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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

 MÓDULO I 

DIREITOS HUMANOS Conceito e Evolução Histórica

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Praça Almeida Júnior, 72 – Liberdade – São Paulo – SP – CEP 01510-010Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br 

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DIREITOS HUMANOS

Conceito e Evolução Histórica

1. A PESSOA HUMANA E SUA DIGNIDADE

A dignidade humana, na linguagem filosófica, “é o princípio moral de que o ser humano deve ser tratado como um fim e nunca como um meio”1 . É, portanto, um direitoessencial.

É longa a caminhada empreendida pela humanidade para o reconhecimento eestabelecimento da dignidade da pessoa humana. De acordo com o Prof. Fábio Konder Comparato, “todos os seres humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturaisque os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazesde amar, descobrir a verdade e criar a beleza”. Em razão desse reconhecimento universal,conclui: “ninguém – nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ounação – pode afirmar-se superior aos demais”2.

Atualmente, não se discute, há o reconhecimento de que toda pessoa tem direitos

fundamentais, decorrendo daí a imprescindibilidade da sua proteção para preservação dadignidade humana.

O conceito de Direitos Humanos é muito amplo. Para o Prof. Fernando Sorondo, ele pode ser considerado sob dois aspectos:

• “constituindo um ideal comum para todos os povos e para todas as nações,seria então um sistema de valores”; e

• “este sistema de valores, enquanto produto de ação da coletividade humana,acompanha e reflete sua constante evolução e acolhe o clamor de justiça dos

  povos. Por conseguinte, os Direitos Humanos possuem uma dimensãohistórica”3.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em resolução da III SeçãoOrdinária da Assembléia Geral das Nações Unidas proclama: “A presente DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos etodas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendosempre em mente esta Declaração, se esforcem, através do ensino e da educação, em

 promover o respeito a esses direitos e liberdades e, pela adoção de medidas progressivas decaráter nacional e internacional, em assegurar o seu reconhecimento e a sua observância

1 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998. Vol. 2,2 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2.ª ed. São Paulo: Saraiva.p.13 SORONDO, Fernando. Os Direitos Humanos através da História.

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universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados-membros quanto entre os povos dos territórios sob a sua jurisdição”4.

Esta Declaração avalia vários aspectos dos relacionamentos humanos.

O tema dos direitos humanos é de crescente relevância na caracterização damentalidade jurídica do século XXI. Possui, ao mesmo tempo, um toque de passado e uma

  projeção de futuro. Mas o que são esses direitos? Quais seus fundamentos? Comosurgiram? Para onde se dirigem? Perguntas como estas não são facilmente respondidas,necessitam de uma ampla análise histórico-filosófica, além de um profundo conhecimento

  jurídico. A doutrina apresenta distintos posicionamentos e ideologias que devem ser observados, visando ao mais completo entendimento da matéria.

Inicialmente, pergunta-se qual o fundamento desses direitos e qual a sua fonte justificativa? Os teóricos se dividem em duas posições antagônicas, já muito trabalhadas pela Teoria Geral do Direito: o Positivismo e o Jusnaturalismo.

A primeira, apresentada por Norberto Bobbio, af 

 

irma a inexistência de um direitoabsoluto para esses “direitos”, já que a dogmática jurídica se caracteriza pela historicidade,sendo o Direito passível de constantes modificações, advindas da sociedade, cultura, moral,economia, que se alteram dia após dia. Não se pode dar, assim, um fundamento eterno paraalgo que necessariamente sofrerá modificações.

Um preceito só pode ser considerado jurídico quando nele estiver presente o caráter repressivo, que lhe concede eficácia, como bem ressaltava Hans Kelsen. Se a OrdemJurídica nada pode fazer para assegurar o cumprimento desses preceitos, eles não podemser denominados “direito”, pois são meras expectativas de conduta, meras expressões de

 boas intenções que orientam a ação para um futuro indeterminado, incerto.

Atualmente, porém, há uma tendência à “positivação” dos direitos humanos, deforma a inseri-los nas Constituições Estatais, através da criação de novos mecanismos paragaranti-los, além da difusão de sua regulação por meio de mecanismos internacionais,como os Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos.

Com isso, já se pode falar num conceito positivo de “direitos humanos, que seriamos “direitos fundamentais”, assegurados ao indivíduo através da regulamentação eaplicação desses direitos, tanto no campo estatal como no campo supra-estatal.

O Jusnaturalismo, amparado por doutrinadores como Dalmo de Abreu Dallari eFábio Konder Comparato, ressalta a Pessoa Humana como o fundamento absoluto,atemporal e global desses direitos. A pessoa é a mesma em todos os lugares e,considerando as diversidades culturais, deve ser tratada igualmente, de forma justa esolidária. Ressalta-se a dignidade inerente a todo e qualquer ser humano como a razão

máxima do Direito e da Sociedade, devendo ser resguardada e cultivada por estes.

4 LIMONGI, Ruben (Coordenador). Enciclopédia Saraiva do Direito. Vol. 22. São Paulo: Saraiva, 1977.p.470

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Os direitos humanos seriam, assim, o conjunto de condições, garantias ecomportamentos, capazes de assegurar a característica essencial do homem, a sua

dignidade, de forma a conceder a todos, sempre, o cumprimento das necessidades inseridasem sua condição de pessoa humana.

Dessa forma, esses direitos não são criados pelos homens ou pelos Estados, eles são preexistentes ao Direito, restando a este apenas “declará-lo”, nunca constituí-los. O direitonão existe sem o homem e é nele que se fundamenta todo e qualquer direito, é na pessoahumana que o Direito encontra o seu valor.

Há, pois, uma união dessas duas teorias na caracterização moderna dos direitoshumanos. Ressalta-se o artigo 1.º, inciso III, CF/88, que afirma ser fundamento da

República Federativa do Brasil a “dignidade humana”.Diz, em seu artigo 1.º, a Declaração Universal dos Direitos do Homem:

“Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados derazão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

“A Declaração afirma que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade(art. 1.º) e garante a todos eles os mesmos direitos, sem distinção de raça, cor, sexo, língua,religião, opinião política ou de outra natureza, nascimento ou qualquer outra condição (art.2.º, I)”5 .

A boa doutrina ressalta algumas características próprias desses direitos, sendo:

• Universalidade: todo e qualquer ser humano é sujeito ativo desses direitos,independente de credo, raça, sexo, cor, nacionalidade, convicções;

•  Inviolabilidade: esses direitos não podem ser descumpridos por nenhuma pessoaou autoridade;

•  Indisponibilidade: esses direitos não podem ser renunciados. Não cabe ao particular dispor dos direitos conforme a própria vontade, devem ser sempreseguidos;

•  Imprescribilidade: eles não sofrem alterações com o decurso do tempo, pois têmcaráter eterno;

• Complementaridade: os direitos humanos devem ser interpretados em conjunto,não havendo hierarquia entre eles.

Diz o Prof. Sorondo: “Os Direitos Humanos  julgam a ordem vigente, são umformador de opinião pública nos mais diversos confins do planeta, e põem a descoberto os

condicionamentos econômicos, sociais e políticos que impedem sua completa realização”6

.

5 LIMONGI, Ruben (Coordenador). op. cit. p.4726 SORONDO, Fernando. op. cit.

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2. A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Apesar da falta de historicidade inerente a esses direitos, é com a história eseus grandes pensadores que se observa a “evolução” da humanidade, no sentido deampliar o conhecimento da essência humana, a fim de assegurar a cada pessoa seusdireitos fundamentais.

Podemos destacar que a noção de direitos humanos foi cunhada ao longo dosúltimos três milênios da civilização.

O Prof. Fábio Konder Comparato, fazendo uma análise histórica dessa evolução,

aponta que foi no período axial que os grandes princípios, os enunciados e as diretrizesfundamentais da vida, até hoje considerados em vigor, foram estabelecidos. Informa quenesse período, especialmente entre 600 e 480 a.C., coexistiram, sem se comunicarem entresi, alguns dos maiores doutrinadores de todos os tempos (entre eles, Buda, na Índia;Confúcio, na China; Pitágoras, na Grécia e o profeta Isaías, em Israel) e, a partir daí, ocurso da História passou a constituir o desdobramento das idéias e princípios estabelecidosnesse período.

Inclusive, foi nesse período que surgiu a filosofia, tanto na Ásia como na Grécia,quando então substituiu-se, “pela primeira vez na História, o saber mitológico da tradição

 pelo saber lógico da razão”7 .

Em resumo, assinala que foi nesse período que nasceu a idéia de igualdade entre osseres humanos: “é a partir do período axial que o ser humano passa a ser considerado, pela

 primeira vez na História, em sua igualdade essencial, como ser dotado de liberdade e razão,não obstante as múltiplas diferenças de sexo, raça, religião ou costumes sociais. Lançavam-se, assim, os fundamentos intelectuais para a compreensão da pessoa humana e para aafirmação de direitos universais, porque a ela inerentes”8.

 Na seqüência, podemos destacar o Cristianismo, que em muito contribuiu para o

estabelecimento da igualdade entre os homens. O Cristianismo, sem dúvida, no planodivino, pregava a igualdade de todos os seres humanos, considerando-os filhos de Deus,apesar de, na prática, admitir desigualdades em contradição com a mensagem evangélica(admitiu a legitimidade da escravidão, a inferioridade da mulher em relação ao homem)9.

 Na Idade Média havia a noção de que os homens estavam submetidos a uma ordemsuperior, divina, e deviam obediência às suas regras. Era incipiente, todavia, oreconhecimento da dualidade Estado-indivíduo. Como disse Enrico Eduardo Lewandovski:“...na ordem política medieval, jamais se aceitou, de fato ou de direito, a idéia de que oindivíduo possuísse uma esfera de atuação própria, desvinculada da polis. Desconhecia-se

completamente a noção de direitos subjetivos individuais oponíveis ao Estado”10

.7 COMPARATO, Fábio Konder. op. cit . p.88 Ib. op. cit. p.19 Ib. op. cit. p.17-1810 LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Proteção dos Direitos Humanos na Ordem Interna e Internacional .São Paulo: Forense, 1984. p.8

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Aponta, contudo, que nesse período houve um avanço, à medida em que se passou areconhecer que o indivíduo estava submetido a duas autoridades (secular e espiritual) e,

com esse reconhecimento, o homem passou a ser considerado “como um ser moral, e nãoapenas como um ser social”, derivando daí que “enquanto seres morais, ou seja, enquantomembros da civitas Dei, todos os homens eram iguais, sem embargo das distinções de

 status circunstancialmente registradas na cidade terrena”11.

A partir do século XIV, as transformações que ocorreram abalaram toda a estruturaconcebida e que dava sustentação à organização social e política da época, culminando, taismudanças, com o Iluminismo (período entre a Revolução Inglesa de 1688 e a RevoluçãoFrancesa de 1789). Foi durante o Iluminismo e o Jusnaturalismo desenvolvidos na Europa,entre os séculos XVII e XVIII, que a idéia de direitos humanos se inscreveu, inclusive

estendendo-se aos ordenamentos jurídicos dos países.A constatação ética da imperiosa necessidade de se resguardar certos direitos advém

da fusão da doutrina Judaico-cristã com o Contratualismo. Para a primeira, o homem foicriado “à imagem e semelhança de Deus”, sendo a igualdade e liberdade característicasdivinas presentes em toda as pessoas.

  No Iluminismo, o princípio da igualdade essencial dos seres humanos foiestabelecido sob o prisma de que todo homem tem direitos resultantes de sua próprianatureza, ou seja, “firmou-se a noção de que o homem possui certos direitos inalienáveis eimprescritíveis, decorrentes da própria natureza humana e existentes independentemente doEstado”12.

A concepção, que espalhou-se pelos ordenamentos de vários países, era a de que osdireitos individuais eram preexistentes, portanto, não eram criações do Estado e, assimsendo, deveriam ser respeitados, cabendo ao Estado zelar pela sua observância.

A evolução da doutrina estóica, que alegava a supremacia da “natureza”, culminouno Contratualismo, que teve como seus maiores representantes Hobbes, Locke e Rousseau.

Hobbes cria que o homem em seu estado de natureza sofria com a “guerra de todos

contra todos”, sendo imperiosa a necessidade de um órgão que lhes garantisse a segurança.Assim, eles alienaram sua liberdade ao estado, detentor de todo o poder. Esse poder sóseria retirado do governante se ele não assegurasse aos cidadãos a segurança desejada.

Locke afirmava a existência de certos direitos fundamentais do homem, como avida, a liberdade e a propriedade. No estado natural, o homem era bom. A liberdadeindividual só foi transferida ao Estado para que este melhor garantisse os direitos doindivíduo, podendo os cidadãos retirar o poder concedido ao governante, caso ele nãoatendesse aos anseios da comunidade, isto é, eles têm o direito de retomar a liberdadeoriginária.

Rousseau assevera que o homem natural seria instintivo.O Contrato Social foicriado, assim, como forma de garantir ao mesmo tempo a igualdade e a liberdadepor meio

11 LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. op. cit. p.812 Ib. op. cit. p.20

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da soberania popular, pela qual os homens cediam parte de sua liberdade para a realizaçãodo bem comum.

Pode-se inserir no contexto, ainda, a posição de Montesquieu que apresentava suateoria da tripartição do poder como forma de garantir o bom governo e controlar osarbítrios.

Essa união teológica e racionalista originou o conceito de direito natural, queculminou com a doutrina de Kant, para quem o Estado era um instrumento fixador de leis,criadas pelos cidadãos, e a liberdade era um imperativo categórico fundamental para seconceber a figura humana.

A contribuição de Kant foi muito valiosa para a construção do princípio dos direitosuniversais da pessoa humana. Kant observa “que só o ser racional possui a faculdade deagir segundo a representação de leis ou princípios; só um ser racional tem vontade, que éuma espécie de razão denominada razão prática13, também observa “que as regras jurídicas,às quais os homens passam a sujeitar-se, devem ser elaboradas pelos membros daassociação”14. Sua visão, complementando, é de que o ser humano não existe como meio

 para uma finalidade, mas existe como um fim em si mesmo, ou seja, todo homem temcomo fim natural a realização de sua própria felicidade, daí resultando que todo homemtem dignidade. Isso implica, na sua concepção, que não basta ao homem o dever negativode não prejudicar alguém, mas, também, e essencialmente, o dever positivo de trabalhar 

 para a felicidade alheia.

Essa concepção foi fundamental para o reconhecimento dos direitos necessários àformulação de políticas públicas de conteúdo econômico e social15.

Pode-se falar em três ápices da evolução dos direitos humanos: o Iluminismo, aRevolução Francesa e o término da Segunda Guerra Mundial.

Com o primeiro foi ressaltada a razão, o espírito crítico e a fé na ciência. Essemovimento procurou chegar às origens da humanidade, compreender a essência das coisase das pessoas, observar o homem natural.

A Revolução Francesa deu origem aos ideais representativos dos direitos humanos,a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Estes inspiraram os teóricos e transformaram todoo modo de pensar ocidental. Os homens tinham plena liberdade (apesar de empecilhos deordem econômica, destacados, posteriormente, pelo Socialismo), eram iguais, ao menos emrelação à lei, e deveriam ser fraternos, auxiliando uns aos outros.

Por fim, com a barbárie da Segunda Grande Guerra, os homens se conscientizaramda necessidade de não se permitir que aquelas monstruosidades ocorressem novamente, dese prevenir os arbítrios dos Estados. Isto culminou na criação da Organização das Nações

Unidas e na declaração de inúmeros Tratados Internacionais de Direitos Humanos, como“A Declaração Universal dos Direitos do Homem”, como ideal comum de todos os povos.

13 COMPARATO, Fábio Konder. op. cit. p.2014 LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. op. cit . p.4115 COMPARATO, Fábio Konder. op. cit. p.20-24

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Os documentos de proteção aos direitos humanos foram surgindo progressivamente.O antecedente mais remoto pode ser a Magna Carta, que submetia o governante a um

corpo escrito de normas, que ressaltava a inexistência de arbitrariedades na cobrança deimpostos. A execução de uma multa ou um aprisionamento ficavam submetidos àimperiosa necessidade de um julgamento justo.

A  Petition of Rights tentou incorporar novamente os direitos estabelecidos pelaMagna Carta, por meio da necessidade de consentimento do Parlamento para a realizaçãode inúmeros atos.

O Habeas Corpus Act  instituiu um dos mais importantes instrumentos de garantiade direitos criados. Bastante utilizado até os nossos dias, destaca o direito à liberdade de

locomoção a todos os indivíduos.A Bill of Rights veio para assegurar a supremacia do Parlamento sobre a vontade do

rei.

A Declaração de Direitos do estado da Virgínia declara que “todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e têm certos direitos inatos de que, quandoentram no estado de sociedade, não podem, por nenhuma forma, privar ou despojar de sua

 posteridade, nomeadamente o gozo da vida e da liberdade, com os meios de adquirir e possuir propriedade e procurar e obter felicidade e segurança”. Assegura, também, todo poder ao povo e o devido processo legal (julgamento justo para todos).

A Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, assim como aConstituição Federal de 1787, consolidam barreiras contra o Estado, como tripartição do

 poder e a alegação que todo poder vem do povo; asseguram, ainda, alguns direitosfundamentais, como a igualdade entre os homens, a vida, a liberdade, a propriedade. Asdez Emendas Constitucionais americanas permanecem em vigor até hoje, demonstrando ocaráter atemporal desses direitos fundamentais. Essas Emendas têm caráter apenasexemplificativo, já que, constantemente, novos direitos fundamentais podem ser declaradose incorporados à Lei Fundamental Americana.

Com a Revolução Francesa, foi aprovada a “Declaração dos Direitos do Homem edo Cidadão”, que garante os direitos referentes à liberdade, propriedade, segurança eresistência à opressão. Destaca os princípio da legalidade e da igualdade de todos perante alei, e da soberania popular. Aqui, o pressuposto é o valor absoluto da dignidade humana, aelaboração do conceito de  pessoa abarcou a descoberta do mundo dos valores, sob o

 prisma de que a pessoa dá preferência, em sua vida, a valores que elege, que passam a ser fundamentais, daí porque os direitos humanos hão de ser identificados como os valoresmais importantes eleitos pelos homens.

A partir do século XX, a regulação dos direitos econômicos e sociais passaram a

incorporar as Constituições Nacionais. A primeira Carta Magna, a revolucionar a positivação de tais direitos, foi a Constituição Mexicana de 1917, que versava, inclusive,sobre a função social da propriedade.

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 ____________________________________________________________________________ MÓDULO I

A Constituição de Weimar de 1919, pelo seu capítulo sobre os direitos econômicose sociais, foi o grande modelo seguido pelas novas Constituições Ocidentais.

A partir da segunda metade do século XX, iniciou-se a real positivação dos direitoshumanos, que cresceram em importância e em número, devido, principalmente, aosinúmeros acordos internacionais. O pensamento formulado nesse período acentua o caráter único e singular da personalidade de cada indivíduo, derivando daí que todo homem temdignidade individual e, com isto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seuart. 6.º, afirma: “Todo homem tem direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como

 pessoa perante a lei”.

Atualmente não se pode discutir a existência desses direitos, já que, além de

amplamente consagrados pela doutrina, estão presentes também na lei fundamental brasileira: A Constituição Federal.

Mesmo os mais pessimistas, que alegam a falta de eficácia dos direitosfundamentais, não podem negar a rápida evolução, tanto no sentido normativo, como nosentido executivo, desses direitos, que já adquiriram um papel essencial na doutrina

 jurídica, apesar de apenas serem realmente reconhecidos por meio da Declaração Universaldos Direitos do Homem de 1948.

Pode-se constatar, por estes apontamentos, que a evolução dos direitos humanos foigradual; todavia, o pensamento moderno “é a convicção generalizada de que o verdadeiro

fundamento da validade – do Direito em geral e dos direitos humanos em particular – jánão deve ser procurado na esfera sobrenatural da revelação religiosa, nem tampouco numaabstração metafísica – a natureza como essência imutável de todos os entes do mundo. Se odireito é uma criação humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o criou. O quesignifica que esse fundamento não é outro, senão o próprio homem, considerado em suadignidade substancial de pessoa...”16

Módulo elaborado pelos professores Vitor Kümpel e Luis Antonio de Souza.

16 COMPARATO, Fábio Konder. Cultura dos Direitos Humanos. São Paulo: Ed. LTR. p.608

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

 MÓDULO II 

DIREITOS HUMANOS 

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 ___________________________________________________________________________MÓDULO III

DIREITOS HUMANOS

1. INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOSDIREITOS HUMANOS

1.1. Sistema Global

A Prof. Flávia Piovesan declara que “sempre se mostrou intensa a polêmica sobre ofundamento e a natureza dos direitos humanos – se são direitos naturais e inatos, oudireitos positivos e históricos ou, ainda, direitos que derivam de determinado sistemamoral”.

Para Norberto Bobbio, o problema no que tange aos direitos humanos “não é mais ode fundamentá-los, e sim o de protegê-los”.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial começaram os grandes questionamentossobre o Direito Humanitário, “foi a primeira expressão de que, no plano internacional, hálimites à liberdade e à autonomia dos Estados, ainda que na hipótese de conflito armado”.Reforçando este ponto de vista, foi criada a Liga das Nações, que apontava “a necessidade

de relativização da soberania dos Estados”. A seguir, foi introduzida a OrganizaçãoInternacional do Trabalho que colaborou, profundamente, a fim de tornar internacional osdireitos humanos1.

Quer em conjunto, quer em separado, esses institutos foram a base para ainternacionalização dos direitos humanos.

O sistema internacional de proteção dos direitos humanos é formado por documentos internacionais voltados à garantia dos direitos humanos, tanto no âmbito

 global quanto no âmbito regional .

O sistema global de proteção é composto de instrumentos de alcance geral ( 

 

 pactos)e instrumentos de alcance especial ( 

 

convenções específicas), e sua incidência não se limitaa uma determinada região, podendo alcançar qualquer Estado integrante da ordeminternacional. Os Estados se aderem aos documentos internacionais no exercício de sua

 soberania. Eles têm total liberdade para aceitar ou não o documento, mas se aderirem aoregramento internacional, ficam obrigados a cumprir o seu conteúdo, o que equivaleriadizer “terem aberto mão de parte de sua soberania”.

Há, no entanto, a real consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanosapós a Segunda Guerra Mundial. Diz o Prof. Buergenthal: “O moderno DireitoInternacional dos Direitos Humanos é um fenômeno do pós-guerra. Seu desenvolvimento

 pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de

1 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional . 3.ª ed. Ed. Max Lemonad,1997.

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 ___________________________________________________________________________MÓDULO III

que parte destas violações poderiam ser prevenidas se um efetivo sistema de proteçãointernacional de direitos humanos existisse”.

Acrescenta a Prof. Flávia Piovesan: “A necessidade de uma ação internacional maiseficaz para a proteção dos direitos humanos impulsionou o processo de internacionalizaçãodesses direitos, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional,que faz possível a responsabilização do Estado no domínio internacional, quando asinstituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteção dos direitoshumanos”2.

As teses de que os Estados deveriam ter uma soberania absoluta e sem limites ecederam lugar a que os doutrinadores afirmassem que “a soberania estatal não é um

 princípio absoluto, mas deve estar sujeita a certas limitações em prol dos direitos humanos.Os direitos humanos tornam-se uma legítima preocupação internacional com o fim daSegunda Guerra Mundial, com a criação das Nações Unidas, com a adoção da DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos pela Assembléia Geral da ONU, em 1948 e, comoconseqüência, passam a ocupar um espaço central na agenda das instituiçõesinternacionais. No período do pós-guerra, os indivíduos tornam-se foco de atençãointernacional. A estrutura do contemporâneo Direito Internacional dos Direitos Humanoscomeça a se consolidar. Não mais poder-se-ia afirmar, no fim do século XX, que o Estado

 pode tratar de seus cidadãos da forma que quiser, não sofrendo qualquer responsabilizaçãona arena internacional. Não mais poder-se-ia afirmar no plano internacional that king can

do no wrong ”3

.E, sem dúvida, como declara a Prof. Flávia Piovesan: “Neste contexto, o Tribunal de

  Nuremberg, em 1945-1946, significou um poderoso impulso ao movimento deinternacionalização dos direitos humanos. Ao final da Segunda Guerra e após intensosdebates sobre o modo pelo qual poder-se-ia responsabilizar os alemães pela guerra e pelos

 bárbaros excessos do período, os aliados chegaram a um consenso, com o Acordo deLondres de 1945, pelo qual ficava convocado um Tribunal Militar Internacional para julgar os criminosos de guerra”.

“O Tribunal de Nuremberg aplicou fundamentalmente o costume internacional paraa condenação criminal de indivíduos envolvidos na prática de crime contra a paz, crime deguerra e crime contra a humanidade, previstos pelo Acordo de Londres”4.

Ao lado do sistema global, surge o sistema regional de proteção, que buscainternacionalizar os direitos humanos no plano regional, particularmente na Europa,América e África, e também é formado por instrumentos de alcance geral e de alcanceespecial.

Compõem o sistema global de proteção os seguintes documentos internacionais,ratificados pelo Brasil:

2 PIOVESAN, Flávia. op. cit.3 PIOVESAN, Flávia. op. cit.4 Ib. op. cit.

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 ___________________________________________________________________________MÓDULO III

1. Carta das Nações Unidas, adotada e aberta à assinatura pela Conferência deSão Francisco em 26.6.1945 e assinada pelo Brasil em 21.9.1945;

2. Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pelaResolução n. 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948 eassinada pelo Brasil nesta mesma data;

3. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, adotado pela Resolução n.2.200 A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 16.12.1966, assinada peloBrasil em 24.1.1992;

4. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela Resolução n. 2.200-A (XXI) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 16.12.1966,assinada pelo Brasil em 24.1.1992;

5. Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,Desumanos ou Degradantes, adotada pela Resolução n. 39/46, da Assembléia Geral das

 Nações Unidas em 10.12.1984, assinada pelo Brasil em 28.9.1989;

6. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contraa Mulher, adotada pela Resolução n. 34/180 da Assembléia Geral das Nações Unidas em18.12.1979, assinada pelo Brasil em 1.2.1984;

7. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial,adotada pela Resolução n. 2.106 A (XX) da Assembléia Geral das Nações Unidas em21.12.1965, assinada pelo Brasil em 27.3.1968;

8. Convenção sobre ao Direitos da Criança, adotada pela Resolução L.44(XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 20.11.1989, assinada pelo Brasil em24.9.1990.

 

Compõem o sistema regional interamericano:

1. Convenção Americana de Direitos Humanos, adotada e aberta à assinatura naConferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José da CostaRica, em 22.11.1969, assinada pelo Brasil em 25.9.1992;

2. Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, adotada pelaAssembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, em 9.12.1985, assinada peloBrasil em 20.7.1989;

3. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência

contra a Mulher.

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 ___________________________________________________________________________MÓDULO III

Com todas estas disposições legais internacionais “testemunha-se uma mudançasignificativa nas relações interestatais, o que vem a sinalizar transformações na

compreensão dos Direitos Humanos que, a partir daí, não mais poderiam ficar confinados àexclusiva jurisdição doméstica. São lançados, assim, os mais decisivos passos para ainternacionalização dos direitos humanos”5.

2. PRECEITOS DA CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS (1945)

O Prof. Fabio K. Comparato declara que: “A Guerra Mundial de 1939 a 1945

costuma ser apresentada como a conseqüência da falta de solução, na ConferênciaInternacional de Versalhes, às questões suscitadas pela Primeira Guerra Mundial e,

 portanto, de certa forma, como as retomadas das hostilidades, interrompidas em 1918. Essainterpretação é plausível, mas deixa na sombra o fato de que o conflito bélico deflagradona madrugada de 1.º de setembro de 1939, com a invasão da Polônia pelas forças armadasda Alemanha nazista, diferiu profundamente da guerra de 1914 a 1918”.

“Diferiu não tanto pelo maior número de países envolvidos e a duração mais prolongada do conflito – seis anos, a partir das primeiras declarações oficiais de guerra,sem contar, portanto, a ocupação da Manchúria pelo Japão, em 1932, e a da Etiópia pela

Itália, em 1935 –, quanto pela descomunal cifra de vítimas. Calcula-se que 60 milhões de pessoas foram mortas durante a Segunda Guerra Mundial, a maior parte delas civis, ouseja, seis vezes mais do que no conflito do começo do século, em que as vítimas, em suaquase totalidade, eram militares. Além disso, enquanto a guerra do início do século

  provocou o surgimento de cerca de 4 milhões de refugiados, com a cessação dashostilidades na Europa, em maio de 1945, contavam-se mais de 40 milhões de pessoasdeslocadas, de modo forçado ou voluntário, dos países onde viviam em meados de 1939”.

Continua: “Mas, sobretudo, a qualidade ou índole das duas guerras mundiais foi bem distinta. A de 1914-1918 desenrolou-se, apesar da maior capacidade de destruição dos

meios empregados (sobretudo com a introdução dos tanques e aviões de combate), na linhaclássica das conflagrações anteriores, pelas quais os Estados procuravam alcançar conquistas territoriais, sem escravizar ou aniquilar os povos inimigos. A Segunda GuerraMundial, diferentemente, foi deflagrada com base em proclamados projetos de subjugaçãode povos considerados inferiores, lembrando os episódios de conquista das Américas a

 partir dos descobrimentos. Ademais, o ato final da tragédia – o lançamento da bombaatômica em Hiroshima e Nagasaki, em 6 e 9 de agosto de 1945, respectivamente – sooucomo um prenúncio de apocalipse: o homem acabara de adquirir o poder de destruir toda avida na face da Terra”.

Conclui dizendo: “As consciências se abriram, enfim, para o fato de que asobrevivência da humanidade exigia a colaboração de todos os povos na reorganização dasrelações internacionais, com base no respeito incondicional à dignidade humana”6.

5 PIOVESAN, Flávia. op. cit.6 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 1999.

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 ___________________________________________________________________________MÓDULO III

A proteção dos direitos humanos surgiu como decorrência do processo deinternacionalização e universalização desses direitos, e teve como principais precedentes o

Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho.“Estes institutos rompem, assim, o conceito tradicional que concebia o Direito

Internacional apenas como a lei da comunidade internacional dos Estados e que sustentavaser o Estado o único sujeito de Direito Internacional. Rompem ainda com a noção desoberania nacional absoluta, na medida em que admitem intervenções no plano nacional,em prol da proteção dos direitos humanos.

Prenunciava-se o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava seusnacionais era concebida como um problema de jurisdição doméstica, restrito ao domínio

reservado do Estado, decorrência de sua soberania, autonomia e liberdade. Aos poucos,emerge a idéia de que o indivíduo é não apenas objeto, mas também sujeito de direitointernacional. A partir desta perspectiva, começa a se consolidar a capacidade processualinternacional dos indivíduos, bem como a concepção de que os direitos humanos não maisse limitam à exclusiva jurisdição doméstica, mas constituem interesse internacional”7.

Pouco a pouco, compreendeu-se que a proteção dos Direitos Humanos não seencerra na atuação do Estado, nem é questão meramente nacional.

Diante desse panorama, após a Segunda Guerra Mundial, as consciências se abriram para o fato de que a sobrevivência da humanidade exigia a colaboração de todos os Estados

na reorganização das relações internacionais.

Desse modo, as nações se aperceberam que era urgente a criação de um órgãointernacional para a contenção das guerras. Na realidade, pode-se tomar como termo inicialefetivo da manifestação dessa vocação a Primeira Guerra Mundial, ocorrida entre 1914 e1918. Com a derrota da Alemanha e de seus aliados, as nações vencedoras houveram por 

 bem criar uma organização internacional, que se denominou “Liga das Nações”, que não prosperou e dissolveu-se em 1946, com a criação das Nações Unidas – ONU.

A eclosão da Segunda Guerra Mundial trouxe à tona a necessidade de criação de um

órgão internacional de controle efetivo da paz mundial. Então, representantes de 50 países,entre os dias 25.4 e 26.6.1945, na cidade de São Francisco, Califórnia, redigiram a Cartadas Nações Unidas e, aos 24.10.1945, a Organização das Nações Unidas (ONU) estavaoficialmente criada.

“A ONU difere da Liga das Nações, na mesma medida em que a Segunda GuerraMundial se distingue da Primeira Enquanto em 1919 a preocupação única era a criação deuma instância de arbitragem e regulação dos conflitos bélicos, em 1945 objetivou-secolocar a guerra definitivamente fora da lei. Por outro lado, o horror engendrado pelosurgimento dos Estados totalitários, verdadeiras máquinas de destruição de povos inteiros,

suscitou em toda parte a consciência de que, sem o respeito aos direitos humanos, aconvivência pacífica das nações tornava-se impossível.

7 COMPARATO, Fábio Konder. op. cit.5

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 ___________________________________________________________________________MÓDULO III

Por isso, enquanto a Liga das Nações não passava de um clube de Estados, comliberdade de ingresso e retirada conforme suas conveniências próprias, as Nações Unidas

nasceram com a vocação de se tornarem a organização da sociedade política mundial, àqual deveriam pertencer, portanto, necessariamente, todas as nações do globo empenhadasna defesa da dignidade humana”8.

Os objetivos principais da ONU são:

• a manutenção da paz e segurança internacionais;

• incremento de relações amistosas entre nações;

• cooperação internacional para a solução de problemas mundiais de ordem

social, econômica e cultural, incentivando o respeito pelos direitos e liberdadesindividuais.

 A ONU se compõe de seis órgãos especiais, que são (Carta das Nações Unidas, art.7.º):

• Assembléia Geral;

• Conselho de Segurança;

• Conselho Econômico e Social;

• Conselho de Tutela;

• Corte Internacional de Justiça;

• Secretaria.

“Ao lado da preocupação de evitar a guerra e manter a paz e a segurançainternacional, a agenda internacional passa a conjugar novas e emergentes preocupações. Acoexistência pacífica entre os Estados, combinada com a busca de inéditas formas decooperação econômica e social, caracterizam a nova configuração da agenda dacomunidade internacional”.

A Carta das Nações Unidas de 1945 consolida o movimento de internacionalizaçãodos direitos humanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoção dessesdireitos ao propósito e finalidade das Nações Unidas. Definitivamente, a relação de umEstado com seus nacionais passa a ser uma problemática internacional, objeto de

instituições internacionais e do Direito Internacional, bastando, para tanto, examinar osarts. 1.º (3), 13, 55, 56, 62 (2 e 3) da Carta das Nações Unidas.

8 COMPARATO, Fábio Konder. op. cit.6

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 ___________________________________________________________________________MÓDULO III

 Nos termos do art.1.º (3), fica estabelecido que um dos propósitos das NaçõesUnidas é alcançar a cooperação internacional para a solução de problemas econômicos,

sociais, culturais ou de caráter humanitário e encorajar o respeito aos direitos humanos eliberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.

 Neste sentido, cabe à Assembléia Geral iniciar estudos e fazer recomendações, como propósito de promover a cooperação internacional para a solução de problemaseconômicos, sociais, culturais ou de caráter humanitário e encorajar o respeito aos direitoshumanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua oureligião, em conformidade com o art. 13 da Carta. Também ao Conselho Econômico eSocial cabe fazer recomendações, com o propósito de promover o respeito e a observânciados Direitos Humanos e das liberdades fundamentais, bem como preparar projetos de

Convenções Internacionais para este fim, nos termos do art. 62 da Carta da ONU.O art. 55 reforça o objetivo de promoção dos Direitos Humanos, quando determina:

“Com vistas à criação de condições de estabilidade e bem estar, necessárias para a pacíficae amistosa relação entre as Nações, e baseada nos princípios da igualdade dos direitos e daautodeterminação dos povos, as Nações Unidas promoverão o respeito universal e aobservância dos Direitos Humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção deraça, sexo, língua ou religião”. O art. 56 reafirma o dever de todos os membros das NaçõesUnidas em exercer ações conjugadas ou separadas, em cooperação com a própriaorganização, para o alcance dos propósitos lançados no art. 55.

O Prof. Comparato diz que: “No texto da Carta, como se vê, da leitura dos artigos13 e 55, os direitos humanos foram concebidos como sendo, unicamente, as liberdadesindividuais”. É verdade que o tratado instituidor da ONU atribui às Nações Unidas aincumbência de favorecer entre os povos “níveis mais altos de vida, trabalho efetivo econdições de progresso e desenvolvimento econômico e social”. Mas o efetivo direito aodesenvolvimento só veio a ser reconhecido mais tarde.

Em contrapartida, a Carta das Nações Unidas afirma, inequivocamente, a existênciade um direito de autodeterminação dos povos.

O Texto

(Excertos)

“ NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS a preservar as geraçõesvindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço de nossa vida, trouxe

 sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais dohomem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens edas mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sobas quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do

direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhorescondições de vida dentro de uma liberdade mais ampla,

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 ___________________________________________________________________________MÓDULO III

E PARA TAIS FINS, praticar a tolerância e viver em paz, uns com outros, como bons vizinhos, e unir nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a

garantir, apela aceitação de princípios e a instituição de métodos, que a força armada nãoserá usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos,

RESOLVEMOS CONJUGAR NOSSOS ESFORÇOS PARA A CONSECUÇÃODESSES OBJETIVOS.

Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantesreunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foramachados em boa e devida forma, concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e

estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nomede Nações Unidas”.

Embora a Carta das Nações Unidas seja enfática em determinar a importância de sedefender, promover e respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais – comodemonstram os dispositivos destacados – ela não define o conteúdo dessas expressões,deixando-as em aberto. Daí o desafio em se desvendar o alcance e significado da expressão“direitos humanos e liberdades fundamentais”, não definida pela Carta. Três anos após oadvento da Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em1948, veio a definir com precisão o elenco dos “direitos humanos e liberdadesfundamentais a que fazia menção os arts. 1.º (3), 13, 55, 56 e 62 da Carta”9.

Módulo elaborado pelos Professores Vitor Kümpel e Luiz Antonio de Souza.

9 PIOVESAN, Flávia. op. cit.8

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

 MÓDULO III 

DIREITOS HUMANOS 

Instrumentos Internacionais de Proteção

dos Direitos Humanos

 __________________________________________________________________ 

Praça Almeida Júnior, 72 – Liberdade – São Paulo – SP – CEP 01510-010Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br 

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 ___________________________________________________________________________ MÓDULO V

DIREITOS HUMANOS

Instrumentos Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos

1. OS DIREITOS HUMANOS COMO TEMA GLOBAL

Como se sabe, existe uma polêmica muito grande sobre o fundamento e a naturezados direitos humanos, alguns reconhecendo-os como direitos naturais, portanto, inatos,outros entendendo-os como direitos positivos, alguns ainda os vendo como direitos

históricos. Certo é que os direitos humanos, hoje, são universais, cabendo, antes de maisnada, efetivá-los e protegê-los.

A universalidade dos direitos humanos é uma realidade. Como diz J. A. LindgrenAlves, “(...) todas as Constituições nacionais redigidas após a adoção da Declaração pelaAssembléia Geral da ONU nela se inspiram ao tratar dos direitos e liberdadesfundamentais, pondo em evidência, assim, o caráter hoje universal de seus valores”1.

A consolidação dos direitos humanos, porém, ocorreu a partir de 1945, com o finalda II Guerra Mundial. Nesse período do pós-guerra, quando começou a tarefa de

reconstrução da dignidade humana, extremamente violada e aviltada num dos períodosmais negros da História, os direitos humanos passaram a ser considerados numa óticamundial, daí derivando a sua internacionalização.

2. A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (1948)

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada em 10.12.1948. O seu preâmbulo dá conta do sentimento que dominava aquele momento histórico na medida emque reconhece a dignidade inerente a todas as pessoas, titulares de direitos iguais einalienáveis.

Assim, o resgate da dignidade humana é o sentido maior dessa Declaração, uma vezque assinala que basta ser um humano para ter dignidade e ser titular dos direitos queenumera.

Essa Declaração, portanto, é uma reação, uma manifestação histórica contra asatrocidades cometidas na II Guerra Mundial, apontando o devido e necessário respeito aos

direitos humanos, entendidos como universais.

A princípio, é interessante destacar, a Declaração revive os princípios da RevoluçãoFrancesa, uma vez que, no seu art. 1.º, destaca que “todas as pessoas nascem livres e iguais1 ALVES, J. A. Lindgren. Os Direitos Humanos como tema global . Perspectiva, 1994. p. 4.

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 ___________________________________________________________________________ MÓDULO V

em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umasàs outras com espírito de fraternidade”.

Esse dispositivo, pois, coloca em relevo os ideais da Revolução Francesa(igualdade, liberdade e fraternidade), reconhecendo-os como valores universais de toda

 pessoa.

Ainda é interessante notar que, colocando esses ideais como valores supremos,universais, indissociáveis, enfim, de igual valia para todas as pessoas, a Declaraçãoinstaura uma ótica singular dos direitos.

Com efeito, a Declaração relaciona em seu texto direitos civis e políticos (que são oschamados direitos de primeira geração, que traduzem o valor da liberdade), como direitossociais, econômicos e culturais (que são denominados direitos de segunda geração, quetraduzem o valor da igualdade), e contempla, ainda, a fraternidade como valor universal(contempla, pois, os chamados direitos de terceira geração, que compreendem o direito à

 paz, ao meio ambiente, ao desenvolvimento, à comunicação etc.).

Como ressalta Flávia Piovesan, “ao conjugar o valor da liberdade com o valor daigualdade, a Declaração demarca a concepção contemporânea de direitos humanos, pelaqual esses direitos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente eindivisível”2.

A idéia partilhada pela Declaração, pois, é a idéia de união, cumulação e interaçãodos direitos humanos, e não, como ocorria anteriormente, de dicotomia entre os direitosrepresentativos da igualdade e os direitos representativos da liberdade.

Flávia Piovesan lembra que essa diretriz refletiu na Resolução n. 32/130 daAssembléia Geral da ONU, na qual encontramos que “todos os direitos humanos, qualquer que seja o tipo a que pertencem, se inter-relacionam necessariamente entre si, e sãoindivisíveis e interdependentes”. Também refletiu na Declaração de Direitos Humanos deViena, de 1993, especificamente no art. 5.º: “Todos os direitos humanos são universais,indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados (...)”.

Alguma discussão há sobre a natureza jurídica da Declaração, assim como sobre seuvalor jurídico.

Carlos Weis, escrevendo a respeito, afirma que a Declaração não decorre dosurgimento de direitos subjetivos aos cidadãos, nem obrigações internacionais aos Estados,uma vez tratar-se de recomendação. Assinala, todavia, sua contribuição, pelo fato de ter influenciado vários textos constitucionais, sustentando que refletiu e deu origem a váriostratados internacionais, os quais, sim, com força vinculante3.

Flávia Piovesan, sobre o tema, diz que “a Declaração Universal não é um tratado.Foi adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas sob a forma de resolução, que, por 

2 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional . Max Limonad, 2000. p.146.3 WEIS, Carlos. Direitos Humanos comtemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 69.

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 ___________________________________________________________________________ MÓDULO V

sua vez, não apresenta força de lei”4.

Fábio Konder Comparato, por seu turno, professa que “tecnicamente, a DeclaraçãoUniversal do Homem é uma recomendação, que a Assembléia Geral das Nações Unidas fazaos seus membros (Carta das Nações Unidas), art. 10”5.

Embora a Declaração Universal de 1948 não configure um tratado internacional,Flávia Piovesan e Fábio Konder Comparato, entre outros, entendem que a Declaração temforça jurídica obrigatória e vinculante, pelo qual os Estados, à luz desse documento, têm ocompromisso de assegurar tais direitos às pessoas. Assim, entendem que a Declaraçãointegra o Direito Internacional, que, a par dos tratados e convenções, também recebe oinfluxo dos costumes e princípios gerais de direito.

Arrematando o tema, J. A. Lindgren Alves elucida que as declarações, emcontraposição aos tratados, convenções, pactos e acordos, não têm força jurídicacompulsória. Assinala, todavia, o caráter especial e peculiar da Declaração Universal.

 Nesse sentido, e tendo em conta que a Declaração Universal é encarada como umainterpretação autorizada da Carta das Nações Unidas, “a Declaração teria, para algunsintérpretes, os efeitos legais de um tratado internacional”. Para outros, porém, “a força daDeclaração Universal dos Direitos Humanos, como a de qualquer outro documentocongênere, advém de sua conversão gradativa em norma consuetudinária”6.

Embora os dois posicionamentos, o valor desse documento (Declaração Universal) éinegável, irrefutável, residindo no fato de que, de forma definitiva, a Declaração resgatou,declarou e estabeleceu a universalidade dos direitos humanos, além de transformar-se emfonte vinculante para todos os Estados, tanto que tais direitos vêm sendo incorporados àsconstituições das nações. Nesse sentido, J. A. Lindgren Alves: “independentemente dadoutrina esposada, o que se verifica na prática é a invocação generalizada da DeclaraçãoUniversal como regra dotada de jus cogens, invocação que não tem sido contestada sequer 

 pelos Estados mais acusados de violação de seus dispositivos”7.

Apreciando o conteúdo da Declaração Universal, Carlos Weis ilustra que esse

documento inovou ao introduzir elementos humanos, como a universalidade, aindivisibilidade e a interdependência8.

Dalmo de Abreu Dallari acentua esse conteúdo, referindo que a DeclaraçãoUniversal exibe características muito próprias: “o exame dos artigos da Declaração revelaque ela consagrou três objetivos fundamentais: A certeza dos direitos, exigindo que hajauma fixação prévia e clara dos direitos e deveres, para que os indivíduos possam gozar dosdireitos ou sofrer imposições; a segurança dos direitos, impondo uma série de normastendentes a garantir que, em qualquer circunstância, os direitos fundamentais serãorespeitados; a possibilidade dos direitos, exigindo que se procure assegurar a todos os

4 PIOVESAN, Flávia. op. cit. p. 48.5 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2001. p.226-2276 ALVES, J. A. Lindgren. op. cit. p.48.7 Idem. loc. cit.8 WEISS, Carlos. op. cit. p. 69.

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 ___________________________________________________________________________ MÓDULO V

indivíduos os meios necessários à fruição dos direitos, não se permanecendo noformalismo cínico e mentiroso da afirmação de igualdade de direitos onde grande parte do

 povo vive em condições subumanas”9

.A Declaração, já enfatizamos, proclama, no art. 1.º, os ideais cunhados na

Revolução Francesa (a liberdade, a igualdade e a fraternidade), afirmando, tanto nesseartigo quanto no seguinte (art. 2.º), a universalidade dos direitos humanos (considerandoque os direitos humanos são inerentes a toda pessoa) e, na seqüência, entre os arts. 3.º e 21,declara os direitos liberais clássicos, também chamados “liberdades públicas”, ou seja,enumera os direitos civis e políticos.

Antonio Cassesse, citado por Flávia Piovesan, traz os ensinamentos de René Cassin,

que examinou de forma aprofundada o conteúdo da Declaração Universal dos Direitos doHomem.

René Cassin assinala que a Declaração:

• relacionou os direitos pessoais (direitos à igualdade, à vida, à liberdade e àsegurança, entre outros) nos arts. 3.º a 11;

• dispôs, nos arts. 12 a 17, os direitos que dizem respeito ao indivíduo em suarelação com os grupos sociais dos quais participa (direitos à privacidade da vidafamiliar e o direito ao casamento; o direito à liberdade de movimento no âmbito

nacional ou fora dele; o direito à nacionalidade; o direito ao asilo, na hipótese de perseguição; direitos de propriedade e de praticar a religião);

• estabeleceu, nos arts. 18 a 21, as liberdades civis e os direitos políticos(liberdade de consciência, pensamento e expressão; liberdade de associação eassembléia; direito de votar e ser eleito; direito ao acesso ao governo e àadministração pública);

• finalmente estabeleceu, nos arts. 22 a 27, os direitos exercidos nos camposeconômico e social (direitos nas esferas de trabalho e relações de produção;

direito à educação; direito ao trabalho, à assistência social e à livre escolha deemprego; direito a justas condições de trabalho e ao igual pagamento para igualtrabalho; direito de fundar sindicados e participar; direito ao descanso e ao lazer;direito à saúde, à educação e o direito de participar livremente na vida culturalda comunidade)10.

Evidencia J. A. Lindgren Alves, todavia, que a melhor classificação é feita por Jack Donnelly. Diz Donnelly que os direitos foram definidos na Declaração Universal em setecategorias:

9 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 16.ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p.179.10 CASSESSE, Antonio. Human Rights in a changing world. Philadelphia: Temple University, 1990. p.38-39(cit. por Flávia Piovesan, op. cit. p. 145 – rodapé).

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 ___________________________________________________________________________ MÓDULO V

• direitos pessoais: incluindo os direitos à vida, à nacionalidade, aoreconhecimento perante a lei, à proteção contra tratamentos ou punições cruéis,

degradantes ou desumanas, e à proteção contra a discriminação racial, étnica,sexual ou religiosa (arts. 2.º a 7.º e 15);

• direitos judiciais: incluindo o acesso aos remédios por violações dos direitos  básicos, a presunção de inocência, a garantia de processo público justo eimparcial, a irretroatividade das leis penais, a proteção contra prisão, detençãoou exílio arbitrários, e contra a interferência na família, no lar e na reputação(arts. 8.º a 12);

• liberdades civis: especialmente as liberdades de pensamento, consciência e

religião, de opinião e expressão, de movimento e residência, e de reunião e deassociação pacífica (art. 13 e arts. 18 a 20);

• direitos de subsistência: particularmente os direitos à alimentação e a um padrãode vida adequado, à saúde e ao bem-estar próprio e da família (art. 25);

• direitos econômicos: incluindo principalmente os direitos ao trabalho, aorepouso e ao lazer, e à segurança social (arts. 22 a 26 – proposital ouacidentalmente, Donnely omite o art. 27, sobre o direito à propriedade, queacabaria excluído dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos, conforme severá adiante);

• direitos sociais e culturais: especialmente os direitos à instrução e à participaçãona vida cultural da comunidade (arts. 26 e 28);

• direitos políticos: principalmente os direitos a tomar parte no governo e aeleições legítimas com sufrágio universal e igual (art. 21), mais os aspectos

 políticos de muitas liberdades civis11.

Interessante destacar, afinal, as considerações de Fábio Konder Comparato, quevislumbra, na Declaração, um traço de suma importância, qual seja, “a afirmação dademocracia como único regime político compatível com o pleno respeito aos direitoshumanos (arts. 21 e 29, alínea 2)”, com o que considera que “o regime democrático já nãoé, pois, uma opção política entre muitas outras, mas a única solução legítima para aorganização do Estado”12.

A essência máxima da Declaração, aquela que é a pedra de toque desse documento,reside em seu preâmbulo e no art. 1.º, portanto, no seu pórtico, que é a afirmação solene deque todas as pessoas têm dignidade e que essa dignidade acarreta , para todos, direitosuniversais, indivisíveis, interdependentes, inalienáveis, imprescritíveis, ou seja, direitosque permitam ao gênero humano a sua plena realização.

11 DONNELLY, Jack. International Human Rights: a regime analysis. MIT, Summer, 1986. (cit. por J. A.Lindgren Alves. op. cit. p.46-47).12 COMPARATO, Fábio Konder. op. cit. p. 234.

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 ___________________________________________________________________________ MÓDULO V

3. O PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS

3.1. Histórico

Enquanto a Declaração Universal foi preparada e adotada em menos de dois anos, aelaboração e a aprovação dos pactos internacionais, que a complementariam, levaram vinteanos, e mais dez transcorreram para sua entrada em vigor. Assinala J. A. Lindgren Alvesque “a razão de tal demora se encontra fundamentalmente em seu caráter obrigatório paraos Estados-partes. E todos os tipos de controvérsias se fizeram presentes, primeiro nosentido Leste-Oeste, depois no sentido Norte-Sul”13.

Com efeito, a formulação do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, bemassim o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, foi cercada deintenso debate. A discussão se prendia à questão da conveniência de serem editados dois

 pactos ou um único, contemplando todos esses direitos.

Consoante expõe Fábio Konder Comparato, “as potências ocidentais insistiam noreconhecimento, tão-só, das liberdades individuais clássicas, protetoras da pessoa humanacontra os abusos e interferências dos órgãos estatais na vida privada. Já os países do bloco

comunista e os jovens países africanos preferiam pôr em destaque os direitos sociais eeconômicos, que têm por objeto políticas públicas de apoio aos grupos ou classesdesfavorecidas, deixando na sombra as liberdades individuais”14.

Os países ocidentais, sobre o tema, defendiam a adoção de dois pactos distintos,sustentando tal posicionamento no fato de que “enquanto os direitos civis e políticos eramauto-aplicáveis e passíveis de cobrança imediata, os direitos sociais, econômicos e culturaiseram programáticos e demandavam realização progressiva”. A contraposição dos paísessocialistas era no sentido de que “não era em todos os países que os direitos civis e

 políticos faziam-se auto-aplicáveis e os direitos sociais, econômicos e culturais não auto-

aplicáveis. A depender do regime, os direitos civis e políticos poderiam ser programáticos eos direitos sociais, econômicos e culturais auto-aplicáveis”15.

Os países ocidentais, que se opunham a uma formulação única, viam nessa situaçãouma ameaça à noção individualista dos direitos humanos, para o que arrolavam trêsargumentos substanciais, relacionados por J. A. Lindgren Alves: “O primeiro era o de queos direitos correspondiam a espécies distintas: os civis e políticos seriam jurisdicionados,

 passíveis de cobrança, o que não se aplicaria aos direitos econômicos e sociais. O segundoera o de que os direitos civis e políticos seriam de aplicação imediata, enquanto oseconômicos, sociais e culturais somente poderiam ter realização progressiva. O terceiro

dizia respeito ao acompanhamento: para os direitos civis e políticos, o melhor mecanismoseria um comitê que atendesse petições e queixas através de investigações e bons-ofícios,

13 ALVES, J. A. Lindgren. op. cit. p. 49.14 COMPARATO, Fábio Konder. op. cit. p. 278.15 PIOVESAN, Flávia. op. cit. p. 162-163.

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 ___________________________________________________________________________ MÓDULO V

instrumento inadequado para os direitos econômicos e sociais”. Para aqueles quedefendiam uma formulação única, a preocupação era no sentido de que “a separação

  poderia significar uma diminuição da importância relativa dos chamados direitos de segunda geração”16.

Predominou, nessa discussão, a orientação no sentido da edição de dois pactosinternacionais, que desenvolveram o conteúdo da Declaração Universal dos Direitos doHomem de 1948, todavia essa divisão foi artificial, pelo fato de que os documentoscontemplam direito humanos indissociáveis, indivisíveis, que formam um todo harmônico.

Em relação, especificamente, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos,objeto de nosso estudo, este reconheceu, em relação à Declaração Universal, uma lista

muito maior de direitos civis e políticos. Esse tratado internacional, expõe Carlos Weis,cuida “dos direitos humanos relacionados à liberdade individual, à proteção da pessoacontra a ingerência estatal em sua órbita privada, bem como à participação popular nagestão da sociedade”, ou seja, cuida dos denominados direitos humanos liberais ouliberdades públicas17.

Verificando esse Pacto, podemos assinalar seis partes, compreendendo dispositivosque dizem respeito:

I. à autodeterminação dos povos e à livre disposição de seus recursos naturais eriquezas (art. 1.º);

II. ao compromisso dos Estados de garantir os direitos previstos e as hipóteses dederrogação de certos direitos (arts. 2.º ao 5.º);

III. aos direitos efetivamente reconhecidos (arts. 6.º ao 27);

IV. aos mecanismos de supervisão e controle desses direitos (arts. 35 ao 39);

V. à integração e interação com a Organização das Nações Unidas (arts. 35 ao 39);

VI. à ratificação e entrada em vigor (arts. 40 ao 47).

O Pacto, no art. 1.º, assinala o direito à autodeterminação dos povos, reconhecendoque os Estados têm o direito de determinar livremente seu estatuto político e estabelecer livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural. Assegura, ainda, que osEstados podem dispor livremente de suas riquezas e recursos naturais, em nenhum caso

 podendo os povos serem privados de seus meios de subsistência.

 Nos arts. 2.º e 3.º, na seqüência, o Pacto acentua o princípio da igualdade essencial

de todos os seres humanos, e que todas as pessoas têm direito aos direitos nelereconhecidos, proclamando que é dever dos Estados-partes assegurar a homens e mulheresigualdade no gozo dos direitos civis e políticos enunciados. Esse dever, assinale-se, inclui a

16 ALVES, J. A. Lindgren. op. cit. p. 4917 WEIS, Carlos. op. cit. p. 76.

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 ___________________________________________________________________________ MÓDULO V

obrigação de os Estados-partes garantirem, a todas as pessoas, cujos direitos foremviolados, recursos efetivos e oponíveis contra as violações de direitos civis e políticos,

 portanto, o estabelecimento de um sistema legal que possa enfrentá-las.  No art. 4.º, o Pacto dispôs sobre a possibilidade de suspensão temporária do

exercício dos direitos humanos, mas tão-somente diante de situações que ameacem aexistência da nação e sejam proclamadas oficialmente. Convém destacar, todavia, que essedispositivo determina que a suspensão temporária não poderá atingir os direitos previstosnos arts. 6.º, 7.º, 8.º (§§ 1.º e 2.º), 11, 15, 16 e 18, isso por entender que tais direitos sãointangíveis, não podendo ser afastados por serem fundamentais para o atendimento dadignidade de toda pessoa.

 Na seqüência, o Pacto enuncia os direitos e liberdades que contempla, e que são osseguintes:

• direito à vida;

• direito de não ser submetido à tortura ou a tratamentos cruéis, desumanos oudegradantes;

• direito de não ser escravizado, nem submetido à servidão;

• direitos à liberdade e à segurança pessoal e de não ser sujeito à prisão ou

detenção arbitrárias;• direito a julgamento justo;

• direito à igualdade perante a lei;

• direito à proteção contra interferência arbitrária na vida privada;

• direito à liberdade de movimento;

• direito a uma nacionalidade;

• direito de casar e de formar família;

• direito às liberdades de pensamento, consciência e religião;

• direito às liberdades de opinião e de expressão;

• direito à reunião pacífica;

• direito à liberdade de associação e direito de aderir a sindicatos;

• direito de votar e de tomar parte no Governo18

.

18 ALVES, J. A. Lindgren. op. cit. p. 52.8

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 ___________________________________________________________________________ MÓDULO V

É importante destacar que o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos reiterae pormenoriza direitos encontráveis na Declaração Universal, todavia avança em certos

 pontos, inclusive abrigando novos direitos e garantias não previstos na Declaração.Flávia Piovesan escreve nesse sentido: “Constata-se que o Pacto abriga novos

direitos e garantias não incluídos na Declaração Universal, tais como o direito de não ser  preso em razão de descumprimento de obrigação contratual (art. 11); o direito da criançaao nome e à nacionalidade (art. 24); a proteção dos direitos de minorias à identidadecultural, religiosa e lingüística (art. 27); a proibição da propaganda de guerra ou deincitamento da intolerância étnica ou racial (art. 20); o direito à autodeterminação (art. 1.º),dentre outros. Esta gama de direitos, insiste-se, não se vê incluída na DeclaraçãoUniversal”19.

Dois direitos, todavia, previstos na Declaração, não tiveram previsão no Pacto: odireito de propriedade e o direito de procurar ou gozar asilo em outros países em razão de

 perseguição.

Em relação ao direito de propriedade, que, previsto no art. 17 da Declaração, nãoteve qualquer referência no Pacto. J. A. Lindgren Alves assinala que os Estados Unidos

  propuseram a sua inclusão, todavia cederam, pois o texto proposto remetia aregulamentação do direito à legislação de cada país e, tendo em conta o receio de que isso

 pudesse legitimar expropriações sem compensação financeira, a delegação norte-americanaconcordou com a supressão daquele direito do texto final20.

Quanto ao direito de procurar ou gozar asilo em outros países, em razão de perseguição, direito esse reproduzido no art. 14 da Declaração Universal, ele não constou,de forma específica, no Pacto.

A última questão que merece atenção, ao analisarmos o Pacto, é a que diz respeitoao mecanismo de sua implementação. O Pacto, para tal, instituiu um Comitê de DireitoHumanos, composto por dezoito membros eleitos a título pessoal, e os Estados-partes seobrigavam “a apresentar relatórios sobre as medidas adotadas para dar efeito aos direitosreconhecidos” e “sobre os progressos realizados no gozo desses direitos” (previsão no art.

40, § 1.º), sendo que esses relatórios, encaminhados ao Secretário-Geral da ONU, sãodepois encaminhados a esse Comitê, que os analisa e se reporta aos Estados-partes.

O art. 41 autoriza que, na seqüência, um Estado-parte informe ao Comitê sobre onão cumprimento, por outro Estado-parte, das disposições do Pacto, desde que o Estadodenunciante reconheça expressamente tal direito em relação a ele próprio.

Finalmente, vale lembrar, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos éacompanhado de um Protocolo Facultativo, por meio do qual os Estados-partes, que oratificam, reconhecem a competência desse Comitê dos Direitos Humanos para receber e

considerar comunicações individuais quanto aos descumprimentos do Pacto.

19 PIOVESAN, Flávia. op. cit. p. 167.20 Nesse sentido: ALVES, J. A. Lindgren. op. cit. p. 49-50; WEIS, Carlos. op. cit. p. 77-78.

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 ___________________________________________________________________________ MÓDULO V

Flávia Piovesan diz que “a importância do Protocolo está em habilitar o Comitê deDireitos Humanos a receber e examinar petições encaminhadas por indivíduos, que

aleguem serem vítimas de violação de direitos enunciados pelo Pacto dos Direitos Civis ePolíticos”. Acrescenta que essa denúncia individual só pode ser admitida se o Estadodenunciado tiver retificado o Pacto e o Protocolo, e que “o Comitê de Direitos Humanosrecentemente concluiu que as comunicações podem ser encaminhadas por organizações outerceiras pessoas, que representem o indivíduo que sofreu a violação”21.

Importante considerar que, após o procedimento previsto, essa comunicação merece umadecisão por parte do Comitê, pelo voto da maioria dos membros presentes, e, por essa decisão, oComitê de Direitos Humanos, além de declarar a violação de direitos, poderá determinar que oEstado-parte repare a violação, adotando as providências necessárias para impedi-la.

Diz Flávia Piovesan que não há sanção prevista para o não antendimento a essadecisão, que não tem força obrigatória, vinculante, porém esse não atendimento acarreta aoEstado violador conseqüências no plano político, redundando em constrangimento políticoe moral a ele22.

J. A. Lindgren Alves, finalizando suas considerações sobre o tema, diz que o Pacto eo Protocolo Facultativo respeitam as soberanias nacionais, mas o fato de sua aprovação

 pela Assembléia Geral da ONU e o fato de os Estados-partes aderirem a seus termos, portanto, admitirem que violações sejam trazidas ao conhecimento do Comitê de DireitosHumanos, traduzem “a primeira afirmação, por foro que se propõe universal, de queassuntos qualificados como de competência interna podem ser objeto de acompanhamentointernacional”23.

Módulo elaborado pelos professores Vitor Kümpel e Luiz Antonio deSouza.

21 PIOVESAN, Flávia. op. cit. p. 169-171.22 PIOVESAN, Flávia. op. cit. p. 172-173.23 ALVES, J. A. Lindgren. op. cit. p. 53.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

 MÓDULO IV 

DIREITOS HUMANOS 

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Praça Almeida Júnior, 72 – Liberdade – São Paulo – SP – CEP 01510-010Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br 

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO VII

DIREITOS HUMANOS

1. SISTEMA GLOBAL

Os instrumentos internacionais dos direitos humanos começaram a ser aplicadosapós a II Guerra Mundial. O conceito de direitos humanos foi introduzido a partir daDeclaração Universal de Direitos Humanos de 1948.

 Na realidade, o Direito Internacional surge como conseqüência das violações dos

direitos humanos, da era Hitler, e, também, para evitar que essas violações viessemnovamente a ocorrer no futuro. Para isso, seria necessário o estabelecimento de um sistemalegislativo internacional.

Declara Richard B. Bilder: “O Direito Internacional dos Direitos Humanos consisteem um sistema de normas internacionais, procedimentos e instituições desenvolvidas paraimplementar esta concepção e promover o respeito dos direitos humanos em todos os

 países, no âmbito mundial. Embora a idéia de que os seres humanos têm direitos eliberdades fundamentais que lhe são inerentes tenha há muito tempo surgido no

 pensamento humano, a concepção de que os direitos humanos são objeto próprio de uma

regulação internacional, por sua vez, é bastante recente (...). Muitos dos direitos que hojeconstam do ‘Direito Internacional dos Direitos Humanos’ surgiram apenas em 1945,quando, com as implicações do holocausto e de outras violações dos direitos humanoscometidas pelo nazismo, as nações decidiram que a promoção de direitos humanos eliberdades fundamentais deve ser um dos principais propósitos da Organização das NaçõesUnidas”.

Entende-se, portanto, que a proteção dos direitos humanos não deve ficar adstrita aoEstado, “não deve se restringir à competência nacional exclusiva ou à jurisdição domésticaexclusiva, porque revela tema de legítimo interesse internacional. Por sua vez, esta

concepção inovadora aponta para duas importantes conseqüências:

• a revisão da noção tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa asofrer um processo de relativização, na medida em que são admitidasintervenções no plano nacional em prol dos direitos humanos, isto é, permitem-se formas de monitoramento e responsabilização internacional, quando osdireitos humanos forem violados;

• a cristalização da idéia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos naesfera internacional na condição de sujeito de Direito”.

Além do caráter universal dos Direitos Humanos, a Declaração de 1948 estabelece oconceito contemporâneo de Direitos Humanos, declarando que eles compõem uma unidadeindivisível, interdependente e interrelacionada.

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO VII

Diz a Prof. Flávia Piovesan: “Ao consagrar direitos civis e políticos e direitoseconômicos, sociais e culturais, a Declaração ineditamente combina o discurso liberal e o

discurso social da cidadania, conjugando o valor da liberdade ao valor da igualdade”.“A Declaração Universal de Direitos Humanos se distingue das tradicionais Cartas

de Direitos Humanos que constam de diversas normas fundamentais e constitucionais dosséculos XVIII e XIX e começo do século XX, na medida em que ela consagra não apenasdireitos civis e políticos, mas também direitos econômicos, sociais e culturais, como odireito a o trabalho e à educação”.

Sem o acesso aos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis terão umaspecto meramente formal e, sem a aplicabilidade dos direitos civis e políticos, os direitos

econômicos e sociais perderão seu significado. “Não há mais como cogitar a liberdadedivorciada da justiça social, como também infrutífero pensar na justiça social divorciada daliberdade. Em suma, todos os direitos humanos constituem um complexo integral, único eindivisível, em que os diferentes direitos estão necessariamente inter-relacionados einterdependentes entre si”.

Como estabeleceu a Resolução n. 21/130 da Assembléia Geral da ONU: “Todos osdireitos humanos, qualquer que seja o tipo a que pertencem, se inter-relacionamnecessariamente entre si, e são indivisíveis e interdependentes”. Essa concepção foireiterada na Declaração de Viena, de 1993, que afirma, em seu § 5.º, que os direitoshumanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados.

Essa Declaração serve de fundamento para a atuação de todos os Estados quecompõem a comunidade internacional, determinando uma só forma de atuaçãointernacional na aplicação desses direitos. A partir da aprovação da Declaração Universalde 1948 e da concepção contemporânea de direitos humanos por ela introduzida, começa adesenvolver-se o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção deinúmeros tratados internacionais voltados à proteção de direitos fundamentais.

“Forma-se o sistema normativo global de proteção dos direitos humanos, no âmbitodas Nações Unidas. Esse sistema normativo, por sua vez, é integrado por instrumentos de

alcance geral (como os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de DireitosEconômicos, Sociais e Culturais de 1966) e por instrumentos de alcance específico, comoas Convenções Internacionais”.

Temos, então, o sistema geral e o sistema especial dos direitos humanos, que seinterligam. O sistema especial de proteção apoia-se no sujeito de direito que é estudado emsua individualidade e particularidade, como no caso de proteção à criança, às mulheres etc.Já o sistema geral de proteção (Pactos da ONU de 1996) tem como objeto a pessoa,genérica e abstratamente considerada.

Conforme declara a Prof. Flávia Piovesan, “ao lado do sistema normativo globalsurge o sistema normativo regional de proteção, que busca internacionalizar os direitoshumanos no plano regional, particularmente na Europa, América e África. Consolida-se,assim, a convivência do sistema global – integrado pelos instrumentos das Nações Unidas,como a Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO VII

Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e asdemais Convenções Internacionais – com instrumentos do sistema americano, europeu e

africano de proteção aos direitos humanos.Os sistemas global e regional não são dicotômicos, mas complementares. (...) Em

face desse complexo universo de instrumentos internacionais, cabe ao indivíduo que sofreuviolação de direito a escolha do aparato mais favorável, tendo em vista que, eventualmente,direitos idênticos são tutelados por dois ou mais instrumentos de alcance global ouregional, ou ainda de alcance geral ou especial. Nesta ótica, os diversos sistemas de

 proteção de direitos humanos interagem em benefício dos indivíduos protegidos”.

Qual é a posição brasileira em face da aplicação das normas concernentes aos

direitos humanos?A CF de 1988, nos termos do art. 1.º, inc. III, impõe o valor da dignidade humana.

“A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm a constituir os princípiosconstitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindosuporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro. Na ordem de 1988, esses valores

 passam a ser dotados de uma especial força expansiva, projetando-se por todo universoconstitucional e servindo como critério interpretativo de todas as normas do ordenamento

 jurídico nacional”.

O art. 5.º da CF de 1988 afirma que os direitos e garantias nela expressos “não

excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratadosinternacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Incluiu, pois, entre osdireitos protegidos pela CF, os direitos determinados nos tratados internacionais dos quaiso Brasil seja signatário. De acordo com a Prof. Flávia Piovesan, “ao efetuar talincorporação, a Carta está a atribuir aos direitos internacionais uma hierarquia especial ediferenciada, qual seja, a de norma constitucional. Esse tratamento jurídico se justifica, namedida em que os tratados internacionais de direitos humanos apresentam um caráter especial, distinguindo-se dos tratados internacionais comuns”.

Ao considerarem-se, portanto, os tratados internacionais, ratificados pelo Estado

 brasileiro, podemos listar inúmeros direitos neles enunciados, que passam a fazer parte doDireito brasileiro. Esses direitos são declinados não de maneira taxativa, mas de formaexemplificativa. Logo, o Direito Internacional dos Direitos Humanos torna abrangente ouniverso dos direitos constitucionais assegurados.

Conclui-se, pois, que os tratados internacionais de direitos humanos garantem sua“imperatividade jurídica, ora adicionando novos direitos, ora suspendendo preceitos quesejam menos favoráveis à proteção dos direitos humanos. Em todas essas hipóteses, osdireitos internacionais constantes dos tratados de direitos humanos apenas vêm a aprimorar e fortalecer, nunca restringir ou debilitar, o grau de proteção dos direitos consagrados no

 plano normativo constitucional”.

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO VII

2. PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS ECULTURAIS (1966)

A Carta da ONU de 1945, em seu art. 55, declara: “Com o fim de criar condições deestabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações,

 baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão:

• níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso edesenvolvimento econômico e social;

• a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários econexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e

• o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liberdadesfundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”.

Em 1948, a Declaração Universal define e fixa os direitos e liberdades fundamentaisa serem garantidos.

Para a Prof. Flávia Piovesan, “sob um enfoque estritamente legalista (não

compartilhado por este trabalho) a Declaração Universal, em si mesma, não apresenta força jurídica obrigatória e vinculante. Nessa visão, assumindo a forma de declaração (e não detratado), vem a atestar o conhecimento universal de direitos humanos fundamentais,consagrando um código comum a ser seguido por todos os Estados”.

À luz desse raciocínio e considerando a ausência de força jurídica vinculante daDeclaração, após a sua adoção em 1948, instaurou-se uma larga discussão sobre qual seriaa maneira mais eficaz de assegurar o reconhecimento e a observância universal dos direitosnela previstos. Prevaleceu, então, o entendimento de que a Declaração deveria ser “juridicizada” sob a forma de tratado internacional, que fosse juridicamente obrigatório e

vinculante no âmbito do Direito Internacional.Esse processo de “juridicização” da Declaração começou em 1949 e foi concluído

em 1966 com a elaboração de dois tratados internacionais distintos – o Pacto Internacionaldos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais eCulturais –, que passavam a incorporar os direitos constantes da Declaração Universal. Aotransformar os dispositivos da Declaração em previsões juridicamente vinculantes eobrigatórias, esses dois Pactos Internacionais constituem referências necessárias para oexame do regime normativo de proteção internacional dos direitos humanos.

A partir da elaboração desses Pactos, forma-se a Carta Internacional dos DireitosHumanos ( International Bill of Rights), integrada pela Declaração Universal de 1948 e

 pelos dois Pactos Internacionais de 1966.

Ambos os Pactos criaram um sistema próprio para a implementação dos direitoshumanos neles contidos.

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO VII

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi criado paradar força jurídica aos preceitos relacionados aos Direitos Econômicos, Culturais e Sociais

estabelecidos na Declaração da ONU de 1948, que não passava de uma merarecomendação, e foi adotado pela ONU, em 1966, com o objetivo maior de incorporar osdispositivos da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 sob a forma de

 preceitos juridicamente obrigatórios e vinculantes. Assim, para proteger tais direitos, foramestabelecidas obrigações dos Estados-Membros, cuja violação importa em responsabilidadeinternacional.

Esse Pacto expandiu o rol dos direitos econômicos, sociais e culturais determinados  pela Declaração Universal de 1948. A finalidade desse Pacto foi a de adotar umalinguagem de direitos que implicasse obrigações no plano internacional. Criou, assim,

obrigações legais para os Estados-Membros, permitindo a sua responsabilizaçãointernacional em caso de violação dos direitos ali enunciados.

Segundo bem afirma Carlos Weis1 , o Pacto se divide em cinco partes, quais sejam,(1) a autodeterminação dos povos e a livre disposição de recursos naturais e riquezas; (2) ocompromisso dos Estados de implementarem os direitos previstos; (3) os direitos

 propriamente ditos; (4) o exercício de supervisão por meio de apresentação de relatórios aoECOSOC; (5) as normas referentes à sua ratificação e entrada em vigor.

Quanto aos direitos protegidos, esse Pacto visa a proteção das condições sociais,econômicas e culturais, destacando-se: o direito ao trabalho, o direito a condições justas efavoráveis de trabalho; o direito a formar sindicatos e participar deles; o direito de greve,exercido em conformidade com as leis de cada país; o direito à segurança social, inclusiveaos seguros sociais; o direito à proteção e assistência familiar, especialmente às mães e àscrianças; o direito à educação e o direito a participar da vida cultural e dos benefícios daciência2.

A distinção mais importante entre os direitos econômicos, sociais e culturais e osdireitos civis e políticos está na sua aplicabilidade. Para se compreender melhor essadistinção é necessária a caracterização das normas quanto à eficácia e aplicabilidade. Deacordo com esses parâmetros, elas são divididas, segundo José Afonso da Silva3, em:

• normas de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata, integral;

• normas de eficácia contida e aplicabilidade direta e imediata, mas provavelmente não integral;

• normas de eficácia limitada:

- declaratórias de princípios institutivos ou organizativos;

- declaratórias de princípio programático.1 O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In Direitos Humanos: Construção daLiberdade e Igualdade. Série Estudos, n. 11. Out. 1998.2 LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Proteção dos Direitos Humanos na Ordem Interna e Internacional .São Paulo: Forense, 1984.3  Aplicabilidade das Normas Constitucionais. Título II, Capítulo 1, 

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO VII

Assim, enquanto os direitos políticos individuais se caracterizam pelo exercício imediatoe a efetividade de instrumentos que assegurem a sua plena realização, os direitos sociais,

econômicos e culturais se caracterizam pela não auto-aplicabilidade, enquadrando-se nas normasde eficácia limitada, declaratórias, de princípio programático. Sendo assim, para se tornaremefetivos, dependem de uma ação progressiva, não sendo exigíveis de imediato. Estãocondicionados à atuação do Estado, “que deve adotar medidas econômicas e técnicas,isoladamente ou através de assistência e cooperação internacional, até o máximo de seus recursosdisponíveis, com vista a alcançar progressivamente a completa realização dos direitos previstos

 pelo pacto” (art. 12, § 1.º, do Pacto). Nesse sentido, é importante a observação feita por Thomas Buergental: “Ao ratificar 

este Pacto, os Estados não se comprometeram a atribuir efeitos imediatos aos direitos neleenumerados. Os Estados se obrigam meramente a adotar medidas, até o máximo dosrecursos disponíveis, a fim de alcançar progressivamente a plena realização destes

direitos”4.

Para monitorar e implementar tais direitos, o Tratado prevê o mecanismo derelatórios a serem encaminhados pelo Estado-Membro. Nestes, estarão medidas utilizadas

  para a concretização de tais dispositivos. Além disso, devem constar os obstáculosencontrados para isso. Tais relatórios serão analisados pelo Conselho Econômico e Social.Cabe ressaltar que, se a implementação de tais direitos é um processo progressivo, a ediçãode três medidas nesse sentido deve ser feita em um curto espaço de tempo, o quedemonstra o empenho em cumprir aquilo que foi acordado.

Da ausência de eficácia plena decorre a discussão doutrinária a respeito dacaracterização desses direitos como direitos positivos reais ou apenas como sugestões políticas. Para a Teoria Clássica do Direito, encabeçada por Hans Kelsen, o direito sóexiste quando há uma sanção referente ao seu não cumprimento, não existindo direito

 positivo sem esse mecanismo garantidor do seu mínimo de eficácia. Assim, faltaria a essesdireitos sociais características mínimas de todo e qualquer direito, como a praticabilidade,a punibilidade, a clareza.

 Norberto Bobbio ressalta: “as exigências que se concretizam na demanda de umaintervenção pública e de uma prestação de serviços sociais por parte do Estado só podem

ser satisfeitas num determinado nível de desenvolvimento econômico e tecnológico; e que,com relação à própria teoria, são precisamente certas transformações sociais e certasinovações técnicas que fazem surgir novas exigências, imprevisíveis e inexeqüíveis, antesque essas transformações e inovações tivessem ocorrido. Isso nos traz uma ulterior confirmação da sociabilidade e da não naturalidade, desses direitos”5.

Contra essa teoria se opõem inúmeros teóricos, que afirmam a obrigatoriedade enaturalidade desses direitos que, apesar da necessidade de apoio estatal, têm sua eficáciagarantida pela democracia social e pela própria estruturação de muitos Estados, como oEstado brasileiro, que se propõe na CF a “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir 

as desigualdades sociais e regionais” (art. 3.º, III).

4 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad,1996).5  A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campos, 1992.

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO VII

Vários autores, ao constatarem a falta de eficácia e aplicabilidade imediata dessesdireitos, preferem utilizar-se do termo “normas programáticas”, que seriam programas a

serem realizados no futuro. Assim, caracterizariam-se como ideais a serem concretizados pelos Estados, a depender das condições sócio-políticas.

Essa posição não pode gerar uma posição de indolência do Estado e de ausência de proteção às pessoas humanas. Esses direitos, considerados como um ideal, acabam por enquadrar-se mais no campo da política do que no campo do Direito. E, nesse sentido,necessitariam de uma reforma, tendo em vista uma ação concreta do Estado visando aampliação das formas de exigência, pelos particulares, desses direitos. Assim, vêm sendocriados mecanismos de cidadania como a ação civil pública, a iniciativa popular e omandado de injunção.

Segundo David M. Trubek, os direitos sociais invocam o que é mais básico euniversal acerca dessa dimensão do direito internacional. Por trás dos direitos específicosconsagrados nos documentos internacionais e acolhidos pela comunidade internacional,repousa uma visão social do bem-estar individual. Isto é, a idéia de proteção a essesdireitos envolve a crença de que o bem-estar individual resulta, em parte, de condiçõeseconômicas, sociais e culturais, nas quais todos nós vivemos, bem como envolve a visão deque o governo tem a obrigação de garantir adequadamente tais condições para todos osindivíduos6.

Analisando o que ocorre na prática, a comunidade internacional ainda toleraviolações de tais direitos, o que não ocorre com os direitos civis e políticos, demonstrandoque, ainda hoje, estes são considerados mais importantes que os econômicos, sociais eculturais.

Os direitos econômicos e sociais possuem apenas um sistema de relatórios, uma vezque sua implementação somente poderá ser apreciada se forem observados o grau dedesenvolvimento específico de cada Estado e a atuação da ONU por meio de suas agênciasespecializadas. Embora o Pacto dos Direitos Econômicos e Sociais tenha influenciadoalgumas Convenções Internacionais, como a Carta Social Européia, este ainda se apresentacom alto grau de dificuldade para implementação, uma vez que suas prescrições sãotomadas como standards não obrigatórios, ficando sob a égide das autoridades nacionais o

 poder de transformá-las em deveres coercitivos a serem respeitados pelo próprio Estado, pela sociedade ou pelos indivíduos em relação a outros indivíduos.

Enquanto o Pacto dos Direitos Civis e Políticos estabelece os direitos dosindivíduos, o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais determina os deveres dosEstados. Assim, os direitos civis e políticos, garantidos pelo Estado, são aplicadosimediatamente, os direitos sociais, econômicos e culturais, de acordo com o Pacto, têmuma realização progressiva, significando que “são direitos que estão condicionados àatuação do Estado, que deve adotar medidas econômicas e técnicas, isoladamente e através

da assistência e cooperação internacionais, até o máximo de seus recursos disponíveis comvistas a alcançar progressivamente a completa realização dos direitos previstos pelo Pacto”(art. 2.º, § 1.º, do Pacto).

6 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Internacional . São Paulo: Max Limonad, 1996.7

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO VII

O Pacto admite ser muito difícil a sua aplicação imediata quando se tratar de direitoseconômicos, sociais e culturais, e, portanto, a sua aplicação será paulatina.

 No sistema interamericano, o fato de os direitos econômicos, sociais e culturaisestarem previstos no corpo do mesmo documento dos direitos civis e políticos, o que a

 princípio poderia ter proporcionado igualdade de tratamento entre tais direitos, na realidadeacentuou ainda mais essa dicotomia ao conferir, dos 82 artigos da ConvençãoInteramericana de Direitos Humanos, apenas 1 artigo aos direitos econômicos, sociais eculturais.

Tal visão sofreu, porém, alteração graças à I Conferência Mundial dos DireitosHumanos, realizada em Teerã, em 1968, na qual foi estabelecida a indivisibilidade dos

direitos humanos. No plano regional interamericano, o Protocolo de San Salvador, de 1988, introduziu

um sistema de petições e relatórios dentro da idéia de progressividade.

A principal transformação ocorreu na Convenção de Viena, de 1993, por meio daqual se “conclama a necessidade de se eliminar a pobreza e a exclusão social queconstituem uma alta violação aos direitos econômicos e sociais. Confere ainda granderelevância ao direito de desenvolvimento como direito humano e reconhece a necessidadede modificação do sistema de proteção internacional dos direitos econômicos e sociais àrealidade atual, bem como preocupa-se com a incorporação do direito internacional no

  plano interno como meio de dificultar a violação desses direitos, já que os sistemasinternacionais e internos devem ser vistos de uma forma integrada”.

A sistemática de aplicação dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais éespecífica, pois será realizada por meio de relatórios encaminhados pelos Estados-Membros. Apesar dessa sistemática, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,Sociais e Culturais prevê importantes dispositivos que apresentam aplicação imediata:“Enquanto o Pacto estabelece a progressiva realização destes direitos, a depender dalimitação de recursos disponíveis, ele também impõe diversas obrigações de aplicaçãoimediata. Uma delas se atém à obrigação de que os direitos devem ser exercidos de forma

não discriminatória”.

O Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais não possui um comitê próprioe não estabelece o mecanismo de comunicação interestadual, tampouco permite asistemática das comunicações individuais. A maneira de proteção dos direitos sociais,econômicos e culturais fica, portanto, adstrita ao sistema de relatórios, muito embora essesdireitos sejam autênticos e verdadeiros direitos fundamentais.

O mecanismo dos relatórios, única sistemática de monitoramento prevista no PactoInternacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, mostra-se insuficiente e

inoperante para proteger os direitos nele enunciados.A Declaração de Programa de Ação de Viena, de 1993, recomendou o direito de

 petição a este Pacto, projeto este que está em fase de elaboração na ONU.

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO VII

Por sua vez, a Convenção Americana de Direitos Humanos, assinada em São José daCosta Roca (ou Pacto de São José, como é conhecida) é, atualmente, o documento de maior 

importância dentro do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos.Chega-se à conclusão então de que: “sob o ângulo pragmático, no entanto, acomunidade internacional continua a tolerar freqüentes violações aos direitos sociais,econômicos e culturais que, se perpetradas em relação aos direitos civis e políticos,

  provocariam imediato repúdio internacional. Em geral, a violação aos direitos sociais,econômicos e culturais é resultado tanto da ausência de forte suporte e intervençãogovernamental, como da ausência de pressão internacional a favor dessa intervenção. É,

  portanto, um problema de ação e de prioridade governamental e implementação de políticas públicas, que sejam capazes de responder a graves problemas sociais”.

E, nos dizeres do Statement to the World Conference on Human Rights on Behalf of the Committee on Economic, Social and Cultural Rights: “Com efeito, democracia,estabilidade e paz não podem conviver com condições de pobreza crônica, miséria enegligência. Além disso, essa insatisfação criará grandes e renovadas escalas demovimentos de pessoas, incluindo fluxos adicionais de refugiados e migrantes,denominados ‘refugiados econômicos’, com todas as suas tragédias e problemas. (...)Direitos sociais, econômicos e culturais devem ser reivindicados como direitos e não comocaridade ou generosidade”.

Assim, ainda que o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais eCulturais (ONU) e a Convenção Interamericana sobre os Direitos Humanos (OEA)determinem a implementação progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais, háexigibilidade imediata de que o Estado tome algumas medidas, entre elas, por exemplo, o

  planejamento da ação estatal e da mobilização de recursos que fiquem vinculados àrealização daqueles direitos.

Módulo elaborado pelos professores Vitor Kümpel e Luis Antonio de Souza.

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 ___________________________________________________________________ 

CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

 MÓDULO V 

DIREITOS HUMANOS 

 __________________________________________________________________ Praça Almeida Júnior, 72 – Liberdade – São Paulo – SP – CEP 01510-010

Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br 

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 __________________________________________________________________________ MÓDULO IX

DIREITOS HUMANOS

Convenção sobre a Eliminação de todas asFormas de Discriminação Racial (1968)

 Luiz Antônio de Souza

Vitor Frederico Kümpel 

1. INTRODUÇÃO

Em primeiro lugar, verificando o tema em comento, que é o estudo da Convençãosobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, necessária se faz uma

 ponderação sobre o pano de fundo, uma ponderação quanto à viga-mestra que orienta e queé a razão pela qual a Convenção foi erigida.

 Não há dúvida que o pano de fundo desse documento é o direito à igualdade, valor supremo cristalizado como direito fundamental.

Realmente, e já sabemos disso, a Declaração Universal dos Direitos Humanosretomou os ideais da Revolução Francesa, reconhecendo os valores supremos da igualdade,da liberdade e da fraternidade, e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas deDiscriminação Racial é mais um instrumento no caminho para atingirmos a igualdadesubstantiva e real entre as pessoas, não uma igualdade meramente formal entre elas.

É esse, portanto, o patamar de dignidade a ser atingido, ou seja, apenas quandoestabelecermos e realizarmos a igualdade real entre as pessoas é que poderemos falar em

vida com dignidade.

Bem a propósito, o art. 1.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõeque “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”; complementando oart. 2.º que “toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidosnesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,nascimento, ou qualquer outra condição”.

Assim, causa espécie o fato de que a igualdade entre as pessoas tenha de ser objeto

de Declarações e Convenções, quando a igualdade é inerente à pessoa humana. Issodemonstra que há um caminho ainda árduo a ser percorrido até vivermos a igualdade emtoda a sua amplitude.

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 __________________________________________________________________________ MÓDULO IX

2. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE

Flávia Piovesan, falando a respeito da implementação do direito à igualdade (naverdade a igualdade substantiva e real, que é a meta a ser alcançada), revela que no final doséculo XVIII, quando vieram a lume as Declarações de Direitos (a Declaração Americanade 1776 e a Declaração Francesa de 1789), a igualdade era concebida apenas formalmente,sob o prisma de que “todos são iguais perante a lei”, sem qualquer alcance de cunhomaterial e substantivo.

 Naquele período, salienta Piovesan, os direitos humanos surgiram como uma reaçãoaos excessos do regime absolutista, portanto, visavam limitar e controlar o poder do

Estado, e esses limites e controles, impondo ao Estado se pautar na legalidade e respeitar os direitos fundamentais, significavam Liberdade.

Assim, acrescenta, a liberdade era um valor supremo, que até prevalecia sobre osoutros, e era “... nesse cenário que se introduzia a concepção formal de igualdade, comoum dos elementos a demarcar o Estado de Direito Liberal”. Emenda, ainda, que não havia

 previsão de qualquer “... direito de natureza social e nem mesmo se pensava no valor daigualdade sob a perspectiva material e substantiva”.

Ainda a respeito, e citando Norberto Bobbio, diz que essa generalização, essa

abstração, era possível no tocante aos direitos civis, mas não no tocante aos direitos sociaise políticos1.

Interessante destacar os ensinamentos de Norberto Bobbio, quando refere que “osdireitos de liberdade negativa, os primeiros direitos reconhecidos e protegidos, valem parao homem abstrato”. Acentua, todavia, que “essa universalização (ou indistinção, ou não-discriminação) na atribuição e no eventual gozo dos direitos de liberdade não vale para osdireitos sociais e nem mesmo para os direitos políticos, diante dos quais os indivíduos sãoiguais só genericamente, mas não especificamente”2.

Bobbio ainda destaca que, em relação aos direitos de liberdade, os homens são todosiguais, todavia, o mesmo não ocorre com os direitos sociais e políticos, nos quais existemdiferenças de indivíduo para indivíduo, de grupos de indivíduos para grupos de indivíduos.Essa concepção, a da pessoa humana vista na sua singularidade, na sua especificidade,abrindo uma nova perspectiva, uma nova visão a ser adotada, é que tem o condão deconduzir ao estabelecimento da igualdade substancial, real, não meramente formal.

Apenas à guisa de compreensão, destaca que não é possível afirmar que todas as pessoas sejam iguais em relação aos três direitos sociais fundamentais (trabalho, instruçãoe saúde)3.

 Norberto Bobbio também acentua em sua obra que o fenômeno da multiplicaçãodos direitos contribuiu sobremaneira para a compreensão do homem na sua singularidade,1 PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. Max Limonad Editor, 1988. p.127-1292 BOBBIO, Norberto. A Era dos Efeitos. Campus, 1992. p.70-713 Idem, ibidem. p.71

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 __________________________________________________________________________ MÓDULO IX

 bem como dos direitos inerentes a tal concepção. Destaca que a multiplicação dos direitosaumentou a quantidade de bens merecedores de tutela, fez com que muitos direitos

tivessem a titularidade estendida para sujeitos diferentes do indivíduo (a família, asminorias étnicas e religiosas); e essa gama de direitos, contemplando a pessoa humana nasua especificidade, na sua concreticidade, resultou na passagem “do homem genérico – dohomem enquanto homem – para o homem específico, ou tomado na diversidade de seus

 status sociais, com base em diferentes critérios de diferenciação (o sexo, a idade, ascondições físicas), cada um dos quais revela diferenças específicas, que não permitemigual tratamento e igual proteção. A mulher é diferente do homem; a criança, do adulto; oadulto, do velho; o sadio, do doente; o doente temporário, do doente crônico; o doentemental, dos outros doentes; os fisicamente normais, dos deficientes etc.”4

A partir dessa concepção, dessa nova perspectiva, iniciou-se a consolidaçãogradativa de “um aparato normativo especial de proteção endereçado à proteção de pessoasou grupos de pessoas particularmente vulneráveis, que merecem tratamento especial”, aíincluídas as pessoas vítimas de discriminação racial5.

O que se verifica, portanto, é que, além do sistema geral de proteção, deu-se início àorganização de um sistema especial de proteção, “que adota como sujeito de direito oindivíduo historicamente situado, isto é, o sujeito de direito ‘concreto’, na peculiaridade e

 particularidade de suas relações sociais”6.

Como deixamos estabelecido no início deste trabalho, o fato de se adotar umsistema especial de proteção, levando em conta o indivíduo ‘concreto’ nas suas diferençase diversidades, nada mais é que a implementação do direito à igualdade – a igualdade reale não somente a formal –, princípio fundamental que figura como pano de fundo aorientar toda essa construção.

 Nesse tema, porém, cabe deixar estabelecido que para a implementação do direito àigualdade não basta a proibição da discriminação, o combate à discriminação. É precisomais, ou seja, é preciso uma política positiva, um atuar positivo, a adoção de uma“discriminação positiva (a chamada ação afirmativa), mediante a adoção de medidasespeciais de proteção ou incentivo a grupos ou indivíduos, com vistas a promover suaascensão na sociedade, até um nível de equiparação com os demais”7.

A adoção dessas ações afirmativas, acelerando o processo de igualdade medianteuma discriminação positiva, é fundamental para se atingir a inclusão social dos gruposexcluídos, marginalizados, permitindo, de maneira efetiva, a igualdade real, substancial,eliminando ou, ao menos, remediando o passado discriminatório de que foram alvos.

 No que toca ao tema da discriminação racial, é sensível que apenas a adoção de tal política positiva pode reduzir a desigualdade que atinge as minorias étnicas e raciais, umavez que apenas a proibição da não-discriminação é insuficiente para tanto.

4 BOBBIO, Norberto. op. cit. p.695 PIOVESAN, Flávia. op. cit. p.1306 Idem,ibidem. p.1317 Idem,ibidem. p.135

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 __________________________________________________________________________ MÓDULO IX

Somente a adoção de medidas positivas e compensatórias, portanto, é que poderáredundar na igualdade substantiva, real, material, princípio inerente a toda pessoa humana.

3. A CONVENÇÃO CONTRA A DISCRIMINAÇÃO RACIAL

A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial foiadotada pelas Nações Unidas em 21 de dezembro de 1965, ratificada pelo Brasil em 27 demarço de 1968, estando em vigência desde 1969.

J. A. Lindgren Alves destaca que, ao final dos anos 40 e na década de 50, “o grandeincentivo à adoção de dispositivos antidiscriminatórios foi a lembrança do holocausto judeu sob os regimes nazifacistas”; já nos anos 60, aduz, “seu principal motor foi o grandemovimento de emancipação das antigas colônias européias”.

Complementando, ainda, destaca que “o ingresso de dezessete novos paísesafricanos nas Nações Unidas em 1960, a realização da Primeira Conferência de Cúpula dosPaíses Não-Alinhados, em Belgrado, em 1961, assim como o ressurgimento de atividadesnazifascistas na Europa e as preocupações ocidentais com o anti-semitismo compuseram o

  panorama de influências que, com graus variados de eficácia, reorientaram o

estabelecimento de normas internacionais de direitos humanos, atribuindo prioridade àerradicação do racismo”8.

 No seu preâmbulo, a Convenção invoca que “todas as pessoas são iguais perante alei e têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação e contra qualquer incitamento à discriminação”; afirma “a necessidade de eliminar a discriminação racial nomundo, em todas as suas formas e manifestações, e de assegurar a compreensão e orespeito à dignidade da pessoa humana”; também deixa estabelecido que “a doutrina dasuperioridade baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa, moralmentecondenável, socialmente injusta e perigosa, e que não existe justificação para a

discriminação racial, em teoria ou na prática, em lugar algum”. Com esses contornos,reafirma que “a discriminação entre as pessoas por motivo de raça, cor ou origem étnica éum obstáculo às relações amistosas e pacíficas entre as nações e é capaz de perturbar a paze a segurança entre os povos e a harmonia de pessoas vivendo lado a lado, até dentro de ummesmo Estado”.

Após o estabelecimento desses princípios, a primeira preocupação da Convenção foidefinir, conceituar discriminação racial. No art. 1.º, a Convenção deixa estabelecido que“discriminação racial” significa “toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadaem raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado

anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (emigualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública”.

8 LINDGREN ALVES, J. A. Os Direitos Humanos como Tema Global . São Paulo: Perspectiva/FUNAG,1994. p.54-55

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 __________________________________________________________________________ MÓDULO IX

A Convenção, portanto, considera discriminação racial toda distinção baseada naraça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que restrinja ou exclua o gozo ou

exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, em qualquer área da vida pública.

Por outro lado, para tornar efetivo o direito à igualdade (igualdade real, substancial,material), a Convenção, no art. 4.º, previu a discriminação positiva (a chamada açãoafirmativa), ao estabelecer que “não serão consideradas discriminação racial as medidasespeciais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certosgrupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitoshumanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em

conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos”.

Em apertada síntese, J. A. Lindgren Alves acentua que a convenção obriga osEstados-membros a:

“- buscar eliminar a discriminação racial e promover o entendimento entre todas asraças, fazendo com que todas as autoridades públicas atuem dessa maneira;

- abolir quaisquer leis ou regulamentos que efetivamente perpetuem a discriminaçãoracial;

- condenar toda propaganda baseada em teorias de superioridade racial ou orientada para promover ódio ou discriminação racial;

- adotar medidas para erradicar toda incitação à discriminação;

- garantir o direito à igualdade perante a lei para todos, sem distinção de raça, cor ouorigem nacional ou étnica;

- assegurar proteção e recursos legais contra atos de discriminação racial que violem

direitos humanos;- adotar medidas especialmente nas áreas de educação, cultura e informação, com

vistas a combater o preconceito”9.

O mecanismo de controle e supervisão é feito pelo Comitê para a Eliminação daDiscriminação Racial, semelhante ao Comitê de Direitos Humanos instituído pelo Pactodos Direitos Civis e Políticos. Cabe ao Comitê examinar as petições individuais(denunciando violação de direito previsto na Convenção contra a Discriminação Racial), os

relatórios encaminhados pelos Estados-membros e as comunicações interestatais. Saliente-se que, no tocante às petições individuais, o Comitê apenas as analisará caso os Estados

9 LINDGREN ALVES, J. A. Op. cit. Os Direitos Humanos como Tema Global. p.55-565

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 __________________________________________________________________________ MÓDULO IX

apontados como violadores tenham firmado declarações habilitando o Comitê a recebê-lase examiná-las.

A decisão do Comitê, ressalte-se, é similar à decisão do Comitê de DireitosHumanos, ou seja, não tem força jurídica obrigatória, vinculante; todavia, o Comitê emiterecomendações, após análise do caso, cabendo ao Estado informar as medidas adotadas.Além disso, essa decisão é publicada no relatório anual elaborado pelo Comitê, que éencaminhado à Assembléia Geral das Nações Unidas.

4. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E A NÃO-DISCRIMINAÇÃO NACONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição Federal de 1988 deu efetivo destaque ao princípio da igualdade e ànão-discriminação.

Com efeito, no art. 3.º, inc. I, o legislador constituinte fez constar, como um dosobjetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedadelivre, justa e solidária, enfatizando, no inc. III, a necessidade de erradicar a pobreza e amarginalização e redução das desigualdades sociais e regionais. No inc. IV, em seguida,

constou como objetivo “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, dando contornos absolutos aotema, ou seja, deixando destacadas as duas metas a serem atingidas: a promoção daigualdade e o combate à discriminação.

Flávia Piovesan, a esse respeito, expõe que “na ótica contemporânea, aconcretização do direito à igualdade implica na implementação dessas duas estratégias, quenão podem ser dissociadas. Isto é, hoje o combate à discriminação torna-se insuficiente senão se verificam medidas voltadas à promoção da igualdade. Por sua vez, a promoção daigualdade, por si só, mostra-se insuficiente se não se verificam políticas de combate à

discriminação”10

. No art. 5.º, em seguida, encontramos o direito à igualdade relacionado como direito

fundamental. Nesse tema, é necessário lembrar, a uniformidade de tratamento impõe, por vezes, distinções no tratamento jurídico, pois a igualdade consiste em tratar igualmente osiguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.

Logo, é lição colhida de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “...distinção não édiscriminação, na medida em que a diferenciação ‘compensa’ a desigualdade e por issoserve a uma finalidade de igualização, como ensinou San Tiago Dantas, quando a

diferenciação visa ao ‘reajustamento proporcional de situações desiguais’ ...”

11

.

10 PIOVESAN, Flávia. Op. cit.Temas de Direitos Humanos. p.131-13211 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 4.ª ed. São Paulo: Saraiva,2000. p.111

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 __________________________________________________________________________ MÓDULO IX

É interessante relembrar que, em tema de discriminação, o princípio da igualdadesomente será atendido com o tratamento diferenciado, a adoção de medidas especiais de

 proteção às pessoas ou aos grupos sujeitos à discriminação, ou seja, com o tratamentodesigual aos grupos em desigualdade, pois, além de ser possível atingir-se o equilíbrio, aisonomia, tal política compensatória, como já enfatizamos antes, tem o condão de aliviar,resgatar o passado discriminatório de que foram alvo essas pessoas ou grupos.

 No tocante ao combate à discriminação, a Carta Constitucional, no art. 5.º, inc. XLI,estabelece que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdadesfundamentais”, portanto, qualquer discriminação que constitua atentado ou lesão ao

  princípio da igualdade. No inc. XLII, em seguida, dispõe que “a prática do racismoconstitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.

Em atenção ao comando constitucional, foi editada a Lei n. 7.716, de 5.1.1989, noqual foram definidos os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor, diploma esse quemereceu alteração pela Lei n. 9.459, de 13.5.1997, que ampliou o objeto de tutela,estabelecendo a punição dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça,cor, etnia, religião ou procedência nacional.

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 ___________________________________________________________________ 

CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

 MÓDULO VI 

DIREITOS HUMANOS 

 __________________________________________________________________ 

Praça Almeida Júnior, 72 – Liberdade – São Paulo – SP – CEP 01510-010

Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br 

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DIREITOS HUMANOS

Instrumentos Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos

1. SISTEMA GLOBAL

Vamos fazer uma breve análise dos Direitos da Mulher dentro dos DireitosHumanos. É evidente que, quando se fala de Direitos Humanos, estamos abarcando os

direitos dos homens e das mulheres, mas, aqui, faremos uma análise mais específica dasnecessidades das mulheres, pois, sem dúvida nenhuma, há sérios problemas a seremenfrentados para que a mulher tenha seus direitos respeitados.

 Nas palavras de SILVIA PIMENTEL: “Se fundamental o reconhecimento de todos e cadaser humano, enquanto cidadão, sujeito de direitos e deveres, se fundamental a liberdade deexpressão, o direito de votar e de ser eleito, que são, dentre outros, direitos civis e políticos,esses se revelaram insuficientes e nova geração se impôs: a dos direitos econômicos esociais (já estudados nos módulos anteriores). O cidadão, pessoa concreta, precisaalimentar-se, educar-se e contar com determinadas e efetivas condições materiais para uma

vida digna. Mas esses direitos também se revelaram insuficientes, pois a sociedade é maisdo que a soma de indivíduos, ela é composta de indivíduos e grupos que dialogam e seinterpenetram. Há de se reconhecer, portanto, o direito desses grupos. Daí o surgimentodos Direitos Coletivos, o que representou o reconhecimento de direitos fundamentais degrupos tais como os sindicatos de trabalhadores, entidades de deficientes, indígenas, denegros, homossexuais e especificamente os vários grupos de mulheres, com suasdemandas e pressões”.(grifo nosso)

Podemos então perguntar: Serão as mulheres consideradas como um grupo ou comogrande parte da humanidade? Na verdade a humanidade pode ser dividida em duas partes: os

homens e as mulheres. E, tendo essa situação em vista, como analisarmos a situação das mulheresface às discriminações por elas sofridas?

Sem dúvida nenhuma, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948veio solucionar uma série de problemas enfrentados pelas mulheres. Há um princípiofundamental nele determinado: o da igualdade para todos os seres humanos.

O objetivo fundamental deste estudo é o de estabelecer os direitos humanos damulher no contexto internacional.

De acordo com a Profa. FLÁVIA  PIOVESAN, para estabelecer os direitos humanos da

mulher na ordem internacional deve-se, inicialmente, examinar o chamado “processo deespecificação do sujeito de direito”, que estimulou a criação do sistema especial de

 proteção dos direitos humanos. A seguir, serão analisadas as formas de Discriminaçãocontra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência

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contra a Mulher, que constituem alguns dos mais relevantes instrumentos voltados à proteção dos direitos humanos da mulher na ordem internacional.

Ao analisarmos a História, tomamos consciência de que vozes femininasisoladas se fizeram ouvir e de que ações audaciosas foram seguidas de reações rígidase algumas vezes cruéis, como confinamentos, guilhotina e outras formas decerceamento de direitos. Como exemplo, podemos citar o caso de Olimpe de Gougesque, na época da Revolução Francesa, ousou reivindicar igualdade para a mulher.

Após esse prenúncio de exigência de direitos, podemos citar, em 1948, Eleonor Roosevelt e as latino-americanas que conseguiram introduzir a palavra sexo no artigo 2.º daDeclaração dos Direitos Humanos, “que garante a todos os direitos e liberdades sem

distinção de qualquer espécie, tais como raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política oude outra natureza, origem nacional ou social, propriedade, condição de nascimento ou outracondição”. Mas, de acordo com SILVIA PIMENTEL, “a importância desse preceito, praticamente,não conseguiu transcender seu aspecto formal, principalmente quanto às mulheres”.

Em 1975, início do período que foi considerado a Década da Mulher, promovida pela ONU, as instituições e os órgãos responsáveis pelo estudo e aplicação dos assuntosrelativos aos Direitos Humanos foram bastante criticados, pois os interesses e os problemasda mulher estavam sendo esquecidos e, até mesmo, graves violações à dignidade da mulher não eram levadas em consideração.

Como fazer, então, para que os Direitos Humanos, em sentido lato, fossemrespeitados?

Diz a Profa. FLÁVIA PIOVESAN: “A partir da Declaração Universal de 1948, começa ase desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção deinúmeros tratados internacionais voltados à proteção dos direitos humanos, no âmbito das

  Nações Unidas.”

“Esse sistema normativo, por sua vez, é integrado por instrumentos de alcance geral(como os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos,

Sociais e Culturais de 1966) e por instrumentos de alcance específico, como asConvenções Internacionais que buscam responder a determinadas violações de direitoshumanos, como a tortura, a discriminação racial, a discriminação contra a mulher , aviolação dos direitos da criança, dentre outras formas de violação.”

“Firma-se, assim, no âmbito do sistema global, a coexistência dos sistemas geral eespecial de proteção dos direitos humanos, como sistemas de proteção complementares.”

“O sistema especial de proteção realça o processo de especificação do sujeito dedireito, no qual o sujeito passa a ser visto em sua especificidade e concreticidade (ex.:

 protegem-se as mulheres, as crianças, os grupos étnicos minoritários, as vítimas de torturaetc.). Já o sistema geral de proteção (ex.: Pacto da ONU de 1966) tem por endereçado todae qualquer pessoa, concebida em sua abstração e generalidade.”

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“Com o processo de especificação do sujeito de direito, mostra-se insuficiente tratar o indivíduo de forma genérica, geral e abstrata. Torna-se necessária a especificação do

sujeito de direito, que passa a ser visto em suas peculiaridades e particularidades. Nessaótica, determinados sujeitos de direito, ou determinadas violações de direitos, exigem umaresposta específica, diferenciada. Nesse sentido  , as mulheres devem ser vistas nasespecificidades e peculiaridades de sua condição social. Importa o respeito à diferença e àdiversidade, o que lhes assegura um tratamento especial”. (grifos nosso).

2. CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DEDISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER

Em 1979, as Nações Unidas aprovaram a “Convenção sobre a Eliminação de Todasas Formas de Discriminação Contra a Mulher”, ratificada pelo Brasil em 1984 e, hoje, por 109 países.

Fazendo um pequeno apanhado, pode-se “retroceder a um dos primeirosdocumentos históricos de proteção de direitos humanos, oriundo da Revolução Francesa(Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789), que nos reporta, como acimamencionado , à história de Olimpe de Gouges, escritora que morreu guilhotinada em

3.11.1793 por   ousar desejar   igualdade política para mulheres e homens em sua célebre Déclaration des droitis de la Femme e de la citoyanne (1791)”.

Para nós, entretanto, interessa o passado mais próximo, com a edição da ConvençãoInteramericana.

A Convenção foi aprovada pela Assembléia Geral da Organização dos EstadosAmericanos em 9.6.1994 e ratificada pelo Brasil em 27.11.1995.

Essa Convenção tem como fundamentos eliminar a discriminação e assegurar 

igualdade. E essa igualdade é considerada, na Convenção, como “princípio vinculante ecomo um objetivo final”.

Para a Convenção, discriminação contra a mulher significa “toda distinção, exclusão ourestrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular oreconhecimento, gozo, exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com

 base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e das liberdade fundamentaisnos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”(art. 1.º).“Logo, discriminação significa sempre desigualdade”.

A discriminação da mulher viola os princípios de igualdade de direitos e respeito àdignidade humana, constitui um obstáculo para o aumento do bem estar da sociedade e dafamília e entorpece o pleno desenvolvimento das possibilidades da mulher para prestar serviços a seu país e à humanidade.

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A Convenção determina, portanto, a erradicação de toda discriminação contra asmulheres, para garantir-lhes o pleno exercício de seus direitos civis, políticos, sociais,

econômicos e culturais. Estabelece a Declaração Universal em relação direta com aindivisibilidade dos direitos humanos.

Apesar de sua abrangência e de sua importância, essa Convenção apresenta, ainda,omissões graves, como a da violência doméstica, a não objetividade em relação às questõesligadas à sexualidade e reprodução. Esses temas são, apesar de todos os avanços técnicos ehumanitários, considerados tabus para os Estados signatários.

  Na verdade, devemos também ressaltar que essa Convenção representou umimportantíssimo reconhecimento das específicas necessidades das mulheres, embora longe

do ideal reconhecimento universal a esse 

respeito. Nos dizeres de MÔNICA DE MELO e de HELENA O. L. DE FARIA, “no que toca à preocupação

com os direitos da mulher, na órbita das Nações Unidas e da Organização dos EstadosAmericanos, de forma particularizada, destaca-se a Convenção sobre a Eliminação deTodas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (ONU – 1979), a ConvençãoInteramericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (OEA – 1994)e a Declaração de Pequim (1995). Todos esses documentos têm a mulher como

 preocupação central, como foco principal de proteção, pois constatou-se, ao longo dotempo, a insuficiência da fórmula de “igualdade entre todos” presente nos documentosgerais iniciais, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU – 1948) erepetida na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (OEA – 1948).

 Nesta linha de pensamento, declara SILVIA  PIMENTEL: “Embora o Comitê de DireitosHumanos das Nações Unidas para a implementação dos Direitos Civis e Políticos tenhadeclarado que os governos não podem oferecer tratamento diferente às mulheres do que ooferecido aos homens, no que diz respeito aos seus direitos relativos à nacionalidade edireitos inerentes ao contexto familiar, tais como consentimento ao casamento,responsabilidades pelos filhos, divórcio, escolha de residência e nome; emboraorganizações regionais de direitos humanos tais como a Comissão Européia de DireitosHumanos e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos também tenham consideradoa discriminação em razão de sexo como uma violação aos direitos humanos, os direitos damulher receberam pouca atenção nas comunidades envolvidas com direitos humanos, emníveis local e internacional.

A implementação dos direitos humanos não tem automaticamente os mesmosresultados para o homem e para a mulher. A mudança de um governo repressivo para umgoverno aberto politicamente, por exemplo, não garante que a mulher possa exercer seusdireitos civis e políticos. Elas podem ser obstaculizadas pelos costumes, pelo autoritarismodentro da família, que as impede mesmo de votar ou participar de encontros e reuniões.Elas podem ser proibidas, pela lei ou pelo costume, de buscar apoio nos tribunais. Todos os

grupos ou organizações necessitam, especificamente, de interessar-se e argüir se asmulheres estão impedidas, pela lei, cultura ou circunstâncias, de exercer seus direitos emigualdade de condições com os homens”.

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Ratificando a Convenção, os Estados-Membros assumem ocompromisso de, progressivamente, eliminar todas as formas de

discriminação, no que tange ao sexo, assegurando a efetiva igualdade entreeles. Senão vejamos: “Os Estados devem eliminar todas as violações dosdireitos humanos e suas causas, assim como os obstáculos que seoponham à realização desses direitos”.

Enfocando esse aspecto, a Prof. FLÁVIA  PIOVESAN declara tratar-se deobrigação internacional assumida pelo Estado. Obrigação que também prevê,por exemplo, a necessidade de adoção de políticas igualitárias, bem como delegislação igualitária e educação não estereotipada, etc. No dizer de ANDREW BYRNES: “A Convenção, em si mesma, contém diferentes perspectivas sobre as

causas de opressão contra as mulheres e as medidas necessárias paraenfrentá-las. Ela impõe a obrigação de assegurar que as mulheres tenhamuma igualdade formal perante a lei e reconhece que medidas temporárias deação afirmativa são necessárias em muitos casos, se as garantias deigualdade formal devem se transformar em realidade. Inúmeras previsões daConvenção também incorporam uma preocupação de que os direitosreprodutivos das mulheres devem estar sob o controle delas próprias, e queo Estado deve assegurar que as escolhas das mulheres não sejam feitas sobcoerção e não sejam a elas prejudiciais, no que se refere ao acesso àsoportunidades sociais e econômicas. A convenção também reconhece que

há experiências, às quais as mulheres são submetidas, que necessitam ser eliminadas (como estupro, assédio sexual, exploração sexual e outras formasde violência contra as mulheres). Em suma, a Convenção reflete a visão deque as mulheres são titulares de todos os direitos e oportunidades que oshomens podem exercer; adicionalmente, as habilidades e necessidades quedecorrem de diferenças biológicas entre os gêneros devem também ser reconhecidas e ajustadas, mas sem eliminar da titularidade das mulheres aigualdade de direitos e oportunidades”.

A Convenção tem por escopo, portanto, extirpar toda discriminação e todas as

causas da discriminação contra a mulher e promover situações em que exista absolutaigualdade entre ambos os sexos.

Eis aqui alguns importantes pontos consagrados:

1. O reconhecimento expresso da insuficiência/inoperância/ inadequação dasatividades das Nações Unidas no tratamento do tema dos direitos humanos. No entender das mulheres, “em todas as regiões descobriu-se que as Nações Unidas e os Governos, deum modo geral, fracassaram em promover e proteger os direitos humanos das mulheres,fossem eles civis, políticos ou econômicos, sociais e culturais”. A Declaração de Viena,

 por sua vez, admite a necessidade de se racionalizar e melhorar as atividades das NaçõesUnidas, reforçando seus mecanismos e propiciando os objetivos de respeito universal eobservância das normas internacionais de direitos humanos.

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2. A designação de um Relator Especial sobre a Violência Contra a Mulher por meio da Comissão de Direitos da ONU, embora não tenham sido designados relatores para

atuar em relação a outros aspectos das violações do gênero.3. A solicitação a todos os Estados que ainda não ratificaram a Convenção sobre a

Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher para que o façam até o ano2000, embora as mulheres o tenham solicitado para 1995, ano da Conferência Mundial sobre aMulher, em Beijing.

4. A solicitação aos Estados para que retirem todas as reservas que sejamcontrárias aos objetivos e finalidades da referida Convenção da Mulher ou que sejamincompatíveis com o direito internacional convencional.

5. O apoio à adoção de um protocolo opcional (facultativo) da Convenção daMulher, a fim de introduzir um direito a recurso, estabelecendo procedimentos para aapresentação de queixas individuais por parte das mulheres.

6. O treinamento e a capacitação para o pessoal das Nações Unidas,especializado em direitos humanos e ajuda humanitária, com o objetivo de ajudá-lo areconhecer e fazer frente aos abusos de direitos humanos de que são vítimas as mulheres.Vale ressaltar que essa formação e capacitação a partir de uma perspectiva de gênero, noentender das mulheres, deveria se estender a todo o pessoal das Nações Unidas e nãosomente àquele ligado à área dos direitos humanos.

7. A solicitação para que a Assembléia Geral aprove o Projeto de Declaraçãosobre a Violência Contra a Mulher, instando a todos os Estados que examinem e combatama violência contra a mulher.

8. O direito fundamental das mulheres a serviços de saúde acessíveis, especialmentenuma perspectiva de planejamento familiar. Vale salientar que a proposta das mulheres, semdúvida, abrange direitos mais amplos, incluindo os ligados à reprodução humana, como aborto eesterilização voluntária.

9. A necessidade de assegurar a universalidade dos direitos humanos, instandoaos governos que tomem medidas apropriadas para combater todas as formas deintolerância, especialmente aquelas de ordem religiosa e cultural, incluindo as práticas dediscriminação contra as mulheres.

10. A Conferência ressalta “a importância do esforço destinado a eliminar aviolência contra a mulher na vida pública e privada, a eliminar todas as formas de assédiosexual, a exploração e o tráfico de mulheres, a eliminar os preconceitos sexistas naadministração da justiça e a erradicar quaisquer conflitos que possam surgir entre osdireitos da mulher e as conseqüências prejudiciais de certas práticas tradicionais ou

costumes, de preconceitos culturais ou do extremismo religioso”.11. A adoção de um planejamento global que compreenda a formulação de

estratégias para abordar as causas profundas e os efeitos dos movimentos dos refugiados,

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com a melhoria dos mecanismos de correção, concessão de proteção e assistência eficazes,tendo presentes as necessidades específicas das mulheres refugiadas”.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos possui, além das funçõesadministrativas ligadas à averiguação e interposição de demandas perante a CorteInteramericana e funções jurisdicionais consubstanciadas na conciliação, também funções

 políticas presentes no artigo 41 da Convenção, que estabelece que a principal função daComissão é o estímulo da conscientização das realidades envolvendo o respeito aosdireitos humanos entre os povos da América, formulando recomendações aos governos dosEstados-Membros da OEA no sentido de adotarem medidas progressivas em prol dosdireitos humanos. Destarte, a Comissão Interamericana faz relatórios e visitas ad hoc paraavaliar a real importância e as possíveis violações aos direitos humanos.

A Convenção estabelece, portanto, como mecanismo de implementação dos direitoshumanos, a sistemática dos relatórios. Assim sendo, os Estados-Membros devemencaminhar relatórios ao Comitê das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as Formasde Discriminação Contra a Mulher. “Esses relatórios devem evidenciar o modo pelo qualestão implementando a Convenção – quais as medidas legislativas, administrativas e

 judiciárias adotadas para esse fim. O Estado tem, então, que prestar contas a organismosinternacionais da forma pela qual protegem os direitos das mulheres, o que permite omonitoramento e fiscalização internacional. Muitos Estados se preocupam com o fato de oComitê realizar comentários positivos ou negativos acerca de sua política de direitos

humanos. Uma avaliação positiva em um fórum internacional, a respeito do desempenho edos esforços de um Estado, pode dar ensejo a progressos futuros. Uma avaliação crítica  pode causar embaraços ao governo, no plano doméstico e internacional, idealmentesignificando um incentivo para que se empenhe mais no futuro”.

Declara a Profa. FLÁVIA  PIOVESAN que aquela Convenção “é o instrumentointernacional que mais fortemente recebeu reservas dentre as ConvençõesInternacionais de Direitos Humanos, considerando que ao menos 23 dos 100Estados-Membros fizeram, no total, 88 reservas substanciais. A Convençãosobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher 

pode enfrentar o paradoxo de ter maximizado sua aplicação universal ao custode ter comprometido sua integridade. Por vezes, a questão legal acerca dasreservas feitas à Convenção atinge a essência dos valores da universalidade eintegridade. A título de exemplo, quando da ratificação da Convenção, em1984, o Estado brasileiro apresentou reservas ao art. 15, § 4.º, e ao art. 16, § 1.º,“a”, “c”, “g” e “h”. O artigo 15 assegura a homens e mulheres o direito de,livremente, escolher seu domicílio e residência. Já o artigo 16 estabelece aigualdade de direitos entre homens e mulheres no âmbito do casamento e dasrelações familiares. Em 20.12.1994, o Governo brasileiro notificou o SecretárioGeral das Nações Unidas acerca da eliminação das aludidas reservas.

Cabe acrescentar que a Conferência de Direitos Humanos de Viena, em 1993,reafirmou a importância do reconhecimento universal do direito à igualdade relativa aogênero, clamando pela ratificação universal da Convenção sobre a Eliminação de Todas asFormas de Discriminação Contra a Mulher. Nos termos do artigo 39 da Declaração de

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Viena, ficou estabelecido que: “A Conferência Mundial de Direitos Humanos clama pelaerradicação de todas as formas de discriminação contra a mulher, tanto explícitas como

implícitas. As Nações Unidas devem encorajar a ratificação universal por todos os Estadosda Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher até o ano 2000. Ações e medidas para reduzir o particularmente amplo número de reservasà Convenção devem ser encorajadas. Dentre outras medidas, o Comitê de Eliminação deTodas as Formas de Discriminação Contra a Mulher deve continuar a revisão das reservasà Convenção. Estados são convidados a eliminar as reservas que sejam contrárias ao objetoe ao propósito da Convenção ou que sejam incompatíveis com os tratados internacionais”.

Quanto aos mecanismos de monitoramento da Convenção sobre a Eliminação deTodas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, a Declaração e o Programa de Ação de

Viena determinou: “40. Os órgãos de monitoramento dos tratados devem disseminar informações necessárias que permitam às mulheres fazerem um uso mais efetivo dos procedimentos de implementação existentes, com o objetivo do pleno e equânime exercíciodos direitos humanos e da não-discriminação. Novos procedimentos devem também ser adotados para fortalecer a implementação da igualdade das mulheres, bem como de seusdireitos humanos. A Comissão relativa ao Status da Mulher e o Comitê de Eliminação deTodas as Formas de Discriminação Contra a Mulher devem rapidamente examinar a

 possibilidade de introduzir o direito de petição mediante a preparação de um ProtocoloOptativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra aMulher”.

Declara THEODOR  MERON sobre o uso das petições individuais: “Um procedimento para a consideração de petições individuais deve ser estabelecido através de um ProtocoloFacultativo, ao qual os Estados-Membros da Convenção poderiam aderir. Essa inovaçãonão seria tecnicamente difícil e não haveria a necessidade de se criar órgãos adicionais parasua implementação; o Comitê sobre a Eliminação de Todas as Formas de DiscriminaçãoContra a Mulher, já existente, apenas seria autorizado a acumular funções adicionais emconformidade com o Protocolo”.

Há uma outra proposta, a de admissão de uma conversação interestatal, por meio daqual um Estado-Membro denunciaria outro Estado-Membro, quando fosse violado algumdispositivo da Convenção. Diz THEODOR   MERON: “Embora, na prática, essa previsão nãotenha sido invocada, ela apresenta grande importância simbólica”.

Nos Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos, entre eles ode combate à Discriminação contra a Mulher, dois são os atos que contêm asdecisões das Cortes: as sentenças e os pareceres. As sentenças são decisõesde litígios envolvendo violações às Convenções, enquanto os pareceres sãoopiniões emitidas pelo Plenário das Cortes, quando consultadas pelosEstados Signatários da Convenção (no sistema europeu) ou da OEA (nosistema interamericano).

A Carta das Mulheres Brasileiras à Conferência Mundial Sobre DireitosHumanos (Viena , 1993) tinha por objetivo apresentar às Nações Unidas asrecomendações das mulheres brasileiras quanto à superação da situação de

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desrespeito aos direitos humanos e, em particular, a discriminação à mulher brasileira, a serem analisadas durante a Conferência Mundial sobre os

Direitos Humanos, em Viena, em 1993. Aqui, mencionaremos alguns AtosAtentatórios aos Direitos Humanos, a seguir algumas Recomendações àsNações Unidas e, para finalizar, algumas Recomendações ao GovernoBrasileiro. Não iremos aqui reproduzi-las todas, apenas algumas, em caráter ilustrativo:

3. ATOS ATENTATÓRIOS AOS DIREITOS HUMANOS

1. O abuso do poder em suas diversas manifestações: física, psíquica e sexual(...).

2. A impunidade dos agressores e as absolvições fundamentadas em conceitoslegitimadores da opressão da mulher pelo homem.

3. A educação formal e informal que reproduz modelos e estereótipos quedesvalorizam a mulher e reforçam as relações de dominação.

4. O atendimento negligente, discriminatório e, por vezes, agressivo, prestado pelos serviços públicos à mulher, principalmente nas áreas de Saúde, Segurança Pública e

Justiça.

5. As práticas discriminatórias que dificultam à mulher ocupar espaços detomadas de decisões em todos os níveis da sociedade.

4. RECOMENDAÇÕES ÀS NAÇÕES UNIDAS

1. Atuação efetiva dos Comitês Internacionais das Nações Unidas na verificaçãoda aplicação dos Acordos, Tratados, Declarações e Convenções relativas aos direitos dasmulheres, pelos países signatários.

2. Avaliação periódica das condições de vida das mulheres no mundo.

3. Exigência de relatórios periódicos, sobre a implementação das ações previstas em Acordos e Convenções sobre os direitos da mulher, dos países signatários.

4. Reconhecimento de que todos os atos atentatórios aos direitos das mulheres

constituem claro desrespeito aos direitos humanos.5. Vinculação de todos os programas e projetos que envolvam cooperação

internacional, com destinação de recursos de Fundos das Nações Unidas, à perspectiva da promoção da igualdade entre homens e mulheres e do respeito aos direitos humanos.

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5. RECOMENDAÇÕES AO GOVERNO BRASILEIRO

Os movimentos de mulheres recomendam que (apenas algumas recomendações emcaráter ilustrativo):

1. sejam eliminadas as reservas à Convenção pela Eliminação de Todas asFormas de Discriminação Contra a Mulher, pois constituem obstáculos à sua efetivaimplementação;

2. seja cumprido o compromisso de envio ao CEDAW de relatórios periódicossobre a atuação do Governo Brasileiro na aplicação da Convenção pela Eliminação de Todasas Formas de Discriminação Contra a Mulher;

3. os relatórios sobre a aplicação de Convenções e Tratados assinados peloBrasil sejam amplamente divulgados;

4. o Governo Federal priorize políticas e ações que contemplem, com especialatenção, o cumprimento efetivo e integral dos dispositivos constitucionais que visam aeliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher;

5. sejam implementadas campanhas educativas em nível federal e estimuladasaquelas em nível regional ou estadual sobre os direitos humanos e as questões específicasdas mulheres.

E podemos acrescentar as palavras da Prof. FLÁVIA  PIOVESAN: “A gramáticainternacional dos direitos humanos das mulheres foi reforçada não só pela Declaração ePrograma de Ação de Viena de 1993, como também pela Declaração e Plataforma de Açãode Pequim de 1995, ao enfatizarem que os direitos das mulheres são parte inalienável,integral e indivisível dos direitos humanos universais. Nesse sentido, não há direitoshumanos sem a plena observância dos direitos das mulheres”.

Pelo exposto chegamos à conclusão que o assunto é “complexo e envolve medidas  judiciais, administrativas, legislativas, econômicas, sociais e culturais, sem as quais ficaimpossível dar um tratamento global a esse sério problema”.

Sobre esse ponto de vista, declara  NORBERTO BOBBIO que “o problema grave de nossotempo, com relação aos direitos humanos, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de

 protegê-los”.

Módulo elaborado pelos professores Vitor Kümpel e Luis Antonio de Souza.

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BIBLIOGRAFIA:

PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. Max Lemonad, 1998.

 ______. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional .

Max Lemonad, 1996.

PIMENTEL, Silva.   A Proteção dos Direitos Humanos no Direito Nacional e Internacional: Perspectivas Brasileiras. 1991.

 –––––––  A Incorporação das Normas Internacionais de Proteção aos Direitos Humanos

no Direito Brasileiro. 1996.

FARIA, Helena Omena Lopes; MELO, Mônica. Convenção sobre a Eliminação de Todasas Formas de Discriminação Contra a Mulher: A Convenção para Previnir, Punir eErradicar a Violência Contra a Mulher .

FIORATI, Jete Jane. A Evolução Jurisprudencial dos Sistemas Regionais Internacionais

de Proteção aos Direitos Humanos.

BOBBIO, Norberto.  A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro:Campus, 1992.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

 MÓDULO VII 

DIREITOS HUMANOS 

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Praça Almeida Júnior, 72 – Liberdade – São Paulo – SP – CEP 01510-010Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br 

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO XIII

DIREITOS HUMANOS

Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis,Desumanos ou Degradantes (1984)

 Luiz Antônio de Souza

Vitor Frederico Kümpell.

1. HISTÓRICO

A tortura, sabemos, foi utilizada em todas as épocas, sendo impossível determinar quando realmente surgiu. Afirma-se que “a tortura, forma extremada de violência, pareceter se entranhado no homem ao primeiro sinal de inteligência deste. Só o ser humano écapaz de prolongar sofrimento de animal da mesma espécie ou de outra. Os seres inferioresferem ou matam a caça. Devoram-na depois. O homem é diferente. O impulso dadestruição o conduz à aflição de dores por prazer, por vingança ou para atender a objetivos

situados mais adiante”1.

Se percorrermos a história da humanidade, veremos que a tortura sempre esteve presente.

CARLOS ALBERTO MARCHI DE QUEIROZ, fazendo uma incursão histórica,revela que em Roma, durante o Império e a República, a confissão dos escravos eestrangeiros, que não detinham idoneidade, somente adquiria valor se obtida mediantetortura, forma pela qual se conferia credibilidade ao relato. Tal não acontecia com ocidadão romano, que detinha idoneidade e credibilidade, bastando o seu juramento. Os

romanos, todavia, posteriormente também começaram a ser submetidos à tortura por cometimento de crimes políticos ou contra o Estado romano2.

  Na Idade Média, a tortura foi utilizada às escâncaras, sem qualquer respeito àdignidade humana. No período que se estendeu de 1200 a 1800, o sistema inquisitorial foiadotado na Europa, especialmente nos Tribunais Eclesiásticos da Inquisição, sendo aheresia perseguida com tortura. JOSÉ GERALDO DA SILVA comenta que nessa época “aconfissão do réu foi considerada como a rainha das provas, a   probatio probatissima. E,

 para alcançar essa prova, recorria-se à tortura. Destarte, o réu era transformado em juiz dasua própria causa, resistindo aos tormentos, para salvar-se, ou a eles cedendo, para perder-

se”3

.

1 FERNANDES, Paulo Sérgio Leite; FERNANDES, Ana Maria Badette Bajer. Aspectos jurídico-penais da tortura. 2.ª ed. CiênciaJurídica. p.102.2 QUEIROZ, Carlos Alberto Marchi de. Resumo de Direitos Humanos e da cidadania. São Paulo: Iglu, 2001. p.91-92.3 SILVA, José Geraldo da. A Lei de Tortura interpretada. Leme: Editora de Direito, 1997. p.14.

1

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Mais recentemente, no século XX, muitos são os exemplos de utilização da tortura. Na Revolução Socialista de 1917, a antiga União Soviética empregou amplamente a tortura

 para implantar o novo regime e reprimir os descontentes, tendo essa prática perduradoquase até o final do século. Na Alemanha, na época do nazismo de Hitler, milhares de pessoas, principalmente judeus, foram torturadas. Mas, além desses exemplos normalmentecitados, vale lembrar que muitos países sofreram dominação de potências mundiais (paísesda África, por exemplo), dominação essa mantida, entre outros instrumentos, pelasubmissão dos povos, inclusive por meio de tortura.

Ainda hoje, sabemos, a tortura grassa no mundo. Há guerras pelo poder, em vários  países, que redundam em atos de tortura e barbárie diária. Na América Latina,especialmente até pouco tempo atrás, em que existiam diversos regimes militares

instalados, a tortura foi utilizada para sua manutenção. Ainda existem guerras religiosas eideológicas no mundo, além de discriminação em vários países, atingindo grupos de pessoas, especialmente a mulher, que também redundam em prática diária de atos detortura.

Enfim, a tortura, não há como negar, é prática odiosa presente em todos os períodosda história da humanidade, ainda hoje se mantendo, e há um longo caminho para o homem

 percorrer até eliminar tal prática de seu cotidiano. O homem, incrivelmente, sente prazer em exercer dominação sobre outra pessoa, e ainda maior se puder impor-lhe sofrimento.

2. A CONVENÇÃO

A Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos e Punições Cruéis, Desumanose Degradantes foi adotada pela ONU em 1984, entrando em vigor internacionalmente em1987, tendo sido ratificada pelo Brasil em 1989.

CARLOS WEIS, escrevendo a respeito, expõe que a Convenção Contra a Tortura e

Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes é a única que versa sobreum tema específico, diferentemente das outras, que tratam de grupos sociais vulneráveis,salientando que isso ocorre pelo fato de se tratar de um tema repugnante, objeto de uma

 prática odiosa que deve ser banida do comportamento humano. Nessa linha de idéias,ilustra: “Como princípio ético, a tortura repugna à consciência humanista, uma vez quereduz a pessoa à condição de objeto, retirando-lhe toda forma de liberdade, essência danoção de dignidade fundamental do ser humano...”4.

A Convenção, no seu art. 1.º, define “tortura” como “qualquer ato pelo qual doresou sofrimentos agudos físicos ou mentais são infligidos intencionalmente a uma pessoa a

fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido, ou seja, suspeita de ter cometido; deintimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado emdiscriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por 

4 WEISS, Carlos. Direitos Humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999. p.85.2

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um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por suainstigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência”.

FLÁVIA PIOVESAN diz que a definição de tortura envolve três elementosessenciais: “a) a inflição deliberada de dor ou sofrimentos físicos ou mentais; b) afinalidade do ato (obtenção de informações ou confissões, aplicação de castigo,intimidação ou coação, e qualquer outro motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; c) a vinculação do agente ou responsável, direta ou indiretamente, com oEstado”5.

A definição de tortura, portanto, é ampla, abarcando inúmeras situações. Veja quenela está incluída a tortura como forma de investigação policial, a tortura chamada

institucional, praticada por motivos político-ideológicos. Mas a Convenção vai além,ampliando o seu alcance na medida em que compreende como tortura toda forma decastigo, intimidação ou coação, bem como discriminação de qualquer natureza.

PAULO SÉRGIO LEITE FERNANDES e ANA MARIA BABETTEFERNANDES sustentam que tortura e violência sempre estão associadas, não se podendofalar na primeira sem a segunda: “Quando se pensa em tortura, vem imediatamente à luz acaracterística da força física. Há tortura sempre que, com a finalidade de reduzir ou anular a liberdade de vontade do indivíduo para a obtenção de informações retidas, a autoridadeou seus agentes utilizam força física que provoque dor ou aviltamento da dignidade dointerrogado, ou ainda, procedimentos outros adequados à superação da efetiva ou esperadaresistência do indivíduo, nisto compreendida a intimação por ameaças de mal grave ao

 próprio indivíduo ou a terceiros que com este mantêm relações familiares ou de afeto”.Prosseguem considerando que “há tortura, igualmente, sempre que, por meio de simples

 persuasão sugestiva de efeito racional, se obtiver, com técnicas psicológicas, a cooperaçãodo sujeito passivo, evidenciando as circunstâncias a prática disfarçada de condutademonstradora de anterior ou concomitante cerceamento abusivo da liberdade delocomoção, seja em razão do descumprimento de formalidades exigidas por lei, seja peloregime prisional imposto em desconformidade com os regulamentos do estabelecimentocarcerário”6.

Apenas para se ter idéia do alcance da definição de tortura encontrada naConvenção, FLÁVIA PIOVESAN, em sua obra, destaca uma decisão inédita proferida em1995 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A Comissão, num caso dedenúncia de violação dos direitos das mulheres no Haiti, reconheceu que o estupro e oabuso sexual praticados contra essas mulheres, a par de ser um tratamento desumano,violador da integridade física e moral, configuravam uma forma de tortura.

 Nesse caso específico, a Comissão reconheceu que as violações sexuais havidaseram uma forma de tortura, primeiramente pelo fato de configurarem atos degradantes,causadores de terrível trauma físico e mental, enfim, intenso sofrimento às vítimas. Em

segundo lugar, pelo fato de que essas violações representavam uma brutal discriminaçãocontra elas. Afora esse caráter, reconheceram a tortura porque tais violações “foram oresultado da repressão em face de propósitos políticos”, uma vez que “a intenção daqueles5 PIVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional . 4.ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2000. p.194.6 FERNANDES, Paulo Sérgio Leite; FERNANDES, Ana Maria Badette Bajer. Op. cit. p.165-167.

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que estavam no poder foi a de destruir qualquer movimento democrático, mediante o terror criado pela série de crimes sexuais”. Essas violações configuravam punição às mulheres

em razão de sua militância ou por sua associação com militantes, tendo sido praticadas para intimidá-las, para destruir a capacidade de resistirem ao regime7.

Quanto ao estupro, vale lembrar que a Resolução n. 827, aprovada pelo Conselho deSegurança da ONU, nos termos do Capítulo VII da Carta da ONU, reconhece esse crimecomo uma violação aos Direitos Humanitários, daí porque a tendência é entendê-lo, emalgumas situações, como forma de tortura.

Voltando à definição de tortura, verificamos que a liberdade e a integridade físicasão valores fundamentais que se encontram abrigados em seu núcleo, exatamente por se

tratar de traços fundamentais e indissociáveis da dignidade da pessoa.Exatamente pelo fato de a integridade física ser objeto de violação diária, há alguma

crítica quanto à parte final do art. 1.º da Convenção, em que está disposto que “não seconsiderará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente desanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram”.

CARLOS WEIS diz que essa disposição “abre caminho para que castigos físicosculturalmente aceitáveis sejam excluídos da proteção internacional, prenunciando atormentosa questão do universalismo dos direitos humanos versus peculiaridades culturaisa eles contrárias”8.

J. A. LINDGREN ALVES, no mesmo sentido, refere que essa limitação doconceito de tortura assim como a falta de definição para os “outros tratamentos ou

 punições cruéis, desumanos ou degradantes” são “adaptações realistas desse documentointernacional à diversidade de culturas, hábitos e tradições religiosas”, que, no entanto,desagradaram a alguns, especialmente aos maximalistas, “que nelas entreviam a

 possibilidade de adoção por alguns Governos de sanções brutais”9.

A Convenção, em suas disposições, assegura, entre outros, os seguintes direitos aque os Estados partes se obrigam:

• a proibição total da tortura e a proteção contra atos de tortura e outras formasde tratamento cruel, desumano ou degradante, conclamando os Estados aadotarem as medidas necessárias para impedir essas práticas; consagra, ainda, aregra da impossibilidade de derrogação da proibição da tortura, ao estabelecer que em nenhum caso poderão ser invocadas circunstâncias excepcionais, taiscomo ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência pública como justificação para tortura, além de que aobediência hierárquica (ordem de um funcionário público ou de uma autoridade

 pública) não poderá ser adotada como justificativa para tanto;

7 PIOVESAM, Flávia. Op. cit. p. 193 (rodapé).8 WEISS, Carlos. Op. cit.  p. 85.9 ALVEZ, J. A. Lindgren. Os Direitos Humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva e FUNAG, 1994. p. 59.

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•  proibição de expulsão, devolução ou extradição de pessoas para Estadosquando houver risco efetivo de virem a ser torturadas;

• criminalização, na legislação penal de cada Estado parte, das condutas queconfigurem tortura (nas formas consumada e tentada e em co-autoria);

• cooperação com outros Estados para a prisão, detenção e extradição detorturadores;

• investigar prontamente alegações de tortura, examinando toda denúncia demaneira imparcial;

• direito de que a declaração obtida mediante tortura não seja invocada como

 prova em qualquer processo;

• direito às vítimas de tortura de reparação e indenização justa e adequada,inclusive a completa reabilitação.

Finalizando, para garantir que as pessoas não sejam submetidas a atos cruéis,desumanos ou degradantes, o art. 16 da Convenção deixa estabelecido que os Estados

 partes deverão coibir atos dessa natureza, ainda que não considerados atos de tortura, nostermos do art. 1.º, enfatizando que os dispositivos deverão merecer interpretação ampla, demolde a não restringir os dispositivos de qualquer outro instrumento internacional ou lei

nacional que proíba os tratamentos ou as penas cruéis, desumanos ou degradantes.J. A. LINDGREN ALVES  destaca que as organizações não-governamentais

exerceram papel importante e contribuíram enormemente para a elaboração dos princípiose normas de direitos das Nações Unidas. Salienta, todavia, que poucos documentos

  jurídicos receberam tanta influência das ONGs como a Convenção contra a Tortura. Ainfluência aponta que “se manifestou tanto através da campanha de conscientizaçãointernacional para o fenômeno, a partir dos anos 70, que se refletiu na adoção pelaAssembléia Geral, em 1975, da Declaração sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra aSujeição à Tortura e outros Tratamentos e Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes,

quanto através da apresentação de propostas concretas ao Grupo de Trabalho da CDH,encarregado da redação do documento”10.

Por último, o sistema de controle. Da mesma maneira que ocorre com a Convençãosobre a Eliminação da Discriminação Racial, há três mecanismos de controle, demonitoramento, que são as petições individuais, os relatórios e as comunicações interestatais,e o órgão de controle é o Comitê contra a Tortura.

Quanto às comunicações individuais e interestatais, noticiandoviolação a direito reconhecido pela Convenção contra a Tortura, taiscomunicações somente podem ser encaminhadas ao Comitê se o Estadoparte fizer uma declaração habilitando o Comitê contra a Tortura a recebê-las.

10 ALVEZ, J. A. Lindgren. Op. cit. p. 58.5

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO XIII

O Comitê contra a Tortura, recebendo tais comunicações, coleta informações eformula sua decisão, e, se concluir pela ocorrência da violação, solicita ao Estado parte que

informe as medidas adotadas para dar cumprimento e efetividade à decisão. Embora “asdecisões dos Comitês (Comitê contra a Tortura, Comitê de Direitos Humanos e Comitêsobre a Eliminação da Discriminação Racial) não sejam legalmente vinculantes eobrigatórias, tais decisões têm efetivamente auxiliado o exercício dos direitos humanosreconhecidos no plano internacional”11.

O Comitê contra a Tortura apresenta uma peculiaridade em relação aos demaisComitês estabelecidos pelas demais Convenções. No caso de denúncia fidedigna de práticasistemática de tortura em um Estado parte, detém o Comitê competência, caso hajaconcordância do Estado parte envolvido, de realizar uma visita, portanto, investigação no

  próprio território desse Estado parte (tal previsão encontra-se no art. 20, item 3, daConvenção).

3. TRATAMENTO DA TORTURA NO DIREITO BRASILEIRO

3.1. Tratamento Constitucional

A Constituição Brasileira, no art. 1.º, inc. III, estabelece que a República Federativado Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. Esse princípio, que orientatodo o sistema, deixa bem clara a opção do legislador constituinte de absoluto respeito paracom a pessoa e seus predicados, entre esses, a liberdade e a integridade física, valoresfundamentais que se encontram abrigados em seu núcleo, exatamente por se tratar detraços fundamentais e indissociáveis da dignidade da pessoa, e que são violados por ocasião da prática de tortura.

 Não bastante isso, a Carta Constitucional prevê, no art. 5.º, inc. III, que “ninguémserá submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, também prevendo,

no inc. XLIII, que “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ouanistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo eos definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores eos que, podendo evitá-los, se omitirem”.

Em atenção ao comando constitucional, houve a edição da Lei n. 9.455, de7.4.1997, que define os crimes de tortura, e tal providência atendeu o art. 4.º da Convençãocontra a Tortura, no qual está estabelecido que “cada Estado-parte assegurará que todos osatos de tortura sejam considerados crimes segundo a sua legislação penal. O mesmoaplicar-se-á à tentativa de tortura e a todo ato de qualquer pessoa que constitua

cumplicidade ou participação na tortura”.

11 PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p. 195.6

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO XIII

3.2. Lei n. 9.455/97

A Lei n. 9.455/97, que define os crimes de tortura e dá outras providências, constituio principal instrumento de combate à tortura.

O art. 1.º dessa lei define o crime de tortura da seguinte forma:

Art. 1.º Constitui crime de tortura:

I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhesofrimento físico ou mental;

a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou

de terceira pessoa;

 b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;

c) em razão de discriminação racial ou religiosa.

II – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego deviolência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.

 Pena: reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

§ 1.º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida desegurança, a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto emlei ou não resultante de medida legal.

§ 2.º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Como podemos observar na figura delitiva prevista no art. 1.º, inc. I, trata-se decrime comum, podendo ser realizado por qualquer pessoa. Já a figura delitiva do art. 1.º,inc. II, trata de crime próprio, podendo ser cometido por quem possui autoridade, guardaou vigilância sobre a vítima, todavia essa vinculação pode ser de caráter público ou

  privado, ou mesmo derivar de qualquer poder de fato do agente sobre a vítima.ALEJANDRO DEL TORO MARZAL apóia essa construção típica por entender que “atortura deve ser castigada em si mesma e por si mesma, em razão de seus detestáveismétodos e por seus fins contrários à liberdade e à dignidade”12.

Há aqueles, todavia, que pensam diferentemente, entendendo que os crimes detortura devam ser cunhados como crimes próprios, devendo ter como sujeito ativo ofuncionário público ou outra pessoa no exercício de função pública. Nesse sentido,encontramos as opiniões de ALBERTO SILVA FRANCO, CRISTINA DE FREITAS12 MARZAL, Alejandro del Toro. Apud CIRENZA, Cristina de Freitas; NUNES, Clayton Alfredo. Convenção Contra a Tortura eOutros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes e Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura.  In:  Direitos Humanos – Construção da liberdade e da igualdade. Centro de Estudos da Procuradoria-Geral do Estado, 1998. p. 418.

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO XIII

CIRENZA e CLAYTON ALFREDO NUNES, bem como de VIVES ANTÓN: “O que dásubstantivação ao delito é o abuso de poder vinculado ao atentado contra as garantias,

 penal e processual. Os fatos realizados por particulares não podem reunir esses dadoscaracterísticos e, em qualquer caso, para seu castigo há uma larga série de figurasgenéricas”13.

Apesar das críticas, a Lei n. 9.455/97 veio preencher uma lacuna no direito brasileiro, uma vez que definiu os crimes de tortura, configurando um instrumento de realvalia na tarefa de eliminar atos de tortura da vida nacional e na construção da dignidade da

 pessoa, princípio maior a orientar todo o sistema.

13 ANTÓN, Vives. Apud CIRENZA, Cristina de Freitas; NUNES, Clayton Alfredo. Loc. cit.8

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

 MÓDULO VIII 

DIREITOS HUMANOS 

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO XV

DIREITOS HUMANOS

Instrumentos Internacionais de Proteçãodos Direitos humanos

1. SISTEMA GLOBAL

A Conferência Mundial dos Direitos Humanos, realizada pela ONU em Viena, teve,

como ponto central, a revisão e avaliação dos progressos alcançados na promoção e proteção dos direitos humanos, partindo da Declaração Universal dos Direitos Humanos,exarada em 1948, e atingindo nossos dias, analisando todo o progresso alcançado paraatingir as metas propostas.

Pela defesa do interesse de vários grupos, destaca-se a proteção aos interesses dacriança, da infância de da adolescência.

A Assembléia Geral da ONU, em sua sessão de 20.11.1989, aprovou por 

unanimidade a Convenção sobre os Direitos da Criança.“A Convenção sobre os Direitos da Criança incorporou toda a gama de direitos

humanos – civis, políticos, econômicos, sociais e culturais – e proveu-lhes o respeito e a proteção de todos os direitos das crianças, sendo o ponto de partida para o completodesenvolvimento do potencial individual em uma atmosfera de liberdade, dignidade e

 justiça”. (Jan Materson, Subsecretário Geral da ONU para os Direitos Humanos, durante acerimônia de assinatura da Convenção, 26.1.1990)1

Fazendo uma pequena análise histórica sobre a evolução do Direito da Criança,

chegamos à antiga Liga das Nações e à Organização Internacional do Trabalho (OIT), queestimularam o interesse pelos direitos da criança.

Em 1919 e 1920, a OIT considerou três convenções que regulavam eaboliam o trabalho infantil. E, a Liga das Nações determinou um grupo, ouseja, um comitê especial para cuidar da proteção da criança em todas asáreas de atividade, e que, também, estabeleceriam princípios que proibiriamo infame tráfico de crianças.

Em 1924 a Assembléia da Liga das Nações adotou a Declaração de Genebra dosDireitos da Criança. Esta Declaração não teve total reconhecimento internacional e,

 portanto, sua função ficou desqualificada.

1 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. Direitos Humanos e os Direitos da Criança na ordem internacional . SãoPaulo: USP.

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De acordo com Sérgio A. P. de Souza, o Prof. Philip Alston, a respeito de talDeclaração, observou que um de seus defeitos era o fato de a mesma, de forma alguma,

obrigar os Estados, uma vez que era tomada como uma “declaração de obrigações doshomens e mulheres de todas as nações”2.

Graças à Declaração Universal dos Direitos Humanos que determina os princípios básicos, declarando que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos(art. 2.º) e de que “toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdadesestabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo,língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,nascimento ou qualquer outra condição” (art. 2.º), fica evidente que alguns grupos são maissuscetíveis de sofrer violação em seus direitos humanos e liberdades fundamentais. Entre

estes, sem dúvida, está o grupo das crianças.O item II do art. 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem declara que “a

maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especial. Todas as crianças,nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social”.

Graças a este dispositivo, as “Nações Unidas passaram a proteger os direitos dacriança por meio de tratados internacionais de caráter geral, normalmente pactosinternacionais de direitos humanos, preparando a comunidade internacional para osurgimento de um instrumento específico relativo aos direitos da criança”.

“O primeiro instrumento específico a surgir, com real importância, dentro da novaordem internacional que se estabelecia foi a Declaração Universal dos Direitos da Criança,no ano de 1959. Essa Declaração tornou-se um guia para a atuação, tanto privada como

 pública, em favor da criança”3.

Essa Declaração era composta por dez princípios fundamentais que determinavamuma proteção especial para a criança. Teriam elas, à sua disposição, todo o bem necessário

 para um desenvolvimento saudável; seriam protegidas pelo seguro social; teriam direito ànutrição, moradia, lazer e atendimento médico; deveriam receber educação; e seriam

 protegidas de qualquer tipo de abuso, fosse ele físico, espiritual, moral, mental ou qualquer 

outro que impedisse seu desenvolvimento pleno e absoluto.

Como afirma o Dr. Sérgio de Souza, “as mesmas considerações a respeito do caráter de   jus cogens da Declaração Universal dos Direitos do Homem, feitas anteriormente,

  podem aqui ser novamente todas de forma a concluir-se que também a DeclaraçãoUniversal dos Direitos da Criança pode ser entendida como dotada de força obrigacional,tendo em vista também poder-se atribuir à mesma um caráter de jus cogens4.

Apesar disso, não houve qualquer melhoria no sentido de proteção à criança. Ficounum plano teórico e elevado, mas nada foi feito num sentido prático, de acordo com Sérgio

2 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. Direitos Humanos e os Direitos da Criança na ordem internacional . SãoPaulo: USP.3 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. Direitos Humanos e os Direitos da Criança na ordem internacional . SãoPaulo: USP.4 Idem. Ibdem.

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de Souza, “no plano prático, a possibilidade de tal força obrigacional não conseguiutraduzir-se em medidas efetivas de proteção à criança, consubstanciando-se, mais, no

embrião de uma nova doutrina relativa aos cuidados com a criança, de uma nova maneirade enxergar o indivíduo detentor de direitos e prerrogativas, do que num instrumento ativode consolidação de tais direitos e prerrogativas”5.

O que se constatou é que diversos direitos, mencionados naDeclaração, foram adotados pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis ePolíticos e pelo Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais eCulturais.

 Nos dizeres de Marília Sardenberg Zelner Gonçalves, “crianças ao redor de uma

árvore – A Árvore da Vida – também montada na ECO-92 – plena de associações esimbolismos – reuniram e mobilizaram os participantes da Conferência em torno dasreivindicações dos direitos básicos desenhadas por crianças de mais de 25 países de todosos continentes”6.

“Cabe, no entanto, uma observação sobre o tratamento diferenciado do tema. Se aConfederação Mundial dos Direitos Humanos constituiu uma avaliação global daexperiência internacional acumulada nas últimas décadas na proteção dos direitoshumanos, a questão dos direitos da criança em comparação com os direitos da mulher,

 possui ainda curta trajetória nos foros das Nações Unidas. Somente começou a firmar-se nocenário do sistema dos direitos humanos a partir da adoção, em 1989, da Convenção das

  Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, hoje, com 146 países signatários (oinstrumento internacional de direitos humanos detentor do maior número de ratificações)”7.

“Se refletirmos que a Declaração de Genebra, adotada pela Liga dasNações, datada de 1924, e que foi reafirmada em 1950, já no âmbito dasNações Unidas, pela Declaração sobre os Direitos da Criança,compreenderemos que mesmo a proclamação do Ano Internacional daCriança, em 1979, não foi suficiente para catalisar o interesse dacomunidade internacional pelos direitos da criança – o recurso maisprecioso da humanidade – e metade da população mundial: somente noBrasil, são cerca de 60 milhões.

Foi necessário esperar ainda mais 10 anos, até 1989, para que a adoção de uminstrumento internacional viesse a incorporar os princípios e grandes diretrizes da novatemática e marcar a emergência de uma nova consciência, uma nova ética – a doutrina de

  proteção integral da criança e do adolescente. Todos os direitos estão aí incluídos:  políticos, civis, econômicos, sociais e culturais, enfocados sob o prisma do interesse prioritário da criança ou prioridade absoluta à criança – princípio básico consagrado pelaConvenção. Para os direitos da criança, foi como um rito de passagem para a maturidadeno tratamento da questão na agenda internacional”8.

5 Idem. Ibdem.6 GONÇALVES, Marília S. Z. Grupos vulneráveis: aspectos relacionados com a discriminação de gênero ecom as crianças. Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Antônio C. Trindade Editor.7 Idem. Ibdem..

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Sem dúvida, a Declaração e o Programa da Ação de Viena “reafirmaram o princípioda prioridade ao interesse da criança (best interest of child), com o apelo à intensificação

dos esforços nacionais e internacionais para promover o respeito do direito da criança àsobrevivência, proteção e desenvolvimento”9.

Solicitou-se aos Estados-membros a ratificação universal, até 1995, da Convençãodas Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. Foi apresentado o pedido de incorporaçãodos dispositivos da Convenção sobre os Direitos da Criança aos Planos Nacionais de Ação.

E houve uma ênfase quanto à comunidade internacional voltar sua atenção, emespecial, àquelas crianças pertencentes aos grupos minoritários e mais necessitados comoas crianças de rua, as crianças portadoras do vírus HIV, criança submetidas a maus tratos,

crianças abandonadas, as que sofressem qualquer tipo de abuso, fosse ele físico, mental,sexual e, também, aquelas que fossem submetidas à exploração econômica no trabalho,enfim, todas as que necessitassem de uma atenção especial.

Diz Marília S. Z. Gonçalves que “é interessante observar que, na categoria dos maisvulneráveis, a Conferência sublinhou especialmente a situação da menina (girlchild) e dascrianças em conflitos armados, quando as questões da proteção das minas, da recuperaçãodos feridos e traumatizados e da idade mínima de recrutamento receberam grandeatenção”10.

Surgiu a idéia de elaboração de uma Convenção. Nasceu esta de uma

proposta polonesa de 1979, por ocasião das comemorações do AnoInternacional da Criança, quando se comemorava também os 30 anos daDeclaração Universal dos Direitos da Criança. Tornou-se necessário dar força de tratado aos direitos das crianças, vistas como um numeroso, frágile vulnerável grupo.

Explica Tânia da Silva Pereira que “a Comissão de Direitos Humanos da ONUorganizou, então, um grupo de trabalho composto de representantes obrigatórios dos 43

  países membros desta Comissão, permitindo a participação de organismos inter-governamentais e organizações não governamentais”11.

“A Convenção é o resultado de intenso trabalho no campo internacional e significa acompatibilização, em um texto legal de regras de procedimento flexíveis, adaptáveis àsmais diversas realidades, delineando as futuras políticas legislativas dos Estados-Partes.  AConvenção não substitui a Declaração. Enquanto temos na Declaração uma afirmação de

  princípios de caráter meramente moral que não encerram obrigações específica, aConvenção tem forma coercitiva e exige uma tomada de decisão por parte de cada Estadoque a subscreve e ratifica e inclui mecanismos de controle para verificar o cumprimento desuas disposições”12.8 GONÇALVES, Marília S. Z. Grupos vulneráveis: aspectos relacionados com a discriminação de gênero ecom as crianças. Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Antônio C. Trindade Editor.9 Idem. Ibdem.10 Idem. Ibdem.11 PEREIRA, Tânia da Silva. A Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU) e a proteção da infância eadolescência no Brasil. Instituto Interamerciano de Direitos Humanos. Antônio C. Trindade Editor 12 Idem. Ibdem.

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“Na fase de elaboração da Convenção levantou-se a questão da viabilidade dedefinir direitos universais para as crianças, considerando a diversidade de percepções

religiosas, sócio-econômicas e culturais da infância nas diversas nações”13

.O tema mais importante, afirma Michel Bonnet, “era definir quais os direitos

humanos que podem ser realmente universais devido a estas diversidades. Há percepçõessignificativamente divergentes de um país para outros, quanto à idade na qual a infânciatermina e qual o papel da criança na família e na sociedade”14.

Graças à amplitude de participantes em sua elaboração, “permitiu que a Convençãoacabasse por ser o fruto de intenso trabalho internacional, envolvendo as mais diversasdisciplinas cientificas e, principalmente, compatibilizando sistemas jurídicos e culturais

diversos, criando um texto normativo cujos parâmetros são flexíveis, adaptáveis àsdiferentes realidades dos Estados-Partes e, por isso mesmo, sendo referência para as políticas legislativas desses últimos”15.

A Convenção sobre os Direitos da Criança foi admitida, por unanimidade, pelaAssembléia Geral da ONU, em 20.11.1989. Adotada pela Assembléia Geral, a Convençãocomeçou a ser assinada em 26.1.1990, dia em que 60 países demonstraram intenção deratificá-la.

A Convenção, em seus arts. 47 e 48, especifica a forma de ratificação no planointernacional, que seria por meio de instrumentos específicos de ratificação ou de adesão,

 junto ao Secretário Geral da ONU.

O art. 49 fixou as condições para que a Convenção entrasse em vigor no planointernacional. Haveria uma vacatio legis de trinta dias após o depósito do vigésimoinstrumento de ratificação ou de adesão junto ao Secretário Geral da ONU.

Em 2.9.1990, a Convenção sobre os Direitos da Criança entrou em vigor, em relaçãoaos primeiros vinte estados, caracterizando-se, assim, a condição de lei internacional, comforça vinculante para os Estados que a ratificaram.

Até 1996, 186 países haviam ratificado a Convenção. Em 1998, apenas 2 países, dosexistentes no mundo, não haviam ratificado a Convenção, portanto, do total de 195 paísesexistentes no mundo, 193 ratificaram a Convenção. Deixaram de ratificar a Convenção, osEstados Unidos da América do Norte e a Somália.

Interessante é a posição dos Estados Unidos que, normalmente, põe em destaque seuinteresse pela defesa dos direitos humanos na ordem internacional.

De acordo com Sérgio A. G. P. de Souza, “diversas propostas feitas pelos EstadosUnidos durante a elaboração da Convenção foram incorporadas em sua redação final,sendo certo que, em fevereiro de 1995, a mesma foi assinada por aquele país sem, contudo,ter encontrado a necessária ratificação pelo Senado. Tal ocorre uma vez que grupos e

13 Idem. Ibdem.14 Idem. Ibdem.15 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. op. cit.

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organizações da direita, com poderosa influência sobre grande parte dos senadores norte-americanos, têm interpretado de forma equivocada os termos da Convenção, declarando-a

e denunciando-a em publicações próprias como: o mais perigoso ataque aos direitos dos pais na história dos Estados Unidos; o derradeiro programa para aniquilar a autoridade paterna; o mais insidioso documento jamais assinado por um presidente americano; e umradical, perigoso documento que garantirá a interferência ilimitada do governo na vida

 familiar ”16. 

“Tais interpretações não se coadunam com os verdadeiros objetivos da Convenção,nem com sua real intenção de estabelecer padrões para uma política governamentaldesenvolvimentista em relação à criança em cada um dos Estados-Partes. A Convençãonão é um código para a conduta paterna, mas sim um instrumento internacional para a

aplicação de uma política de direitos humanos para a criança. Resta claro, pois, que se tratade uma disputa interna, mais voltada para as características circunstanciais daquela naçãodo que para a real interpretação dos valores trazidos pela Convenção”17.

Acrescenta Sérgio de Souza, “deve-se ter em vista, ainda, em relação aos EstadosUnidos, que a ratificação da Convenção, em função do seu sistema federativo puro,implicará na discussão dos direitos estaduais em contraposição aos direitos federais. Comoexemplo, pode-se citar a disposição do art. 37, letra “a”, da Convenção que proíbe a penade morte aos menores de dezoito anos, em contraposição aos precedentes firmados pelaSuprema Corte Americana no sentido de que os Estados Federados tem o direito

constitucional de estabelecer e executar a pena de morte a maiores de dezesseis anos”

18

.Como estes são problemas particulares dos Estados Unidos, vamos considerar os

números relativos à ratificação levada a efeito pelos outros países e, assim sendo, podemosdeclarar que houve, pela comunidade internacional, uma aceitação total deste tratado sobreos direitos humanos.

Considerando tamanha aceitação por parte dos Estados-Partes devemos transcrever aqui as palavras da Diretora Executiva do UNICEF, Carol Bellamy; “(...) um século quecomeçou com as crianças não tendo virtualmente nenhum direito está terminando com ascrianças tendo um poderoso e eficaz instrumento que não apenas reconhece, mas protegeseus direitos humanos”19.

É fácil, então, dizermos que durante os muitos anos transcorridos entre a Declaraçãoe a Convenção, na realidade trinta anos, houve um crescimento dos instrumentosinternacionais, o que proporcionou uma profunda visão dos Direitos da Criança. E estavisão está permitindo o afastamento cada vez maior daquelas situações de desnutrição,agressão, abuso, falta de escolaridade e tantos outros aos quais as crianças eram e aindasão, em alguns lugares, submetidas.

Sendo a Convenção resultado de compromisso e negociação, representa o que o

governo e a sociedade deve assegurar às crianças. Estabelecendo em um único estatuto16 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. op. cit.17 Idem. Ibdem.18 Idem. Ibdem.19 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. op. cit.

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todas as normas de proteção que devem ser aplicadas às crianças e as que os paísessignatários devem adotar e agregar às suas leis.

As pessoas que elaboraram a Convenção declararam que, “embora os métodos decriação, socialização e oportunidades variem muito de um país para outro, a preocupaçãode proteger um vasto aspecto de direitos da criança é partilhado por todos os povos. Aomesmo tempo, foi consenso comum que as reações de todas as comunidades e nações sãoas mesmas quando crianças são submetidas à tortura, separadas de suas famílias,desprovidas de alimentos ou cuidados médicos ou aleijadas em conflitos armados.

O desafio maior daqueles que, durante dez anos, trabalharam na elaboração daConvenção foi definir quais os direitos humanos que podem ser comuns diante das

diferenças religiosas, culturais e sócio-econômicas nas diversas nações. Encontraram,  porém, princípios comuns para a formulação de normas internacionais para nortear os princípios da Convenção”20.

2.CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA (1989)

A Convenção estabelece, principalmente, princípios que devem orientar os Estados-

Partes nas modificações de suas legislações internas. Ela tem caráter de Lei Internacional, portanto, sua aplicação é obrigatória, não podendo ser discutida pelos Estados signatários. No caso dos Direitos da Criança, deveria ser aplicada com todo rigor.

A Convenção, portanto, conforme declara Sérgio de Souza, “surge comoinstrumento complementador da Declaração, não substituto, tornando os princípios de  juscogens dessa última como referência para o estabelecimento de compromissos eobrigações específicas que adquirem caráter coercitivo em relação aos Países que aratificam21.

Afirma Tânia da Silva Pereira que a “Convenção representa um consenso de queexistem alguns direitos básicos universalmente aceitos e que são essenciais para odesenvolvimento completo e harmonioso de uma criança. Representa em definitivo, oinstrumento jurídico internacional mais transcendente para a promoção e o exercício dosdireitos da criança.

A Convenção propões quatro direitos fundamentais:

Sobrevivência: inclui-se o direito à vida, um mínimo de padrão de habitação, acessoa serviços médicos preventivos e de saúde, saneamento básico e o direito à convivênciafamiliar.

20 PEREIRA, Tânia da Silva. op. cit.21 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. op. cit.

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 Desenvolvimento: inclui o acesso à educação, divertimento e lazer, atividadesculturais, acesso à informação e o direito à liberdade de pensamento, consciência e

religião. Proteção: abrange a defesa de todas as formas de exploração, crueldade, separação

arbitrária da família e abusos do sistema da Justiça.

 Participação: envolve a liberdade de expressão, opinião e também o direito de ter um papel ativo na sociedade”22.

Artigos, como o 2.º, 3.º e 4.º, da Convenção evidenciam sua força deobrigatoriedade para a imediata aplicação da mesma pelos Estados-Partes,signatários da Convenção.

O art. 2.º obriga os Estados-Partes a obedecer aos direitos determinados pelaConvenção e, também, exige a sua aplicação às crianças sujeitas à sua jurisdição, semqualquer tipo de preferência ou discriminação.

O art. 3.º assegura que os Estados-Partes darão proteção às crianças por meio demedidas legislativas, administrativas e fiscalizando as instituições que estarão a seusserviços, encarregadas do cuidado e da proteção das crianças, em todos os aspectos,destacando-se a segurança e saúde.

O art. 4.º declara, também, a obrigatoriedade dos Estados-Partes de adotaremmedidas legislativas e administrativas, para a aplicação dos direitos determinados pelaConvenção, estabelecendo a imprescindível utilização de todos os recursos disponíveis naadoção de tais medidas e, também, se for o caso, que haja um “quadro de cooperaçãointernacional” quanto ao levantamento de tais recursos.

Diz Sérgio A. de Souza que “em cumprimento, especialmente, a tal determinaçãodo art. 4.º, os Estados-membros do Conselho da Europa adotaram, em 25 de janeiro de1996, a Convenção Européia sobre o exercício  dos Direitos da Criança, cujo texto visaconferir efetividade aos direitos substanciais da criança no seu tratamento relativo aos

direitos processuais e, ainda, reforçar a promoção e proteção do exercício desses direitos processuais diante das autoridades judiciárias dos países que compões a União Européia.Tal fato ilustra a importância com que os preceitos da Convenção, relativos à efetividadedos direitos da criança têm sido tomados pela comunidade internacional”23.

Conclui-se, pois, que os Estados-Partes aceitam submeter-se às normas que antestinham um caráter apenas moral e, agora, tornaram-se obrigatórias e, comprometeram-se aefetuar todas as mudanças, tanto administrativas como legislativas, necessárias para suaeficiente aplicação no âmbito interno. Isto surgiu graças à necessidade de terem as criançasde hoje, adultos de amanhã, condições de viverem dentro de um esquema de condições

 propícias para seu desenvolvimento pleno, em todos os aspectos da vida e, mais tarde,criarem uma sociedade justa e humana. Assim, “uma sociedade que respeite os direitos dacriança dará liberdade e dignidade aos jovens, criando as condições em que possam

22 PEREIRA, Tânia da Silva. op. cit.23 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. op. cit.

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desenvolver todas as suas potencialidades e preparar-se para uma vida plena esatisfatória”24.

Após demorados estudos e negociações, cerca de dez anos, período de elaboração daConvenção, houve muita cooperação entre as organizações não governamentais,

 pertencentes aos vários países e às Nações Unidas, que se dedicavam a estabelecer critériosessenciais para o cuidado das crianças.

Daí surgiu um texto aceito por todos os países do mundo, tendo umaaplicação global e respeitando as individualidades de cada naçãoparticipante, pois estabeleceu um conjunto de valores e objetivos comuns,de validade universal. A Convenção declarou, em alguns itens, seu respeito

pelas tradições e características culturais de cada povo. Reconheceu que,nos principais sistemas jurídicos do mundo, existem outras instituiçõesvaliosas que representam uma alternativa, como a Kafala do direito islâmico,que proporcional atenção substitutiva às crianças que não podem receber os cuidados de seus próprios pais. Destacou, também, a necessidade de seobservar com carinho a origem étnica, religiosa, cultural e lingüística dacriança como, também, levar em consideração soluções locais em caso deproblemas que pudessem ser resolvidos pela própria comunidade.

O art. 30 garante à criança proveniente de minorias (étnicas, religiosas oulingüística), ou de origem indígena, seu direito a ter sua própria cultura, professar e praticar sua própria religião ou utilizar seu próprio idioma. As diferenças culturais, religiosas,sociais e outras, sejam elas econômicas, sociais ou ideológicas foram, portanto, superadas

 pela Convenção, distribuindo a todas as crianças bem-estar privado e social, levando emconsideração suas individualidades e seus aspectos específicos.

“Toda a Convenção, de forma a estabelecer tais princípios norteadores, orienta-se nosentido de procurar alcançar o interesse maior da própria criança. Isso se faz, desde o art.3.º, que estabelece a necessidade dos Estados-Partes considerarem primordialmente talinteresse em todas as suas ações relativas à criança, sejam administrativas ou legislativas,até o art. 36, que, no tocante à proteção da criança contra todas as formas de exploração,explicitamente estabelece que tal proteção deva se dar de forma a evitar prejuízos aqualquer aspecto de seu bem-estar ”.

“Englobando uma grande gama de direitos humanos, civis, políticos, sociais eculturais, a Convenção deixa claro o seu objetivo de mostrar que é impossível que segaranta um direito específico, sem que se passe a garantir também todos os demais direitoscorrelatos”25.

“Evoluiu-se de um sistema em que as normas encontravam-se isoladas, regulandosituações específicas, para um sistema compatível e aplicável às mais diversas culturas e

sociedades, prestigiando o estabelecimento de normas conceituais que, por fim, acabaram

24 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. op. cit.25 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. op. cit.

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  por definir as bases do que se chamou a doutrina da proteção integral da criança,encampada totalmente pelos termos da Convenção”26.

A origem dessa doutrina é a Declaração Universal dos Direitos da Criança. Declarao preâmbulo da mesma “que a criança, em razão de sua falta de maturidade física eintelectual, tem necessidade de proteção jurídica apropriada antes e depois do nascimento”.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (Paris, 1948), portanto, já declarara que a criança teria “direito a cuidados e assistência especiais”. ADeclaração de Genebra, de 1924, afirmava “a necessidade de proporcionar à criança uma

 proteção especial”.

A Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de San José, de 1969)dizia em seu art. 19: “Toda criança tem direito às medidas de proteção que sua condição demenor requer, por parte da família, da sociedade e do Estado”.

A base jurídica da Convenção e na qual se fundamentou a Declaração é a “Doutrinada Proteção Integral”.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que a criança, por ser uma pessoa em desenvolvimento, deverá ter privilégios quando se tratar do aspecto social,educação, trabalho, proteção, saúde, isto é, tem a finalidade de garantir-lhe crescimentosaudável em todos os aspectos da vida.

Outro aspecto abordado pela Declaração é o de que a criança deve ter oportunidadese serviços por efeito de lei e de outros instrumentos, com a finalidade, também, de seudesenvolvimento integral.

A “Doutrina da Proteção Integral”, portanto, tem sua origem na própria Declaração,que a estabeleceu, e foi desenvolvida graças a instrumentos internacionais que lhe deramforça e penetração.

Como já observado acima, a Convenção, em seu preâmbulo, cita expressamente os

instrumentos internacionais que consolidaram a doutrina que afirma a obrigatoriedade de prover à criança uma proteção especial: a Declaração de Genebra, de 1924, no tema osDireitos da Criança; a Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geralem 20.11.1959; a Declaração Universal dos Direitos Humanos; o Pacto Internacional deDireitos Civis e Políticos (arts. 23 e 24); o Pacto Internacional de Direitos Econômicos,Sociais e Culturais, (art.10); estatutos de agências especializadas e das organizaçõesinternacionais que defendem o bem-estar da criança.

Declara também, em seu preâmbulo, que “em todos os países do mundo existemcrianças vivendo em condições excepcionalmente difíceis”. A Convenção recomendou, por meio de suas normas, a prioridade imediata para a infância. Este princípio tem, semdúvida, caráter universal ao exigir proteção para as crianças, estando acima de ajusteseconômicos, de dívidas dos países em desenvolvimento e outros problemas internos dos

  países signatários. Devem, pois, os mencionados países signatários dar prioridade à

26 Idem. Ibdem.10

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modificação de seus ordenamentos jurídicos nos termos da Convenção. A ONU enfatizou a prioridade máxima a ser dada à infância, em 1990, na “Reunião de Cúpula Mundial em

favor da infância”.João Gilberto Lucas Coelho, detalhando a Doutrina da Proteção Integral, diz que ela

representa “os direitos de todas as criança e adolescentes que devem ser universalmentereconhecidos. São direitos especiais e específicos pela condição de pessoas emdesenvolvimento. Assim, as leis internas e o direito de cada sistema nacional devemgarantir a satisfação de todas as necessidades das pessoas de até 18 anos, não incluindoapenas o aspecto penal do ato praticado pela ou contra a criança, mas o seu direito à vida,saúde, educação, convivência, lazer, profissionalização, liberdade e outros”27.

Declara, também, João Gilberto Lucas Coelho, que o princípio do interesse maior dacriança “reafirma direitos e deveres dos pais e responsáveis e o papel do Estado quandoaqueles não tenham condições de assegurar a proteção e cuidado”. Caberá ao Estado“assegurar que instituições e serviços de atendimento à criança e ao adolescente obedeçamnormas de segurança, saúde, idoneidade de pessoal atendente e supervisão”28.

Sérgio A. G. P. Souza declara: “Conforme já foi dito, a enorme gama dedireitos reconhecidos pela Convenção, no seu conjunto, criam um sistemasegundo o qual não existe efetiva proteção sem que se garanta, não umdireito específico, mas todos os direitos correlatos”.

A Convenção, no seu art. 1.º, declara expressamente quais são os destinatários da  proteção integral: “Todo ser humano com menos de 18 anos, a não ser que, emconformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”.

A Convenção não declara expressamente em seus artigos a frase “proteção integralda criança”, mas determina, em seu art. 6.º, a efetiva proteção ao direito à vida e aodesenvolvimento; no art. 7.º, direito à nacionalidade e à filiação; no art. 2.º, nãodiscriminação por motivos raciais, sociais, sexuais etc.; nos arts. 8.º, 20 e 21, direito à vidafamiliar; no art. 10, direito à locomoção; nos arts. 12 e 40, direito à própria manifestaçãoem juízo e a um procedimento judiciário especial, fundamentado no devido processo legal,

no contraditório e na ampla defesa; nos arts. 13, 14 e 15, às liberdades de expressão, pensamento e associação; no art. 16, à intimidade; no art. 30, à religião; no art. 31, ao lazer;no art. 24, à saúde; no art. 26, à previdência social; nos arts. 28 e 29, à educação.Determina, no art. 33, a obrigação dos Estados-Partes de protegerem as crianças contra ouso de drogas; no art. 35, contra o tráfico ilícito de crianças; e nos arts. 32, 34, 36, 37 e 38,contra todas as formas de exploração, econômicas, trabalhistas, sexuais, militares equalquer outra.

Todos esses dispositivos mostram o empenho em amparar de forma total a criança e,também, diligenciam em dar uma proteção global aos interesses das mesmas.

27 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. op. cit.28 Idem. Ibdem.

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É necessário destacar que a atenção a ser dada à criança deve ser considerando-aindividualmente, embora exista o aspecto normativo genérico, a aplicação das normas deve

individualizar a criança, visualizando suas necessidades especificas. Nos dizeres de Sérgio Souza, “a doutrina que a Convenção consolida e que cada

Estado-Parte aceitou ao ratificar a Convenção, submetendo-se ao compromisso de construir uma ordem legal interna voltada para a efetivação dessa proteção integral, queconsubstancie o pleno e integral desenvolvimento de todos os potenciais da criança e sejaorientada para a realização do interesse maior dessa mesma criança, de forma a possibilitar o surgimento de um ser humano mais apto a construir e participar de uma sociedadeinternacional mais justa e equânime”29.

Além do acima descrito, a Convenção determina que a criança seja o “autor” de seu próprio desenvolvimento, pois pode declarar suas convicções e vivê-las de acordo com suavontade.

Como conseqüência dessa posição, a Convenção determina o primado da submissãoà Carta das Nações Unidas: “Os ideais veiculados pela Carta deixam de ser objetivosgenéricos da sociedade internacional, passando a ser instrumentos e premissas de umaeducação completa, necessária à formação integral de um novo tipo de cidadão dacomunidade internacional, um indivíduo pleno de suas capacidades e potencialidade,inserido num contexto que prioriza a paz, a dignidade, a tolerância, a liberdade, a igualdadee a solidariedade”30.

O art. 29 da Convenção estabelece os rumos e os parâmetros a serem seguidos paraa educação e formação plena da criança. Ele estabelece como a criança deve aprender arespeitar os direitos humanos, as liberdades fundamentais e os princípios consagrados naCarta das Nações Unidas. Indica a diretriz a ser seguida pela criança tendo “vidaresponsável numa sociedade livre, com espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdadede sexos e amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e pessoasde origem indígena, além de consignar a importância de uma educação voltada para orespeito ao meio ambiente”31.

Regras foram estabelecidas para que a criança seja ouvida quanto aos assuntos a ela pertinentes, estando aí o princípio da igualdade estabelecido pela Carta das Nações Unidas,equiparando os direitos da criança aos dos adultos, ou seja, colocando-a como um membroda sociedade humana.

Encontramos o seu direito de externar sua opinião e de formular seus própriosconceitos, quanto a qualquer assunto de seu interesse, inclusive tratando-se de

 procedimentos judiciais ou administrativos em que estejam incluídos seus interesses, noart. 12 da Convenção.

  No art. 13, fica determinada a garantia de liberdade de expressão da criança,  podendo, pois, receber e divulgar informações, limitada esta liberdade apenas pelos

29 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. op. cit.30 Idem. Ibdem.31 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. op. cit.

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direitos de outrem, ou quando estiver em jogo a segurança nacional, a ordem pública, asaúde e a moral.

Os arts. 14 e 15 prevêem e garantem, claramente, que a criança pode ter liberdadede pensamento, de consciência e de crença, terá liberdade de associação e de participar dereuniões pacíficas.

Como declara Sérgio Souza “pode-se dizer que a Convenção não esqueceu deestabelecer normas relativas às crianças com problemas junto à legislação criminal de cada

 país, à educação, trabalho, prevenções sanitárias, normas de saúde, contra os perigosfísicos, mentais e sexuais, o uso de drogas e o seqüestro e contrabando de menores”32.

Esses dispositivos endossam a posição de várias entidades não governamentais(ONGs) no intuito de minorar os efeitos da fome, da falta de assistência médica, docontrole do uso de drogas, da desnutrição e, tantos outros, existentes principalmente em

 países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.

Outro ponto a ser destacado é que a Convenção estabeleceu a proteção aos Direitosda Criança. Foi criado o Comitê dos Direitos da Criança, e este seria um foro internacional

 para o intercâmbio de idéias, demonstrando os problemas que comprometem a vida de umacriança e, assim, haveria uma maior agilidade para resolvê-los, por meio da troca de idéiasentre os participantes do Comitê. Organizações internacionais foram também convidadas a

  participar dos debates do Comitê. Assim sendo, sistemas como a Organização

Internacional do Trabalho (OIT), a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Organizaçãodas Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e o Fundo das NaçõesUnidas para a Infância (UNICEF) são organismos colaboradores, de acordo com o art. 45da Convenção.

E mais ainda, como diz Sérgio Souza, “foi adotado um sistema de informesnacionais, a serem prestados pelos Estados-Partes, que dão a conhecer, periodicamente, aoComitê, a respeito das medidas que Estados-Partes estejam adotando para conferir efetividade à Convenção, bem como dos progressos que estejam alcançando”.

Por meio de tais informes, o Comitê tem a possibilidade de fomentar o interesse pelos direitos da criança, além de formular sugestões e recomendações, tanto aos Estados-Partes como à Assembléia Geral da ONU.

O art. 44 da Convenção estabelece a sistemática relacionada a tais relatórios,consignando os prazos em que devem ser apresentados – dois anos a  partir da data em queentrou em vigor a Convenção para cada Estado-Parte e, a  partir de então, a cada cincoanos – e a forma, o mesmo se dará especialmente no sentido de fazer constar ascircunstâncias e dificuldades enfrentadas por cada Estado-Parte, de forma a dar ciência aoComitê dos exatos termos de implementação da Convenção em cada país, além de garantir 

a ampla publicidade de tais relatórios”33

.

32 Idem. Ibdem.33 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. op. cit.

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O art. 51 veda a possibilidade de acontecerem reservas quando da ratificação pelosEstados-Partes. Não permite, quando da ratificação pelos Estados-Partes, quaisquer 

reservas que firam as finalidades e objetivos da Convenção e, se houver alguma reserva,haveria a retirada da mesma por meio de uma notificação ao Secretário Geral da ONU,sendo sua entrada em vigor a partir do seu recebimento pelo Secretário Geral.

É importante que se diga que houve, em Nova Iorque, o Encontro Mundial deCúpula pela Criança nas Nações Unidas, organizado pela Convenção. Desse encontroresultou a Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento daCriança. Esta foi aprovada por mais de 60 países, por intermédio de seus governos, e

 poderia ser considerada um instrumento de caráter moral muito importante.

A Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento daCriança, em seu art. 19, declara: “Comprometemo-nos aqui solenemente a dar a mais alta  prioridade aos direitos da criança à sua sobrevivência, à sua proteção e ao seudesenvolvimento. Isto também assegurará o bem-estar de todas as sociedades”. Há, pois,um acordo solene das nações priorizarem os direitos das crianças e, como conseqüência,haverá uma garantia para o bem-estar de todas as sociedades.

Os chefes de Estados, que assinaram tal compromisso, declararam que haveria um plano de cooperação internacional e estabeleceram um programa para a proteção da criançae para aperfeiçoar sua condição de vida.

Sem dúvida, o destaque do plano vai para proporcionar os meios de alimentar todosos cidadãos carentes e tentar erradicar a fome e a desnutrição.

“Destacam-se, ainda, o comprometimento estabelecido no sentido de abolir otrabalho infantil ilegal e de conferir especial proteção às crianças que vivem emcircunstâncias particularmente difíceis, as vitimas do “apartheid” e da ocupaçãoestrangeira; os órfãos e os meninos de rua, e os filhos de trabalhadores migrantes; ascrianças refugiadas e vitimas de desastres naturais e provocados pelo homem; asdeficientes e maltratadas; as socialmente marginalizadas e as exploradas, não seesquecendo, ainda, de se trabalhar por medidas comuns de proteção ao meio ambiente, em

todos os níveis, de forma que todas as crianças possam ter um futuro mais seguro esadio”34.

A determinação final do compromisso é a da erradicação da pobreza, por meio deum combate global, e isto acarretará benefícios diretos ao bem-estar da criança, admitindo-se que seu desenvolvimento deve ser estimulado em todas as nações, mediante uma açãonacional e de uma cooperação internacional. Para isso, faz-se necessária a mudança de

 postura das nações ricas no trato com as subdesenvolvidas e as em desenvolvimento,consideradas nações pobres, como conseqüência de suas dívidas. O aspecto econômico dasnações consideradas pobres compromete toda a assistência ao bem-estar de seus cidadãos,

especialmente a atenção especial que deve ser dada às crianças.

“Percebe-se, pois, que a comunidade internacional insere a Convenção no contextoda universalização dos direitos humanos de forma plena, reconhecendo que os direitos da34 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. op. cit.

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criança, tratados de forma ampla e integrada entre si, onde uns não são passíveis de proteção sem que todos sejam objeto dessa mesma proteção, somente podem ser objeto de

uma eficaz proteção por meio do reconhecimento e salvaguarda dos direitos fundamentaisde segunda e terceira gerações concernente à igualdade econômica, à solidariedade, aodesenvolvimento e à proteção do meio ambiente pelas nações”35.

Destacaremos alguns pontos fundamentais da proteção dos direitos da criançacontidos em nosso ordenamento jurídico.

 No art. 227 da CF de 1988 é declarado:

 É dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança e ao adolescente,com prioridade absoluta, o direito à vida, à alimentação, ao lazer, à profissionalização, àcultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, alémde colocá-los à salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração,violência, crueldade e opressão.

O Brasil teve várias Constituições e a atual é a única que inclui os interesses dascrianças e dos adolescentes de maneira absoluta. Esses interesses estão acobertados na CFe no art. 4.º do Estatuto do Menor. E é dever da família, da comunidade e do Estado dar 

 proteção total à criança e ao adolescente.

Como diz Tânia da Silva Pereira: “Neste trabalho conjunto de defesa e proteção foi

convocada em primeiro lugar a Família, como célula base na sociedade, no sentido de,dentro de condições mínimas, proporcionar a seus membros, de forma responsável,assistência material, educacional e afetiva, considerando aí o conceito amplo de família.Considera-se família “àquela resultante do casamento”, “à união estável entre um homem euma mulher e, também, a comunidade formada por um dos pais e seus descendentes(...)”.Ao determinar, no art. 227, § 6.º, que “os filhos havidos ou não da relação do casamento ou

 por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designaçõesdiscriminatórias relativas à filiação”, a CF encerrou com brilhantismo o capítulo dadiferença de tratamento entre filhos, o que várias leis esparsas vinham conquistando nasúltimas décadas”.

“Foi convocada a participar, também, a sociedade na proteção dos direitos dacriança e do adolescente, compreendendo aí a população em geral, os movimentos sociais,as entidades estatais e não governamentais, as instituições filantrópicas, os intelectuais, os

 juristas, enfim, todos que, de alguma forma, participam ativamente no desenvolvimentodas crianças e dos jovens ou que de forma indireta, contribuem nos mecanismos de

 proteção, através de processos de conscientização e informação”36.

Foi, finalmente, convocado o Estado, a que as Constituições anteriores atribuíamcompetência exclusiva sobre a matéria. A responsabilidade do Estado é ampla e complexa.

Sem dúvida, o Estado, como poder Executivo, deve, dentro de suas políticas básicas, dar  prioridade absoluta à criança.

35 SOUZA, Sérgio Augusto G. P. de. op. cit.36 PEREIRA, Tânia da Silva. A Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU) e a proteção da infância eadolescência no Brasil . Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Antoônio C. Trindade Editor.

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Sem dúvida, dentro de sua limitações, a política brasileira tem em muitos aspectosse interessado na valorização dos direitos humanos e, em particular, nos direitos da

infância e do adolescente.O Programa Nacional de Direitos Humanos, apresentado em 1996, no que interessa

à criança e ao adolescente, especificou metas para que houvesse a aplicação dosdispositivos normativos e para a atuação governamental.

Declara Tânia da Silva Pereira: “Vivemos um momento histórico; estão em vigor noBrasil três instrumentos fundamentais de proteção da pessoa em vias de desenvolvimento:a Constituição, a Convenção ratificada e o Estatuto. A implantação dos princípios daConvenção no Brasil já se concretiza com a Nova Lei da Criança, classificada pela

UNICEF como uma das leis mais modernas do mundo. Os demais países que a ratificaraminiciam agora seus processos de adaptação às suas realidades sociais, culturais e políticas”.

Como obra humana, o Estatuto tem imperfeições, mas não cabem, neste momento,radicalismos nem palavras de ordem. É vivenciando e aplicando a lei que teremoscondições melhorá-la.

Urge, no entanto, a tomada de consciência da responsabilidade de todos e de cadaum para minorar os maiores problemas ligados à juventude no Brasil.

Devemos ter a responsabilidade de correr riscos e de assumir posições.

A dignidade de nossa crianças e adolescentes, como futuros cidadãos, dependerá doexercício pleno de seus direitos fundamentais e de condições mínimas de sobrevivência37.

37 PEREIRA, Tânia da Silva. A Convenção sobre os Direitos da Criança (ONU) e a proteção da infância eadolescência no Brasil . Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Antônio C. Trindade Editor.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

 MÓDULO IX DIREITOS HUMANOS 

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Praça Almeida Júnior, 72 – Liberdade – São Paulo – SP – CEP 01510-010Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br 

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DIREITOS HUMANOS

Instrumentos Internacionais de Proteção dos Direitos HumanosO Sistema Regional Interamericano

 Luiz Antônio de Souza

Vitor Frederico Kümpell 

1. INTRODUÇÃO

Inicialmente, devemos destacar que a internacionalização dos direitos humanos éuma realidade, sendo um movimento em franca expansão. Esse movimento surgiu a partir do pós-guerra e evolui constantemente, traduzindo, na verdade, a reconstrução dessesdireitos, que já foram tão violados.

Essa reconstrução, salienta Flávia Piovesan, introduz uma concepçãocontemporânea, caracterizada pela universalidade e indivisibilidade desses direitos, tendocomo objetivo conduzir os direitos humanos à condição de “paradigma e referencial éticoa orientar a ordem internacional contemporânea”. A autora acrescenta que auniversalidade advém do fato de que os direitos humanos clamam por uma extensãouniversal, “ sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a dignidadee titularidade de direitos”. A indivisibilidade, por outro lado, deriva do fato de que “a

 garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais,econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são.Os direitos humanos compõem assim uma unidade indivisível, interdependente e inter-

relacionada”1

.Carlos Weiss acentua que a concepção universal dos direitos humanos (a

universalidade) “decorre da idéia de inerência, a significar que estes direitos pertencem atodos os membros da espécie humana, sem qualquer distinção fundada em atributosinerentes aos seres humanos ou na posição social que ocupam”. Já a indivisibilidade,leciona, significa dizer que não existe dignidade se os direitos humanos não foremrespeitados: “Só há vida verdadeiramente digna se todos os direitos previstos no Direito

 Internacional dos Direitos Humanos estiverem sendo respeitados, sejam civis e políticos, sejam econômicos, sociais e culturais”2.

1 Introdução ao sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: a ConvençãoAmericana de Direitos Humanos. In: GOMES, Luiz Flávio e PIOVESAN, Flávia (Coords.). OSistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro. São Paulo: RT,2000. p. 17-18.2  Direitos Humanos Contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 118.

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Essa indivisibilidade, de que decorre a interdependência (no sentido de que umdireito está correlacionado com outro ou outros direitos humanos, somente ocorrendo a

  plena eficácia de um quando todos são observados), está bem destacada no PactoInternacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, já analisado, que, em seu preâmbulo,desfia: “... em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o ideal do ser humano livre, no gozo das liberdades civis e políticas e liberto do temor e damiséria, não pode ser realizado, a menos que se criem as condições que permitam a cadaum gozar de seus direitos civis e políticos, assim como de seus direitos econômicos,

 sociais e culturais”.

Ainda em seu pórtico, de modo a evidenciar a indivisibilidade e a interdependênciados direitos humanos, destaca que é obrigação de todos os Estados-partes “ promover o

respeito universal e efetivo dos direitos e das liberdades da pessoa humana”, deixandoassim gizado que a dignidade da pessoa humana somente aflora quando todos os direitoshumanos são observados, sem qualquer restrição e distinção.

Esse movimento de internacionalização dos direitos humanos, a sua universalização,levou a noção de direitos humanos e sua proteção a extrapolarem o âmbito interno de cadaEstado, atingindo uma dimensão sem fronteiras, ou seja, o indivíduo é detentor de direitoshumanos a serem protegidos em qualquer hipótese, em qualquer lugar e a qualquer tempo.Essa proteção, inclusive, pode se dar internacionalmente, epor isso foi possível aformulação de um sistema internacional de proteção dos direitos humanos.

Esse sistema internacional de proteção dos direitos humanos, também denominado sistema global , tem duas vertentes, ou seja, nele estão compreendidos instrumentos de duasnaturezas: geral e especial ou específico.

Flávia Piovesan3 afirma que o sistema normativo de proteção internacional “éintegrado por instrumentos de alcance geral (como os Pactos Internacionais de DireitosCivis e Políticos e de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966) e por instrumentos de alcance específico, como as Convenções Internacionais que buscamresponder a determinadas violações de direitos humanos, como a tortura, a discriminaçãoracial, a discriminação contra as mulheres, a violação dos direitos das crianças, dentreoutras formas de violação”.

Em suma, arremata, o sistema geral é desenvolvido tendo como destinatária “toda equalquer pessoa, concebida em sua abstração e generalidade”. Já o sistema especial temem mira a pessoa humana “na sua especificidade e concreticidade”, ou seja, a pessoahumana conquanto criança, mulher, integrante de grupo sujeito a discriminação etc.

 Note, portanto, que o sistema global de proteção internacional dos direitos humanostem duas linhas de desenvolvimento, de desdobramento – uma geral e outra específica –,ambas se integrando para dar amplaproteção aos direitos fundamentais para a dignidade

humana. Note ainda que “o campo de incidência do aparato global de proteção não se

3 .Op. cit . Introdução ao sistema interamericano de proteção dos direitos humanos: a Convenção Americana dos Direitos Humanos p. 20.

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limita a uma determinada região, mas pode alcançar, em tese, qualquer Estado integranteda ordem internacional, a depender do consentimento do Estado no que se atém aos

instrumentos internacionais de proteção”4

.A par do sistema normativo global de proteção, há também o sistema regional de

 proteção. Esse sistema regional, assinale-se, tem por finalidade implementar e efetivar ocontrole dos direitos humanos em nível regional, particularmente na América, Europa eÁfrica.

Assim, a proteção internacional dos direitos humanos se dá, atualmente, através da proteção derivada do sistema global de proteção (por meiodos instrumentos de alcancegeral e de alcance específico, já referidos) e do sistema regional de proteção (integrado

 pelo sistema interamericano, pelo sistema europeu e pelo sistema africano).Essa proteção, digamos, de caráter regional, complementando o sistema global de

 proteção, merece o apoio e o incentivo da Organização das Nações Unidas (ONU). As Nações Unidas, em 1977, na Resolução n. 32/127, encorajaram “os Estados, em áreas emque acordos regionais de direitos humanos ainda não existissem, a considerar a

 possibilidade de firmar tais acordos, com vista a estabelecer em sua respectiva região um sustentável aparato regional para a promoção e proteção dos direitos humanos”5.

O sistema europeu de proteção está calçado na Convenção Européia de DireitosHumanos de 1950, que estabeleceu a Comissão e a Corte Européia de Direitos Humanos.

  Na seqüência, surgiu o sistema interamericano de proteção, lastreado na ConvençãoAmericana de Direitos Humanos de 1969, que estabeleceu a Corte Interamericana e aComissão Interamericana de Direitos Humanos. Por último, o sistema africano, que temcomo instrumento a Carta Africana de Direitos Humanos de 1981, que instituiu aComissão Africana de Direitos Humanos. E, apenas à guisa de ilustração, Henry Steyner noticia a existência de “um incipiente sistema árabe e a proposta de criação de um sistemaregional asiático”6.

J. A. Lindgren Alves assinala que o sistema regional africano é realmente incipiente;também assinala, no que tange a resultados imediatos no tratamento de casos, que o

sistema “mais eficiente é o sistema europeu, que se assemelha ao sistema judiciário de um país, estabelecendo proteção direta aos indivíduos, numa instância que se afirma cada vezmais supranacional ”7.

Quanto ao sistema interamericano, revela que esse é o mais abrangente, uma vezque atribui à Comissão Interamericana de Direitos Humanos(CIDH) “  funções que, no

4   Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional . 4.ª ed. São Paulo: Max Limonad,2000. p. 205.5 STEINER, Henry. Regional arrangements – General introduction”.   International Law and 

 Human Rights(material de curso ministrado na Harvard Law School, 1994).  Apud GOMES, LuizFlávio e PIOVESAN, Flávia. (Coords.). Op. cit.  O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e o Direito Brasileiro. p. 21. , (em nota de rodapé).6  Idem, ibidem, p. 22.7  Os Direitos Humanos como Tema Global . São Paulo: Perspectiva e Funag, 1994. p. 84.

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  sistema das Nações Unidas, vão além daquelas da CDH ou do próprio Comitê dos Direitos Humanos, que monitora o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos”8.

Por último, necessário considerar que essa conjugação dos sistemas global eregional tem se mostrado positiva. O sistema normativo global apresenta um caráter maisgeral, contendo princípios básicos de proteção, e o sistema regional, complementar que é,deve ter esse caráter, ou seja, deve ser editado levando em consideração e refletindo as

 peculiaridades dos Estados, da região correspondente, complementando a normatização decaráter geral. Desde que ambos, logicamente, comunguem os mesmos princípios, estejamtotalmente identificados e afins, não há dúvida de que essa interação é de extrema valia,vindo ao encontro do objetivo fundamental, que é a tutela dos direitos humanos.

 No caso, porém, de as normas dos instrumentos normativos (global e regional),embora direcionadas num mesmo sentido, estabelecerem aportes, alcances diferentes paraum determinado direito, portanto, no caso de uma norma conferir maior grau de proteçãoque outra, a primazia, ressalte-se, é da norma mais favorável à vítima. Henry Steiner,citado por Flávia Piovesan, destaca: “  Hoje, não tem havido grandes conflitos deinterpretação entre os regimes regionais e o regime das Nações Unidas. Teoricamente, osconflitos devem ser evitados mediante a aplicação das seguintes regras: (1) os standardsda Declaração Universal e de qualquer outro tratado das Nações Unidas acolhido por um

  país devem ser respeitados; (2) os standards de direitos humanos que integram os princípios gerais de Direito Internacional devem ser também respeitados; e (3) quando os

standards conflitam, o que for mais favorável ao indivíduo deve prevalecer ”9

.

2. CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

2.1. Aspectos Gerais

O sistema regional interamericano de proteção dos direitos humanos tem como

documento principal, fundamental, a Convenção Americana de Direitos Humanos,conhecida como “ Pacto de São José”, uma vez que foi aprovada e assinada em San José,Costa Rica, em 22.11.1969, quando da realização de conferência intergovernamentalconvocada pela OEA, apenas passível de adesão pelos Estados-membros da Organizaçãodos Estados Americanos.

Carlos Weiss esclarece que a elaboração da Convenção “remonta a 1959, tendo sidoum projeto encaminhado à recém-criada Comissão Interamericana de Direitos Humanos,mas sua edição foi ameaçada pelo surgimento dos pactos internacionais da ONU em1966, eis que dois países – Argentina e Brasil – entendiam ser bastantes os tratados

8 STEINER, Henry. Op. cit. . p. 84.9  Op. cit. p. 25.

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  globais. Sua entrada em vigor ocorreu apenas em 1978, com o depósito do 11.º instrumento de ratificação na Secretaria Executiva da OEA”10.

A fim de obter a adesão dos Estados Unidos, “a Conferência de São José da Costa Rica decidiu deixar para um Protocolo à parte a declaração de direitos econômicos,  sociais e culturais; Protocolo esse que só veio a ser aprovado na Conferência  Interamericana de São Salvador, em 17 de novembro de 1988”. Além desse, outro“ Protocolo adicional à Convenção é o acordo sobre a abolição da pena de morte, obtidona Conferência Interamericana de Assunção, em 08 de junho de 1990”11.

O Brasil, ressalte-se, aderiu tardiamente à Convenção, tão-somente em 25.9.1992.

Analisando a Convenção, verificamos que esse documento aborda essencialmenteos direitos civis e políticos, pelo que seu conteúdo é muito semelhante ao PactoInternacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966. A Convenção abriga disposições quetratam do reconhecimento da personalidade jurídica, do direito à vida (garantido desde omomento da concepção), do direito à integridade pessoal (contempla a separação entrecondenados e acusados de crimes e entre adultos e menores, conferindo às penas privativasde liberdade a finalidade de readaptar socialmente o condenado), do direito de não ser submetido à escravidão, direito à liberdade pessoal (aí compreendidos locomoção eresidência, consciência e religião, pensamento e expressão, reunião e associação); tambémcontempla as garantias judiciais, o direito à resposta (diante de informações inexatas ouofensivas, emitidas pelos órgãos de comunicação em massa), privacidade, nacionalidade,

 participação no governo, igualdade perante a lei e a proibição da aplicação retroativa dasleis penais.

Fábio Konder Comparato, analisando mais detidamente o conteúdo da Convenção,traça referências quanto a alguns direitos nela existentes. Diz que a disposição contida noart. 4.º, que trata do direito à vida, representou um avanço em relação ao contido no Pactodos Direitos Civis e Políticos de 1966, enfatizando que nesse caso se aplica o princípio da

  prevalência dos direitos que sejam mais vantajosos para a pessoa humana.Conseqüentemente é aplicado aquele direito que conferir maior proteção.

 No caso, evidencia, a Convenção proíbe o restabelecimento da pena de morte nosEstados que a tenham abolido. Veda, ainda, a imposição da pena de morte a delitos

 políticos ou a delitos comuns conexos com delitos políticos, e assim, os Estados queaderiram à Convenção estão proibidos de adotá-la nesses casos, ainda que haja previsão nodireito interno.

Além dessa consideração, o ilustre jurista, em relação a temas atualíssimos, que sãoo aborto e a clonagem, acentua que: “ Ao dispor no art. 4.º que o direito à vida deve ser 

 protegido pela lei desde o momento da concepção, vedou em princípio a legalização doaborto. Digo ‘em princípio’, porque a cláusula em geral, constante dessa disposição,

 parece abrir a possibilidade do estabelecimento de exceções à regra. De qualquer forma,10  Op. cit. p. 99.11 COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2.ª ed. São Paulo:Saraiva, 2001. p. 364-365.

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tal como redigido, o artigo proíbe também, em princípio, as práticas de produção deembriões humanos para fins industriais (utilização de seus tecidos na fabricação de

cosméticos, por exemplo), bem como na clonagem humana para finalidades nãoreprodutivas e, portanto, com destruição do embrião”. Admite tão-somente uma exceção,que considera eticamente admissível, a essa regra geral proibitiva, que é o caso “daobtenção de embriões clonados para tratamento de doenças neurodegenerativas do

 próprio sujeito ...” 12.

A esse respeito, sustenta a possibilidade da clonagem humana para fins terapêuticos(por exemplo, tratamento de doenças neurodegenerativas, como o mal de Parkinson ou ode Alzheimer) no próprio sujeito cujas células foram clonadas, ressaltando que: “Todas asoutras práticas de fecundação artificial ou de engenharia genética violam, claramente, o

 princípio kantiano de que a pessoa humana não pode ser utilizada como simples meio para a obtenção de uma finalidade alheia, pois ela deve sempre ser tida como um fim em si mesmo”13.

A Convenção, podemos ainda citar, proibiu a prisão por dívidas, excepcionando tão-somente a prisão administrativa decretada em razão de inadimplemento de obrigaçãoalimentar (art. 7.º), elencou garantias judiciais (art. 8.º), e trouxe, pela primeira vez,disposição relativa ao direito à propriedade privada (uma vez que o Pacto de 1966 não temqualquer previsão), e fê-lo, segundo Fábio Konder Comparato, num sentido justo eequilibrado, uma vez que o art. 21 estabelece que o uso e o gozo dos bens está subordinado

ao interesse social. Ainda de importância, condenou a usura e toda forma de exploração dohomem pelo homem, invocando que essas condutas devam ser reprimidas pela lei.

 No que toca às garantias judiciais, Carlos Weiss14 diz que tais garantias são, emregra, coincidentes com as consagradas no sistema universal, todavia destaca a prevista naalínea "e" (direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo

 Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei), enfatizando queessa garantia não tem previsão no sistema global, inclusive está presente no textoconstitucional brasileiro, no art. 134, que prevê a defesa e orientação dos necessitados por 

 parte da Defensoria Pública.

Como já destacamos, a Convenção reconhece e assegura um rol superlativo dedireitos civis e políticos; porém, praticamente nada menciona quanto aos direitos sociais,culturais e econômicos, inclusive não os enumera. A única referência encontrada está noart. 26: “Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbitointerno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a

 fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem dasnormas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta daOrganização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, namedida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados”.

12 Op. cit. p. 365-366.13 COMPARATO, Fábio Konder. Op. cit. p. 293.14 Op. cit. p. 100.

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Resta ainda mencionar, quanto às possibilidades de suspensão ou derrogação dosdireitos e garantias, que a Convenção segue o Pacto Internacional dos Direitos Civis e

Políticos, uma vez que elenca, no art. 27, item 2, o rol de direitos não passíveis desuspensão, mesmo naquelas situações que permitam essa medida.

Quanto ao sistema de monitoramento, esse é integrado pela ComissãoInteramericana de Direitos Humanos (CIDH) e pela Corte Interamericana de DireitosHumanos.

2.2. Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)

Carlos Weiss sustenta que a criação da Corte Interamericana introduz “verdadeirocontrole jurisdicional internacional dos direitos humanos, conferindo ao sistema regional uma efetividade ainda não alcançada no âmbito universal ”15.

Fábio Konder Comparato faz referência de que a Convenção segue, de modo geral,o modelo europeu, e não o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966,uma vez que, além da Comissão encarregada de investigar as violações (CIDH), aConvenção criou um tribunal especial para julgar os litígios decorrentes (CorteInteramericana); jurisdição, todavia, somente obrigatória para os Estados-partes que aaceitem expressamente. Enfatiza, na seqüência, que a Convenção afastou-se do modelo

europeu no tocante às denúncias apresentadas à Comissão Interamericana, uma vez queadmite denúncias que contenham violações praticadas por Estados-partes, formuladas “ por qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmentereconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização” (art. 44), “ sem exigir queo Estado-parte, apontado como responsável, haja previamente reconhecido a competênciainvestigativa da Comissão, tal como estatuído na Convenção Européia (art. 25)”16.

A principal função da Comissão Interamericana de Direitos Humanos é promover,fiscalizar e proteger os direitos humanos na América. Cabe a ela, portanto, “ fazer recomendações aos governos dos Estados-partes prevendo a adoção de medidas

adequadas à proteção destes direitos; preparar estudos e relatórios que se mostremnecessários; requisitar aos governos informações relativas às medidas por eles adotadasconcernentes à efetiva aplicação da Convenção; submeter um relatório anual à

 Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos”;17  também sendo de suaresponsabilidade examinar as denúncias formuladas por indivíduo, grupo de indivíduos ouentidade não-governamental que, autorizados pelo art. 44, apontem violação a direito por Estado-parte.

Uma das características mais importantes da Comissão Interamericana, e quereforça a sua capacidade preventiva, “consiste em sua capacidade de deslocamento ao

território de qualquer Estado americano, com a anuência ou a convite do respectivo15  Op. cit. p. 104.16 Op. cit. p. 369-370.17 PIOVESAN, Flávia. Op. cit . p. 34.

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 governo, a fim de observar  in loco a situação geral dos direitos humanos”  18, ao cabo doqual é elaborado relatório que é encaminhado ao governo em questão.

Apenas renovando, a Convenção Americana, diversamente do que ocorre naConvenção Européia, “estabelece o reconhecimento obrigatório pelos Estados-partes dacompetência da CIDH para a consideração de queixas individuais, enquanto as queixasinterestatais, para serem acolhidas, requerem declaração de aceitação expressa,

 facultativa”. No entanto, tal como ocorre na Convenção Européia, “na consideração dequeixas individuais, por ela própria filtradas de acordo com os critérios deadmissibilidade definidos em seu Estatuto – mas, no caso americano, interpretados com

 flexibilidade –, a CIDH busca primeiramente uma solução amigável entre as partes”19.

 No caso de não vingar a solução amigável, a CIDH emite um relatório contendoconclusões e recomendações que é encaminhado ao Estado-parte, e esse terá o prazo detrês meses para cumprir e implementar as recomendações feitas. Thomas Buergenthalavalia que “o relatório elaborado pela Comissão (...) é mandatório e deve conter asconclusões da Comissão, indicando se o Estado referido violou ou não a Convenção

 Americana”20.

Durante esse período de três meses, em suma, o Estado-membro poderá adotar asrecomendações, quando então o caso estará solucionado, ou poderá ocorrer a sua remessa àCorte Interamericana de Direitos Humanos. Se, porém, uma dessas alternativas nãoocorrer, a Comissão, por maioria absoluta de votos, poderá emitir sua própria opinião econclusões sobre o caso, fazendo as recomendações pertinentes e indicando o prazo paraque sejam adotadas. Na hipótese de o Estado-parte não cumprir as recomendações, a

 própria Comissão apreciará a questão e a tornará pública, mediante publicação no relatórioanual de suas atividades21.

2.3. Corte Interamericana de Direitos Humanos

A Corte Interamericana é composta de sete juízes nacionais de Estados-membros da

OEA, eleitos a título pessoal pelos Estados-partes da Convenção (consoante o art. 52). Temela, ainda, competência consultiva e contenciosa.

Quanto à competência consultiva, encontramos no art. 64 que qualquer membro daOEA, seja ou não parte da Convenção, poderá consultar a Corte sobre a interpretação daConvenção ou a respeito de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanosnos Estados Americanos. Além disso, a Corte, a pedido de um Estado-membro da OEA,

18 LINDGREN ALVES, J. A.Op. cit. p. 82.19

  Idem, ibidem.p. 79.20 BUERGENTHAL, Thomas. The Inter-American system for the protection of human rights.  In:MERON , Theodor. Human rights in international law: legal and policy issues. Oxford: ClarendonPress, 1984. p. 459. Apud PIOVESAN, Flávia. Op. cit... p. 40.21 Nesse sentido:PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p. 40.

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 poderá emitir pareceres sobre a compatibilidade entre qualquer de suas leis internas e osmencionados instrumentos internacionais.

 No plano contencioso, diferentemente, a competência da Corte está limitada aosEstados-partes da Convenção que a reconheçam expressamente; daí porque “a maior atividade da Corte tem-se concentrado na jurisdição consultiva, sendo poucas as

 sentenças judiciais já proferidas”.22

 No exercício dessa jurisdição, cabe à Corte, consoante se verifica do art. 63 daConvenção, examinar casos de violação, por parte de Estado-parte, de direito protegido

 pela Convenção, e caso decida “que houve violação de um direito ou liberdade protegidosnesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu

direito ou liberdade violados”, determinando, inclusive, “que sejam reparadas asconseqüências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos,bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada”.

Em casos de extrema gravidade e urgência, e quando se fizer necessário evitar danosirreparáveis às pessoas, acrescenta o art. 63 que a Corte “  poderá tomar as medidas

 provisórias que considerar pertinentes”, e se se tratar de assuntos ainda não submetidos aoseu conhecimento, “ poderá atuar a pedido da Comissão”.

A decisão da Corte, acrescenta Flávia Piovesan, “tem força jurídica vinculante eobrigatória, cabendo ao Estado seu imediato cumprimento. Se a Corte fixar uma

compensação à vítima, a decisão valerá como título executivo, em conformidade com os procedimentos internos relativos à execução de sentença desfavorável ao Estado”23.

Tendo o Brasil reconhecido a competência jurisdicional da Corte Interamericana por meio do Decreto Legislativo n. 89, de 3.12.1998, Carlos Weiss complementa, com apoiono art. 102, inc. I, "h", da Constituição Federal, que “ suas decisões, homologadas peloSupremo Tribunal Federal, poderão ser deduzidas contra o Estado”24.

O sistema interamericano de proteção aos direitos humanos, resume J. A. LindgrenAlves, tem natureza múltipla: “ jurídica e convencional, para os Estados-partes do ‘Pacto

de São José’; semijurídica, para os demais membros da OEA; judicial, para os quereconhecem a competência contenciosa da Corte Interamericana, e política, por suacapacidade de ação sobre situações nacionais que extrapolam casos individuais”25.

2.4. Protocolos Adicionais

Como já referimos, a Convenção reconhece e assegura um rol de direitos civis e  políticos; todavia, praticamente nada diz quanto aos direitos sociais, culturais e

22 LINDGREN ALVES, J. A. Op. cit. p. 80.23 .Op. cit. p. 45.24 Op. cit. p. 107.25  Op. cit . p. 83.

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econômicos. A única referência se encontra no art. 26 (“Os Estados-partes comprometem-  se a adotar as providências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação

internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobreeducação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados

  Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursosdisponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados”), não havendo previsãode qualquer mecanismo de supervisão desses direitos.

Em razão disso, a Assembléia-Geral da OEA, em 1988, adotou um ProtocoloAdicional à Convenção Americana de Direitos Humanos sobre Direitos Econômicos eSociais, que complementa a Convenção Americana de Direitos Humanos. Esse documento

contém várias disposições inovadoras em relação ao Pacto Internacional de 1966. Aindaem fase de ratificação pelos Estados, o Protocolo contém, além disso, algumas disposiçõesque traduzem meras recomendações aos Estados-partes, bem como“determinaçõesexpressas acerca das obrigações a que se submetem os signatários, especialmente quantoaos direitos à saúde (art. 10) e educação (art. 13). No primeiro caso são relacionadas seismedidas cuja adoção é ordenada, como, por exemplo, a total imunização contra as

 principais doenças infecciosas e o oferecimento de ensino primário gratuito obrigatório.Ganha relevo também o direito à greve (art. 8.º,  b ), à seguridade social (art. 9.º), e osrelacionados à velhice e à deficiência (arts. 17 e 18)”26.

Em 1990, foi editado outro protocolo, o Protocolo Adicional Relativo àAbolição da Pena de Morte,

sendo adotado pela Assembléia-Geral da OEA.

26 WEISS, Carlos. Op. cit. p. 103.

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3. CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR E PUNIR ATORTURA (1985)

A Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, de 1985, foi ratificada  pelo Brasil em 20.7.1989, configurando mais um instrumento conferido aos paísesamericanos para prevenir e punir qualquer tratamento cruel, desumano e degradante,incluída a tortura.

A Convenção Interamericana, no art. 6.º, dispõe que os Estados-partes deverãoadotar medidas efetivas visando prevenir e punir a tortura no âmbito de sua jurisdição, nosseguintes termos: “Os Estados-partes assegurar-se-ão de que todos os atos de tortura e astentativas de praticar atos dessa natureza sejam considerados delitos em seu Direito

 Penal, estabelecendo penas severas para sua punição, que levem em conta sua gravidade”.Ainda sentencia que “os Estados-partes obrigam-se também a tomar medidas efetivas

 para prevenir e punir outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, noâmbito de sua jurisdição”.

A Convenção Interamericana segue a linha da Convenção contra a Tortura e outrosTratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembléia-Geraldas Nações Unidas em 10.12.1984, tanto que define, no art. 2.º, o que entende por tortura:“  Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por tortura todo ato pelo qual sãoinfligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com

  fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, comomedida preventiva, como pena ou qualquer outro fim. Entender-se-á também como torturaa aplicação, sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima,ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia

 psíquica”. Complementa o dispositivo que “não estarão compreendidas no conceito detortura as penas ou sofrimentos físicos ou mentais que sejam unicamente conseqüência demedidas legais ou inerentes a elas, contanto que não incluam a realização dos atos ou aaplicação dos métodos a que se refere este artigo”.

 No art. 7.º e ss., a Convenção Interamericana prevê medidas e posturas a seremadotadas pelos Estados-partes signatários, visando a prevenção e proteção integral das

 pessoas de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, dentreaquelas a previsão de os Estados-partes concederem a extradição de toda pessoa acusada dedelito de tortura ou condenada por esse delito (art. 11); no entanto, apesar de se poder indicar um avanço da matéria no Brasil, com a Carta Constitucional de 1988 e a Lei n.9.455/97, também com as medidas já adotadas, não há dúvida de que há, ainda, um longocaminho a ser percorrido para banimento integral dessas práticas.

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4. CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR EERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER (1994)

Como sabemos, a mulher ainda sofre intensa discriminação, pelo que necessita de proteção particularizada. Essa situação, dentre inúmeras outras ações desencadeadas, levouo movimento de mulheres a bater-se, na Conferência Mundial sobre Direitos Humanosrealizada em Viena, em 1993, pelo reconhecimento de que "os direitos da mulher também

 são direitos humanos"27.

A Declaração e Programa de Ação de Viena, no item 18, acabou recepcionando osdireitos da mulher, no sentido em que eram versados, deixando assim estabelecido: “Osdireitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis e constituem parte integral e indivisível dos direitos humanos universais. (...) A violência e todas as formas de abuso eexploração sexual, incluindo o preconceito cultural e o tráfico internacional de pessoas,

 são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e devem ser eliminadas.(...) Os direitos humanos das mulheres devem ser parte integrante das atividades das

 Nações Unidas na área dos direitos humanos ...”.

Pela primeira vez, os direitos da mulher foram reconhecidos como direitos humanosnum documento internacional.

Em conformidade com a Declaração de Viena, a Assembléia-Geral da ONU, em20.12.1993, adotou por unanimidade a Resolução n. 48/104, aprovando a Declaração sobrea Eliminação da Violência contra a Mulher. Nessa Declaração, ressalte-se, há oreconhecimento de que a violência contra a mulher é uma manifestação da históricadesigualdade das relações de poder entre mulheres e homens, nas quais as mulheres sãoespecialmente vulneráveis, e que a violência contra a mulher é um obstáculo para oimplemento da igualdade, desenvolvimento e paz.

J. A.  Lindgren Alves avalia que essa Declaração é importante, pois “define essamodalidade específica de violência”, além de que “estabelece o compromisso – é bem

verdade que não-jurídico – dos Estados e da comunidade internacional com suaeliminação”28.

Apenas à guisa de ilustração, a Declaração de 1993 definiu no art. 1.º a violênciacontra a mulher, considerando-a “qualquer ato de violência baseado no gênero”, e no art.2.º, de maneira específica, estabeleceu, exemplificativamente, as situações assimconsideradas.

A Declaração considera, portanto, violência contra a mulher:

27 LOPES DE FARIA, Helena Omena e MELO, Mônica de. Convenção sobre a eliminação detodas as formas de discriminação contra a mulher e convenção para prevenir, punir e erradicar aviolência contra a mulher. Direitos Humanos – Construção da Liberdade e da Igualdade. Centrode Estudos da Procuradoria-Geral do Estado, p. 389, out.1998,.28 . Op. cit. p. 131.

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“a) violência física, sexual e psicológica na família, inclusive espancamentos,abuso sexual de meninas no lar, violência relacionada a dote, estupro marital, mutilação

 genital feminina e outras práticas danosas à mulher, violência não-marital e violênciarelacionada à exploração;

b) violência física, sexual e psicológica no âmbito da comunidade, inclusiveestupro, abuso sexual, assédio sexual e intimidação no trabalho, em estabelecimentoseducacionais e em outros lugares, tráfico de mulheres e prostituição forçada;

c) violência física, sexual e psicológica perpetrada pelo Estado ou com suaconivência, onde quer que ocorra”.

A importância da Declaração da ONU de 1993 consiste no fato de que há, agora,uma definição do que seja a violência contra a mulher, mencionando situações tradicionais

 praticadas ao abrigo do relativismo cultural, inclusive fazendo constar que os Estados não podem invocar costumes, tradições ou considerações de cunho religioso para deixar deadotar providências no sentido da eliminação da violência.

Dentro do sistema regional interamericano, a Assembléia-Geral da OEA, reunidaem Belém do Pará em junho de 1994, aprovou uma nova Convenção: a   ConvençãoInteramericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

J. A. Lindgren Alves vislumbra que essa Convenção tem particular importância e

relevância para o sistema: “O fato de terem sido adotadas pelo órgão político competenteda esfera regional, enquanto no âmbito das Nações Unidas o máximo alcançado sobreessas matérias até agora são Declarações – importantes, mas sem o caráter jurídicocapaz de impor obrigações para os participantes –, confirma a observação (...) de que arelativa homogeneidade cultural e institucional, apesar das disparidades de poder edesenvolvimento entre os países americanos, facilita o estabelecimento de normas emecanismos mais efetivos nos sistemas regionais”.

Destaca, ainda, que a “Convenção de Belém do Pará”, como é conhecida, guardaavanços em relação à Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação

contra a Mulher, porque, ao contrário dessa última, prevê, inclusive, “a possibilidade deenvio de petições e denúncias contra os Estados-partes à CIDH ‘por qualquer pessoa, grupo de pessoas ou entidade não-governamental legalmente reconhecida’ (Artigo 12)”29.

A “Convenção de Belém do Pará”, em seu preâmbulo, afirma que: “a violênciacontra a mulher constitui uma violação dos direitos humanos e das liberdades

 fundamentais e limita total ou parcialmente à mulher o reconhecimento, gozo e exercíciode tais direitos e liberdades”, porquanto “é uma ofensa à dignidade humana e umamanifestação de relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens”.

No art. 1.º, define a violência contra a mulher, considerando-a “qualquer ação ouconduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”.

29 Op. cit. p. 81.

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 No art. 2.º, de forma minudente, traça as situações entendidas como violência àmulher , apontando que nela se incluem violência física, sexual e psicológica:

"a) que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmodomicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos eabuso sexual;

b) que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e quecompreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus- tratos de pessoas, tráficode mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no lugar do trabalho, bemcomo em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar; e

c) que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer queocorra."

A Convenção, verifica-se, preocupou-se muito com a chamada “violênciadoméstica”, que é o tipo de violência que mais ocorre e permanece abafada, sem contar queé aquela que se teima em aceitar, sob a justificativa inaceitável de que o recesso do lar éinviolável, indevassável.

Após enumerar alguns dos direitos das mulheres, em igualdade com os homens, nosarts. 4.º a 6.º, desfia, nos arts. 7.º a 9.º, os deveres dos Estados, que devem adotar medidas

de caráter preventivo e repressivo para erradicar a violência contra a mulher.

Há, portanto, por parte dos Estados, a obrigação de adotar medidas preventivas,repressivas e punitivas para tanto, pelo que se exige um comprometimento efetivo nessesentido, porque, mais que fundamentar direitos, o que se exige, atualmente, é implementá-los e protegê-los.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

 MÓDULO X 

DIREITOS HUMANOS Incorporação dos Tratados Internacionais de

Proteção dos Direitos Humanos ao Direito Brasileiro

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DIREITOS HUMANOS

Incorporação dos Tratados Internacionais de Proteção dos DireitosHumanos ao Direito Brasileiro

1. INTRODUÇÃO

De fato, após o término da Segunda Guerra Mundial, considerando-se a ferocidade

com que as partes envolvidas se enfrentaram, chegando mesmo às raias da desumanidade,a comunidade internacional achou por bem colocar em discussão, novamente, os direitosfundamentais da pessoa humana. Surgiu, então, uma nova sistemática internacional de

 proteção aos direitos do ser humano.

Segundo a Professora Flávia Piovesan: “Não há como negar a importância dosdireitos humanos no mundo atual; é legítima a exigência da humanidade em barrar asviolações dos direitos fundamentais do homem, compromisso este de aspiração moral eque para ter validade jurídica e política no Direito Internacional é necessário que cadaEstado procure respeitar os tratados e convenções a que anuiu, sob pena de imposição de

medidas pré-estabelecidas no ordenamento internacional.”Continuando, a Professora Flávia Piovesan entende que “os tratados internacionais,

enquanto acordos internacionais juridicamente obrigatórios e vinculantes, constituem a  principal fonte de obrigação do Direito Internacional. O termo tratado é um termogenérico, usado para incluir as Convenções, os Pactos, as Cartas e demais acordosinternacionais.

Os tratados são acordos internacionais, celebrados entre sujeitos de DireitoInternacional, sendo regulados pelo regime jurídico do Direito Internacional.

A necessidade de disciplinar e regular o processo de formação dos tratadosinternacionais propiciou a celebração da Convenção de Viena, que teve como finalidadeservir como a 'Lei dos Tratados'. A Convenção de Viena, concluída em 23.5.1969, contacom mais de oitenta Estados-partes. O Brasil assinou a Convenção em 23.5.1969, masainda não a ratificou. Contudo, a Convenção de Viena limitou-se aos tratados celebradosentre os Estados, não envolvendo os tratados dos quais participam organizaçõesinternacionais"

Segundo Flávia Piovesan: “Para os fins da Convenção de Viena, 'tratado' significaum acordo internacional concluído entre Estados, na forma escrita e regulado pelo regime

do Direito Internacional. Neste sentido, cabe observar que esta análise ficará restrita tão-somente aos tratados celebrados pelos Estados, já que são estes os tratados que importam

 para o estudo do sistema internacional de proteção dos direitos humanos.

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A primeira regra a ser fixada é a de que os tratados internacionais só se aplicam aosEstados-partes, ou seja, aos Estados que expressamente consentiram com sua adoção. Os

tratados não podem criar obrigações aos Estados que com eles não consentiram, ao menosque preceitos constantes do tratado tenham sido incorporados pelo costume internacional.Como dispõe a Convenção de Viena: 'Todo tratado em vigor é obrigatório em relação às

 partes e deve ser observado por elas de boa-fé.' Complementa o art. 27 da Convenção:'Uma parte não pode invocar disposições de seu direito interno como justificativa para onão cumprimento do 'tratado' ” João Grandino R odas declara: “Dos inúmeros conceitosdoutrinários existentes sobre tratado internacional é particularmente elucidativo ofornecido por  R euter: “uma manifestação de vontades concordantes imputável a dois oumais sujeitos de Direito Internacional e destinada a produzir efeitos jurídicos, segundo asregras do Direito Internacional”.

Logo, como afirma Flávia Piovesan, “os tratados são, por excelência, expressão deconsenso. Apenas pela via do consenso podem os tratados criar obrigações legais, uma vezque os Estados soberanos, ao aceitá-los, comprometem-se a respeitá-los. A exigência deconsenso é prevista pelo art. 52 da Convenção de Viena, quando dispõe que o tratado seránulo se sua conclusão for obtida mediante ameaça ou o uso da força, em violação aos

 princípios de Direito Internacional consagrados pela Carta da ONU”.

Cada Estadodetermina, a seu juízo, a sistemática no estabelecimento dos seustratados.

De acordo com Flávia Piovesan: “Em geral, o processo de formação dos tratadostem início com os atos de negociação, conclusão e assinatura do tratado, que são dacompetência do órgão do Poder Executivo. A assinatura do tratado, por si só, traduz oaceite precário e provisório, não irradiando efeitos jurídicos vinculantes. Trata-se de meraaquiescência do Estado com relação à forma e ao conteúdo final do tratado. A assinaturado tratado, via de regra, indica tão-somente que o tratado é autêntico e definitivo.

Após a assinatura do tratado pelo Poder Executivo, o segundo passo é a suaapreciação e aprovação pelo Poder Legislativo.

Em seqüência, aprovado o tratado pelo Legislativo, há o ato de ratificação domesmo pelo Poder Executivo. A ratificação significa a subseqüente confirmação formal(após a assinatura) por um Estado, de que está obrigado a um tratado. Significa, pois, oaceite definitivo, pelo qual o Estado obriga-se pelo tratado internacional; a ratificação é ato

 jurídico que irradia necessariamente efeitos no plano internacional.” Após toda essaformalização, finalmente, o instrumento de ratificação deve ser apresentado a umorganismo que, menciona Flávia Piovesan, “assuma a custódia do instrumento – por exemplo, na hipótese de um tratado das Nações Unidas, o instrumento de ratificação deveser depositado na própria ONU; se o instrumento for de âmbito regional interamericano,deve ser depositado na OEA.” Na realidade o Poder Executivo tem poder de celebrar 

tratados, mas esses só terão validade se referendados pelo Poder Legislativo; a finalidadedessa sistemática é a de alargar as discussões sobre sua admissibilidade ou não dentro doscontextos exigidos pelas diversas leis do próprio país.

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Pergunta-se, então: após a ratificação seria necessário um ato normativo interno paraque o tratado produza seus efeitos dentro do território nacional?

Aqui existem duas posições: a corrente monista e a corrente dualista.

Declara a Professora Flávia Piovesan: “Para a corrente monista, o DireitoInternacional e interno compõem uma mesma e única ordem jurídica. Já para os dualistas oDireito Internacional e interno constituem ordens separadas, incomunicáveis e distintas.Conseqüentemente, para a corrente monista, o ato de ratificação do tratado, por si só,irradia efeitos jurídicos no plano internacional e interno, concomitantemente – o tratadoratificado obriga nos planos internacional e interno. Para a corrente dualista, a ratificaçãosó irradia efeitos no plano internacional, sendo necessária a edição de ato jurídico interno

  para que o tratado passe a irradiar efeitos no Direito interno. Na visão monista há aincorporação automática dos tratados no plano interno, enquanto na corrente dualista aincorporação não é automática. A incorporação automática é adotada pela maioria dos

 países europeus, como a França, a Suíça e os Países-Baixos, no continente americano pelosEstados Unidos e alguns países latino-americanos, e ainda por países africanos e asiáticos.Esta forma de incorporação é amplamente considerada como a mais efetiva e avançadasistemática de assegurar implementação aos tratados internacionais no plano interno.”

Para o Professor  Antônio Augusto Cançado Trindade, “a distinção tradicional,enfatizando a pretensa diferença das relações reguladas pelos dois ordenamentos jurídicos,dificilmente poderia fornecer uma resposta satisfatória à questão da proteção internacionaldos direitos humanos: sob o direito interno as relações entre os indivíduos, ou entre oEstado e os indivíduos, eram consideradas sob o espectro da 'competência nacionalexclusiva'; e tentava-se mesmo argumentar que os direitos individuais reconhecidos peloDireito Internacional não se dirigiam diretamente aos beneficiários, e por conseguinte nãoeram diretamente aplicáveis. Com o passar dos anos, houve um avanço no sentido de, aomenos, distinguir entre os países em que certas normas dos instrumentos internacionais dedireitos humanos passaram a ter aplicabilidade direta, e os países em que necessitavam elasser 'transformadas' em leis ou disposições de direito interno para ser aplicadas pelostribunais e autoridades administrativas”.

Durante a II Conferência Mundial de Direitos Humanos avaliou-se as metasatingidas na proteção internacional dos direitos humanos e tentou-se garantir que asmesmas e as que viessem a ser feitas fossem aplicadas no futuro. Para tanto o Professor Antônio Augusto Cançado Trindade afirma que “quatro questões devem ser examinadas, asaber: a supervisão internacional da compatibilidade dos atos internos dos Estados comsuas obrigações internacionais de proteção; a compatibilização e prevenção de conflitosentre as jurisdições internacional e nacional em matéria de direitos humanos; a obrigaçãointernacional dos Estados de provimento de recursos de direito interno eficazes; e a funçãodos órgãos e procedimentos do direito público interno”.

Podemos declarar, como o Professor Antônio Augusto Cançado Trindade, que “já nãomais se justifica que o Direito Internacional e o Direito Constitucional continuem sendoabordados de forma estanque ou compartimentalizada, como o foram no passado. Já não

 pode haver dúvida de que as grandes transformações internas dos Estados repercutem no

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  plano internacional, e a nova realidade neste assim formado provoca mudanças naevolução interna e no ordenamento constitucional dos Estados afetados”.

Sem dúvida alguma algumas Constituições, hoje em dia, trazem em seu conteúdoinstrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos.

2. TRATADOS INTERNACIONAIS E O DIREITO BRASILEIRO

O art. 84 da Constituição de 1988 declara que é da competência privativa do

Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, devendo ser referendados pelo Congresso Nacional. E, pelo art. 49, inc. I, da referida Constituição cabeao Congresso Nacional, exclusivamente, deliberar, de maneira decisiva, sobre tratados,acordos ou atos internacionais.

Há, pois, uma interdependência, entre o Executivo e o Legislativo na decisão deaplicação de tratados internacionais e que se finaliza no momento em que o Presidente daRepública apõe sua assinatura sobre qualquer uma dessas decisões. Logo, segundo aProfessora Flávia Piovesan, “os tratados internacionais demandam, para seuaperfeiçoamento, um ato complexo, onde se integram a vontade do Presidente da

República, que os celebra, e a do Congresso Nacional, que os aprova, mediante decretolegislativo. Ressalte-se que, considerando o histórico das Constituições anteriores,constata-se que, no Direito brasileiro, a conjugação de vontades entre Executivo eLegislativo sempre se faz necessária para a conclusão de tratados internacionais.”

O tratado será assinado pelo Presidente da República, a seguir aprovado peloCongresso Nacional através de decreto legislativo, e depois será ratificado pelo poder Executivo (Presidente da República).

O grande problema surge no sistema quanto ao prazo. Não há prazo determinado

 para que ocorra todo esse desenvolvimento. Não há prazo para o Congresso apreciar otratado, como não há prazo para o Presidente assiná-lo.

E, como afirma Flávia Piovesan, “salvo na hipótese de tratados de direitos humanos,no texto não há qualquer dispositivo constitucional que enfrente a questão da relação entreo Direito Internacional e o interno. Isto é, não há menção expressa a qualquer dascorrentes, seja à monista, seja à dualista. Por isso, é controvertida a resposta à sistemáticade incorporação dos tratados – se a Carta de 1988 adotou a incorporação automática ounão-automática.

"A doutrina predominante tem entendido que, em face do vazio e silêncioconstitucional, o Brasil adota a corrente dualista, pela qual há duas ordens jurídicasdiversas: a ordem interna e a ordem internacional. Para que o tratado ratificado produzaefeitos no ordenamento jurídico interno, faz-se necessária a edição de um ato normativonacional. No caso brasileiro, este ato tem sido um decreto de execução, expedido pelo

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Presidente da República, com a finalidade de conferir execução e cumprimento ao tratadoratificado no âmbito interno”.

Esse trabalho afirma que essa interpretação não se aplica aos tratados de direitoshumanos que, como conseqüência do art. 5.º, § 1.º, tem aplicação imediata.

Os tratados de direitos humanos, assim que ratificados, devem produzir efeitos tantona ordem nacional como na internacional, não havendo necessidade de decreto executivo.O mesmo não acontece quando o tratado abordar outros assuntos, havendo pois anecessidade do supracitado decreto, pois a Constituição nada menciona sobre a matéria.

Portanto, afirma Flávia Piovesan, “defende-se que a Constituição adota um sistema jurídico misto, na medida em que para os tratados de direitos humanos acolhe a sistemáticade incorporação automática, enquanto para os tratados tradicionais acolhe a sistemática deincorporação não-automática.”

De acordo com o Professor  Antônio Augusto Cançado Trindade, “a ConstituiçãoBrasileira de 1988, após proclamar que o Brasil se rege em suas relações internacionais

 pelo princípio, inter alia, a dignidade da pessoa humana (artigo 1(III), estatui, consoante  proposta que avançamos na Assembléia Nacional Constituinte e por esta aceita, que osdireitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos

 princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja Parte(artigo5 (2)). E acrescenta que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais

têm aplicação imediata (artigo5(I))”.

A Carta Constitucional abriga um sistema misto quanto à hierarquia dos tratados.Associa, pois, um regime jurídico quanto aos tratados de direitos humanos e outro quandoversar sobre os tratados que não abordem os direitos humanos.

O art. 5.º da Constituição Federal/88 declara que os direitos e garantiasestabelecidos pela Constituição “não excluem outros decorrentes do regime e dos

 princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativado Brasil seja parte”. Logo, a Constituição de 1988 inclui, dentre os direitos por ela

abrangidos, aqueles determinados pelos tratados internacionais, em que o Brasil sejasignatário.

Flávia Piovesan cita: “Ao efetuar tal incorporação, a Carta está a atribuir aos direitosinternacionais uma hierarquia especial e diferenciada, qual seja, a de norma constitucional.Essa conclusão advém de interpretação sistemática e teleológica do texto, especialmenteem face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais,como parâmetros axiológicos a orientar a compreensão do fenômeno constitucional”.

“A esse raciocínio se acrescentam o princípio da máxima efetividade das normas

constitucionais referentes a direitos e garantias fundamentais e a natureza materialmenteconstitucional dos direitos fundamentais, o que justifica estender aos direitos enunciadosem tratados o regime constitucional conferido aos demais direitos e garantiasfundamentais. Esta conclusão decorre também do processo de globalização, que propicia eestimula a abertura da Constituição à normação internacional – abertura que resulta na

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ampliação do 'bloco de constitucionalidade', que passa a incorporar preceitos asseguradoresde direitos fundamentais. Adicione-se ainda o fato de as Constituições latino-americanas

recentes conferirem aos tratados de direitos humanos um  status jurídico especial ediferenciado destacando-se, neste sentido, a Constituição da Argentina que, em seu art. 75,§ 22, eleva os principais tratados de direitos humanos à hierarquia de normaconstitucional.”

Assim, os parágrafos 1.º e 2.º do art. 5.º da Constituição Federal/88, consideram osdireitos, abrangidos por tratados internacionais, uma hierarquia de norma constitucional, ese estão inseridos nos direitos constitucionalmente garantidos, serão de aplicação imediata.

Segundo, pois, o Professor Antônio Augusto Cançado Trindade: “Assim, a novidade

do parágrafo 2.º do art. 5.º da Constituição de 1988 consiste no acréscimo, por propostaque avancei, ao elenco dos direitos constitucionalmente consagrados, dos direitos egarantias expressos em tratados internacionais sobre proteção internacional dos direitoshumanos em que o Brasil é parte. Observe-se que os direitos se fazem acompanhar necessariamente das garantias. É alentador que as conquistas do Direito Internacional emfavor da proteção do ser humano venham a projetar-se no direito constitucional,enriquecendo-o, e demonstrando que a busca de proteção cada vez mais eficaz da pessoahumana encontra guarida nas raízes do pensamento tanto internacionalista quantoconstitucionalista.”

Flávia Piovesan afirma: "As constituições, embora continuem a ser pontos delegitimação, legitimidade e consenso autocentrados numa comunidade estadualmenteorganizada, devem abrir-se progressivamente a uma rede cooperativa de metanormas(‘estratégias internacionais’, ‘pressões concertadas’) e de normas oriundas de outros‘centros’ transnacionais e infranacionais (regionais e locais) ou de ordens institucionaisintermediárias (‘associações internacionais’, ‘programas internacionais’).

“A globalização internacional dos problemas (‘direitos humanos’, ‘proteção derecursos’, ‘ambiente’) aí está a demonstrar que, se a ‘constituição jurídica do centroestadual’, territorialmente delimitado, continua a ser uma carta de identidade política ecultural e uma mediação normativa necessária de estruturas básicas de justiça de umEstado-Nação, cada vez mais ela se deve articular com outros direitos, mais ou menosvinculantes e preceptivos (hard   law), ou mais ou menos flexíveis (  soft law),

  progressivamente forjados por novas ‘unidades políticas’, ‘Europa comunitária’, ‘casaeuropéia’, ‘unidade africana’). Neste raciocínio, a abertura à normação internacional passaa ser elemento caracterizador da ordem constitucional contemporânea.

“Tomando como base a Carta de 1988, os demais tratados internacionais têm forçahierárquica infraconstitucional, nos termos do art. 102, III, do texto (que admite ocabimento de recurso extraordinário de decisão que declarar a inconstitucionalidade detratado), os direitos enunciados em tratados internacionais de proteção dos direitos

humanos detêm hierarquia de norma constitucional. Este tratamento jurídico diferenciadose justifica, na medida em que os tratados internacionais de direitos humanos apresentamum caráter especial, distinguindo-se dos tratados internacionais comuns. Enquanto estes

  buscam o equilíbrio e a reciprocidade de relações entre Estados-partes, aqueles

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transcendem os meros compromissos recíprocos entre os Estados pactuantes, tendo emvista que objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano e não das prerrogativas dos

Estados.”Argumentado da mesma maneira, temos CANOTILHO: “A paridade hierárquico-

normativa, ou seja, o valor legislativo ordinário das convenções de conteúdo materialmenteconstitucional (ex.: Convenção Européia de Direitos do Homem, Pacto Internacional sobreDireitos Civis e Políticos e Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais eCulturais)”.

A hierarquia infraconstitucional dos demais tratados internacionais (que não tratamdos direitos humanos tratados tradicionais) está fundamentada no art. 102, inc. III,

"b", da Constituição Federal/88, que concede ao Supremo Tribunal Federal a competênciade julgar, através de recurso extraordinário, “as causas decididas em única ou últimainstância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou leifederal”. Sob o enfoque deste dispositivo, uma parte da doutrina brasileira passou a admitir que os tratados internacionais e as leis federais tinham a mesma hierarquia jurídica,aplicando-se, pois, o princípio “lei posterior revoga lei anterior que seja com elaincompatível”.

Desde 1977 o Supremo Tribunal Federal admite o sistema paritário que equipara  juridicamente o tratado internacional à lei federal. Concluiu, portanto, ser aplicável o princípio de que a norma posterior revoga a norma anterior com ela incompatível.

Declara Jacob Dolinger: “Hans K elsen, que deu ao monismo jurídico sua expressãocientífica definitiva, advogava a primazia do Direito Internacional sobre o direito interno

 por motivos de ordem prática: a primazia do direito interno acarretaria o despedaçamentodo direito e, conseqüentemente, sua negação. De acordo com a teoria kelseniana, a ordem

  jurídica interna deriva da ordem jurídica internacional delegada”. Esta foi a posiçãoabraçada pelos internacionalistas brasileiros, tanto os publicistas como os privatistas, e queera geralmente aceita pelos Tribunais brasileiros, inclusive pelo Supremo Tribunal Federalaté que, em 1977, modificou seu ponto de vista. Passou a admitir a derrogação de umtratado por lei posterior. Esta nova posição da Suprema Corte está sendo aplicada de modotão profundo que o argumentou Ministro José Francisco R ezek: “A prevalência à última

 palavra do Congresso Nacional, expressa no texto doméstico, não obstante isto importasseo reconhecimento da afronta, pelo país, de um compromisso internacional. Tal seria umfato resultante da culpa dos poderes políticos, a que o Judiciário não teria como dar remédio”. Há pois um aspecto crítico a se observar que é a indiferença às conseqüências dodescumprimento do tratado no plano internacional, na medida em que autoriza o Estado-

 parte a violar dispositivos da ordem internacional, aos quais se comprometeu a cumprir de boa-fé.

De acordo com a Professora Flávia Piovesan: “Esta posição afronta o disposto pelo

art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que determina não poder oEstado-parte invocar posteriormente disposições de direito interno como justificativa parao não-cumprimento do tratado. Tal dispositivo reitera a importância, na esferainternacional, do princípio da boa-fé, pelo qual cabe ao Estado conferir cumprimento às

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disposições do tratado, com o qual livremente consentiu. Ora, se o Estado no livre e plenoexercício de sua soberania ratifica um tratado, não pode posteriormente obstar seu

cumprimento. Além disso, o término de um tratado está submetido à disciplina dadenúncia, ato unilateral do Estado pelo qual manifesta seu desejo de deixar de ser parte deum tratado. Vale dizer, em face do regime de Direito Internacional, apenas o ato dadenúncia implica a retirada do Estado de determinado tratado internacional. Assim, nahipótese de inexistência do ato da denúncia, persiste a responsabilidade do Estado naordem internacional”.

 Na verdade a teoria da paridade entre o tratado internacional e a legislação federalnão se aplica aos tratados internacionais de direitos humanos, tendo em vista que aConstituição de 1988 assegura a esses garantia de privilégio hierárquico, atribuindo-lhes

hierarquia constitucional. Este tratamento jurídico diferenciado, conferido pelo art. 5.º, §2.º, da Constituição Federal/88, justifica-se na medida em que os tratados internacionais dedireitos humanos apresentam um caráter especial, distinguindo-se dos tratadosinternacionais comuns. Enquanto esses buscam o equilíbrio e a reciprocidade de relaçõesentre Estados-partes, aqueles transcendem os meros compromissos recíprocos entre osEstados pactuantes. Os tratados de direitos humanos objetivam a salvaguarda dos direitosdo ser humano e não dos direitos dos Estados.

Concluindo com a Professora Piovesan: “O Direito brasileiro faz opção por umsistema misto disciplinado dos tratados. Este sistema misto caracteriza-se por combinar 

regimes jurídicos diferenciados: um regime aplicável aos tratados de direitos humanos eum outro aplicável aos tratados tradicionais. Enquanto os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos por força do art. 5.º, §§ 1.º e 2.º – apresentam hierarquiaconstitucional e são incorporados automaticamente, os demais tratados internacionaisapresentam hierarquia infraconstitucional, não sendo incorporados de forma automática

 pelo ordenamento jurídico brasileiro”.

Considerando a hierarquia constitucional dos tratados sobre direitos humanos, trêshipóteses poderão ocorrer. Segundo Flávia Piovesan: “O direito enunciado no tratadointernacional poderá:

a) coincidir com o direito assegurado pela Constituição (nesse caso aConstituição reproduz preceitos do Direito Internacional dos Direitos Humanos);

 b) integrar, complementar e ampliar o universo de direitos constitucionalmente previstos;

c) contrariar preceito do Direito interno”.

“A reprodução de disposições de tratado internacionais de direitos humanos naordem jurídica brasileira reflete não apenas o fato de o legislador nacional buscar 

orientação e inspiração nesse instrumental, mas ainda revela a preocupação do legislador em equacionar o Direito interno, de modo a que se ajuste, com a harmonia e consonância,às obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado brasileiro.

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO XIX

"Na segunda hipótese, os tratados internacionais de direitos humanos estarão aintegrar, complementar e estender a declaração constitucional de direitos. Com efeito, a

 partir dos instrumentos internacionais ratificados pelo Estado brasileiro, é possível elencar inúmeros direitos que, embora não previstos no âmbito nacional, encontram-se enunciadosnesses tratados e, assim, passam a se incorporar ao Direito brasileiro.

"E, na hipótese de eventual conflito entre o Direito Internacional dos DireitosHumanos e o Direito interno, adota-se o critério da norma mais favorável à vítima. Emoutras palavras, a primazia é a da norma que melhor proteja, em cada caso, os direitos da

 pessoa humana.”

Logo, em todas as hipóteses, os tratados internacionais que abrangem os direitos

humanos têm por finalidade aperfeiçoar e fortalecer os interesses dos seres humanos, por meio dos direitos consagrados no plano normativo interno.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

 MÓDULO XI 

DIREITOS HUMANOS Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal)

Título I - Do Objeto e da Aplicação da Lei de ExecuçãoPenal 

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO XXI

DIREITOS HUMANOS

Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal)Título I - Do Objeto e da Aplicação da Lei de Execução Penal

 Luiz Antônio de Souza

Vitor Frederico Kümpell

1. INTRODUÇÃO

Examinando tudo o que já foi dito nos módulos anteriores, e tendo por base aConstituição brasileira, induvidoso concluir que repousa no Estado o grande artífice daconstrução, implementação, observância, defesa e respeito aos direitos humanosfundamentais. Flávia Piovesan, a respeito, destaca que a consolidação da cidadania éresponsabilidade do Estado, responsabilidade essa derivada do texto constitucional, queadotou, amplamente, a concepção contemporânea de cidadania.1

Investigando o perfil constitucional do Estado brasileiro, segundo Flávia Piovesan“a ordem constitucional de 1988 representa um duplo valor simbólico: é ela o marco

 jurídico da transição democrática, bem como da institucionalização dos direitos humanosno país. A Carta de 1988 representa a ruptura jurídica com o regime militar autoritário que

 perpetuou no Brasil de 1964 a 1985”.

Com a Constituição de 1988, revela, ocorreu uma “redefinição do Estado brasileiro, bem como dos direitos fundamentais. Extrai-se do sistema constitucional de 1988 os

delineamentos de um Estado intervencionista, voltado ao bem-estar social. O Estadoconstitucional democrático de 1988 não se identifica com um Estado de direito formal,reduzido a simples ordem de organização e processo, mas visa a legitimar-se como umEstado de justiça social, concretamente realizável. O texto constitucional de 1988confirma, nesse sentido, o esgotamento do modelo liberal de Estado, estabelecendo umEstado de bem-estar social, intervencionista e planejador”. 2

Em seu artigo 1.º, a Carta Constitucional de 1988 elege princípios fundamentais anortearem o Estado brasileiro, concebido como Estado Democrático de Direito, dentre eles,nos incisos II e III, a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Esses princípios são

 pilares fundamentais a orientarem todo o sistema, somente atingíveis com a observância eo respeito aos direitos humanos fundamentais.

1 Temas de Direitos Humanos. 1.ª ed. Max Limonad, 1998. p. 205-229.2 Op. cit. Temas de Direitos Humanos p. 206 e 226-227.

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 _________________________________________________________________________ MÓDULO XXI

Portanto, a implementação, a observância e o respeito aos direitos humanosfundamentais são mandamentos constitucionais, e tal é tarefa sobretudo do Estado,

imprescindível e necessária para a consolidação da cidadania e dignidade da pessoahumana.

A propósito, no que toca à cidadania, a Carta Constitucional adota a concepçãocontemporânea, reconhecendo a indivisibilidade e a universalidade dos direitos humanos,

 bem como o “ processo de especificação do sujeito de direito”. Quanto a esse último, osujeito de direito, “deixa de ser visto em sua abstração e generalidade e passa a ser concebido em sua concretude, em suas especificidades e peculiaridades”.3 

Em apertada síntese, Flávia Piovesan conclui: “A responsabilização do Estado na

consolidação da cidadania está condicionada ao fortalecimento de estratégias que sejamcapazes de implementar os três elementos essenciais à cidadania plena, quais sejam, aindivisibilidade e universalidade dos direitos humanos e o processo de especificação dosujeito de direito”.4

Essa tarefa do Estado deve estar presente em todos os momentos, em todas assituações e, especialmente, numa oportunidade muito singular, muito específica, em que a

 proteção estatal se faz ainda mais exigível, ou seja, quando o indivíduo estiver cumprindoa pena resultante de uma condenação ou quando estiver preso provisoriamente.

2. DIREITOS HUMANOS E EXECUÇÃO PENAL

O direito de punir, adverte Miguel Reale Júnior, “se desenrola em três momentos:no primeiro, quando do mandamento do legislador para que o destinatário da norma seabstenha de praticar o ato tipificado como crime, sob pena de sanção; no segundomomento, quando a norma penal é desrespeitada, gerando o direito do Estado à persecução

 penal, na busca de dar efetividade à ameaça antes genérica; no terceiro momento, se

sobrevier ao fim do processo penal uma condenação, surge o direito à execução dessa pena”.5

A respeito da execução da pena, dispõe o art. 1.º da Lei de Execução Penal (Lei n.7.210/84): “A execução penal tem por objetivo  efetivar as disposições de sentença oudecisão criminal ...”, ou seja, concretizada definitivamente a pena, deverá ela efetivamenteser cumprida..

Acontece, porém, que o fato de alguém estar sentenciado em definitivo , cumprindo  pena, não priva tal pessoa dos direitos humanos fundamentais que lhe são inerentes,exceção feita, obviamente, aos direitos incompatíveis com a situação específica deindivíduo preso.

3  Idem, ibidem.  p. 227-228.4  Idem, ibidem. p. 229.5O Direito de Liberdade no Processo Penal. Revista Cejap, p. 27, set..2000.

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Com efeito, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, em seuPreâmbulo, por um lado, proclama que “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os

membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento daliberdade, da justiça e da paz no mundo”. Em seu artigo I, em seguida, proclama: “Todasas pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. No Preâmbulo do Pacto de SanJosé da Costa Rica, por outro lado, encontramos: “os direitos essenciais da pessoa humananão derivam do fato de ser ela nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteçãointernacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece odireito interno dos Estados americanos”.

Assim, como já enfatizamos, os direitos fundamentais, essenciais, são conferidos ao

indivíduo tão-somente em razão da sua condição de pessoa humana, devendo ser observados inapelavelmente; portanto, o fato de encontrar-se preso não o afasta dessa gamade direitos, exceção feita aos direitos incompatíveis com essa condição.

A pessoa presa logicamente sofre restrições de alguns direitos fundamentais, taiscomo a liberdade de locomoção (art. 5.º, inc. XV, da CF), o livre exercício de qualquer 

 profissão (art. 5.º, inc. XIII, da CF), a inviolabilidade domiciliar em relação à cela (art. 5.º,inc. XI, da CF); todavia ficam intactos inúmeros outros: direito à dignidade humana (art.1.º, inc. III, da CF), direito à vida, segurança e propriedade (art. 5.º, caput , da CF), direito àintegridade física e moral (art. 5.º, incs. III, V, X e LXIV, da CF).

A tendência constitucional contemporânea, sabe-se, é a de conferir especial relevoaos direitos humanos, concebidos como fundamentais e indissociáveis da plena realizaçãoda pessoa humana. Essa escala de valores adotada pelas Cartas Constitucionais, coloca oser humano como figura central; daí por que a limitação de direitos do indivíduo deve estar reservada a situações específicas. Não pode, todavia, essa limitação atingir, afetar, violar adignidade da pessoa humana, princípio fundamental a nortear todo o sistema constitucional

 brasileiro.

Assim, embora preso, o indivíduo deve ter respeitada a sua integridade física emoral, bem como a sua dignidade. Luiz Vicente Cernicchiaro e Paulo José da Costa Junior acentuam que “o conceito e o processo de execução, de modo algum, podem arranhar adignidade do homem, garantida contra qualquer ofensa física ou moral. Lei quecontrariasse esse estado, indiscutivelmente seria inconstitucional”.6

Importante papel, nesse sentido, está reservado ao Estado. Cândido Furtado Maia  Neto adverte: “Um Estado somente é democrático quando as autoridades públicasconstituídas (legisladores, polícia, promotores de justiça, juízes de direito e servidores

 penitenciários), que protagonizam o sistema de administração de justiça, aplicarem oDireito Penal-Penitenciário resguardando os princípios gerais de Direitos Humanos do

 processado e do condenado preso”.7

Entretanto, não há dúvida de que cabe ao Poder Judiciário, principalmente, o papelde garantidor dos direitos e liberdades fundamentais, especialmente das pessoas6  Direito Penal na Constituição. 3.ª ed. São Paulo: RT, 1995. p. 144.7  Direitos Humanos do Preso. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 1-2.

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condenadas e presas. Assim Celso Luiz Limongi assevera: “No Estado Democrático deDireito, portanto, com a divisão dos Poderes, cumpre principalmente ao Poder Judiciário

ser o garante, o instrumento principal de defesa da cidadania e dos direitos humanosfundamentais, contra o arbítrio dos Poderes Executivo, Legislativo e do próprio Judiciário.É o Judiciário o bastião moral e legal que protege o indivíduo contra o arbítrio do Estado.E os juízes precisam estar bem ciosos dessa grave responsabilidade”.8 

 Nesse sentido, ainda, as precisas observações de Alberto Silva Franco: “Urge que o juiz, além do normal exercício da jurisdição penal, faça valer, efetivamente, os direitosfundamentais e garantias constitucionais do cidadão, no campo penal e processual penal,todas as vezes que tais direitos ou garantias suportem ou estejam em vias de   suportar algum tipo de lesão. Urge, ainda, que o Juiz Penal tome consciência de que, além da

 jurisdição penal, exerce também a jurisdição constitucional das liberdades e que, por isso,não pode compactuar com nenhum agravo à Constituição Federal”.9

Apesar de todas as considerações anteriores, a situação carcerária no país éextremamente grave. As violações aos direitos humanos ocorrem em profusão, existindouma profunda e triste discrepância entre os ditames legais, os escritos doutrinários e arealidade.

Com efeito, a superpopulação carcerária, a falta de condições mínimas de higiene,segurança e saúde, além de violações sexuais às quais estão os presos sujeitos, sem contar aviolência a que estão expostos, tanto por parte dos funcionários como de outros presos,uma realidade corrente no país, fazem com que os indivíduos cumpram pena em condiçõesdegradantes, indignas, desumanas, configurando uma das mais sérias violações aos direitoshumanos. Diante dessa triste realidade, cumpre às autoridades concretizar aquilo que otexto constitucional, os diplomas internacionais e a Lei de Execução Penal determinam, oque é um enorme desafio a ser vencido.

3. REGRAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DOSRECLUSOS

 No Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966) encontramos algumasregras que traduzem direitos das pessoas presas. Desta forma, o Pacto dispõe em seu art.7.º: “Ninguém poderá ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis,desumanos ou degradantes”. Em seguida, em seu art. 9.º, temos: “Toda pessoa temdireito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá ser preso ou encarceradoarbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos motivos

 previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos”.

8 Direitos Humanos e Execução Penal.  In: Direitos Humanos – Visões Contemporâneas. publicação da Associação Juízes para aDemocracia, 2001. p. 117.9 Lei de Crimes Hediondos.  Fascículos de Ciências Penais. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1992, ano 5, vol. 5, p. 55.  Apud STEINER, Sylvia Helena de Figueiredo.  A Convenção Americana sobre Direitos Humanos e sua Integração ao Processo Penal  Brasileiro. São Paulo: RT, 2000. p. 134.

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Ainda nesse Pacto, em seu art. 10, encontramos outras disposições atinentes aotema. No item 1 está disposto: “Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada

com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana”. No item 2a,encontramos: “As pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em circunstânciasexcepcionais, das pessoas condenadas e receber tratamento distinto, condizente com suacondição de   pessoas não condenadas”. No item 2b, por sua vez: “As pessoas jovens

  processadas deverão ser separadas das adultas e julgadas o mais rápido possível”.Finalmente, no item 3:: “O regime penitenciário consistirá em um tratamento cujo objetivo

  principal seja a reforma e reabilitação moral dos prisioneiros. Os delinqüentes juvenisdeverão ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade econdição jurídica”.

 Na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, conhecida como Pacto deSan José da Costa Rica, encontramos disposições similares. Confira-se o art. 5.º, in verbis:

“Artigo 5.º – Direito à integridade pessoal

1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanosou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido àdignidade inerente ao ser humano.

3. A pena não pode passar da pessoa do delinqüente.

4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstânciasexcepcionais, e devem ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoasnão condenadas.

5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos econduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento.

6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a

readaptação social dos condenados”.Além dessas disposições, a Organização das Nações Unidas prevê regras mínimas

 para o tratamento dos reclusos, além do instrumento denominado Princípios Básicos para oTratamento dos Reclusos (Resolução n. 45/111, de 14.12.1990), que configuram regrasmínimas e princípios a serem observados na organização penitenciária e no tratamento dos

 presos.

Um dos princípios básicos a ser observado é o da igualdade, na medida em que oinstrumento normativo contempla: “as regras que se seguem devem ser aplicadas,imparcialmente. Não haverá discriminação alguma com base em raça, cor, sexo, língua,

religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, meios de fortuna, nascimentoou outra condição. Por outro lado, é necessário respeitar as crenças religiosas e os preceitosmorais do grupo a que pertença o recluso”.

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O instrumento normativo, ainda, prevê regras básicas com respeito à separação dosreclusos em categorias. São elas, em síntese:

• na medida do possível, homens e mulheres devem estar detidos emestabelecimentos separados; nos estabelecimentos que recebem homens emulheres, a totalidade dos locais destinados às mulheres será completamenteseparada;

•  presos preventivos devem ser mantidos separados dos condenados;

•  pessoas presas por dívidas, ou outros reclusos do foro civil, devem ser mantidasseparadas de reclusos do foro criminal;

• os jovens reclusos devem ser mantidos separados dos adultos.

Além dessas, outras regras existem prevendo as condições dos estabelecimentos comrelação à higiene pessoal, vestuário, exercício e desporto, serviços médicos, informação edireito de queixa dos reclusos, contatos com o mundo exterior, biblioteca e religião. E, por fim, está estabelecido um sistema de disciplina e sanções.

4. DO OBJETO E DA APLICAÇÃO DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Abordando mais especificamente o tema objeto de nosso estudo, vamos nos pautar,essencialmente, pelo disposto nos arts. 1.º a 3.º da Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84),trazendo, quando necessário, os influxos constitucionais pertinentes.

4.1. Natureza, Finalidade e Objeto da Execução Penal

De acordo com o art. 1.º da Lei de Execução Penal: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições

 para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

A execução penal, portanto, é uma atividade complexa, tendo, tal atividade, reflexosno Direito Penal, no Direito Processual Penal e no Direito Administrativo.10

10 MIRABETE, Julio Fabbrini.   Execução Penal . 8.ª ed. São Paulo: Atlas, 1997. p. 25 e 34: “Realmente, a natureza jurídica daexecução penal não se confina no terreno do Direito Administrativo e a matéria é regulada à luz de outros ramos do ordenamento

 jurídico, especialmente o Direito Penal e o Direito Processual. Há uma parte da atividade da execução que se refere especificamentea providências administrativas e que fica a cargo das autoridades penitenciárias e, ao lado disso, desenvolve-se a atividade do Juízode execução ou atividade judicial da execução”. Diante disso, pode-se afirmar que “a execução penal é uma atividade complexa,que se desenvolve nos planos jurisdicional e administrativo”.

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Atendendo, especialmente, as disposições contidas em instrumentos internacionais,que contemplam que a finalidade da pena deve ser a reinserção social do condenado 11, bem

como a orientação constitucional, no sentido de que a República Federativa do Brasil temcomo fundamento a cidadania e a dignidade da pessoa humana, a Lei de Execução Penaldispõe, no artigo 1.º, que o objetivo da execução é “proporcionar condições para aharmônica integração social do condenado”.

Com essa visão, perfeitamente adaptada ao texto constitucional, a execução da pena privativa de liberdade não tem, somente, finalidade retributiva e preventiva, mas, sim,especialmente, a finalidade de reintegrar o condenado na comunidade. E, se assim é,“resulta claro que não se trata apenas de um direito voltado à execução das penas emedidas de segurança privativas de liberdade, como também às medidas assistenciais,

curativas e de  reabilitação do condenado, o que leva à conclusão de ter-se adotado emnosso direito positivo o critério da autonomia de um Direito de Execução Penal ao invés dorestrito de Direito Penitenciário”.12 

 No tocante à finalidade da pena, portanto, pode-se afirmar que a Lei de ExecuçãoPenal “adotou os postulados da Nova Defesa Social, aliando a esta a prevenção criminal ea humanização da execução da pena e afastando o ‘tratamento’ reformador, na esteira dasmais recentes legislações a respeito da matéria”.13 

A Escola do Neodefensismo Social ou a Nova Defesa Social é “um movimento de política criminal humanista fundado na idéia de que a sociedade é apenas defendida àmedida que se proporciona a adaptação do condenado ao meio social (teoriaressocializadora)”.14 Todavia, “embora o pensamento dominante se funde sobre aressocialização, é preciso nunca esquecer que o direito, o processo e a execução penalconstituem apenas um meio para a reintegração social, indispensável, mas nem por isso ode maior alcance, porque a melhor defesa da sociedade se obtém pela política social doEstado e pela ajuda pessoal”.

15

Assim, duas finalidades sobressaem do art. 1.º da Lei de Execução Penal,configurando o objeto da execução penal: “efetivar as disposições da sentença ou decisãocriminal” e “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e dointernado”. Portanto, as penas e medidas de segurança devem realizar “a proteção dos bens

 jurídicos e a reincorporação do autor à comunidade”, no que se entrevê a adoção dos princípios da Escola da Nova Defesa Social.16

4.2. Princípios Observados no Processo de Execução11 Encontramos no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos ( 1966), no art. 10, item 3, que: “O regime penitenciárioconsistirá em um tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e reabilitação moral dos prisioneiros. Os delinqüentes juvenisdeverão ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e condição jurídica”; encontramos ainda, naConvenção Americana de Direitos Humanos de 1969, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, em seu art. 5.º, item 6:“As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”.12 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., p. 27.13  Idem, ibidem. p. 34.14  Idem, ibidem. p. 30.15 CUNHA LUNA, Everardo da. Apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Idem, ibidem..16 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit . p. 33.

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O art. 2.º da Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/84) estabelece: “A jurisdição penaldos juízes ou tribunais da justiça ordinária, em todo o território nacional, será exercida, no

 processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal”.

4.2.1. Princípio da legalidade

O primeiro princípio que exsurge do dispositivo é o denominado   princípio dalegalidade, que a doutrina também tem chamado  princípio de legalidade da execução

 penal . Por esse princípio, “todas as medidas de execução penal aplicadas pelo juiz daexecução devem estar previstas em lei, sob pena de caracterização de excesso ou desvio deexecução”.17

Assim, é possível impor ao condenado todas as sanções penais e restriçõesestabelecidas em lei; todavia não se admite qualquer limitação que não esteja prevista. Issose dá, pois “com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a execução da pena,além de se constituir numa atividade administrativa, adquiriu status de garantiaconstitucional, como se depreende do art. 5.º, XXXIX, XLVI, XLVII, XLVIII e XLIX,tornando-se o sentenciado sujeito de relação processual, detentor de obrigações, deveres eônus, e, também, titular de direitos, faculdades e poderes”.18

Aliás, e para que não reste dúvida, consta da Exposição de Motivos, no item 19, que

o princípio da legalidade “domina o corpo e o espírito da lei, de forma a impedir que oexcesso ou o desvio da execução comprometam a dignidade e a humanidade do DireitoPenal”.

4.2.2. Princípio da jurisdicionalidade

Esse princípio também é extraído do art. 2.º, uma vez que o dispositivo refere-se à“jurisdição penal” e ao “processo de execução”; tal princípio impõe que, em toda execução

 penal, as medidas, limitações e decisões devem ser tomadas e os conflitos decididos pelaautoridade judiciária.

Portanto, o dispositivo contempla a “jurisdicionalização da execução penal”, motivo pelo qual é exigida a intervenção do juiz na execução da pena, sem prejuízo de outras providências, de caráter administrativo, cabíveis na espécie. “Ao passar em julgado asentença condenatória, surge entre o condenado e o Estado uma complexa relação jurídica,com direitos, expectativas de direitos e legítimos interesses, de parte a parte, inclusive noque se refere aos incidentes da execução e, como em qualquer relação jurídica, os conflitos,

 para serem dirimidos, demandam a intervenção jurisdicional”.19

17 MARCHI de QUEIROZ, Carlos Alberto . Resumo de Direitos Humanos e da Cidadania. São Paulo: Iglu, 2001. p. 130.18 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p. 36.19 BERGAMINI MIOTTO, Arminda . Curso de ciência penitenciária. São Paulo: Saraiva, 1975, vol. 3, p. 701,  Apud  MIRABETE,Julio Fabbrini. Op. cit. p. 37.

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Julio Fabbrini Mirabete acentua: “A justiça penal não termina com o trânsito em julgado da sentença condenatória, mas se realiza, principalmente, na execução. É o poder 

de decidir o conflito entre o direito público subjetivo de punir (pretensão punitiva ouexecutória) e os direitos subjetivos concernentes à liberdade do cidadão. Esse conflito nãose resume aos clássicos incidentes da execução, mas se estabelece também em qualquer situação do processo executório em que se contraponham, de um lado , os direitos e deverescomponentes do status do condenado, delineados concretamente na sentença condenatóriae, de outro, o direito de punir do Estado, ou seja, de fazer com que se execute a sançãoaplicada na sentença”.20

4.2.3. Princípio do devido processo legal A execução, já vimos, visa tornar efetiva a sanção concretizada na sentença

condenatória. Tal se dá por meio de um conjunto de atos processuais – cujo objetivo é ocumprimento efetivo da pena pelo condenado – e, portanto, há processo na execução.Todavia, tem-se entendido que a execução penal não é uma ação executiva penalautônoma, mas, sim, integra o processo penal condenatório como sua última fase. Aexecução penal, portanto, é uma fase do processo penal.21

Conclui Julio Fabbrini Mirabete: “Deve-se utilizar, portanto, a expressão processode execução para designar o conjunto de atos jurisdicionais necessários à execução das

 penas e medidas de segurança como derradeira etapa do processo penal”.22

Se há processo de execução, logicamente devem ser observadas todas as garantiasincidentes no processo penal e cabíveis in casu, quais sejam: o contraditório e a ampladefesa, com os meios e recursos a ela inerentes, o juiz natural, a publicidade dos atos

 processuais, o duplo grau de jurisdição (veja o art. 197 da Lei de Execução Penal, que prevê o recurso de agravo, sem efeito suspensivo, das decisões proferidas pelo Juízo).

4.3. Preservação de Direitos Na seqüência, no art. 3.º da Lei de Execução Penal, encontramos: “Ao condenado e

ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”.

Como já destacamos anteriormente, e o artigo 3.º, caput, diz textualmente, o fato dealguém estar sentenciado definitivamente, cumprindo pena, ou mesmo preso

 provisoriamente, não priva tal pessoa dos direitos humanos fundamentais que lhe sãoinerentes, exceção feita, é claro, aos direitos incompatíveis com a situação específica deindivíduo preso. Isso decorre da Carta Constitucional, não havendo possibilidade de

contraposição.20 MIRABETE, Julio Fabbrini.Idem, ibidem. p. 37.21 JARDIM, Afrânio Silva. Reflexão Teórica sobre o Processo Penal.  Justitia 127/99. Apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit. p.39-40.22 MIRABETE, Julio Fabbrini, Idem, ibidem. p. 40.

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Examinando o texto constitucional e outros diplomas legais, encontramos osseguintes direitos que permanecem intactos, dentre outros:

1. o direito à vida (art. 5.º, caput, da CF);

2. o direito à segurança (art. 5.º, caput, da CF);

3. o direito à igualdade (art. 5.º, caput, da CF);

4. o direito à propriedade (art. 5.º, caput , e incs. XXII, XXVII, XXVIII, XXIX eXXX, da CF);

5. o direito à integridade física e moral (art. 5.º, incs. III, V, X e XLIV, da CF; e

art. 38 do CP);

6. o direito à liberdade de consciência e de convicção religiosa (art. 5.º, incs. VI,VII e VIII, da CF; e art. 24 da LEP);

7. o direito à instrução (art. 208, inc. I e § 1.º, da CF; e arts. 17 e 21 da LEP) e deacesso à cultura (art. 215 da CF);

8. o direito ao sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dadose telefônicas (art. 5.º, inc. XII, da CF; e art. 41, inc. XV, da LEP);

9. o direito de representação e de petição aos Poderes Públicos, em defesa dedireito ou contra abusos de autoridade (art. 5.º, inc. XXXIV, "a", da CF; e art.41, inc. XIV, da LEP);

10. direito à assistência judiciária (art. 5.º, inc. LXXIV, da CF; e arts. 15 e 16 daLEP);

11. direito à indenização por erro judiciário ou por prisão além do tempo fixado nasentença (art. 5.º, inc. LXXV, da CF).23

Examinando a Lei de Execução Penal, encontramos ainda outros direitos conferidosao preso, entre muitos aqui não destacados:

1. direito à alimentação, vestuário e alojamento, ainda que tenha o condenado odever de indenizar o Estado, na medida de suas possibilidades, pelas despesascom ele feitas durante a execução da pena (arts. 12, 13, 41, inc. I, e 29, § 1.º,"d", da LEP);

2. direito a cuidados e tratamento médico-sanitário em geral, conforme anecessidade, ainda com os mesmos deveres de ressarcimento (art. 14, § 2.º, daLEP), garantida a liberdade de contratar médico de confiança pessoal dointernado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por seus familiares oudependentes, a fim de acompanhar o tratamento (art. 43 da LEP);

23 MIRABETE, Julio Fabbrini.Op. cit.  p. 44-45.

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3. direito ao trabalho remunerado (art. 39 do CP; e arts. 28 a 37 e 41, inc. II, daLEP);

4. direito à previdência social, embora com forma própria (arts. 43 e 91 a 93 daLOPS; art. 39 do CP; e art. 41, inc. III, da LEP);

5. direito à igualdade de tratamento, salvo quanto à individualização da pena (art.41, inc. XII, da LEP);

6. direito à proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descansoe a recreação (art. 41, inc. X, da LEP);

7. direito à visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias

determinados (art. 41, inc. X, da LEP).24

4.4. Garantia da Isonomia de Tratamento

Por fim, o artigo 3.º, em seu parágrafo único, emenda: “Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política”.

Esse dispositivo, vê-se, nada mais faz que reconhecer o princípio da igualdadedisposto no art. 5.º, caput, da Constituição Federal, proibindo qualquer discriminação denatureza racial, social, religiosa ou política, aqui também enquadrável a discriminação emrazão de opção sexual, que não tem guarida, mesmo nas prisões.

24 MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit.  p. 44-45.

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CURSO DO PROF. DAMÁSIO A DISTÂNCIA

 MÓDULO XII 

DIREITOS HUMANOS Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal):

Título II: Do Condenado e do Internado

Título III: Dos Estabelecimentos Penais

 __________________________________________________________________ 

Praça Almeida Júnior, 72 – Liberdade – São Paulo – SP – CEP 01510-010Tel.: (11) 3346.4600 – Fax: (11) 3277.8834 – www.damasio.com.br 

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DIREITOS HUMANOS

Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal):Título II: Do Condenado e do Internado

Título III: Dos Estabelecimentos Penais

 Luiz Antônio de Souza

Vitor Frederico Kümpell

1. INTRODUÇÃO

Conforme deixamos estabelecido no módulo anterior, o Estado é o grande artífice daconstrução, da implementação, da observância, da defesa e do respeito aos direitoshumanos fundamentais. A Carta Constitucional de 1988, em seu artigo 1.º, elege princípios

fundamentais a nortearem o Estado brasileiro, concebido como Estado Democrático deDireito, entre eles, nos incisos II e III, a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Tais

 princípios são pilares fundamentais a orientarem todo o sistema, somente atingíveis com aobservância e o respeito aos direitos humanos fundamentais.

A implementação, a observância e o respeito aos direitos humanos fundamentais émandamento constitucional e tarefa sobretudo do Estado, imprescindível e necessária paraa consolidação da cidadania e dignidade da pessoa humana.

Essa tarefa do Estado deve estar presente em todos os momentos, inclusive, e

especialmente, numa oportunidade muito singular, em que a proteção estatal se faz maisexigível: quando o indivíduo estiver cumprindo a pena resultante de uma condenação ouquando estiver preso provisoriamente. Os direitos fundamentais, essenciais, são conferidosao indivíduo tão-somente em razão da sua condição de pessoa humana, e portanto, o fatode encontrar-se preso não o afasta dessa gama de direitos, exceção feita aos direitosincompatíveis com essa condição.

2. LEI DE EXECUÇÃO PENAL

Como já destacamos, a Lei de Execução Penal regula a execução das penas e dasmedidas de segurança; todavia, tem duas finalidades essenciais, ou seja, as penas e

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 ____________________________________________________________________________ MÓDULO I

medidas de segurança visam realizar a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação docondenado à sociedade. Nesse sentido o artigo 1.º da Lei n. 7.210/84: “A execução penal

tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.

Esse dispositivo está em inteira correspondência com os diplomas internacionaisexistentes a respeito da matéria.

Apenas para lembrar, o art. 10 - 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis ePolíticos enuncia que “O regime penitenciário comportará tratamento dos reclusos cujo fimessencial é a sua emenda e a sua recuperação social”. No mesmo sentido o art. 5.º - 6 daConvenção Americana sobre Direitos Humanos /OEA: “As penas privativas da liberdade

devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados”. Nesse sentido, ainda, encontramos duas regras que integram as Regras Mínimas da

Organização das Nações Unidas (ONU) para Tratamento dos Reclusos:

“n. 57. A prisão e outras medidas que resultam na separação de um criminoso domundo exterior são dolorosas pelo próprio fato de retirarem ao indivíduo o direito deautodeterminação, por o destituírem da sua liberdade. Logo, o sistema prisional nãodeverá, exceto pontualmente por razões justificáveis de segregação ou para a manutençãoda disciplina, agravar o sofrimento inerente a tal situação.

“n. 58. O fim e a justificação de uma pena de prisão ou de uma medida semelhanteque priva de liberdade é, em última instância, proteger a sociedade contra o crime. Essefim só pode ser atingido se o tempo de prisão for usado para assegurar, tanto quanto

 possível, que, depois do seu regresso à sociedade, o criminoso não tem apenas a vontade,mas está apto a seguir um modo de vida de acordo com a lei e a sustentar-se a si próprio”.

 Nesse sentido, ainda, o princípio básico n. 4, articulado entre os Princípios Básicos para o Tratamento dos Reclusos/Organização das Nações Unidas:

“n. 4. O pessoal encarregado dos cárceres cumprirá com suas obrigações quanto à

custódia dos reclusos e à proteção da sociedade contra o delito, de conformidade com osdemais objetivos sociais do Estado e com sua responsabilidade fundamental de promover o bem-estar e o desenvolvimento de todos os membros da sociedade”.

Dessa maneira, o condenado e o internado mantêm todos os direitos compatíveiscom a sua condição de pessoa humana, exceção feita, apenas, aos direitos naturalmenteafastados em razão dessa situação específica. Nesse sentido o princípio básico n. 5(Princípios Básicos para o Tratamento dos Reclusos/ONU):

“n. 5. Com exceção das limitações que sejam evidentemente necessárias pelo fatodo encarceramento, todos os reclusos gozam dos direitos humanos e das liberdadesfundamentais consagradas na Declaração Universal dos Direitos Humanos e, quando oEstado de que se trate seja parte, no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais eCulturais e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e seu Protocolo Facultativo,assim como dos demais direitos estipulados em outros instrumentos das Nações Unidas”.

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 ____________________________________________________________________________ MÓDULO I

Aliás, o artigo 38 do Código Penal é suficientemente claro a esse respeito: “O presoconserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as

autoridades o respeito à sua integridade física e moral”.

3. DO CONDENADO E DO INTERNADO

Feitas as considerações iniciais, passaremos a abordar o Título II da Lei n. 7.210/84(Lei de Execução Penal), mas não pretendemos estudar o conteúdo da referida lei, a suaaplicabilidade frente a situações específicas. Buscaremos, essencialmente, destacar as

disposições que guardam relação com o respeito ao preso, com a manutenção de seusdireitos e, também, com a finalidade última da pena – a reinserção social do condenado.

3.1. Da Classificação

A primeira providência para a correta execução penal, e que vem ao encontro dasfinalidades da pena, é a classificação do condenado. Encontramos no artigo 5.º da Lei deExecução Penal:

“Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal".

Vê-se que a finalidade da classificação é orientar a individualização da execução penal. Como assevera Cândido Furtado Maia Neto, “... a classificação é desdobramentológico do princípio da personalidade da pena, inserido entre os direitos e garantiasfundamentais”. O mesmo autor observa: “A exigência dogmática da proporcionalidade da

  pena está igualmente atendida no processo de classificação, de modo que a cadasentenciado, conhecida a sua personalidade e analisado o fato cometido, corresponda otratamento penitenciário adequado”. E acrescenta: “Reduzir-se-á a mera falácia o princípioda individualização da pena, com todas as proclamações  otimistas sobre a recuperaçãosocial, se não for efetuado o exame de personalidade no início da execução, como fator determinante do tipo de tratamento penal, e se não forem registradas as mutações decomportamento ocorridas no itinerário da execução”.1

3.2. Da Assistência

O artigo 10 da Lei de Execução Penal dispõe:

1  Direitos Humanos do Preso. 1.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 39.3

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 ____________________________________________________________________________ MÓDULO I

“A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir ocrime e orientar o retorno à convivência em sociedade”.

A redação do dispositivo não deixa dúvida de que a assistência ao preso éconcebida, pela lei, como um dos instrumentos mais valiosos na prevenção do crime e daorientação do condenado para sua reinserção social. Julio Fabbrini Mirabete, citandoCarlos Garcia Valdes, refere que “O objetivo do tratamento é fazer do preso ou internadouma pessoa com a intenção e a capacidade de viver respeitando a lei penal, procurando-se,na medida do possível, desenvolver no ‘reeducando’ uma atitude de apreço por si mesmo ede responsabilidade individual e social com respeito a sua família, ao próximo e àsociedade em geral”.2 

O parágrafo único do artigo 10, complementando o dispositivo, estende ao egresso aassistência mencionada:

“Par. ún. A assistência estende-se ao egresso”.

Considera-se egresso, para efeito da Lei de Execução Penal, o liberado definitivo, pelo prazo de um ano a contar da saída do estabelecimento, e o liberado condicional,durante o período de prova (nesse sentido o art. 26, incs. I e II, da Lei de Execução Penal).

Definida que a assistência ao condenado e ao egresso configura instrumento valioso para a reinserção social, o artigo 11 aponta as espécies de assistência:

“Art. 11. A assistência será:

I. material;

II. à saúde;

III.jurídica;

IV.educacional;

V. social;

VI.religiosa”.

3.2.1. Assistência material 

A assistência material vem disposta no artigo 12, que registra: “A assistênciamaterial ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário einstalação higiênica”. O artigo 13, na seqüência, complementa: “O estabelecimento disporáde instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais ...”.

2MIRABETE, Julio Fabbrini. E xecução Penal . 9.ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 59.  Apud VALDES, Carlos Garcia. Comentarios ala Legislación Penitenciaria. 2.ª ed. Madrid: Civitas, 1982. p. 193.

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Essas regras têm raízes no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos,onde encontramos: “Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe

assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, aovestuário, ao alojamento, à assistência médica ...”. Também tem correspondência comalgumas das Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas para Tratamentos dosReclusos:

“n. 19. A todos os presos, de acordo com padrões locais ou nacionais, será fornecidoum leito próprio e roupa de cama suficiente e própria, que estará limpa quando lhes for entregue, mantida em bom estado de conservação, e mudada com freqüência suficiente quegaranta a sua limpeza”.

“n. 20-1. A administração fornecerá a cada preso, a horas determinadas, alimentaçãode valor nutritivo, adequada à saúde e robustez física, de qualidade e bem preparada eservida”.

Impende lembrar, neste ponto, que um dos direitos do preso, constante do artigo 41,inciso I, da Lei de Execução Penal, é “alimentação suficiente e vestuário” e que, no incisoVII do mesmo dispositivo consta também, como direito, a assistência material.

3.2.2. Assistência à saúde

Da assistência à saúde cuida o artigo 14 e seu § 2.º:

“Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado, em caráter preventivo ecurativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.

§ 2.º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover aassistência médica necessária, essa será prestada em outro local, mediante autorização dadireção do estabelecimento”.

A assistência à saúde é um direito do preso, reconhecido no artigo 41, inciso VII, daLei de Execução Penal, e tal direito está em perfeita consonância com um dos PrincípiosBásicos para o Tratamento dos Reclusos/Organização das Nações Unidas:

“n. 9. Os reclusos terão acesso aos serviços de saúde de que disponha o país, semdiscriminação por sua condição jurídica”.

Dentre as regras mínimas existentes para esse tópico (em meio às inúmerasexistentes nas Regras Mínimas da ONU para Tratamento dos Reclusos), podemos destacar três:

“n. 22.1. Cada estabelecimento prisional terá à sua disposição os serviços de pelomenos um médico qualificado, que deverá ter alguns conhecimentos de psiquiatria. Osserviços médicos deverão ser organizados em estreita ligação com a administração geral desaúde da comunidade ou nação. Deverão incluir um serviço de psiquiatria para odiagnóstico e, em casos específicos, o tratamento de estados de anomalia”.

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“n. 22.2. Os presos doentes que necessitem de tratamento especializado deverão ser transferidos para estabelecimentos especializados ou para hospitais civis. Quando existam

facilidades hospitalares num estabelecimento prisional, o respectivo equipamento, omobiliário e os produtos farmacêuticos serão adequados para o tratamento médico dos presos doentes, e deverá haver pessoal devidamente qualificado”.

“n. 22.3. Cada preso poderá servir-se dos serviços de um dentista qualificado”.

Como se vê, além de assistência médica, o preso tem direito à assistênciafarmacêutica – material, produtos, aparelhagem e pessoal qualificado – e à assistênciaodontológica.

Cumpre lembrar, neste ponto, que a Lei de Execução Penal, no seu artigo 43, prevêo direito de o preso ter médico particular, de sua confiança:

“Art. 43. É garantida a liberdade de contratar médico de confiança pessoal dointernado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por seus familiares ou dependentes,a fim de orientar e acompanhar o tratamento”.

3.2.3. Assistência jurídica

A assistência jurídica está contemplada nos artigos 15 e 16 da Lei de ExecuçãoPenal:

“Art. 15. A assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados sem recursosfinanceiros para constituir advogado.

Art. 16. As Unidades da Federação deverão ter serviços de assistência jurídica nosestabelecimentos penais”.

A assistência jurídica é fundamental para o condenado. Como acentua Julio FabbriniMirabete, “Nos casos em que há ação penal em andamento, o advogado poderá interferir 

diretamente no andamento do processo e contribuir para uma sentença absolutória e, emhavendo sentença condenatória, poderá propor e encaminhar devidamente a apelação. Nahipótese de condenação transitada em julgado, o advogado representa uma proteçãoimportante na fase de execução das penas privativas de liberdade”.3

O emérito Professor Manoel Pedro Pimentel, lembrado por Julio Fabbrini Mirabete,escreveu que os três pilares básicos da disciplina em uma penitenciária são as visitas, aalimentação e a assistência jurídica. Todavia, acrescenta: “Dessas três exigências,comumente encarecidas pelos sentenciados, a mais importante, parece-nos, é a assistência

  judiciária. Nenhum preso se conforma com o fato de estar preso e, mesmo quando

conformado esteja, anseia pela liberdade. Por isso, a falta de perspectiva de liberdade ou asufocante sensação de indefinida duração da pena são motivos de inquietação, deintranqüilidade, que sempre se refletem, de algum modo, na disciplina. É importante que o

3 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Apud VALDES, Carlos Garcia. Op. cit . p. 70.6

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 ____________________________________________________________________________ MÓDULO I

 preso sinta ao seu alcance a possibilidade de lançar mão das medidas judiciais capazes decorrigir eventual excesso de pena, ou que possa abreviar os dias de prisão. Para isso, deve o

Estado – tendo em vista que a maior parte da população carcerária não dispõe de recursos para contratar advogados – propiciar a defesa dos presos”.4

Portanto, a assistência jurídica ao condenado é de vital importância, configurandosalvaguarda de seus direitos, e tem previsão em vários instrumentos, inclusive, eespecialmente, na Constituição brasileira.

 No artigo 14.3 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos consta que a pessoa acusada de infração penal terá garantia “A estar presente no processo e a defender-se a si própria ou a ter a assistência de um defensor de sua escolha; se não tiver defensor, a

ser informada do seu direito de ter um e, sempre que o interesse da justiça o exigir, a ser-lhe atribuído um defensor oficioso, a título gratuito no caso de não ter meios para oremunerar”.

  No artigo 8.º.2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos constam osseguintes direitos proporcionados ao acusado:

"(...)

d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por umdefensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;

e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado,remunerado ou não, segundo a legislação interna ...”.

Tal direito também consta das Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas para Tratamento dos Reclusos:

“n. 93. Para efeitos de defesa, o preso não julgado será autorizado a requerer assistência legal grátis, onde tal assistência exista, e a receber visitas do seu conselheiro

  jurídico com vista à sua defesa, bem como a preparar e entregar-lhe instruções

confidenciais. Para esses efeitos ser-lhe-á dado, se assim o desejar, material de escrita. Asconferências entre o preso e o seu conselheiro jurídico podem ser objeto de vigilância deum polícia ou de um funcionário do estabelecimento, mas de tal modo que não sejamouvidas”.

Todas essas recomendações encontram eco no Texto Constitucional brasileiro,especialmente em seu artigo 5.º, inciso LXXIV, que determina: “O Estado prestaráassistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

  Na esteira desse mandamento, a Constituição Federal, em seu artigo 134,estabeleceu a criação da Defensoria Pública, incumbindo-a da orientação jurídica e defesa,

em todos os graus, dos necessitados; e a Lei Complementar n. 89, de 12.1.1994, queorganiza a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e cria regrasgerais para a sua organização nos Estados, prescreve que é função institucional das4   Idem.Apud  PIMENTEL, Manoel Pedro.   Prisões Fechadas e Prisões Abertas. São Paulo, 1978. p. 188. (Série EstudosPenitenciários).

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 ____________________________________________________________________________ MÓDULO I

defensorias, entre outras, “atuar junto aos estabelecimentos policiais e penitenciários,visando assegurar à pessoa, sob quaisquer circunstâncias, o exercício dos direitos e

garantias individuais” (art. 4.º, inc. VIII).

3.2.4. Assistência educacional 

A assistência educacional tem previsão em diversos dispositivos da Lei de ExecuçãoPenal:

“Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado.

Art. 18. O ensino de primeiro grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da unidade federativa.

Art. 19. O ensino profissional será ministrado em nível de iniciação ou deaperfeiçoamento técnico.

Parágrafo único. A mulher condenada terá ensino profissional adequado à suacondição.

Art. 20. As atividades educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados.

Art. 21. Em atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento deuma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos,recreativos e didáticos”.

A assistência educacional ao preso é um elemento valioso para a sua recuperação. Aeducação, consoante o artigo 205 da Constituição Federal, é “direito de todos e dever doEstado e da família”, devendo “ser promovida e incentivada com a colaboração dasociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da

cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Portanto, a educação é um direito previsto para todas as pessoas, não podendo estar excluído o preso, embora sua condição. Essa recomendação é retratada nos PrincípiosBásicos para o Tratamento dos Reclusos, da Organização das Nações Unidas:

“n. 6. Todos os reclusos terão direito a participar em atividades culturais eeducativas encaminhadas a desenvolver plenamente a personalidade humana”.

A educação dos presos também consta das Regras Mínimas da Organização das

 Nações Unidas para Tratamento dos Reclusos:

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“n. 77.1 Serão tomadas medidas no sentido de melhorar a educação de todosos presos que daí tirem proveito, incluindo instrução religiosa nos países em que tal for 

 possível. A educação de analfabetos e presos jovens será obrigatória, prestando-lhe aadministração especial atenção.

“n. 77.2 Tanto quanto for possível, a educação dos presos estará integrada nosistema educacional do país, para que depois da sua libertação possam continuar, semdificuldades, a sua educação”.

3.2.5. Assistência social 

Cuidam da assistência social os artigos 22 e 23 da Lei de Execução Penal:

“Art. 22. A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade.

Art. 23. Incumbe ao serviço de assistência social:

I. conhecer os resultados dos diagnósticos e exames;

II. relatar, por escrito, ao diretor do estabelecimento, os problemas e as dificuldades enfrentados pelo assistido;

III. acompanhar o resultado das permissões de saídas e dassaídas temporárias;

IV. promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis,a recreação;

V. promover a orientação do assistido, na fase final documprimento da pena, e do liberado, de modo a facilitar o seu retorno àliberdade;

VI. providenciar a obtenção de documentos, dos benefíciosda previdência social e do seguro por acidente no trabalho;

VII. orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do internado e da vítima”.

A assistência social, vê-se, é o canal de ligação entre o preso e a comunidade. Tem por finalidade amparar e auxiliar o preso e sua família, preparando-o para o retorno àliberdade, tudo com o fito de garantir, de possibilitar a sua reinserção social. Essa tarefatambém tem previsão nos Princípios Básicos para o Tratamento dos Reclusos daOrganização das Nações Unidas:

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“n. 10 Com a participação e ajuda da comunidade e de instituições sociais, e com odevido respeito aos interesses das vítimas, serão criadas condições favoráveis para a

reincorporação do ex-recluso à sociedade nas melhores condições possíveis”.

A Lei de Execução Penal, como encontramos no artigo 23, confere ao ServiçoSocial as maiores atribuições nesse mister. Como diz Julio Fabbrini Mirabete, “Dentro daconcepção penitenciária moderna, corresponde ao Serviço Social uma das tarefas maisimportantes dentro do processo de reinserção social do condenado ou internado, pois aoassistente social compete acompanhar o delinqüente durante todo o período derecolhimento, investigar sua vida com vistas na redação dos relatórios sobre os problemas

do preso, promover a orientação do assistido na fase final do cumprimento da pena etc.,tudo para colaborar e consolidar os vínculos familiares e auxiliar na resolução dos problemas que dificultam a reafirmação do liberado ou egresso em sua própria identidade.Seu método básico consiste no estudo do indivíduo, do grupo ou da comunidade, em seuselementos essenciais, bem como na interpretação e diagnóstico das necessidades e

  potencialidades do assistido, para ajudá-lo a desenvolver o próprio senso deresponsabilidade e a ter condições pessoais para o ajustamento ou reajustamento social”.5 

3.2.6. Assistência religiosa

Da assistência religiosa cuida o artigo 24 da Lei de Execução Penal:

“Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos eaos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados noestabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa.

§ 1.º No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos.

§ 2.º Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade

religiosa”.A assistência religiosa é um dos elementos utilizados na tarefa de reinserção social

do preso; todavia, como se verifica no dispositivo acima, a liberdade religiosa é a tônica,havendo, nesse ponto, total conformidade com os diplomas internacionais e com aConstituição Federal.

Apenas para constar, o artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, oartigo 18 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e os artigos 12.1 e 12.2 daConvenção Americana sobre Direitos Humanos estabelecem que toda pessoa tem direito àliberdade de pensamento, de consciência e de religião, e esse direito fundamental égarantido pela Constituição Federal brasileira que, no seu artigo 5.º, inciso VI, estabeleceser inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício

5  Apud VALDES, Carlos Garcia. Op. cit.  p. 78.10

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 ____________________________________________________________________________ MÓDULO I

dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suasliturgias.

A liberdade religiosa é objeto dos Princípios Básicos para o Tratamento dosReclusos/Organização das Nações Unidas:

“n. 3. Sem prejuízo do que antecede, é necessário respeitar as crenças religiosas e os preceitos culturais do grupo a que pertença os reclusos, sempre que assim o exijam ascondições de lugar”.

Esse direito também está estampado nas Regras Mínimas da Organização das

 Nações Unidas para Tratamento dos Reclusos:

“n. 6.2 Por outro lado, é necessário respeitar as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo a que pertença o preso”.

Finalmente, quanto à assistência religiosa do preso, em si, a Carta Constitucional,em seu artigo 5.º, inciso VII, assegura, “nos termos da lei, a prestação de assistênciareligiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva” e, nessa esteira, oMinistério da Justiça, nas Regras Mínimas do Preso no Brasil, assegura tanto a liberdadereligiosa como a assistência religiosa nos estabelecimentos prisionais.

“Art. 2.º. Impõe-se o respeito às crenças religiosas, aos cultos e aos preceitos moraisdo preso.

(...)

Art. 43. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será permitida ao preso, bemcomo a participação nos serviços organizados no estabelecimento prisional.

Parágrafo único. Deverá ser facilitada, nos estabelecimentos prisionais, a presençade representante religioso, com autorização para organizar serviços litúrgicos e fazer visita

 pastoral a adeptos de sua religião”.

Por último, um destaque à assistência ao egresso.

Como já referimos, o artigo 26 da Lei de Execução Penal considera egresso:

“I o liberado definitivo, pelo prazo de um ano a contar da saída doestabelecimento;

II o liberado condicional, durante o período de prova”.

Em relação ao egresso, a assistência a que tem direito está disposta no artigo 25:

“Art. 25. A assistência ao egresso consiste:

I na orientação e apoio para integrá-lo à vida em liberdade;11

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II na concessão, se necessário, de alojamento e alimentação, emestabelecimento adequado, pelo prazo de dois meses.

Parágrafo único. O prazo estabelecido no inciso II poderá ser prorrogado uma únicavez, comprovado, por declaração do assistente social, o empenho na obtenção doemprego”.

As Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas contemplam essaorientação:

“n. 64. O dever da sociedade para com o condenado não termina ao ser ele posto emliberdade. Portanto, seria preciso poder contar com órgãos oficiais ou privados capazes delevar ao condenado que recupera a liberdade uma eficaz ajuda pós-penitenciária, que visediminuir os preconceitos contra ele e contribua para a sua reinserção na comunidade”.

“n. 79. Será prestada atenção especial à manutenção e melhoramento das relaçõesentre o preso e a sua família, que se mostrem de maior vantagem para ambos”.

Cabe aqui referir o disposto no artigo 27 da Lei de Execução Penal, que prescreve:“O serviço de assistência social colaborará com o egresso para a obtenção de trabalho”.

Comentando o tema, Cândido Furtado Maia Neto menciona que: “O serviço deassistência social a que se refere o dispositivo legal deve ser entendido de uma forma muito

mais abrangente, ou seja, não só aquele vinculado ao sistema penitenciário, mas toda aestrutura de assistência social do Estado colocada à disposição da sociedade em geral”.Complementa, considerando: “Trata-se de importante e significativo trabalho contra areincidência criminal, a atenção socioeducativa dispensada ao ex-preso e a sua família,devendo ser efetuado convênio entre o Ministério do Trabalho e o sistema penitenciário,através do SENAC, SENAI etc.”.6

O artigo 78 da Lei de Execução Penal dispõe que cabe aos patronatos públicos ou particulares o serviço de assistência ao egresso. Nas Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos encontramos regramento a respeito:

“n. 81.1 Serviços ou organizações, governamentais ou não, que prestamassistência a presos libertados a reestabelecerem-se na sociedade, assegurarão, na medidado possível e do necessário, que sejam fornecidos aos presos libertados documentos deidentificação apropriados, casas adequadas e trabalho, que estejam conveniente eadequadamente vestidos, tendo em conta o clima e a estação do ano e que tenham meiosmateriais suficientes para chegar ao seu destino e para se manterem no períodoimediatamente seguinte à sua libertação.

“n. 81.2 Os representantes oficiais dessas organizações terão todo o acessonecessário ao estabelecimento prisional e aos presos, sendo consultados sobre o futuro do

 preso desde o início do cumprimento da sua pena.

6Op. cit. p. 63.12

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“n. 81.3 É recomendável que as atividades dessas organizações estejamcentralizadas ou sejam coordenadas, tanto quanto possível, a fim de garantir a melhor 

utilização dos seus esforços”.

3.3. Do Trabalho

Por último, e não menos importante, devemos destacar o trabalho do condenado – outro elementos valioso em sua recuperação.

A esse respeito, o artigo 28 da Lei de Execução Penal dispõe:

“Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidadehumana, terá finalidade educativa e produtiva.

§ 1.º. Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas àsegurança e à higiene.

§ 2.º. O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis doTrabalho”.

É recomendação da Organização das Nações Unidas, nas Regras Mínimas paraTratamento dos Reclusos:

“n. 72.1 A organização e os métodos de trabalho penitenciário deverãoassemelhar-se o mais possível aos que se aplicam a um trabalho similar fora doestabelecimento, a fim de preparar os reclusos para as condições normais do trabalholivre”.

Julio Fabbrini Mirabete, a respeito do tema, diz: “O trabalho prisional não constitui, portanto, per si, uma agravação da pena, nem deve ser doloroso e mortificante, mas um

mecanismo de complemento do processo de reinserção social para prover a readaptação do preso, prepará-lo para uma profissão, inculcar-lhe hábitos de trabalho e evitar a ociosidade.Exalta-se seu papel de fator ressocializador, afirmando-se serem notórios os benefícios queda atividade laborativa decorrem para a conservação da personalidade do delinqüente ...”.7

Encerrando esse tópico, a respeito do condenado, ênfase deve ser dada aos artigos39 e 41 da Lei de Execução Penal. O primeiro dispositivo elenca os deveres do condenadoe o artigo 41 relaciona os direitos do preso, numerando-os, e nele se verifica que o presomantém todos os seus direitos, exceção feita, como já assinalamos, aos direitos afastados,necessariamente, em razão da sua condição.

Com base em todas as considerações, portanto, a dignidade do preso deve ser mantida sob todos os aspectos.

7. Apud VALDES, Carlos Garcia. p. 87.13

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4. DOS ESTABELECIMENTOS PENAIS

Encerrando, faremos algumas considerações a respeito dos estabelecimentos penais.

Como se sabe, “Os estabelecimentos penais compreendem: 1.º – a Penitenciária,destinada ao condenado à reclusão, a ser cumprida em regime fechado; 2.º – a ColôniaAgrícola, Industrial ou similar, reservada para a execução da pena de reclusão ou detençãoem regime semi-aberto; 3.º – a Casa do Albergado, prevista para acolher os condenados à

 pena privativa de liberdade em regime aberto e à pena de militação de fim de semana; 4.º – o Centro de Observação, onde serão realizados os exames gerais e o criminológico; 5.º – oHospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, que se destina aos doentes mentais, aos

  portadores de desenvolvimento mental incompleto ou retardado e aos que manifestam perturbação das faculdades mentais; e 6.º – a Cadeia Pública, para onde devem ser 

remetidos os presos  provisórios (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventivaou em razão da pronúncia e, finalmente, os condenados, enquanto não transitar em julgadoa sentença (art. 86 e seguintes)”.8

Algumas regras específicas encontram-se cunhadas na Lei de Execução Penal, tantocom relação aos estabelecimentos como relativas ao cumprimento da pena peloscondenados.

Em relação ao cumprimento da pena pelos condenados, e levando em conta as suascondições pessoais, podemos destacar o artigo 82, § 2.º, que prevê: “A mulher e o maior de sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado àsua condição pessoal”; o artigo 83, § 2.º, onde está previsto que “Os estabelecimentos

  penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possamamamentar seus filhos”; e o artigo 84 e seus parágrafos, que citam: “O preso provisórioficará separado do condenado por sentença transitada em julgado”, “O preso primáriocumprirá pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes”, e “O preso que,ao tempo do fato, era funcionário da Administração da Justiça Criminal, ficará emdependência separada”.

Quanto aos estabelecimentos em si, destaque para o artigo 85, no qual estárecomendado que “O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a suaestrutura e finalidade”, e para o artigo 83, caput , onde encontramos: “O estabelecimento

 penal, conforme a sua natureza, deverá contar em suas dependências com áreas e serviçosdestinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva”.

8 MAIA NETO, Cândido Furtado.Op. cit.  p. 135.14

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Embora todos os direitos elencados, embora todos os diplomas internacionais,sabemos que hoje a situação carcerária no país é grave. Como já afirmamos no módulo

anterior, as violações aos direitos humanos ocorrem em profusão, existindo uma profundae triste discrepância entre os ditames legais, os escritos doutrinários e a realidade.

Com efeito, a superpopulação carcerária, a falta de condições mínimas de higiene,segurança e saúde, além de violações sexuais às quais estão os presos sujeitos, sem contar aviolência a que estão expostos, tanto por parte dos funcionários como de outros presos, éuma realidade corrente no país, fazendo com que os indivíduos cumpram pena emcondições degradantes, indignas, desumanas, configurando uma das mais sérias violaçõesaos direitos humanos. É diante dessa triste realidade que cumpre às autoridadesconcretizar aquilo que o texto constitucional, os diplomas internacionais e a Lei de

Execução Penal determinam, o que é um enorme desafio a ser vencido.