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TEOLOGIA DA PROSPERIDADE Introdução A palavra hedonismo vem do grego hedoné, que significa “prazer”, “vontade”. Ela nasceu na Grécia antiga e preconizava a busca pela felicidade por meio do prazer individual e egoísta. Adquiriu algumas formas, como o epicurismo, o psicologismo de Bentham, o homem dionisíaco nietzscheano e o materialismo contemporâneo. O ser humano, em todas as épocas, aplicou conceitos distintos à felicidade e ao prazer. “O importante é ser feliz”; “Não importa o preço a pagar, o importante é que o prazer seja satisfeito”, dizem. Deste modo, ao longo da História, inúmeras variações foram usadas pelo ser humano para a busca do prazer: o erotismo, a ética, as lutas políticas, as guerras religiosas, etc. Em nosso mundo contemporâneo, o materialismo é um dos prazeres mais evidentes em suas formas de consumismo e de fé. Após a grande virada filosófica e religiosa no final do século 19 e início do século 20, com as propostas de racionalização, desumanização e da “morte de Deus”(1), o mundo se tornou muito mais apaixonado por aquilo que é material em detrimento das coisas que não podem ser vistas. A consequência desse processo de racionalização foi que as pessoas passaram a considerar como mais importante aquilo que pode ser demonstrado racional e concretamente, em detrimento dos valores e dos conceitos metafísicos construídos ao longo do tempo, quer pela teologia quer pela ética social. Com essa mentalidade racional, a existência humana passou a ser julgada a partir de sua própria utilidade na sociedade, e não mais por sua natureza e essência, gerando, por consequência, a necessidade de possuir e de valorizar as coisas em vez das pessoas. Estas passaram a ser degraus para se conquistar aquelas. No campo religioso, a fé que, de acordo com as Escrituras, é “a certeza das coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não veem” (Hb 11.1), transformou-se em uma

4.HEDONISMO

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TEOLOGIA DA PROSPERIDADE

Introduo

A palavra hedonismo vem do gregohedon, que significa prazer, vontade. Ela nasceu na Grcia antiga e preconizava a busca pela felicidade por meio do prazer individual e egosta. Adquiriu algumas formas, como o epicurismo, o psicologismo de Bentham, o homem dionisaco nietzscheano e o materialismo contemporneo.O ser humano, em todas as pocas, aplicou conceitos distintos felicidade e ao prazer. O importante ser feliz; No importa o preo a pagar, o importante que o prazer seja satisfeito, dizem. Deste modo, ao longo da Histria, inmeras variaes foram usadas pelo ser humano para a busca do prazer: o erotismo, a tica, as lutas polticas, as guerras religiosas, etc.Em nosso mundo contemporneo, o materialismo um dos prazeres mais evidentes em suas formas de consumismo e de f. Aps a grande virada filosfica e religiosa no final do sculo 19 e incio do sculo 20, com as propostas de racionalizao, desumanizao e da morte de Deus(1), o mundo se tornou muito mais apaixonado por aquilo que material em detrimento das coisas que no podem ser vistas.A consequncia desse processo de racionalizao foi que as pessoas passaram a considerar como mais importante aquilo que pode ser demonstrado racional e concretamente, em detrimento dos valores e dos conceitos metafsicos construdos ao longo do tempo, quer pela teologia quer pela tica social.Com essa mentalidade racional, a existncia humana passou a ser julgada a partir de sua prpria utilidade na sociedade, e no mais por sua natureza e essncia, gerando, por consequncia, a necessidade de possuir e de valorizar as coisas em vez das pessoas. Estas passaram a ser degraus para se conquistar aquelas.No campo religioso, a f que, de acordo com as Escrituras, a certeza das coisas que se esperam, a convico de fatos que se no veem (Hb 11.1), transformou-se em uma espcie de muleta para escorar as necessidades existenciais das pessoas. F, no contexto religioso contemporneo, apenas um sentimento subjetivo que deve ser confirmado com realizaes factuais e concretas no diaadia, sob pena de receber a desconfiana total daqueles que a sugerem.Em outras palavras, a validade da f depende do quanto ela demonstrada objetivamente por meio de bnos materiais, concretas e numerveis. Uma consequncia da racionalizao e da desumanizao. Portanto, as necessidades humanas, quer sejam religiosas ou no, passam pela questo do quanto se tem, e no do o que se . A essncia foi trocada pela existncia.(2)A questo que s podemos ver com nossos prprios olhos (F. Nietzsche). O perspectivismo de Nietzsche tem toda razo neste caso. De fato, a relativizao dos valores nos conduz perda de sentido geral das coisas, de modo que nossas necessidades mais prximas so as mais importantes naquele momento. No conseguimos olhar adiante, porque o que est adiante de ns apenas a necessidade imediata.I. O que nos diz a Bblia?Primeiramente preciso dizer que o prazer no pecaminoso. Deus criou o homem para se deleitar nas coisas criadas e para experimentar as bnos que ele nos d: Porque Deus d sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada (Ec 2.26).Vrios textos bblicos mostram o quanto perigoso ampararmos nossa f nas cirscuntncias temporais. Entretanto, veremos no livro de J algumas preciosas verdades que nos guiaro pelo modo como devemos encarar as relaes entre as prazeres momentneos e as realidades factuais da f.O livro de J ensina algo importante sobre o modo comodevemos lidar com a questo das materialidades, da f e do consequente sofrimento que advm dessa relao entre o ter e o ser. J era um homem rico (1.3) e, ao mesmo tempo, temente a Deus (1.1,8; 2.3; 42.7-8). Pela informao que temos, especialmente nos captulos 2931 de J, vemos que ele era um homem cujo padro tico era respeitado pelos de sua poca. Parece que J lidava muito bem com a relao ter e ser.Entretanto, algo terrvel aconteceu a J: ele perdeu os seus bens e seus filhos. Em uma sucesso de quatro eventos catastrficos, ele foi reduzido a p. Sofreu ataques humanos por meio dos sabeus e dos caldeus e tambm naturais, como um incndio e um vendaval. De fato, Deus havia permitido que Satans afligisse J, considerando que ele no negasse sua f no verdadeiro Senhor, dono e sustentador de todas as coisas. J estava entre o materialismo e a f no verdadeiro governador do mundo. Ele estava entre o hedonismo secular e a sasifao em Deus.O auge dessa imensa confiana e f real em Deus se demonstrou no contraste entre a perda do material que abalou no somente as posses fsicas de J, mas tambm sua afetividade na paternidade , e a realidade de sua experincia com Deus. Em um curtssimo trecho, toda a vida de J posta abaixo, como num grande terremoto que abala as mais firmes estruturas e transforma tudo em runas. Ao se ver totalmente desnudado da materialidade, J se reconheceu como nada e, rasgando as vestes, talvez nica coisa que restava a ele, prostrando-se, adorou ao Senhor e disse: Nu sa do ventre de minha me e nu voltarei; o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor.Diante do contraste que o mundo contemporneo nos impe, entre o ser feliz neste mundo ou ser feliz pela felicidade em Deus, possvel extrairmos importantes lies para o nosso tempo dessa passagem de J.II. Deus nem sempre nos livra de sofrimentos e desastresEm primeiro lugar, preciso aprendermos que Deus nem sempre nos livra de sofrimentos e desastres. Se o nosso prazer estiver colocado numa relao de satisfao com as cirscuntncias sazonais, estamos totalmente errados e desfocados em nossa relao com Deus.H uma pregao contempornea que erroneamente tenta ensinar que qualquer tipo de problema na vida sinal de falta de f e de ausncia de Deus. impossvel sustentarmos essa tese quando olhamos a vida de J. A Bblia nos diz que ele era ntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal (J 1.1). J tinha certezas teolgicas inabalveis: Porque eu sei que o meu Redentor vive e por fim se levantar sobre a terra. Depois, revestido este meu corpo da minha pele, em minha carne verei a Deus. V-lo-ei por mim mesmo, os meus olhos o vero, e no outros; de saudade me desfalece o corao dentro em mim (J 19.25-27).Apesar dessa vida exemplar, Deus permitiu que J sofresse. Perguntou o Senhor a Satans: Observaste o meu servo J? Porque ningum h na terra semelhante a ele, homem ntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal. Ele conserva a sua integridade, embora me incitasses contra ele, para o consumir sem causa (2.3). Observa-se que, aparentemente, no h razo alguma para que Deus permitisse a Satans tentar a J. Mas somente no ltimo captulo do livro encontramos uma razo sublime: Na verdade, falei do que no entendia; coisas maravilhosas demais para mim, coisas que eu no conhecia Eu te conhecia s de ouvir, mas agora os meus olhos te veem (42.3,5). Deus havia preparado uma escola de f para J. Essa era a razo de seu sofrimento.Deus permite que soframos, pela f. Em Hebreus 11, por exemplo, vemos vrios servos do Senhor que sofreram, morreram, pela f. O texto diz que, por meio da f, passaram pela prova de escrnios e aoites, sim, at de algemas e prises. Foram apedrejados, provados, serrados pelo meio, mortos a fio de espada; andaram peregrinos, vestidos de peles de ovelhas e de cabras, necessitados, afligidos, maltratados (Hb 11.36-37). Tudo isso pela f! Portanto, preciso que saibamos que Deus permite que passemos por sofrimentos. Isto no exclusividade de quem no tem f. Mesmo aqueles que so retos diante do Senhor passam por provas, s vezes supreendentes e terrveis, como foi com J.Vemos, ento, a loucura da teologia da prosperidade, que deseja colocar sobre as pessoas o peso de que, se elas sofrem, em razo de sua falta de f. Absolutamente errado! A provao e as privaes nos fazem mais fortes, porque nos fazem crer inteiramente em Deus, sustentador de todas as coisas, soberano em sua vontade e aes.Meus irmos, tende por motivo de toda alegria o passardes por vrias provaes, sabendo que a provao da vossa f, uma vez confirmada, produz perseverana. Ora a perseverana deve ter ao completa, para que sejais perfeitos e ntegros, em nada deficientes (Tg 1.2-4).III. Deus nem sempre nos avisa quando vir o infortnioEm segundo lugar, preciso observar que os eventos aconteceram de repente, pegando J desprevenido. Nem sempre h sinais claros da vontade de Deus de que passaremos por esta ou aquela situao. Os telogos da prosperidade insistem no fato de que problemas pontuais so gerados por outra srie de situaes. Por exemplo, voc est doente porque no tem dado o dzimo; voc est com problemas financeiros porque no deu o salto de f de entregar todos os seus recursos a Deus, etc.Mas, quando olhamos para J, vemos que ele no fazia ideia do que estava acontecendo e da razo de tamanha perda. Ele se reconhecia reto diante do Senhor, ntegro; mas, de repente, todos aqueles desastres vieram sobre ele, seus bens e sua famlia. Por qu? Na verdade, ele no sabia, mas Deus havia ordenado tudo como um grande teste de f e de confiana que J demonstraria no decorrer da situao.Embora no saibamos os propsitos de Deus para ns, devemos ter a certeza de que ele j predestinou todas as coisas que acontecem. J no sabia o que haveria de acontecer, mas tinha plena convico de que Deus estava no controle: O Senhor o deu, o Senhor o tomou (1.21).Assim, em nosso mundo de incertezas, cujos ataques nossa f so constantes e as dvidas teimam em fazer parte de nosso cotidiano, preciso que reafirmemos, como J, a certeza de que Deus controla o nosso destino. As tuas mos dirigem meu destino, acasos para mim no haver, como escreveu Sarah Poulton Kalley num de seus belos hinos.IV. Deus nos d a verdadeira satisfao quando estamos nelePosses materiais, famlia, igreja, etc., so presentes de Deus e, por isso, devem ser recebidos com louvor por ns. Em todoas as ddivas que o Senhor nos concede, sem exceo, existem alguns valores mais preciosos do que outros, e preciso que entendamos e vivenciemos isto na realidade. J entendeu isto perfeitamente. A teologia da prosperidade insiste que creiamos naquilo que estamos vendo: dinheiro aumentando na conta, muletas sendo jogadas fora, cadeiras de roda voando, laudos mdicos modificados, etc.Embora, para J, fosse muito importante ter casas, campos, filhos (ele no desprezava tais bnos), era ainda para ele mais importante ter o Senhor como sustentador da vida. A f no poderia ser abalada pelas circunstncias. preciso aprender a dar importncia aos valores mais preciosos. O Senhor Jesus mesmo ensinou que se algum descobrir um tesouro num campo, deve vender tudo o que tem para adquiri-lo. E tambm afirmou que a vida de um homem no consiste na abundncia de bens que ele possui (Lc 12.15). De fato, isso: h valores muito mais preciosos que outros e devem ser cultivados. Por isso, Jesus instruiu: fazei para vs outros bolsas que no desgastem, tesouro inextinguvel nos cus (Lc 12.33). preciso que depositemos nossa vida em Deus e vivamos neste mundo com frugalidade, sem colocar nosso corao nas coisas materiais, ainda que reconhecendo que so todas bnos de Deus para que vivamos satisfeitos nele.V. O prazer final de todo homem glorificar a Deus e experiment-lo para sempreAinda uma quarta lio podemos extrair: se todas as bnos so provenientes do Senhor e se nossa suficincia inteiramente nele, ele deve ser o alvo final de nosso louvor e nossa adorao. O culto verdadeiro aquele que prestado a Deus e somente a ele, com a demonstrao de nossa dependncia total dele. Nada levaremos deste mundo, por isso devemos nos subsistir no Senhor.O famoso hino de Martinho Lutero afirma: Se temos de perder famlia, bens, prazer, se tudo se acabar e a morte enfim chegar, com ele reinaremos. O salmo 103.1 declara: Bendize, minha alma, ao Senhor, e tudo o que h em mim bendiga ao seu santo nome. Nossa suficincia est no Senhor e, portanto, todaa nossa satisfao e todo prazer (2Co 3.5; 9.8). sobre isso que lemos na resposta pergunta nmero um doCatecismo Maior de Westminster:O fim supremo e principal do homem glorificar a Deus e goz-lo para sempre. Nossa vida deve ser inteiramente de culto. No somente quando as coisas esto bem, mas sempre, mesmo nos desastres, como fez J. Ele no cultuava a Deusapenas na teoria, como um legalista, mas de fato e de verdade, como um verdadeiro crente. Precisamos aprender a cultuar a Deus sempre. Diante das mais profundas adversidades, nas incertezas do futuro, e no cenrio tenebroso que se nos apresenta s vezes, lembrarmos de que o culto a Deus precede a todas as demais circunstncias.ConclusoDeste modo, diante de um mundo materialista, focado nos resultados e nas estatsticas, racionalizado e desumanizado, voltado apenas para as posses materiais e para os valores concretos, para uma f capenga que se escora no que mensurvel apenas, preciso nos lembrar da experincia vivida por J. Aps perder os seus bens, sua famlia e sua prpria existncia prtica, ele descansou os seus ps no Senhor,fundamento da sua vida. Deus no nos livra do sofrimento. Ele pode vir e pode estar bem perto, mas certamente Deus nos mantm firmes com a f inabalvel, na certeza absoluta de que, nele, somos mais do que vencedores.AplicaoVoc poderia fazer um teste: tente elaborar uma lista de coisas que so realmente valiosas para voc. Pense no modo como voc se comportaria caso perdesse algumas destas coisas. Discuta com seus colegas de classe sobre esta relao de ganhar e perder, e estabelea critrios para julgar os bens que realmente interessam ao cristo.>> Estudo publicado originalmente pelaEditora Cultura Crist, na srie Expresso, 2013. Usado com permisso.(1). Tais como as defendidas pelo Positivismo Clssico de Augusto Comte, e levadas a rigor em suas formas antimetafsicaspor Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche, dentre outros.(2). um tipo de humanismo existencialista prtico, conforme defendido pelo filsofo francs Jean-Paul Sartre, em seu livretoO Humanismo um existencialismo