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J E E Jornal de Estudos Espíritas 6, 010205 (2018) - (8 pgs.) Volume 6 – 2018 Magnetismo ou Espiritismo? Parte II: Reflexões em torno da palavra magnetismo no movimento espírita Alexandre Fontes da Fonseca 1,a 1 Campinas, SP e-mail: a [email protected] (Recebido em 15 de Fevereiro de 2018, publicado em 1 de Junho de 2018). Parte II do trabalho “Magnetismo ou Espiritismo?” apresentado no 13o ENLIHPE, ocorrido nos dias 26 e 27 de agosto de 2017, com apoio da USE e CCDPE. RESUMO Na parte I deste estudo [JEE 6, 010204 (2018)], propu- semos uma reflexão a respeito do uso da palavra mag- netismo pelo movimento espírita. Propusemos que se evite o uso desse termo em razão da Ciência não reco- nhecer mais o conceito de magnetismo animal como proposto por Mesmer, e porque o Espiritismo pres- cinde desse termo em suas explicações dos fenômenos espíritas. Aqui, complementamos as reflexões realizadas na parte I analisando algumas questões que essa proposta suscita. Lembramos que o movimento espírita brasileiro já fez isso de propor que se evite o uso de determinadas palavras presentes nas obras da codificação cujos significados, na atualidade, não representam a mensagem do Es- piritismo. Mostramos, com base em comentários do próprio Kardec, que o Espiritismo não é, de fato, uma ciência irmã gêmea do Magnetismo. Essas e outras questões são analisadas de modo a esclarecer o Leitor da importância desta reflexão para a valorização da Doutrina Espírita. Palavras-Chave: Magnetismo; espiritismo; ação dos fluidos sobre a matéria; excelência teórica do espiritismo. DOI: 10.22568/jee.v6.artn.010205 I I NTRODUÇÃO Recentemente, publicamos uma reflexão a respeito do uso, pelo movimento espírita, do termo magnetismo [1, 2]. Um trabalho sobre o assunto foi, também, apresentado no 13 o Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo, ocorrido nos dias 26 e 27 de Agosto de 2017, na sede da USE em São Paulo [3, 4]. A reflexão con- siste de uma análise crítica sobre a validade do uso da palavra magnetismo no meio espírita, com base no seu significado científico atual. A reflexão também consiste de um questionamento a nós mesmos, espíritas, sobre o entendimento e compreensão daquilo que falamos e reali- zamos no movimento espírita. Cito as palavras de Kardec quando esclarece que a fé raciocinada significa a compre- ensão daquilo que se crê pois, “Fé inabalável só o é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.”[5, Kardec no item 7 do Cap. XIX do Evangelho Segundo o Espiritismo (ESE)]. No item 5 do mesmo capítulo, Kardec, de modo muito sensato, argu- menta que: “... somente a fé que se baseia na verdade garante o futuro, porque nada tem a temer do progresso das luzes, dado que o que é verdadeiro na obscuridade, também o é à luz meridiana.A utilização da palavra magnetismo em nosso meio espírita encara a razão da Ciência em nossa época atual? Teria o seu uso pelo mo- vimento espírita algo a temer do progresso das luzes, na atualidade? Essas e outras reflexões são necessárias jus- tamente por causa das palavras de Kardec acima: o que é verdadeiro na obscuridade, também o é à luz me- ridiana”. Se concluirmos, pelo estudo, que algo que nos tornamos acostumados a usar no movimento espírita, na atualidade, não for mais adequado e verdadeiro, podemos agir como Kardec propôs no item 55 do capítulo I de A Gênese (GE) [6]: Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas desco- bertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificaria nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a acei- tará. (Grifos em negrito, nossos). Notem que o erro que estamos propondo analisar não está em si no Espiritismo, mas na maneira de explicar, na atualidade, alguns fenômenos espíritas, na forma como utilizamos de certos termos e conceitos, alguns deles em- prestados de outras ciências ou outras doutrinas. Se o erro é reconhecido como tal, temos nas palavras de Kar- dec acima a orientação de como proceder. Se o erro não é reconhecido por vários companheiros espíritas, por razões quaisquer, é importante lembrar que a presente reflexão não pretende se impor ao movimento espírita. Embora ousada, por questionar falas atribuídas até mesmo ao Codificador, ela é feita com bastante respeito a todos os estudiosos do assunto, desde a época de Kardec até os dias atuais. Seção 02: Artigos Regulares 010205 – 1 c Autor(es)

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JEEJornal de Estudos Espíritas 6, 010205 (2018) - (8 pgs.) Volume 6 – 2018

Magnetismo ou Espiritismo? Parte II: Reflexões em torno da palavramagnetismo no movimento espíritaAlexandre Fontes da Fonseca1,a

1Campinas, SP

e-mail: [email protected]

(Recebido em 15 de Fevereiro de 2018, publicado em 1 de Junho de 2018).Parte II do trabalho “Magnetismo ou Espiritismo?” apresentado no 13o ENLIHPE, ocorrido nos dias 26 e 27 de agosto de2017, com apoio da USE e CCDPE.

RESUMO

Na parte I deste estudo [JEE 6, 010204 (2018)], propu-semos uma reflexão a respeito do uso da palavra mag-netismo pelo movimento espírita. Propusemos que seevite o uso desse termo em razão da Ciência não reco-nhecer mais o conceito de magnetismo animal comoproposto por Mesmer, e porque o Espiritismo pres-cinde desse termo em suas explicações dos fenômenosespíritas. Aqui, complementamos as reflexões realizadas na parte I analisando algumas questões que essa propostasuscita. Lembramos que o movimento espírita brasileiro já fez isso de propor que se evite o uso de determinadaspalavras presentes nas obras da codificação cujos significados, na atualidade, não representam a mensagem do Es-piritismo. Mostramos, com base em comentários do próprio Kardec, que o Espiritismo não é, de fato, uma ciênciairmã gêmea do Magnetismo. Essas e outras questões são analisadas de modo a esclarecer o Leitor da importânciadesta reflexão para a valorização da Doutrina Espírita.

Palavras-Chave: Magnetismo; espiritismo; ação dos fluidos sobre a matéria; excelência teórica do espiritismo.DOI: 10.22568/jee.v6.artn.010205

I INTRODUÇÃO

Recentemente, publicamos uma reflexão a respeito douso, pelo movimento espírita, do termo magnetismo [1,2].Um trabalho sobre o assunto foi, também, apresentadono 13o Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores doEspiritismo, ocorrido nos dias 26 e 27 de Agosto de 2017,na sede da USE em São Paulo [3, 4]. A reflexão con-siste de uma análise crítica sobre a validade do uso dapalavra magnetismo no meio espírita, com base no seusignificado científico atual. A reflexão também consistede um questionamento a nós mesmos, espíritas, sobre oentendimento e compreensão daquilo que falamos e reali-zamos no movimento espírita. Cito as palavras de Kardecquando esclarece que a fé raciocinada significa a compre-ensão daquilo que se crê pois, “Fé inabalável só o é aque pode encarar de frente a razão, em todas as épocasda Humanidade.” [5, Kardec no item 7 do Cap. XIX doEvangelho Segundo o Espiritismo (ESE)]. No item 5 domesmo capítulo, Kardec, de modo muito sensato, argu-menta que: “... somente a fé que se baseia na verdadegarante o futuro, porque nada tem a temer do progressodas luzes, dado que o que é verdadeiro na obscuridade,também o é à luz meridiana.” A utilização da palavramagnetismo em nosso meio espírita encara a razão daCiência em nossa época atual? Teria o seu uso pelo mo-vimento espírita algo a temer do progresso das luzes, naatualidade? Essas e outras reflexões são necessárias jus-

tamente por causa das palavras de Kardec acima: “oque é verdadeiro na obscuridade, também o é à luz me-ridiana”. Se concluirmos, pelo estudo, que algo que nostornamos acostumados a usar no movimento espírita, naatualidade, não for mais adequado e verdadeiro, podemosagir como Kardec propôs no item 55 do capítulo I de AGênese (GE) [6]:

Caminhando de par com o progresso, o Espiritismojamais será ultrapassado, porque, se novas desco-bertas lhe demonstrassem estar em erro acercade um ponto qualquer, ele se modificaria nesseponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a acei-tará. (Grifos em negrito, nossos).

Notem que o erro que estamos propondo analisar nãoestá em si no Espiritismo, mas na maneira de explicar,na atualidade, alguns fenômenos espíritas, na forma comoutilizamos de certos termos e conceitos, alguns deles em-prestados de outras ciências ou outras doutrinas. Se oerro é reconhecido como tal, temos nas palavras de Kar-dec acima a orientação de como proceder. Se o erro não éreconhecido por vários companheiros espíritas, por razõesquaisquer, é importante lembrar que a presente reflexãonão pretende se impor ao movimento espírita. Emboraousada, por questionar falas atribuídas até mesmo aoCodificador, ela é feita com bastante respeito a todosos estudiosos do assunto, desde a época de Kardec até osdias atuais.

Seção 02: Artigos Regulares 010205 – 1 c©Autor(es)

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Magnetismo ou Espiritismo? Parte II . . .

Basicamente, nas referências [1], [2] e [4], analisamosse a palavra magnetismo, conforme entendida na atua-lidade, serve para explicar ou descrever o passe, a curaespírita ou algum outro fenômeno espírita. Discutimos emostramos que a palavra magnetismo:

1. não é mais adequada para descrever os fenôme-nos espíritas, com base no seu significado científicoatual;

2. não é necessária para explicar nenhum fenômenoespírita, isto é, o Espiritismo com seus termos econceitos próprios explica de modo completamentesatisfatório todos os seus fenômenos;

3. não é uma palavra exata para o fenômeno eKardec sabia disso, e só a utilizou porque erauma palavra conhecida na sua época como umaforma de tratamento e porque era necessário o Es-piritismo fazer referência a um conhecimento aceitona época.

Os itens 1, 2 e 3 foram analisados nas referências [1], [2]e [4]1 e por isso não repetiremos os detalhes das suas ex-plicações. Entretanto, em complemento a esses estudos,analisaremos algumas questões e dúvidas que surgem na-turalmente quando se questiona um termo tão popularno meio espírita como o magnetismo. Verificaremos asolidez da Doutrina Espírita que não depende em nadade termos ou conceitos de outras Ciências para descrevertodos os fenômenos espíritas, incluindo o passe e os fenô-menos de cura. Como enfatizando anteriormene [1,2,4], ébem fácil verificar que todos os termos baseados a palavramagnetismo contidos na Doutrina Espírita são definidosem termos puramente espíritas.

Vamos, também, discutir e esclarecer a postura coe-rente de Kardec que embora soubesse da inexatidão dapalavra magnetismo para descrever os fenômenos estuda-dos por Mesmer, a utilizou na Codificação. Postura coe-rente sim, desde que analisemos as razões disso levando-seem conta o pensamento da época. Na atualidade, a pos-tura não é mais coerente e Kardec não é responsável porisso porque não podia adivinhar que a antiga ciência domagnetismo, tão popular e conhecida em sua época, infe-lizmente, não “fincou o pé na ciência” como ele acreditouque fosse acontecer [7].

II REFLEXÕES EM TORNO DA PALAVRAmagnetismo

O que significa ser magnético quando o Leitor lê ououve dizer, por exemplo, que “o passe é magnético”? Ouquando se diz que uma cura decorreu do magnetismo,o que entender por magnetismo nesse fenômeno? Ouquando se lê que uma pessoa foi magnetizada? Seráque os mecanismos dos fenômenos espíritas chamados demagnéticos seriam os mesmos que descrevem o fenômenoobservado em imãs ou correntes elétricas que a Ciênciadescreve? Qual a origem do uso da palavra magnetismo

no Espiritismo? Se esse uso se justificava na época deKardec, será que se justifica nos dias atuais? Será queo termo magnetismo, quando usado para descrever, ex-plicar ou qualificar alguns fenômenos espíritas, é capazde encarar a razão em nossa época atual? A palavramagnetismo agrega algum valor científico ao Espiritismo?Essas importantíssimas questões formam nossa primeirareflexão.

A segunda reflexão que fazemos é: o Espiritismo de-pende do magnetismo para explicar ou descrever algumfenômeno espírita?

A terceira reflexão é: será que Kardec achava corretoa palavra magnetismo para descrever os fenômenos depasses ou curas? Se achava incorreto, por quê a utilizouna Codificação?

Apesar de algumas respostas a essas reflexões teremsido dadas nas referências [1, 2, 4], vamos aqui breve-mente rever as que já foram respondidas e complementá-las através do esclarecimento de algumas dúvidas.

III EM RESPOSTA ÀS REFLEXÕES

III.1 Sobre o adjetivo magnético

Se o Leitor conhece o Espiritismo e a Física, que é aCiência que estuda o magnetismo, verificará com facili-dade que o fenômeno do passe, das curas espirituais, daação dos fluidos sobre a matéria não tem nada de mag-nético no sentido que a Física dá a essa palavra. Mag-netismo é um tipo de força observada em partículas decarga elétrica quando elas estão em movimento relativoumas com relação às outras ou, ainda, uma propriedadeintrínseca de algumas partículas subatômicas, chamadaspin [8, 9]. O fenômeno é tão curioso que, por exemplo,dependendo do movimento relativo do referencial de umobservador, um campo magnético pode desaparecer ouse transformar em um campo elétrico. O fenômeno espí-rita não pode depender do movimento relativo de quemo observa. Se uma pessoa é curada sob ação dos fluidosespirituais, a constatação da cura não pode depender doreferencial do observador. Nisso, uma pessoa que não co-nhece o Espiritismo, ao ler ou ouvir dizer que um dadofenômeno espírita é magnético, certamente se confundirápois irá pensar em termos do que a Física descreve parao magnetismo.

Se o Leitor espírita não conhece Física em profundi-dade, como é o caso da grande maioria, a dúvida perma-nece. Nesse caso, uma justificativa para o uso corrente dapalavra magnetismo no meio espírita é a seguinte. Comoa palavra magnetismo se encontra nas obras de Kardece está no discurso de muitos formadores de opinião, nin-guém se preocupou em questioná-la e ela acabou caindono uso corrente e automático, mesmo sem saber o seusignificado ou sua real validade na descrição dos fenôme-nos espíritas. Estar presente nas obras fundamentais doEspiritismo costuma ser uma razão muito forte para ado-tar, manter e usar uma palavra, expressão ou conceito nomovimento espírita. Por isso, a presente reflexão é difí-

1Referências essa que o Leitor pode acessar gratuitamente.

J. Est. Esp. 6, 010205 (2018). 010205 – 2 JEE

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Da Fonseca, A. F.

cil de se fazer (e, para alguns, difícil de aceitar) porqueela faz parecer que o questionamento está sendo feito àprópria Doutrina quando, na verdade, o questionamentoestá sendo feito a nós espíritas, se estamos agindo, defato, segundo a Doutrina quando ela nos pede estudo,aprofundamento, fé raciocinada e compreensão de seusconceitos.

Kardec diz no item 7 do capítulo XIX do ESE que “Afé necessita de uma base, base que é a inteligência per-feita daquilo em que se deve crer.” (Grifos em negrito,meus). Isto é, a crença de que um fenômeno espírita émagnético tem que ter uma base que seja a inteligên-cia perfeita do que significa ser magnético, o que nãoocorre. O que ocorre, é que um estudo atento da Dou-trina Espírita mostra que a palavra magnetismo, alémde não ser original do Espiritismo, não é necessária paradescrever nenhum conceito ou fenômeno espírita. É di-ferente a situação da palavra fluido, cuja atualidade co-mentaremos adiante, e que desde as primeiras questõesde O Livro dos Espíritos (LE) [10], já se fez presente emdefinições de conceitos básicos como o de Fluido Univer-sal (FU), fluido vital, perispírito e outras de suas múl-tiplas modificações. Aprofundando ainda mais nesse es-tudo, verificamos (ver Referências [1,2,4]) que a palavramagnetismo só é usada na Doutrina em referência à an-tiga ciência do magnetismo animal e, como será tambémdiscutido adiante, por uma necessidade simples de com-paração e verificação do Espiritismo com algo que eraconhecido e considerado válido na época. Nossa reflexãopropõe que o simples fato da palavra magnetismo estargrafada nas obras da Doutrina Espírita não seja maisjustificativa suficiente para utilizá-la no meio espíritanos dias atuais, assim como já se faz com, por exemplo,duas palavras (veja abaixo), porque o critério da fé ra-ciocinada, que é o critério da compreensão daquilo quese crê e da base “que é a inteligência perfeita daquilo emque se deve crer”, não é satisfeito só por isso.

Note o Leitor que essa proposta de questionar o usode palavras contidas nos textos da Codificação não éinédita. Há dois exemplos disso com relação às palavraspunição, que aparece 12 vezes no ESE e 16 vezes no LE,e castigo, que aparece 31 vezes no ESE e 34 vezes no LE.Hoje, entendemos que Deus não pune, nem castiga nosentido humano dessas expressões, mas permite o sofri-mento e a expiação em sentido similar ao de um processoeducativo que, embora penoso em si ou amargo comoum remédio, leva o Espírito a corrigir-se e curar-se mo-ralmente. Ninguém questiona o fato de que as palavraspunição e castigo foram usadas mais por um caráter deépoca do que de entendimento ou mau entendimento deKardec sobre a sabedoria e bondade divinas. O mesmoé proposto aqui com relação ao magnetismo no Espiri-tismo.

A decisão sobre utilizar ou não a palavra magnetismoprecisa, portanto, satisfazer outros critérios além do “es-tar presente no texto das obras de Kardec” como, por

exemplo, aquele critério mencionado na Introdução desteartigo em referência ao conteúdo do item 55 do capítulo Ide (GE) sobre o Espiritismo nunca ser ultrapassado porcaminhar “de par com o progresso”, e que “se uma ver-dade nova se revelar, ele a aceitará.” A verdade nova eatual é que o magnetismo animal, como proposto e pra-ticado por Mesmer e seus seguidores, infelizmente, nãofoi aceito pela Ciência, e o conceito atual de magnetismonão comporta a explicação do fenômeno de cura espírita.

III.2 O Espiritismo não depende do magne-tismo animal

A segunda reflexão é sobre a palavra magnetismo sernecessária ou não para explicar algum conceito ou fenô-meno espírita. Essa reflexão é bem mais fácil de se fazer.Ela é acessível a todo o espírita pois que depende apenasde um estudo aprofundado do Espiritismo, e não requerconhecimento ou estudo de conceitos de outras ciências.Isso foi abordado nas referências [1, 2, 4], mas será apre-sentado em resumo a seguir.

Os Espíritos ensinaram que Deus criou dois princípiosgerais no Universo, o princípio inteligente e o princípiomaterial ou o FU (questão 27 do LE [10]). A individu-alização do primeiro forma a alma ou o princípio inte-lectual e moral que somos (ver item 55 do Livro dos Mé-diuns (LM) [11]), enquanto que as múltiplas modificaçõese condensações do segundo dá origem a tudo o que é co-nhecido como matéria e fluidos espirituais, incluindo operispírito (veja também cap. XIV de GE [6]). O Espiri-tismo, então, ensina que o FU, estando presente em todolugar, é sensível e adquire as qualidades dos pensamentosdos Espíritos estando eles encarnados ou desencarnados.O FU, assim modificado, pode se propagar e atuar so-bre outros Espíritos através do perispírito de cada um(ver cap. XIV de GE, itens 13 em diante [6]). Essaatuação pode tanto curar quanto prejudicar outro Es-pírito, de acordo com as qualidades do pensamento quemodificou o FU. Esse é um resumo do mecanismo de açãodos Espíritos sobre os fluidos e destes sobre uma pessoano fenômeno de cura ou tratamento de doenças. Comoexemplo de que é o Espiritismo que explica o significadodos termos e conceitos envolvendo a palavra magnetismo,no item 33 do Cap. XIV de GE [6], encontramos Kardecdefinindo2 o significado dos vários tipos de magnetismoem termos dos conceitos genuinamente espíritas:

1. Magnetismo humano: usado para designar a açãodo próprio fluido do magnetizador, isto é, do fluidopróprio do encarnado;

2. Magnetismo espiritual: usado para designar a açãodireta dos fluidos dos Espíritos, sem intermediáriosencarnados;

3. Magnetismo misto ou magnetismo semi-espiritualou magnetismo humano-espiritual: usado para de-signar a ação dos fluidos que os Espíritos derramam

2Chamo a atenção dos Leitores para o alcance da palavra definição. O ato de definir uma coisa é justamente o de atribuir um significadobaseado em conceitos pré-estabelecidos e de validade conhecida e reconhecida. Ao definir os tipos de magnetismo usando termos e conceitosda Doutrina Espírita, Kardec deixa claro que a ciência mais fundamental é o Espiritismo.

JEE 010205 – 3 J. Est. Esp. 6, 010205 (2018).

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Magnetismo ou Espiritismo? Parte II . . .

sobre o encarnado, que serve de veículo para essederramamento.

Convidamos o Leitor a verificar os trabalhos das re-ferências [1,2,4] para maiores detalhes e outros exemplosde explicações do Espiritismo. Essa análise revela a ro-bustez da Doutrina Espírita, que não precisa do termomagnetismo para descrever os fenômenos do passe, dascuras espirituais ou de outros fenômenos de ação de umEspírito sobre outro. O Leitor pode verificar o seguintedesafio feito anteriormente [2]: existe algum fenômenoespírita que não possa ser explicado sem a palavra mag-netismo?

Resta analisar o seguinte pensamento: se Kardecdefiniu esses termos usando a palavra magnetismo, entãonão podemos utilizá-los? É nessa questão em particularque a presente reflexão é bem sutil porque não se tratade uma proibição mas de uma reflexão a respeito da me-lhor atitude a tomar. Há duas ponderações: i) a palavramagnetismo remete muitas pessoas ao entendimento daFísica causando, assim, mais confusão do que esclareci-mento; ii) a utilização dos termos e conceitos definidosoriginalmente pelo Espiritismo ajuda a valorizar a pró-pria Doutrina porque transmite ao interlocutor a ideiade que o espírita valoriza seus próprios termos. Isto é, oespírita não tem vergonha de descrever os fenômenos es-píritas usando só termos e conceitos espíritas. Quando seusa termos de outras ciências ou outra doutrinas espiri-tualistas, transmite-se a ideia de que os termos originaisdo Espiritismo estariam ultrapassados, fracos, incorretos.Se a gente analisar bem, enquanto o uso da palavra mag-netismo pode causar dúvidas e confusão em quem não éespírita, nem o Espiritismo, nem o movimento espírita,perdem nada em manter apenas seu termos e conceitosoriginais. Não perdem nada em evitar de utilizar as pa-lavras magnetismo e magnético nas explicações para osfenômenos e práticas espíritas. Isso, portanto, demons-traria fé mais raciocinada e coerência de nossa parte.

III.3 Kardec sabia do equívoco da palavra mag-netismo

A terceira reflexão é sobre o pensamento de Kardeccom relação à palavra magnetismo. Citamos isso nos es-tudos anteriores [1, 2] mas o que vamos analisar adianteainda não foi discutido ainda. Ele conhecia a antiga ci-ência do magnetismo animal de Mesmer e era praticanteda mesma antes de ter contato com os fenômenos espíri-tas. Assim, Kardec tinha bastante conhecimento sobre oassunto e, em particular, tinha consciência do problemada palavra magnetismo [12]:

MAGNETISMO ANIMAL - gr. magnes, ímã. Assimchamado por analogia como o magnetismo mineral.Demonstrou a experiência que não existe tal analogiaou que é apenas aparente. Assim, a denominação nãoé exata. Como, porém, foi consagrada pelo empregouniversal, e como, por outro lado, o epíteto que é adi-cionado não permite equívocos, haveria mais inconve-niente do que utilidade em substituir a expressão. Al-gumas pessoas a substituem por mesmerismo. Mas

até agora a tentativa não prevaleceu. (Grifos em ne-grito originais, em itálico, meus).

Acima percebemos claramente que Kardec sabia que apalavra magnetismo era inexata para descrever os fenô-menos de curas ou de qualquer outro tipo de influênciade um Espírito sobre outro. Isso já deveria bastar paramostrar que a palavra, em si, não é adequada. Porém,por ser conhecida da Sociedade em sua época, pelo “em-prego universal” que existia, frisamos: na época, a pala-vra magnetismo e a expressão magnetismo animal foramconsideradas convenientes e sem problemas por Kardec.Então, vejamos, a palavra é, em si, errada ou inadequadapara descrever o fenômeno, mas como as pessoas, frisa-mos: na época, já a conheciam pela ação dos passes etratamentos propostos por Mesmer, Kardec concluiu ser“inconveniente” substituir a palavra por outra. Inconve-niente porque as pessoas da sociedade, quando ouvissemfalar do assunto, não fariam a relação entre o fenômenoespírita e a ação do dito magnetizador. Outra palavrapara descrever uma prática ou fenômeno já conhecido naépoca era desnecessária. Mas o que era necessário, en-tão? Era necessário explicar e compreender em termosespíritas fenômenos que já eram bem conhecidos na so-ciedade da época pelo termo magnetismo animal. Se acodificação estivesse ocorrendo nos dias de hoje, Kardeccertamente não teria usado a palavra magnetismo por-que ele saberia que, frisamos: na época atual, o empregodessa palavra por outros membros da sociedade, não éuniversal para a descrição dos fenômenos de passes oude curas. Infelizmente, as teorias de Mesmer não foramacatadas pela Ciência. Aconteceu algo que Kardec nãopodia prever: elas não “fincaram” o pé na ciência oficialcomo ele acreditou que fincariam [7].

IV DÚVIDAS E QUESTÕES

As reflexões acima suscitam novas dúvidas. Algumasdelas são esclarecidas aqui. Se o termo magnetismo não éadequado, estaríamos propondo corrigir a Doutrina Es-pírita? Estaríamos criticando Kardec? Vários confradesespíritas podem estar pensando nisso, se não já o pensa-ram antes, quando da leitura dos trabalhos das referên-cias [1, 2]. Assim como ninguém considerou que se esti-vesse corrigindo a Doutrina nem criticando Kardec porevitar usar as palavras punição e castigo para entender osmecanismos da Lei de Justiça, Amor e Caridade [10, Ca-pítulo XI da Terceira Parte do LE], a resposta aqui énão para ambas as perguntas! A presente reflexão nãopropõe modificar o texto de nenhuma obra de Kardec,nem critica Kardec por ter usado a palavra magnetismonas obras fundamentais do Espiritismo. A reflexão, pelocontrário, mostra e exalta, de um lado, a robustez do Es-piritismo que não precisa dessa ou de outras palavras deoutras ciências para explicar seus fenômenos e, de outro,a sabedoria, coerência e sentimento de solidariedade deKardec que apesar de saber do problema com a palavramagnetismo, adotou-a em apoio à antiga ciência do mag-netismo animal que além de conhecida e aceita, frisamos:na sua época, ele considerava irmã gêmea do Espiritismo.

J. Est. Esp. 6, 010205 (2018). 010205 – 4 JEE

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Da Fonseca, A. F.

Coerência sim porque, como citado anteriormente, o Es-piritismo deve caminhar com o progresso (item 55, cap.I de GE [6]), e na época de Kardec, as teorias e práticasde Mesmer representavam um progresso (hoje não repre-sentam mais). O que aconteceu foi que o magnetismoanimal de Mesmer foi rejeitado de vez pela Ciência, oque ocorreu depois da desencarnação de Kardec.

Outra dúvida decorre justamente dessa solidariedadede Kardec para com a antiga ciência do magnetismo ani-mal. Das várias manifestações de Kardec em apoio aomagnetismo cito, como exemplo, as seguintes palavras deKardec publicadas na Revista Espírita (RE) de 1869 [13]:

O magnetismo e o Espiritismo são, com efeito, duasciências gêmeas, que se completam e expli-cam uma pela outra, e das duas, a que não querimobilizar-se não pode chegar ao seu complemento semse apoiar na sua congênere; isoladas uma da outra,detêm-se num impasse; são reciprocamente comoa Física e a Química, a Anatomia e a Fisiologia.(Grifos em negrito, meus).

Ao ler a afirmação de que o magnetismo e o Espiri-tismo são ciências “gêmeas”, logo se pensa que Kardecestivesse afirmando uma completa e perfeita identidadeentre as duas. Entretanto, ao dizer, posteriormente, queelas são como, por exemplo, “a Física e a Química”, oucomo “a Anatomia e a Fisiologia” vemos que a ideia estábem longe disso. A Física e a Química não são, nemnunca foram, ciências gêmeas, bem como a Anatomia ea Fisiologia. Procure o Leitor as definições dessas áreasdo conhecimento. Elas são ciências irmãs, mas não sãogêmeas, nem idênticas, nem possuem a mesma aparên-cia. Elas podem ter objetos de estudo e problemas deinteresse comuns, mas cada uma descreve os seus fenô-menos a sua maneira. Cada uma revelou suas leis e suasformas de descrever determinados tipos de propriedades,e ambas trabalham juntas para o progresso do conheci-mento. Assim, depreende-se das palavras de Kardec queo magnetismo (frisamos: na sua época) e o Espiritismoeram ciências que possuíam objetos de estudo, fenômenossemelhantes e interesses comuns, mas não eram, nemnunca formaram a mesma ciência, nem descrevem es-ses fenômenos da mesma maneira.

Cabe também analisar por quê Kardec teria dado ên-fase à relação entre o magnetismo e o Espiritismo? Porquê teria dito que uma deveria se apoiar na outra ou queuma se imobilizaria se não se apoiasse ou estudasse a ou-tra? Para compreender isso, é preciso entender a formade se pensar cientifica e academicamente. Toda ci-ência nova precisa demonstrar sua validade. Um dos tes-tes mais importantes pelos quais uma nova ciência passa éa verificação da validade daquilo que ela diz a respeito defenômenos já conhecidos e descritos por outras ciênciase/ou teorias mais antigas ou vigentes. A antiga ciênciado magnetismo animal era conhecida e aplicada (frisa-mos) na época de Kardec. Não era reconhecida ainda nosmeios acadêmicos, mas era aceita na Sociedade da época.Haviam grupos e sociedades de magnetizadores, distin-tos dos grupos e sociedades espíritas. Se o Espiritismo,que então era uma ciência nova, e também não tinha

aceitação nos meios acadêmicos, apresentasse resultadosdiferentes do que era considerado certo e aceito pelo mag-netismo, seria certamente rechaçado por essa parcela dasociedade, assim como toda teoria científica que nãoencontra respaldo nas que são reconhecidamenteaceitas é rejeitada. Na verdade, muitos adeptos domagnetismo animal não entendiam o Espiritismo e o ata-cavam. Kardec buscava mostrar que o Espiritismo nãocontradizia o magnetismo e, pelo contrário, o explicavaem outros termos, o confirmava e o complementava apre-sentando um novo ingrediente aos fenômenos de cura: aação dos Espíritos [1, 2, 4].

Apenas para mostrar ao Leitor a importância desseexercício de verificação entre uma ciência nova e a antiga,um exemplo clássico é a Teoria da Relatividade (TR) naFísica. No limite de baixas velocidades, a TR forneceos mesmos resultados da Mecânica Clássica de Newton.Isso é um dos testes mais importantes que mostram quea TR está correta. Se a TR não fornecesse o mesmo re-sultado da Mecânica Clássica, por mais sofisticada quefosse, e mais inteligente o seu proponente, ela demons-traria uma inconsistência e teria que ser abandonada oureformulada. Num certo sentido, alguém poderia dizerque a Mecânica de Newton e a TR são ciências irmãsgêmeas, pois que fornecem resultados idênticos para umcerto conjunto de fenômenos sem, contudo, querer dizerque são teorias idênticas, de fato, ou que tem a mesmaaparência (elas não são), já que divergem e muito quandoos fenônemos a serem descritos estão no domínio de movi-mentos com velocidades próximas a da luz. Assim comoa TR foi além do que a mecânica clássica podia descrever,o Espiritismo foi além do que ensinava a antiga ciênciado magnetismo. Portanto, as palavras de Kardec acimacitadas, da RE de 1869 não significam que o magnetismoo Espiritismo são, de fato, a mesma ciência, a mesmateoria, que tem o mesmo valor, ou que explicam os fenô-menos espíritas da mesma maneira. Os fatos demonstra-ram que, na verdade, o Espiritismo nunca dependeudo Magnetismo Animal pois que este último desapareceuda sociedade enquanto que o Espiritismo permaneceu esegue crescendo. Assim, quando Kardec diz que umacompleta ou complementa a outra, ele apenas ressaltaque ambas as ciências concorriam para os mesmos resul-tados; que o que quer que o magnetismo animal previa,o Espiritismo confirmava. O que ele quis dizer foi queos fenômenos que outrora eram chamados de magnéti-cos são, após o surgimento da Doutrina, explicáveis peloEspiritismo; e que os fenômenos do Espiritismo, pelo me-nos os de passes, são explicáveis pelo magnetismo. Nemtodos os fenômenos espíritas são explicáveis pelo magne-tismo como o de certos tipos de curas onde a ação dosfluidos mais puros dos bons Espíritos fazem uma grandediferença [1, 2]. Assim, cada uma dessas duas ciências,por si só, definiu seus conceitos e os utilizou da sua formana explicação dos fenômenos que estudou.

Outro aspecto importante e que, esse sim, tem vali-dade até os dias de hoje, é que Kardec não era só pre-ocupado com o Espiritismo andar “de par com o pro-gresso” (item 55 do cap. I de GE [6]), mas também com

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Magnetismo ou Espiritismo? Parte II . . .

a má repercussão de conceitos equivocados ou quiméricosque se trouxessem para a Doutrina (Revista Espírita de1868 [14]):

Se é certo que a utopia da véspera se torna muitasvezes a verdade do dia seguinte, deixemos que odia seguinte realize a utopia da véspera, porémnão atravanquemos a Doutrina de princípios quepossam ser considerados quiméricos e fazer quea repilam os homens positivos. (Grifos em negrito,nossos).

Kardec demonstra acima, uma preocupação com oque os “homens positivos”, isto é, os homens de ciên-cia, pudessem pensar da Doutrina quando alguém, emnome dela, introduz “princípios que poderiam ser consi-derados” por eles como “quiméricos”. Uma procura sim-ples na internet pelo significado da palavra “quimera”resulta em: “produto da imaginação, sem possibilidadede realizar-se; absurdo, fantasia, utopia.” O uso da pala-vra magnetismo, em face dos conhecimentos atuais sobreessa palavra, é um exemplo de conceito que pode atra-vancar a Doutrina e fazer que os homens de Ciência, quede fato conhecem o magnetismo, considerem a Doutrinauma quimera quando algum conceito espírita é vincu-lado ao mesmo. Dizer que o passe é magnético, além denão agregar nenhum valor científico ao conceito de passe,pelo contrário, agrega valor quimérico ao Espiritismo eseu movimento, aos olhos de pessoas que conhecem bemesses conceitos da Ciência.

Uma última questão que trataremos aqui é sobre apalavra fluido. Seria ela antiquada ou inadequada comoconcluímos para com a palavra magnetismo? Afinal, otermo fluido é bem definido na Física e na Engenharia.Não! Com a palavra fluido ocorre algo bem diferente. OsEspíritos definiram vários conceitos espíritas de naturezafundamentais utilizando essa palavra. Mesmo sabendoque existe um conceito de fluidos na ciência, dentro doEspiritismo ela é muito bem definida em termos muitoclaros. A Doutrina é construída em cima dos conceitosde duas substâncias gerais: princípio inteligente e mate-rial (questão 27 do LE [10]). Veja-se, também, as ex-plicações dadas no capítulo XIV da GE [6]. Acrescento,ainda, uma análise recente sobre a atualidade do termofluido à luz da Física Moderna que pode ser encontradana Referência [15], enquanto que um estudo mostrandoque fluido não é energia, mas pode conter energia é dadonas Referências [16,17].

V CONCLUSÕES

Apresentamos importantes reflexões sobre o uso dapalavra magnetismo nas explicações e descrições dosfenômenos espíritas, com base em três razões princi-pais: 1) no fato dessa palavra não ter, na atualidade,significado científico que justifique seu uso como explica-ção espírita; 2) no fato do Espiritismo não precisar dessapalavra para explicar nenhum conceito ou fenômeno es-pírita; e 3) no fato de Kardec já saber da inexatidãodessa palavra para descrever o fenômeno espírita. Ex-plicamos que Kardec decidiu por utilizá-la em razão da

necessidade de validação da Doutrina já que a teoria domagnetismo animal era aceita e praticada pela Sociedade(frisamos) da época e era uma das teorias mais próximasao que ensina o Espiritismo. Explicamos que é necessá-rio aplicar a fé raciocinada para desenvolvermos compre-ensão aprofundada dos conceitos e fenômenos espíritas.Infelizmente, as teorias de Mesmer não se desenvolveramdentro da Ciência e não se tornaram avanços ou pro-gresso do conhecimento. Com base na recomendação deKardec de caminhar “de par com o progresso” (item 55,cap. I da GE [6]) e de não atravancar “a Doutrina deprincípios que possam ser considerados quiméricos” porhomens positivos [14, Kardec, Revista Espírita de dezem-bro de 1868]), propus [1, 2, 4] que o movimento espírita,assim como fez com as palavras punição e castigo, reflitasobre a importância de mudar a forma como descreve eexplica os fenômenos espíritas envolvendo a saúde e acura, evitando o uso do termo magnetismo nas explica-ções, para evitar confusões e críticas por parte de quemestá fora do Espiritismo. Esse termo pode ser usado nosestudos históricos do Espiritismo, de como Kardec rela-cionava os novos conceitos espíritas ao que era conhecido(frisamos) na sua época. Mas, (frisamos) na atualidade,são os conceitos espíritas que são os mais modernos, eque devem ser usados para explicar aquilo que outroraera chamado magnetismo animal (veja, como exemplo,a resposta dos Espíritos à questão 628 do LE [10] sobrequal Doutrina deve explicar os conceitos antigos).

Um importante resultado desses estudos [1, 2, 4] foidestacar que o Espiritismo, só com seus conceitos pró-prios, é capaz de explicar todos os fenômenos espíritas,incluindo os fenômenos de cura. Ao falar das vantagensde quem faz um estudo prévio da teoria do Espiritismo,Kardec destaca o valor teórico do Espiritismo ao dizer:“Dando maior atenção ao fundo do que à forma, vêemna parte filosófica o principal, considerando como aces-sório os fenômenos propriamente ditos. Declaram en-tão que, mesmo quando estes fenômenos não existissem,ainda ficava uma filosofia que só ela resolve pro-blemas até hoje insolúveis; que só ela apresenta ateoria mais racional do passado do homem e doseu futuro.” (Grifos em negrito, meus).

A presente reflexão não afeta em nada a práticado passe, muito menos os trabalhos de cura espiritual,quando um médium de cura está presente. As técnicasdo passe podem continuar a ser usadas pois elas não sevinculam ao termo magnetismo.

Em nossa opinião, já estava mais que na hora do movi-mento espírita realizar essa reflexão, e ponderar que nãomais deveria repetir o uso da palavra magnetismo pelasrazões contidas aqui e nas referências [1,2,4]. Mostramosque a fé raciocinada pede esse tipo de reflexão. Porém,em vista do costume e, talvez, apego a essa palavra, nãoqueremos de modo algum que o Leitor se sinta descon-fortável em ter que mudar de atitude de modo drástico.É compreensível esse apego e as reações, algumas delasaté mesmo agressivas, de alguns interlocutores espíritas.Alguns poderiam pensar que dentro do movimento espí-rita não haveria problema com o uso da palavra magne-

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Da Fonseca, A. F.

tismo. Porém, ao ensinarmos a Doutrina aos neófitos, éimportante que o façamos de modo que a Doutrina sejaa principal ideia a ser valorizada.

Certamente, irmãos nossos de Doutrina e movimentoespírita, por usarem o termo magnetismo ou por teremtrabalhado por décadas com teorias e prática do magne-tismo animal, rejeitem nossa análise e pensem diferente.Essa reflexão, para nós, é necessária, mas perante a susce-tibilidade dos companheiros, lembramos da seguinte ori-entação de Kardec [7]:

Esperamos que os partidários do magnetismo e doEspiritismo, mais bem inspirados, não dêem aomundo o escândalo de discussões tão poucoedificantes e sempre fatais à propagação da ver-dade, seja qual for o lado em que ela esteja. Pode-mos ter nossa opinião, sustentá-la, discuti-la;mas o meio de nos esclarecermos não é nos estraça-lhando, procedimento sempre pouco digno de homenssérios e que se torna ignóbil se o interesse pessoal estáem jogo. (Grifos em negrito, meus).

Que essa reflexão não se torne, portanto, batalhade “egos” ou de retóricas para apenas prevalecer quem“apresenta o melhor argumento”. Que os que pensam di-ferente não se percam no desrespeito e ataque pessoalcomo força de argumento contrário, assim como desdejá manifestamos nosso profundo respeito aos dedicadosestudiosos do tema. Nossa proposta é uma reflexão quea própria definição de “fé inabalável” (item 7 do Cap.XIX do ESE [5]) exige que seja feita, de modo que a suabase seja a “inteligência perfeita daquilo em que se devecrer”, mas que não obriga a ninguém aceitá-la, e deixaclaro que sempre haverá respeito aos que pensam dife-rente. Lembramos, também, o exemplo e orientação deKardec quando da publicação do primeiro número da REem 1858 [18]:

Nossa Revista será, assim, uma tribuna livre, em quea discussão jamais se afastará das normas da maisestrita conveniência. Numa palavra: discutiremos,mas não disputaremos. (Grifos em itálico originais,e em negrito, meus).

Não iremos disputar a verdade sobre essa questão comninguém, mas estimulamos a reflexão e a discussão. Sóassim desenvolveremos verdadeira fé raciocinada, forne-cendo um excelente exemplo para as gerações futuras ava-liarem com mais conhecimento de causa, a validade desseestudo.

Em conclusão, os questionamentos apresentados nasreferências [1, 2, 4], e reafirmados aqui podem ser resu-midos assim: se não sabemos o significado da palavra“magnetismo”; se os que conhecem a Física e o Espiri-tismo não identificam o significado atual dessa palavracom os fenômenos espíritas; se pessoas de fora do Espi-ritismo se confundem ao ouvir essa palavra no meio es-pírita; se embora a tenha usado por ser conhecida na suaépoca, Kardec sabia que a palavra é errada/inexata; se omovimento espírita já deu exemplo de evitar as palavras

punição e castigo, que na atualidade não representam oentendimento do Espiritismo; e se o Espiritismo, afinal,não requer o uso dessa palavra na explicação e descriçãode nenhum fenômeno espírita, por quê continuar a usá-la? Kardec disse no item 55 da GE [6] que o “Espiritismodeve caminhar com o progresso” o que significa que nãodeve caminhar com o passado.

REFERÊNCIAS

[1] A. F. da Fonseca, “É correto falar magnetismo?”, Jornal deEstudos Espíritas 5, 010207 (2017). Acesso gratuito atravésdo DOI: 10.22568/jee.v5.artn.010207.

[2] A. F. da Fonseca, “Magnetismo ou Espiritismo? Parte I: Aexcelência teórica do Espiritismo”, Jornal de Estudos Es-píritas 6, 010204 (2018). Acesso gratuito através do DOI:10.22568/jee.v6.artn.010204.

[3] LIHPE, http://www.lihpe.net/wordpress acessado em31 de maio de 2018.

[4] A. F. da Fonseca, “Magnetismo ou Espiritismo? Tudo bementre os dois?”, https://www.youtube.com/watch?v=Z_QLJQqxn54&t=2h17m50s acessado em 31 de maio de 2018.

[5] A. Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, EditoraFEB, 112a Edição, Rio de Janeiro - RJ, 1996.

[6] A. Kardec, A Gênese, Editora FEB, 36a Edição, Rio de Ja-neiro, RJ (1995).

[7] A. Kardec, “Magnetismo e Espiritismo”, Revista Espírita,Jornal de Estudos Psicológicos Março, p. 148, Ed. FEB(1858).

[8] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker, Fundamentos da Fí-sica - Volume 3 - Eletromagnetismo, Editora LTC, 8a Edição(2009).

[9] R. Eisberg e R. Resnick, Física Quântica - Átomos, Molé-culas, Sólidos, Núcleos e Partículas, Editora Campus, 21a

Reimpressão (1979).[10] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 76a Edição,

Rio de Janeiro - RJ, (1995).[11] A. Kardec, O Livro dos Médiuns, Editora FEB, 62a Edição,

Rio de Janeiro - RJ, (1996).[12] A. Kardec, INSTRUÇÕES PRÁTICAS SOBRE AS Mani-

festações Espíritas, Editora Pensamento, São Paulo (1999).[13] A. Kardec, “Estatística do Espiritismo”, Revista Espírita,

Jornal de Estudos Psicológicos Janeiro, p. 19, Ed. FEB(1869).

[14] A. Kardec, “Constituição Transitória do Espiritismo”, Re-vista Espírita, Jornal de Estudos Psicológicos Dezembro,p. 504, Ed. FEB (1868).

[15] A. F. da Fonseca, “A atualidade do termo "fluido"no Espiri-tismo”, Reformador, Março, p. 14 (2016).

[16] A. F. da Fonseca, “Um Ensaio sobre Matéria e Energia - ParteI” FidelidadESPÍRITA 91 (Abril), p. 6 (2010), e reproduzidono link: http://www.aeradoespirito.net/ArtigosAF/UM_ENSAIO_SOBRE_MAT_E_ENER_AF.html acessado em 31de maio de 2018.

[17] A. F. da Fonseca, “Um Ensaio sobre Matéria e Energia -Parte II” FidelidadESPÍRITA 92 (Maio), p. 20 (2010), ereproduzido no link: http://www.aeradoespirito.net/ArtigosAF/UM_ENSAIO_SOBRE_MAT_E_ENER_AF.htmlacessado em 31 de maio de 2018.

[18] A. Kardec, “Introdução”, Revista Espírita, Jornal de EstudosPsicológicos Janeiro, p. 21, Ed. FEB (1858).

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Magnetismo ou Espiritismo? Parte II . . .

Title and Abstract in English

Magnetism or Spiritism? Part II: Reflections around the word magnetism in thespiritist movement

Abstract: In the Part I of this study, we have proposed a reflection about the use of the word magnetism by the spiritistmovement, given the current scientific knowledge about the subject. We have also proposed to avoid the use of this term becausescience no longer recognizes the concept of animal magnetism as proposed by Mesmer, and because Spiritism precinds this termin its explanations of the spiritist phenomena. Here, we complement the reflections presented in Part I, through the analysisof some of the issues that have been raised by this proposal. We remind the Reader that the spiritist movement in Brazil hasalready done this by proposing to avoid the use of a certain word present in some books of the spiritist codification becauseits meaning, nowadays, does not represent the message of Spiritism. We have shown, based on Kardec’s own comments, thatSpiritism and Magnetism are not, in fact, twin sister sciences. These and other questions are analyzed in order to clarify to theReader the importance of this reflection for the valorization of the Spiritist Doctrine.Keywords: Magnetism; spiritism; action of the fluids on matter; animal magnetism; the excellence of the spiritist theory.

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