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113 7. A ANIMAÇÃO E O DISCERNIMENTO VOCACIONAL NO CONTEXTO DA SOCIEDADE E DA IGREJA MOÇAMBICANA 1. A VIDA COMO VOCAÇÃO: PERSPECTIVA BIBLICO TEOLÓGICA 1.1. Observações gerais A parte introdutiva desta secção é uma análise da evolução do termo vocação, no contexto bíblico-cristão. O Antigo Testamento fala de vocação quer em termos pessoais quer em termos colectivos, no sentido de chamada à existência e à comunhão com Deus. Por sua vez, o Novo Testamento fala de vocação no sentido de chamamento ao seguimento de Cristo, em ordem à construção do Corpo Místico, a Igreja, e ao anúncio da sua Mensagem aos homens. Nos séculos IV e V da nossa era, nota-se uma presença redutiva de toda a temática vocacional como chamada universal a todos. O discurso passa a centrar-se sobre a vida monástica, religiosa e o ministério sacerdotal. Nestes últimos anos, com o desenvolvimento das ciências humanos e com o Concílio Vaticano II, o termo vocação recupera o seu significado original bíblico. Fala-se de vocação integral na totalidade do corpo, alma e coração, como aquilo que faz ser o que se é, como uma chamada universal à santidade. A vida consagrada, vista sob o ângulo de iniciativa de Deus e resposta do homem, tem sido alvo de sérias reflexões e pesquisas. É uma realidade que preocupa os Institutos

7. A ANIMAÇÃO E O DISCERNIMENTO VOCACIONAL NO … · vocação no sentido de chamamento ao seguimento de Cristo, em ... a Deus e ao mundo hodierno. ... Criado por Deus, o homem

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7. A ANIMAÇÃO E O DISCERNIMENTOVOCACIONAL NO CONTEXTO DA SOCIEDADE EDA IGREJA MOÇAMBICANA

1. A VIDA COMO VOCAÇÃO: PERSPECTIVABIBLICO TEOLÓGICA

1.1. Observações gerais

A parte introdutiva desta secção é uma análise da evolução dotermo vocação, no contexto bíblico-cristão. O AntigoTestamento fala de vocação quer em termos pessoais quer emtermos colectivos, no sentido de chamada à existência e àcomunhão com Deus. Por sua vez, o Novo Testamento fala devocação no sentido de chamamento ao seguimento de Cristo, emordem à construção do Corpo Místico, a Igreja, e ao anúncio dasua Mensagem aos homens.

Nos séculos IV e V da nossa era, nota-se uma presença redutivade toda a temática vocacional como chamada universal a todos.O discurso passa a centrar-se sobre a vida monástica, religiosa eo ministério sacerdotal.

Nestes últimos anos, com o desenvolvimento das ciênciashumanos e com o Concílio Vaticano II, o termo vocaçãorecupera o seu significado original bíblico. Fala-se de vocaçãointegral na totalidade do corpo, alma e coração, como aquilo quefaz ser o que se é, como uma chamada universal à santidade.

A vida consagrada, vista sob o ângulo de iniciativa de Deus eresposta do homem, tem sido alvo de sérias reflexões epesquisas. É uma realidade que preocupa os Institutos

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Religiosos e a Igreja em geral, face à crise pela qual ela tempassado, sobretudo após o Concílio Vaticano II, em virtudedaquilo que ela é chamada a ser, para ser fiel ao Evangelho e aohomem de hoje.

Na nossa reflexão, vamos começar por definir a natureza e aidentidade da animação vocacional, quer como técnica derecrutamento, quer como instrumento de renovação da VidaConsagrada na Igreja, e particularmente nos Institutos.Seguidamente vamos estabelecer a ligação entre a animaçãovocacional e a formação permanente, como sendo componentescomplementares da renovação da vida consagrada.

Como ponto de partida devemos fazer um exame de consciência,com optimismo e humanismo cristão, que não fecha os olhosdiante do mal e das limitações do homem, mas confia na suapotencialidade tocada pela força de Cristo. Ao mesmo tempoque fazemos um exame de consciência, é preciso delinear opercurso humano e espiritual necessário a percorrer na animaçãovocacional para a renovação da vida religiosa, para que seja fiela Deus e ao mundo hodierno.

Deus chama à existência todos os seres, entre os quais o homem.Os termos chamar e chamado indicam uma relação entre duasou mais pessoas. Eles são expressões típicas que evocam umarelação entre os homens e que, em linguagem bíblica, assumemum significado particular, enquanto o sujeito que chama é Deus,e o homem, seu interlocutor.

A vocação, enquanto manifestação do diálogo entre Deus e ohomem, é expressão da revelação que traz consigo o projectosalvifico. Assim, a revelação apresenta o projecto desta relação

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entre a pessoa humana e a Pessoa divina, em forma de aliançaque implica reciprocidade e colaboração.

A fidelidade de Deus a esta aliança tem como ponto dereferência Cristo. Nele todos os homens são chamados a realizara comunhão com o Pai, por meio do Espírito Santo que actua naIgreja.

A Igreja é assembleia ou comunidade de chamados, com umamissão específica. Consequentemente ela é geradora de todas asvocações graças à sua natureza sacramental, ao seu mistério decomunhão e à sua missão.

No contexto desta semana teológica, o nosso objectivo é deapresentar um plano de pastoral vocacional para a Região deMoçambique. Visando ter um quadro mais completo dasituação, analisarei este projecto em três perspectivas: teológica,situacional e pastoral.

Iniciarei o trabalho comentando, em síntese, a partir dosprincípios bíblicos e da doutrina do Magistério da Igreja, adimensão existencial e eclesial da vocação e a pastoralvocacional na Região de Moçambique.

A vocação, como chamada de Deus, insere-se na cultura, nahistória e no espaço geográfico do homem. Por isso, na segundaparte do trabalho, tentarei sublinhar a situação geral de crisevocacional na Igreja, com particular referência a Moçambique,o problema e a dificuldade de acompanhamento, as pistas desolução e o empenho para sair da crise.

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Por fim, na última parte, deter-me-ei sobre os aspectos daprogramação da Pastoral Vocacional em Moçambique, osrecursos primários e acessórios a serem usados para que aPastoral Vocacional atinja a sua finalidade e objectivos.

Estas serão, de modo geral, as ideias que procurarei apresentar edesenvolver no decurso do trabalho. Para isso buscarei fontesdentro dos recursos de que disponho, entre os quais a “sebenta”do professor, a sagrada Escritura e documentos Conciliares, asConstituições e outros documentos das RSCM, as obras deAgostino Favale e de Amedeo Concini, sobre as quais sefundamenta grande parte do que aqui apresento.

Com a perspectiva teológica, à luz dos dados bíblicos e doMagistério da Igreja, pretende-se definir a vocação,evidenciando as dimensões que permitem acolher o desígniosalvifico de Deus, bem como definir a natureza da PastoralVocacional.

Para que o nosso diálogo seja eficiente na pastoral Vocacional,há que partir da teologia da vocação, que tem como base odesígnio salvífico de Deus: O homem criado por Deus é um projecto de Deus e tem uma

meta a atingir. Para atingir a meta, ele tem uma orientação, um caminho a

seguir. O homem tem uma vida e uma dimensão ultra-terrena. Cada vocação à existência é chamada a crescer, a

amadurecer e a transcender-se.

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1.2. Dimensão existencial da vocação

Falar da dimensão existencial é falar antes de mais do fenómenoda criação, em que Deus chama do nada todos os seres, fruto doseu desígnio, da sua iniciativa, do seu amor e da sua livrevontade.

Entre as criaturas existentes no cosmos, apenas o homem gozado privilégio de ser expressão do Criador, porque criado à suaimagem e semelhança. É esta participação, a imagem esemelhança de Deus, que faz do homem pessoa inteligente, livree responsável, distinto dos outros seres, capaz de construir-se,aberto a Deus e aos seus semelhantes.

A ideia “imagem e semelhança de Deus”, confere a origemdivina à vocação humana. Criado por Deus, o homem é chamadoa ser seu interlocutor, isto é, a estabelecer uma relação de diálogoe de encontro com Ele. Assim, a vocação evoca reconhecimento,diálogo e comunhão, em que Deus faz as suas propostas e ohomem é solicitado a responder.

Ser chamado, justificado e glorificado significa, para o cristão,unir-se a Cristo, conformar-se com Ele e, com ele, morrer eressuscitar para uma vida nova. Assim, a imagem de Deus nohomem, ofuscada pelo pecado, vem a ser restaurada em Cristo.O homem é introduzido, assim, na comunhão Trinitária, onde oautor desta comunhão é o Espírito Santo, que transforma ohomem em nova criatura.

Na Igreja, alguns são chamados a servir como leigos na suacondição de esposos, outros como ministros ordenados noexercício da função episcopal, presbiteral ou diaconal. Outros

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ainda são chamados à vida consagrada pela profissão dosconselhos evangélicos.

Os leigos, incorporados em Cristo, participam a seu modo namissão de Cristo, evangelizando e santificando o mundo e asociedade com o testemunho da sua fé e da sua vida, nos váriossectores da vida social.

Os ministros ordenados, em virtude do novo título sacramental,empenham-se a desenvolver um particular papel evangelizador,litúrgico e pastoral na Igreja, ao serviço da comunhão doshomens com Deus.

Os religiosos, em virtude da sua consagração baptismal ereligiosa, tornam-se um sinal que recorda aos membros da Igrejaque devem viver a sua vocação cristã com sobriedade, chamandoa atenção, ao mesmo tempo, sobre a brevidade da existênciaterrena. Deste modo, a Igreja é memória viva de Cristo,prolongamento da sua missão salvifica no tempo, sinal einstrumento através do qual os homens recebem os frutos dasalvação. É lugar privilegiado onde Deus se manifesta aoshomens, lhes fala e se comunica/dá através de Cristo. É o âmbitoonde cada vocação cristã nasce, cresce e atinge a sua maturidade.Por sua vez a comunidade eclesial tem o dever de criar condiçõespara que, seja a vocação cristã, sejam as vocações específicasencontrem um terreno favorável para a sua germinação ecrescimento.

1.3. Significado dinâmico da Vocação

No desígnio salvifico de Deus, a vocação tem o seu dinamismodesde a chamada à existência e à comunhão com Deus até à suaplenitude através de Cristo Senhor.

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A fé ensina-nos que cada vida é vocação e que na origem de cadavida humana está a intervenção criadora de Deus; que a chamadado homem à existência e à própria construção coincide com achamada à participação da vida eterna.

2. VIDA CONSAGRADA: MUDANÇA E RENOVAÇÃO

O tema é interessantíssimo mas, dada a sua vastidão, nestasíntese tentarei apenas apresentar os aspectos mais importantes.

Na primeira secção vamos fazer uma breve análise da vidaconsagrada nos períodos pré e pós-conciliar, no contexto demudança histórica, sócio-cultural e eclesial, para ver onde ecomo se coloca a animação vocacional, uma vez que esta é emfunção da vida nova e a sua razão de ser não é senão ocrescimento e a maturação desta vida nova. Neste contexto, aanimação vocacional assume sentido e finalidade em correlaçãocom o sentido e a finalidade da vida consagrada.

2.1. As fases da mudança

Face à perspectiva profética e radical da proposta do Vaticano IIsobre o novo modelo de vida consagrada (mudança erenovação), as décadas de 60 – 70 caracterizam-se pelasseguintes reacções: Euforia da mudança e desorientação, que deixam a maior

parte dos religiosos cair num vazio cultural e espiritual, atéao ponto de abandonar a própria vida religiosa, peladificuldade de adaptação aos novos valores e símbolos davida.

Contestação e adaptação estrutural exterior, isto é,pressionados pela mudança histórica e pela proposta doVaticano II, os Institutos, embora contestando, procuram

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organizar capítulos extraordinários de consciencialização emobilização para esta actualização. Contudo, esta diligênciaé pouco eficaz porque as mudanças operadas são apenas anível externo de estruturas, sem o processo de conversãointerior pessoal.

Medo do futuro, impotência, provocada pelo clima geral dedesestabilização, acompanhado do número maciço demembros que saem, da escassez de vocações, do abandonodas instituições florescentes, que enche de pânico osInstitutos, vendo-se desnudados da sua identidade, numfuturo obscuro. Surge a crise que divide os religiosos emconservadores e progressistas, consequência daincapacidade de operar sínteses importantes da vida emtransformação, do tipo de formação recebida e da concepçãoda vida religiosa. Trata-se de uma crise de fadiga, dedesânimo e de estagnação.

A integração pessoal da mudança. Perante as realidadesdesestabilizadoras da mudança, surge, no interior da Vidaconsagrada, a consciência da necessidade de uma respostapessoal, assumindo a mudança como empenho pessoal,como exigência intrínseca do seu projecto de consagração,como proposta de conversão.

Finalmente chegados à década dos 80, entramos numa fase derenovação propriamente dita, de empreendimento de umcaminho novo, em que os organismos institucionais vãoencontrando o seu lugar e os seus objectivos.

2.2. Os modelos da renovação

O Concílio Vaticano II sugere à Vida Consagrada as atitudesbásicas à volta das quais se deve articular a mudança: a VidaConsagrada vista como dom peregrino da fé, carisma, ecomunidade missionária. Na proposta de renovação que o

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Concílio faz, concebe-se e identifica-se a Vida Consagradacomo um dom para a vida da Igreja e do mundo, dom que deveperder-se em partilha com os outros. Como peregrina da fé, a Igreja deve tomar consciência de

estar em peregrinação contínua, feita de dias e de noites,caminho imprevisível e exposto às surpresas de Deus. Deveinterrogar-se sempre sobre a direcção a tomar, distinguindoos sinais dos tempos e dialogando com as realidadescircunstanciais.

Como carisma cuja origem é Deus, implica sempre umserviço particular à comunidade eclesial e civil. Istocomporta uma visão renovada do mundo e da história,abertura para receber os seus valores, as suas riquezas, e paraacolher o mundo como lugar teológico onde se faz sentir apresença e o poder de Deus Criador e os sinais do seu Reino,como o âmbito específico da experiência espiritual doconsagrado.

Como comunidade missionária, a Vida Consagrada deveestar ciente de que a sua razão de ser é a missão. Daqui surgea necessidade de uma nova visão de comunidade, maisaberta e mais inserida no meio dos homens.

2.3. As áreas da renovação que têm influência na animaçãovocacional

Após este perfil da Vida Consagrada das décadas de 60-80, edepois de indicadas as linhas mestras da sua renovação, vamosidentificar as áreas estratégicas da mesma, que são as seguintes: A redescoberta do carisma, do seu significado original e do

seu conteúdo primitivo, em ordem à autenticidade na suaapresentação.

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A dimensão antropológica da Vida Consagrada, isto é, a suadimensão humana, capaz de permitir e promover a realizaçãoplena do aspecto humano e psicológico de quem se consagra.

A espiritualidade vocacional, isto é, uma espiritualidade-experiência de Deus que nasce e amadurece ao longo dotempo em interacção com a mediação (acontecimentos,pessoais).

3. A ANIMAÇÃO VOCACIONAL ENTRE O PASSADO,PRESENTE E FUTURO.

3.1. Evolução histórica da animação vocacional

Falando sobre a posição da animação vocacional no passado,presente e no futuro, procuraremos ver como e em que contextonasceu e se desenvolveu a pastoral vocacional nas décadas de60-80, as suas fases e a sua relação com a formação permanente.

São identificadas, então, as seguintes etapas de animaçãovocacional: Etapa da abundância, caracterizada pela ausência de

animação vocacional. É a época pré-conciliar em que osconventos e os noviciados transbordam de vocações. É umaépoca de enriquecimento, no aspecto de consolidação deuma certa presença e acção da Igreja, abertura de novas obrase serviços, o envio de missionários para as terras de missão.É também, ao mesmo tempo, época de empobrecimento noaspecto de concentração da Vida Consagrada dentro do seumundo, nos seus próprios interesses e nas suas própriasvocações e obras, donde resulta a falta de sentido eclesial edistâncias em relação ao mundo. A animação vocacional,enquanto tal, não existe nos institutos, na sua grande maioria,

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precisamente porque não se sente a necessidade e a exigênciade definir ou traçar um programa. Não há método nemcritério, nem conteúdos, nem responsáveis neste âmbito.

Etapa de indigência, entre os anos 65-70, caracterizada poruma animação vocacional de emergência, por causa doempobrecimento quantitativo de vocações. É precisamente odito período de euforia, desorientação, medo, indiferença eimpotência. Foi neste processo de sofrimento, de angústia emedo da morte do carisma e das obras que nasceu aanimação vocacional, como resposta face a situação.

Etapa do discernimento, em que a crise sofrida coloca a VidaConsagrada numa atitude de verificação, de análise ediscernimento sobre a imagem que de si dá ao mundo. Agente começa a perguntar-se se esta imagem é captada comosignificativa, capaz de dar sentido e atrair os jovens, seresponde as exigências do mundo moderno e pôs - conciliare se está próxima da sua sensibilidade.

Etapa da profecia. É a fase das sínteses e conclusões de todaa caminhada que culmina com o incentivo da proposta daVida Consagrada como um dom, como profissão da fé,carisma e profecia.

3.2. Os efeitos da crise

As coordenadas da crise são também coordenadas da renovação.Se, por um lado, a crise contribui para pôr em discussão um certomodelo de Vida Consagrada, por outro lado, ela serviu para: Purificação e renovação Busca do essencial de um projecto de consagração

Portanto, neste período, a animação vocacional consistiuprecisamente na:

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Verificação da crise da imagem e da mensagem da VidaConsagrada mais credíveis.

Disponibilidade e oferta de um serviço àqueles que andam àprocura da sua vocação.

Passagem de uma animação vocacional técnica, derecrutamento, para uma animação vocacional estimulo àmudança; uma animação vocacional não mais preocupadacom o número, mas com a qualidade.

3.3. Relação entre Animação Vocacional e FormaçãoPermanente

Sendo a animação vocacional uma alavanca de renovação, elanão é apenas realidade extra, para os jovens em busca dosignificado existencial da sua vida, ou para jovens em que sepretende despertar e fazer nascer a consciência vocacional. Mastambém é uma acção de volta a animar e reanimar a consciênciavocacional de quem já é consagrado, incentivando o empenhoquotidiano de conversão e crescimento em cada um e em todos,na direcção do novo modelo de Vida Consagrada.

Enfim, a animação vocacional está ligada à formaçãopermanente e vice-versa, enquanto instrumento de renovação,sendo um estímulo que oferece conteúdos precisos de formaçãopermanente e enquanto um apelo a uma vivência e empenhopessoal da vida.

4. A REDESCOBERTA DO CARISMA É A ANIMAÇÃOVOCACIONAL

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Ao falarmos da redescoberta do carisma como ponto de partidapara a renovação da Vida Consagrada, sublinharemos osseguintes aspectos: A recuperação do conteúdo original do carisma, o que

implica um retorno às fontes para a sua actualização. O carisma como fonte de identidade, o que engloba todos os

aspectos da existência pessoal, porque revelação de Deus edo seu desígnio salvifico. Portanto, o seu significado não sebaseia apenas nas tradições e na história pessoal, mastambém na revelação de Deus e do seu desígnio salvifico.

O carisma na Igreja para a vida do mundo, isto é, o carismaexiste em função da Igreja, para responder às necessidadesda comunidade humana.

O impacto da redescoberta do carisma sobre a animaçãovocacional, englobando os seguintes componentes: O sujeitoda animação vocacional – do animador vocacional àcomunidade vocacional, ao Instituto e à Igreja ministerial.

As razões desta passagem são: O facto de que as exigências de uma opção livre, responsável

e ponderada, progressivamente, devem ser respeitadas,dando ao jovem a possibilidade de um período deconvivência com pessoas que ajudam ao discernimento.

O facto de que a mediação entre o chamado e aquele dechama é importante.

O facto de que a animação vocacional é uma actividade daIgreja.

A comunidade vocacional é lugar de esclarecimento, dediscernimento e por isso se deve revestir de certascaracterísticas, tais como: Comunidade de pessoas que conseguiram integrar a sua

humanidade com o projecto de consagração, isto é,

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religiosos suficientemente maduros, serenos, convictos efelizes da sua opção.

Comunidade aberta ao mundo, isto é, comunidade depessoas inseridas e comprometidas na história e no lugaronde vivem, que conhecem e sofrem os problemas daspessoas, se sentem envolvidas neles e se preocupam comelas a solução. Pessoas consagradas que se sentem parte vivadesta humanidade, que aprendem a encontrar Deus nahistória, que se tornam companheiras de viagem desta gentee com ela partilham as dificuldades, as preocupações, asesperanças, as alegrias, as dores, a luta e a paz. Não maiscomunidades fechadas, sufocadas nos seus horários,dobradas sobre si mesmas, sobre os seus problemas etrabalhos domésticos.

Comunidade capaz de uma experiência guiada,proporcionada e específica, isto é, capaz de acolher, aceitare guiar o jovem numa experiência proporcionada à sua realsituação existencial, à sua maturidade de fé e à suaconsistência psicológica, e guiar o jovem numa experiênciaespecífica, precisa, que é a do conhecimento e contacto comDeus e com o carisma.

Comunidade com competência técnico-instrumental ou queprocura fazer-se ajudar para habilitar-se ao colóquio e aodiscernimento.

Comunidade que conhece as características do jovem quebate à porta em busca de ajuda na descoberta da sua vocação: Filho da sociedade hodierna com todas as suas

contradições Jovem cheio de contradições, ilusões, medos, pretensões,

convencido de saber tudo, que quer reforçar as suascertezas, ansiosas e depressivas ou cansado e indiferente

Jovem vazio de desejo e de valores existenciais, comimpotência de projecção.

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Acolher um jovem nestas condições significa acolher eaceitar em profundidade a sua realidade, o que implicaprocurar conhecê-lo, entrar no seu mundo, perceber as raízesdo seu ideal vocacional, das suas contradições, ilusões,medos…. Quer dizer: é necessário estudar a sua história compaciência, com atenção a todos os pormenores, procurandosuscitar nele o desejo e a necessidade de compreender e dese compreender melhor, de se identificar para poder optar.

Comunidade empenhada numa pastoral vocacional com umavisão ampla de partilha do dom. A animação vocacionaldeve estar consciente de que é necessário ir ao encontro dosoutros, mergulhar na sua mundaneidade e procurarcompreender a sua mentalidade secular, arriscar-se a entrarna história e no ambiente em que o homem vive e constrói oseu futuro. Em vez de fugir do mundo, há que enfrentá-lo,desafiá-lo, assumi-lo e oferecer-lhe respostas, pôr-lhequestões, valorizar a semente da Palavra de Deus e os sinaisdo Reino presente nele. É necessário amar este mundo,mesmo com as suas contradições e misérias, apreciá-lo noseu trabalho de edificar uma sociedade melhor e desejardialogar com as suas forças vivas sem atitudes de defesa nemde ataque. A animação vocacional, portanto, tem o dever e aresponsabilidade de escutar, de observar, de descobrir e dedeixar-se tocar e instruir pela realidade externa, sabendoreconhecer e contemplar a acção misteriosa do Espírito efazendo o seu anúncio a partir dela. A sua preocupaçãoprimária deve ser a de ajudar a discernir, suscitando nosindivíduos a consciência do dom, o dever de resposta, deserviço à própria identidade e realização pessoal. Em suma,a preocupação do nascimento e crescimento integral dohomem, segundo o plano e o desígnio de Deus. Só assim aanimação vocacional terá sentido dentro da espiritualidade –missão, da relação viva com o mundo.

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5. A ANIMAÇÃO VOCACIONAL E A REALIZAÇÃO DAPRÓPRIA HUMANIDADE

Nesta secção vamos reflectir e fazer a crítica da fase pós-conciliar, recolher os elementos e indicar uma direcção quepermita hoje à Vida Consagrada oferecer a imagem de umahumanidade plenamente realizada na consagração, elementoindispensável para uma animação vocacional autêntica.

Neste contexto vale a pena sublinharmos os seguinteselementos: Consagração a Deus e realização do homem, em que se faz

a análise do nível de incompatibilidade entre a santidade e ahumanidade, isto é, de uma certa concepção de santidade ede consagração que não ajudou a viver em plenitude aprópria humanidade, caindo no extremo da negação dohumano porque considerado inimigo e tentação da alma. Porisso, tudo o que era humano devia ser ignorado e eliminado.Esta forma de remoção não resolveu o problema da pessoa,pelo contrário, as forças vitais da humanidade continuamreclamando o direito à existência.

O ídolo da auto-realização, isto é, se por um lado se procurouestimular a dimensão da realização pessoal, por outro ladocaiu-se no exagero da auto-realização. De um projecto de consagração que sublinha o ideal de

perfeição, passa-se ao projecto de consagração sobre avertente da realização do eu, com o perigo de apoiar aprópria identidade nas próprias qualidades.

Entre o extremo da negação do humano e a obsessão daauto-realização, surge a alternativa da integração, comoelemento de equilíbrio entre estas duas forças. Nada é

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abolido. Pelo contrário, faz-se girar tudo à volta donúcleo. Assim, neste processo de integração, a própriahumanidade torna-se revelação, lugar teológico onde aconsagração se manifesta.

A mulher arquétipo do homem, sublinhando sobretudo osseguintes aspectos: A mulher, sinal dos tempos. A mulher como representante da humanidade a que

pertencem todos os seres humanos. Integração masculina e feminina na vida consagrada. A Vida Consagrada chamada hoje a manifestar a sua

capacidade intrínseca da realizar a própria humanidade. A necessidade de a religiosa ser plenamente mulher na

vida consagrada. Alguns desequilíbrios verificados nesteâmbito: Religiosas demasiado irmãs e pouco mulheres, isto é,

religiosas com escassez de identidade feminina, friase rígidas, não emotivas para defender a sua virtude.

Religiosas demasiadamente mulheres e pouco irmãs,isto é, com uma pobreza de identidade religiosa ecarismática; religiosas preocupadas com a suaaparência exterior e dobradas sobre si mesmas,caindo em formas banais e vazias de sentido.

A animação vocacional e a realização humanaA animação vocacional, no contexto da realização humana,

tem o dever e o papel de dar uma visão e uma propostahumana de vida consagrada, de indicar o caminho damáxima realização da própria vocação. Deve ser gerida comcritérios, conteúdos e com a experiência da vida.

O primeiro conteúdo da animação vocacional é o próprioconsagrado com a sua humanidade. Por isso, o animadorvocacional não deve ser um infatigável organizador de

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actividades, um “gira-mundo”, mas uma pessoa integrada, queprocura fazer a síntese entre a sua humanidade e a suaconsagração, dom da graça que lhe permite ser capaz e saberapresentar uma proposta pessoal convincente.

Os conteúdos da catequese vocacional devem ser específicos,desde o carisma e leitura dos sinais dos tempos, à categoriainterpretativa da missão, martírio e profecia, segundo o modelode dom. Em seguida, apresentar a vida consagrada comotestemunho da própria experiência, um tipo de vida que permitea auto-realização e permite a realização da missão

Onde e como fazer a animação vocacional. A ideia que sedesenvolve é que a animação vocacional não deve ser feitaapenas em casa, mas também no território, nas actividades esobretudo, uma animação vocacional de pessoa a pessoa, a tupor tu, no contacto do dia a dia, fazendo compreender osignificado da vida como vocação. Por exemplo: o consagradoque está com os pobres, servindo-os, escutando-os, faz pastoralvocacional, proclamando com a sua vida a ligação entre aconsagração a Deus e a realização da própria humanidade. Aanimação vocacional autêntica deve partir da realidade da vida,do ambiente onde se situa e vive o sujeito que está procurando asua orientação.

Na animação vocacional deve-se evitar publicidade, promessase abundância de conteúdos vazios de significado dinâmico eexistencial.

Quanto ao sujeito da animação vocacional, já se fez referênciaanteriormente quando se falou da passagem do animadorvocacional à comunidade vocacional e desta ao Instituto e àIgreja. O sujeito da animação vocacional é, portanto, uma pessoaou um grupo de pessoas encarregadas de fazer tomar consciência

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da importância e do significado da vocação de especialconsagração.

6. O DESAFIO DA ESPIRITUALIDADE NA ANIMAÇÃOVOCACIONAL

Para que a espiritualidade seja um elemento determinante dofuturo da vida consagrada deverá ser uma espiritualidadesapiencial, comunitária e apostólica, isto é, capacidade de: Disponibilidade psico-espiritual de sentir profundamente a

relação com Deus. Intuir em que direcção se deve colher o sentido da existência. Sentir a oração pessoal como encontro não só com Deus, mas

também com a verdade do próprio eu, com a realidade dospróprios desejos, com a realidade e verdade do outro.

Este tipo de espiritualidade tem consequências sobre a animaçãovocacional. No contexto desta espiritualidade, a animaçãovocacional deve orientar-se pelas seguintes fases: Evocar, que significa fazer aparecer a verdade do eu, a

identidade; procura de si mesmo numa direcção justa. É afase da consciencialização, da criação da necessidade derevelação. Nesta fase é importante que o jovem se convençade que a sua vida não pode estar toda nas suas mãos, nempode pretender geri-la com “telecomando”, passandoindiferente e alegremente de um programa a outro, semsaborear nenhuma escolha de vida. Por isso, há que educar ojovem para que descubra a oração como o âmbito natural eespiritual da descoberta da própria vocação.

Provocar, fase em que a animação vocacional deve dirigirum apelo que leve o jovem a superar-se, que o estimule paraum projecto de vida à medida da transcendência de Deus,

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que ajude o jovem a ter e a seguir a lógica da vida como dom,como vocação, como empenho de doação e realização.

Convocar, quer isto dizer que a animação vocacional nestafase se deve dirigir à totalidade da pessoa, das suas estruturaspsíquicas e espirituais. Convocar significa lançar um apeloque chegue ao coração, à mente e à vontade do jovem, que oatinja na sede mais pessoal e recôndita do eu.

Neste contexto, a decisão vocacional só pode amadurecerquando as dimensões emotiva, intelectiva, e moral foram emconjunto e simultaneamente solicitadas, convocadas por umapelo significativo. Tal apelo totalizante não deve ser apenasfeito de exortações, mas acompanhado de conteúdos precisos,dados objectivos fundados na Palavra de Deus e no carisma. Éevidente que tudo isto faz parte do estilo sapiencial e que supõe:um acompanhamento individual.

7. A DIRECÇÃO ESPIRITUAL AO SERVIÇO DAORIENTAÇÃO VOCACIONAL

A direcção espiritual constitui um instrumento privilegiado aoserviço da maturação e do discernimento vocacional. Falando dedirecção espiritual, a nossa reflexão articula-se nos seguintesaspectos: Análise da situação juvenil hoje, face ao clima sócio-cultural

que se respira e às suas consequências. O contexto em que surge a direcção espiritual e a sua

definição. Proposta de um itinerário de formação para a decisão

vocacional: acompanhamento vocacional. Necessidade de formação do director espiritual para a

relação de ajuda.

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O clima sócio-cultural que o jovem hoje respira cria nele umvazio de desejos, de valores e de significado existencial, umvazio de liberdade no sentido de espaço de auto-gestão, onde ojovem possa saborear os valores, apreciar determinadasrealidades e abrir-se a perspectivas futuras. Esta situação gera asseguintes consequências: Jovens sem orientação na vida, que são como ovelhas sem

pastor. Jovens que vivem num suicídio psicológico, sem iniciativa,

sem criatividade nem projecção existencial. Jovens sem projecção nem planificação devido à ausência de

valores, ao vazio ético. Esta ausência de valores provoca onão-empenhamento do jovem.

Se o jovem hoje está sem direcção, isto é, anda desorientado,significa que tem necessidade de ajuda para encontrá-la. Oproblema das vocações, hoje, envolve a planificação pastoral detodas as forças e, sobretudo o acompanhamento individual.É neste contexto que surge a direcção espiritual como umserviço de orientação vocacional. Neste sentido, a direcçãoespiritual é o modo normal de iniciar a fé, um acompanhamentoindividual desde a fase do anúncio e depois da proposta. É umserviço prestado a todos, independentemente do seu futuroprojecto existencial, e não se limita apenas àqueles que jáexpressaram a vontade de empenho vocacional.

Por isso, a proposta de acompanhamento vocacional para umaopção deve respeitar as seguintes fases metodológicas: Percepção experiencial, que consiste na recolha de dados em

relação ao objecto da decisão. Trata-se de procurar penetrarnas certezas e presunções do jovem para evidenciar a suaprecariedade e fazer ver que a vida é um mistério que exigeatenção e invocação. É a fase em que o animador juvenil evocacional é verdadeiro director espiritual se souber induzir

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no jovem a necessidade de revelação. Se souber transmitir ogosto de procurar, com Deus e diante de Deus, o própriocaminho.Para motivar uma opção vocacional há que recuperar apercepção positiva da própria existência, despertar no jovema consciência de dom, a consciência de ser objecto e sujeitode amor.

Reflexão crítica e juízo. É a fase de deliberação em que ojovem deveria estar já maduro positivamente para ler arealidade e a sua realidade, para canalizar as suas energiaspara o objecto central desejado, para confrontar os própriosdesejos com os do modelo aspirado, de ir à raiz dos própriosdesejos, lá onde as aspirações positivas convivem com asnegativas. Fase em que o jovem deveria estar maduro comocrente, para se confrontar com a figura de Jesus, como valorda sua vida.

Decisão. É a fase do risco e da responsabilidade pessoal naescolha do valor existencial com o qual se identificar, comoideal da vida.

Para esta relação de ajuda, é de capital importância a preparaçãodo director espiritual, para que saiba despertar nos jovens acapacidade de desejar, de buscar, activando as suaspotencialidades, para fazer crescer o jovem na liberdade, que ocoloque em condições de fazer opções pessoais e responsáveis.

8. VOCAÇÃO, PSICOLOGIA E GRAÇA

8.1. Apresentação sintética do tema

Começamos falando do sentido da solidão; da transcendência desi na consciência, suas proposições e pressupostos; das

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inconsistências psicológicas e da capacidade de interiorizar osvalores; das leis fundamentais da vocação; da transcendência erealização de si; do crescimento na vocação (orientação para osvalores); do crescimento vocacional e do discernimento damotivação predominante do agir; e, finalmente, da mudançacomo problema de pessoas e não de estruturas.

Durante os últimos anos tem sido frequente o abandono da VidaConsagrada acompanhado da escassez de vocações. É necessáriauma análise do fenómeno bem como de suas causas, apontandoao mesmo tempo pistas de solução para a superação da crise.

Face a esta situação, a pergunta que surge é se o fenómenosignifica que Deus cessou de chamar, ou se o problema está naimagem da vida consagrada que se vive hoje e se propõe aomundo, uma imagem que já não é atraente.Os estudos efectuados neste campo dão o seguinte quadrojustificativo do fenómeno: A solidão, isto é, o sentimento de descontentamento pessoal,

que provém sobretudo da falta de auto-realização ou entãoda tensão conflitual entre os valores e as instituições.

O vazio existencial, que é aquela sensação de impotênciaface às instituições, de inutilidade, o medo dumaconsagração religiosa ou sacerdotal obscura e insegura,aquela consciência de não estar a exercer controlo sobre opróprio destino, pela falta de orientação aos valorestranscendentais e da transcendência de si na consistência.

As forcas motivacionais que operam no interior da pessoa. O estilo de vida comunitária. O ambiente histórico e sócio-cultural. Outros factores ligados às normas, constituições e estruturas

das instituições vocacionais.

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Esta realidade conduz às seguintes conclusões, que oferecempistas de solução: Necessidade de traçar um programa de formação capaz de

ajudar os sacerdotes, religiosas e religiosos a viver ospróprios valores vocacionais.

Necessidade de encontrar uma teoria capaz de definir arelação entre a psicologia e a acção da graça na vocação,partindo do princípio de que a santidade da vida consagradanão depende da psicologia mas da iniciativa de Deus e da suaacção gratuita. Isto não significa negar a importância dos elementos

psíquicos que dispõem o homem a receber favorável eeficazmente a graça de Deus, pois reconhece-se maiorprobabilidade de eficácia da acção do Senhor noconsagrado livre de bloqueamentos psíquicos do quenaquele em que tal facto se verifica. É neste sentido quePadre Rulla refere a estrutura psicológica dapersonalidade como factor predisponente e não comofactor causal da acção da graça.

A teoria da transcendência exprime melhor o primado dagraça na vocação da pessoa. Segundo Padre Rulla, avocação é concebida como tensão para a transcendênciade si mesmo, enquanto fundada na superação do “eu”, eenquanto convite a perseguir os valores transcendentais.

Necessidade de objectividade e liberdade do ideal da parteda pessoa chamada, isto é, o chamado deve ter um ideal livree objectivo. Ter um ideal livre significa viver os valoresescolhidos não para gratificar as próprias necessidades, osinteresses pessoais, mas os valores da vocação não comorealidade isolada, mas como parte integrante dapersonalidade, com o conteúdo consistente que a Igreja dá atais valores. Por isso, educar à vocação significa ter uma

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abertura contínua aos valores e não limitar-se apenas aopotenciamento de si mesmo.

Necessidade de constatar e reconhecer a existência dainconsistências intrapsiquicas, que são a origem de muitasdificuldades de seminaristas, noviças e noviços sacerdotes ereligiosos, pois existem no interior da pessoa resistência,“inconsistências” que impedem a realização plena dos ideaisvocacionais.

8.2. Pressupostos da Psicologia Religiosa

As considerações feitas até aqui levam aos seguintespressupostos da psicologia religiosa:

O fim da vida humana é a transcendência de si mesmo. Istosignifica que o homem não é feito para apegar-se a si mesmo.Ser homem significa ser orientado para alguma coisa, paraAlguém acima de nós mesmos, para um significado arealizar (alguma coisa), um outro a encontrar (alguém).

A orientação do homem para os valores. No caso da vidaconsagrada, os valores, as metas terminais às quais tender ouser orientado, são a imitação de Cristo e a união com Deus,anuncio do Reino. Os instrumentos, os meios para atingiresses valores, são os conselhos evangélicos (castidade,pobreza e obediência).

A realização de si é consequência da eficácia apostólica.Quanto mais o religioso consegue viver os valores da própriavocação, tanto mais ele se sentirá realizado. Na realização desi, tal eficácia consiste na capacidade de realizar etestemunhar os valores terminais e instrumentais comeficiência, ou seja, com bom uso dos meios à disposição. Poroutras palavras, a capacidade de viver os valores religiososde um modo interiorizado dispõe à realização de si e àeficácia apostólica. A impotência, a solidão, o vazio

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existencial referida anteriormente são sinal de que osvalores, ainda que presentes na pessoa, permanecem letramorta e não fonte de energia.

A capacidade de interiorização dos valores. A vocaçãoreligiosa baseia-se na superação de si mesmo, enquantoconvite a perseguir os valores “transcendentes”. Nestecontexto, o valor central para a perseverança e para a eficáciaapostólica é a capacidade de interiorizar os valoresvocacionais. A pessoa interioriza os valores quando, não sóos conhece intelectualmente ou os aceita emotivamente, masquando os valores conhecidos e aceites constituem o motivoque está na base da sua maneira de pensar e agir, do seucomportamento.

Existem no interior da própria pessoa obstáculos que atornam impenetrável aos valores que a Palavra proclama,que impedem a sua abertura à voz do Senhor. A capacidadede interiorizar os valores tem de superar obstáculos como asinconsistências psicológicas, que são forcas contrárias.Inconsistência não em termos de distúrbios psicológicos(nevroses, delírios, alucinações) mas em termos dasdificuldades ou conflitos vocacionais presentes em pessoasnormais, como por exemplo, o estado da tensão ouhumilhação quando se constata desejar e querer fazer o queajuda ao crescimento, mas entretanto, se faz o que agrada;quando se quer viver segundo os valores conhecidos eescolhidos intelectual ou emotivamente e, na realidade, sevive segundo as próprias necessidades psicológicas.

As inconsistências psicológicas favorecem o perseguimentode valores não livres e objectivos, isto é, a pessoainconsistente não é privada de valores, porém, facilmente osinterpreta de modo subjectivo. Mais do que mudar decomportamento, a pessoa adapta inconscientemente os

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valores à sua conduta inconsistente, distorcendo os própriosvalores. Em vez de converter a sua maneira de pensar e agir,à luz dos valores propostos, procura subconscientementedistorcer os valores para confirmar o seu comportamentohabitual. É verdade que cada homem possui uma forcaintrínseca para mudar e para crescer com a ajuda da graça deDeus. Contudo esta forca muitas vezes é ineficaz.

A incapacidade ou dificuldade de interiorizar os valoresvocacionais tem as suas consequências na maneira de ser ede comportar-se. Significa isto que as disposiçõespsicológicas não tocam a santidade, mas sim a eficáciaapostólica, isto é, a capacidade de manifestar e comunicaraos outros os próprios valores.

8.3. As inconsistências psicológicas intrapsíquicas e acapacidade de interiorizar os valores.

Diante da dificuldade que a estrutura da pessoa apresentanaquilo que deve ser e é chamada a ser, há que entrar numperspectiva e atmosfera de realismo e não de juízo.

Se a pessoa se procura a si mesma mais que a união com Deus eo seguimento de Cristo, se a pessoa não é eficazapostólicamente, não é pelo facto de ter deixado os valores, massim pela dificuldade em conseguir transformá-los em atitudesconcretas, em actos de vida.

O religioso, como qualquer pessoa, tem a capacidade deresponder à chamada transcendente de Deus. A sua vida é umacontínua abertura para o outro e uma evolução criadora emdirecção aos valores propostos por Cristo.

Esta evolução criadora pode permanecer bloqueada, ouseriamente comprometida, na pessoa, devido às inconsistênciaspsicológicas intrapsiquicas que impedem a interiorização dos

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valores. Assim, o religioso vive num contraste interior entre duasestruturas psicológicas da sua personalidade: De um lado osvalores e de outro as necessidades, sem nunca conseguir a suaintegração.

Neste aspecto, a investigação do Padre Rulla apresenta-nos,estatisticamente, o influxo e a influência das inconsistênciaspsicológicas na vida consagrada. Tal estatística diz-nos quemuitas vezes os candidatos se dedicam à vida religiosa ousacerdotal em base dos ideias pessoais, mais na base daquilo quegostariam de ser do que sobre a base das suas capacidadesactuais. Certas pessoas, inconscientemente, orientam-se edecidem-se pela vida consagrada para gratificar algumas dassuas necessidades ou para defender-se dos conflitos internos.Por isso, a falta de maturidade vocacional que se verifica nãopode apenas ser atribuída à inaptidão dos meios espirituais, nemas Instituições, mas também à presença destas forcassubconscientes. Isto justifica que na formação se tenha em contanão só os sintomas patológicos, nem somente as disposições,desejos e atitudes formuladas conscientemente, mas também sedeve ver as motivações inconscientes que podem influenciar, aníveis diferentes, a capacidade de assumir e personalizar osvalores vocacionais apresentados no decurso da formação, travara maturidade da pessoa, comprometendo assim a sua capacidadede auto- transcendência.

8.4. As leis fundamentais da vocação

Diante de tudo o que foi apresentado até agora, a pergunta quesurge é: O que é que estes dados podem fornecer para a formaçãode um projecto educativo? Antes de mais, para além dasestruturas e da experiência, há que considerar o homem, oindivíduo, a pessoa. Por isso, os elementos que os dados nosfornecem para um novo projecto educativo são:

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Na educação, há que tomar como objectivo primário apessoa e não a estrutura. Se toma a estrutura como essencial,a educação corre o risco de falhar.

O problema educativo não é questão de se adoptar umsistema autoritário ou permissivo, mas como ajudar oindivíduo a interiorizar os valores vocacionais, a assumiruma escolha de vida, uma forma de actividade pastoral.

A personalidade humana constrói-se sobre três grandespilares: As necessidades (quem sou e que coisa tenho dentro de

mim) As atitudes (como uso aquilo que tenho dentro de mim) Os valores (para que fim uso aquilo que está dentro de

mim). As necessidades indicam que na pessoa existe uma energia

interior que reclama e impele para ser usada. A atituderealiza esta energia, a fim de atingir os valores. Todas aspessoas têm necessidades fundamentais: de afecto,autonomia, protecção, agressão… Porém, estas necessidadesnão comportam uma conotação moral, isto é, o problema, omal ou o pecado, não está no sentir mas em consentir.

A necessidade psíquica de realização não determina ohomem. Compete a sua liberdade e à sua maturidade darconteúdo e direcção justa e consistente àquilo que sente.Assim, nesta direcção justa, o homem pode viver de maneiralivre e objectiva os valores vocacionais, e assim, mais sesentirá realizado como pessoa e como consagrado.

A realização autêntica da pessoa está na sua transcendência,no uso da sua energia psíquica ao serviço dos valoresvocacionais.

Paralelamente a esta teoria da verdadeira realização do homem,existem outras teorias que sublinham os aspectos da exaltação e

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da auto-suficiência, isto é, dizem que, para realizar-se a simesmo, é necessário maximizar as gratificações e minimizar asfrustrações, contrariamente à antropologia cristã, que considerabom tudo o que realiza um valor objectivo, e mau tudo o que oofusca. Tais correntes, de maior prazer e menor dor, não passamde uma ilusão.

8.5. Crescer na vocação: Orientação aos valores.

Como fazer para crescer na vocação, e como compreender ouver se este crescimento está em acto? O quadro de elementosapresentados para a elaboração de um projecto educativo novo éuma orientação para a vivência dos valores de modo autêntico.Crescer na vocação significa transformar os valores conhecidosem valores relevantes.

Os valores cristãos não são objecto de pensamento econtemplação, mas sim de acção. Por isso, para crescer navocação é preciso pôr em prática, ou seja, passar para a vida dosvalores conhecidos e aceites.

Para saber se o crescimento está em processo, em actualização,é preciso verificar isso através do comportamento, que é sinal dapresença dos valores, é a expressão dos valores. Portanto, será ocomportamento da pessoa a fazer compreender e confirmar emque medida o crescimento vocacional se está a realizar. Asatitudes, os gestos de amor, disponibilidade, paciência, respeito,perdão, simplicidade, amizade, etc. devem ser a expressão dosvalores assumidos e em acção, ou seja os valores sacerdotais oureligiosos da consagração.

A eficácia dos valores presentes na pessoa verifica-se através dodiscernimento vocacional. O verdadeiro discernimentovocacional não verifica apenas a presença dos valoresvocacionais, mas também a sua eficácia.

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Assim, no discernimento vocacional, o problema dos valores esua eficácia pode ser imposta interrogando-se por exemplo: Porque a pessoa reza. Porque está com a gente. Porque é disponível. Se a sua conduta é ditada ou incentivada pelos valores ou

pelas necessidades.

As motivações podem ser diversas, verdadeiras ou falsas. Apessoa pode agir movida pela procura de gratificações, por fugadas próprias necessidades emotivas, por exploração psíquica,por medo de tomar posições na vida. Em sentido positivo, asrazões podem ser: necessidade de contacto com a verdade do eu,diante da verdade de Deus, lá onde as aspirações positivasconvivem com as negativas, amor e verdadeiro espírito deserviço, ou então, para tomar consciência dos desejos enecessidades reais, para uma leitura crítica e a descoberta dasnecessidades doentias e corruptas que impedem a vivência dosvalores.

O discernimento vocacional consiste, portanto, em ver até queponto os valores proclamados são concretizados em actos devida e constituem a fonte que orienta toda a existência.

Outro aspecto a considerar, no crescimento vocacional, é arelação entre a actividade apostólica e os valores. Hoje em dia,no projecto de formação, dá-se importância às funções, àorientação para a experiência apostólica (experiência pastoral eprofissional). Esta orientação é positiva porque concretiza eexprime a forca dinâmica da chamada vocacional, dáoportunidade de purificar as motivações vocacionais de muitasexpectativas arbitrárias e não reais. Todavia é necessário quehaja consciência clara de que a actividade apostólica é apenas

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um meio para exprimir e realizar os valores em função dos quaisa actividade foi escolhida, e não um fim em si mesmo.

9. DESAFIO DO EMPENHO VOCACIONAL

Quando falamos do desafio do empenho vocacional estamos afalar de uma ameaça a que o empenho vocacional é exposto hoje.Isto acontece porque: A estrutura psicológica do homem é mais vacilante hoje que

ontem, isto é, as necessidades psicológicas da pessoa, muitasvezes, estão em contraste com os valores vocacionaisobjectivos. Por outro lado, as estruturas educativascontinuam em estado de crise, com um vazio de propostas.Quando o âmbito educativo é um vazio de propostas, aestrutura educativa liga-se mais à letra que ao espírito,comprometendo-se assim na sua finalidade e no seu dever defortificar a estrutura psicológica do chamado, de lhe ofereceras verdadeiras motivações que sejam fonte contínua deconfronto. Vazia de propostas, a estrutura educativacondena-se a uma atmosfera de rigidez ou então deliberalismo e, consequentemente, à falência. Tanto aeducação autoritária como a permissiva são estruturas vaziasde propostas educativas que deixam o jovem na sua fraquezainterior.

A força dos valores hoje diminuiu, aumentando a dasnecessidades psicológicas e, por isso os valores exercemmenor influência sobre a pessoa, enquanto as necessidadespsicológicas exercem influência capital, razão pela qual émais fácil que a pessoa creia nos ideais pessoais, menosobjectivos e escolhidos com menos liberdade.

Hoje aumentou a importância dada à experiência de funçõesvocacionais, à actividade apostólica e profissional. A

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actividade apostólica e profissional pode não ajudar a pessoaa interiorizar os valores, sobretudo quando ela é bloqueada,é mais defensiva que crítica.

Face a esta ameaça apontam-se, como solução, as seguintespistas: Considerar a importância da dimensão intrapsiquica do

homem e ajudar a pessoa a crescer no seu aspectopsicológico, precisamente porque existe uma relaçãointrínseca entre a capacidade de responder ao chamado deDeus e a realidade psicológica do chamado.

Havendo uma distância entre os ideais vocacionais e acapacidade de pô-los em prática, há que ajudar a pessoa acrescer contemporaneamente na direcção dos valores deCristo e na maturidade psicológica, oferecendo-lhe umalimento espiritual e assegurando-lhe a capacidade deassimilação.

Saber oferecer serviço às pessoas, canalizando econcentrando as energias mais na sua formação que emdiscussão de estruturas. Não é trabalhando sobre asestruturas que se ajuda a pessoa a crescer. Há que estarconsciente de que muitas vezes a idade cronológica nãocoincide com a idade psicológica, nas pessoas, e que osjovens de hoje com vocação não são melhores que os deontem, são os mesmos vasos de argila.

Há que preparar educadores/formadores que, além dosvalores transcendentais a transmitir, conheçam também osprincipais dinamismos intrapsíquicos que se realizam napessoa quando se abre ao diálogo com Deus, para ajudar oscandidatos a tornar-se maduros.

10. UM NOVO PROJECTO EDUCATIVO

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No contexto do projecto educativo, pode incluir-se odiscernimento dos espíritos como meio. A finalidade dodiscernimento dos espíritos é: Favorecer a interiorização dos valores. Aumentar a prontidão para responder à chamada de Deus. Ajudar a aprofundar a própria opção. Realizar a sequela de Cristo. Ajudar o projecto educativo e formativo.

Depois de definir o que significa discernir, que não consiste emdar conselhos imediatos, em distribuir receitas, nem em fazer depapá ou mamã, mas sim em ajudar a pessoa a pôr-se diante deDeus e de si mesma para re-ordenar a própria vida de harmoniacom a vida de Cristo, devemos examinar os níveis em que odiscernimento se realiza: Nível da individuação dos sinais da presença de Deus na

pessoa. Nível da consideração da capacidade que a pessoa tem de

responder à presença da acção de Deus.

Neste contexto, como temas próprios para tal discernimento,sugere-se o dos valores e o das inconsistências. O tema dos valores porque evoca uma interrogação de fundo:

Quem é Deus para mim? Como fazer para responder à suachamada? A capacidade de resposta a esta pergunta significaum esclarecimento pessoal sobre os valores terminais einstrumentais da própria vocação.

O tema das inconsistências, enquanto evoca um exame deconsciência para o reconhecimento dos próprios limites, daspróprias fraquezas. Há que interrogar-se: Como percebo euos valores transcendentes, e quais são os meus impulsosinteriores?

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Em seguida, apresenta-se outros instrumentos que podem ser degrande ajuda na formação para conhecer os valores, aceitá-los everificar como foram escolhidos e vividos. Tais instrumentossão: didáctico-espiritual, experimental e psicológico. Com o instrumento didáctico-espiritual, apresenta-se e

clarifica-se os valores vocacionais através do ensinoteológico, conferências, exercícios espirituais e direcçãoespiritual.

Com o instrumento experimental, dá-se a possibilidade deexperimentar as actividades apostólicas e profissionaisatravés de estágios no ambiente social e paroquial.

Com o instrumento psicológico, visa-se dispor a pessoa aviver segundo os valores professados, diminuindo a zonaescura da personalidade que dificulta o crescimento,aumentando em vez disso, na pessoa, a capacidade de escutae realização da Palavra de Deus.

Um programa de formação deve pôr à disposição dos indivíduosestas três dimensões. Aqui seria necessário aprofundar a funçãoda psicologia e o tipo de psicologia capaz de exercer estasfunções, bem como os critérios para a escolha do psicólogo.

Falando das funções da psicologia, no campo formativo oueducativo, podemos afirmar que a função da psicologia, antes demais, é a de integração e não substituição da ajuda de tipoformativo.

11. ADMISSÃO À VIDA CONSAGRADA

Em conexão com a admissão à Vida Consagrada, precisamos dereflectir acerca do que fazer e como fazer para ajudar quem batea porta das casas de formação em busca do seu caminho. Comoresposta a esta preocupação, são apresentadas duas propostas e

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os respectivos critérios de admissão, assim como a formação dosagentes de formação. Elaboração de um programa de admissão e de

discernimento, que ajuda as pessoas em questão acompreender o que Deus lhes pede.

Através do discernimento, levar o candidato a uma decisãomadura, livre e responsável.

Para que a equipa educativa/formativa possa desenvolver a suafunção pedagógica no processo de admissão à Vida Consagrada,há que ter presente os seguintes critérios: À luz das motivações, verificar se existem sinais de “pessoas

não chamadas”, ou então chamadas para outros caminhos. Verificar a existência de respostas prematuras. Antes de entrar, ajudar o candidato a conhecer as áreas da

sua personalidade que precisam ainda de crescimento.

Sendo a vocação uma chamada transcendente de Deus, feita auma pessoa dispersa e dividida em si mesma, urge prepararnovos educadores para este projecto formativo, educadorescompetentes que reúnam as seguintes condições: Tenham já reconhecido e superado, em si mesmos, as suas

inconsistências a fim de evitar transferir os problemaspessoais para os outros.

Sejam pessoas capazes e que tenham já integrado, na suapessoa, a maturidade psicológica com as dimensõesespirituais e sobrenaturais.

Educadores capazes de discernir as dificuldadesvocacionais.

Formadores capazes de ajudar o sujeito a superar as suasdificuldades.

12. OS MEIOS DE FORMAÇÃO

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Para que se realize a formação, não bastam os objectivos nem sóos agentes. São necessários também os meios. É precisamenteos meios de formação que apresentamos aqui, a dois níveis:meios primários e meios acessórios. Por meios primários entende-se os meios que, por natureza,

atingem directamente o fim formativo, isto é, ainteriorização dos valores da sequela de Cristo e da uniãocom Deus. Este fim é alcançado mediante: Aquisição de ideias livres e objectivos, que sejam fonte

de confronto contínuo (maturidade vocacional) Conhecimento das próprias resistências na vivência dos

ideais (maturidade psicológica). Concretamente, os meios a usar são: O discipulado, porque sozinho não se cresce no diálogo

com Deus. É necessário fazer-se ajudar por educadorescompetentes e preparados, que saibam fazer crescer namaturidade psicológica e vocacional através decolóquios pessoais de revisão. Para crescer não basta umamigo em que confiar e confidenciar. É preciso ter umguia, um mestre.

Ideais claros: A apresentação dos ideais da VidaReligiosa deve ser clara e explícita: Que o religioso procura a transcendência de si

mesmo pelo Reino e não as suas gratificações. Que o religioso vive pelos e dos valores e não pelas

e das posições/funções sociais. Que o religioso visa a eficácia e não o eficientíssimo.

Radicalismo com factos: Que consiste na clarificação dosmeios ascéticos que não sejam suficientemente claros ou quecorrespondem a situação actual, tais como: Viver significa transcender-se e não buscar-se a si

mesmo.

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Viver os valores evangélicos significa fazer-secondicionar pelos exemplos de Cristo.

Morte como condição de possibilidade de decisãohumana.

Relação entre morte e mistério pascal. Irrevogabilidade da decisão, isto é, a decisão vivida em

fidelidade criadora e na prontidão para a mudança,consciente de que as motivações fundamentais da vidareligiosa devem permanecer constantes e ser vividasnuma flexibilidade interior, procurando aprofundarsempre as decisões passadas para eliminar o que nãoajuda ao crescimento e para operar transformações.

Autenticidade, isto é, viver aquilo que se proclama compalavras, conscientes de que as palavras só não convencemninguém. Requer-se também os factos. A autenticidadeconsegue-se através de colóquios de revisão pessoal.

13. A PASTORAL VOCACIONAL NA REGIÃO DEMOÇAMBIQUE (Projecto das RSCM)

A Igreja, chamada e enviada ao mundo para continuar a missãode Jesus Cristo, é geradora de todas as vocações, graças à suanatureza sacramental, ao seu mistério de comunhão e à suamissão. É assim que vemos na Igreja florescer a vocação comume vocações específicas (laical, ministérios ordenados e vidaconsagrada), cuja raiz comum é a vocação baptismal, em ordemà construção do Corpo Místico de Cristo e à implementação doReino.

13.1. Natureza da Pastoral vocacional: Princípios gerais

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A pastoral Vocacional nasce do “mistério da Igreja, chamada eenviada ao mundo para continuar a missão de Jesus com a forçado Espírito…”(Dc.8). “Toda a igreja está constituída em estadode vocação e de missão e, por isso, todos os membros da Igreja,cada um de maneira pessoal, são constituídos em estado devocação e de missão”(Dc.8)

“Em virtude do sacerdócio comum do Povo de Deus, todoscooperam na missão da Igreja, por meio da profissão de fé, daparticipação na Eucaristia e outros sacramentos, daevangelização e da oração, do testemunho de vida através dumacaridade operativa e de outras formas de apostolado.” (DC. 8).

“Toda a comunidade cristã tem o dever e a responsabilidade defomentar e promover vocações, mediante uma vida plenamentecristã” (OT.2). Por esta razão, a família, a comunidade cristã, emsuma, todas as pessoas, quer adultos, quer jovens, queradolescentes, têm necessidade de sensibilização econsciencialização sobre o problema vocacional, que toca todosenquanto membros da Igreja.

13.2. A Pastoral Vocacional na Região de Moçambique(RSCM.)

“Motivadas pelo amor a Jesus Cristo, à sua missão e ao nossoInstituto e pela certeza de que temos um dom a partilhar, cadaIrmã e cada comunidade assume a responsabilidade de encorajarnovos membros a unirem-se à nossa vida e missão. Pelo nossoentusiasmo, alegria e convicção, damos testemunho da vocaçãoreligiosa e ajudamos outros a reconhecerem o seu apeloparticular na Igreja” (Const. 77)

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“Nos nossos ministérios com os jovens, procuramos formarcristãos comprometidos, conscientes do seu papel na Igreja.Estamos atentas aos apelos de Deus na sua vida. Com abertura ecriatividade, cada Província estabelece uma programação depastoral vocacional, que torna possível àqueles que estãodiscernindo a sua vocação, uma participação na nossa vida decomunidade e ministérios”(DC. 77ª)

“Que cada Província/Região desenvolva e fortaleça osprogramas de pastoral vocacional e encoraje todas as Irmãs acultivar vocações para a vida religiosa, no nosso Instituto. Estesprogramas devem ser adaptados de forma a responder àsnecessidades das diversas culturas” (CG. 1985).

“Somos chamados a promover a vida e a despertar e cultivarvocações que respondam às necessidades da Igreja e do mundo.Por isso, a Pastoral Vocacional é um ministério das RSCM. CadaIrmã individualmente e cada comunidade é chamada a assumira responsabilidade de atrair as jovens”(EIF. 1989).

14. PRESPECTIVA SITUACIONAL

14.1. Situação de crise

Na secção anterior foi apresentado o aspecto teológico davocação nas suas dimensões fundamentais. Nesta parte,pretende-se ver o contexto sócio-cultural, histórico e geográficoem que se insere a pessoa, o homem ou a mulher, a quem Deusdirige o seu apelo, neste caso concreto, a situação deMoçambique.

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Não é possível ignorar a situação concreta em que se desenvolvea nossa acção pastoral, como Igreja, isto é, o patrimónioespiritual e cultural dos destinatários da pastoral vocacional.

É claro que a situação de crise da vida religiosa dos anos 60-70,provocada pelas mudanças sociais a nível geral, influenciouprofundamente a vida religiosa nos ambientes onde ela estava aflorescer, como em África. Porém, nesta análise situacionalconcentraremos a nossa atenção sobretudo nos acontecimentosde Moçambique nos anos 75-86 que, de igual modo, se fizeramreflectir sobre a pastoral orgânica e sobre a animaçãovocacional.

Durante estes anos, para alem da crise geral da vocação nosInstitutos de Vida Consagrada, a Igreja de Moçambique viveoutra crise, a nível nacional, a crise de Revolução.

Moçambique foi colónia até 25 de Junho de 1975, data da suaIndependência. A vida da jovem nação, a partir de então, émarcada por conflitos internos e mudanças radicais, no contextosocio-político e cultural, que se reflectem na IgrejaMoçambicana e na sociedade em geral.

A revolução, apesar de aspectos positivos, trouxe tambémaspectos negativos, tais como: A introdução da ideologia marxista. A destruição de valores morais tradicionais e cristãos. A destruição das estruturas de base para a educação e

formação do homem (colégios, internatos, lares, etc.). Declínio do nível do ensino. A desagregação da família. A guerra civil, com todas as suas consequências:

instabilidade, marginalização, corrupção, delinquência, etc.

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Esta realidade sócio-politica cultural toca profundamente aestrutura de toda a sociedade, provocando muitos danos,também, à vida cristã e religiosa.Estes danos à vida cristã e religiosa representamautomaticamente danos à pastoral vocacional. O quadro socialcondiciona fortemente o desenvolvimento vocacional, pois sãoatingidos os seus dois pólos fundamentais: A família, enquanto viveiro vocacional. A juventude, enquanto destinatária natural e privilegiada da

pastoral vocacional.

A família, como célula primária da sociedade e da Igreja, lugardo primeiro anúncio e descoberta da chamada, é cada vez maisameaçada com a difusão do ateísmo e a influência dosecularismo. Muitas famílias perdem os valores humanos ecristãos, e muitas pessoas se afastam da Igreja, confessando-seateus e materialistas. Por outro lado, os pais sentem cada vezmais dificuldades na educação dos seus filhos em ordem a umaproposta vocacional, devido à rejeição da religião e àespeculação sobre os valores cristãos junto da juventude.

A juventude foi, sem dúvida, a mais directamente atingida esacrificada. Os anos entre1975-1985 constituem a fase mais durada crise juvenil. Os jovens vivem problemas de identidade, deintegração, de compreensão da fé e de realização humana, comoconsequência da desorientação provocada pela ideologia, pelosistema educativo e pela perda de valores, entre os quais osentido da vida. Consequência desta situação é a marginalizaçãosocial dos jovens, cujos frutos são: a droga, o liberalismo, adelinquência.

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Esta situação deixa pouco espaço aos jovens para um empenhode vida e para opções livres e conscientes.

14.2. Situação eclesial

Com a Independência, em 1975, foram sacudidas e destruídas asinfra-estruturas eclesiais através de: Nacionalização dos bens da Igreja, seguida da eliminação da

presença religiosa nas escolas e nas obras de assistênciasocial.

Ocupação das casas de formação religiosa (noviciados,seminários).

Restrição da actividade pastoral da Igreja (catequese, culto,cursos de formação…)

Limites postos aos missionários na sua assistência àscomunidades cristãs.

Encerramento de missões, paróquias e obras de assistênciada Igreja.

Expulsão de missionários.

Apesar destes vendavais, a Igreja não deixou de ser fiel à suavocação e à sua missão de evangelizar e promover o homem,elevando-o à sua dignidade de comunhão trinitária, não já comos métodos e meios anteriores, mas buscando novos caminhos.É assim que os Bispos de Moçambique, conduzidos peloEspírito e a partir de reflexões sérias sobre esta situação, sedirigem à nação, ao povo e às comunidades cristãs e religiosas,através de cartas pastorais, entre as quais: “A Igreja na Hora da Revolução”(1976) “Viver a Fé num Moçambique livre e independente”(1980)

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O objectivo das Cartas Pastorais era despertar a consciência noscristãos sobre a sua vocação baptismal, encorajando-os a dartestemunho de fé, de caridade e de esperança na sociedade econvidando as pessoas, ao mesmo tempo, a colaborar nareconstrução do Pais.Apesar destes conflitos que sacudiram as vocações, a situaçãode crise contribuiu para a revitalização e maturação da Igreja epara um novo surgir de vocações. Eis alguns sinais importantes: Amadurece a fé das comunidades cristãs O número de crentes aumenta em qualidade e quantidade Aumenta a consciência do papel dos leigos na Igreja Jovens de ambos os sexos desafiam a situação optando pela

vida religiosa e sacerdotal.

É neste contexto que nasce e se desenvolve a pastoralvocacional, ligada à pastoral da juventude.

14.3. Problemas e dificuldades. A situação socio-político e cultural apresenta grandes

dificuldades já que deixa pouco espaço para uma pastoralvocacional, para um empenho e uma opção livre eresponsável da parte dos jovens.

O reduzido número dos agentes de pastoral orgânica e depastoral de vocações não permite uma assistênciasistemática aos jovens.

A chamada para a vida militar e o engajamento em estudosfora do país afastam muitos/as jovens das estruturas e dascomunidades eclesiais.

A falta de um caminho de maturidade da fé faz com quemuitos jovens cheguem a uma certa idade com fragilidadede motivações de fundo (valores cristãos) sobre as quaisbasear a sua opção vocacional.

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É praticamente impossível acompanhar os jovens maisabrangidos com actividades no governo e no partido.

Há falta de preparação específica dos agentes de pastoralvocacional, sobretudo os promotores.

14.4. Empenho para resolver a situação problemática.

Não obstante a situação geral e específica da crise, note-se apreocupação, o interesse e o empenho dos organismos eclesiais(Bispos, Institutos religiosos e comunidades cristãs) napromoção da pastoral vocacional. Criam-se centros vocacionais diocesanos. Estabelecem-se programas congregacionais, diocesanos,

inter congregacionais de animação vocacional, com oobjectivo de despertar a consciência vocacional nas famíliase nos jovens.

Apela-se para a oração pelas vocações e para a criação deum ambiente favorável onde elas possam crescer edesenvolver-se.

Promovem-se encontros para jovens: iniciação bíblica,catequese vocacional, litúrgica e sacramental e tambémformação humana.

Tem-se mais a preocupação de preparar quadros nativos paraassumir responsabilidades a vários níveis, no campo daformação apostólica e da pastoral juvenil e vocacional.

CONCLUSÃO

O dinamismo da vocação na sua dimensão existencial implica osermos continuamente artífices do nosso destino, protagonistasda nossa vida. Não basta encaminhar-nos, mas devemosprocurar a via certa para pôr em acto os dons pessoais, através

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da leitura dos acontecimentos dos quais Deus se serve paramanifestar a sua vontade.

TEMAS PARA TRABALHO DE GRUPO

1. A nossa vida consagrada é teologicamente relevante nanossa Igreja e na nossa Sociedade Moçambicana de modo aatrair os jovens para a sequela de Cristo ao serviço doReino? Se sim, como? Se não, por quê?

2. Perante as características e as necessidades de nossa Igrejae da nossa Sociedade Moçambicana actual, como fazer aanimação vocacional?

3. Perante as características da nossa juventude moçambicana,que critérios achamos pertinentes para o discernimentovocacional?

4. Quais são as sombras e dúvidas, os desafios e as esperançasque nós encontramos na nossa reflexão sobre o tema?