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313 A REGULAMENTAÇÃO PETROLÍFERA NO BRASIL: RELEVÂNCIA, POSIÇÃO ATUAL E EXPECTATIVAS. UM ESTUDO A PARTIR DA ANÁLISE DAS CRISES DO PETRÓLEO DE 1970 E SEUS IMPACTOS NO PAÍS. Tatyana Scheila Friedrich Doutora, professora de Direito Internacional da UFPR. Paula Ritzmann Torres Bacharel em Direito, pela Universidade Federal do Paraná, e em Relações Internacionais, pela Unicuritiba. Pós-graduanda em Direito pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná. Sumário: Considerações introdutórias; 1. Conformação das Crises do Petróleo da década de 1970: a ascensão do petróleo para o posto de principal insumo da matriz energética mundial; 2. Os efeitos socioeconômicos das crises do Petróleo da década de 1970 no Brasil: a constatação da dependência em relação a essa matéria prima; 3. Da situação energética atual no panorama mundial e no Brasil: a manutenção do petróleo como principal fonte energética; 4. A Legislação vigente sobre a regulação petrolífera no Brasil: a constante intervenção estatal e o desenvolvimento do modelo exploratório das concessionárias; 5. Perspectivas para a futura prática perante a nova regulação petrolífera no Brasil: a expectativa de uma alternativa socioambiental. Resumo: A matriz energética é tema de extrema importância econômica, social, ambiental e, consequentemente, jurídica. No Brasil, como o petróleo constitui a principal fonte de energia desde a década de 1960, torna-se imperioso avaliar a regulamentação vigente e as prospecções futuras sobre o arcabouço jurídico que envolve essa problemática, a partir da experiência vivenciada logo após as Crises do Petróleo na década de 1970, com o intuito de evitar novos surtos de dependência externa e de garantir que a legislação petrolífera reflita a aspiração de um desenvolvimento socioeconômico sustentável. Palavras-chave: petróleo; matriz energética; regulamentação no Brasil. Abstract: The energy matrix is a subject of great economic, social, environmental, and therefore legal importance. In Brazil, as oil is the main energy source since the 1960s, it becomes imperative to evaluate current regulations and future prospects on the legal framework surrounding this issue, based on the after Oil Crises lived experience, in order to prevent new outbreaks of external dependence and to ensure that the oil legislation reflects the concerns of a sustainable socioeconomic development.

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    A REGULAMENTAO PETROLFERA NO BRASIL: RELEVNCIA, POSIO ATUAL E EXPECTATIVAS. UM ESTUDO A PARTIR DA ANLISE DAS CRISES DO PETRLEO DE 1970 E SEUS

    IMPACTOS NO PAS.

    Tatyana Scheila Friedrich Doutora, professora de Direito Internacional da UFPR.

    Paula Ritzmann Torres Bacharel em Direito, pela Universidade Federal do Paran, e em Relaes Internacionais, pela Unicuritiba. Ps-graduanda em Direito pela Fundao Escola do Ministrio Pblico do Estado do Paran.

    Sumrio: Consideraes introdutrias; 1. Conformao das Crises do Petrleo da dcada de 1970: a ascenso do petrleo para o posto de principal insumo da matriz energtica mundial; 2. Os efeitos socioeconmicos das crises do Petrleo da dcada de 1970 no Brasil: a constatao da dependncia em relao a essa matria prima; 3. Da situao energtica atual no panorama mundial e no Brasil: a manuteno do petrleo como principal fonte energtica; 4. A Legislao vigente sobre a regulao petrolfera no Brasil: a constante interveno estatal e o desenvolvimento do modelo exploratrio das concessionrias; 5. Perspectivas para a futura prtica perante a nova regulao petrolfera no Brasil: a expectativa de uma alternativa socioambiental.

    Resumo: A matriz energtica tema de extrema importncia econmica, social, ambiental e, consequentemente, jurdica. No Brasil, como o petrleo constitui a principal fonte de energia desde a dcada de 1960, torna-se imperioso avaliar a regulamentao vigente e as prospeces futuras sobre o arcabouo jurdico que envolve essa problemtica, a partir da experincia vivenciada logo aps as Crises do Petrleo na dcada de 1970, com o intuito de evitar novos surtos de dependncia externa e de garantir que a legislao petrolfera reflita a aspirao de um desenvolvimento socioeconmico sustentvel.

    Palavras-chave: petrleo; matriz energtica; regulamentao no Brasil.

    Abstract: The energy matrix is a subject of great economic, social, environmental, and therefore legal importance. In Brazil, as oil is the main energy source since the 1960s, it becomes imperative to evaluate current regulations and future prospects on the legal framework surrounding this issue, based on the after Oil Crises lived experience, in order to prevent new outbreaks of external dependence and to ensure that the oil legislation reflects the concerns of a sustainable socioeconomic development.

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    Key words: oil; energy matrix; Brazilian legislation.

    Resumen: la matriz energtica es un tema de gran importancia econmica, social, ambiental y, por consiguiente, jurdica. En Brasil, como el petrleo es la principal fuente de energa desde la dcada de 1960, se hace imprescindible evaluar la normativa vigente y las perspectivas futuras de ese marco jurdico, desde la experiencia vivida despus de la crisis del petrleo en la dcada de 1970, con el fin de prevenir nuevos brotes de la dependencia externa y para asegurarse de que la legislacin refleja la aspiracin de un desarrollo socioeconmico sostenible.

    Palavras-chave: petrleo; matriz energtica; legislacin brasilea.

    CONSIDERAES INTRODUTRIAS

    Os aspectos relativos poltica do petrleo, desde a dcada de 1960, influenciam todos os setores produtivos do Brasil, j que as variaes no valor desse insumo impactam diretamente o setor de transportes, o que, num pas cuja malha viria predominantemente rodoviria, repercute essencialmente no binmio para determinao do preo final dos bens. Ademais, o ouro negro ainda se configura como a principal fonte da matriz energtica brasileira, motivo pelo qual, alm das previses de sua decadncia e suplantao se mostrarem, ainda, precipitadas, mantm-se a atualidade do estudo dessa temtica.

    Devido relevncia dessa matria prima para a economia brasileira, bem como analisando as repercusses que as Crises do Petrleo causaram a curto e mdio prazo no pas, impende-se avaliar a atual regulamentao petrolfera nacional, com o intuito de garantir que, enquanto esse insumo subsistir como fonte central de energia no Brasil, tenha-se uma legislao que efetivamente proteja os anseios dos brasileiros.

    Adotar-se-, neste trabalho, um estudo transdisciplinar e holstico, uma vez que o Direito, atualmente, no pode ser vislumbrado seno inserido em contexto com as demais reas do conhecimento, posto que, primordialmente, a lei deve representar um reflexo do panorama social, numa intrnseca correlao, no sentido preceituado pelas teorias kantianas do conhecimento e da tica, entre o ser e o dever-ser (LUDWIG, 2006. p. 66).

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    Para examinar todo esse quadrangular histrico, jurdico e econmico, dividir-se- o estudo em quatro partes: primeiro, demonstrar-se- a conformao da crise do petrleo e seus efeitos na economia brasileira, explicando o valor que tal insumo possuiu para a configurao da chamada dcada perdida; a seguir, explanar-se- os dados atuais, para construir um quadro atual do petrleo; depois, expor-se- a evoluo da legislao brasileira sobre o assunto; por fim, analisar-se- se as atuais regras jurdicas esto em consonncia com a realidade econmica e social do pas e falar-se- sobre as projees futuras para a prtica da nova regulao petrolfera no Brasil.

    Em sntese, o intuito do presente estudo ressaltar o contemporneo denodo da temtica petrolfera que, no obstante extremamente criticada por sua finitude e por seus negativos impactos sobre o meio ambiente, em verdade, essencial para a economia do Brasil, bem como apontar algumas diretrizes da regulamentao nacional dessa questo, objetivando fazer com que essa fonte energtica seja, igualmente, participante ativa na implementao de melhorias sociais e ambientais no pas.

    1. Conformao das Crises do Petrleo da dcada de 1970: a ascenso do petrleo para o posto de principal insumo da matriz energtica mundial

    As crises do petrleo da dcada de 1970 foram resultado de uma conjuntura especfica de fatores de diversas ordens que remontam s dcadas de 1950 a 1970. Com o intuito de mera instruo ao leitor, tais fatores sero, brevemente, mencionados no presente trabalho. Cumpre assinalar, destarte, que a poltica de determinao dos preos do leo foi apenas um dos fatores determinantes do mosaico poltico-social-econmico nacional nas dcadas de 1970 e 1980. O petrleo no foi o nico elemento responsvel pelo cerceamento da situao que o pas vivenciou nesse perodo, contudo, devido a sua essencialidade enquanto principal matriz energtica para a economia, e insumo predominante para o setor de transportes brasileiro, inegvel que a poltica petrolfera internacional teve relevncia para a materializao dessa realidade no Brasil.

    Logo, ponderar a situao de vulnerabilidade presenciada pelo Brasil na dcada de 1970, e seus desdobramentos sobre a economia brasileira na dcada

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    subseqente, cogente como elemento para que, a seguir, se sopese a melhor forma do Brasil se posicionar no diapaso petrolfero internacional.

    A despeito de, desde sua descoberta, o hidrocarboneto sempre ter tido um papel fundamental para as civilizaes1, foi somente no sculo XIX, durante a II Revoluo Industrial, com a inveno do motor de combusto, que o petrleo iniciou sua ascenso em direo ao posto de matria-prima mais importante da economia mundial, consolidada na dcada de 1960, com os exorbitantes nveis de produo e consumo.

    Nesse contexto, Churchill foi um dos primeiros estadistas a perceberem a importncia crescente que o petrleo estava adquirindo no cenrio internacional:

    preciso acumular nesse pas reserva de leo suficiente para garantir nossa segurana na guerra e permitir conter as flutuaes de preo na paz. [...] Depois, preciso tornarmo-nos proprietrios de uma certa poro mnima de petrleo natural, necessria a nosso estabelecimento, ou pelo menos, controlar a sua fonte na proporo de que precisamos. Eis as linhas a respeito das quais estamos avanando rapidamente (MARINHO JUNIOR, 1989, p. 31).

    Com a ecloso das Guerras Mundiais2, a posio inglesa se mostrou acertada, j que a posse de tanques, caminhes, e navios (movidos gasolina e diesel) teve central relevncia para o saldo positivo das batalhas, na medida que j fornecia melhor desempenho e menor custo que os combustveis sintticos provenientes do carvo.

    Aps o desfecho do segundo confronto mundial, quando os pases que participaram da guerra estavam econmica e humanamente devastados, advieram a conferncia de Bretton Woods, e os planos Marshall e Goya, com a finalidade de restaurar a confiana do sistema monetrio internacional, alm de garantir a reconstruo dessas economias, atravs da disponibilizao de crdito (americano), para acelerar o processo de reconstruo e recomposio do padro aquisitivo e de consumo desses Estados.

    1 Devido facilidade de ser transformado em outros compostos, esse insumo foi empregado, durante

    o desenvolvimento da humanidade, em diversas reas, tal qual a pavimentao de ruas, iluminao e o embalsamamento de corpos (THOMAS, 2004, p.1). 2 No perodo entre guerras (1918-1939), marcado pelo crescimento do sentimento nacionalista,

    aliado ao valor ascendente que o petrleo adquiria na economia mundial, e aos absurdos acordos concessionrios realizados entre as empresas e os pases produtores, ocorreu um movimento generalizado de aumento da interveno estatal no setor petroleiro quer atravs da conformao de empresas de capital misto, quer atravs do aumento dos royalties, ou diminuio da superfcie e do tempo destinados a concesso, quer atravs da nacionalizao (DIAS; RODRIGUES, 1994, p. 199).

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    Em conseqncia da melhora gradual nos indicativos econmicos, houve um emparelhamento tecnolgico e produtivo desses pases em relao aos Estados Unidos, alm de um aumento no poder aquisitivo de suas populaes, que passaram, consequentemente, a necessitar, em maior grau, dos derivados de leo3. Ademais, a evoluo do binmio produo-consumo fora impulsionada pela Ordem Internacional da Guerra Fria, especialmente depois que se comprovou ser o petrleo fundamental para a manuteno das maiores economias do planeta (DALEMONT, 1961, p. 71).

    Paralelamente a isso, os pases produtores, ao perceberem que suas reservas multiplicavam-se de acordo com as necessidades de consumo, ficaram cientes da sua potencial influncia na determinao dos lucros advindos do petrleo e, por isso, decidiram organizar-se de maneira a conter coletivamente a tendncia de baixa dos preos do barril. Assim, surgiu, em 1960, em Bagd, a Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo, cujos objetivos principais eram defender a posio dos pases produtores no embate contra a poltica de preos das empresas estrangeiras e garantir a estabilidade na cotao do leo4.

    Em meados da dcada de 1970, os Estados Unidos, que no estavam mais conseguindo sustentar a intensificao de ataques especulativos contra o dlar sobrevalorizado e a conseqente escalada do dficit americano, causado pela recuperao das demais economias e pelos gastos com a Guerra Fria, anunciaram que desvalorizariam o dlar em 12%, que acabariam com a vinculao com o ouro e que no mais resgatariam os dlares acumulados por investidores privados e governos estrangeiros (REZENDE FILHO, op. cit., p. 328).

    A perda do valor dessa moeda desorganizou o sistema monetrio internacional, obrigando os produtores de leo a reavaliarem seus preos, o que gerou uma injeo de inflao nos demais pases. Esses motivos permitiram uma

    3 O Consumo mundial de petrleo cresceu vertiginosamente no desenrolar das dcadas. Em 1957,

    30% do consumo das fontes de energia provinha do petrleo. Na dcada de 1960, o consumo mundial de energia cresceu 6% ao ano, sendo que em 1972, 43% desse consumo energtico era derivado do petrleo (CHOUCRI, 1976, p. 11). Da produo total desse insumo, os pases da Europa ocidental, Estados Unidos e Japo eram responsveis pelo consumo de 80% da produo mundial (Ibid., p. 9). Os Estados Unidos, maior produtor e consumidor de petrleo, haviam extrado, at 1956, mais de 350 milhes de toneladas (DALEMONT, op. cit., p. 66) e seu consumo de energia ainda crescia 3,1% anualmente (CHOUCRI, op. cit. , p. 3). 4 Devido ao aumento gradativo do poder da OPEP, de uma hora para outra, o poder da Standard

    Oil, de Wall Steet, do banco mundial, da bolsa de Londres e dos bancos suos viu-se impotente diante da aliana dos xeques e emires sentados sobre milhes de toneladas de petrleo (MELO FILHO, 1974, p. 195).

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    ao conjunta dos pases produtores, que, na XXI Conferncia da OPEP, em 1971, elaboraram a Resoluo XXI/120, na qual definiram que haveria uma uniformidade dos preos de referncia cotados pelo maior preo vigente e um progressivo aumento desse preo referencial, (MARINHO JUNIOR, 1989, p. 148).

    A desvalorizao do dlar americano e a inflao mundial dos anos anteriores ao Choque vinham reduzindo, em termos reais, o valor do barril de petrleo, reduzindo a renda real dos pases exportadores de petrleo, que j era baixssima na mdia por barril exportado, vis-a-vis o valor real do produto, quando considerada sua importncia estratgica e no-renovabilidade (SOUZA, 2006, p. 29).

    Essa deciso diminuiu o poder de compra dos pases membros da OPEP, j que grande parte de suas importaes era oriunda de pases com moedas flutuantes em relao ao dlar. Ajustes nos royalties e nas taxas foram obtidos das petroleiras para compensar os efeitos do dlar e o preo oficial de referncia foi elevado no incio de 1973 em 5,7% (PERTUSIER, 2004, p. 29-30), corroborando para o desenvolvimento de um cenrio em que no mais bastava realizar aumentos nos preos de referncia; era necessrio cobrar um preo poltico pelo ouro negro.

    Nesse panorama, enquanto do lado da demanda as necessidades energticas aumentaram em razo do desenvolvimento industrial ter se expandido acima do previsto e a explorao de outras fontes ter sido abandonada,

    do lado da oferta, as quantidades disponveis foram sendo reduzidas pelo efeito somatrio da expropriao no Iraque, da escalada nacionalizante na Arglia, da ruptura provavelmente acidental e depois voluntariamente mantida do Oleoduto Transarabico (Tapline) na Sria, que prejudicou as exportaes da Arbia Saudita, do contnuo fechamento do canal de Suez, juntamente com a estratgia baixa de produo da Lbia (MARINHO JUNIOR, 1989, p. 130).

    Esses acontecimentos, conjuntamente a um aumento de poder da OPEP e, principalmente, da OPAEP5, e as guerras rabe-israelenses, convergiram para o estabelecimento do Choque petrolfero de 1973.

    Os acordos de aumento dos preos do ouro negro de 1973 (I Crise do Petrleo) oficializaram a tendncia de preos crescentes no mercado petrolfero,

    5 Em 1968 surge a Organizao dos pases rabes exportadores de petrleo, inicialmente sem

    conotao poltica, cujo objetivo era congregar apenas pases produtores de petrleo de origem rabe, visando a defesa de seus interesses especficos perante o mundo. A entrada do Iraque fez com que o cunho eminentemente poltico aflorasse na instituio, contribuindo para a ocorrncia do embargo de 1973.

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    comprovando que os pases exportadores finalmente legitimaram sua posio de manipuladores nos preos da principal matriz energtica mundial.

    O imediato crescimento nos custos de fornecimento de petrleo para os pases importadores que saltou de US$ 20 bilhes, em 1972, para US$ 100 bilhes, em 1973 (MARINHO JUNIOR, 1989, p. 174) impulsionou a adoo de medidas para tentar minimizar a sobrecarga que a balana de pagamentos desses Estados subitamente sofreu, atravs de uma reduo instantnea no consumo de leo. Tambm foram tomadas medidas no mbito diplomtico, atravs da adoo do posicionamento pr-rabe, com o intuito de obter dos pases do Golfo a suspenso no boicote s exportaes6.

    Os europeus e japoneses, sem embargo tenham amargado os impactos inesperados da I Crise do Petrleo, foram capazes de implementar medidas eficazes que conseguiram sobrestar a sua vulnerabilidade, graas a consolidao da estabilizao de suas economias ocorrida com o emparelhamento produtivo e econmico para com os Estados Unidos na dcada de 1960, e com a mudana na composio do mercado energtico mundial, atravs da busca por outras fontes de energia.

    Em contrapartida, os pases perifricos, dentre os quais o Brasil, ao verem aumentar o seu dispndio com a aquisio de leo, posto que os termos de troca de seus produtos se deterioraram sem a compensao do aumento das exportaes, tiveram que buscar emprstimos externos para garantir o pagamento da importao dessa fonte energtica.

    No cenrio geral dos fluxos de comrcio do petrleo, o Brasil se encontrava em posio de grande importador, j que o consumo de energia primria no Brasil havia evoludo substancialmente das ultimas dcadas: entre 1941 e 1972, o hidrocarboneto, superando a cana de acar, saltara de 9,6% para 44,8% do total da energia utilizada no pas (DORIA, 1976, p.49-54). Contudo, no obstante o Brasil produzisse petrleo, at 1970 o consumo nacional era abastecido predominantemente por importaes a relao entre a produo nacional e as

    6 Para tentar demonstrar um posicionamento anti-israelense, a Grcia, Itlia, Turquia e Espanha

    negaram o pouso de avies dos EUA em direo a Israel em suas bases. Os japoneses, pela sua posio de extrema dependncia externa no suprimento de petrleo, chegaram a romper relaes diplomticas e econmicas com Israel. A Europa enveredou pelo mesmo caminho ao apoiar a resoluo da ONU que exigia a retirada das tropas israelenses dos territrios rabes ocupados (JACOBY, 1974, p. 267-268).

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    importaes, em 1970, era de 50 milhes de barris produzidos internamente, contra 150 milhes importados (IBGE, 2010).

    Em 1979, adveio a II Crise petrolfera, causada pela progressiva desvalorizao do dlar e pela deflagrao da revoluo iraniana. A desvalorizao da moeda americana gerou um aumento nas taxas de juros nos Estados Unidos, os quais, com o objetivo de recuperar o poder de compra da moeda americana, realizaram uma diminuio na quantidade de dlar no mercado, enxugando a liquidez internacional, agravando a recesso e colapsando os pases endividados do terceiro mundo. Os gigantescos acrscimos dos preos do petrleo gerados pela revoluo iraniana7 foram, igualmente, responsveis pela ampliao do surto inflacionrio, pela estagnao do crescimento industrial e pela recesso econmica que se generalizaria na dcada de 1980.

    Para os pases consumidores industrializados, dessa vez mais preparados para as instabilidades do mercado petrolfero, a II Crise do Petrleo gerou apenas uma contabilizao de dficits nas suas balanas de pagamentos, pelo aumento dos gastos com esse insumo. As conseqncias para os pases consumidores subdesenvolvidos e em desenvolvimento, entretanto, foram infinitamente mais devastadoras, j que, alm dos altos nveis de inflao, eles foram sobrecarregados com o pagamento de inesperados juros exorbitantes, advindos de emprstimos internacionais, realizados tanto para suprir os custos de importao de leo, como, em maior medida, para financiar os projetos de crescimento econmico domstico8.

    7 Em meados dos anos 70, tinha ficado evidente que o Ir simplesmente no conseguiria absorver o

    vasto aumento dos lucros oriudos do petrleo que inundaram o pas. Os petrodlares, megalomanicamente jogados fora em extravagantes programas de modernizao ou perdidos em desperdcios e corrupo, estavam gerando o caos econmico provocando tenses sociais e polticas por toda a nao. A massa rural flua das vilas, despejando-se nos j superlotados centros urbanos, a produo agrcola diminua, enquanto aumentavam as importaes de alimento. A inflao havia tomado conta do pas, gerando todos os inevitveis descontentamentos [...] A infraestrutura iraniana no podia suportar a presso exercida repentinamente sobre ela. O transporte ferrovirio estava sobrecarregado, as ruas de Teer congestionadas pelo trfego [...] Iranianos de todos os setores da vida nacional perdiam a pacincia com o regime do X e sua insensata corrida para a modernizao. Buscando ancorar-se em alguma certeza em meio a confuso geral, prestavam ateno, modo crescente, a chamada ao Isl tradicional e a um fundaentalismo cada vez mais rigoroso. O beneficirio era o aiatol Khomeini, cuja retido religiosa e inabalvel resistncia faziam dele a encarnao da oposio ao X e ao seu regime (YERGIN, 1992, p. 707-708). 8 Os pases subdesenvolvidos foram obrigados a contrair mais vultosos emprstimos agora a juros

    altos e em curto prazo -, no mais destinados para o investimento em projetos nacionais, mas sim minimizao dos dficits de suas balanas de pagamentos. Nessa esteira, vrios pases foram obrigados, mesmo sabendo que isso os vincularia a adoo de medidas prejudiciais a suas economias, a recorrer ao Fundo Monetrio internacional.

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    2. Os efeitos socioeconmicos das crises do Petrleo da dcada de 1970 no Brasil: a constatao da dependncia em relao a essa matria prima.

    O Brasil, devido a sua condio de importador de petrleo, de sua situao de emprestador de dinheiro dos bancos privados internacionais, e da essencialidade desse insumo para o setor de transportes nacional, padeceu gravemente dos acontecimentos de 1973 e 1979.

    A elevao nos preos do leo gerou um incremento nos preos finais dos produtos brasileiros, que se tornaram menos competitivos no mercado internacional, ampliando o dficit na balana comercial brasileira e no balano de pagamentos.

    Analisando a balana comercial, com base nesses perodos, observa-se que: no perodo de 1974-1976 h um dficit de 3.459 milhes de dlares; entre 1977-78 o dficit diminuiu, graas ao supervit de 1977, chegando ao indicador negativo de 464 milhes de dlares; no binio de 1979-80 o saldo negativo de 2832 milhes de dlares; entre 1981-82 constata-se um supervit de 991 milhes de dlares; e no trinio 1983-85 o saldo positivo de 10677 milhes de dlares (CARDOSO; FISHLOW, 1989, p. 100). De maneira geral, a balana comercial brasileira se manteve negativa entre 1974 e 1981 devido aos efeitos diretos da I Crise do Petrleo, e recuperou-se no incio da dcada de 1980, em face do aumento da quantidade exportada e das mudanas estruturais geradas pelo processo de substituio de importaes.

    No balano de pagamentos, entre os anos de 1974 e 1975, conformou-se uma situao deficitria, em grande parte, devido aos valores negativos da balana de transaes correntes. Entre 1976-1979, porm, apesar dos saldos negativos nessas transaes, o balano, como um todo, se mostrou positivo, graas aos saldos na conta de capital. Entre 1979-1980, com o II Choque Petrolfero, o balano de pagamentos entrou, novamente, em dficit, pelo aumento das despesas financeiras, conseqncias do boom dos juros internacionais. O balano de pagamentos voltou a apresentar saldo positivo em 1984, porm, a um preo social extremamente alto (CARNEIRO, 2002, p. 123).

    Nesse diapaso, Belluzzo e Coutinho (1983, p. 168) destacam o papel do petrleo como componente definidor do quadro econmico brasileiro no final da dcada de 1970, frisando que

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    alm do volumoso dficit financeiro do Tesouro (de 280 bilhes de cruzeiros, sendo aproximadamente 5% do PIB) os preos internacionais do petrleo bruto estavam subindo de forma extremamente rpida (desde a queda do X do Ir). A forte subida do preo do petrleo (de 110% entre junho/79 e fevereiro/80) no somente viria reforar a acelerao inflacionria, mas tambm contribuiria para deteriorar seriamente o balano de pagamentos.

    No tocante inflao, tem-se que, entre 1974 e 1984, os choques externos e internos foram transferidos para os consumidores finais, quer atravs do sistema de indexao, quer atravs dos poderes de vrios setores essenciais que tomavam medidas para manter o seu percentual de lucratividade. Quem mais sofreu com o surto inflacionrio foi populao brasileira, que, alm de pagar mais pelos produtos, teve os seus salrios deteriorados pela inflao acelerada, implicando na diminuio de seu poder aquisitivo e conseguinte piora na sua qualidade de vida.

    O PIB per capita brasileiro, nesse perodo, por sua vez, foi diminuindo seus ndices percentuais de crescimento: enquanto entre 1970-1973 crescera 9.7%, a partir de ento decai vertiginosamente, j que entre 1974-1977 marca 4.6%, entre 1978-1981 2.1% e entre 1982-1984 foi de -0.93%. O crescimento mdio do PIB per capita, entre 1974 e 1984, foi de 2.22% ao ano (DIAS; RODRIGUES, 1994, p. 73).

    Em suma, a I Crise do Petrleo causou uma deteriorao nos termos de troca dos produtos brasileiros contribuindo para o imediato dficit da balana comercial e do balano de pagamentos, bem como ressuscitou o fenmeno inflacionrio que vinha decaindo desde a dcada de 1960. O ambiente internacional de sobreliquidez e de baixas taxas de juros que se formou entre 1975-1979 estimulou o governo brasileiro a manter o crescimento econmico atravs do financiamento externo, enquanto, concomitantemente, aumentava-se a dvida externa. O II Choque do Petrleo e a revoluo monetarista americana multiplicaram a dvida externa e a inflao, forando o Brasil a aumentar os juros internos para equilibrar o balano de pagamentos, e a transferir recursos ao exterior para pagar os encargos do endividamento9. Isso prejudicou a populao brasileira que passou de um perodo de crescimento econmico, no incio da dcada de 1970, para um momento de altos

    9 A rea de energia, por utilizar elevadas quantias de investimento, colaborou para o agravamento da

    situao internacional do Brasil, colocando-o numa posio de devedor internacional, e agravando seus ndices de desenvolvimento social e econmico, na dcada de 1980.

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    nveis de inflao e desemprego, baixo crescimento do PIB e estagnao da economia na segunda metade dessa dcada e na dcada seguinte (SOUZA, 2006).

    Para tentar adequar a realidade brasileira s transformaes que os choques do petrleo causaram no mbito domstico e internacional, adotou-se uma srie de medidas institucionais.

    Em relao dependncia direta de petrleo, em curto prazo, principalmente a partir de 1973, o Brasil adotou algumas medidas visando reduzir a aquisio de hidrocarboneto estrangeiro, quais foram: o aumento da produo interna; a intensificao das pesquisas para novas jazidas petrolferas, formas de transporte em massa e medidas de conservao de energia; escalonamento de preos da gasolina; fechamento de postos de gasolina nos finais de semana e feriados.

    Juridicamente, o pas passou a celebrar acordos com petrolferas estrangeiras que ficaram conhecidos como "contratos de risco":

    No setor petrolfero, tentando incrementar a produo nacional e reduzir a dependncia externa, o governo brasileiro elaborou os Contratos de Risco, nos quais as petrolferas vinham ao Brasil prospectar e perfurar e, se fosse encontrado o leo, os contratados exploravam-no sob o regime de partilha. (PAZINATO DA SILVA, 2010, p. 143)

    A principal tentativa brasileira para a superao da dependncia externa foi a ampliao da capacidade de produo domstica de bens e petrleo, atravs de um ajuste estrutural10 realizado com o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND). Melhor soluo teria sido se o governo brasileiro, nesse ambiente ps-choque, tivesse freado o crescimento ocasionado pelo Milagre Econmico, para evitar o aumento da dvida externa. Contudo, optou-se por emprestar dinheiro dos bancos internacionais, elevando instantaneamente a dvida externa lquida brasileira (BCB, 2010), para manter os nveis exorbitantes de crescimento, financiar o II PND e as onerosas importaes de leo.

    Entre 1974 e 1979 (Era Simonsen) a poltica econmica do Brasil estilou-se na tentativa de projetar um novo padro de expanso para sustentar as elevadas taxas de crescimento, atravs do II PND, que buscava modificar a estrutura

    10 Como bem ressalta Ricardo Carneiro (2002, p. 55), h, pelo menos, trs correntes de

    interpretao sobre o perodo, cada qual com suas variantes, que merecem ser assinaladas: uma viso ortodoxa, na qual estratgia de poltica econmica vista como uma evaso ao ajustamento; uma interpretao estruturalista, segundo a qual o perodo pode ser caracterizado como de ajustamento estrutural; e, por fim, uma vertente crtica que enfatiza a inadequao e o fracasso do ajustamento estrutural. A opo adotada nesse trabalho pela corrente crtica.

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    produtiva brasileira para viabilizar novos segmentos da indstria de bens de capital, atravs de transformaes na matriz energtica e da ampliao da participao da indstria pesada e intermediria no PIB do pas, enquanto, paralelamente, buscava-se reverter a acelerao da inflao e conter o dficit do balano de pagamentos (BELLUZZO; COUTINHO, 1983, p. 159).

    Como a crise energtica de 1973 evidenciou a dependncia de petrleo e seus derivados na formao da matriz de energia brasileira, a minimizao dessa vulnerabilidade foi um dos pontos centrais desse plano desenvolvimentista. Com esse intuito, diversos programas energticos foram implantados, sendo que se destacaram, no setor industrial, o fomento energia eltrica e nuclear, e na rea de transportes, a implementao de combustveis alternativos, o aumento da produo nacional de leo e os estudos para a expanso de malhas de transporte opcionais rodoviria.

    O choque do petrleo de 1973 ( e 1979) trouxe o endividamento, mas tambm novos horizontes. A necessidade de reduo de gastos com este insumo viabilizou outras polticas, como por exemplo as polticas pblicas para energias "alternativas". Esta denominao deve-se vinculao ao petrleo, ou seja, eram polticas que visavam a pesquisas e implementao de projetos ampliando outras fontes de energia, com a consequente reduo da dependncia do leo importado. (PAZINATO DA SILVA, 2010, p. 143)

    A alternativa que mais se desenvolveu foi o Programa Nacional do lcool, que, baseado no emprego da cana de acar como matria-prima para o lcool carburante, foi inaugurado com a finalidade de abrandar a vinculao externa aos derivados de petrleo e, com isso, preservar a indstria automobilstica domstica e garantir uma economia de divisas11 (MELO; FONSECA, 1981, p. 13).

    Analisando sob a tica estritamente energtica percebe-se que, em pequena medida, o objetivo do II PND foi atingido j que a matriz energtica brasileira, em 1984, se encontrava mais variada do que na dcada anterior12. imperioso frisar,

    11 pertinente, aqui, realizar um brevssimo parntesis para destacar a existncia de extenso debate

    acadmico a cerca dos benefcios e prejuzos relacionados a adoo do Prolcool enquanto alternativa I Crise do Petrleo. Os autores se dividem entre os apoiadores do Prolcool, representados por Joo Paulo Magalhes, Nelson Kuperman, Roberto Crivano Machado, e os opositores do programa, tais como Fernando Homem de Melo, Eduardo Giannetti da Fonseca, Uta Borges, entre outros. Independente de se adotar uma ou outra corrente doutrinria evidente que o Prolcool abrandou a dependncia externa de derivados de petrleo ao criar uma alternativa para os combustveis comuns; em contrapeso, a essencialidade do financiamento do governo para a subsistncia do programa contribuiu para o incremento do endividamento externo do Brasil. 12

    No ano de 1984, a participao das diversas fontes de energia no consumo brasileiro total era a seguinte: 27.8% de derivados de petrleo, 32.9% de energia eltrica, 1.6% de lcool, 3.1% de carvo mineral, 1.4% de gs natural, 14.7% de lenha e 17.7% de outras fontes. A participao da energia

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    em contraponto, que a evoluo do setor energtico brasileiro se realizou com base em investimentos e subsdios estatais, sendo que estes eram financiados por meio de emprstimos internacionais, alm de no ter continuado, nas dcadas subseqentes, no mesmo nvel de diversificao.

    Cumpre destacar, ainda, que, no mbito socioeconmico, inmeros foram os prejuzos apontados pela escolha brasileira ao ajuste externo na dcada de 1980 como soluo para a crise econmica e social que se deflagrara no pas. Destacam-se a escalada da dvida interna, que acelerou a deteriorao das finanas pblicas - pois as maxidesvalorizaes cambiais aumentaram o custo interno a ser pago pelo endividamento, enquanto a transferncia de recursos produtivos para a exportao causou uma diminuio na arrecadao fiscal e a inflao causada pela necessidade do Banco Central em emitir moeda para pagar a dvida externa, provocando um surto inflacionrio ainda maior (VELLOSO, 1998).

    Os efeitos do ajustamento externo, conjuntamente com a inflao, tiveram como conseqncia o desestmulo ao investimento privado no pas, o aumento do dficit pblico causado pelo efeito Oliveira-Tanzi13, a desorganizao da economia domstica, a queda nos nveis reais de crescimento do PIB, a diminuio na capacidade de compra da populao e o aumento nos percentuais de desemprego. No se pode olvidar, ainda, que a implementao das medidas contencionistas foi imposta com um alto custo social, visto que ocasionou a deteriorao dos servios pblicos, impossibilitando a manuteno do Estado na gesto do crescimento econmico brasileiro, o que, juntamente com a inflao desordenada, acarretou na piora nas relaes de emprego, salrio, qualidade de vida e bem-estar da populao brasileira.

    3. Da situao energtica atual no panorama mundial e no Brasil: a manuteno do petrleo como principal fonte energtica.

    Impende-se examinar, hoje, a situao energtica em mbito nacional e global, com o intuito de vislumbrar a atual proeminncia do petrleo, e seus

    eltrica, do lcool, do carvo mineral, do gs natural e de outras fontes alternativas melhoraram em comparao com a composio do ano de 1974, evidenciando o aumento da diversificao (DIAS; RODRIGUES, 1994, p. 74). 13Segundo o conceito elaborado por esses dois estudiosos, h uma perda real de receita fiscal devido defasagem causada pela inflao, entre as transaes e o momento em que os tributos so recolhido, ou seja, a carga fiscal corroda pela inflao.

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    derivados, na economia e, consequentemente, sua relevncia no mbito jurdico, que a regulamenta, e a amolda aos ditames sociais preceituados na Carta Poltica brasileira.

    No ano de 2011, o consumo mundial de energia atingiu 12274,6 milhes de toneladas de equivalentes a leo. Desse total, 4059,1 milhes de toneladas foram gastos em petrleo e derivados; 3724,3 milhes de toneladas, em carvo; 2906,6 milhes de toneladas, em gs natural; 791,5 milhes de toneladas, em energia hidroeltrica; 599,3 milhes de toneladas, em energia nuclear; 194,8 milhes de toneladas, em energias renovveis (BP, 2012).

    Convertendo tais nmeros em percentuais, tem-se que a matriz energtica mundial atual formada da seguinte maneira: 33,6% da energia gasta provem do ouro negro e seus derivados; 30,4%, do carvo; 23,6% do gs natural; 6,4% da energia hidroeltrica; 4,8% da energia nuclear; 1,5% das energias renovveis.

    No Brasil, mais de trinta anos aps a II Crise do Petrleo, a realidade, totalmente distinta, j que houve uma significativa melhora na indstria produtiva e de capitais nacional, estruturou-se as diretrizes econmica e financeira, democratizou-se a poltica e implementou-se diversos projetos sociais. inegvel a evoluo do Brasil que, a despeito de ainda ser uma nao de desigualdades e abismos sociais, j sustenta a 6 posio no ranking das maiores economias mundiais (EIU, 2011). Em termos de poltica energtica, sempre essencial para o crescimento e desenvolvimento de um Estado, importante ressaltar que a matriz brasileira no se alterou muito em relao conformao da dcada de 1970, tampouco se difere do

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    painel energtico apresentado em nvel mundial, posto que as fontes de energia contribuem para o total utilizado no Brasil, na seguinte proporo: bagao da cana (11,9%), eletricidade (18,11%), gs natural (7,2%), lenha (7,2%), etanol (4,7%), lixvia (2,1%), outras fontes (13,6%) e petrleo e derivados (35,2%) (BEN, 2012).

    Ademais, o Brasil, atualmente, se encontra em 13 lugar dentre os maiores produtores mundiais de petrleo, com uma produo diria de 2193 mil barris de leo, alm de possuir a 14 maior reserva mundial provada desse insumo, a qual totaliza 15.1 bilhes de barris (BP, 2012).

    Da avaliao dos dados, extrai-se que a energia proveniente do ouro negro, ainda amplamente utilizada, quer em mbito mundial, quer em mbito nacional. Esta constatao silencia, ao menos momentaneamente, os crticos que, desde a dcada de 1970, desacreditaram a relevncia dessa matria prima para a economia mundial, bem como corrobora para a necessria avaliao da legislao vigente sobre tema de tamanha repercusso nos mais diversos aspectos da sociedade brasileira.

    4. A Legislao vigente sobre a regulao petrolfera no Brasil: a constante interveno estatal e o desenvolvimento do modelo exploratrio das concessionrias.

    A despeito de terem existido vrias modalidades exploratrias durante o percurso da explorao petrolfera no Brasil, inegvel o notrio espao assumido pela Petrobrs. At o seu surgimento, na dcada de 1950, as fases da explorao

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    do leo se desenvolveram do seguinte modo: com a Constituio de 1981, criou-se o regime fundirio para a explorao dos recursos naturais; a partir de 1934, com o Cdigo de Minas, de 1934, impo-se uma srie de requisitos e condies para a explorao petrolfera por particulares; com a Constituio de 1937, vedou a participao estrangeira no setor petrolfero nacional; com a Emenda Constitucional de 1940, atribuiu-se competncia privativa a Unio para tributar a produo, comrcio, distribuio e consumo de todos os combustveis lquidos; com a Constituio de 1946, reatou-se a possibilidade das empresas estrangeiras que estiverem instaladas no Brasil desenvolverem pesquisas no setor. A permisso concedida para estrangeiros explorarem riquezas brasileiras causou revoltas entre os estudantes que sob a erige do slogan o petrleo nosso foram s ruas gritar pela reao nacionalista com a volta do monoplio estatal, o que efetivamente ocorreu, na dcada de 1950, com a criao da Petrobrs (MATTOS DIAS; QUAGLINO, 1993).

    O Monoplio estatal dessa empresa sobre a produo petrolfera nacional perdurou por mais de quarenta anos. Aps a promulgao da Constituio da Repblica, ajustamento normativo do iderio constitucional aos anseios da sociedade, tal regime exclusivo de explorao fora repensado para adequar-se, tanto a funcionalizao de dispositivos tradicionalmente individualistas - refletindo a preocupao do legislador em garantir que os direitos essenciais dos cidados no fossem suprimidos em benefcio da iniciativa privada quanto necessidade de regulamentao da ordem econmica capitalista - o artigo 17314, por exemplo, enxugou a rea de atuao estatal, que passou a estar restrita aos servios indispensveis ao funcionamento do Estado e ao provimento da populao (FERREIRA, 1994, p. 308).

    Assim sendo, o texto constitucional, visando manuteno da segurana nacional e do uso racional do leo, manteve o monoplio das jazidas de petrleo pela Unio (art. 177 da Carta Magna):

    Art. 177. Constituem monoplio da Unio: I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petrleo e gs natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II - a refinao do petrleo nacional ou estrangeiro; III - a importao e exportao dos produtos e derivados bsicos resultantes das atividades

    14 Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituio, a explorao direta de atividade

    econmica pelo Estado s ser permitida quando necessria aos imperativos da segurana nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

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    previstas nos incisos anteriores; IV - o transporte martimo do petrleo bruto de origem nacional ou de derivados bsicos de petrleo produzidos no Pas, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petrleo bruto, seus derivados e gs natural de qualquer origem; V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrializao e o comrcio de minrios e minerais nucleares e seus derivados, com exceo dos radioistopos cuja produo, comercializao e utilizao podero ser autorizadas sob regime de permisso, conforme as alneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituio Federal.

    A despeito da garantia da propriedade exclusiva sobre os poos de petrleo, a Constituio da Repblica, no pargrafo 1 deste dispositivo, introduzido pela Emenda Constitucional 09/1995, estabeleceu a faculdade de a Unio contratar com empresas estatais ou privadas para a realizao das atividades relacionadas explorao, produo, refinao, exportao, importao e o transporte referentes indstria do hidrocarboneto, nos termos previstos na Lei 9.879/1998.

    Sobre este tema, enfatiza Ferreira que (2010, p. 81):

    Parece claro que o corolrio do monoplio estatal e da exclusividade de empresas pblicas sob controle do Estado declinou progressivamente para uma atividade de regulao setorial que, visando a resguardar os interesses estratgicos do Estado, promoveu o cmbio de um modelo estatizante para outro, que privilegia a livre competio dos agentes econmicos.

    Carlos Ari Sundfeld (2000, p. 391), nessa seara, esclarece que a previso do 1 do art. 177 da Constituio Federal apenas possibilitou o fim da exclusividade da explorao das atividades por empresa estatal federal. Mas no alterou o monoplio da Unio em relao s mesmas. Este persiste existindo. Tanto que o art. 20, IX, da Constituio Federal de 1988 prev que so bens da Unio os recursos minerais, inclusive os do subsolo.

    A EC 09/1995, portanto, apenas relativizou o monoplio da Petrobrs15, enquanto gerenciadora da Unio sobre as reservas petrolferas do pas, para

    15 Vale asseverar que, no obstante tenha se estabelecido um regime de ampla concorrncia, a

    Petrobrs, atuando na modalidade de sociedade de economia mista prestadora de atividade econmica posto que suas atividades no foram consideradas, pelo Supremo Tribunal Federal, como servios pblicos - continua concentrando grande parte das atividades do ciclo produtivo do leo no pas. Atualmente, dos 20 maiores campos existentes no Brasil, apenas dois no so operados pela Petrobrs, o que resulta no domnio, pela empresa de 94,25% da produo nacional. Ademais, a Petrobrs responsvel por 98,5% da distribuio da produo de gs natural e por 93,4% da distribuio de petrleo e derivados no Brasil (ANP, 2011). A empresa, ainda, em 2011, posicionou-se em 75 lugar no ranking das 100 marcas mais valiosas do mundo, e, est na 5 colocao no ranking especfico do setor mundial de petrleo (MILLWARD BROWN, 2011). A expressiva concentrao exploratria dessa empresa evidencia sua capacidade produtiva e importncia tanto para o setor energtico quanto para toda a economia brasileira, uma vez que,

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    outorgar, s empresas privadas, o direito de participar das atividades petrolferas, sem conceder-lhes os direitos reais ou pessoais sobre as jazidas, mas, somente, o direito de explor-las e de apropriar-se de seus produtos. Desse modo, as reservas, ainda que dentro da rea afeta concesso, so de propriedade da Unio, que poder atribuir o seu aproveitamento econmico a terceiros com base no sistema dominical consagrado pela Carta de 1988 (PIRES, 2000, p. 129).

    A nova redao dada ao supracitado dispositivo constitucional foi seguida pela consolidao da matria, em nvel infraconstitucional, na lei 9.478/97, a qual teve, como um de seus objetivos principais, permitir o ingresso de empresas no estatais na explorao e produo de petrleo e gs, antes exclusivas da Petrobrs e suas subsidiarias, e submeter todos os prestadores estatais ou no ao sistema contratual, da concesso petrolfera (SUNDFELD, 2010, p. 31). A Lei do Petrleo configura, at hoje, o principal instrumento normativo para as reas de explorao fora do pr-sal.

    A mencionada lei prev, em seu artigo 1, os princpios gerais que vo orientar tais atividades, quais sejam:

    I - preservar o interesse nacional; II promover o desenvolvimento, ampliar o mercado de trabalho e valorizar os recursos energticos; III - proteger os interesses do consumidor quanto a preo, qualidade e oferta dos produtos; IV - proteger o meio ambiente e promover a conservao de energia; V - garantir o fornecimento de derivados de petrleo em todo o territrio nacional, nos termos do 2 do art. 177 da Constituio Federal; VI - incrementar, em bases econmicas, a utilizao do gs natural; VII identificar as solues mais adequadas para o suprimento de energia eltrica nas diversas regies do Pas; VIII - utilizar fontes alternativas de energia, mediante o aproveitamento econmico dos insumos disponveis e das tecnologias aplicveis; IX - promover a livre concorrncia; X - atrair investimentos na produo de energia; XI - ampliar a competitividade do Pas no mercado internacional.

    Este dispositivo legal criou, ainda, o Conselho Nacional de Poltica Energtica (CNPE), para o assessoramento presidencial no estabelecimento de polticas pblicas relacionadas a recursos energticos, e a Agncia Nacional do Petrleo, Gs e Biocombustveis (ANP), uma autarquia especial federal, com a finalidade de promover a regulao e fiscalizao das atividades petrolferas. H previso, igualmente, sobre as regras gerais para a explorao e produo do petrleo, bem

    segundo o IBGE, em 2010, a Petrobrs respondeu pela movimentao de cerca de 10% do PIB brasileiro.

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    como as normas para licitao e celebrao dos contratos de concesso esto nos artigos 21 a 24.

    Com base no modelo de concesses, as empresas concessionrias, em contraprestao outorga do direito de explorar e produzir leo, pagam ao Estado tributos e participaes governamentais (royalties, bnus de assinatura, participao especial e pagamento pela ocupao ou reteno de rea16) titulo indenizatrio pelos reflexos prejudiciais causados pela explorao desse insumo, bem como devem destinar parcela da produo ao abastecimento do mercado interno do pas.

    No diapaso dos hidrocarbonetos, relevante apontar que o Brasil apresentou, em 2004, uma proposta de ampliao, para 360 milhas, da sua plataforma continental, obtendo, da Comisso de limites da plataforma continental, a sugesto para que o pas reformulasse sua proposta, recuando em cerca de 35% sua pretenso extensiva do territrio. Caso o novo projeto do Brasil seja aceito, o pas poder ser pioneiro na ampliao da sua plataforma continental. Tal ampliao, para o Brasil, tem atrativos econmicos, cientficos e polticos, uma vez que calcula-se que 1/3 das reservas totais de hidrocarboneto do mundo se situem nas plataformas continentais, onde tambm se abrigam,depsitos de carvo, estanho, ferro, diamante, chumbo, prata, ouro, urnio, nquel, tungstnio, mangans, cobre e cobalto. (RANGEL, 2004, p. 38-39 e LEPLAC, 2011).

    Com a descoberta do pr-sal, em 2007, alm de ampliar os interesses pela extenso do territrio martimo nacional, ascendeu-se o debate sobre a necessidade de reformulao do modelo regulatrio dessa problemtica, com o intuito de aumentar a interveno estatal sobre a produo desse recurso natural.

    Assim, desde 2010, vigora no Brasil um regime regulador misto para a explorao e produo de petrleo e gs natural. A Lei n 12.351, promulgada em 22/12/2010, estabeleceu, para as reas no licitadas do polgono do pr-sal e outras reas estratgicas, o regime de partilha da produo, tal como se ver adiante. Para todo o restante do territrio, cerca de 98% da rea total das bacias sedimentares

    16 O bnus de assinatura uma receita contraprestacional decorrente da explorao e da aquisio

    de um bem da Unio pelo concessionrio. Os royalties so pagos mensalmente, na quantidade de 10% sobre a produo, desde o incio da produo comercial. As participaes especiais so compensaes financeiras, aplicadas sobre a receita bruta da produo, deduzidos os royalties, os investimentos na explorao, os custos operacionais, a depreciao e os tributos. O pagamento pela ocupao ou reteno de rea, por fim, valor pago anualmente, fixado por quilmetro quadrado ou frao da superfcie do bloco (FERREIRA, 2010, p. 84).

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    brasileiras, continuou em vigor o regime de concesso estabelecido pela referida Lei n 9.478.

    A Lei n 12.276/2010 autorizou a Unio a ceder onerosamente Petrobras o direito de exercer atividade de pesquisa e lavra de petrleo em reas do pr-sal com at 5 bilhes de barris de leo equivalente (boe), em troca de aumento de participao do estado brasileiro no capital da empresa. Isso foi fundamental para o processo de capitalizao da Petrobrs, necessrio para atuar no novo cenrio. A Petrobrs captou o equivalente a US$ 70 bilhes no mercado e a Unio passou de detentora de 41% do capital total da empresa para 48%.

    A Lei n 12.304/2010 criou e determinou as atribuies da empresa pblica Pr-Sal Petrleo SA (PPSA), que representar a Unio na gesto dos contratos de partilha de produo celebrados entre o Ministrio de Minas e Energia e as empresas de E&P e na gesto dos contratos para comercializao do petrleo e do gs natural do pr-sal. A PPSA ter, entre outras misses, a de fazer parte - com 50% - dos consrcios formados para executar os contratos de partilha e representar a Unio nos comits operacionais dos consrcios, com metade de seus membros.

    A Lei n 12.351/2010 estabeleceu o regime de partilha para as reas no concedidas do pr-sal e outras reas consideradas estratgicas. Definiu novas funes para a Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis (ANP), do Ministrio de Minas e Energia (MME) e do Conselho Nacional de Poltica Energtica (CNPE) no novo regime. Criou o fundo social para gerir a aplicao dos recursos da Unio oriundos da produo do pr-sal.

    evidente que o intuito da adoo do regime de partilha o aumento no controle da explorao petrolfera, alm da reverso igualitria dos ganhos para a sociedade brasileira, nos termos do artigo 3, III, da Constituio Federal, ao contrrio de apenas gerar lucratividade para as operadoras concessionrias. O novo arranjo permitir que o Estado, de forma compatvel com os preceitos constitucionais, assuma, plenamente, o seu papel de maximizar os resultados da explorao de tais reservas naturais em benefcio, econmico, da sociedade brasileira.

    5. Perspectivas para a futura prtica da nova regulao petrolfera no Brasil: a expectativa de uma alternativa socioambiental.

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    Fazendo uma conexo cronolgica com a atualidade, nota-se que vrios acontecimentos ocorridos nas dcadas de 1980, 1990 e 2000, tais como a guerra do Golfo, as recentes invases do Afeganisto e Iraque, e o litgio internacional quanto soberania sobre as Ilhas Malvinas e sobre a Antrtica, os quais tiveram, ao menos no plano de fundo, alguma relao com a temtica petrolfera, corroboram para a comprovao da atualidade do ouro negro para garantir a perpetuao da civilizao capitalista ps-moderna.

    Nesse nterim, o Brasil chega ao sculo XXI invertendo o seu posicionamento no quadro petrolfero internacional, pois, com as recentes descobertas na plataforma continental e na camada pr-sal, pode-se atingir a meta da autossuficincia produtiva de petrleo.

    Com a adoo do novo regime do pr-sal, manter-se- a poltica capitalista, porm, aumentar-se- o protecionismo no setor energtico, mediante a ampliao do intervencionismo estatal no domnio econmico. A adoo dessa corrente deve, j que o Brasil possui extensa produo desse insumo, efetivamente, evitar que, em termos estritamente setoriais, o pas, mais uma vez, padea gravemente quando de uma nova instabilidade na determinao dos preos internacionais do leo. Em contrapartida, se se considerar que a economia afetada por uma srie de fatores e que a dependncia de capitais estrangeiros no Brasil uma realidade, imperioso admitir que no se est imune diante da ecloso de uma crise econmica mundial. Ainda, mais relevante o fato de que a disposio de grande explorador do Brasil no garante, necessariamente, o desenvolvimento da nao, principalmente, se tal matria prima energtica for pensada exclusivamente sobre o vis econmico.

    Destarte, em que pesem esse posicionamento, exclusivamente extrativista17, h, ainda, outra corrente, transdisciplinarmente mais engajada, a qual, mediante a conjugao de objetivos socioeconmicos e ambientais, visa converter a primazia petrolfera em poltica econmica efetiva, capaz de concorrer para o

    17 Baseando-se nas leis atuais: o modelo a ser praticado, em especial aquele referente partilha da

    produo, no parece possvel outra concluso que no seja a da manuteno, pelo Brasil, de uma postura exclusivamente extrativista em relao aos seus recursos petrolferos. Isso porque, no encontramos no novo marco critrios de sustentabilidade ambiental e social no mdio e no longo prazo. Ainda que possa se argumentar o papel do Fundo Social, notamos que esse instituto no foi criado a partir de uma diretriz ambiental e a aplicao dos recursos financeiros para sanar desigualdades intrageracionais no pode ser associada diretamente melhoria da qualidade de vida das futuras geraes (MACHADO; VILANI; 2010, p. 129).

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    desenvolvimento do pas e para a melhoria na qualidade de vida e na realidade social do povo brasileiro, ao mesmo tempo em que cumpre os ditames da sustentabilidade e da proteo ambiental intergeracional (MACHADO, VILANI, 2010, p. 129).

    A limitao da viso economicista tem sido sistematicamente delatada, entre outros, por Guido Soares, Bresser-Pereira, Paulo Leme de Affonso Machado, Carlos Saldanha Machado, Rodrigo Machado Vilani e Pires Ferreira, os quais vislumbram o desenvolvimento enquanto um processo de transformao global (BRESSER-PEREIRA, 2003, p. 32).

    Para esses autores, primar por uma anlise socioambiental cautelosa, em detrimento de uma anlise estritamente econmica, o mais apropriado, porquanto os hidrocarbonetos so recursos finitos, porm, cuja escassez no definida apenas pela irreversibilidade do consumo (ALTVATER, 1989, p. 6), mas, igualmente, pelo princpio do uso racional, limitado no tempo e no espao pela capacidade de assimilao pelo meio ambiente (EEA, 1999).

    Assim, a despeito dos protestos por parte dos que alegam que os problemas de escassez no uso dos recursos naturais pode ser resolvido com as inovaes tecnolgicas (VOGLER, 2000, p. 176), mister reconhecer que os obstculos que envolvem a relao entre a explorao dos recursos naturais e o meio ambiente somente sero resolvidos atravs de sua inter-conexo, com o desgnio de incrementar o desenvolvimento sustentvel.

    O binmio entre a explorao dos recursos naturais e a proteo do meio ambiente se compe de maneira complexa, pois, se, por um lado, inegvel a retribuio econmica que os recursos naturais possuem, por outro lado, igualmente notrio a essencialidade do meio ambiente para a vida humana.

    Pensando nessa adoo de critrios distributivos o Nosso Futuro Comum (UNITED NATIONS, 2008) pleiteia a reformulao da poltica energtica mundial:

    em relao a recursos no renovveis, como combustveis fsseis e minerais, seu uso reduz o estoque disponvel para as futuras geraes. Entretanto, isto no significa que estes recursos no devam ser usados. De maneira geral, a taxa de esgotamento deve levar em conta aspectos crticos do recurso, a disponibilidade de tecnologias para minimizar a depleo e a probabilidade de existirem substitutos disponveis.

    Na mesma direo, Guido Soares (2001, p. 892), asseverou que

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    dada a indivisibilidade do meio ambiente que, por sua natureza, desconhece fronteiras de fixao de limites fsico entre o interno e o internacional, a tendncia dos assuntos relativos ao mesmo tornar-se de pertinncia concomitante da poltica interna e da diplomacia dos Estados.

    Para amoldar tais ideais tericos ao plano prtico no setor petrolfero brasileiro, Machado e Vilani (2010, p. 103-130), apontam para a implementao do controle da quantidade de leo extrado, como mecanismo apto a garantir um avano, concomitantemente, rentvel e sustentvel. Como contraponto aos projetos de partilha e concesso, que acompanham a dinmica da lei da oferta e da procura, mantendo-se a merc da flutuao do mercado internacional, o controle da quantidade de petrleo explorado garante a manuteno de um estoque estratgico de reservas para as futuras geraes.

    Tal proposta pode significar, em sntese, pensar, tanto quanto no desenvolvimento econmico e social, na justia ambiental, nos moldes como fora proposta por Alexandre Kiss (2005, p. 51), ou seja, no fato de que os seres humanos devem deixar para as prximas geraes recursos naturais, em quantidade e qualidade suficientes para assegurar que essas riquezas possam atender suas necessidades bsicas.

    A iniciativa supramencionada apenas uma das vrias idias que podem nortear o posicionamento do pas na execuo da regulamentao petrolfera, visando garantir, paralelamente, os interesses nacionais econmicos, sociais e ambientais. Alm disso, sabendo que este combustvel fssil limitado, pleitear a sua racionalizao - garantindo sua subsistncia at a promoo e estabilizao de outras fontes de energia capazes de sustentarem a demanda do pas - inevitvel para a manuteno do bem-estar nacional.

    O hidrocarboneto um recurso do solo brasileiro, devendo propiciar o desenvolvimento sustentvel ao cidado brasileiro, alm de favorecer o Brasil no contexto geopoltico, industrial, poltico, econmico e ambiental, nos moldes mirados pela Agenda XXI.

    Em eptome, o que se pretendeu trazer tona, atravs da revisitao das Crises do Petrleo da dcada de 1970 e de suas repercusses na economia brasileira em curto e mdio prazo, foi o imperativo dos brasileiros, engajados com o incremento da nao, estarem cientes do novo arcabouo jurdico da matria petrolfera, para que possam apoiar e exigir de seus representantes polticos um

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    posicionamento embasado em princpios18 que realmente os favoream e beneficiem.

    O ouro negro tem sido uma temtica estratgia, e, nesse liame, pertinente a analogia de Georges Clemenceau de que uma gota de petrleo equivale a uma gota de sangue. Destarte, para enfrentar os mpetos geopolticos que permeiam esta atividade, questiona-se a formulao de um projeto petrolfero nacional que se coadune com a utilizao do petrleo para a propulso econmica e social, ao mesmo tempo em que explora sustentavelmente o conjunto ambiental, em benefcio de todas as geraes, presentes e futuras, idealizando a implementao de uma gesto dos recursos naturais principiologicamente comunitria e favorvel a todos os brasileiros.

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    18 Nesse sentido, ainda que verse sobre os princpios do Direito Internacional que no foi objeto de

    anlise nesse trabalho, merece meno a concluso de Wagner Menezes (2009, p. 699) sobre o tema, por corroborar do mesmo vis idealista adotado neste estudo: o desafio para a sociedade internacional contempornea o respeito e reconhecimento pelos povos desses valores como uma conquista civilizacional de toda a humanidade para a consolidao da paz como desafio maior e fim ltimo do Direito Internacional (...) Que o reconhecimento e a valorizao dos princpios conduzam Direito Internacionais a estes objetivos e que lhe permitam resgatar a sua essncia distorcida pela frieza do positivismo dominante no meio acadmico nos ltimos anos.

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