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O essencial sobre a leitura de Amor de Perdição

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Amor de Perdição - análise

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O essencial sobre a leitura de Amor de Perdição

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A. INTRIGA

A intriga principal

1. A linearidade da intriga

Como sabemos, a intriga é uma sucessão de acontecimentos ligados por uma relação de cau-

salidade. Sendo a essência da intriga essa relação de causalidade, Amor de Perdição é, efecti-

vamente, uma verdadeira intriga, dado que a acção se inicia e segue em gradação crescente

sem pausas nem desvios, atinge o ponto máximo, e obriga à ruptura ou ao desenlace.

Não tem interesse demorarmo-nos na análise da intriga secundária pela sua irrelevância. A

figura de Manuel Botelho só se justifica para contrastar com a de Simão.

Na Introdução, o narrador resumiu lapidarmente a intriga principal desta forma: «Amou,

perdeu-se e morreu amando.» Cada oração aponta para os momentos essenciais de uma

intriga. Podemos fazer o levantamento dos momentos de avanço da acção ou das funções

nucleares para verificar a linearidade da intriga, onde não se encontram analepses, nem pau-

sas significativas, com a única excepção do capítulo VII em que o narrador pára a intriga

para se demorar na análise da vida corrupta do convento de Viseu. E só por esta finalidade

realista é que se lhe perdoa este desvio. Vejamos, então, a sequência das funções nucleares.

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2. Os elementos dramáticos da intriga

Os elementos dramáticos mais importantes são o ódio, o fatalismo e a morte. Tais elementos

conferem à intriga um clima de tragédia. Destaquemos algumas passagens da obra onde se

revelam esses elementos.

O ódio

O magistrado e sua família eram odiosos ao pai de Teresa, por motivos de litígios, em que Domingos

Botelho lhes deu sentença contra. Cap. II

Não era sobressalto do coração apaixonado: era a índole arrogante que lhe escaldava o sangue. Ir dali a

Castro Daire, e apunhalar o primo na sua própria casa, foi o primeiro conselho que lhe segredou a fúria

do ódio. Cap. IV

O fatalismo

Não sei o que me adivinha o coração a respeito de vossa senhoria. Alguma desgraça está para lhe acon-

tecer... Cap. V

Eu não sei o que se passa, mas há coisa misteriosa que eu não posso adivinhar. Ca p. VI l

Mas já sabia que vinha para esta desgraça, porque tinha tido um sonho, em que via muito sangue, e eu

estava a chorar porque via uma pessoa muito minha amiga a cair numa cova muito funda...

(...) - São sonhos, são; mas eu nunca sonhei nada que não acontecesse. Cap. VIII

O destino há-de cumprir-se... O meu destino é o convento. Cap. X

... mas o teu fatal destino não quis largar a vítima. Cap. XI

A morte

As alusões ao destino são cada vez mais frequentes conforme avança a intriga.

- E o tiro acertou-lhe? - atalhou Simão.

- Acertou: mas saberá vossa senhoria que me não matou (...). E vou eu, entro em casa, (...) trago uma

clavina e desfecho-lha na tábua do peito. O almocreve caiu como um tordo, e não tugiu nem mugiu.

Cap. V

- Atira ao da esquerda! - disse João da Cruz.

Foram simultâneas as explosões. A pontaria do ferrador fez logo um cadáver. Ca p. VI

Baltasar Coutinho lançou-se de ímpeto a Simão (...) Baltasar tinha o alto do crânio aberto por uma bala

que lhe entrara na fronte. Cap. X

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Mataram-me!... Mariana, não te vejo mais!... Cap. XVII

- Sim... No céu deve ela estar.

- Quem, senhor?

- Teresa.

~ Teresa!... Morreu?

- Morreu, além, no mirante, donde ela estava acenando. Cap. XX

- Está morto! - disse ele. Conclusão.

Muitas outras citações se poderiam fazer, mas estas são suficientes para evidenciar as três

forças dominantes. Sabendo-se que o drama é a oposição de caracteres sem que se verifique a

introdução de forças superiores ao indivíduo e que a tragédia implica exactamente a intro-

dução de forças transcendentes ao indivíduo, vamos salientar o clima de tragédia que paira

ao longo das páginas desta obra. Se o ódio e o amor brotam dos corações, o fatalismo é um

factor que está ligado a entidades superiores. E se o ódio e o amor foram pontos de partida, o

fatalismo comandou a intriga, como mandavam as leis da tragédia: o destino os uniu ou

aproximou, o destino os separará e destruirá.

3. Os elementos trágicos da intriga

A tragédia implica, como já foi afirmado, a intervenção de forças que transcendem o indiví-

duo e que dominam. Que elementos trágicos se podem encontrar no Amor de Perdição? Eis de

forma esquemática os principais.

Fatalismo

(Ananké)

Marca a vida de Simão desde o seu nascimento.

Que destino o teu! Oxalá que tivesses morrido ao nascer!

Morto me disseram que tinhas nascido; mas o teu fatal destino não quis

largar a vítima. Cap. XI

(O texto está povoado de alusões directas e indirectas à presença

dessa entidade sombria - o destino.)

Desafio

(Hybris)

Resistência e desobediência completas de Simão e de Teresa em

relação à incompreensão e opressão dos seus pais.

- E não será mais certo odiá-lo eu sempre? Eu agora mesmo o abomino

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como nunca pensei que se pudesse abominar! Meu pai... - continuou ela,

com as mãos erguidas -mate-me; mas não me force a casar com meu

primo. É escusada a violência, porque eu não caso! Cap. IV (Ibidem e

passim)

Sofrimento

(Pátrios)

O desafio à autoridade paterna provoca de imediato a opressão

que causa sofrimento e faz crescer a mola do ódio entre as famí-

lias, que impede qualquer aproximação. (Poderá encontrar-se nas

cartas a expressão desse sofrimento.)

Clímax O sofrimento aumenta gradualmente até ao desenlace, onde atin-

ge o ponto culminante.

Anagnórise e peri-

pécia

Não se podendo dizer que de forma nítida estes dois elementos

próprios da tragédia estejam bem marcados, não há duvida que

os poderemos situar sobretudo no capítulo XX:

- Quem, senhor?

- Teresa.

- Teresa!... Morreu?!

- Morreu, além, no mirante (...)

- Acabou-se tudo!... - murmurou Simão. - Eis-me livre... para a morte...

Desenlace

(Catástrofe)

A morte quase simultânea dos protagonistas.

Cap. XX e Conclusão

Terror e compaixão

(Fobos e Eleos)

Estes dois sentimentos estão presentes por toda a parte: nas car-

tas, nos comentários do narrador (ver, por exemplo, o capítulo

IX); nos comentários de Mariana (ver, por exemplo, o capítulo V).

A INTRIGA SECUNDARIA

Articula-se por encaixe e é constituída pelos amores de Manuel Botelho e a açoriana. Justifi-

ca-se por duas razões: o carácter memorialista da obra e o contraste entre Simão e Manuel,

salientando o herói.

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B. PERSONAGENS

CARACTERIZAÇÃO

SIMÃO TERESA

Capítulo

I

Nascimento em Lisboa, na freguesia de

Ajuda, em 1784. Génio sanguinário,

bravura, rebeldia —> características

hereditárias. Belo, com as feições da

mãe.

Capítulo

II

Inconformado política e socialmente:

adesão aos ideais da Revolução Fran-

cesa. Encarcerado em Coimbra durante

6 meses. Mudança extraordinária após

a visão de Teresa: abandona a ralé de

Viseu, recolhe--se em casa, torna-se

um bom estudante. Mudança superfi-

cial: o pólo da rebeldia natural e o pólo

da bondade adquirida deixam prever

reacções diferentes futuras. A rebeldia

volta quando vê Teresa arrebatada da

janela, à força, pelo pai.

Indicadores sociais: 15 anos, rica her-

deira, bonita e bem-nascida. Excepcio-

nal no amor.

Nada é referido sobre a personalidade

de Teresa. O leitor tem de esperar pela

sua actuação para tirar conclusões.

Reage de forma violenta à oposição do

pai.

Escreve um bilhete a Simão que mostra

o seu extremo de amar e é assim que

abre caminho para a sua perdição.

Capítulo

III

Enfrenta a paixão de Baltasar com o

seu desamor.

Capítulo

IV

Reacção brusca perante a carta de

Teresa que lhe contava o que o seu pai

pretendera fazer.

Do diálogo com Baltasar, o narrador

retira conclusões: mulher varonil, força

de carácter, orgulho fortalecido pelo

amor. Oposição ao pai. Escreve a

Simão.

Capítulo

V

Encontro do herói Simão com o anti-

herói Baltasar.

Escreve uma carta a Simão e conta a

história do baile.

Capítulo

VI

Emboscada preparada por Baltasar.

Encontro de Simão e Teresa que não é

narrado, assim como as cartas não têm

sido transcritas. O narrador não com-

plexifica a obra.

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A nobreza de Simão evidencia-se

aquando da morte cruel de um dos

criados de Baltasar por João da Cruz.

Simão fica ferido.

Capítulo

VII

Teresa escreve a Simão, contando-lhe o

sucedido e pede-lhe que fuja de Viseu

e vá para Coimbra.

O pai anuncia a decisão de a enclausu-

rar no convento.

A atitude de Teresa é eminentemente

romântica: Estou mais livre que nunca. A

liberdade do coração é tudo. Teresa,

mulher-anjo, é valorizada em contraste

com a corrupção do convento de

Viseu.

Capítulo

VIII

Simão escreve uma carta a Teresa onde

lhe revela a força do seu amor.

Capítulo

IX

O génio rebelde de Simão volta à

superfície ao saber do espancamento

da mendiga pelo hortelão do convento.

Simão recebe regularmente cartas de

Teresa.

Teresa escreve regularmente a Simão.

Teresa deseja fugir do convento não

por causa de Simão mas por causa do

ambiente corrompido que ali se vive. É

sempre idealizada.

Capítulo

X

Simão transforma-se em poeta.

A carta que escreve a Teresa é prova

disso. É o herói romântico.

Assassina Baltasar como resposta a

uma agressão deste.

Recusa fugir, quer a convite de João da

Cruz, quer a convite do rneirinho-

geral.

Teresa é caracterizada por Mariana

como fidalga, rica e linda como

nenhuma outra. Teresa não se opõe à

transferência para o convento de Mon-

chique (Porto). Teresa vê Simão e grita

o seu nome.

Capítulo

XI

Nega ao juiz ter matado em legítima

defesa. Corajoso. Não tem medo da

forca. Recebe uma carta da mãe, onde

se alude a um destino fatal e ao seu

nascimento em perigo de vida. Recusa

a ajuda monetária da mãe.

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Capítulo

XII

Condenado à forca, após sete meses de

cadeia. Mantém-se inalterável e afir-

ma: A forca é a única festa do povo! Recu-

sa apelar da sentença.

Capítulo

XIII

Transferido para a cadeia do Porto,

por intercessão do pai.

Escreve cartas a Teresa, onde alude ao

seu destino.

Nova caracterização como ave do céu,

alada como ideal querubim dos santos.

Sabendo da prisão de Simão, refugia-

se no desejo da morte, única via para o

encontro dos dois.

Capítulo

XIV

O Corregedor do Porto elogia Simão e

censura Tadeu de Albuquerque. Rece-

be a visita do pai e anuncia-lhe que

morrerá ali.

Recebe a visita do pai e anuncia-lhe

que morrerá ali.

Capítulo

XV

Relê as cartas de Teresa e escreve as

suas meditações.

Recebe a visita de João da Cruz e pede-

lhe para levar uma carta a Teresa.

Recebe a carta de Simão.

Capítulo

XVI

Novo elogio de Simão feito pelo

desembargador Mourão Mosqueira

que anuncia ao irmão de Simão a deci-

são de comutar a pena em 10 anos de

degredo.

Capítulo

XVII

Morte de João da Cruz. Mariana, liber-

ta do pai, aproxima-se de Simão. Este

tem de optar entre a prisão durante 10

anos perto de Teresa ou a liberdade

relativa do degredo com Mariana.

Simão opta pelo desterro, mas não

opta por Mariana.

Capítulo

XVIII

Simão recusa cumprir a prisão em Vila

Real.

Capítulo

XIX

Simão não cede aos pedidos de Teresa

para que cumpra em Portugal a pena

de 10 anos. Não tolera a cadeia. Em 10

de Março de 1807, recebe a ordem de

Sabendo que o pai de Simão o livrou

da forca, tenta agarrar Simão, pedindo-

lhe para que não vá para o degredo.

Está cada vez mais doente e anuncia a

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embarcar. sua morte e o seu encontro com Simão

no Céu.

Capítulo

XX

Em 17 de Março, sai da prisão para o

embarque. Não aceita o dinheiro que a

mãe lhe envia.

Vê Teresa no mirante do mosteiro.

Simão sabe da morte de Teresa.

Teresa pede os sacramentos. Relê as

cartas de Simão e emaça-as, pedindo a

Constança que as leve a Simão. Teresa

morre.

Conclusão

Lê uma carta de Teresa, aquela que

continha os projectos iniciais do amor.

Cai doente.

Em 27 de Março, morre. É atirado ao

mar.

Mariana

Conhecia já Simão, antes da sua entrada em casa do pai: admirava-o como o salvador de seu

pai e como homem corajoso e bravo. Faz de enfermeira de Simão, tratando-o com muito

carinho. Admira Teresa, servindo de intermediária entre esta e Simão. É dotada de uma

grande sensibilidade e intuição, prevendo o futuro.

Companheira ideal de Simão na cadeia, é a encarnação da mulher-anjo. Tem consciência de

que não pode ser amada por Simão, mas o seu coração tem razões que a razão não com-

preende...

O seu último gesto - o suicídio - mostra a força do seu amor. Comparemos Teresa e Mariana:

TERESA MARIANA

15 anos

bonita

linda

fidalga

rica herdeira

bem-nascida

fortalecida pelo amor

24 anos

bonita e bela

mais linda do que Teresa

mulher do povo

inculta

supersticiosa

enfraquecida pelo amor

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amor correspondido

esperança de felicidade

crença no amor para além da morte

amor como única razão de viver

sacralização do amor

vítima do pai

firme na recusa em casar com

Baltasar, em ser freira, em esquecer

Simão e em sair do convento

indiferente para com a sociedade

amor não correspondido

abnegação e sofrimento

crença no amor para além da morte

amor como única razão de viver

sacralização do amor

amor paternal

amor filial

firme na recusa em casar com outros pre-

tendentes

desprendida dos bens terrenos

indiferente para com a sociedade

qualidades convencionais para ser

heroína de um romance

falta de algumas qualidades para ser

heroína de um romance

João da Cruz

É a personagem mais autêntica, mais verosímil da novela. A sua caracterização está feita nos

capítulos IV, V, VI, VIII, X, XV e XVII. Homem do povo, ferrador de profissão, personagem

complexa, misto de bondade, gratidão, coragem, violência e crueldade. Notável o castiço da

sua linguagem.

Os anti-heróis

Domingos Botelho

Juiz de fora, é ridicularizado desde as primeiras páginas, tendo o narrador o cuidado de o

contrastar com o seu filho Simão.

Tadeu de Albuquerque

É o paradigma do pai tirano, déspota. É fidalgo, mas ao longo da obra, vai-se desfigurando,

até cair na caricatura, servindo assim ao narrador para criticar os falsos valores da aristocra-

cia.

Baltasar

É o anti-herói por excelência. Desprovido de carácter e de qualidades positivas, serve para

contrastar com Simão. Tendo tentado matar Simão de emboscada, teve o fim que merecia.

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Os não-heróis

D. Rita Preciosa

Bela, inteligente mas dotada da prosápia de quem sempre viveu na corte. Figura ambígua,

pois umas vezes actua contra Simão, outras ajuda-o.

Manuel Botelho

A sua presença na obra justifica-se para contrastar com Simão. Representa a mediocridade e

uma certa marginalidade. Covarde, mente e torna-se desertor.

O universo das personagens e seu relacionamento

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C. ESPAÇO

ESPAÇO FÍSICO

O espaço físico sofre uma redução à medida que a intriga se vai desenvolvendo. Poder-se-á

verificar esta característica no esquema:

ESPAÇO SOCIAL

De notar que, enquanto o espaço se fecha, aumenta a distância entre as personagens, aumen-

ta a incomunicabilidade, o que faz do próprio espaço um elemento intensificador de tragé-

dia.

a. Nobreza decadente

A mentalidade dos pais de Simão e Teresa, a sua actuação, o seu vestuário, tudo aponta para

a decadência e a ruína. Além disso, a rivalidade entre as duas famílias é verdadeiramente

mesquinha. Camilo terá desejado denunciar os preconceitos sociais de certas camadas da

população.

b. Arbitrariedade da justiça

Vê-se claramente a intenção de denunciar a parcialidade dos julgamentos, de acordo com a

classe dos acusados e os pedidos de pessoas influentes.

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c. Arbitrariedade no exército

Igualmente neste sector são denunciadas as irregularidades. Assim, Domingos Botelho inter-

fere junto de um corregedor para que obtenha o perdão para o seu filho Manuel, que era

desertor.

d. Vícios do clero

O narrador reservou um capítulo (VII) para criticar os vícios de um convento: o de Viseu.

Hipocrisia, intrigas entre freiras, preocupações materiais, sensualismo, são os principais

defeitos levantados. Compreende-se a posição, sobretudo se nos interessar o contraste entre a

inocência e a dignidade de Teresa e o mundo corrupto do convento. Todavia, o narrador

louva a bondade das freiras de Monchique.

ESPAÇO PSICOLÓGICO

As personagens do Amor de Perdição são caracterizadas geralmente de forma indirecta, atra-

vés das suas atitudes e dos diálogos que mantêm entre si. Por vezes, a própria personagem

faz a sua autocaracterização, em momentos de introspecção. Para além das cartas de Simão e

Teresa, que irão ser abordadas de forma especial, é a personagem Mariana que vai manifes-

tando, a partir da prisão de Simão, os seus próprios sentimentos. Quase todos os capítulos, a

partir do X inclusive, nos mostram a alma desta personagem, sem dúvida, a mais complexa e

a mais curiosa.

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D. PROSA POÉTICA: AS CARTAS

A distância que sempre separou Simão e Teresa levou à invenção de uma forma de comuni-

cação entre os dois. O narrador resolveu o problema através das cartas, mas aproveitou esta

presença para lhes conferir funções diversas. E aí está como um registo discursivo pode

alcançar relevância funcional. Como poderemos observar, as cartas são de extensão diferen-

te, não são regulares e o seu discurso não é sempre do mesmo tom. Poderemos dizer que as

cartas cumprem as funções seguintes:

servir de elo de ligação entre os dois

informar o destinatário sobre os acontecimentos

comunicar decisões tomadas

persuadir o destinatário a adoptar determinadas atitudes

autojustificar os actos do destinador

exprimir sentimentos

Vejamos a localização e a síntese do conteúdo de cada carta para que nos apercebamos da

sua situação dentro da economia da narrativa. Não deverá também deixar de distinguir os

recursos que fazem da prosa das cartas prosa poética, em contraste com a prosa narrativa.

SIMÃO TERESA

Capítulo

II

1.a carta: comunicação da hipótese de Tere-

sa vir a ser encerrada no convento; promes-

sa de fidelidade.

Capítulo

VII

2.a carta: informação de que Teresa já sabe

o que se passou com os criados de Baltasar

(emboscada); pedido de confiança nela.

Capítulo

VII

3.a carta: relata a sua entrada no convento,

mostra-se firme e faz um apelo ao amor de

Simão.

Capítulo

VIII

4.a carta: apelo à fidelidade do amor e à

fuga do convento.

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Capítulo

IX

5.a carta: pede a Simão que vá para Coim-

bra e desabafa sobre a corrupção que reina

no convento.

Capítulo

IX

6.a carta: pede a Simão que não vá para

Coimbra, com receio de ser transferida

para outro convento mais rigoroso.

Capítulo

X

7.a carta: escreve esta carta como se fosse

a última da sua vida, comunica o desejo

de matar Baltasar e despede-se de Teresa.

Capítulo

X

8.a carta: refere que está a par dos acon-

tecimentos, fala da morte como o fim ter-

reno mas também como a possibilidade de

se encontrarem no Céu.

Capítulo

XIII

9.a carta: Simão informa Teresa de que há

possibilidade de salvação, pois não vai

ser enforcado. Alude ao destino que os

une e pede-lhe para não morrer.

Capítulo

XV

10.a carta: monólogo em que Simão se

auto-analisa. Aumenta a qualidade da

prosa poética.

Capítulo

XV

11.a carta: Teresa pede a Simão que j aceite

os dez anos de cadeia.

Capítulo

XX

12.a carta: Simão informa Teresa de que

aceita o degredo.

Capítulo

XX

13.ª carta: Teresa informa Simão de que vai

morrer e pede-lhe perdão. Despede--se dele

até ao Céu.

Conclu-

são

14.a carta: escrita nos últimos momentos da

vida, Teresa recorda os projectos passados.

Alude ao fatal destino e confessa que já o

vê no Céu.

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E. NARRADOR

Tendo em consideração a dimensão memorialista e a dimensão ficcional da obra, devem dis-

tinguir-se a voz do narrador-autor e a voz do narrador-produtor de ficção. É narrador-autor:

na Introdução; no capítulo XII, ao inserir a carta de sua tia Rita; no capítulo XIII, ao aludir à

sua estada na prisão e à feitura da novela; e nas linhas finais da Conclusão quando identifica

Manuel Botelho como seu pai.

Como narrador-produtor de ficção, conta apaixonadamente a história, comove-se com o

comportamento das personagens, elogia-as, comenta, apela ao narratário frequentes vezes no

intuito de o levar a aceitar a sua mensagem. Nota-se a sua preocupação em arrumar as pes-

soas em dois mundos: o dos bons e o dos maus. Visão maniqueísta da história. Os heróis são

sempre engrandecidos e os anti-heróis, diminuídos.

Tendo optado pelo processo da caracterização indirecta das personagens como tipo de carac-

terização dominante, conjuga coerentemente a visão externa e a visão interna, predominando

aquela no seu estatuto de memorialista a esta, à medida que a intriga avança. Por este ponto

de vista são, sobretudo, engrandecidos Simão e Mariana, ganhando, assim, aos olhos dos lei-

tores foros de verosimilhança.

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F. ELEMENTOS ROMÂNTICOS E REALISTAS

Escrito em 1862, Amor de Perdição é uma novela que apresenta já alguns elementos que se

podem considerar realistas, sendo, por isso, uma obra de transição. Como conclusão, apre-

sentamos, em esquema, os principais aspectos românticos e realistas.

ELEMENTOS ROMÂNTICOS

Teresa é a mulher-anjo (aparece vestida de branco).

Simão é romântico no arrebatamento dos sentimentos.

Simão é um idealista apaixonado.

A transformação de Simão é romântica.

Mariana é também a mulher-anjo.

A correspondência trocada entre Simão e Teresa é muito sentimental.

O fatalismo que recai sobre Simão e Teresa.

O carácter autobiográfico (as memórias).

As cenas mais importantes acontecem à noite ou ao raiar da aurora.

O triunfo do individualismo sobre as prepotências sociais.

A ideia da morte associada ao amor.

ELEMENTOS REALISTAS

João da Cruz:

- o retrato

- a crueldade instintiva

- a linguagem castiça

A crítica pormenorizada às freiras do convento de Viseu de que nos oferece uma

visão caricatural.