminé et al. (2004) e de Arrais (1988))

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4.4 Piezometria

O estudo da piezometria constitui a base para a caracterização hidráulica de um

sistema aquífero. A medição dos níveis piezométricos efectuou-se durante toda a vigência

deste projecto. No entanto, na interpretação destes dados tem de se ter em conta algumas

reservas.

A principal condicionante dos dados é a própria construção de cada furo. As

formações aquíferas apresentam diferentes níveis produtivos a profundidades distintas. Uma

vez que os furos, onde se efectuaram as medições, pertencem a particulares e, foram

construídos com o intuito de obtenção do maior caudal possível, não existiu, por parte dos

construtores, o cuidado de separação dos níveis aquíferos tendo sido, por norma, instalado

um único tubo ralo que os capta na globalidade. Nestas circunstâncias, o valor medido numa

determinada captação corresponde a um valor médio dos níveis individuais nesse furo/poço.

Outro problema, aquando da medição da piezometria, foi a interpretação da sua

evolução. Não foi possível averiguar, com exactidão, a que determinado período de repouso

na bombagem correspondia um determinado nível. Raramente, há conhecimento, por parte

dos proprietários dos furos, da relação entre tempo de bombagem e tempo de repouso.

Um terceiro problema é a selagem da boca dos furos que não permite a entrada da

sonda de medição de níveis. Na área em estudo, a maioria dos furos encontram-se selados

diminuindo drasticamente a obtenção de mais dados.

Devido às razões apontadas, estes dados têm de ser usados com alguma precaução

no trabalho em questão.

A variação da superfície piezométrica, ao longo do século XX, foi directamente

afectada pela extracção de água em furos e poços para consumo doméstico mas,

principalmente, pela actividade mineira. Como já foi descrito no capítulo 1, a actividade

mineira condiciona directamente os níveis de água. Chaminé et al. (2004) previram que as

alterações na piezometria provocadas pela laboração da mina, em 2004, já não se fariam

sentir e que o nível piezométrico estaria estabilizado.

O encerramento da mina e sua inundação criaram um estado de equilíbrio diferente

do que existia antes da exploração. Prova desse facto é a circunstância de vários poços e

nascentes que existiam antes da exploração mineira ainda hoje (12 anos depois)

continuarem secos. Muitos dos casos de inviabilização de captações deve-se aos fenómenos

de subsidência que provocaram a sua obstrução.

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Actualmente, as variações encontradas na superfície piezómetrica são sazonais

devido às recargas dos aquíferos. Durante a medição dos níveis freáticos, foram observadas

variações de 15 m na superfície piezométrica. Em Janeiro de 2003, registou-se a cota

piezométrica mais alta. A partir daí, houve uma descida contínua do nível piezométrico

devido a anos hidrológicos secos (2004 e 2005). Devido à seca extrema, o nível de água

desceu abaixo da cota de fundo dos piezómetros situados no Carbonífero e no Xisto do

Ordovícico (Tabela 4.4).

Tabela 4.4 Níveis de água máximos e mínimos medidos durante a monitorização de campo para cada uma das litologias presentes

F3 F14 F18 (Pz4) F17 (PZ2) F19 (PZ5)

Unidade Geológica

CXG a Sudoeste

CXG a Nordeste Carbonífero Carbonífero

Quartzitos e xistos

intercalados (Ordovícico)

Máximo (m) 40,3 25,63 43,5* 46* 48,85*

Mínimo (m) 29,33 11,17 36,43 40,6 37,21 Máximo - Mínimo

10,97 14,46 7,07 6,6 11,64

* Profundidade abaixo da cota de fundo do furo