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J E E Jornal de Estudos Espíritas 7, 010202 (2019) - (8 pgs.) Volume 7 – 2019 A verdadeira identidade das primeiras médiuns utilizadas por Kardec Carlos Seth Bastos CSI do Espiritismo: História, Jacareí - SP e-mail: [email protected] (Recebido em 11 de Janeiro de 2019 e publicado em 19 de Fevereiro de 2019). RESUMO Embora exista muita informação disponível através de livros e sites da internet sobre a família Baudin, a fonte de todas elas é um único livro de Canuto Abreu chamado O Livro dos Espíritos e sua tradição histórica e lendária. Como o próprio título do livro diz, e destacamos aqui, trata- se de uma história romanceada baseada em tradição e lendas. Infeliz- mente a obra tem sido utilizada pelo movimento espírita como verdade inconcussa. Este trabalho oferece uma nova versão, totalmente baseada em documentos históricos. A família Baudin é importante para o movi- mento espírita pois as Srtas. Baudin foram as duas primeiras médiuns utilizadas por Allan Kardec para a preparação da primeira edição de O Livro dos Espíritos. Palavras-Chave: Srtas. Baudin; Médiuns de Kardec; O Livro dos Espíritos; Canuto Abreu. DOI: 10.22568/jee.v7.artn.010202 I I NTRODUÇÃO Grande parte do que sabemos [1] sobre o início do Es- piritismo com Kardec e a família Baudin provavelmente não seja autêntico! As senhoritas Baudin não eram ado- lescentes na época da chamada Codificação, a Sra. Bau- din não se chamava Clémantine, o Sr. Baudin não se cha- mava Émile Charles, nem era um rico fazendeiro, e muito menos voltou à ilha da Reunião, no oceano Pacífico, de- pois do casamento de Julie (aliás, a única fonte onde encontramos este nome é O Livro dos Espíritos e sua tradição histórica e lendária, de Canuto Abreu [1]). A partir desta única fonte, multiplicam-se as pales- tras, livros, jornais, revistas, filmes, vídeos e sites da internet que replicam tal conteúdo. Como exemplo, ci- tamos apenas dois deles: os sites da Federação Espírita Brasileira (ver este LINK) e da Revista Superinteressante (ver este LINK), ambos consultados em 13 de janeiro de 2019. Este trabalho revela novas informações com base em documentos históricos obtidos principalmente na Biblio- teca Nacional da França, no Arquivo Nacional da França, nos Arquivos Municipais de Paris e nos de outras comu- nas (cidades) francesas. Mesmo que novas informações surjam da revelação das “Cartas de Kardec”, projeto conduzido pelo Centro de Documentação e Obras Raras da Fundação Espírita André Luiz, as evidências aqui apresentadas são muito robustas. II DESENVOLVIMENTO Primeiramente, vamos ao pouco que Kardec nos in- formou sobre a família Baudin. Eles se reuniam na Rue Rochechouart em 1855, conforme Obras Póstumas [2], e depois na Rue Lamartine (ver figura 1) em 1856, con- forme a Revista Espírita de novembro de 1858 - “Uma noite esquecida ou Manuza, a feiticeira” [3]. Kardec não informa os números dos prédios. Uma das irmãs Bau- din se chamava Caroline (conforme esta mesma Revista Espírita) e pelos fins de 1857, as duas Srtas. Baudin se casaram, as reuniões cessaram e a família se dispersou (conforme Obras Póstumas). Kardec não informa a idade das jovens. Sabemos também através do L’Illustration de 10 de abril de 1869 [4], que as reuniões ocorriam na Rue Co- quenard, que trata-se apenas do nome antigo da Rue La- martine 1 . Como vamos fazer uma publicação cronológica das novas evidências (a partir de 1851) a respeito das irmãs Baudin, narraremos primeiramente o “making of” desta investigação. Já tínhamos obtido o registro de casamento parcialmente reconstituído 2 de uma tal Catherine Caro- line Baudin. Resolvemos, então, buscar mais informações sobre o marido da suposta Caroline Baudin, Émile François Fré- déric Chailan de Moriés (veja cópia do registro de casa- mento na figura 2). Localizamos, então, um pedido de falência de sua empresa (Chailan de Moriés et MAS ), e 1 Ver informação sobre a Rue Lamartine, página da Wikipedia, link de acesso AQUI (acessada em 13 de janeiro de 2019) e imagem na figura 1. 2 Os registros de estado civil de Paris antes de 1860 foram destruídos durante os incêndios da Comuna em maio de 1871, sendo recons- tituídos somente em parte. Dos oito milhões de atos perdidos, apenas um terço foi restaurado. Esses atos dizem respeito principalmente ao século XIX. Uma segunda reconstituição e outras fontes relacionadas estão disponíveis unicamente na sala de leitura. Seção 02: Artigos Regulares 010202 – 1 ©Autor(es)

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JEEJornal de Estudos Espíritas 7, 010202 (2019) - (8 pgs.) Volume 7 – 2019

A verdadeira identidade das primeiras médiuns utilizadas por KardecCarlos Seth BastosCSI do Espiritismo: História, Jacareí - SP

e-mail: [email protected]

(Recebido em 11 de Janeiro de 2019 e publicado em 19 de Fevereiro de 2019).

RESUMO

Embora exista muita informação disponível através de livros e sites dainternet sobre a família Baudin, a fonte de todas elas é um único livro deCanuto Abreu chamado O Livro dos Espíritos e sua tradição históricae lendária. Como o próprio título do livro diz, e destacamos aqui, trata-se de uma história romanceada baseada em tradição e lendas. Infeliz-mente a obra tem sido utilizada pelo movimento espírita como verdadeinconcussa. Este trabalho oferece uma nova versão, totalmente baseadaem documentos históricos. A família Baudin é importante para o movi-mento espírita pois as Srtas. Baudin foram as duas primeiras médiunsutilizadas por Allan Kardec para a preparação da primeira edição de O Livro dos Espíritos.

Palavras-Chave: Srtas. Baudin; Médiuns de Kardec; O Livro dos Espíritos; Canuto Abreu.DOI: 10.22568/jee.v7.artn.010202

I INTRODUÇÃO

Grande parte do que sabemos [1] sobre o início do Es-piritismo com Kardec e a família Baudin provavelmentenão seja autêntico! As senhoritas Baudin não eram ado-lescentes na época da chamada Codificação, a Sra. Bau-din não se chamava Clémantine, o Sr. Baudin não se cha-mava Émile Charles, nem era um rico fazendeiro, e muitomenos voltou à ilha da Reunião, no oceano Pacífico, de-pois do casamento de Julie (aliás, a única fonte ondeencontramos este nome é O Livro dos Espíritos e suatradição histórica e lendária, de Canuto Abreu [1]).

A partir desta única fonte, multiplicam-se as pales-tras, livros, jornais, revistas, filmes, vídeos e sites dainternet que replicam tal conteúdo. Como exemplo, ci-tamos apenas dois deles: os sites da Federação EspíritaBrasileira (ver este LINK) e da Revista Superinteressante(ver este LINK), ambos consultados em 13 de janeiro de2019.

Este trabalho revela novas informações com base emdocumentos históricos obtidos principalmente na Biblio-teca Nacional da França, no Arquivo Nacional da França,nos Arquivos Municipais de Paris e nos de outras comu-nas (cidades) francesas.

Mesmo que novas informações surjam da revelaçãodas “Cartas de Kardec”, projeto conduzido pelo Centrode Documentação e Obras Raras da Fundação EspíritaAndré Luiz, as evidências aqui apresentadas são muitorobustas.

II DESENVOLVIMENTO

Primeiramente, vamos ao pouco que Kardec nos in-formou sobre a família Baudin. Eles se reuniam na RueRochechouart em 1855, conforme Obras Póstumas [2], edepois na Rue Lamartine (ver figura 1) em 1856, con-forme a Revista Espírita de novembro de 1858 - “Umanoite esquecida ou Manuza, a feiticeira” [3]. Kardec nãoinforma os números dos prédios. Uma das irmãs Bau-din se chamava Caroline (conforme esta mesma RevistaEspírita) e pelos fins de 1857, as duas Srtas. Baudinse casaram, as reuniões cessaram e a família se dispersou(conforme Obras Póstumas). Kardec não informa a idadedas jovens.

Sabemos também através do L’Illustration de 10 deabril de 1869 [4], que as reuniões ocorriam na Rue Co-quenard, que trata-se apenas do nome antigo da Rue La-martine1.

Como vamos fazer uma publicação cronológica dasnovas evidências (a partir de 1851) a respeito das irmãsBaudin, narraremos primeiramente o “making of” destainvestigação. Já tínhamos obtido o registro de casamentoparcialmente reconstituído2 de uma tal Catherine Caro-line Baudin.

Resolvemos, então, buscar mais informações sobre omarido da suposta Caroline Baudin, Émile François Fré-déric Chailan de Moriés (veja cópia do registro de casa-mento na figura 2). Localizamos, então, um pedido defalência de sua empresa (Chailan de Moriés et MAS ), e

1Ver informação sobre a Rue Lamartine, página da Wikipedia, link de acesso AQUI (acessada em 13 de janeiro de 2019) e imagem nafigura 1.

2Os registros de estado civil de Paris antes de 1860 foram destruídos durante os incêndios da Comuna em maio de 1871, sendo recons-tituídos somente em parte. Dos oito milhões de atos perdidos, apenas um terço foi restaurado. Esses atos dizem respeito principalmenteao século XIX. Uma segunda reconstituição e outras fontes relacionadas estão disponíveis unicamente na sala de leitura.

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Figura 1: Rue Lamartine, vista da Rue Notre-Dame deLorette em 1866. Fonte: link de acesso AQUI (acessadoem 13 de janeiro de 2019).um endereço (Rue des Pavillons, 16), no Journal officielde la République française de 18 de março de 1884 [5].Depois de uma intensa busca nos arquivos municipais

decenais da comuna (Puteaux) deste endereço, achamos,finalmente, um registro de óbito (ver figura 3) e, por-tanto, informações sobre os pais de Caroline. O maridotambém viveu em Puteaux até sua morte em 1902.

Figura 2: Registro de casamento parcialmente reconsti-tuído de Caroline Baudin Fonte: Página 19 do link AQUI,acessado em 13 de janeiro de 2019.

Figura 3: Registro de óbito de Caroline Baudin Fonte: Livro de registros de óbito de 1883 da comuna de Puteaux,Departamento de Hauts-de-Seine, página 74, link de acesso AQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

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Bastos, C. S.

Mas esses nomes não foram os mesmos informados porCanuto Abreu, e como suas fontes não foram reveladas,a partir de dados como o nome do pai de Caroline Bau-din, fomos em busca de novas informações. Portantoagora, além das informações de O Livro dos Espíritos esua tradição histórica e lendária [1], apresentamos aquiuma nova versão dos fatos baseada inteiramente em re-gistros históricos.

François Alphonse Baudin, pai das irmãs Baudin, nas-ceu em Gray, no departamento (estado) de Haute-Saône(região administrativa de Borgonha-Franco-Condado) nodia 24 de agosto de 1802. Na época de seu casamento,ele tinha a mesma profissão do pai, que era comerciante,“dono de mercearia” (marchand épicier). Foi no dia 4de abril de 1826 que se casou com Barbe Mathilde Eber-len dite Avrelet, de 18 anos (nascida em 26 de janeiro de1808), também de Gray. Seu pai era açougueiro (mar-chand boucher) [6].

Além de negociante na mercearia, o Sr. Baudin teveoutras profissões, como inventor, engenheiro civil, ne-gociante e industrial. Resta-nos indagar: teriam sidoeles, o casal Baudin, pais das irmãs Baudin utilizadasna Codificação da Doutrina Espírita?

Vamos agora às informações relacionadas com os en-dereços das personagens estudadas aqui. No ano de 1851,Sr. Baudin morava na Rue Rochechouart, 66, conformeregistro de uma disputa para venda de carvão vegetalcom a Dulaurier et Cie [7]. Não podemos garantir queseja este o endereço citado por Kardec em Obras Póstu-mas, pois temos uma outra referência sobre uma patentepara conservação e cozimento de batatas de 1853 na RueCapelat (ou seria Caplat?), 1 à la Chapelle-Saint-Denis,no 18o arrondissement (distrito administrativo) de Pa-ris [8]. Seria este um endereço de trabalho ou de suaresidência? No caso desta última opção, teria retornadoà Rue Rochechouart em 1855, ano em que Kardec come-çou a frequentar a residência? Além disso, Canuto Abreufala do no 7, mas não menciona a fonte. Nas outras pa-tentes, também obtidas do Bulletin des lois de la Répu-blique française, não são indicados quaisquer endereços:tipo de forno de padaria e confeitaria de 1844 [9], sistemade forno de 1846 [10] e melhorias de candeeiros (lampes)em geral de 1860 [11]. Mas no caso da Rue Lamartine,veremos que não haverá qualquer dúvida relacionada àdata!

Em 1857, o endereço do Sr. Baudin, aqui investigado,é o mesmo mencionado por Kardec (em 1856 e 1857) naRevista Espírita: Rue Lamartine. O no é o 34, conformea Gazette des Tribunaux de 15 de julho de 1857 [12]. JáLuciano dos Anjos, em O Consolador [13, 14], fala no no

32, enquanto o no 21 é o informado por Canuto, em am-bos os casos sem dizer as fontes. Kardec, como sabemos,não informa o número.

Em resumo, já sabemos que o Sr. François AlphonseBaudin morou nas ruas Rochechouart (não necessaria-mente no ano de 1855) e Lamartine (no ano de 1857).Ele tinha uma filha chamada Catherine Caroline Bau-din, nascida em 1831 (conforme poderia se deduzir doseu registro de óbito) e que se casou em 13 de agosto de

1857, portanto com cerca de 26 anos de idade, e não com18 anos conforme informou Canuto! Mas teríamos outrasevidências que confirmassem sua idade?

Ela desencarnaria aos 52 anos, à meia-noite do dia29 para o dia 30 de novembro de 1883 na sua casa naRue des Pavillons, 16, comuna de Puteaux, ao lado deParis, vizinha da comuna de Suresnes, onde desencarnoua Srta. Ermance Dufaux [15], e da comuna de Neuilly,onde desencarnou a Srta. Honorine Huet [16]. Puteaux éa cidade onde hoje fica o Arche de la Défense. Foi peloregistro de óbito que também descobrimos que ela nasceuem Vesoul, no mesmo departamento de Haute-Saône (docasamento dos pais).

Pesquisas posteriores nos ajudaram a localizar seuregistro de nascimento, uma vez que não havíamos en-contrado nada em Vesoul. Buscamos informações nosseguintes arquivos, seguindo o respectivo caminho: re-censeamento da população de Puteaux no ano de 1891onde encontramos o marido de Caroline e, surpresa, duasfilhas, Hélène e Alice); registros de óbito de Puteaux (en-contramos Alice, desencarnada em 1928, com a informa-ção do local de nascimento: Nanterre); registros de nas-cimento de Nanterre (encontramos Hélène, nascida em1863; e Alice, nascida em 1868). Mas algo estava es-tranho. No registro de Hélène a mãe aparecia com 34anos (1863 − 34 = 1829) e no de Alice com 40 anos(1868 − 40 = 1828). Teria Caroline Baudin nascido em1831 (como deduz-se do seu registro de óbito) ou em 1828ou 1829, como no registro de nascimento das filhas? Am-pliamos as buscas e encontramos então em Gray, no anode 1827, o seu registro de nascimento (ver figura 4), coma data de 13/01/1827. Portanto tinha 30 anos em 1857,de acordo com esta última informação!

Caroline Baudin tinha pelo menos um irmão, Gus-tave Baudin, provavelmente nascido em Paris em 6 dejaneiro de 1845. Quando seu pai morreu em Puteauxem 1871 [17], ele, Gustave, morava em Levallois-Perret,comuna também vizinha de Paris. Quando Caroline mor-reu, Gustave morava na Rue du Rocher, 59 no 8o arron-dissement de Paris. A Sra. Baudin desencarnou em 1877também em Puteaux [18]. Estes detalhes são importan-tes para a análise sobre a dispersão da família após apublicação de O Livro dos Espíritos, conforme informouKardec.

E quanto à segunda Srta. Baudin? E se ela nãose chamasse Julie, mas tivesse se casado exatamenteno mesmo dia que a nossa Catherine Caroline Baudin?Data venia, principalmente ao incomensurável trabalhodo grande Canuto Abreu na sua obra O Livro dos Espí-ritos e sua tradição histórica e lendária [1] e a todos queapoiam estas informações, permitimo-nos divergir delas,contrapondo novos dados. Catherine Caroline Baudine Gustave Baudin tinham uma irmã chamada PélagieBaudin, nascida em Gray (mesma cidade dos pais, verfigura 5) em 05/10/1829 e que se casou exatamente nomesmo dia de Caroline, 13/08/1857, em Paris (ver figura6), com Alfred Nourisson, engenheiro civil como o so-gro, conforme a Gazette des Tribunaux de 2 de julho de1856 [19].

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Figura 4: Registro de nascimento de Caroline Baudin Fonte: Livro de registros de nascimento de 1827 da comuna deGray, departamento de Haute-Saône, página 4, link de acesso AQUI (acessado em 16 de janeiro de 2019).

Figura 5: Registro de nascimento de Pélagie Baudin Fonte: Livro de registros de nascimento de 1829 da comuna deGray, departamento de Haute-Saône, página 37. Link de acesso AQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

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Bastos, C. S.

Figura 6: Registro de casamento parcialmente recons-tituído de Pélagie Baudin Fonte: Página 20 do link deacesso AQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

Figura 7: Registro de óbito de Pélagie Baudin Fonte:Livro de registros de óbito de 1887 da comuna de Neuily-sur-Seine, departamento de Hauts-de-Seine, página 127.Link de acesso AQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

Uma vez que o filho deles, Michel Alfred Nourisson,mais conhecido como Michel Nour3, desencarnado em1951, nasceu em Courbevoie em 1871, supomos que o

casal residiu também aí, apesar de Pélagie ter desencar-nado (ver figura 7), assim como a Srta. Huet, em Neuilly,em 22/08/1887, na sua residência à Rue de Chézy, 4 bis.Para nós esta seria a segunda Srta. Baudin, aliás nuncaidentificada por Kardec em nenhuma obra como Julie ouqualquer outro nome.

Perguntamos então: ainda que não tenhamos certezaabsoluta sobre os anos em que viveram na Rue Roche-chouart, quais as chances de termos duas famílias Baudin,residindo na mesma Rue Lamartine, na mesma época in-formada por Kardec, com duas filhas casadas no segundosemestre de 1857 (no mesmo dia), sendo uma chamadaCaroline?

De qualquer forma, as principais novidades descober-tas aqui são: as Srtas. Baudin não eram adolescentes(16 e 18 anos em 1857, portanto 15 e 17 anos em 1856),mas adultas (27 e 29 anos em 1856). Como já sabemosdas deduções a partir da entrevista a Aksakof [20], a ter-ceira médium utilizada na primeira edição de O Livrodos Espíritos, a Srta. Japhet, teria entre 27 e 34 anosem 1856 (e não 19 anos, ou seja, 20 anos em 1857, comodeduz-se das informações de Canuto, e como dizem ou-tros autores, inclusive Luciano dos Anjos e a Wikipedia).Outra novidade seria que provavelmente o Sr. Baudinnão era um rico fazendeiro, como também não o era oSr. Dufaux [21]. Estas informações não são relevantes doponto de vista doutrinário, a não ser que se queira discu-tir a participação de crianças e adolescentes em reuniõesmediúnicas. Ainda assim, traz uma contribuição para oresgate fidedigno da história do Espiritismo.

Apresentamos ainda uma evidência final: as procla-mas de casamento delas, publicadas no Le Constitution-nel de 4 de agosto de 1857 (ver figura 8). Para nós nãoresta qualquer dúvida: as Srtas. Baudin eram Pélagie eCatherine Caroline. Mais uma vez, remodelando nossaquestão: quais as probabilidades de termos dois pares deirmãs Baudin, ou seja, quatro Srtas. Baudin, duas delaschamadas Caroline, todas residindo na Rue Lamartine, eque se casaram em 1857 após o lançamento de O Livrodos Espíritos?

Figura 8: Proclamas de casamento das Srtas. BaudinFonte: “Publications de mariages”, Le Constitutionnel,42o ano, número 216, 4 de agosto de 1857, link de acessoAQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

Se buscarmos por Julie Baudin no Google encontra-remos centenas de fontes que acreditamos estar erradas.É natural, afinal o movimento espírita sempre aprendeuassim.

3Michel Nour (1871-1951): pseudonyme individuel, BNF, ver link de acesso AQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

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Ilustramos a situação corrente com o artigo, den-tre tantos outros, de Jorge Leite de Oliveira, publicadoem O Consolador [22]. Nele encontramos as seguintesafirmativas, todas elas sem referências às fontes utiliza-das:

Outras médiuns que também colaboraram com asobras da Codificação Espírita foram as jovens Caro-line Baudin (18 anos), Julie Baudin (16 anos) e RuthCeline Japhet (20 anos)...

Imaginamos que o autor esteja se referindo ao ano de1857 para a citação das idades. Como já evidenciado,todas estas informações estão equivocadas.

Isto também acontece fora do Brasil, e.g., na França,onde o Boletim Le Spiritisme do CSLAK (Centre SpiriteLyonnais Allan Kardec) [23] declara:

Il sera secondé dans ce travail par un certain nombred’Esprits qui viendront se communiquer aux séances

de la famille Baudin au travers des médiums Carolineet Julie Baudin.

Traduzindo: Ele será auxiliado neste trabalho por umnúmero de Espíritos que virão às sessões da famíliaBaudin através das médiuns Caroline e Julie Baudin.

Como também já demonstramos, a irmã de Carolinese chamava Pélagie, e não Julie.

III CONCLUSÕES

Levará algum tempo para que toda esta contribuiçãopossa ser assimilada pelo movimento espírita.

Hoje em dia as informações estão muito mais fáceis deserem acessadas remotamente, principalmente os arqui-vos digitalizados da França. O pesquisador da história doEspiritismo poderá aplicar métodos mais científicos paraque este resgate possa ter bases sólidas, como o resumodeste trabalho apresentado na tabela a seguir.

Tabela 1: Informações sobre a família Baudin por fonte.

Nesta tabela apresentamos na primeira coluna as infor-mações que Kardec nos deu sobre a família Baudin, colhi-das principalmente na Revista Espírita e em Obras Pós-tumas. Na segunda coluna temos as informações dispo-nibilizadas por Canuto Abreu em sua obra O Livro dosEspíritos e sua tradição histórica e lendária [1], que é afonte de tudo que o movimento espírita acreditava sabersobre a família Baudin. Na última coluna encontramos osdados colhidos nesta pesquisa em documentos analisadosda Biblioteca Nacional da França, do Arquivo Nacionalda França, dos Arquivos Municipais de Paris e de outrascomunas francesas.

Quanto à dispersão da família Baudin, podemos ob-servar que ela aconteceu em torno de Paris. No mapaa seguir (ver figura 9) vemos os seus arrondissements,bem como as comunas vizinhas, conhecidas como “PetiteCouronne”.

Neste artigo foram apresentados documentos históri-cos que contestam a informação comumente veiculada nomovimento espírita de que as irmãs Baudin, que traba-lharam com Kardec de 1855 a 1857, eram adolescentes naépoca (16 e 18 anos quando do lançamento da primeiraedição de O Livros dos Espíritos). Mostramos através dedocumentos históricos e respectivas correlações de datas

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Bastos, C. S.

e endereços, que elas tinham 28 e 30 anos em 1857, mo-ravam realmente na Rue Lamartine, mas não eram filhas

de um rico fazendeiro e nem retornaram à Ilha Reunião,no Pacífico.

Figura 9: Paris e a “Petite Couronne”, com referências a personagens da chamada Codificação. Fonte: Hauts-de-Seine,página da Wikipedia, link de acesso AQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

REFERÊNCIAS

[1] C. Abreu, O Livro dos Espíritos e sua tradição histórica elendária, Edições LFU. São Paulo, SP (1992).

[2] A. Kardec, Obras póstumas, 25a Edição, FEB. Rio de Janeiro,RJ (1990).

[3] A. Kardec, “Uma noite esquecida ou manuza, a feiticeira”,Revista Espírita Novembro (1858), acesso pelo link Kardec-pedia: AQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

[4] R. Du Merzer, “Allan Kardec et le Spiritisme”, L’Illustration,volume 53, número 1363, página 237 a 238, 10 de abril de1869. Livro pode ser lido no link AQUI (acessado em 13 dejaneiro de 2019).

[5] Tribunal de Commerce de la Seine, “Vérification etaffirmation des créances avant répartition”, Journal officielde la République française 77, p. 1506, (1884). O artigo podeser acessado através do link AQUI (acessado em 13 de janeirode 2019).

[6] Livro de registros de casamento de 1826 da comuna de Gray,departamento de Haute-Saône, página 18. Link de acessoAQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

[7] “Minutes et répertoires du notaire Ernest Simon Marie VAL-LÉE, 16 mai 1850 - 9 avril 1856 (étude LXXXIII)”, Archi-ves Nationales (France), p. 203 (2013). Link de acesso AQUI(acessado em 13 de janeiro de 2019).

[8] Bulletin des lois de l’Empire Français 5, p. 1176 (1855). Linkde acesso AQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

[9] Bulletin des lois de la République Française 31, p. 81 (1846).Link de acesso AQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

[10] Bulletin des lois du Royaume de France 34, p. 449 (1847).Link de acesso AQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

[11] Bulletin des lois de l’Empire Français 18, p. 868 (1862). Linkde acesso AQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

[12] M. Dutreih, “Sociétés”, Gazette des Tribunaux 9451, p. 692(1857). Link de acesso AQUI (acessado em 13 de janeiro de2019).

[13] L. Dos Anjos, “Chico Xavier foi Ruth-Céline Japhet - parte1”, O Consolador 204 (2011). Link de acesso AQUI (acessadoem 13 de janeiro de 2019).

[14] L. Dos Anjos, “Chico Xavier foi Ruth-Céline Japhet - parte2 e final”, O Consolador 205 (2011). Link de acesso AQUI(acessado em 13 de janeiro de 2019).

[15] Livro de registros de óbito de 1915 da comuna de Suresne,Departamento de Hauts-de-Seine, página 13. Link de acessoAQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

[16] Livro de registros de óbito de 1895 da comuna de Neuily-sur-Seine, Departamento de Hauts-de-Seine, página 94. Link deacesso AQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

JEE 010202 – 7 J. Est. Esp. 7, 010202 (2019).

Page 8: 7 AverdadeiraidentidadedasprimeirasmédiunsutilizadasporKardec · abril de 1869 [4], que as reuniões ocorriam na Rue Co-quenard,quetrata-seapenasdonomeantigodaRueLa-martine1. Como

A verdadeira identidade das primeiras médiuns . . .

[17] Livro de registros de óbito de 1871 da comuna de Puteaux,Departamento de Hauts-de-Seine, página 38. Link de acessoAQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

[18] Livro de registros de óbito de 1877 da comuna de Puteaux,Departamento de Hauts-de-Seine, página 19. Link de acessoAQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

[19] “Sociétés”, Gazette des Tribunaux 9130, p. 646 (1856). Linkde acesso AQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

[20] A. Aksakof, “Researches on the historical origin of the reincar-nation speculations of French spiritualists”, The SpiritualistAND JOURNAL OF PSYCHOLOGICAL SCIENCE 7, p.

74 (1875). Link de acesso AQUI (acessado em 13 de janeirode 2019).

[21] Livro de registros de nascimento de 1838 - 1839 da comunade Cambrai, Departamento du Nord, página 422. Link deacesso AQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

[22] J. L. de Oliveira, “Os primeiros médiuns da codificação es-pírita e a iniciação espírita de Kardec”, O Consolador 404(2015). Link de acesso AQUI (acessado em 13 de janeiro de2019).

[23] CSLAK (Centre Spirite Lyonnais Allan Kardec), “La paroledu jour: le périsprit”, Le Spiritisme 74 (2018). Link de acessoAQUI (acessado em 13 de janeiro de 2019).

Title and Abstract in English

The true identity of the first mediums used by Kardec

Abstract: Although much information is available through books and internet sites about the Baudin family, the source ofthem is a single book, in portuguese, called O Livro dos Espíritos e sua tradição histórica e lendária, by Canuto Abreu. As thetitle of the book itself says, and highlighted here, it is a romance story based on tradition and legends. Unfortunately, the bookhas been used by the spiritist movement as an undeniable truth. This work offers a new version, entirely based on historicaldocuments. The Baudin family is important for the spiritist movement because the Baudin ladies were the first two mediumsused by Allan Kardec to prepare the first edition of The Spirits’ Book.Keywords: Baudin Ladies; Kardec’s mediums; The Spirits’ Book; Canuto Abreu.

J. Est. Esp. 7, 010202 (2019). 010202 – 8 JEE