42586849 a Filha Do Feiticeiro J W Rochester

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    bordis de Whetstone Park e a amizade do rei, aquem ele desprezava.Sua cultura, para a poca, foi ampla: dominava olatim e o grego, conhecia os clssicos, o francs e

    o italiano.Em 1661, com 14 anos, saiu do Wadham College,em Oxford, com o ttulo de Master of Arts. Partiu,ento, para o continente (Frana e Itlia) e tornou-se uma figura interessante: alto, esguio, atraente,inteligente, charmoso, brilhante, sutil, educado emodesto, caractersticas ideais para conquistar afrvola sociedade de seu tempo.Quando ainda no contava com 20 anos, em

    janeiro de 1667, casa-se com Elizabeth Mallet. Dezmeses aps, a bebida comea a afetar seu carter.

    Teve quatro filhos com Elizabeth, e uma filha, em1677, com a atriz Elizabeth Barry.

    Vivendo as mais diferentes experincias, desdecombates marinha holandesa em alto mar atenvolvimento em crime de morte, a vida deRochester seguiu por caminhos de desatinos,abusos sexuais, alcolicos e charlatanismo, numperodo em que atuou como "mdico".

    Quando contava com 30 anos, Rochester escrevea um antigo companheiro de aventuras relatandoestar quase cego, coxo e com poucas chances derever Londres.Em rpida recuperao, Rochester retorna aLondres.Pouco tempo depois, agonizante, realiza sua

    ltima aventura: chama osacerdote Gilbert Burnete dita-lhe suas memrias. Em suas reflexes finais,Rochester reconhecia ter vivido uma existncia

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    inqua, cujo fim lhe chegava lenta e penosamenteem razo das doenas venreas que lhedominavam.Conde de Rochester morreu em 26 de julho de

    1680. Depois de 200 anos, atravs da mdiumWera Krijanowskaia, Rochester manifesta-se paraditar sua produo histrico-literria, teste-munhando que a vida se desdobra ao infinito nassuas marcas indelveis da memria espiritual,rumo luz e ao caminho de Deus.

    Mais um Texto Inconfundvel deRochester

    A Lmen Editorial tem a satisfao de oferecer aopblico mais um romance indito do esprito JohnWilmot Rochester. Desta vez, apresentamos AFilha do Feiticeiro, uma obra cujo valor histricoremonta ao final do sculo XIX e incio do XX,perodo em que o texto foi psicografado pelamdium russa Wera Krijanowskaia.De antemo, alertamos os leitores no se tratar deum romance propriamente esprita, no sentido

    clssico do termo, com ensinamentos sobre ospostulados bsicos do Espiritismo codificado porAllan Kardec. Trata-se, sim, de um romancemedinico, cuja trama repleta de suspense,presena de "foras ocultas", sobrenaturais, almda batalha final entre o bem e o mal para a

    "salvao" de uma alma perdida. Tudo issodesenhado com o texto envolvente de Rochester,que prende nossa ateno da primeira at a ltima

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    O editor

    Parte 1

    "La religion dit: croyez et vous comprendrez. Lascience vient vous dire: comprenez et vous

    croirez."

    J. de Maistre

    E ento, Ivan Andrevitch, decididamente vocresolveu nos deixar, no ? Isso me deixadecepcionado, pois eu pensava t-lo conosco pelomenos por mais um ms.

    Sim, Filipp Nikolevitch, s passei aquiprincipalmente para convenc-los a sarem destelugar nojento e assustador.Ivan Andrevitch era um velho e respeitadohomem do mar. O rosto belo e enrgicoemoldurava-lhe a barba esbranquiada; nos

    grandes olhos cinza e nas pregas da boca,espreitava-se uma expresso de amargura, sinalde que sua vida ainda no se libertara das lutas edecepes. Oh, padrinho, fique, suplico-lhe!... Veja comoaqui aprazvel, que vista maravilhosa e ar puro erefrescante temos! - Interveio uma jovem, sentada

    perto.

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    Afastando o prato com morangos, ela aconchegou-se a ele e, com intimidade, f-lo se virar para opanorama descortinado de fato pictrico.A casa erguia-se num morro; em seus ps

    dormitava um lago, nele verdejando uma ilhota demata densa e, atravs do frondoso verdor dervores, entrevia-se o telhado pontiagudo de umprdio. Uma floresta escura cingia quase todo ohorizonte, salvo num lado, onde se divisava umpovoado com a cpula azul-celeste de sua igreja.

    Tal conversa se passava num amplo terrao,guarnecido de flores e plantas. Uma escada de dezlances conduzia ao jardim, de onde uma ladeiradava ao lago. A mesa de ricos cristais e prataria,adornada por grande vaso de flores, sentavam-seo anfitrio, sua esposa, a filha Ndya, seu padrinho

    e um velho e venerado padre. No jardim, aos psda escada, um menino de uns treze anos e umamenina de sete brincavam de argola e vareta.O anfitrio, Filipp Nikolevitch Zamytin, era odiretor de um importante banco em Kiev. Aindaque passasse dos cinqenta, era um homem cheio

    de fora. Sua esposa, Zoya Issifovna, filha de umgrande produtor de acar, trouxe-lhe de dote umbelo patrimnio. Desse modo, a hospitaleira casado afvel Filipp Nikolevitch, conhecido por suahonestidade e bom acolhimento, era de bom gradofreqentada pela melhor sociedade. Apropriedade, sob o nome de Gorki, onde estavamos Zamytin, fora herdada por Filipp Nikolevitch.A casa do senhorio, at ento vazia por muitos

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    anos, foi totalmente reformada e, pouco mais deduas semanas antes, a famlia l se instalou a fimde acompanhar os trabalhos de organizaodomstica.

    E no tenho razo, padrinho? Por acaso estavista no merece sua presena? E que dizer desuas concepes supersticiosas - estranhas, devodizer - neste sculo iluminado? Pois me diga ento:por que um lugar haveria de ser mais funesto queoutro? - provocou Ndya, fitando com um sorrisomalicioso o almirante. Ndya est certa. Voc no deve dar crdito aesses contos de fada, espalhados por mulheresociosas, Ivan Andrevitch - apoiou o pai. Entendo o quanto ainda o amargura o fimtrgico de Marssya - prosseguiu ele. - Mas, aoinvs de atribu-lo a alguma fora oculta, mais

    lgico seria explicar que Marssya tenha sidovtima de dois fortssimos abalos espirituais,causados pela morte do noivo e o assombro de v-lo vivo. Ademais, a morte sbita daquele idiotaKrassinsky teria se refletido em sua naturezasensvel.

    Se voc visse o que vi e conhecesse todas ascircunstncias estranhas que acompanharam o fimde Marssya, mudaria seu ponto de vista. Que olocal funesto e que aquela casa na ilha jpresenciou muita coisa, sequer suspeitada peloscientistas modernos, tudo pode ser confirmadopelo padre Tmon. Oh, padre, conte-nos, por favor, o que sabedaquela casa! Quem a construiu e o que l

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    aconteceu? Estou curiosa em visit-la e assim queo barco ficar consertado, irei l com MikhailDmtrievitch, pois os mistrios que ela guarda,com suas pequenas torres pontiagudas como as

    do castelo da "Bela Adormecida", me aguam acuriosidade.Ndya arrastou a cadeira para perto do padre eps-se a lhe pedir para compartilhar dasinformaes sobre a casa mal-assombrada. Bem, terei o prazer em contar o que sei. Devodizer que o meu relato, infelizmente, ir confirmara justa repulsa - e o padre olhou para o almirante -de Vossa Excelncia, nutrida por toda estalocalidade.Ele se compenetrou por instantes e fixou o olharna ilhota, destacada sobre o espelho do lago feitoum buqu.

    No conheci pessoalmente o construtor daquelecastelo na ilha. O meu antecessor, padre Porfrio,contou-me que o proprietrio de Gorki haviainiciado a construo ao retornar de uma longaviagem ao estrangeiro. Trouxera consigo umarquiteto - um italiano, conforme diziam. Os

    operrios falavam, ainda, ser este um feiticeiro,por estar sempre acompanhado por um co negrode olhos humanos, temido por todos. Havia,ademais, boatos de que o italiano tinha o "olhogordo" e se aquele homem moreno e de estaturabaixa passasse por algum e lhe lanasse umolhar com seus olhos argutos e cruis, algum

    infortnio era inevitvel: seus filhos adoeceriam, ogado morreria ou algo pegaria fogo. Assim, noera fcil arregimentar operrios; a simples viso

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    do italiano fazia as pessoas debandarem paralonge. A m fama da propriedade teve incio aotrmino da construo, quando o dono deixou debenzer a casa. Depois, correu o boato da morte do

    italiano, cujo corpo foi enterrado na ilha.Seguiram-se mexericos sobre a ocorrncia de fatosestranhos na ilha: incndios de rvores durante anoite, uivos alucinados de ces. Resumindo: opmico tomou conta da aldeia. Coisas estranhasaconteciam com o prprio proprietrio; emagreciaa olhos vistos, evitava pessoas e, meio ano depois,ele foi encontrado morto no leito.Instalou-se ali ento seu filho, junto com a esposae um menino de treze a catorze anos, filho deles.Um pouco antes, eu fui designado para c comopadre titular e por vrias vezes estive na casa dePvel Pvloviteh Iztov. No incio ele era uma

    pessoa alegre e comunicativa; visitava osfazendeiros vizinhos, recebia em casa e caava;depois, sem qualquer razo aparente, parou desair de casa. Diziam que ele passava dias e noiteslendo livros e documentos do pai e, com a mortesbita de sua esposa, de infarto, mudou-se de vez

    para a ilha. Meses mais tarde, ele viajou com ofilho Nikolai ao exterior, e, desde ento, eu nuncamais o vi.Mais de quinze anos se passaram sem que algumdos proprietrios aparecesse em Grki. A casa,tapada com tbuas, era vigiada pelo velhomordomo Fom e sua esposa. Nenhum outro p

    pisara a ilha. Pvel Pvloviteh, antes de viajar,expediu ordens expressas de no se tocar emnada no castelo...

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    Era um dezembro friorento e a noiteespecialmente tempestuosa. O vento silvava euivava no campo, fustigando a neve contra as

    janelas; um frio de rachar marcava menos de vinte

    graus. Eu morava, naquela poca, na velha edculada igreja -hoje inexistente - e acabava de enterrarminha esposa. A amargura da perda corroa-me aalma e, para afugentar a saudade, trabalhava atas altas horas da noite. J passava da meia-noite,quando ouvi o tilintar dos sinos de uma sege aolado da casa. Oh, meu Deus! - pensei - algum vem mebuscar para extrema-uno. Seguiram-se batidasna porta do vestbulo e logo ouvi o casal deempregados resmungando por terem sidoperturbados quela hora. Sa e ordenei-lhesabrirem a porta, quando vejo diante de mim um

    cocheiro coberto de neve. O que lhe aconteceu na viagem, no consigoentender -comeou a explicar o cocheiro. - Estvivo ou morto - no sei. Com esse tempo to ruim,no se v nada. Resolvi passar aqui, padre,buscando ajuda.

    Iluminei o interior do coche e vi, recostado nasalmofadas, um jovem esmaecido de olhos cerradosque, se ainda estivesse vivo, obviamente estavamuito doente. O patro aparentemente era rico, a

    julgar pela pelia, pelo bauzinho luxuoso e doissacos de viagem. De qualquer forma, eraclaramente irrealizvel lev-lo por dois quilmetros

    naquela nevasca. Ordenei carregarem-no para oquarto da falecida, em desuso pelas tristes

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    recordaes. O desconhecido foi deitado e eu lheprestei o primeiro socorro. Ele abriu os olhos, mas,de to fraco, mal conseguia falar. Por suainstruo, retirei de sua sacola um frasco,

    ministrei-lhe umas gotas e ele adormeceu. Seurosto, apesar de aparentar exausto e aspectodoentio, pareceu-me familiar; todavia, noconsegui me lembrar de onde o havia visto. No diaseguinte, o enfermo recuperou-se o bastante parase explicar e eu, surpreso, soube tratar-se deNikolai Pvlovitch Iztov - atual proprietrio deGorki, cujo pai falecera quatro anos antes.Sua vontade era partir imediatamente para apropriedade. Ponderei, no entanto, no se instalarnuma casa h muito tempo desabitada; sugeri-lheque eu fosse para l antes, a fim de providenciarque os foges a lenha fossem acesos e arrumados,

    e, com o auxlio do velho mordomo, dois ou trsquartos. Dispus-me a mandar tambm a cozinheiraMarfa, irm da minha empregada, pois sabia que aesposa de Fom estava doente.Nikolai Pvlovitch agradeceu, concordou com asminhas consideraes e eu parti. O velho

    mordomo ficou ansioso em rever o jovem patroque carregara no colo e comeou a agir. Alm deMarfa, levamos um casal de empregados einiciamos as providncias para deixar a casa emordem.Os foges foram acesos, o p foi retirado, as capasde proteo foram removidas dos mveis e dos

    quadros, tapetes foram estendidos e, algumashoras mais tarde, trs cmodos estavam prontos.Para Nikolai Pvlovitch, preparamos os aposentos

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    de sua me falecida, saindo para o jardim. Fomassegurou que tudo ali foi deixado do mesmo jeitodesde o falecimento da patroa, pois o prprioPvel Pvlovitch trancou os aposentos e, a partir

    de ento, ningum entrou l, mudando-se o patropara a ilha naquela mesma noite do enterro.Quando eu retornei com a notcia de que tudoestava pronto, Nikolai Pvlovitch agradeceu-mecalorosamente e Pediu que eu o acompanhassepara l sem demora.Com a viso da casa iluminada, o jovem foitomado de aprazimento e at de emoo;conquanto ainda estivesse fraco, eu e Fomtivemos de sustent-lo pelos braos. E vocs ainda me preparam os aposentos daminha me! - disse ele, comovido.Porm, mal adentramos o dormitrio, Nikolai

    Pvlovitch estacou feito paralisado e fixou o olharna imagem de Nossa Senhora, pendurada, dianteda qual Marfa havia aceso a lamparina.Achvamos que ele iria se persignar, mas a suaboca torceu-se e nos olhos refletiu-se um terrordesvairado.

    Fora!... Fora!... - berrou, em voz que noparecia dele. E, espumando pela boca, NikolaiPvlovitch tombou innime em nossos braos.Nesse nterim, o caixilho macio do conedespencou da parede e a lamparina se apagou,estalando. Ficamos pasmos e paralisados deterror. Nikolai Pvlovitch foi deitado na cama, e ocone levado para um quarto distante.

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    Ao voltar junto ao enfermo, este j voltara a si.Soerguendo-se nos travesseiros, ele lanou umolhar arisco para o canto vazio, onde apenas haviauma teia de aranha e, chamando-me com um

    gesto, sussurrou em voz quase inaudvel: Mande levar... todos.... para a ala doshspedes... Melhor ainda, leve tudo igreja...Estou doando... custo dominando o terror que me assaltara comessas palavras, no pude me conter e observei: Graves devem ser os pecados em suaconscincia, se apenas uma simples viso daProtetora Celeste lhe sugere pavor.

    Jamais esquecerei aquela expresso de sofrimentoe desespero que se instalou em seu rosto. No posso... Eu me sufoco quando A vejo -balbuciou. Fiquei profundamente compadecido por

    aquele homemsozinho e doente e, aparentemente, infeliz.Prometi atender ao seu desejo e levar os cones.Na despedida, ele me agarrou a mo, premeu-aconvulsivamente e balbuciou em voz entrecortada: Se eu o chamar, padre Tmon, vir ao meu leito

    de morte para apoiar-me na difcil hora e talveztentar salvar-me?Apesar de tremer por dentro, prometi cumprir seupedido e sa para juntar os cones e lev-los de l.No vestbulo, a criadagem, reunida minhaespera, anunciou unssona que no ficaria naquelacasa a servio do "amaldioado". Censurei-os e

    expliquei que era desumano abandonar umapessoa doente, talvez com o juzo perdido. Por fim,eles prometeram ficar. Retornei junto de Nikolai

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    Pvlovitch e comentei as inquietaes dosempregados. Ele mostrou-se consternado e, semnada objetar, estendeu-me um mao de dinheiropara distribuir entre eles, o que eu fiz e em

    seguida voltei para casa.Por trs semanas nada se ouviu a respeito deNikolai Pvlovitch - prosseguiu padre Tmon. -Certa tarde, voltando de uma missa nos arredores,vejo diante do porto um tren parado; o cocheiroanunciou que tinha uma carta de Gorki. Era deNikolai Pvlovitch, lembrando-me da promessa esuplicando que eu fosse at ele, pois sentia aiminncia da morte e queria conversar. Com muitarelutncia, resolvi ir, na esperana de fazer oinfeliz retornar a Deus. Por no querer ir sozinho,chamei o dicono. Partimos. No caminho, notei,aborrecido e at alarmado, que no tomvamos a

    direo da casa do senhorio; mas, pelo gelo, amosrumo ilha. No vestbulo, fomos recebidos porMarfa e Fom, que explicaram que duas semanasantes o patro se mudara para a casaamaldioada na ilha, onde o capeta praticava suasestrepolias. A noite, ouviam-se barulhos estranhos,

    as portas se abriam sozinhas aos estrondos, semqualquer causa aparente as luzes se apagavam e,ao lado da cama do patro, escutava-se tilintar deloua, gargalhadas e canto selvagem. Fomafirmou que um preto tentou asfixi-lo logo depoisde uma daquelas bagunas, quando ele comeoua recitar "E Cristo ressuscitar".

    Todos os dias ele nos d dinheiro e pede parano abandon-lo, mas no d para suportar mais!Oh, de arrepiar! Que Deus lhe d uma morte

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    rpida! - desejou Fom, visivelmenteamedrontado. E ele est mal? - perguntei. Sai da cama e fica andando, com a morte

    estampada no rosto - observou um dosempregados.Pedi ao dicono aguardar e entrei no dormitrio,onde Nikolai Pvlovitch estava sentado na poltronaperto da mesa, no meio do quarto. Seu rosto lvidotal qual um cadver, sem vivacidade, olhosafundados, convenceram-me estar diante de ummoribundo. Aparentemente, a escurido oaterrorizava, pois em cima da mesa ardiam doiscandelabros de cinco velas cada; num vaso grandecom gelo, aparecia uma garrafa de champanhe e,sobre a mo, via-se uma taa pela metade. O que isso? O senhor pede ajuda igreja,

    trago-lhe as ddivas eucarsticas para salv-lo nahora da morte, e o senhor toma champanhe? -repreendi. , meu padre, para me dar um pouco de forae coragem, sufocar a angstia que me oprime -retrucou ele em voz baixa, esquadrinhando com o

    olhar assustado o ambiente. Sbito, ele agarrou asminhas mos e as premeu forte. - No me deixe,padre Tmon - suplicou. - Sinto o fim prximo e noh quem me proteja do terrfico amoque escolhi...- e ele baixou a cabea, desanimado. Mas o senhor servidor Daquele, cujo nome nem ousopronunciar. Ir a seu abrigo que me levou odestino, quando vim para c... Talvez o senhor

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    seja a minha ncora de salvao, meu nicodefensor. Arranque a minha alma daquele!. . .Nikolai Pvlovitch se calou e, respirando comdificuldade, continuou, visivelmente perturbado:

    S no sei, meu padre, se terei foras ecoragem suficientes para sustentar uma lutaterrvel contra o inferno. So terrveis os meuspecados, e as foras do mal no vo querer medeixar...Com a face desfigurada pelo medo e os olhosdesvairados, Nikolai Pvlovitch esquadrinhava oscantos do cmodo, aterrorizado.Eu tentei por todos os meios apaziguar aquelamente doente e insana, segundo imaginava, masas palavras foram vs e no encontraram econaquela alma conturbada.Decidi, ento, ministrar-lhe a eucaristia, tentando

    livrar seu esprito das propaladas foras do mal,que, em verdade, achava eu ingenuamente seremfrutos de sua imaginao.Mal retirando os apetrechos sagrados de minhamaleta e acercando-me do doente, senti um friointenso percorrer-me as costas e um odor ftido

    invadir os aposentos. No consegui mais melocomover, como se fosse uma esttua de pedra.Aterrorizado, pregado ao solo, percebi os olhosdesmesuradamente abertos de Nikolai, injetadosde sangue, e de sua boca escancarada a tentativade um grito inumano congelado.Entre Nikolai e mim, apareceram, no cho, linhas

    fosforescentes de um vermelho vivo querodeavam completamente o pobre Nikolai. Comoraios de fogo, via-se o corpo dele ser traspassado

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    por flechas gneas que lhe tiravam o fluido vital,fazendo-o estremecer convulsivamente na mesmacadeira em que o encontrei ao entrar. A sua volta,eu via subirem vapores escuros simulando

    contornos de corpos tenebrosos e apavorantes,gritando obscenidades e danando ao seu redor.De repente, tudo se acalmou e desapareceu comose nada tivesse ocorrido. O estado catatnico emque me encontrava se dissipou, porm meu ntimoestava to alvoroado e trmulo que mal podiatrocar os passos.Armei-me de coragem e corri para socorrer Nikolaique, como podem imaginar, estava morto, cadono cho, conservando no rosto aquela mscarahorrenda de puro terror com os olhosesbugalhados e, do canto de sua boca, via-se umfio escuro e viscoso escorrendo. Jamais esquecerei

    o que presenciei naquele quarto, jamais.Todos os empregados e inclusive o dicono, que atudo ouviram sem nada poderem fazer,posteriormente disseram que no envidaramesforos para arrombar as portas do aposento,mas sem sucesso.

    Enterramos o corpo de Nikolai num clima depressgio e mal-estar a custo contido, e, sobre acampa do infeliz, um belo monumento encimadopor uma cruz.Sendo j muito tarde, a contragosto, fomos todosobrigados a pernoitar na ilha para s no diaseguinte tomarmos o caminho de casa.

    Os nimos dos empregados e demais pessoas dacasa permaneciam em sobressalto como que se

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    esperassem mais dissabores terrveis. Aps o ch,no entanto, resolvemos tentar descansar erecuperar a serenidade perdida; a casa voltou aficar silenciosa.

    Quando bateu meia-noite, fomos acordados porbarulhos sinistros, gritos lancinantes, uivos deces e uma tremenda exploso.A casa ficou em alvoroo outra vez e, de todos oscantos, acorriam os empregados lvidos eaparvalhados; vimos, ento, no escuro da noite,um claro avermelhado justamente ondehavamos enterrado Nikolai Pvlovitch.Mesmo apavorados, dirigimo-nos at o local eparamos estupefatos: o belo monumento com acruz que encimava a campa do morto estavaestilhaado, a cruz se partira em vrios pedaosemoldurando uma figura difcil, naquela hora, de

    ser reconhecida.No dia seguinte, ao raiar da manh, voltamosnovamente ao tmulo para decifrar o desenhoestranho que havamos vislumbrado durante anoite, percebendo, ao final, que as linhasformavam como que dois tringulos cruzados.

    Mais tarde eu soube que tal sinal era um smbolocabalstico.Para os moradores circunvizinhos esteacontecimento produziu uma forte impresso. Oque teria pensado Piotr Petrvitch - no sei -, massei que ele no reconstruiu o monumento emandou apenas retirar os fragmentos da cruz...Sobreveio um novo silncio. O relato do sacerdoteaparentemente abismou a todos. O almirante

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    fitava pensativo o lago, do qual se alava umnevoeiro esbranquiado, a se condensar e seagitar com o vento. Vamos entrar, amigos, est ficando mido -

    sugeriu ele. - Meu reumatismo no agenta isso;no gosto de ficar aqui fora principalmente quandoh um nevoeiro. Tenho a impresso de ver acabecinha loira de Marssya emergir da brumacinzenta - o que me faz recordar de velhas edolorosas lembranas, e depois do relato de hojedo padre Tmon, esta impresso ficou mais ntidaainda.Ningum se ops e todos foram sala de estar. Opadre logo depois se despediu e foi embora. Ivan Andrevitch, conte-nos a verdadeirahistria da pobre Marssya - pediu de chofreZamytina aps minutos de silncio. - Meu marido

    me disse que o noivo dela havia se afogado, mas ojovem mdico, na tentativa de ressuscit-lo,morreu de infarto. Como me consta, a dupladesgraa abalou tanto a pobre mulher, que elaperdeu o juzo e se afogou em crise de insanidade.Voc deve estar par dos detalhes desta triste

    histria. Gostaria de saber a verdade, pois no meentra na cabea que este caso, por mais estranhoque fosse, tivesse algo de sobrenatural.Entretanto, voc e o padre Tmon parecem pensarassim. A palavra "sobrenatural" um tanto elstica,minha prima. Cem anos atrs, a eletricidade no

    convvio dirio tambm pareceria sobrenatural. Euatenho-me convico de que existem aindamuitas leis da natureza desconhecidas, estudadas

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    e aplicadas por alguns. Ora, essas foras ignaraspodem ser tanto benficas, como malficas,dependendo como so usadas; e isso tudo. Mascontarei de bom grado o que sei da histria de

    Marssya, j que fui testemunha do principalepisdio que envolveu o noivo dela. Ao vir para c,trouxe comigo as anotaes daquela poca. Vourel-las e, amanh, descreverei osacontecimentos. Ah, obrigada, querido padrinho! - alegrou-seNdya, dando-lhe um forte abrao. - Fiqueiinteressada por ela to logo vi seu retrato. Eladeve ter sido muito encantadora com aquelescabelos prateados e maravilhosos olhos azuis. Sim, era uma moa fascinante. A justia divinano deixar impunes, claro, os quecriminosamente lhe destruram a vida - vaticinou o

    almirante, pesaroso. - Bem, amanh eu conto tudo- acrescentou. - Por enquanto deixemos esta tristehistria.O assunto tomou novo rumo, contudo o relato dopadre deixara uma impresso to profunda, que afamlia se recolheu mais tarde do que de costume.

    No dia seguinte, o tempo estava pssimo; choviatorrencialmente - o que impossibilitava algumsair de casa. Aps o almoo, toda a famlia foi saleta de estar. Ndya estendeu a xcara com cafao padrinho, antes nela vertendo um clice deconhaque. Para dar coragem - explicou maliciosamente. Oalmirante lhe deu um leve tapinha na face.

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    Voc vai precisar dela mais que eu. Estejapronta para ouvir coisas no s fora do comum,mas terrficas.. Tanto melhor, padrinho! Adoro coisas

    assustadoras.Ela foi buscar o bordado e acomodou-se ao lado doalmirante que, pensativamente, folheava umcaderno grosso. Por fim, ele fechou o manuscritoe, aps alguns instantes de silncio, iniciou:Conheci Gorki quando a propriedade pertencia aPiotr Petrvitch Khnin.Eu era, ento, um jovem oficial da Marinha, fogosoe ctico ao extremo, e mantinha uma estreitaamizade com Piotr Petrvitch. Ele era pai deMarssya, por quem eu estava enamoradoperdidamente, mas, por fora do destino, elaapaixonara-se pelo meu melhor amigo

    Vyatcheslav, homem sincero, bom e leal. Calei,portanto, meu amor em favor do meu grandeamigo e jamais o dei a entender a Marssya, queme tinha estima como a um irmo.Sempre que chegava de uma de minhas missesmartimas, ia visitar meu amigo Piotr e a sua

    famlia em Gorki, onde geralmente me refazia deminhas extenuantes viagens.Piotr Petrvitch, homem de imenso corao, criarae protegera desde menina Kti Tutenberg, filha deum amigo morto prematuramente e que, notendo parentes que a cuidassem, ficou sob a suaresponsabilidade e, depois, emancipou-se.Assim, logo que voltei a Gorki, Piotr Petrvitchrecebeu uma missiva de Kti, pedindo para que

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    este a recebesse juntamente com seu noivoCasimiro Krassinsky. A meno de tal nome, Piotrlembrou-se de uma velha histria em que essenome lhe vinha memria.

    Explicou-nos que, antigamente, as propriedadeseram de nobres e ricos senhores que arrendavamterras para fazendeiros cultivarem ou criaremanimais, e estes lhes pagavam com metade daproduo ou serviam-lhes como empregados ouquase escravos, em troca das terras utilizadas. Eracomum e tornou-se um costume naquelasparagens tal procedimento.Havia uma grande distncia entre as famlias dosnobres e as dos fazendeiros, onde jamais amistura fora permitida, pois pertencentes a castasdiversas.Era normal, tambm, naquela poca, os patriarcas

    nobres decidirem sobre o futuro dos filhos,principalmente o das filhas, escolhendo para elaspartidos aristocrticos e poderosos, visando aomatrimnio. Parece uma aberrao nos dias dehoje tal tradio. Eis o que ele mesmo contousobre o assunto. Naquela poca, quando ainda

    estava vivo o famoso feiticeiro Tvardovsky, umadas filhas de um eminente e rico senhorapaixonou-se por um reles e devasso fazendeiro,chamado Krassinsky, que servia junto ao seu pai.O genitor da moa recusou - bvio - opretendente e o enxotou de forma vexatria;tratou a filha com rigor e crueldade e a ameaou

    trancar no monasterio. Mas a jovem era teimosa earrojada. Aproveitando a estada da famlia emKrakov, decidiu visitar o famigerado senhor

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    Tvardovsky e pedir sua intercesso para quebrar aresistncia do pai ao casamento com o homemamado. Arranjar uma audincia com o terrvelfeiticeiro, diante do qual tremia todo o pas, no foi

    fcil. Porm, rsula no se intimidou e alcanou oobjetivo: Tvardovsky a recebeu. O que aconteceudepois - no se sabe. Teria o feiticeiro seapaixonado pela belssima polonesa, ou esse asacrificou ao seu senhor Sat, a quem recebia,segundo a lenda, e com quem tinha umrelacionamento constante; assim ou diferente,rsula sumiu por trs dias. Ao aparecer depois, elaafigurava-se uma sombra alquebrada da antiga

    jovem; seus cabelos negros estavam grisalhos.Depois de uma conversa com a filha, o senhorfidalgo foi ficando macilento, entregou-seinteiramente religio e logo depois permitiu

    filha casar-se com o seu amado. O matrimnio foilogo celebrado e o casal instalou-se numapropriedade - dote de rsula. L ela deu luz ummenino que, para o espanto de rsula, possua umrabo de cerca de duas polegadas. Consumindo-sepela vergonha, a me educou o filho s escondidas

    e mais tarde o internou num monastrio, cujoabade era parente de Krassinsky. Tendo herdado oesprito de iniciativa da me, o jovem "capeta"destacou-se na guerra e acabou se casando comuma mulher rica. O fruto desse enlace foi umdesses Krassinsky, cujo ltimo descendente setornou o noivo de Kti Tutenberg. Meu Deus! Que gosto daquela moa emdesposar um homem com rabo, um demnio! -exclamou Ndya, arrepiando-se.

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    A lenda diz que se tratava de um belo rapaz-observou o almirante. - Sabe-se ainda que a medele deixou-lhe em herana um anel mgico -presente de Tvardovsky - com poderes sobre os

    espritos do inferno. Que pena ele no existir mais - lamentou-seNdya. Engano seu: o anel existe, preservou-se nafamlia de gerao em gerao, e CasimiroKrassinsky o tinha. Conheo o anel e seus poderes;foi ele que me curou de meu ceticismo. Convenci-me da existncia do sobrenatural e das foras domal; desde ento evito qualificar como superstioou crendice popular o que no entendo.Mas, continue ouvindo! O generoso e hospitaleiroPiotr Petrvitch Khnin respondeu imediatamente sua ex-protegida que ela e seu noivo seriam

    hspedes benquistos em Gorki. Eu conhecia KtiTutenberg desde meninota; ela no era bonita,porm viosa e encorpada. Ao atingir amaioridade, ela tinha ido estudar em Paris e o quel fez - ningum sabe. Pelo visto, decidiusimplesmente que chegara a hora de arrumar a

    vida, pois j contava com vinte e oito anos. No diaavenado, fomos buscar os noivos e eu achei queKti mudara muito... para pior. Descorada, estavamais magra e envelhecera; no gostei do seuprometido ao primeiro olhar.O doutor Krassinsky era um homem de cerca detrinta anos, estatura mediana e magro; seu rosto

    de feies regulares no era feio; por outro lado,causavam-me repulsa os seus olhos e a boca. A

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    cada palavra ou sorriso, seus lbios finos,vermelhos tal qual sangue, escancaravam umafileira de dentes brancos, compridos e afiadoscomo de uma fera.

    Algo de terrficamente enigmtico havia em seusolhos. Redondos e saltados, sombreavam-nosclios densos e longos; quanto cor, jamaisconsegui defini-la. Por vezes me pareciam negros,outras vezes marrons ou ento de um cinzaazulado - cor de ao; mas, certo dia, eu os vipositivamente verdes e fosforescentes, como osde um gato. Seu olhar malicioso e fugaz nuncaparava por longo tempo em algum e, geralmente,estava baixado ou dirigido ao espao. Na alta-roda, porm, era um homem agradvel, bemeducado e um interlocutor interessante. Arnim,como j disse, ele inspirava profunda antipatia.

    Marssya tambm no gostava dele e chegou ame confiar, certo dia, que Krassinsky insinuavaterror, e ela no entendia como Kti poderia secasar com um homem to asqueroso.Desde o primeiro dia, a ilhota cativou o interessede Krassinsky. Aps visit-la, pediu a Piotr

    Petrvitch instalar-se no castelo. O anfitrioconcordou, no sem antes preveni-lo de que a ilhagozava de m fama e que o povo chamava ocastelo de "Ninho do Diabo".Krassinsky revidou, em tom de chiste, que aquelegnero de boatice incitava ainda mais a suavontade de abrigar-se no "Ninho do Diabo", e a

    vizinhana com o senhor do inferno no oassustava, visto ambos serem aparentados. Apropsito, ele contou a crendice sobre Tvardovsky,

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    Meu corao sobressaltou-se no peito. Voltei parao meu quarto angustiado, deixei-me cair napoltrona e agarrei a cabea com as mos.Do ponto de vista do "bom senso", o que

    presenciei era inacreditvel. Significava queKrassinsky lidava com o mundo oculto e dispunhade poderes malficos. Neste caso, algum perigomisterioso ameaava meu amigo. Oh, e justo agora que Piotr Petrvitch est fora!-assaltou-se em minha mente. - Esqueci demencionar que o nosso afortunado anfitrio viajara cidade para cuidar de certos assuntos e sdeveria retornar no dia seguinte.Quase instintivamente os meus olhos buscaram aimagem no canto - o cone do So Nikolai. Levanteie aproximei-me no intuito de orar ao santo paraproteger o meu amigo e afast-lo de qualquer mal

    ameaador. Mas, mal ergui a mo para persignar-me, ca batendo a cabea no canto da mesa...Soergui-me e sondei em volta. Reparei nas roupasespalhadas pelo cho. Conclu que, na queda,esbarrei no cabide e o derrubei com as roupas. Graas a Deus! - pensei - pelo menos este

    incidente no obra do diabo - apliquei umacompressa de gua fria sobre a cabeamachucada. Abri a janela, pois quase me sufocavacom o calor e o ar abafado.Nesse nterim, o tempo piorou: nuvens plmbeascobriram o cu; a luz do dia foi substituda porpenumbra esbranquiada, ao longe retumbavam

    troves e as rajadas de vento tempestuosofustigavam a superfcie do lago, erigindo enormes

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    avistamos uma canoa vinda em nossa direo comum remador a bordo. Era Agafonov. De suasroupas escorria profusamente a gua, e no rostoassustado lia-se tristeza. Ele se aproximou de ns

    e balbuciou em voz abatida: Que desgraa, Vossa Excelncia! Eles pereceram? Voc os viu afogando-se? -gritei. No. Ns conseguimos tirar os trs da gua; osdois engenheiros esto vivos, mas VyatcheslavIvnovitch parece estar morto. Onde ele est? - perguntei, dominado portremor nervoso. Na casa da ilha. Os engenheiros me ajudaram atransport-lo para l, e o doutor o estreanimando. Como ele pde se afogar to rpido?Nadava tal qual um peixe. No consigo atinar... -

    acresceu o marinheiro, enxugando os olhos com amanga da camisa.Minutos aps acostamos margem. Saltei terrae em desabalada carreira entrei na casa. Jamaisaquele castelo imundo me causara uma impressoto sinistra como naquele dia. A entrada, com

    degraus em mrmore preto, assemelhava-se maisao porto de uma cmara morturia do que a umprdio residencial. No vestbulo topei com o criadode Krassinsky - um homenzinho atarracado decara nojenta tal qual do patro. Ele carregavaumas roupas e uma bacia com gua, e prontificou-se a me conduzir ao quarto onde estava o corpo

    de meu amigo.

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    Na seqncia, ele magnetizou alguns pedaos detecido vermelho, depositou-os na testa, ventre,costas e palmas das mos; depois, ordenandotransportar o corpo para um colcho, toldou-o com

    cobertor e convidou todos a sarem do recinto. Devemos deix-lo por algumas horas emrepouso absoluto, a fim de ele absorver os fluidos,e s ento eu tentarei o recurso decisivo.Resolvemos ficar na ilha esperando pelosresultados. Eu estava muito tenso, no obstanteescrevi para Marssya, informando estarem todosem segurana, ainda que fracos e resfriados e, porordem do doutor Krassinsky, iramos repousar ato dia seguinte. Para acalmar a jovem, acrescenteique cuidaria pessoalmente de seu noivo.A noitinha, o tempo melhorou e o nossomensageiro trouxe de Ktya um cesto com vinho,

    provises e uma carta a Krassinsky. Elacomunicava ao noivo do desmaio de Marssya ede sua recuperao horas depois. A notcia de quetodos estavam bem a reanimou visivelmente, elase deitou e deveria estar dormindo.A noite se dilatava angustiosa. Krassinsky foi tirar

    uma soneca para redobrar as foras - conformedisse - para empreender uma difcil e trabalhosaexperincia, enquanto ns jantamos em trs,preocupados. O infortnio inesperado exerciasobre ns uma impresso deprimente, acentuadapela atmosfera lgubre da casa.Em tudo se estampava o selo de algo sinistro e

    demonaco. O relgio de parede na sala de estar,por exemplo, era decorado com a cabea deMefistfeles em capuz vermelho e em tamanho

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    tudo silenciou. Aos poucos foi-me dando umasoneira; resisti o quanto pude, mas em vo. Meuscolegas j estavam dormindo nas poltronas,quando peguei no sono. Fui acordado por um forte

    barulho. O relgio batia meia-noite e meia. Meuscompanheiros tambm acordaram. O que isso? Ouviram? Parece um barulho! -perguntou um deles.Eu estava com sono terrvel e todo o meu corpopesava tanto que no consegui me levantar. Acho que sonhamos - balbuciei e tornei a cerraros olhos aderentes.Quando finalmente acordei, o relgio mostravasete horas. O torpor a me dominar noite todapassou, mas a cabea ainda estava pesada ezunia. Meus companheiros dormiam ainda umsono agitado. Eu os acordei.

    Ouam, senhores! Dormimos a noite toda eKrassinsky no veio nos chamar. Isso noprenuncia coisa boa - alarmei-me. Por certo no conseguiu realizar o milagre deressuscitar o falecido e no quis nos acordar paraanunciar o fracasso -sustentou Avilov.

    De qualquer forma, vamos ver o que estacontecendo -sugeri.O quarto estava trancado por dentro e, apsinfrutferas batidas, chamamos por Krassinsky.No havia qualquer resposta, e nisso Avilov ouviudo quarto um fraco gemido. Decidimos entrar aqualquer custo, porm no conseguimos arrombara porta macia de carvalho. Chamamos Agafonove o criado de Krassinsky e, finalmente, aps muito

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    para se recuperar. Sbito, notei em seu dedo oanel mgico de Tvardovsky, e esta circunstnciadirigiu meu pensamento a Krassinsky.De que ele morrera? Comecei a revolver na mente

    todos os detalhes do acontecido. Era fcil atribuirsua morte ao gigantesco esgotamento peloesforo da vontade, causando a congesto docrebro ou parada cardaca. De imediato, porm,descartei tal explicao. Uma voz misteriosasussurrava-me que a causa da morte era outra,

    oculta; no seria uma parada cardaca, e, sim,uma experincia mgica malsucedida, redundandoem morte da criatura diablica. Lembrei presenci-lo no terrao com o anel no alto. O que eleplanejava ao realizar aquela experincia bizarra?Quisesse destruir o rival, para que gastaria tantaenergia para salv-lo?... Naquela poca eu era um

    ignorante completo nessas questes e decidicomigo que Krassinsky fora vtima de sua prpriaignorncia. Provavelmente, ele fora seduzido peloexperimento, cujos detalhes lhe escaparam, tendoacionado, foras poderosas que no pdecontrolar, e essas o mataram. Posteriormente,

    estudei muito este enigma, e obtive muitasexplicaes aos fenmenos, para mim ento,inexplicveis. E claro, continuo ainda ignorante emmistrios complexos da magia negra superior, masestremeo ao ver vocs aqui em poder de umdestino sinistro - acrescentou o almirante,suspirando pesado.

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    adoecida. Uma semana depois, chegou uma cartadele, relatando sucintamente o passamento dasenhora Turaeva e a necessidade de Vyatcheslavem protelar seu retorno por pelo menos trs

    semanas, a fim de pr os negcios em dia, dessaforma adiando o casamento.O tempo que se seguiu transcorreu calmo, semincidncias; a morte de Turaeva e o luto de Ktyasustaram quaisquer recepes e festejos.Vyatcheslav enviava continuamente presentes etelegramas, desculpando-se em no escrever maispor estar ocupado, ultimando os negciospendentes, e assegurando estar desejoso deretornar logo noiva adorada. Num dos seustelegramas, estranhou-me sobremaneira o seupedido a Marssya e Piotr Petrvitch, em deixararrumada a casa na ilha para ali passar alguns

    dias com a jovem esposa, visto aquele local tornar-se-lhe caro pela maravilhosa ressurreio emagnanimidade do homem que se sacrificou parao salvar.Usei de todos os argumentos para persuadir PiotrPetrvitch a rejeitar tal fantasia e impedir que o

    jovem casal passasse mesmo apenas uma noitenaquele lugar assombrado. Mac Khnin - como jdisse - era um ctico convicto. Ele riu das minhaspalavras e censurou que era vergonhoso a ummarinheiro dar ouvidos a "contos de carochinha",sem falar que aquele pequeno castelo na ilhotaera extraordinrio, por isso o desejo de

    Vyatcheslav em habit-lo era bem natural.Marssya nem protestou, enquanto Ktya tomou a

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    minha resistncia como uma afronta lembranado desafortunado Krassinsky. Jamais imaginei que o senhor fosse to atrasadoe to... ingrato, Ivan Andrevitch. Considerava-o

    mais sensato e acima de todas essas histriastolas sobre os fantasmas, que habitam apenas nacozinha e na cabea estouvada de uma campesina- alfinetou ela.Eu me contive em dar resposta, mas no tomeiparte na arrumao da casa na ilha. Vyatcheslavera esperado na manh do dia do casamento; suavinda antes era impossvel e a transferncia doenlace no lhe era de desejo.

    Chegou finalmente o dia da cerimnia. Ao acordar,o criado Enunciou-me a chegada do noivo algumashoras antes do imperado, ao amanhecer. Esgotadopela longa viagem, ele fora dormir. No o encontreina hora do desjejum, e s uma hora depois,quando eu estava arrumando as malas, poisplanejava partir no dia seguinte. Vyatcheslaventrou no quarto. Ns nos abraamoscalorosamente e eu, segurando-lhe a mo,retrocedi um passo para examinar o amigo.

    Efetivamente, o episdio com ele influiu em seuaspecto.Sua tez anteriormente viosa substitura-se pelaenorme lividez, e os lbios tornaram-se maisrubros. Voc ainda est muito plido - observei - eparece fraco...Assaltado por nervosismo, fiquei sem palavraspara continuar. Interceptei-lhe ento um olhar que

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    fez a minha espinha gelar. Soltei sua mo, e fitei orosto to familiar do amigo, a quem amava feitoirmo. E encararam-me, claro, aqueles grandesolhos cinzentos de Vyatcheslav, no como os

    antigos: francos, lmpidos e sorridentes, masmaliciosos e, ao mesmo tempo, cruis e terrficos,lembrando-me os de... Krassinsky. O que h Vnya, est passando mal? -perguntou. No nada. Estou bem... S estou um pouconervoso ao rev-lo depois daquele dia em quevoc quase morreu -balbuciei, enxugando o suorda testa.Ele riu e, mais uma vez, no foi um riso deVyatcheslav. Entendo. Fui resgatado do "mundo do alm" - oque afetou profundamente o meu organismo.

    Ainda estou meio fraco, sofro de enxaqueca e souincapaz de explicar lapsos de memria. Esperoque no ambiente tranqilo da vida conjugal com aadorada esposa todos esses fenmenos mrbidosdesapaream.Conversamos ainda um pouco, depois ele se

    retirou para descansar antes de se vestir para acerimnia. Ao ficar sozinho, sentei-me janela ecomecei a refletir. Estaria eu perdendo o juzo?No havia dvida ter estado diante do amigo deinfncia; no era e l e ,os olhos no eram dele,e simdaquele homem que no inspirava confiana,aquele defunto misterioso... Tentei convencer-me

    de que tudo no tinha nenhum fundamento, masao relembrar o sinistro olhar h pouco me

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    pegou fogo e teve de ser arrancado; por fim, aovoltarem da igreja, luz do dia, no caminho cruzouum lobo. Os cavalos jogaram-se assustados para olado e por pouco no emborcaram a carruagem. A

    ocorrncia de todos esses incidentes sinistros noabalou a felicidade de Marssya. Findo o almoo,ns acompanhamos o casal at a margem do lago,onde por eles esperava um barco decorado deflores, tapetes e lmpadas acesas. Marssyaembarcou radiante e feliz. Foi a ltima vez que eua via assim ao lado do seu descorado marido.A ilhota estava iluminada. Lmpadas multicorescintilavam em meio ao verdor da ilha, que nestahora, tal qual uma gema preciosa, reverberavacom todas as cores de arco-ris, luz de fogos debengala, sobre a superfcie lisa do lago. Eu partinaquela mesma noite.

    Meu destino de sbito tomou um novo rumo. Aoinvs de ter de alcanar a esquadra, enviaram-mea Sevastpol, de onde eu devia ir a Petersburgopara servir temporariamente no quartel-general daMarinha. Despedindo-me de Piotr Petrvilch, com oqual eu tinha uma relao muito amigvel,

    empenhei a minha palavra de que ao voltar capital eu passaria em Gorki por uns dois dias.No vou contar aqui sobre o ms que fiquei fora. Asuspeita que ia se enfurnando em minha almaquanto "substituio" da identidade do meuamigo no se desfez, ao contrrio - aumentou.Vyatcheslav deixou de ser para mim um amigo e

    irmo. No recebi dele sequer uma carta,confiando-me como antigamente qualquer detalhe

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    tolo de sua vida, qualquer arroubo espiritual. Entrens se interps e solidificou-se um muro invisvel.De volta para esta casa bastante tarde, o criadome informou estar o patro j deitado, com nova

    crise de gota, e o jovem casal estaria na ilha. Adieio encontro at o dia seguinte e fui dormir.Vyatcheslav costumava acordar cedo e, assim, nodia seguinte, sem esperar Piotr Petrvitch selevantar, peguei o barco e atravessei o lago. Omordomo explicou que o jovem patro ainda nohavia sado do toalete, o que me surpreendeu umpouco. Eu fui ao gabinete do amigo e sentei-me sua escrivaninha junto janela aberta.Cartas e papis ali se espalhavam, e diante demim havia um envelope endereado a um homemde negcios, e uma carta pronta, ainda nodobrada. Ns jamais tnhamos segredos um com o

    outro; a identidade do destinatrio apontava setratar da venda de uma propriedade, h longotempo interditada e cuja histria eu conhecia. Semqualquer segunda inteno, peguei a carta parainteirar-me de seu teor e, medida que a lia,assaltava-me a perturbao. A letra era de

    Vyatcheslav, mas parecia forjada e copiada; porbaixo da escrita como que se sobressaa umaoutra escrita e, em alguns trechos, bem ntida. Aassinatura tambm parecia com a de Vyatcheslav,mas o trao caracterstico era diferente. Onde eu ohavia visto? Com Krassinsky? Se Vyatcheslav tinhaos olhos do outro, no herdara tambm sua

    letra?...Comecei a revirar a minha carteira, onde seencontrava uma velha carta do amigo, assim como

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    O que tem essa criatura diablica? Como vocpode manter tal vbora. Ainda meto uma balanesse animal raivoso, se encontr-lo de novo! -exclamei rspido.

    Vyatcheslav deu uma risada forada e seca. No se irrite! Ainda no hora de matar umpobre animal. Tambm no gosto dele e no oquero mais aqui... E uma criatura perigosa; pode assustar suaesposa -interrompi. O gato raramente aparece. Deve se esconderem algum buraco nesta ilhota. O falecidoKrassinsky acolheu e o alimentou desde o comeo,assim ele vem em busca da comida, no se sabede onde. Voc tem razo: ele pode assustarMarssya e preciso me livrar dele. Bem, vamostomar ch, pois Marssya nos espera no terrao.

    J estvamos porta, quando ele disse: Voc sabe o caminho. V sozinho, enquantoisso eu vou acertar as contas com o jardineiro.Era fim de setembro, mas o tempo estavamaravilhoso e quente como no vero. No terrao, mesa de ch sentava-se

    Marssya, encantadora em sua saia de musselina.Ao me ver, ela se levantou ligeiro e me estendeuambas as mos. Meu corao apertou-se ao fixar omeu olhar abismado sobre o rosto querido, plidoe emagrecido, repleto de profunda desiluso; noolhar a mim dirigido lia-se desespero.Eu tinha por Marssya um amor to puro, que emmeu corao no havia nem uma sombra desentimento vil de cime; ao contrrio, de toda a

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    alma eu lhe desejava a felicidade com o homem aquem considerava um irmo. Ela, porm, erainfeliz -nisso no havia dvida.Lampejou-me na mente a idia de que,

    loucamente apaixonada por Vyatcheslav,Marssya descobriu o avatar e tal suspeita da"troca" inaudita a estaria atormentando.

    Trocamos os nossos olhares, mais eloqentes doque quaisquer palavras, pois, s vezes, ospensamentos se expressam melhor pelos olhos.Resumindo: ns entendemos um ao outro e,profundamente perturbados, baixamos a vista. Eu,emudecido, premi aos lbios as suas mos frias,sentei-me e, calado, comecei a mexer o acar nocopo. Neste instante entrou Vyatcheslav.Notei Marssya estremecendo ao lhe estender och. Sentada, sem falar nada, ela ficou

    mordiscando distraidamente uma torrada.Contei a Vyatcheslav os detalhes da minha viagema servio a Sevastpol; ele falou-me de suaviagem de npcias. A toda hora, o seu olhar frio,sinistro e ameaador - no o de meu amigo masde Krassinsky - pregava-se em mim,

    acompanhando todos os meus movimentos ecausando-me calafrios. Mas eu era um jovemintrpido e essa sensao de ansiedade, jamaisantes experimentada, originria da angstia emedo pela presena daquele homem enigmtico -decididamente deixava-me possesso. Sua viagem de npcias foi um tanto curta -observei, sem muito pensar. - Por que no levaMarssya Crimia ou Itlia? Isso a distrairia. Esta

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    A pobrezinha deve ter se assustado... - acresceuele.Ele chamou a camareira e levamos Marssya aoaposento; ela abriu os olhos, mas o seu aspecto

    inspirava cuidados.Ao retornarmos, ele se aproximou da balaustradae chutou o cadver do gato para o jardim. Eu ia dar um tiro naquele animal, mas vejo quevoc j deu cabo dele - disse, rindo. - Surpreende-me assaz voc ter se tornado to supersticioso,Vnya. Antigamente voc era um ctico arraigadoe corajoso; hoje tem medo de tudo: desse gatoinfeliz, do fantasma de Krassinsky, deste belopalacete e at do ar que respira. Simplesmenteno o compreendo. De propsito ou no, vocberra esconjuros, o que colaborou para o susto deMarssya.

    E ele desabou numa gargalhada to selvagem edesagradvel, que nada tinha em comum com oriso franco, alegre e contagioso do verdadeiroVyatcheslav. De fato, este mundo est s avessas - redargui,no sem ironia. - Sua esposa, de alegre e viosa,

    tornou-se descorada, magra e triste; eu me torneisupersticioso, e voc... mudou tanto que se podeimaginar que foi trocado.Ele tomou as minhas palavras como um chiste, sebem que em seus olhos faiscou uma chamamaldosa. Agarrei-me ao primeiro pretexto para irembora, e ele no me segurou. A despedida foi

    fria. Durante todo o tempo do caminho de volta eu

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    repetia as oraes para proteger-me contra osmaus espritos.Piotr Petrvitch estava me aguardando. Disse-lheestar retornando da casa do jovem casal, onde o

    desmoronamento do monte de pedras acabouassustando Marssya, mas que ela ento j estavarecuperada. Nada comentei - claro - sobre oincidente satnico ou de minhas suspeitas,temendo amargurar o enfermo que, de qualquerforma, em nada poderia ajudar, nem entender osacontecimentos devido sua total descrena. PiotrPetrvitch ouviu-me com ar preocupado e, depoisde algum silncio, disse: A pobre Marssya anda muito nervosa eimpressionvel; alis, no estou gostando nada deseu aspecto. Pensei que, casando, ela estaria nostimo cu, ao invs disso est cada vez mais

    plida, magra e entediada, como se algo aoprimisse. - Ele se calou por instantes e, depoisprosseguiu: - Ivan Andrevitch, o senhor percebeua mudana estranha que se operou emVyatcheslav aps aquele terrvel acidente no lago? como se ele fosse um outro. Antes era to

    simptico, um homem de alma aberta, e agora noentendo por que no consigo suport-lo.Sa-me por algumas frases genricas, sem arriscara dizer a nua verdade e tratei de dar um novorumo quela conversa. Pretextando a necessidadeinadivel de retornar a Petersburgo, passei emGorki s mais um dia. Os recm-casados

    almoaram na casa do pai e, aparentemente, tudocorria normal, se bem que uma desarmoniainterna era patente.

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    Instalei-me em Petersburgo. As recordaes sobreos acontecimentos estranhos e incompreensveis,cuja testemunha fui, perseguiam-me tal qualpesadelo, aos quais no conseguia achar

    explicao...Ajudou-me um acaso inesperado, se que possvel dizer que o "acaso" existe.Num sero na casa de meu chefe, conheci umcoronel aposentado que me inspirou grandesimpatia, sobretudo quando eu soube que ele seinteressava por espiritualismo e cincias ocultas,tendo inclusive uma grande biblioteca que tratavadesses assuntos. Tornei-me uma visita freqentena casa do coronel Vrtsky, li numerosos livros desua biblioteca, e muitas questes obscuras domundo do alm comearam a ser iluminadas comuma nova e inesperada luz; entretanto eu no

    consegui encontrar nem explicaes, nemconfirmaes dos fenmenos que mais meinteressavam.

    Tornei-me um grande amigo do coronel. Certanoite, quando estvamos sozinhos em seugabinete, contei a Nikolai Andrevitch sobre os

    estranhos fatos observados em Gorki e lhe confieias inverossmeis suspeitas a me perseguirem.Vrtsky me ouviu srio e pensativo. O que me contou bem possvel e, infelizmente- disse ele, quando terminei o relato - nos livros deocultismo, aquela operao chamada de"avatar", sendo praticada na magia negra

    superior.Deitando sua mo no meu ombro, ele acrescentou:

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    O inferno um domnio terrvel, meu jovemamigo. Se os homens soubessem at que pontoeles esto cercados pelas foras do mal, ririammenos e rezariam mais. Em todas as pocas, a

    partir das mais remotas, a igreja sempre conduziuuma luta atroz contra as foras diablicas. O nossoSalvador, Jesus Cristo, no foi por acidente queincluiu na orao divina o seguinte trecho ao PaiCeleste: " N o n o s d e i x e i s c a i r e m t e n t a o , m ad o m a l " .E a orao - pode observar - o nicoescudo de todos contra o inferno. Agora, voltandoao seu caso, eis a minha opinio: seu pobre amigocaiu vtima do homicdio oculto e sua alma, semdvida, abandonou o invlucro mortal. O homemnefasto, envolvido com o inferno, realizou umavatar e alojou-se no corpo de Turaev paraapoderar-se da mulher, a quem desejava. Mas o

    mais terrvel que considero essa pobre joveminevitavelmente perdida...Ao notar o meu palor e a aflio que se refletiu emmeus olhos, ele tentou me consolar: Meu pobre amigo! Vejo que esta triste histria oamargura e oprime mais do que pensei. De

    qualquer modo, acredito que melhor saber averdade, e ela a seguinte: quem se entrega aopoder do inferno, perece, se - evidentemente - nodispe de uma extraordinria fora espiritual e deconhecimentos poderosos. A ignorncia, nessescasos, leva destruio mais freqente do que sepensa, e os profanos, desconhecendo o abecedrioda magia negra e suas leis terrveis, acionamlevianamente as foras ignotas, pagando com a

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    sade, a felicidade e at com a vida. Paraedificao de seus conhecimentos, contar-lhe-ei, apropsito, uma triste histria de um dos meusamigos - um homem belo e instrudo que teve uma

    morte violenta por sua falta de experincia eleviandade criminosa, quando por brincadeiramexeu com uma lei terrfica da magia negra, semsaber nem a primeira palavra dela. No se podebrincar com o inferno; um divertimento perigosoe o meu pobre amigo, k a m m e r h e r r Boresko,entendeu isso na prpria pele. Na poca, a histriateve muita repercusso na alta-roda dePetersburgo.O simptico Konstantin Aleksndrovitchinteressava-se, verdade, por cincias ocultas,mas esse interesse era com aqueladespreocupao de um grande fidalgo que

    gostava apenas de "se divertir", e por descuido oupreguia no se dava ao trabalho de estudarseriamente as prescries sbias desta cincia ans obscura. Konstantin Aleksndrovitch gostavade reunir em torno da "mesa giratria" acompanhia alegre e despreocupada de mulheres

    bonitas e famosas para invocar os espritos.Ningum, evidentemente, esforou-se porconfirmar se o rtulo correspondia ao contedo; osseres invisveis estariam ali, presumidamente,para "distrair" aquela companhia e mostrartruques do alm. Por exemplo, considerava-sebem natural que "Coprnico" se manifestasse

    movendo cadeiras ou trouxesse, para a mesa,batata podre; que o suposto "Lamartine" ou oprprio "Pushkin"* recitasse poesias tolas, fazendo

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    corar de vergonha, pela incoerncia, at os nossossimbolistas decadentes, futuristas e tal... Nessasreunies vulgares de pessoas ociosas se esqueceuma observao justa mas custica de Kardec**:

    "Experimentem invocar um rochedo e ele lhesresponder" e, desta forma recebem, sob amscara de grandes personalidades ou santos, atos espritos inferiores.

    Mas voltarei ao caso trgico que custou vida demeu amigo. Konstantin Aleksndrovitch tinha umfilho constantemente doente, ainda que nainfncia fosse forte, sadio e robusto externamente.A doena do jovem, entretanto, tinha um fundooculto. Ele era obsidiado por um esprito impuroque o atormentava, ou melhor, lentamente odestrua. bvio que a obsesso se enraizara

    desde a existncia passada do jovem e os elos, ans ignotos, uniam o obsidiado com o obsessor. Ocomeo dessa histria confirmou a minhaconvico. O jovem encontrou, certa vez no bolsodo colete, a fotografia de uma mulher nua, a eledesconhecida, e a partir do dia daquele achadocomeou a obsesso. A mulher comeou aaparecer-lhe em sonho e atirava-se sobre ele,causando a sensao de sugar-lhe o sangue. Eleperdia a conscincia e, ao acordar, sempre sesentia alquebrado. Por vezes, o vampiroameaava-o ou dele zombava. Os mdicos - comono podia deixar de ser - afirmaram que o jovem

    sofria de neurastenia e alucinaes. Est claro quenenhum remdio surtia efeito, e eis que KonstantinAleksndrovitch veio ter comigo para se

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    aconselhar. Naquele tempo eu dispunha de umaboa vidente - a minha sobrinha. Eu a fiz adormecere ela revelou que o jovem era uma vtima de forteobsesso, mas no pde indicar um meio de cura,

    pois a questo era muito complexa e, para umdesfecho favorvel, ela teria de ter conhecimentosespeciais e foras ocultas, com as quais nocontava. Inutilmente Konstantin Aleksndrovitchinsistiu para que ela tentasse uma cura; minhasobrinha recusou-se peremptoriamente e ele saiuaborrecido.Isso foi na primavera e, no vero, todos viajaram eeu no mais tive notcias do meu amigo.

    Tendo passado como hspede o outono e ametade do inverno na casa do meu irmo noCucaso, somente perto do Natal retornei aPetersburgo. Nas festas, Konstantin

    Aleksndrovitch passou em casa e, todo radiante,anunciou que o seu filho estava curado. Verificou-se que tudo eram tolices e suavidente simplesmente no queria me ajudar e fezda mosca um elefante.Fiquei surpreso. A meu pedido, ele contou ter

    passado o vero em sua propriedade e l, como dehbito, "organizava sesses espritas",encontrando na pessoa de uma simptica dama,sua vizinha, uma mdium mpar. Atravs de seus lbios falava o prprioNostradamus e eu, claro, aproveitei aoportunidade para perguntar ao alquimista sobre adoena do filho e meios de cur-lo da obsesso,caso esta existisse de fato.

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    No h nada mais fcil - respondeu o bravoNostradamus. - Pegue a foto dessa miservel doalm-tmulo, faa certas manipulaes mgicas -e ele prescreveu uma defumao e algo mais, o

    que exatamente eu agora esqueci - e, depois, comum canivete corte o pescoo dessa mocinha ejogue a foto no fogo. O jovem, evidentemente, nodeveria saber de nada.Entusiasmado com essa experincia, KonstantinAleksndrovitch executou exatamente, no mesmodia, as prescries do suposto Nostradamus. Imagine! - dizia ele - meu filho revelou-me hojede manh ter visto em sonho aquela mulher. Elaparecia uma Fria* e em seu pescoo havia umprofundo ferimento, do qual jorrava sangue emtorrente.

    Tudo isso produziu no jovem uma forte impresso,

    e ele comeou a procurar por todo o lugar afotografia que, evidentemente, no achou. Desde ento ele est bem de sade e no maisviu o monstro - concluiu em tom satisfeito o meuamigo.Reconheo, eu fiquei desapontado.

    Teria - pensei - a minha sobrinha simplesmentese feito de rogada? Ou ela se equivocou?Decidimos inquiri-la de imediato. O senhor cometeu um erro imperdovel aomexer com foras que no compreende - censurouela -, e corre um grande perigo. Tome cuidadopara no pagar com o prprio pescoo pela

    imprudente "cirurgia" da larva.

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    Essas palavras fizeram-me refletir. medida que omeu amigo falava, percebi ele estar rouco, eperguntei-lhe do motivo. Devo ter-me resfriado. J h algumas semanas

    estou com esta rouquido. Tenho de me cuidar,pois comeo a ficar irritado por crocitar feito umcorvo - queixou-se ele com certa displicncia.Quando o reencontrei, ele confiou-me ter o seumdico achado um tumor na garganta e sugeridouma operao. Seu aspecto no era dos melhores,estava abalado e perdida uma parte substancial desua presuno. Pediu-me para se aconselhar coma vidente. Atendi ao seu desejo. Minha sobrinha orecebeu e, depois de algum tempo calada,pronunciou-se: Aconteceu o previsto. Agora oua o seguinte:sob nenhuma hiptese faa a operao. Enquanto

    a faca no lhe tocar a garganta, o senhorconseguir sobreviver; mas, to logo seja feitauma pequena inciso em seu pescoo, ser o fim.Konstantin Aleksndrovitch ficou desolado, jurouno fazer a operao, mas at o inferno est cheiode boas intenes. A famlia conseguiu convenc-

    lo do contrrio. O doente foi levado a Viena esubmetido a duas operaes seguidas. Retornou aPetersburgo moribundo e um pouco antes de suamorte eu o encontrei pela ltima vez. Semcondies de falar, escreveu no papel: "Como osenhor estava certo! Ca vtima de minhaignorncia e tolo descuido."

    O almirante se calou, pensou por instantes e,agitando a cabea, prosseguiu:

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    aconselha conversar com o ex-abade Johannes,um notvel mago na Frana e a nica pessoa quepoderia ajudar.- E como encontrarei esse abade? - perguntei

    avidamente.- Ele mora em Lyon. Consiga uma licena e vat ele. Eu escreverei uma carta a meu amigo, eeste ao doutor Johannes.No vou me delongar aqui descrevendo quantoesforo me custou conseguir a licena de um ms.Finalmente tomei o trem expresso para Paris. Semcontar aqui detalhes insignificantes, falarei davisita ao doutor Johannes, residente em Lyon.Este me recepcionou prazerosamente, leu a cartado ocultista parisiense e me pediu para expor todaa situao. medida que eu falava, seu rosto iaficando circunspecto.

    Sim! - balbuciou ele, pensativo, quando terminei.- Coisas assim no s so possveis, como ocorremcom maior freqncia de que se supe. Nestecaso, o esprito de uma criatura viva instalou-se nocorpo, abandonado por seu legtimo dono; podeacontecer tambm que os espritos larvais

    escolham um momento oportuno da lenta agoniada vtima para se encarnarem e animarem ocadver com uma vida artificial. Tal criaturafunesta traz a infelicidade a todos que a cercam.Oh, se os homens soubessem dos terrveis eperigosos mistrios do mundo invisvel, levariamuma vida diferente!

    Quando lhe perguntei hesitante se ele tentariasalvar Marssya, ele balanou a cabea.

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    E uma empreitada difcil e no posso garantirseu xito. Iramos medir foras com um adversriofortssimo. Sabe, eu conheci Krassinsky: ele foidiscpulo do cannico Dokr - o mais terrfico dos

    magos negros de nosso tempo -, e saiu-se, pelovisto, um discpulo exemplar. O fato de que elesozinho conseguiu realizar a complexa e perigosaoperao de avatar, confirma seu conhecimento epoderes. Entretanto, antes de empreender algo -adicionou -, eu devo invocar o esprito do seuamigo. No teria o senhor algum objeto que a elepertena?Eu usava um anel presenteado por Vyatcheslav eassim o estendi a Johannes; mostrei tambm omedalho com o retrato de Marssya. Ah! Isso bom, vou descobrir em que estadose encontra a jovem - disse, pegando o medalho.

    Aps trazer uma pequena trpode e uma taa decristal, Johannes acendeu o carvo e lanou natrpode um p que, ao se consumir, deixou umafumaa aromtica esbranquiada; dentro da taaele depositou trs seixos de cores diferentes,dispondo-os em forma de tringulo. Ao defumar

    inicialmente o medalho, ele segurou-o sobre agua e recitou frmulas em lngua estranha. Agua tornou-se cinza e efervesceu feitochampanhe, ficando totalmente turva, suja eesverdeada. Johannes balanou preocupado acabea e limitou-se a dizer: Ela est muito doente. Veremos o que nos

    proporcionar o dia seguinte, quando invocarei oseu amigo.

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    Entendam, meus amigos - disse o almirante -,com que ansiedade esperei o dia seguinte.A noite do dia estabelecido, eu estava com

    Johannes e este me levou ao quarto destinado

    evocao. No cho, via-se desenhado um grandecrculo, inserindo trs trpodes com carvo ediversas ervas. O doutor Johannes vestia umalonga tnica de linho; um medalho contendosinais cabalsticos descia pelo peito numa correntede ouro e, na mo, ele empunhava um basto comhierglifos estranhos. Postando-me num canto, eletraou um crculo de proteo em mim, perfumouo ambiente com ldano, borrifou a gua benta,sempre acompanhando suas aes com cnticos eoraes.Aps irrigar as trpodes com um lquido aromtico,acendeu o carvo. Postando-se diante da

    circunferncia, circundou a si por outro desenho e,pausadamente, ps-se a recitar frmulas quaseinaudveis, do que eu s lembro ter entreouvido onome de Vyatcheslav, pronunciado por novevezes.Aps algum tempo, ouviram-se estalidos do piso e

    das paredes. Das trpodes, a crepitarem pelaservas, alaram-se nuvens de fumaa e o ambienteencheu-se de aroma agradvel. Sbito, bafejouuma onda fria e do crculo maior altearamlampejantes vapores esbranquiados. Aos poucos,as nuvens se condensaram e tomaram a forma deuma figura alta e garbosa em vestes gasosas, cujorosto era toldado por vu cinza.

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    Padrinho - interrompeu Ndya, estremecida -,voc deve ter levado um imenso susto com aquelefantasma. Eu teria morrido de medo! Sim, minha criana, no posso me gabar de no

    ter sentido medo - confessou o almirante, sorrindo.- Meus dentes chocalhavam de assombro, noentretanto, a surpreendente viso me fascinava.Nisso, Johannes ergueu a cruz que carregava nopeito e pronunciou em voz imperiosa: Forasteiro do outro mundo! Se voc de fato oesprito de Vyatcheslav, a quem evoquei, erecebeu o sacramento batismal, bem comoprofessa o Salvador e o Nosso Senhor Jesus Cristo,este aroma sacro do ldano e o grandioso smboloda expiao no o afugentaro, ao contrrio, estesmbolo ir hauri-lo de foras para nos responder.O esprito permanecia imvel com o semblante

    coberto, se bem que o seu espectro parecia secompactar. O evocador prosseguiu: Se no tiver receio de revelar seus traos,despoje-se do manto, inspire o aroma vivifico doldano e ervas, refresque-se com as emanaesda gua benta e curve-se ao smbolo da expiao.

    A viso iluminou-se de luz azul-celeste fosfrica; ovu arriou-se e diante do meu olhar assombradosurgiu Vyatcheslav. Desta vez era ele de fato, maso seu olhar lmpido e puro franziu-se de tristeza.Com um gesto bem familiar, ele ergueu a mo epersignou-se. Que Deus, nosso Criador, e o Seu nome sejam

    louvados por sculos e sculos - pronunciou

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    Johannes. - Voc realmente o esprito do cristo,a quem invocamos. O que tem a dizer?O almirante se calou por instantes e apoiou acabea sobre os braos. Aparentemente as

    lembranas instadas perturbavam o velho, eningum ousou quebrar o silncio instalado. Porfim, ele ergueu a cabea e enxugou o suor datesta. Sou incapaz de repetir em seqncia aspalavras do esprito do meu amigo, talvez pela

    extraordinria comoo do momento. Minhacabea girava e a vista turvava-se; lutei contra afraqueza na tentativa de no deixar escapar nada.No tive como no reconhecer a voz deVyatcheslav, ainda que dbil e longnqua. Eletransmitiu os pormenores do avatar e doassassinato perpetrado, acrescentando que

    Krassinsky estava muito tempo em busca de umcorpo novo, pois o dele encontrava-se por demaisexaurido em conseqncia de exaustivas eperigosas operaes ocultistas, sem falar de todaa espcie de excessos cometidos. Uma coisa,porm, deu errado: Marssya uma mulher

    perigosa a seus propsitos. Krassinsky planejamat-la para evitar que os puros fluidos dela,somados sua franca repulsa por aquele homem,rompam aos poucos os laos que o unem ao corpoviolentamente usurpado. De repente, o espritovoltou-se a mim e, estendendo as mos, disse: Vnya, Vnya, resgate Marssya! Suplique aomestre arm-lo de flechas e de amuletos mgicos!Oh, no posso descrever em palavras o quanto me

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    di ver os sofrimentos dela! Se voc conseguirtirar Marssya da maldita ilha, faz-la comungar edestruir com as flechas o corpo animado poraquele demnio, voc a resgatar...

    . A voz silenciou, a viso deslustrou-se e pareceuderreter-se, sumindo em seguida tal qual varridapor vento. Estando extremamente esgotado, perdia conscincia...Ao abrir os olhos, vi-me no cho, recostado parede, enquanto Johannes segurava diante demim um copo de vinho quente. A bebidafortaleceu-me e, j no quarto ao lado, o abade medisse: Quanto s flechas mgicas, citadas peloesprito, estas s posso lhe dar daqui a nove dias,pois terei de confeccion-las; o amuleto, entrego-lhe j e que Deus o ajude!

    Era uma caixinha feita de sndalo - uma madeirade rvore aromtica. Com cruz de ouro incrustadana tampa, seu interior - conforme ele disse -inseria hstia consagrada e partcula de restosmortais de um santo. Dez dias mais tarde, ele meentregou um estojo coberto por veludo vermelho,

    onde se encontrava um pequeno arco de ouro etrs flechas de madeira que, claro, jamaisfeririam algum. Tanto o arco como as flechasdecoravam-se por surpreendentes sinaiscabalsticos. Um aroma agradvel e vivificoexalava do interior do estojo.

    E como usarei estas flechas? - perguntei. O senhor deve carregar o amuleto sempreconsigo e saber de cor as frmulas escritas nesse

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    pergaminho. Ao surgir uma chance de apanharaquele velhaco noite - de preferncia meia-noite -, recite os esconjuros e atinja-o com umadessas flechas. Alis - acrescentou -, eu vou ter

    uma outra oportunidade de instru-lo melhor.No dia seguinte, aps ter agradecido de todo ocorao ao doutor Johannes e recebido dele apermisso de escrever-lhe sempre que precisasse,retornei a Petersburgo.O almirante se calou, aparentemente exausto, erecostou-se no espaldar da poltrona. Minutosdepois, levantou-se. Chega por hoje, meus amigos. Reconheo estarexausto e preciso descansar antes de reiniciar adifcil e triste pgina da minha narrativa: a mortede Marssya. Amanh contarei os estranhos eterrficos fenmenos que acompanharam o fim

    precoce daquela inocente vtima, acometida deum mal misterioso. Ademais j so quase trshoras e est na hora de todos dormirem; olhem scomo Ndya est branca!A jovenzinha protestou, afirmando no estar nemum pouco cansada e que teria ficado a noite

    inteira para ouvir o desfecho da histria, mas IvanAndrevitch recusou-se peremptrio a prosseguir orelato e todos se retiraram aos seus quartos.No dia seguinte, quando Ndya desceu para o ch,no encontrou o almirante; o criado explicou queIvan Andrevitch se levantara cedo e sara emdireo do oratrio tumular, pedindo que no oesperassem para o desjejum.

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    Ah! - pensou Ndya. - Ele foi orar no tmulo deMarssya. A narrativa deve ter-lhe exacerbado aslembranas. Teria ele ficado celibatrio por causadela?

    Ela ainda refletia sobre isso, tomando uma xcarade leite, quando veio o correio e a carta recebidadeu um novo rumo a seus pensamentos, fazendo-ase esquecer da pobre Marssya e at do padrinho.A missiva era do seu noivo Mikhail DmtrievitchMassaltinov, anunciando sua vinda um dia maistarde e pedindo que fosse enviado um coche parabusc-lo na estao de trem. Ele vinha com seuprimo Jorj Vedrinsky, em viagem para Kiev, com ointuito de visitar seus parentes. Conhecendo ainesgotvel bondade e hospitalidade de FilippNikolevitch e sua esposa, ele decidira levar Jorjsem consulta prvia e esperava que o

    desculpassem por isso.Radiante de felicidade, Ndya imediatamenteinformou aos pais sobre o contedo da carta eficou decidido que Zoya Issifovna com a filhairiam estao para receber os hspedes. Oassunto de acomodao sequer foi discutido. O

    almirante chegou e foi posto a par da novidade. Agora, muito menos vou aceitar sua partida,padrinho! Voc vai conhecer o meu noivo - disseNdya, dengosa. Sim, sim, ela est coberta de razo, IvanAndrevitch. E tenho ainda mais um bom motivo

    para voc ficar - apoiou Zamytin, dobrando acarta. Ktya Tutenberg, ou melhor, a senhoraMorel, vem para c com Mila e, claro, voc no

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    vai querer partir sem rever a filha da pobre MariaPetrovna.O almirante estremeceu, visivelmente surpreso. Elas vm para c? E para qu?

    Conforme a carta da senhora Morel, para Milaorar no tmulo da me e conhecer os lugares ondeela morava e pereceu to tragicamente. E verdade, ela nunca esteve aqui, pelo que sei -observou o almirante. - De fato, nada sei sobreMila ou Ktya. Aps a partida de Piotr Petrvitch,perdi-os de vista. Fiquei navegando ao redor domundo e, quando retornei, Piotr Petrvitch jestava morto. Depois disso, servi por longo tempono Oriente Extremo*, mas a filha de Vyatcheslav,ou melhor, de Krassinsky, nunca me inspirou muitasimpatia. Vou-lhe resumir o que sei de Mila e da me que

    a adotou - interveio Zamytin. - Como sabe, o localtornou-se odioso a Piotr Petrvitch depois damorte da filha; aps a construo da cmaramorturia e do oratrio, onde tambm reservouum lugar para si, Piotr Petrvitch vendeu Gorki aoseu primo Vktor, do qual eu herdei a propriedade.

    Uma vez que Vyatcheslav desapareceu desdeaquela poca e todas as buscas foram inteis,todos acharam que ele havia morrido. Sua filhatinha sade fraca e vivia doente, assim PiotrPetrvitch instalou a residncia no sul da Frana.L, Ekaterina Aleksndrovna, casada com um talde senhor Morel, se afeioou muito menina. Um

    ano mais tarde, o senhor Morel pereceu numacidente ferrovirio e Ekaterina Aleksndrovna foimorar na casa de Piotr Petrvitch para educar a

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    pequena Ludmila. Quando Piotr Petrvitch estavamoribundo, ela jurou dedicar a vida criana e sersua me; pelo visto a palavra foi cumprida, poisambas esto juntas - concluiu Zamytin.

    E quando estas damas chegam? - indagou ZoyaIssifovna. - Sinceramente, aps o que IvanAndrevitch nos contou, morro de curiosidade paraconhecer essa Mila.

    Estarei telegrafando hoje mesmo que ficaremosfelizes em receb-las e, provavelmente, daqui a

    quatro ou cinco dias, podemos esper-las por aqui- assegurou Zamytin.Zamytina com a filha foram ultimar os devidospreparativos para a vinda dos hspedes; oshomens ficaram no terrao, fumando charutos efolheando jornais.

    Oua, Filipp Nikolevitch, como que vocherdou Gorki, pois, se no me falha a memria, oseu primo Vktor tinha uma famlia numerosa? -perguntou de chofre o almirante.Zamytin estremeceu e olhou para ele, hesitante. E verdade, Vktor tinha quatro filhos, mas todosmorreram. E de qu? O mais velho pereceu num duelo com ofazendeiro vizinho, com cuja esposa flertava; osegundo ficou cego e por fim se enforcou dedesespero. Os dois menores, um menino decatorze e uma menina de uns doze, afogaram-se

    no lago aps o barco ter virado. Todas essasdesgraas abalaram tanto a esposa dele, que elateve um choque apopltico e morreu paralisada

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    aps dois anos de sofrimento. Vktor ainda viveudepois dela por uns trs anos e morreu de infarto.No deixou testamento e a propriedade ficou paramim.

    E que grande propriedade, devo dizer! -resmungou o almirante, sacudindo com um gestonervoso a cinza do charuto no cinzeiro.Zamytin se levantou. Eu o entendo, Ivan Andrevitch, e reconheoodiar este local sinistro, pois ele traz infelicidade atodos os seus habitantes. Dependesse de mim, eupartiria amanh mesmo, com toda a famlia.Infelizmente, estou comprometido com a vinda donoivo de Ndya, sem falar na de EkaterinaAleksndrovna e Mila. No posso simplesmentefugir daqui, tornando-me um motivo de riso. Mas

    juro-lhe: abreviarei a minha estada em Gorki e

    jamais retornarei. Deus queira seja o mais rpido possvel! -suspirou Ivan Andrevitch.O dia passou em azfama, envio de telegramas eassim por diante; aps o almoo, toda a famlianovamente se acomodou no terrao. Ndya se

    sentou numa cadeira de dobrar junto ao padrinhoe, a pedido de todos, o almirante retomou anarrativa. Parei, caso no me engane, no ponto em queeu ia de Lyon a Petersburgo. Daria tudo para ir aGorki e salvar Marssya, destruindo o patife queacabou com a vida e a felicidade dela! Mas oservio me acorrentara capital e eu nem podiasonhar com uma nova licena. Nas cartas de Piotr

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    Petrvitch, bastante raras, se entremeava umapreocupao crescente pela filha. Ele mecomunicara, entre outras coisas, o nascimento daneta, acrescentando que desde ento a sade de

    Marssya chegara a um estado preocupante; osmdicos constataram nela uma anemia e temiama extenuao completa de suas foras. Ca emdesespero. De posse de uma arma capaz de salv-la, eu estava atado pelas mos e ps feito umcondenado. Finalmente, em meados de setembro,a sorte me sorriu - se que possvel assim seexpressar.Falecera uma longnqua parenta minha, deixandopequena herdade. A legalizao da papelada daherana propiciou-me oportunidade inesperada deconseguir uma licena de duas semanas e,literalmente, voei para Gorki. No me importava

    com o legado; queria tirar do perigo Marssya.Encontrei Piotr Petrvitch muito mudado,envelhecido e doente. Ele me recebeu de braosabertos e, imediatamente, confiou-me seusinfortnios. Quem poderia prever que Vyatcheslav fosse

    uma pessoa to desagradvel, de comportamentosuspeito, o qual tornou a minha filha infeliz? O que o faz achar assim... de comportamentosuspeito? - surpreendi-me. - Teria ele - pensei -descoberto o segredo infausto? Ele sai no se sabe para onde, some por diasinteiros, s vezes, por semanas. Talvez at a

    maltrate s escondidas? Ela, verdade, no sequeixa, mas evidentemente tem medo atroz dele;eu at observei o pnico no olhar dela. s minhas

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    perguntas, ela no responde e s afirma estarmuito feliz. Com o nascimento da criana as coisaspioraram. Ela est se acabando a olhos vistos.Ficaram confinados naquela maldita ilha o inverno

    todo apesar de minhas persuases de mudarempara c. Antes ela costumava, mesmo ele viajandoou at acompanhada por Vyatcheslav, vir almoarcomigo ou passar uma noite; agora, com onascimento de Mila, no sai da ilha e sou eu quevou at l para v-la, por mais que sejam difceistais travessias do lago devido minha doena.No a vejo h cinco dias por causa de minha gotanem ela me visita, enquanto ele deve estarsumido, Deus l sabe onde.Consolei o pobre velho, assegurando que iria verMaria Petrovna imediatamente e, caso noconseguisse convenc-la a vir rever o pai, pelo

    menos traria notcias dela.Comigo foi para a ilha o meu ordenana - umrapaz forte e corajoso, que eu levei a Grki, e omeu co de estimao, da raa Newfaundland,adquirido no inverno, muito afeioado a mim. Aosaltarmos na outra margem, o co pulou de volta

    no barco com tal pressa que quase o virou. Nemminhas ameaas para acompanhar-me surtiramqualquer efeito. Ento, sozinho, galguei a escada,dirigi-me porta de entrada trancada e toquei acampainha.Uma mulher abriu a porta e perguntou o quequeria. No era Grucha - aquela jovial e formosa

    copeira de Marssya -, mas uma senhora de idademediana, magra e antiptica, de pequenos olhoscruis e penetrantes. A minha pergunta sobre o

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    senhorio, respondeu estar o patro na cidade, compreviso de volta no dia seguinte ou depois, e apatroa se encontraria no terrao. Dirigi-me para l,mas, no limiar do terrao, estaquei abismado.

    Na larga poltrona, cercada de almofadas, estavaMarssya, ou melhor, a sombra dela. Magrrima,de rosto difano e plido feito- mscara de cera,olhos esbugalhados e olhar apagado, ela pareciamoribunda. Mesmo assim era divinamente bela; osfeixes solares, a se filtrarem atravs da vegetao,brincavam em seus cabelos loiros, circundando deaurola dourada seu maravilhoso semblante. MeuDeus, o que sobrou em pouco mais de um anodaquela criatura viosa, alegre e cheia de vida!Ao me notar, ela soltou um grito de felicidade eestendeu-me as mos. Beijei-as e sentei-me aoseu lado, felicitando-a pelo nascimento da filha.

    Seu semblante atestava apreenso e sofrimento.Olhou-me meio assustada.Tendo me certificado da impossibilidade dacopeira nos ouvir, inclinei-me e murmurei: Eu entendo seu terror, Maria Petrovna. Voctambm deve ter descoberto... aquele monstro!

    Ela se endireitou toda trmula e expandiu asplpebras. Alegria e medo parecia nela seconfrontarem. Sbito, agarrou convulsivamenteminha mo, inclinou-se bem ao p do meu ouvidoe ciciou em voz entrecortada: Voc... tambm o reconheceu? No imagina ohorror que passei. Sinto estar morrendo... Ele est

    sugando as minhas foras vitais. No posso revelarnada ao papai, mas estou muito feliz por ter vindo.

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    Voc conhece a verdade e me entender... Espere!Eu quero lhe entregar algo.Ela se levantou e, apesar da visvel fraqueza,correu para o quarto vizinho. Eu a vi apertando a

    mola do compartimento secreto de pequenaescrivaninha e de l tirar um caderno espesso emencadernao vermelha. Quase em carreira elaretornou ao terrao, passou-me o caderno e sesentou, s se acalmando quando eu o enfieidebaixo da blusa. Durante as ausncias desse monstro, anoteitodos os fatos... os meus sofrimentos. Estou certade que o meu dirio no ter mais continuao,pois as minhas horas esto contadas. S que - suavoz mal se podia ouvir - eu queria morrer junto aopapai - nisso os seus lbios quase tocaram aminha orelha - e me comun...

    Sua voz ento se interrompeu. Empalidecidarepentinamente e tremendo feito vara verde, oolhar assustado dela fixou-se em algo atrs deminhas costas. Eu me virei feito um raio econgelei.Aquele gato, que eu vi enrijecido, estava sentado

    na cadeira. Fiquei possesso comigo mesmo por teresquecido o arco e as flechas mgicas na mala;mas, pelo menos, poderia contar com o amuletocontendo as relquias santas e a hstiaconsagrada, pendurado no pescoo. Johanneshavia me ensinado uma frmula que, segundo ele,pronunciada por algum que tivesse muita f, era

    uma arma poderosssima contra as foras do mal.Era chegado o momento de testar o poder doamuleto.

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    Agilmente tirando o amuleto, ergui a cruz nadireo da criatura e pronunciei o esconjuro. Ogato, nesse nterim, j armava o bote, mas antesde d-lo projetou-se para trs e, em reviravoltas,

    comeou a se torcer convulsivo, miando e uivando.Nesse instante, de um outro quarto, ao terraoirrompeu a nova camareira, visivelmenteperturbada e trmula. Continuei segurando alto otalism, ao qual os olhos daquela mulher pareciaterem se pregado horrorizados. Ela soltou um gritosurdo e tombou inconsciente sobre o cho. Euestava perplexo. Est abafado!... Ar, ar!... - ouviu-se atrs demim.Esta exclamao entrecortada e de desespero mefez retornar realidade. Branca feito cadver,Marssya se agitava na cadeira, premendo o peitoe parecia se sufocar.Era preciso fugir daquele lugar maldito o quantoantes. Decidido levantei a jovem, pesando nomais que uma criana e, empunhando omedalho, corri para o barco. Tendo aliacomodado Marssya, ainda num estado de

    desvario, desacostamos da margem.O valente marinheiro persignou-se, tomou osremos e, qual numa disputa de canoagem, partiufeito flecha e, em dez minutos, j estvamos junto escada, que pode ser vista daqui. Primeirodesembarquei Marssya, mais calma e de olhosabertos, ainda que pela fraqueza no seagentasse em p.

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    Eu e o ordenana a carregamos para c,justamente para este terrao, ao qual acorreramvrias pessoas e se arrastou tambm, mancando,Piotr Petrvitch .

    Marssya atirou-se aos braos do pai, e amboschoraram de alegria e desventura. Minha querida criana! Jamais eu a deixareivoltar quela maldita ilha. Ficaremos juntos; voucuidar de voc e, to logo voc fique forte,viajaremos ao exterior - dizia Piotr Petrvitch porentre as lgrimas.Marssya estava feliz, mas exausta. Sua antigaama-seca Anssya levou-a, apoiando pelo brao,at a cama. Piotr Petrvitch, to logo a filha seretirou, agarrou-me pela mo e perguntoualvoraado: O que significa este seqestro ou fuga

    desabalada? Marssya corre algum perigo? Ouvocs descobriram alguma vilania daquele patifeVyatcheslav? Vyatcheslav como sempre est desaparecido.Se eu lhe contasse o que sei dele, o senhor metomaria por um insano -disse eu. - Talvez, algum

    dia, eu lhe conte tudo e, ento, poder pensar oque quiser. Neste momento, s me deixe agir esiga os conselhos que visam, exclusivamente, apr a salvo sua filha.Em minha voz e olhar devia haver algo designificativo e srio, de modo que ele,acabrunhado, aceitou que eu tomasse conta de

    tudo. Mandei de imediato um cavalario buscar opadre Tmon para ele celebrar a eucaristia deMarssya. Mal o enviado partiu, Anssya veio me

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    avisar que ela queria me