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Artigo discorrendo sobre a jornada de trabalho dos caminhoneiros.
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Revista Latino-Americana de História Vol. 1, nº. 3 – Março de 2012 Edição Especial – Lugares da História do Trabalho © by RLAH
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Tempo, jornada e produtividade na história e trabalho dos
caminhoneiros.
Rafael Antônio Kapron
Resumo: Os motoristas de caminhão formam uma profissão surgida no século XX do Brasil.
Tornaram-se com seu trabalho na prestação de serviços importantes no conjunto da economia
do país, seja na concentração do transporte de cargas nesse modal rodoviário ou na quantidade
de motoristas. A coexistência de caminhoneiros assalariados e de caminhoneiros autônomos é
uma das características desses profissionais. Para ambos trabalhadores tem ocorrido um
excessivo tempo da jornada de trabalho. As referências nas diversas publicações e pesquisas
sobre o Transporte rodoviário de cargas confirmam uma média de tempo de trabalho mais
elevada se comparada com a totalidade dos trabalhadores do país. Formando assim um
processo de trabalho compreendido entre extenso, intenso, inseguro e com aumento da
produtividade através da modernização dos caminhões. Também situado em ter se
desenvolvido em meio à grande presença de pequenas empresas de transporte, estimulando a
concorrência de mercado e assim acompanhando característica do país de nestas pequenas
empresas estarem concentrados os altos índices de trabalho informal em relação a CLT.
Palavras-Chaves: Trabalho. Caminhoneiros. Brasil.
Abstract: The truck drivers form a profession appeared in century XX of Brazil. They had
become with its work in the important rendering of services in the set of the economy of the
country, either in the concentration of the load transport in this modal road or the amount of
drivers. The coexistence of wage-earning truck drivers and independent truck drivers is one of
the characteristics of these professionals. For both workers an extreme time of the hours of
working has occurred. The references in diverse publications and research on the road load
Transport more confirm a average of raised if compared time of work with the totality of the
workers of the country. Thus forming a process of extensive, intense, unsafe work understood
between and with increase of the productivity through the modernization of the trucks. Also
situated in having if developed in way to the great presence of small companies of transport,
Graduação em História e Especialização no Pensamento Político Brasileiro/ UFSM, Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História/ UFPel/ Bolsista Capes Reuni. Endereço Eletrônico: [email protected] (25/ 10/ 2011).
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stimulating following the thus characteristic competition of market and it country of in these
small companies being intent the high indices of informal work in relation the CLT.
Keywords: Work. Truck drivers. Brazil.
Desde a década de 1950 o Transporte rodoviário de cargas se constitui como o modal
preponderante enquanto quantidade de mercadorias transportadas no Brasil. Nos anos 1970
em torno dos 70% das cargas eram transportadas por rodovias e nos anos 2000 tem-se
mantido cerca de 60% das cargas transportadas por este transporte rodoviário.
Segundo o que o IBGE indicou para o ano de 1985, entre os “veículos cadastrados” de
todo o país, os “Caminhões” contavam com o total de 972.961 veículos.1 A Confederação
Nacional do Transporte em seu “Boletim Estatístico” da sua “Pesquisa Rodoviária CNT
2005” indicou existência na “Frota de Veículos” a totalidade de 1.940.751 caminhões.2
Considerando que tais números não fazem a distinção entre ser um Transporte urbano
de rota curta em relação a um Transporte rodoviário que tem a característica das maiores
distâncias nas cargas transportadas. Devendo ser este aspecto considerado como um dos
diferenciais para os Motoristas de Caminhão enquanto caracterização da Jornada de Trabalho.
Uma das peculiaridades do Transporte rodoviário de cargas brasileiro é que desde sua
origem teve a concentração dos empreendimentos na iniciativa privada. Enquanto
trabalhadores, os motoristas dos caminhões, também conhecidos como caminhoneiros, duas
foram suas situações predominantes quanto à Divisão do Trabalho. Ou foram Caminhoneiros
Autônomos ou têm sido Caminhoneiros Proletários.
Os Motoristas Autônomos estão considerados como os “trabalhadores por conta
própria”, proprietários de seus caminhões.3 E os Motoristas Proletários como os
“empregados”, assalariados e ou “comissionados” que tem exercido o trabalho em caminhões
de algum tipo de patrão ou empresário.
A seguir seis interpretações de pesquisas realizadas no período de entre os anos de
1976 e 2009 da História brasileira. Tal seleção dessas pesquisas por terem como um de seus
1 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estatísticas históricas do Brasil: séries econômicas, demográficas e sociais de 1550 a 1988. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 1990, p. 456-466. 2 Tal número somando os índices da distinção “Caminhão” e “Cavalo Mecânico” feita pela Confederação. O “Cavalo Mecânico” pressupõem ser o caminhão mais um reboque e ou semi-reboque. “Informações”: “Boletins”. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRANSPORTES, CNT. Brasília/ DF. Disponível em: http://www.cnt.org.br. Acesso em: 07 jan. 2011. 3 Compreendidas as situações de no Brasil ter havido registros de caminhões como sendo de um “Autônomo” e estes terem motoristas “empregados” como trabalhadores desses caminhões. Tais “autônomos” conformam um pequeno ou micro empresário.
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focos caracterizações sobre o Tempo da Jornada de Trabalho. Na seqüência citações de
periódico de edição direcionada aos profissionais do Transporte rodoviário de cargas e
bibliografia tendo objetivos de problematizar sobre mais algumas das Condições de Trabalho.
Por fim um breve comentário sobre a Produtividade do Trabalho.
Em 1976 foi realizada Pesquisa pelo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
(DNER) e foram publicados alguns resultados no livro “Sinopse do Transporte Rodoviário de
Cargas” editado em 1976.4
Foi uma “pesquisa operacional” realizada mediante a entrega de “formulários” para
“carreteiros”5 e “empresas de transporte”6 naquele ano de 1976. Na Pesquisa houve um total
de “3870 veículos, sendo 3285 de empresas e 585 de carreteiros”.
Os “formulários” foram entregues em “30 postos nas estradas”7 para 248 “empresas de
transporte rodoviário de cargas relacionadas pela NTC”8 e em “102 sindicatos de classe,
abrangendo o total de 17 Estados”.9 Há referência de que a Pesquisa teve por objetivo ter uma
perspectiva de ser abrangente de todo o “Território Nacional”.
Este Tempo da Jornada de Trabalho está apresentado a seguir como sendo em
“indicadores operacionais médios referidos à unidade básica de 24 horas”.10
- “Tempo rodando carregado por dia de viagem”: “Empresa”: “12h”; “Carreteiro”:
“11h”.
- “Carregamento” e “Descarregamento”: “Empresa”: “3h” e “4h”; “Carreteiro”: “4h” e
“3h”.11
4 DEPARTAMENTO NACIONAL DE ESTRADAS DE RODAGEM. Sinopse do Transporte Rodoviário de Cargas. Brasil: Ministério dos Transportes, DNER, 1976, p. 215-221. 5 Os “carreteiros” definidos como “pessoas físicas, proprietárias ou co-proprietárias de um ou mais veículos, conduzidos pelo próprio ou por motoristas comissionados ou remunerados (sem vínculo empregatício) e utilizados na prestação de serviços de transporte rodoviário de cargas, mediante contratação direta e afretamento a empresas de transporte de cargas ou a terceiros.” (p. 10). Estes “carreteiros” são os também chamados por motoristas “autônomos”. 6 “A categoria abrange as empresas organizadas sob qualquer forma societária prevista em lei, que tenham como objetivo principal a prestação do serviço de transporte rodoviário de cargas a terceiros, mediante remuneração, em veículos próprios ou afretados e através de operação comercial de filiais, agências, instalações ou terminais.” (p. 08). 7 Sem maior especificação se devem ter sido os postos de combustíveis de rodovias ou outros locais de realização dos “formulários”. 8 Associação Nacional do Transporte de Cargas: NTC, entidade sindical dos empresários desse modal do transporte. 9 Sem maior especificação se estes devem ter sido os sindicatos dos motoristas autônomos (SINCAVER). 10 Considerar que assim expõem possibilidade de que a jornada de trabalho poderia ser flexível entre turnos diurno e noturno. 11 “Segundo as definições das etapas operativas de carregamento e descarregamento, são os tempos decorridos ente o início e o término de cada etapa.” (p. 222) A obra indica “Operações Industriais”: em 10 “etapas
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- “Tempo parado ou rodando vazio”: “Empresa”: “5h”; “Carreteiro”: “6h”.
Em 1991 a revista Eu Rodo realizou com caminhoneiros um estudo “sobre quem são e
o que pensam esses profissionais”, a pedido da fabricante Volvo.12 “A pesquisa foi realizada
em cinco regiões do país”, “através de entrevista pessoal e individual”. O “questionário”
continha “perguntas” envolvendo questões como “dados pessoais, familiares e sócio-
econômicos”, “vida profissional”, dentre outras.
“Todos os questionários foram completados por um único pesquisador”. Foi realizada
entre abril e maio do ano de 1991. “Em nenhum momento da pesquisa, buscou-se fazer uma
entrevista em razão da placa do veículo, empresa ou tipo de carga”. Foram realizadas as
entrevistas em postos de combustíveis. “Foram preenchidos 150 formulários”, através de
“escolha aleatória” dos motoristas.13
O roteiro das entrevistas foi de São Paulo pela Via Dutra até Governador Valadares/
MG; na rodovia Belém-Brasília; entre Rio Verde e Jataí/ GO; Presidente Epitácio/ SP; no
Mato Grosso do Sul; no Rio Grande do Sul na BR 101, Uruguaiana e entre Rio Grande e
Porto Alegre; em Joinville/ SC; e entre Curitiba e São Paulo. Na origem ou residência dos
motoristas “o sul aparece com maiores percentuais”.
Tempo da Jornada de Trabalho: “Jornada de Trabalho”:
- 70,67% trabalhavam “mais de 14 horas diárias” e “durante pelo menos 25 dias por
mês”.
- cerca de 18% trabalhavam de 12 a 14 horas diárias.
- cerca de 08% trabalhavam de 10 a 12 horas diárias.
- cerca de 04% de 08 a 05 horas diárias.
Pesquisa realizada em 1996 foi citada por Marco Aurélio Bertolazzi (1998) em sua
Dissertação do Mestrado em Administração em que estudou “histórias de vida” de motoristas
de São Marcos/ RS, enquanto empresários, autônomos e motoristas empregados que eram
aqueles entrevistados na década de 1990.14
operativas” para “Empresa” e 05 “etapas operativas” para “Carreteiro” (p. 216). “Carregamento” e “Descarregamento” são itens em comum aos dois empreendimentos. 12 EU RODO. Número 55, Revista Editada pelo Departamento de Suporte a Marketing da Volvo do Brasil. Curitiba, PR: Padila Indústrias Gráficas S.A. Jul. 1991, p. 07-14. 13 Nesta quantidade não estão diferenciados os motoristas autônomos dos empregados. 14 BERTOLAZZI, Marco Aurélio. Empregado, Autônomo e Empresário: a tomada de decisão no setor de transporte rodoviário de cargas em São Marcos, RS. 1998. 179 f. Dissertação (Mestrado em Administração) – Programa de Pós-Graduação em Administração, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, p. 36-40.
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Como forma de apresentar dados referentes ao que então compunha o Transporte
rodoviário de cargas do país citou Pesquisa realizada pela “Marplan Brasil Representações e
Pesquisas Ltda” em 1996, que foi encomendada e divulgada pela revista O Carreteiro em
edição daquele ano. Informa que “foram entrevistados 305 empregados e 302 autônomos” de
“cinco estados do Brasil”.
Tempo da Jornada de Trabalho: “atitudes”:
- “Empregados”:
“12,5 horas”: “média de horas de trabalho por dia”
“5,6 dias”: “número médio de dias passados em casa ao mês”.
- “Autônomos”:
“12,7 horas”: “média de horas de trabalho por dia”
“6,5 dias”: “número médio de dias em casa ao mês”.
- Números médios dos Motoristas Autônomos e Empregados:
“95% dos entrevistados pernoitam na cabine do caminhão”
“40% dos entrevistados viajam após à meia-noite”
“75% dos entrevistados rodam mais de 600 quilômetros por dia”.
Com dados do ano de 1999 a Confederação Nacional do Transporte realizou um
estudo sobre o “perfil sócio-econômico” com índices sobre vínculos de trabalho, procedência,
escolaridade, atividades profissionais e outros dos caminhoneiros do país. Tal estudo indicou
o que deveria ser o “perfil” dos caminhoneiros brasileiros.15
A Pesquisa foi realizada mediante “Entrevistas” através de “Questionários”, no
período entre agosto e setembro de 1999, buscando ser uma amostra média para o país. Foram
realizadas “1000 Entrevistas no País”. Foi distribuída entre “Caminhoneiros Autônomos” com
“600 Entrevistas”; e “Motoristas de Caminhão de Empresas” com “400 Entrevistas”.
As Entrevistas foram realizadas em 14 cidades, cada uma sendo considerada como um
pólo regional. Foi realizada em 12 Estados, abrangendo as cinco Regiões do país através de
“62 Pontos de Coleta” distribuídos por “31 rodovias”.
Tempo da Jornada de Trabalho: “Médias de Dias e Horas Trabalhadas na Semana”:
- “Autônomos”: “6,2 dias”; e “93,3 horas”.
- “Motoristas”: “6,4 dias”; e “92,5 horas”.
15 “O perfil sócio-econômico e as aspirações dos Caminhoneiros no País”. Disponível em: http://www.cnt.org.br
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Em 2002 a Confederação Nacional do Transporte “com o objetivo de traçar um
panorama do transportador autônomo brasileiro – taxistas e caminhoneiros” realizou “uma
pesquisa de abrangência nacional para aferir as condições sócio-econômicas e de trabalho
destes profissionais.” Segue interpretação sobre as Horas de Trabalho com base na seção
estrita aos motoristas de caminhão, que segundo a Pesquisa são ainda restritos somente aos
“caminhoneiros autônomos”.16
Foram realizadas “entrevistas” por meio de “questionários estruturados”. A “coleta de
dados” se deu entre abril e maio de 2002 através de seleção por “amostragem sistemática”.
Foram feitas “mil entrevistas” com “caminhoneiros autônomos”.
O “universo de pesquisa” foi estipulado considerados os “doze principais estados”,
contemplando as cinco Regiões do Brasil. Estes 12 Estados eram os que em 2001
apresentavam as maiores “frotas de caminhões cadastrados”, representando 79,9% da “frota
de caminhões” então cadastrada no país. A quantidade de entrevistas por locais variou junto a
esta distribuição proporcional da procedência dos registros dos caminhões. São Paulo,
segundo o registro de 2001, tinha a maior “frota de caminhões” tendo assim participação com
36% das entrevistas, seguido por Minas Gerais com 14,6%, Paraná com 12,6%, Rio Grande
do Sul com 11,1%, Rio de Janeiro com 6,9% e os outros Estados foram AM, BA, CE, DF,
GO, PA, PE. A coleta das informações se deu distribuída entre 56 “postos de combustível”.
Tempo da Jornada de Trabalho: “Número de horas trabalhadas por dia”:
- 90,9% “dos caminhoneiros autônomos trabalha mais de oito horas por diárias”.
- “51,5% dos caminhoneiros trabalham de 13 a 19 horas por dia”.
- “29% trabalham mais de 9 a 12 horas”.
- “10,4% trabalham mais de 20 horas diárias”.
“A jornada de trabalho média dos caminhoneiros é de aproximadamente 15 horas
diárias.”
Em 2009 a revista CNT Transporte Atual trouxe “Reportagem de Capa” citando a
Pesquisa “Transporte do Brasil – Caminhoneiros” de realização do Sest/ Senat que “traça o
perfil dos profissionais da boleia no país”.17
O “levantamento” dos dados e informações, o “perfil”, foi feito entre abril e maio de
2009. Segundo o informado pela revista a Pesquisa “ouviu mil motoristas autônomos e
16 “Pesquisa de Autônomos CNT – 2002 Relatório Analítico”. Disponível em: http://www.cnt.org.br 17 CNT Transporte Atual. Número168, Belo Horizonte: AC&S Mídia Ltda, 2009, p. 18-25.
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empregados frotistas”. Dos entrevistados: 61,7% “se declararam autônomos”; e 38,3%
“empregados frotistas”. A Pesquisa foi realizada em “35 municípios de 11 Estados”.
Tempo da Jornada de Trabalho: “dirigindo direto”:
- “13 horas, média da jornada de trabalho diária”.
- “6,1 Média de dias trabalhados na semana”.
Em 1988 e 2007: Como Definir a Jornada de Trabalho?
Condições do Trabalho dos caminhoneiros “cegonheiros” de 1988 aparecem no
comentário da revista O Carreteiro na sua seção “Mosaico”. Comentou a reportagem sobre a
realização da viagem de São Bernardo do Campo/ SP para Manaus dos motoristas de
caminhão que tinham “automóveis zero km” como carga transportada.18 Segundo o periódico
ninguém mais se arrisca ir por terra a Porto Velho e daí à capital amazonense. Todos preferem ir a Belém do Pará e, de lá, descansando em cima da balsa, navegarem com sua carga pelo Rio Amazonas. São viagens que ocupam trinta dias para ir e voltar, mas a metade desse tempo as grandes carretas passam em cima das balsas que fazem a ligação Manaus-Belém. Para alguns cegonheiros do ABC paulista ir a Manaus é uma viagem prêmio.
O “descanso” referido pela revista também pode ser considerado como Tempo de
espera, afinal tinham de descarregar o caminhão no destino que era Manaus. Também quanto
ao necessário zelo, fator segurança em relação ao caminhão e a carga a que estavam
permanentemente envolvidos. Bem como também situação da probabilidade de que estes
motoristas dormiam no próprio caminhão, ou seja, no local de Trabalho.
Outra situação aparece no estudo de Elias Marcelino da Rocha sobre caminhoneiros
que teve como foco as condições de “saúde” dos motoristas. Foram feitas entrevistas no ano
de 2007 com “240 motoristas” de caminhão. Foram realizadas em rodovia distribuídas entre
três cidades do Estado de Rondônia em “postos de gasolina e fiscal”.19
Alguns dados identificaram que dos caminhoneiros abordados cerca de 77% não eram
residentes em Rondônia e eram assim trabalhadores de um transporte interestadual; cerca de
18 O CARRETEIRO. Número 174, São Paulo: GG Editora de Publicações Técnicas Ltda, 1988, p. 32. 19 ROCHA, Elias Marcelino da. DST e AIDS em região de fronteiras: um estudo como caminhoneiros no Estado de Rondônia. 2008. 149 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) – Programa de Pós-Graduação Convênio Centro-Oeste, Universidade de Brasília, p. 57-78.
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38% “passavam mais da metade do mês fora de casa”; e cerca de 81% dormiam “dentro do
caminhão em posto”.
Em 1989 e 2000: Associação, Jornada, Acidentes
A revista O Carreteiro em edição de 1989 em sua seção destinada a publicação de
“Carta do Leitor” consta a de um Motorista de Cotia/ SP com uma “reclamação”.20 Segundo a
Carta, no “caso de acidentes”, os motoristas não tinham apoio da “Justiça” e “nem da Justiça
do Trabalho”: “porque o motorista sendo empregado ele faz no mínimo 20 horas de serviço” e
“quando acontece um acidente ninguém pergunta quantas horas ele está trabalhando”.
Tal condição, Acidente de Trabalho durante a Jornada, parece ser reforçada por uma
das constatações da Pesquisa de Maria Terezinha Zeferino.21 A autora constatou a partir dos
dados do ano de 2000 sobre a ocorrência de “acidentes de trânsito” nas “rodovias e estradas
federais” que os caminhões estiveram envolvidos em cerca de 27% dos acidentes. Com
consideração de que os caminhões naquele ano compunham somente cerca de 06% da “frota
total de veículos” do país.
Tempo da Jornada de Trabalho, conhecimento e experiência profissional, condições de
tráfego das rodovias, condições funcionais do caminhão, tipo de carga ou exigência no
cumprimento de horários devem também ser situados junto dessas ocorrências dos Acidentes
de Trânsito e ou Acidentes de Trabalho.
Em 1992, um “Caminhoneiro Revoltado”
Em sua seção “Posto Zero” a revista O Carreteiro publicou carta enviada por um
motorista de Divinópolis/ MG em 1992. Segue na íntegra o publicado, “Caminhoneiro
revoltado” foi o título:22
Tenho 34 anos de profissão. São 34 anos de sofrimento, lutas e inglórias, para manter o bruto em dia, pagar as contas e encher as panelas dos
20 O CARRETEIRO. Número 177, São Paulo: GG Editora de Publicações Técnicas Ltda, 1989, p. 45. 21 ZEFERINO, Maria Terezinha. Acidentes de Trânsito e os Estimulantes do tipo Anfetaminas – Estudo de caso junto às empresas de Transporte Rodoviário de Cargas no Estado de Santa Catarina. 2004. 142 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, p. 31. 22 O CARRETEIRO. Número 217, São Paulo: GG Editora de Publicações Técnicas Ltda, 1992, p.28.
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barrigudinhos. E vai aqui o meu desabafo. Por que nós caminhoneiros somos tão discriminados? Por que somos comparados aos piores marginais? Não temos sequer um lugar para dormir tranqüilos depois de uma jornada de 16 a 18 horas de trabalho. Se a empresa está com seus armazéns cheios o gerente vem nos receber com tapinhas nas costas, mas se está vazio, não conversa com a gente. A Polícia Rodoviária nos trata da pior maneira possível, somos marginalizados por tudo e por todos. Por que isso se somos homens honestos e trabalhadores? Se num país onde 88% dos produtos são transportados por caminhões; então somos a mola propulsora deste País. Por que somos mortos nas estradas brasileiras e não podemos andar armados? Quando tinha 30 anos de profissão, entrei com todos os documentos necessários para a tão sonhada aposentadoria e até hoje ainda não a consegui. E esses homens, que infestam as salas das câmaras, com quatro anos de ‘trabalho’ se aposentam. Homens que não dão nada para este País tão corrompido. Por que tudo isso? Que país é este que quem trabalha não vale nada e o que não vale nada tem tudo. Esse é o Brasil?
A extensa Jornada de Trabalho e uma falta de condições ao descanso são algumas
identificações mais imediatas expostas pelo Motorista. E também poderia ser interpretada
uma perspectiva de Divisão Social do Trabalho ou do Valor do Trabalho. O modo da escrita e
as afirmações podem ser consideradas como um protesto de tal condição profissional e que
sugere também terem sido condições bastante comuns aos motoristas nas suas diversas
tarefas.
Um sem “lugar para dormir” ou estradas ruins para o trafegar podem ser associados
aos índices da insegurança. Ou como em situações da insegurança manifestadas nos roubos de
caminhões ou de cargas. Uma “evolução do roubo de cargas no Brasil” no período entre 1994
e 2000 foi evidenciada com um aumento em mais de cem por cento no “número de
ocorrências”. Podendo nesta questão sugerir algumas condições de violência no Trabalho,
como agressões ou mortes a que estariam expostos os motoristas.23
Extensa Jornada e Direitos Trabalhistas
Na seção “Posto Zero” da revista O Carreteiro consta publicação de reclamação de
um Motorista de São José dos Campos/ SP de 1994. Faz referência que as “empresas de
transporte” daquele município “não respeitam a carga horária de seus motoristas”. Faz
afirmação que “a maioria deles trabalha até 15 horas, sendo que o patrão só paga oito horas
23 CENTRO DE ESTUDOS EM LOGÍSTICA. Panorama do Setor de Transporte Rodoviário de Cargas no Brasil. Rio de Janeiro: Coppead, UFRJ. s/d. Disponível em: http://www.portalntc.org.br. Acesso em: 08 set. 2011.
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diárias (...). Eles se recusam a pagar horas-extras e também não querem pagar o vale-
transporte, que é um direito do trabalhador.”24
Se as “empresas” pagavam apenas por “oito horas” trabalhadas, aqueles motoristas
recebiam um Salário por Tempo de Trabalho, não sendo assim motoristas comissionados.
Bem como se evidência o que seriam possíveis descumprimentos básicos em relação a
legislação trabalhista.
Uma perspectiva de ter havido associação entre pequenas empresas, Trabalho informal
e Trabalho comissionado na história profissional consta em entrevistas em História Oral
realizadas em 2011 com caminhoneiros residentes no município de Santo Ângelo, RS. 25
Falando sob uma das características do Transporte rodoviário de cargas, numa
perspectiva de caráter regional, identificaram o predomínio de pequenas empresas de
transporte, variando em ter havido “autônomos” que tenham empregado motoristas em seus
caminhões. Também associando terem sido majoritários na quantidade os motoristas
comissionados, compreendidos como os de Salário por Peça ou viagem realizada. Das
entrevistas também a indicação da baixa formalização quanto Carteira de Trabalho e ou CLT.
Bem como associar Salário por Tempo ou mensal e Trabalho formalizado com grandes
empresas de transporte.
Com a consideração de que no Brasil são nas pequenas e micro empresas os maiores
índices de Trabalho informal e em o Transporte rodoviário de cargas ter mantido em sua
composição uma grande fragmentação entre diversas empresas, com destaque as muitas
pequenas empresas, sugere-se sua formação histórica com elevados índices de informalidade
quanto aos contratos de Trabalho.
Notas Sobre a Produtividade do Trabalho
A bibliografia sobre o Transporte rodoviário de cargas traz uma perspectiva de que os
caminhoneiros empregados e os autônomos tem tido nas últimas décadas rendimentos
monetários ou salariais, mesmo que diferenciados entre ambos, situados entre os
trabalhadores brasileiros num patamar intermediário ou mediano. Moysés Moreira Santos
caracterizou o período dos anos 1992 e 2001 no conjunto dos trabalhadores do Transporte
24 O CARRETEIRO. Número 247, São Paulo: GG Editora de Publicações Técnicas Ltda, 1994, p. 32. 25 Entrevistas de Dilmair Antonio Poczwardowski em Fevereiro 2011, Marco André Finger, Flavio Santos de Freitas, Carlos Airton de Souza, Gilmar Reis Flores e Miguel Machado em Julho 2011 para Rafael A. Kapron.
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rodoviário de cargas do país como tendo um “rendimento médio”.26 Elias Marcelino da Rocha
identificou no seu estudo que naquele ano de 2007 cerca de 43% dos caminhoneiros recebiam
de 05 a 06 “salários mínimos”; e “mais de 6” “salários mínimos” cerca de 27% dos motoristas
entrevistados.
Tal “renda mediana” parece ser uma característica que permeia a História do Trabalho
dos caminhoneiros brasileiros. Situadas num longo prazo, como fazem Marco Aurélio
Bertolazzi e Ivani Rosa, sugerem que até os anos 1970 foi época dos melhores rendimentos da
profissão e de um rebaixamento desde os anos 1980 no país.27
No período entre 2001 e 2004 a “Jornada média semanal dos assalariados” nos setores
da economia da Indústria, Comércio e Serviços “em horas” variou entre 43 e 48 na região
metropolitana de São Paulo e entre 42 e 46 na região metropolitana de Porto Alegre.28 Em
relação a esta breve amostra das jornadas dos trabalhadores do país, foram mantidas jornadas
de Trabalho mais extensas aos caminhoneiros. Devem assim os caminhoneiros terem se
mantido acima de uma média do Tempo da Jornada de Trabalho do conjunto dos
trabalhadores brasileiros.
Também situando o trabalhar em que deve ter havido uma “renovação” da frota de
caminhões, além da sua expansão em quantidade no decorrer das décadas. Os anos 1970
tinham como os mais modernos caminhões as “carretas”, podendo transportar uma média de
vinte e sete toneladas por carga. A partir dos anos 1990 muitos caminhões foram sendo
substituídos pelos modelos “bitrem” ou “rodotrem” que podem transportar em uma mesma
viagem uma carga que antes era transportada em duas “carretas”.
E tal modernização, e dos caminhões em geral, também possibilitou viagens mais
rápidas com aumento médio da quilometragem percorrida por dia de Trabalho. Ou, numa
“renovação” da frota, pode ter influído em menores custos, seja do consumo de combustível
ou nos serviços de manutenção dos caminhões. Bem como oferta de um maior conforto ao
motorista nos caminhões. Todas essas condições como tendentes a serem de uma maior
Produtividade do Trabalho.
26 SANTOS, Moysés Moreira. Transporte rodoviário de cargas no Brasil: transportadoras e sindicalismo a partir dos anos 1990. 2007. 178 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Econômico) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, p. 61. 27 ROSA, Ivani. Trilhando caminhos e perseguindo sonhos: Histórias e memórias de caminhoneiros. 2006. 206 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais. 28 DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS (DIEESE). Anuário dos trabalhadores. 6. ed. São Paulo: 2005, p. 138.
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A “renda mediana” dos caminhoneiros tem de ser problematizada em relação ao
Tempo de Trabalho. Em comparação com a “Jornada média semanal dos assalariados” dos
três setores da economia brasileira de 2001 e 2004 ela pode ser considerada baixa.
Estritamente entre os Motoristas Empregados parece ter sido predominante a forma do
Salário por Peça, aquele que qualifica o motorista como “comissionado” por viagem. E parece
ter havido situação de que quanto maior a empresa de transportes de cargas ter havido maior
formalização do Trabalho ao regulamentado na CLT. E também que concentradas nessas
maiores empresas tem sido um Salário por Tempo ou mensal para os motoristas.
Considerando o mercado do Transporte rodoviário de cargas, na concorrência entre os
inúmeros empreendimentos, tendo grande incidência de pequenas empresas, ao lado de
poucas grandes empresas e dos caminhoneiros autônomos, sugere-se a ocorrência de alta
informalidade, marcada na não regulamentação segundo a CLT ou Carteira de Trabalho.
Salário por comissão induzindo competitividade entre os próprios caminhoneiros,
manutenção de Trabalho informal, intensa concorrência por cargas causando tendência de
rebaixamento dos preços dos fretes, que são os definidores dos salários pagos, bem como um
trabalho irregular condicionado pela oferta de cargas devem ser compreendidas como
aspectos da História desses profissionais. E também tais condicionantes como as formas
usadas pelos capitalistas do Transporte rodoviário de cargas para manter suas margens de
lucro a partir do Trabalho dos Motoristas de Caminhão.
Referências Bibliográficas
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ROCHA, Elias Marcelino da. DST e AIDS em região de fronteiras: um estudo como caminhoneiros no Estado de Rondônia. 2008. 149 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) – Programa de Pós-Graduação Convênio Centro-Oeste, Universidade de Brasília. ROSA, Ivani. Trilhando caminhos e perseguindo sonhos: Histórias e memórias de caminhoneiros. 2006. 206 f. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais.
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Recebido em Setembro de 2011 Aprovado em Outubro de 2011