7
A estória do Severino e a história da Severina. Antonio Da Costa Ciampa Resumo LIVRO 1 : SEVERINO O personagem principal, chamado Severino, através de um poema, tenta dizer quem é, para tanto, utiliza-se de seu nome para identificar-se, como tal não é suficiente, recorre a outros substantivos, os nomes dos pais, como posição social, definindo sua posição social, como nada disso é suficiente, define também sua região geográfica, descreve seu estado físico, não adiantando também, por que eles não somente vivem a mesma vida, mas também morrem da mesma morte, assim, Severino é um severino severino, uma homogeneização absoluta,onde nada é possível para o singularizar ou identificar. Para a vida de Severino, tudo parece igual: presente, passado e futuro, por que a sua identidade revela que sua existência é a encarnação de um momento histórico, sua própria luta pela sobrevivência, sendo esta sua sina. Na impossibilidade de dizer quem é, Severino fala de uma identidade coletiva, percebendo que deve, portanto, não mais ser substantivo ou adjetivo como no início de sua fala, deve ser portanto ação. Assim, Severino torna-se ator que desempenha seu papel de migrante com o objetivo de encontrar vida e nesse objetivo depara-se com um funeral, o qual o faz descobrir-se como morto-ainda-vivo, assim, decide ser outro, encontrar vida, e recusa-se a se identificar com essa alternativa, decide ser outro, encontrar vida, então continua a migrar. Severino assume até aí, três diferentes identidades, lavrador na serra magra e ossuda; Severino, retirante na viagem que fazia; Severino, moribundo na chegada ao Recife. Assim, nada, nem ninguém falava de vida, só o seu desejo de viver, até encontrar um mocambo e discutir com ele a respeito da possibilidade de morte no rio, passando então a desejar a morte e procurá-la. Esse desejo de morte é interrompido pelo anúncio do nascimento do filho do mocambo, o que fez Severino refletir sobre a alegria, animação, entusiasmo, solidariedade, amizade, confiança no futuro, beleza, força transformação e saúde presentes nessa festa oferecida ao nascimento, mostra ao personagem que solidariedade e amizade não são impedidas pela pobreza. Nessa reflexão, Severino pode perceber que é na ação de cada membro da comunidade que a vida pode ser encontrada, e daí, desse acontecimento, que ele nota que o recém- nascido tem várias alternativas de identidade possíveis, como ser pescador de maré vestido de lama ou homem de ofício, negro da graxa de sua máquina, então assim, uma identidade humana é sempre a negação do que a nega. Podemos então entender que o desejo de Severino de encontrar vida, pode ser traduzido por buscar concretizar uma identidade humana, e quando este encontra um grupo que reconhece a humanidade de seus membros, percebe que sozinho é impossível ser reconhecido como humano. LIVRO II - SEVERINA A personagem principal chamada aqui de Severina, inicia seu relato autobiográfico descrevendo o lugar de onde provêm, suas condições de vida na infância, e também fala

65680487 a Estoria Do Severino e a Historia Da Severina

Embed Size (px)

DESCRIPTION

sobre a estoria

Citation preview

Page 1: 65680487 a Estoria Do Severino e a Historia Da Severina

A estória do Severino e a história da Severina.Antonio Da Costa Ciampa

Resumo

LIVRO 1 : SEVERINO

O personagem principal, chamado Severino, através de um poema, tenta dizer quem é, para tanto, utiliza-se de seu nome para identificar-se, como tal não é suficiente, recorre a outros substantivos, os nomes dos pais, como posição social, definindo sua posição social, como nada disso é suficiente, define também sua região geográfica, descreve seu estado físico, não adiantando também, por que eles não somente vivem a mesma vida, mas também morrem da mesma morte, assim, Severino é um severino severino, uma homogeneização absoluta,onde nada é possível para o singularizar ou identificar.Para a vida de Severino, tudo parece igual: presente, passado e futuro, por que a sua identidade revela que sua existência é a encarnação de um momento histórico, sua própria luta pela sobrevivência, sendo esta sua sina.Na impossibilidade de dizer quem é, Severino fala de uma identidade coletiva, percebendo que deve, portanto, não mais ser substantivo ou adjetivo como no início de sua fala, deve ser portanto ação.Assim, Severino torna-se ator que desempenha seu papel de migrante com o objetivo de encontrar vida e nesse objetivo depara-se com um funeral, o qual o faz descobrir-se como morto-ainda-vivo, assim, decide ser outro, encontrar vida, e recusa-se a se identificar com essa alternativa, decide ser outro, encontrar vida, então continua a migrar. Severino assume até aí, três diferentes identidades, lavrador na serra magra e ossuda; Severino, retirante na viagem que fazia; Severino, moribundo na chegada ao Recife. Assim, nada, nem ninguém falava de vida, só o seu desejo de viver, até encontrar um mocambo e discutir com ele a respeito da possibilidade de morte no rio, passando então a desejar a morte e procurá-la.Esse desejo de morte é interrompido pelo anúncio do nascimento do filho do mocambo, o que fez Severino refletir sobre a alegria, animação, entusiasmo, solidariedade, amizade, confiança no futuro, beleza, força transformação e saúde presentes nessa festa oferecida ao nascimento, mostra ao personagem que solidariedade e amizade não são impedidas pela pobreza. Nessa reflexão, Severino pode perceber que é na ação de cada membro da comunidade que a vida pode ser encontrada, e daí, desse acontecimento, que ele nota que o recém-nascido tem várias alternativas de identidade possíveis, como ser pescador de maré vestido de lama ou homem de ofício, negro da graxa de sua máquina, então assim, uma identidade humana é sempre a negação do que a nega.Podemos então entender que o desejo de Severino de encontrar vida, pode ser traduzido por buscar concretizar uma identidade humana, e quando este encontra um grupo que reconhece a humanidade de seus membros, percebe que sozinho é impossível ser reconhecido como humano.

LIVRO II - SEVERINA

A personagem principal chamada aqui de Severina, inicia seu relato autobiográfico descrevendo o lugar de onde provêm, suas condições de vida na infância, e também fala

Page 2: 65680487 a Estoria Do Severino e a Historia Da Severina

de seus pais, daí surgem as primeiras lembranças sobre sua infância, infância-que-não-teve marcada pela violência do pai, que chegou a ocasionar a morte da irmã, assim como pelo sofrimento da mãe.Severina começa então a extrair da memória os fatos que considera significativos de sua historia para que saibamos quem foi e quem era, sendo que para tanto, precisa primeiro falar de quem eram seus pais, porque de sim mesma, só sabe dizer que tinha uma revolta dentro de si.Daí passa a relatar como seu pai era beberrão, ausente, em como violentava sua mãe e o quanto isso foi gerando revolta dentro dela, então Severina relembra da situação em que viu seu pai entrar em casa à noite e mutilar sua mãe, dentre tantas outras situações em que passou fome, teve que acordar às 4 horas da manha para encher os barricões dos fazendeiros, vivendo uma vida de escrava-revoltada, sendo que tudo que viveu é descrito como se fosse mera testemunha, uma historia em voz passiva: uma vida-que-não-foi-vivida.Severina segue sua vida, trabalhando de casa em casa, transformando em um bicho-do-mato, animal ferido e acuado que encontra significado para a morte de sua mãe, mesmo que uma explicação sobrenatural, a de um feitiço realizado pela amante de seu pai, o que a fez desenvolver um absoluto desejo de vingança, passando a projetar os passos que deveria seguir para conseguir realizar sua grande vingança, inicialmente adquirir poder. Então, Severina passa a ser não somente mais escrava revoltada, agora é também vingadora.

Ela conservava também um desejo de voar num gavião-de-prata, que se concretiza ao brigar com seu patrão que a batia constantemente surgindo então a oportunidade de mudar pra São Paulo e assim não só ganhar mais dinheiro para realizar seu projeto de vingança, como também o de voar no gavião-de-prata, Severina viaja e é deixada no interior com outra família, descobre-se novamente escrava, escrava solitária, num mundo estranho, impotente até mesmo para voltar. Daí por diante, foi casa por casa, trabalhando e sendo jogada de um lado para o outro.

A realidade objetiva se impõe e para preservar a identidade vingadora, Severina passa então a alucinar, ao invés de abandonar o projeto inviável de vingança que construíra, prefere abandonar a realidade. Nesse tempo, sua realidade que parece tão hostil, muda surpreendentemente e esta encontra um rapaz, com quem durante 5 anos, tem um namoro e noivado perfeito, tornando-se logo depois, casada, dona-de-casa e em um ano, mãe de um menino e freqüentadora de um centro espírita, na busca de livrar-se do “encosto” que provocava suas alucinações.Assim, nesse ínterim, a vingadora permanece apenas como possibilidade, não concretiza seu projeto por falta de condições objetivas; é um projeto alimentado apenas pelo seu desejo e sobrevive como realidade puramente subjetiva, um imaginário individual, que não compartilha com ninguém.O noivado foi, portanto uma pausa, que cobriu com o véu da ilusão, uma realidade que ressurge mais forte após o casamento o que a faz, guiada pelo marido, gastar com os caras do centro, alimentando-os, sendo manipulada por eles.Aquilo que foi um noivado celestial evoluiu por tanto, para um casamento infernal, no qual sofreu as mesmas violências que sua mãe, e mesmo prometendo anteriormente não suportar agressões, suportou, mesmo que enfrentando fisicamente.À medida que sua situação econômica melhora, Severina passa a ser mais explorada, mais roubada, então é violentada pelo seu esposo ao ponto de ter risco de aborto que foi controlado devido à assistência recebida no hospital no qual trabalha, recebendo também tratamento psiquiátrico. Seu marido convence a todos que Severina é doente

Page 3: 65680487 a Estoria Do Severino e a Historia Da Severina

mental, assim, o significado socialmente compartilhado define, explica, legitima a realidade e então, sua nova identidade.Mesmo diante de tantas explorações e violências vindas por parte de seu marido, Severina insiste em ter um lar, e então parte para um cotidiano que reproduz a violência, as explorações, o enlouquecimento. Mesmo surrada, enfrenta o marido. Ela acaba por pedir socorro ao seu sogro diante de tantas agressões, e passa a viver na casa deles.Severina faz um balanço de sua vida desolada, tudo lhe foi roubado, tirado, espoliado, destruído e espoliado, então resolve começar a vida e retoma então sua identidade de vingadora. Então deixa seu filho com seus sogros e volta a trabalhar como doméstica e a se comportar como moleque que apronta e mesmo assim é aturado com paciência e tolerância pelos patrões.Podendo ser moleque, sua situação começa a ter novo significado, descobre que ser considera inútil pelo INPS pode ter suas vantagens, ter seu salário de empregada e também receber a pensão do INPS, no emprego pode ser alimentada, tolerada e apoiada pelos patrões, além de estabelecer relações sociais e interagir com pessoas com outros valores.Porém, a escrava vingadora ainda sobrevive, e então, Severina decide arrumar um novo trabalho que ganhe mais, assim como uma moradia em que possa acomodar o filho e voltar a ser mãe. Para isso, Severina resolve não mais ser escrava de ninguém e então se matricula num curso de manicure e assume um novo papel: o de aluna de escola de manicure, e conquista clientes aos poucos, enquanto ainda se sujeita a ser explorada, sofrer violências onde mora, mesmo que temporariamente.Mesmo metamorfoseando-se, a vingadora-briguenta ainda se esconde atrás da manicure, ainda que dissimulada.Severina inicia um novo ciclo da sua vida, quando ao visitar uma cliente, depara-se um com uma seguidora do budismo, que diante de sua curiosidade, começa então se envolver com a organização e a ser catequizada pela seguidora que a recepcionou no primeiro encontro. Embora inicialmente procure solução imediata para seus problemas, aos poucos passa a refletir sobre sua vida, agora, embora ainda se rebele, ouve.Uma nova Severina está surgindo e ameaçando a velha Severina, e quando a nova religião parece funcionar, quando Severina, após seguir vários rituais e orações consegue enfim alugar um lugar melhor, um cômodo e cozinha pra morar. Satisfeita com sua nova religião, Severina começa a perceber que era mais sério do que ela pensa e que também funciona.O grupo do qual Severina começa a fazer parte, é um mundo descoberto por ela e lhe dá suporte, sua identidade vai se concretizando nas e pelas novas relações sociais em que está se enredando, começa, pela primeira vez a fazer parte de uma comunidade humana, como nunca houve, já que Severina, desde sua infância era um átomo solto, despregado de qualquer vínculo significativo.Severina torna-se alguém, é humana, está fazendo sua revolução humana, e essa revolução começa a ser notada pela mesma, que reflete sobre a metamorfose pela qual passa, começa a ter consciência da vida, de si, e consciência do outro, reconhece o outro como humano e é reconhecida como tal.Essa noção de que já é outra, fica mais fortemente marcada e percebida quando descobre o marido como outro, até ali, referia-se ao marido pelo prenome, e daí pra frente chama-o pelo sobrenome. Desaparece o ódio por ele, consegue olhá-lo. Morre a vingadora: desaparece o ódio pelo pai e por sua amante, assim como o sentimento de vingança.È possível assumir uma nova personagem, identifica-se com ela, torna-se personagem, não só se sente outra pessoa. É outra pessoa!

Page 4: 65680487 a Estoria Do Severino e a Historia Da Severina

O casamento do filho desperta em Severina uma mãe-proprietária que se coloca contra, pois o bicho acuado no tempo da gravidez, que foi ferido quase mortalmente e lutou pela própria sobrevivência e de seu filho, ajudam a entender tal comportamento que aos poucos vai também sendo metamorfoseado e Severina passa a renunciar ao filho-propriedade e libertar-se para amar o filho-amigo.A Severina-de-hoje é a baiana-que-virou-budista, que viajou ao Japão e está virando japonesa, é membro disciplinado de sua organização e continua libertando-se para ser uma jovem alegre e espontânea.

LIVRO III - IDENTIDADE

Embora a diversidade entre os casos apresentados no início desse livro sejam notáveis, há de se notar também algo em comum: o movimento real da identidade, uma dialética que permite desvelar seu caráter de metamorfose.A identidade é tipicamente representada pelo nome próprio, porque um nome nos identifica e nós com ele nos identificamos, nosso nome como que se funde em nós, embora o nome não seja a identidade e sim a representação dela.Ainda falando sobre nomes, podemos destacar três categorias fundamentais para a Psicologia Social estudar o homem, que são: Atividade, Consciência e Identidade, notando-se que elas estão presentes nesse processo relacionado ao nome uma vez que a atividade é antes de tudo o nomear, quando vamos tomando consciência de nós mesmos que começamos a nos chamar, podendo falar conosco, podemos refletir.Assim, o indivíduo não é algo, mas sim o que faz o fazer é sempre a atividade no mundo, em relação com os outros, e aí é que vemos que o indivíduo não mais isolado, como coisa imediata, mas sim como relação. O nome nos distingue, nos diferencia dos outros, indica a identidade. Então, a questão do nome nos revela que identidade é diferença e igualdade, numa articulação, aí então se mostra um dos segredos da identidade.A história de Severina nos revela claramente o caráter de metamorfose que a identidade admite, sendo que a personagem vai se metamorfoseando e deixando de ser bicho-do-mato para se tornar bicho-humano quando se revela o esforço do entendimento, sendo então um bicho-humano que age, trabalha escravamente, revolta-se, faz projetos, etc. Desta forma, pode-se entender que a identidade é a mesmidade de pensar e ser.Severina, através de sua autodeterminação em seu projeto de vingança demonstra a presença do bicho-humano ainda quando esta era bicho-do-mato, pela finalidade que este encerra e na prática, sua subjetividade basicamente se expressava pelo sentimento de revolta e pelo desejo de vingança. E quando aprende ser outra, como que sai de si e torna-se outra, exterioriza-se na realidade, então o subjetivo torna-se objetivo; e a recíproca também, aprender e ser então é o mesmo.Porém, o fato de nos chamar a atenção e por isso ser objeto de estudo, a identidade como metamorfose pode nos parecer também como não-metamorfose, não movimento, como não transformação, embora possamos chegar a dois pontos importantes dessa discussão: a questão da identidade é uma questão central, porque problematiza a própria natureza do real, assim como a questão da identidade posta como metamorfose se inverte no contrário: a não-metamorfose.Para entendermos melhor, introduzimos a categoria matéria, porque cada coisa é uma formação material, tanto uma sociedade, como uma instituição, uma família, um grupo, como também um ser humano, todos são formações materiais particulares em relações recíprocas universais. No caso da Severina, por exemplo, estuda-se uma determinada

Page 5: 65680487 a Estoria Do Severino e a Historia Da Severina

formação material, na sua atividade, com sua consciência, não como três coisas justapostas, mas presença de todas em cada uma delas como uma unidade.Ainda analisando a questão do nome, é permitido uma observação: sempre há a pressuposição de uma identidade, podemos até desconhecê-la; mas pressupomos sua existência, assim, são as representações que servem como resposta a pergunta sobre quem somos, ao mesmo tempo que vamos conhecendo as novas personagens que surgem das atividades de Severino, este vai sendo melhor conhecido, constituindo-se assim um universo a partir da constituição de personagens.Na história de Severina, as múltiplas personagens ora se conservam, ora se sucedem, ora coexistem, ora e alternam. Estas diferentes maneiras de se estruturar as personagens indicam como que modos de produção da identidade. Assim, percebemos que a identidade é uma articulação de várias personagens, articulação de igualdades e diferenças, constituindo, e constituída por, uma historia pessoal. Identidade é historia.Embora representativa, a identidade não pode ser vista como somente isso, não podemos isolar, há de se levar em conta os elementos biológicos, sociais e psicológicos assim como a representação desse indivíduo como aspectos que expressam a identidade de alguém, através de uma interpretação dos dois.Assim, não basta a representação prévia, as relações sociais nas quais se está envolvido vão confirmando essa representação através de comportamentos que reforçam a sua conduta de acordo com o papel social que a foi apresentado. Essa identidade pressuposta vai sendo re-posta, re-atualizada, a cada momento, através de ritos sociais, sob pena de esses objetivos sociais deixarem de existir objetivamente.E nessa metamorfose algumas personagens que compõe nossa identidade sobrevivem, às vezes, mesmo quando nossa situação objetiva mudou radicalmente, embora requeira muito esforço para manter alguma aparência de inalterabilidade. O ser humano, portanto, se transforma, inevitavelmente. Alguns, à custa de muito trabalho, de muito labor, protelam certas transformações, evitam a evidência de determinadas mudanças, tentam de alguma forma continuar sendo o que se chegaram a ser num momento de sua vida, sem perceber, talvez que, estão se transformando numa réplica, numa cópia daquilo que já não estão sendo, do que foram.A estrutura social mais ampla nos oferece os padrões de identidade, assim cada posição de alguém o determina, sendo que a existência concreta deste é a unidade da multiplicidade, a articulação de igualdades e diferenças. Em cada momento de sua existência, manifesta-se uma parte como desdobramento das múltiplas determinações a que está sujeito. Por isso é impossível expressar a totalidade de mim, posso falar por mim, agir por mim, mas sempre estou sendo o representante de mim mesmo.O homem, diferenciando-se do animal, produz suas condições de existência, produzindo conseqüentemente a si mesmo, aí se faz Historia, como auto-produção humana, sendo que todo homem é dotado dessa substância histórica que o faz se realizar como histórico e como sociedade, nunca como indivíduo isolado, sempre como humanidade. Assim, a cada instante de sua existência como indivíduo é um momento de sua concretização, sendo negado, determinado, existindo como negação de si mesmo.Não se pode deixar de observar o fato de vivermos em uma sociedade capitalista, sendo assim, o capital é o sujeito, que passa nos seus predicados, reflete-se no seu predicado, por não poder se constituir como verdadeiro sujeito, então desempenha papéis, assume papéis, ocultando outras partes de sua identidade pressuposta e re-posta. No caso de Severina-representante-de-si-mesma tinha que desempenhar o papel que cabia a personagem da Severina representada (Severina-doente-mental), se assim não fosse, não seria representante de si mesma.

Page 6: 65680487 a Estoria Do Severino e a Historia Da Severina

Não se pode afirmar, portanto, que quando Severina tornou-se homem-sujeito, a metamorfose se completou, senão não seria um processo, antes a negação da negação permitiu a expressão do outro outro que também ela era, consistindo assim na alterização da identidade, na eliminação da identidade pressuposta e no desenvolvimento de uma identidade oposta como metamorfose constante, em que toda a humanidade nela se concretizou. Aqui, o termo alterização expressa a idéia de uma mudança significativa resultante do acúmulo de mudanças quantitativas, mesmo que insignificantes, invisíveis , mais graduais e não radicais.À medida que vão ocorrendo transformações na identidade, concomitantemente ocorrem transformações na consciência, tanto quanto na atividade, tendo o perigo também de surgirem o encobrimento, aparência, velamento, dissimulação, entre outros.Essas transformações, já ditas aqui como metamorfose é o desenvolvimento do concreto, as personagens são momentos de identidade, degraus que se sucedem, círculos que se voltam sobre si em um movimento, ao mesmo tempo, de progressão e de regressão. Portanto, a concretude da identidade é sua temporalidade: passado, presente e futuro, sendo que a identidade é concreta; é o movimento de concretização de si, síntese de múltiplas e distintas determinações, o homem se produz a si mesmo, na unidade da subjetividade e objetividade, concretizando sua identidade.Na produção da História, o homem é um ator, um participante ativo e solidário de uma produção coletivamente realizada, por isso a atividade prática do homem, formulada por sua razão prática que é o interesse pela libertação da coerção, pela transformação do sistema social, pela clarificação da situação que se constitui nas condições sob as quais vivemos. Assim, é o interesse pela autoconservação da espécie um principio norteador da evolução social, da história.Nossa atividade prática deve, portanto, servir ao interesse racional, conhecendo as tendências concretas perceptíveis no desenvolvimento onto e filogenético, de modo a buscar transformações das possibilidades concretas. Ser homem é devir homem, o que ocorre com o indivíduo e com a sociedade demonstra essa afirmativa, evidencia uma lógica do desenvolvimento, não só a nível da ontongênese, como a da filogênese, ao mesmo tempo que se evidencia um nexo entre esses dois desenvolvimentos, o desenvolvimento do concreto.Toda essa reflexão nos leva a concluir que não ter identidade humana é não ser homem, porque assim como o singular materializa o universal na unidade do particular, quando o particular não concretiza essa unidade, o universal permanece abstrato, falso.Ainda falando de identidade humana, Severina nos ajuda a explicar tal conceituação: Severina é o movimento da concretização de si, que empiricamente se deu pelas personagens, não sendo nenhuma personagem concretamente, porque cada uma é um momento do todo, do seu movimento, que é ela. Ela é a sua metamorfose, contem em si a possibilidade da infinitude do humano.Pautados na expressão de Haberans que classifica a religião vivida por Severina na transformação em bicho-humano como uma parte de “uma série de subculturas”, podemos afirmar que o movimento progressivo em Severina, historicamente se revela como regressivo. Aí esta mais uma vez a inversão no contrário, ao mesmo tempo, progressivo e regressivo. Assim, Severina nos mostra que um os diversos mundos que não merecem ser vividos, devem, portanto, serem recusados.Severina ainda nos mostra o que é o indivíduo que na nossa sociedade vive como bicho-acuado querendo ser bicho-homem, mostrou-nos que o segredo dessa condenação é o de não nos deixar morrer, para continuarmos sendo mastigados vivos. Assim aprendemos que precisamos inventar nosso futuro, abandonar a certeza totalitária do dogma da resposta certa e ariscar juntos. Nesse arriscar, a psicologia social tem a

Page 7: 65680487 a Estoria Do Severino e a Historia Da Severina

responsabilidade de estudar a identidade para então garantir a autoconservação, o que levará a formular projetos de identidade cujos conteúdos não estejam prévia e autoritariamente definidos. Os conhecimentos que surgiram desses aprendizados deve-se subordinar ao interesse da razão e decorrer da interpretação que fazemos do que merece ser vivido. Isso é busca de significado, é invenção de sentido, autoprodução do homem, é vida.