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4473 O EU E OUTRO = IDENTIDADE E ALTERIDADE NA LITERATURA DOS VIAJANTES Shyrlaine Costa Querino Universidade Federal de Campina Grande RESUMO Este resumo tem o objetivo de apresentar a pesquisa intitulada: “Identidade e Alteridade: como índios e negros chegaram a ser o que dizem que são nas narrativas da história.”, no qual, tem por objetivo perceber a construção das identidades de índios e negros. Essas são formuladas a partir das leituras dos viajantes que vieram para o Brasil com o objetivo de catalogar, classificar, nomear, ordenar e organizar a sociedade brasileira. As literaturas pesquisadas datam dos séculos XVI ao XVIII. As fontes utilizadas neste projeto foram a bibliográfica. A metodologia utilizada foi inicialmente fichar e registrar as narrativas dos viajantes localizando as identidades de índios e negros. Esta metodologia foi escolhida para estudarmos a arqueologia das subjetividades que foram formadas históricamente sobre esses sujeitos sociais e que tem influenciado a educação formal e não formal da sociedade brasileira. Dessa forma, podemos encontrar nas leituras desses viajantes uma gama de valores sobre os índios e negros que tem como referência a cultura européia, como exemplo, como se vestiam, o que comiam, qual seu tipo de comportamento perante o trabalho, sua moradia e o tratamento que era atribuído por não índios e negros à eles.. Concomitante a esse trabalho realizamos algumas leituras teóricas que nortearam o caminho enveredado pela pesquisa. As mesmas tratam da construção das identidades dos sujeitos a partir do discurso. Comungando com o pressuposto teórico de que os sujeitos são elaborados a partir dos discursos e que a prática educativa elabora e reelabora caminhos para reforçar as identidades desses sujeitos refletimos a processo de alteridade em que o mesmo foi construído. Através do processo de repetição as identidades são disseminadas e subjetivadas pelas tramas da cultura, de modo que a sociedade vai ressignificando os valores atribuídos e mantendo a alteridade, afirmando quem é o eu e o seu lugar na sociedade, bem como o lugar do outro, este sendo sempre o inferiorizado, tendo atitudes as que não são tomadas nem aceitas pela eu. Os resultados obtidos neste trabalho foram indicam que os negros e índios sempre sáo seres infantilizados, preguiçosos, selvagens ou bárbaros.. Quando se trata do índio, este é retratado como o primitivo, o desinteligente, os bárbaros, andam nus, são falsos, de raça fraca, frios, indolentes, desconfiados, imbecis. E em se tratando do negro, este aparece como preguiçoso, propenso ao furto, feios, mal cheirosos, vingativos, desconfiados, propenso ao vício e à prostituição; e mais, por causa de seu comportamento este precisava ser bem vigiado e tratado com a mão firme e rigorosa do seu senhor, que empregava como castigos açoites, marcas com ferro quente, corte de sua língua, deixando-o sem comida, vivendo em lugares escuros, dormindo em senzalas fétidas, no chão, trabalhando dia e noite em um regime exaustivo, mas tudo isto era visto pelos viajantes diferente das notícias que chegavam à Europa, pois para estes os senhores eram muito benevolentes nos castigos, tratando muito bem seus escravos, visto o fraco caráter e personalidade deste, que chegavam a ser mau agradecidos com os seus senhores que tanto bem faziam aos negros.

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4473 O EU E OUTRO = IDENTIDADE E ALTERIDADE

NA LITERATURA DOS VIAJANTES

Shyrlaine Costa Querino

Universidade Federal de Campina Grande

RESUMO

Este resumo tem o objetivo de apresentar a pesquisa intitulada: “Identidade e Alteridade: como índios e negros chegaram a ser o que dizem que são nas narrativas da história.”, no qual, tem por objetivo perceber a construção das identidades de índios e negros. Essas são formuladas a partir das leituras dos viajantes que vieram para o Brasil com o objetivo de catalogar, classificar, nomear, ordenar e organizar a sociedade brasileira. As literaturas pesquisadas datam dos séculos XVI ao XVIII. As fontes utilizadas neste projeto foram a bibliográfica. A metodologia utilizada foi inicialmente fichar e registrar as narrativas dos viajantes localizando as identidades de índios e negros. Esta metodologia foi escolhida para estudarmos a arqueologia das subjetividades que foram formadas históricamente sobre esses sujeitos sociais e que tem influenciado a educação formal e não formal da sociedade brasileira. Dessa forma, podemos encontrar nas leituras desses viajantes uma gama de valores sobre os índios e negros que tem como referência a cultura européia, como exemplo, como se vestiam, o que comiam, qual seu tipo de comportamento perante o trabalho, sua moradia e o tratamento que era atribuído por não índios e negros à eles.. Concomitante a esse trabalho realizamos algumas leituras teóricas que nortearam o caminho enveredado pela pesquisa. As mesmas tratam da construção das identidades dos sujeitos a partir do discurso. Comungando com o pressuposto teórico de que os sujeitos são elaborados a partir dos discursos e que a prática educativa elabora e reelabora caminhos para reforçar as identidades desses sujeitos refletimos a processo de alteridade em que o mesmo foi construído. Através do processo de repetição as identidades são disseminadas e subjetivadas pelas tramas da cultura, de modo que a sociedade vai ressignificando os valores atribuídos e mantendo a alteridade, afirmando quem é o eu e o seu lugar na sociedade, bem como o lugar do outro, este sendo sempre o inferiorizado, tendo atitudes as que não são tomadas nem aceitas pela eu. Os resultados obtidos neste trabalho foram indicam que os negros e índios sempre sáo seres infantilizados, preguiçosos, selvagens ou bárbaros.. Quando se trata do índio, este é retratado como o primitivo, o desinteligente, os bárbaros, andam nus, são falsos, de raça fraca, frios, indolentes, desconfiados, imbecis. E em se tratando do negro, este aparece como preguiçoso, propenso ao furto, feios, mal cheirosos, vingativos, desconfiados, propenso ao vício e à prostituição; e mais, por causa de seu comportamento este precisava ser bem vigiado e tratado com a mão firme e rigorosa do seu senhor, que empregava como castigos açoites, marcas com ferro quente, corte de sua língua, deixando-o sem comida, vivendo em lugares escuros, dormindo em senzalas fétidas, no chão, trabalhando dia e noite em um regime exaustivo, mas tudo isto era visto pelos viajantes diferente das notícias que chegavam à Europa, pois para estes os senhores eram muito benevolentes nos castigos, tratando muito bem seus escravos, visto o fraco caráter e personalidade deste, que chegavam a ser mau agradecidos com os seus senhores que tanto bem faziam aos negros.

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TRABALHO COMPLETO

O presente trabalho trata de apresentar o resultado da pesquisa: “Identidade e Alteridade: ‘como índios e negros chegaram a ser o que dizem que são nas narrativas da história¹’”. Como fonte empírica usamos a literatura dos viajantes e como embasamento teórico às leituras pós-estruturalistas² que abordam o poder do discurso5. Nosso desejo, junto a essa pesquisa, é o de alcançar suas raízes e analisar como são construídas as identidades de negros e de índios no Brasil, a partir da escritura dos viajantes ingleses, franceses, entre outros que vieram ao país com interesse de catalogar a fauna e a flora, os aspectos geográficos e acabaram por descrever também hábitos e costumes dos grupos sociais. Ao analisarmos a literatura indicada, elegemos como fio condutor para nossa pesquisa a análise do discurso, tomando-o, para além da comunicação, pois, até meados do século XIX, este era entendido como sendo um fato natural, inerente ao ser humano e com o único propósito de estabelecer a comunicação, estando, portanto livre de todo e qualquer intenção, interdição e conseqüentemente de valores capazes de conduzir ou intencionar o discurso.

Entretanto, na segunda metade do século XIX, ocorreu um processo conhecido como virada lingüística4, a partir dessa premissa, a linguagem passa a ser concebida não mais como algo natural, e sim com estando para além da comunicação, uma vez que, é conduzido seja com critérios de cunho religioso, intelectual, moral ou de qualquer outro âmbito ligado ao ser social e sociável que é o homem.

Nesse sentido, a linguagem encontra-se imbuída de valores culturais5 e dos poderes/saberes encontrados no cerne da sociedade, sendo assim, a linguagem tem o poder de nomear e atribuir valores, capazes de produzir sujeitos e subjetividade causados de uma relação ou estranheza e alteridade entre o “eu” e o “outro”, onde o primeiro representa tudo o que é certo, a semelhança6, a verdade que convenciona a partir do lugar da fala, reservando para si o patamar de superioridade deixando consequentemente relegado ao outro o desconfortável lugar de diferente, de exótico, de cultura inferior o deixando nas margens da sociedade.

Quando tratamos essa relação entre o eu e o outro se faz necessário compreender que essa é de caráter binário, ou seja, para que um exista se faz necessária a existência do outro. Portanto, ao afirmarmos o espaço do “eu”, estamos imediatamente atribuindo os valores do “outro” e fortalecendo seu lugar, fato comum em nosso meio e que podemos tomar como exemplo, são as políticas de “boa vizinhança7” entre países latino-americanos como por exemplo o México e seu vizinho, os Estados Unidos da América ou ainda com as campanhas de inclusão8 social daqueles que se encontram marginalizados, podemos citar, entre eles o ____________________________ 1- Orientado por Eronides Câmara de Araújo, Professora da Unidade Acadêmica de História e Geografia da

UFCG 2- O nosso interesse de trabalhar mos de cunha pos-estruturalistas esta relacionado ao modo que tratam a

problemática do discurso 3- Para melhor compreender esta questão ver: FOUCALT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no

collége de France, pronunciado em 02 de dezembro de 1976. Trad. Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Edições Loyola 1996

4- Sobre essa discussão ver: COSTA, Maria V. Sujeitos e subjetividades nas tramas da linguagem e cultura. In: CANDAU, Vera M> (org. ) Cultura, Linguagem e subjetividade no ensinar e aprender. Rio de Janeiro. DP&A, 2000b 5- A falarmos em semelhança chamamos a atenção para o fato de que o “Eu” só reconhece aquilo que se

assemelha a ele mesmo, então tudo que fugir do seu controle lhe causa transtorno. Nesse sentido ver: LARROSA, Jorge&SKILIAR, Carlos. Habitantes de babel: Políticas e Poéticas da diferença. Belo Horizonte> Autentica 2001.

6- Ver: Pára qué serve los extranjeiros? Reflexão preliminares sobre a paradoxal exclusão do outro. Jorge Larossa in: Educação&Sociedade Revista quadrimestral de Ciência da Educação/Centro de Estudos Ed e Sociedade (CEDES0 nº 79-2002 Campinas: Cedes, 2002.

7- FRANÇA, Vera Regina Veiga, impertinência. Tomaz Tadeu da Silva. In: Educação&Sociedade: Revista quadrimestral de Ciência da Educação/Centro de Estudo Ed&Sociedade (CEDES) nº 79-2002 8- Ver melhor essa discussão sobre a exclusão dos sujeitos em: VEIGA-NETO, Alfredo. Incluir para excluir, in: LARROSA, Jorge&SKILIAR, Carlos, Habitantes de Babel: Política e poética da Diferença, Belo Horizonte: Autêntica, 2001 pg. 105 a 118. portador de deficiência física, visuais, auditivos, sem para tanto, fornecer a estes qualquer

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4475 melhoria jogando-os em salas de aula junto a alunos “tidos” como normais que nesse contexto apenas aumentará a barreira da diferença9.

Nesse sentido, se faz necessário ainda, compreender que os outros, enquanto sujeito, vão ao longo do tempo e no plano da linguagem ganhando lugares identitários construído a partir da fala do “eu” que vão bem mais além do que os já mencionados, visto que, o outro enquanto aquele tido como o pobre, a mulher,o homossexual, bissexual, o drogado, o louco, o negro e o índio entre outros, são identidades produzidas ao longo do tempo e de modo tão útil que vão ganhando na sociedade espaço e lugar de verdade, de modo que, não chama a atenção para questionarmos à respeito a partir de quando índios e negros começaram a adquirir um serie de subjetividades que lhes resultou uma identidade que os inferioriza e excluir10 .Para tal abordagem se faz necessário ressaltar a presença do processo de resignificação, no qual, as informações circuladas à respeito de um fato ou de um sujeito social, no caso em análise, o que se falo sobre o ser índio e o negro, vão sendo reproduzidos de modo tão sutil que com o passar do tempo acabam se colocando em um lugar de verdade incontestável.

Sendo assim, em nossas leituras na literatura dos viajantes europeus que tiveram no Brasil do

o século XVI ao século XIX, estudando essas identidades de como é ser negro e ser índio no Brasil desde o séc. XVI, vemos que esse discurso instituído pelos europeus aqui instalados para estudar e catalogar a sociedade conseguiu não só ordenar grupos de plantas e animais, como era seu objetivo, com também, ordenar e classificar sujeitos, porém o mais importante nesse momento é observar o poder desse discurso e sua permanência em nosso meio, uma vez que, passados vários anos desde o fim desses discursos pelo país, e com mudanças sociais significativas como o fim da escravidão, instalação da República democrático bem como a “preservação” da cultura indígena, percebemos que o discurso social se mantém excludente a esses dois grupos, vamos percebendo que o lugar atribuído aos negros e aos índios foram sendo construídos ao longo do tempo a partir de uma relação de superioridade e alteridade existente, onde o “eu”, detém o poder e o controle do discurso e afirma a partir de seus padrões, dos valores, dos saberes e do poder quem é e como é o “outro”.

Nessa relação representada pelo eu branco, cristão, europeu, civilizado e colonizador, este se mostra como agente construtor das identidades tomando por referência seus modelos e critérios religiosos, intelectuais e culturais que a partir da linguagem vai se estabelecendo no meio social e gerando o lugar do outro, no caso, a idéia do que é ser negro e ser índio, no primeiro caso, aos negros são atribuídos os adjetivos de bárbaros, de mal-cheirosos, desconfiados ardilosos, vingativos, propensos ao vício entre outros,no segundo caso,o indígena era classificado como aquele de raça fraca,bárbaro que anda nu e come carne humana,sem cultura,fleumático,frio,indolente,vingativo e incapaz de sentir sentimentos de amor pela mulher,esses e aspectos vão compondo o processo identitário do que é ser negro e ser índio a partir do olhar dos viajantes.

Essa idéia de inferioridade endereçada ao negro se faz notória na literatura dos viajantes, nesta, o descontentamento por serem obrigados a manter um contato direto com os cativos, o que inclui, serem servidos por eles é um ponto bem presente na leitura, no trecho a seguir podemos identificar tal idéia.

“...Mas no estado atual das coisas, no Brasil, somos forçados a passa pelo desgosto de sermos servidos por escravos, a não ser que nos conformemos, como já expliquei antes, a ficar a mercê de homens livres contratados para nos servirem”...(p.27)¹¹

_______________________ 9-Ver melhor essa discussão sobre a exclusão dos sujeitos em: VEIGA-NETO, Alfredo. Incluir para excluir, in: LARROSA, Jorge&SKILlLAR, Carlos, Habitantes de Babel: Política e poética da Diferença, Belo Horizonte: Autêntica, 2001 pg. 105 a 118. 10-Ver melhor essa discussão sobre a exclusão dos sujeitos em: VEIGA-NETO, Alfredo. Incluir para excluir, in: LARROSA, Jorge&SKILLIAR, Carlos, Habitantes de Babel: Política e poética da Diferença, Belo Horizonte: Autêntica, 2001 pg. 105 a 118. 11- SAINT-HILAIRE, August de 1779-1858. Viagens às margens do rio São Francisco, Belo Horizonte: Ed. Itatiaia São Paulo: Ed. da VSP,1975

Assim, Gardner, enfoca a inferioridade natural do negro, mas, aponta como um problema ainda maior a situação do negro brasileiro, haja vista que o autor vê nas mistura das raças uma desgraça para a população e par ao desenvolvimento do país. tinham alojamento de boa qualidade e sendo bem tratado por seus senhores que os alimentaram e acolhiam bem, tal visão, era contraditória ao que era sabido por esses É muito comum, esse tipo de tratamento relacionado ao negro, porém existem ainda outras falas relacionadas a este que se fazem necessários na análise. No tocante ao trato do negro, este é sempre retratado como maltrapilho,

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4476 com alto grau de atraso sendo inclusive alvo de comparação que os assemelhavam a besta ou burro, ao se referir ao trabalho dos donos de terras em substituir burros e negros fujões, este ultimo, eram tidos como ingratos, pois,viajantes de chegarem ao Brasil, para os quais, eram obtidas informações de maus tratos e vida sub-humana coisa que não foi constatada em outra visita ao país.

Com isso tanto Saint-Hilaire quanto os demais viajantes pesquisados buscavam justificar para negarem na Europa as noticias de maus tratos empregados pelos senhores nos seus escravos, a esse respeito, os viajantes procuravam a todo momento mostrar a benevolência e paciência dos senhores para com os negros que tanto trabalho lhes dava. Na verdade, acreditava que os senhores faziam um favor em tira-los de suas terras para traze-los ao Brasil, sobre isso diz: “conversei com os escravos, tendo encontrado muito poucos que lamenta-se ter sido tirado de suas terras ou quisessem retornar a ela¹²”...

Desse modo, quando não aceitava as ordens de seus senhores os escravos eram colocados

como mal agradecidos e até mesmos como perigosos, uma vez que eram contrários a seus bem feitores. A estes também eram embutidos significados que os classificavam como propensos ao vício e a prostituição, preguiçosos e indolentes entre outros.

Paralelo a identidade de negros foi-se construindo também a do índio, sendo este um selvagem, cruel, de raça fraca vingativo, preguiçoso, mentiroso, que andava nú, que cometia furto e era selvagem ao ponto de comer carne humana e tinha atitudes que os assemelhavam a animais, haja vista que agiam muito mais pelo instinto que pela ternura e inclinação, esse tipo de reflexão a respeito do índio é algo marcante na literatura dos viajantes. Para estes o índio era:

...”o temperamento dos índios quase não se determinou ainda e pode ser qualificado de fleumático. (...) estranhos a todo sentimento de deferência, e, sobretudo, a todas as emoções delicadas e nobres (...), insensíveis, taciturnos, imersos no mais absoluto indiferentismo para tudo, os índios de nada precisavam (...). Frio e indolente, mesmo nas relações familiares ele mais se deixava levar por instinto animais do que pela ternura de inclinações, o amor pela mulher exprime-se somente pelo mais bárbaro ciúme que, além do espírito de vingança, é a única paixão que pode arrancar a sua alma apática e morna, indiferente em que jaz¹³....” pg. 249.

Vemos portanto, que no discurso construído pelos viajantes14 o lugar o índio é de inferioridade, mas não podemos fazer análise de negros e de índios como se estivéssemos em momentos de sociedade diferente visto que, a comparação entre ambos existia. Um ponto que podemos destacar como semelhante é o fato de ambos estarem sempre _____________________________________________

12- SAINT-HILIRE, August de 1779-1858. Viagens às margens do rio São Francisco, Belo Horizonte: Ed. Itatiaia São Paulo: Ed. da VSP,1975 13-Citação retirada do livro: SPIX&MARTOIUS. Viagem pelo Interior do Brasil, 1817-1820 Tomo I, vol. I, São Paulo, Edições Melhoramentos. 14 – Ver ainda: 1- SAINTI-HILAIRE, August de Viagem ao Espírito Santo e rio Doce. Belo Horizonte, Itatiaia , 1974 – 2 – GRAHAN, Maria. Diário de uma Viagem ao Brasil, Belo Horizonte inseridos na paisagem natural, bem como na ingratidão para com os seus superiores. Que tão bem lhes fez ao tirá-lo do seu estado de barbárie e

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4477 atraso, dando-lhe a possibilidade de se integrar a uma fé cristã e uma cultura superior capaz de salva-los da própria sorte.: Itatiaia, 1980 – 3 - GASSIZ&AGASSIZ, Luiz e Elizabeth Cory. Viagem ao Brasil – 1865 866, Editora Itatiaia, São Paulo, SP, 1975.

Porém, vale ressaltar que existiam diferenças na concepção relacionadas a cativos e a índios para os viajantes, isso porque os primeiros embora de cultura inferior possuíam uma estrutura mental e uma engenhosidade superior ao dos índios, fato esse comprovado pela estrutura agrária por esses trazidos da África para o Brasil. No entanto, não podemos localizar o negro como estando num patamar de superiores, em ralação ao indígena, mas, que este leva uma certa vantagem.

Vejamos

...”variam grandemente em diferentes nações o caráter e a capacidade do negro. Os da África Setentrional são, em tudo e por tudo, os de melhor raça. Os escravos da Bahia são mais difíceis de governar que os de qualquer outra parte do Brasil”... (pg. 26).15

Sendo assim, em nossas leituras na literatura dos viajantes que estiveram no Brasil desde o séc. XVI até o séc. XIX vamos percebendo que o lugar atribuído a negros e a índios foram sendo construídos ao longo do tempo a partir de uma relação de superioridade e alteridade existente entre os sujeitos históricos, onde o eu, detém o poder e o controle do discurso que diz a partir de seus padrões, valores, saber, poder quem é e como é o outro, aquele inferiorizado pela razão e cultura do eu. A partir do entendimento de que nossa identidade foi produzida culturalmente (no processo histórico) e está permeada pelos discursos que nos rodeia,(família, escola, trabalho, etc) ou, como defendeu Foucault foi construída discursivamente vemos como a linguagem tem um papel importante na formação dos sentidos identitários. Isso implica dizer que os textos aqui analisados mostram os sujeitos enquanto resultados da cristalização do discurso e significados formulados na sociedade embora, esses significados estejam numa permanente mutação, ou seja, estão sempre sendo ressignificado pelos discursos. 15- Utilizando-se de uma parábola os autores contam a história de um barbeiro que sabia da vida de d todos, mas tinha uma postura diferente daquela tomada pelos moradores da cidade, desse modo, ninguém sabia na da sob sua vida, um dia o barbeiro foi morto e todos perguntaram porque matamos o barbeiro? Na verdade sua diferença foi a causa de sua morte, sobre isso: Porque matamos o barbeiro? Reflexões preliminares sobre a paradoxal exclusão do outro. Regina Maria Souza e Silvio Gallo., i: Educação&Sociedade, Revista quadrimestral de Ciência da Educação/Centro de Estudo e Sociedade (CEDES) nº 78-2002, Campinas: Cedes, 2002.