7930 Tiago Fontoura de Souza a Nova Lei de Lavagem de Dinheiro - Uma Breve Analise Sobre as Principais Alteracoes e Aspectos Polemicos

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  • A NOVA LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO UMA BREVE ANLISE SOBRE AS PRINCIPAIS ALTERAES E ASPECTOS POLMICOS

    Tiago Fontoura de Souza1

    Resumo: Este artigo possui como objetivo analisar as principais alteraes trazidas pela Lei n. 12.683/2012, que deu nova redao Lei n. 9.613/1998, que dispe sobre o crime de lavagem de dinheiro e ocultao de bens, direitos e valores. Num primeiro momento, o estudo dirigido aos aspectos penais da Lei de Lavagem de Dinheiro. Depois, analisam-se os aspectos processuais penais da nova Lei de Lavagem de Dinheiro, e, por fim, as medidas administrativas de combate ao referido delito, pontuando-se as principais polmicas trazidas pelo novel diploma legal. Na elaborao deste artigo, utiliza-se, predominantemente, o mtodo indutivo. Palavras chave: Lavagem de Dinheiro. Aspectos penais. Aspectos processuais penais. Medidas administrativas de combate lavagem de dinheiro. Lei n. 12.683, de 09 de julho de 2012.

    Abstract: This article has the objective to analyze the main changes brought by the Law no. 12,683 /2012, which gave new wording to the Law no. 9,613 /1998, that rule about the crime of money laundering and concealment of assets, rights and values. At first, the study is directed to the criminal aspects of the Law of Money Laundering. Then, we analyze the procedural aspects of the new criminal law concerning money laundering, and, finally, the administrative measures to fight this crime, facing the main controversies brought by the new legislation. In the research of this article, we use the inductive method. Keywords: Money Laundering. Criminal aspects. Criminal Procedural aspects Administrative measures to fight money laundering. Law no. 12,683, July 09, 2012.

    Sumrio: Introduo. 1 Aspectos penais da Lei de Lavagem de Dinheiro. 1.1 Da caracterizao do crime de lavagem de dinheiro na viso do Supremo Tribunal Federal: reflexos da Ao Penal n 470 (Caso Mensalo). 1.2 Ampliao do rol de crimes antecedentes. 1.3 Dos crimes praticados por organizaes criminosas. 1.4 Delao premiada. 2 Aspectos processuais penais da Lei de Lavagem de Dinheiro. 2.1 Da alienao antecipada. Requisitos. Procedimento. 2.2 Dos atos sujeitos reserva de jurisdio: uma anlise crtica aos artigos 17-B e 17-D da Lei de Lavagem de Dinheiro. 3 Das medidas administrativas de combate lavagem de dinheiro. Concluso. Referncias bibliogrficas.

    Introduo

    Como resultado da expanso do combate lavagem de dinheiro, foi editada a Lei n. 12.683/2012, a qual trouxe inmeras alteraes Lei n. 9.613/98, a primeira lei a tratar do assunto no Brasil. Entre elas, pode-se destacar a supresso

    1 Graduado em Cincias Jurdicas e Sociais na Pontifcia Universidade Catlica do Rio

    Grande do Sul PUCRS (2005) e Procurador do Conselho Regional de Farmcia de Santa Catarina (2008).

  • do rol exaustivo de crimes antecedentes para a caracterizao do delito de lavagem de capitais, bem como a ampliao de agentes privados na colaborao s autoridades estatais na preveno e represso deste delito.

    O novo diploma legal visa a tornar mais eficiente o combate lavagem de dinheiro com vista a desarticular o crime organizado, na medida em que o capital que financia as atividades destes grupos criminosos oriundo desta espcie de delito.

    O crime de branqueamento de capitais objeto de preocupao da comunidade internacional, tanto que existem inmeros grupos de especialistas e de autoridades pblicas desenvolvendo instrumentos de preveno e represso prtica do crime em tela. Dentre eles, pode-se destacar o Grupo de Ao Financeira (GAFI).

    Inicialmente, a abordagem deste estudo ser em relao aos aspectos penais da Lei de Lavagem de Dinheiro, com enfoque nas principais modificaes do referido diploma legal, sem deixar, no entanto, de analisar as balizas do julgamento da Ao Penal n 470 (Caso Mensalo), levada a efeito pelo Supremo Tribunal Federal. Ainda que a referida ao penal tenha sido julgada com base na legislao anterior, inegvel o reflexo do posicionamento externado pela Suprema Corte neste julgamento acarretar na interpretao da nova Lei de Lavagem de Dinheiro.

    Outro tema igualmente relevante para fins de combate lavagem de dinheiro a definio de organizao criminosa no ordenamento jurdico brasileiro, destacando-se neste sentido os julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal sobre a questo no ano de 2012, bem como a edio da Lei n. 12.694/122.

    Ainda, apontar este estudo as principais modificaes no mbito processual penal que a nova Lei de Lavagem de Dinheiro trouxe ao ordenamento jurdico brasileiro, dando-se nfase ao instituto da alienao antecipada. Ser esboada tambm uma anlise crtica aos artigos 17-B e 17-D da Lei n. 9.613/98, inseridos pela Lei n. 12.683/2012, os quais permitem o acesso a dados cadastrais pela

    2 A Lei n. 12.694/12 dispe essencialmente sobre o processo e o julgamento colegiado em

    primeiro grau de jurisdio de crimes praticados por organizaes criminosas. O referido diploma legal foi editado com vista a evitar as ameaas a membros do Poder Judicirio e do Ministrio Pblico no exerccio de suas funes, fortalecendo o combate ao crime organizado.

  • autoridade policial e pelo Ministrio Pblico, bem como o afastamento de servidor pblico em caso de seu indiciamento em inqurito policial.

    Numa terceira etapa, ser objeto de anlise a ampliao das medidas administrativas de combate ao branqueamento de capitais, tais como o dever de colaborao dos profissionais liberais s autoridades estatais, especialmente a polmica em relao aos advogados, onde a questo se mostrou bastante acirrada.

    Assim, o objetivo deste trabalho demonstrar as alteraes mais importantes advindas da Lei n. 12.683/2012 e os seus principais pontos polmicos, no se descurando de uma anlise sob a tica constitucional, a qual deve pautar qualquer trabalho cientfico.

    1 Aspectos penais da Lei de Lavagem de Dinheiro

    Este primeiro ponto tem como escopo analisar os elementos caracterizadores do tipo penal de lavagem de dinheiro, bem como as causas de aumento e de diminuio de pena que foram alvo de alterao pela nova Lei de Lavagem de Dinheiro.

    A nova Lei de Lavagem de Dinheiro prev quatro comportamentos tpicos distintos, a saber: a) ocultao e dissimulao (caput); b) uso de meios para ocultao ou dissimulao (1); c) uso de bens, direitos e valores sujos na atividade econmica ou financeira (2, inciso I); e d) participao em entidade dirigida lavagem de dinheiro (2, inciso II).

    A lavagem de dinheiro prevista no caput do artigo 1 caracteriza-se pela ocultao, que nada mais que o encobrimento de bens, valores e direitos, por qualquer meio, com a finalidade de convert-los futuramente em ativos lcitos. a primeira fase da lavagem de dinheiro. A dissimulao, a seu turno, posterior ocultao e pertence segunda etapa do ciclo da lavagem de dinheiro, consistindo no movimento de distanciamento do bem da sua origem criminosa, dificultando-se o seu rastreamento. O caput do aludido dispositivo legal exige o mascaramento do valor ilcito sem o que no caracteriza o delito de lavagem de dinheiro.

  • O 1 do artigo 1 da Lei n. 9.613/98, de acordo com a redao dada pela Lei n. 12.683/2012, conforme Pierpaolo Bottini3, uma modalidade especial de ocultao ou dissimulao e a referncia expressa ao elemento volitivo apenas refora a sua existncia implcita no dispositivo anterior. A conduta do 2, inciso I, do mesmo dispositivo legal consuma-se com a mera utilizao dos bens de procedncia direta de infrao penal em atividade econmica ou financeira. O disposto no inciso II do pargrafo antes referido exige, para a sua configurao, que o agente simplesmente pertena a grupo que pratique, ainda que em carter secundrio e eventual, o crime de lavagem de dinheiro.

    O elemento subjetivo do tipo de lavagem de capitais no prescinde do dolo, havendo divergncia, tanto na doutrina quanto na jurisprudncia, a respeito da possibilidade da prtica do crime previsto no caput do artigo 1 mediante dolo eventual, o que, alis, foi objeto de intensa discusso no Supremo Tribunal Federal na Ao Penal n 470.

    1.1 Da caracterizao do crime de lavagem de dinheiro na viso do Supremo Tribunal Federal: reflexos da Ao Penal n 470 (Caso Mensalo)

    Sem sombra de dvida, o julgamento da Ao Penal n 470, notoriamente conhecida como o julgamento do mensalo, o caso mais paradigmtico da Suprema Corte em diversos aspectos, entre eles a caracterizao do crime de lavagem de dinheiro. Embora os fatos tenham ocorrido anteriormente alterao da Lei n. 9.613/98, os parmetros utilizados pelos Ministros do Excelso Pretrio neste julgamento nortearo a interpretao e a aplicao do novo diploma legal.

    O primeiro ponto a ser destacado deste julgamento refere-se ao item III da denncia formulada pela Procuradoria-Geral da Repblica, que tratava dos desvios de recursos pblicos para a conta dos rus integrantes do denominado ncleo publicitrio, vinculados aos contratos publicitrios das agncias dirigidas pelos rus Marcos Valrio Fernandes de Souza, Cristiano de Mello Paz e Cristiano de Mello Paz e Ramon Hollerbach Cardoso com a Cmara dos Deputados e com o Banco do Brasil.

    3 BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais:

    comentrios Lei 9.613/1998, com alteraes da Lei 12.683/2012/Pierpaolo Cruz Bottini, Gustavo Henrique Badar. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 106.

  • Nesta assentada, o relator do processo, Ministro Joaquim Barbosa, entendeu configurado o crime de lavagem de dinheiro, em relao ao acusado Joo Paulo Cunha, ento Presidente da Cmara dos Deputados, na medida em que o modus operandi por ele utilizado consistia em dissimular o recebimento de vantagem indevida em proveito particular, mediante mecanismos fraudulentos, margem do sistema bancrio oficial. Registrou, ainda, que o recebimento da vantagem indevida pela esposa do acusado no caracterizaria exaurimento do crime de corrupo passiva, porquanto o meio empregado para receber a propina se trataria de crime autnomo de lavagem de dinheiro, a atingir bem jurdico diverso4.

    A seu turno, o Ministro Revisor Ricardo Lewandowski absolveu o acusado Joo Paulo Cunha pela prtica do delito de lavagem de capitais, sob o fundamento de que este no tinha conhecimento dos crimes antecedentes a eventual lavagem, no se admitindo o dolo eventual para a configurao do delito em exame5.

    Em relao aos demais integrantes da Corte, sobreleva notar os votos proferidos pelos Ministros Rosa Weber e Celso de Melo. A Ministra Rosa Weber absolveu o acusado Joo Paulo Cunha, pois entendeu no comprovada a materialidade do delito em questo, na medida em que o recebimento da propina por terceiro no integrante do esquema criminoso seria mero exaurimento do delito de corrupo passiva. Apontou que a imputao simultnea ao mesmo ru do delito antecedente de lavagem configuraria hiptese possvel, dependendo da demonstrao de atos diversos e autnomos daquele que compe o delito antecedente. O Ministro Celso de Melo, por seu turno, sinalizou a possibilidade do cometimento do delito de lavagem de capitais mediante dolo eventual, notadamente quanto ao disposto no artigo 1 da Lei n. 9.613/98, estribando-se na teoria da cegueira deliberada ou da ignorncia deliberada6.

    Em sequncia ao julgamento, foi analisada novamente a temtica da lavagem de dinheiro no item VI da denncia apresentada pela Procuradoria-Geral da

    4 Disponvel em: .

    Acesso em: 16 jan. 2013. 5 Disponvel em: .

    Acesso em: 16 jan. 2013. 6 Disponvel em: .

    Acesso em: 16 jan. 2013.

  • Repblica, cujos fatos estavam vinculados ao esquema criminoso de compra de apoio parlamentar de partidos da base aliada para a aprovao de projetos de lei de interesse do governo, especialmente as reformas da previdncia e tributria.

    Em relao a este ponto, restou demonstrado que a Suprema Corte admitiu o dolo eventual para a caracterizao do delito de lavagem de capitais, sobretudo no tocante ao caput do artigo 1, como bem salientado no voto da Ministra Rosa Weber, conforme informativo de jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal n. 681, in verbis:

    [] Versou que haveria elementos para inferir que os acusados teriam agido dolosamente na prtica de lavagem de dinheiro, se no com dolo direto, ento com dolo eventual. Elucidou que o profissional da lavagem, contratado pelo autor do crime antecedente para realiz-la, adotaria, em geral, postura indiferente em relao procedncia criminosa dos bens envolvidos, e no raramente se recusaria a aprofundar o reconhecimento a respeito. Destarte, ponderou que no admitir o crime de lavagem com dolo eventual indicaria excluso da possibilidade de punio de formas mais graves desse delito, sendo, uma delas, a terceirizao profissional da lavagem. Asseverou no ser necessrio qualquer elemento subjetivo especial para reconhecer-se o dolo eventual, uma vez que isto decorreria da previso genrica do art. 18, I, do CP (Art. 18 - Diz-se o crime: ... I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo). Ressurtiu que essa interpretao respaldar-se-ia no item 40 da Exposio de Motivos 692/96, relativa a Lei 9.613/98 [Equipara o projeto, ainda, ao crime de lavagem de dinheiro a importao ou exportao de bens com valores inexatos (art. 1, 1, III). Nesta hiptese, como nas anteriores, exige o projeto que a conduta descrita tenha como objetivo a ocultao ou a dissimulao da utilizao de bens, direitos ou valores oriundos dos referidos crimes antecedentes. Exige o projeto, nesses casos, o dolo direto, admitindo o dolo eventual somente para a hiptese do caput do artigo] [...]7.

    O Ministro Marco Aurlio, quando do julgamento do item VII da denncia (suposta lavagem de dinheiro cometida por parte de membros do Partido dos Trabalhadores e do Ministro de Estado dos Transportes poca, com a finalidade de mascarar a origem, a natureza e os destinatrios finais de valores repassados pelo denominado ncleo publicitrio), apontou a sua preocupao diante do rumo seguido pelo Supremo Tribunal Federal quanto admisso do dolo eventual para a caracterizao do crime de lavagem de dinheiro8.

    7 Disponvel em: .

    Acesso em: 16 jan. 2013. 8 Disponvel em: .

    Acesso em: 16 jan. 2013.

  • vista do acima explicitado, foroso reconhecer que o Supremo Tribunal Federal admite a prtica do delito previsto no caput do artigo 1 da Lei n. 9.613/98 mediante dolo eventual, adotando a denominada teoria da cegueira ou da ignorncia deliberada. At o julgamento da Ao Penal 470 no havia na jurisprudncia do Excelso Pretrio precedente reconhecendo a possibilidade de dolo eventual no crime de branqueamento de capitais, o que, por certo, acarretar inevitveis reflexos na aplicao do novo diploma legal.

    No entanto, este entendimento do Supremo Tribunal Federal recebeu duras crticas, porquanto, ao reconhecer dolo eventual como suficiente para configurao do delito em tela, acabou alargando o conceito de lavagem de dinheiro. Este alargamento, aliado supresso do rol taxativo de crimes antecedentes trazidos pela novel legislao, tem causado preocupao aos operadores do direito, diante do iminente crescimento da prtica deste crime na vigncia da nova lei, o que poderia ocasionar, inclusive, a prpria inviabilizao das varas especializadas de combate lavagem de dinheiro.

    Outra questo de suma relevncia debatida na Ao Penal n 470 referiu-se ao momento da prtica do delito em comento, que no se confundiria com o exaurimento do delito antecedente. Neste aspecto, prevaleceu no Supremo Tribunal Federal que a simples ocultao ou dissimulao do recebimento de dinheiro de origem criminosa caracterizaria, por si s, o crime de lavagem de capitais. Igualmente, no tocante a este assunto, para muitos estudiosos no foi acertado o posicionamento firmado pela Suprema Corte, uma vez que identificaram que o Supremo Tribunal Federal antecipou o cometimento da lavagem para o momento da consumao do crime antecedente.

    Assim, se os critrios utilizados pelo Supremo Tribunal Federal neste julgamento foram acertados ou no, bem como as suas possveis consequncias sobre a nova lei, somente o tempo poder demonstrar.

    1.2 Da ampliao do rol de crimes antecedentes

    Antes do advento da Lei n. 12.683/2012, a legislao brasileira de combate lavagem de dinheiro era classificada como de segunda gerao, uma vez que

  • apresentava uma lista fechada de crimes antecedentes passveis de branqueamento9.

    Com a nova lei editada em julho de 2012 houve a supresso do rol taxativo de crimes antecedentes, admitindo-se, para fins de lavagem de capitais, qualquer infrao penal, assim entendidos no s os crimes previstos no Cdigo Penal e na legislao esparsa, como tambm as contravenes penais do Decreto-Lei n. 3.688/41. Desta forma, a legislao brasileira antilavagem tornou-se de terceira gerao, seguindo a tendncia mundial de ampliao da abrangncia da lavagem de dinheiro.

    Evidente tambm que a inteno do legislador com a ampliao do rol de antecedentes foi a de suprir a lacuna de punibilidade da lei anterior, que no admitia, por exemplo, que os produtos de crimes contra a ordem tributria e da contraveno penal do jogo do bicho, que estruturou uma forte organizao criminosa no Brasil, inclusive com ramificaes na prpria estrutura do Estado, pudessem ser objeto de lavagem. A referida alterao legal possibilitou ainda a lavagem de dinheiro em cadeia, o que o texto anterior no permitia, j que o crime em questo no figurava como antecedente.

    Contudo, o legislador brasileiro, ao extinguir o rol de crimes previstos nos incisos I a VII do artigo 1 da Lei n. 9.613/98, no agiu com razoabilidade, pois permitiu que toda e qualquer infrao penal, independentemente da sua extenso ou gravidade, pudesse ser antecedente de lavagem de dinheiro. No seguiu, risca, a recomendao n 01 do Grupo de Ao Financeira GAFI de que os pases que adotassem a tcnica da moldura penal, inclussem pelo menos, todos os crimes

    9 Art. 1 Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localizao, disposio, movimentao ou

    propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: I - de trfico ilcito de substncias entorpecentes ou drogas afins; II - de terrorismo; III - de contrabando ou trfico de armas, munies ou material destinado sua produo; IV - de extorso mediante seqestro; V - contra a Administrao Pblica, inclusive a exigncia, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condio ou preo para a prtica ou omisso de atos administrativos; VI - contra o sistema financeiro nacional; VII - praticado por organizao criminosa. Pena: recluso de trs a dez anos e multa.

  • qualificados como graves pelo seu direito interno ou as infraces punveis com pena de durao mxima superior a um ano de priso10.

    Assim, conforme o novo texto legal, todo e qualquer processo penal que tenha como objeto crime de cunho patrimonial trar a discusso sobre a destinao dos bens, valores e direitos de origem criminosa e a sua possvel lavagem, tal como o valor arrecadado em rifas no autorizadas pelo Poder Pblico.

    O principal resultado desta ampliao excessiva a banalizao da criminalizao da lavagem de capitais, que, na viso de Srgio Fernando Moro, citado por Mrcio Cavalcante11, pode ter duas consequncias negativas: o apenamento por crime de lavagem de dinheiro superior sano prevista ao crime antecedente e impedir que os recursos disponveis para preveno e represso sejam focados nos crimes de maior gravidade. Tal consequncia decorrente da ausncia de restrio de crimes antecedentes, alis, j havia sido aludida pelo Poder Executivo na exposio de motivos do projeto de lei da primeira proposta legislativa de criminalizao da lavagem de dinheiro no Brasil12.

    10 Disponvel em: . Acesso em: 14 jan. 2013. 11

    CAVALCANTE, Mrcio Andr Lopes. Comentrios Lei n. 12.683/2012, que alterou a Lei de Lavagem de Dinheiro. Dizer o Direito. Disponvel em: . Acesso em: 03 jan. 2013. 12

    [] Embora o narcotrfico seja a fonte principal das operaes de lavagem de dinheiro, no a nica vertente. Existem outros ilcitos, tambm de especial gravidade, que funcionam como crculos viciosos relativamente lavagem de dinheiro e ocultao de bens, direitos e valores. So eles o terrorismo, o contrabando e o trfico de armas, munies ou material destinado sua produo, a extorso mediante sequestro, os crimes praticados por organizao criminosa, contra a administrao pblica e contra o sistema financeiro nacional. Algumas dessas categorias tpicas, pela sua prpria natureza, pelas circunstncias de sua execuo e por caracterizarem formas evoludas de uma deliquncia internacional ou por manifestarem-se no panorama das graves ofensas ao direito penal domstico, compem a vasta gama da criminalidade dos respeitveis. Em relao a esses tipos de autores, a lavagem de dinheiro constitui no apenas a etapa de reproduo dos circuitos de ilicitudes como tambm, e principalmente, um meio para conservar o status social de muitos agentes. Assim, o projeto reserva o novo tipo penal a condutas relativas a bens, direitos ou valores oriundos, direta ou indiretamente, de crimes graves e com caractersticas transnacionais. O projeto, desta forma, mantm sob a gide do art. 180 do Cdigo Penal, que define o crime de receptao, as condutas que tenham por objeto a aquisio, o recebimento ou a ocultao, em proveito prprio ou alheio, de 'coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-f, a adquira, receba ou oculte. Fica, portanto, sob o comando desse dispositivo a grande variedade de ilcitos parasitrios de crimes contra o patrimnio. Sem esse critrio de interpretao, o projeto estaria massificando a criminalizao para abranger uma infinidade de crimes como antecedentes do tipo de lavagem ou de ocultao. Assim, o autor do furto de pequeno valor estaria realizando um dos tipos previstos no projeto se ocultasse o valor ou o convertesse em outro bem, como a compra de um relgio, por exemplo.

  • Para Pierpaolo Bottini13 seria mais adequado, do ponto de vista poltico-criminal, atrelar a conduta de branqueamento de capitais s condutas delituosas mais graves, podendo ser utilizado como critrio indicativo da gravidade da infrao o disposto no art. 2, b, da Conveno de Palermo (Decreto n. 5.015/2004)14.

    Desse modo, a interpretao mais coerente a que limita a aplicabilidade da nova lei s infraes penais mais graves, como corolrio do princpio da proporcionalidade como proibio de excesso, por se tratar de medida adequada, necessria e razovel aos fins pretendidos pela norma.

    1.3 Dos crimes praticados por organizaes criminosas

    A redao original da Lei n. 9.613/98 previa que a ocultao e a dissimulao de bens, direitos e valores oriundos de crimes praticados por organizaes criminosas caracterizava lavagem de dinheiro.

    O tema da organizao criminosa, luz do texto anterior, envolvia enorme celeuma doutrinria e jurisprudencial acerca da descrio tpica do referido instituto no ordenamento ptrio.

    A previso de crimes praticados por organizao criminosa como antecedente de lavagem de dinheiro e a ausncia de lei ordinria definindo crime organizado dividiu doutrina e jurisprudncia quanto tipicidade da lavagem de capitais decorrente de organizao criminosa. Alguns tericos defendiam a sua aplicabilidade diante do conceito inserido na Conveno de Palermo, enquanto outros sustentavam a inadmissibilidade do tipo penal pela falta de definio legal.

    []. 13

    BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentrios Lei 9.613/1998, com alteraes da Lei 12.683/2012/Pierpaolo Cruz Bottini, Gustavo Henrique Badar. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 83. 14

    Para efeitos da presente Conveno, entende-se por: [...] b) "Infrao grave" - ato que constitua infrao punvel com uma pena de privao de liberdade, cujo mximo no seja inferior a quatro anos ou com pena superior; [].

  • No ano de 2012, a questo restou definitivamente decidida pelo Supremo Tribunal Federal (HC n 96.007/SP15 e ADI n 4414/AL16), tendo a Suprema Corte deliberado que o conceito oferecido pela Conveno de Palermo no seria suficiente para definir organizao criminosa, ante a necessidade de lei em sentido formal e material para tal mister.

    Aparentemente, com a supresso do rol taxativo de crimes antecedentes, a divergncia antes referida no teria muita relevncia. Contudo, a Lei n. 12.683/2012 passou a considerar os crimes praticados por organizao criminosa como causa de aumento de pena, o que mantm em aberto a discusso em tela, mesmo diante da edio da Lei n. 12.694/2012. A referida lei dispe sobre o processo e julgamento colegiado de primeira instncia de crimes praticados por organizao criminosa, definindo-a no seu artigo 2:

    Para os efeitos desta Lei, considera-se organizao criminosa a associao, de 3 (trs) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela diviso de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prtica de crimes cuja pena mxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de carter transnacional.

    Pierpaolo Bottini17 entende que o conceito de crime organizado dado pela Lei n. 12.694/2012 restringe a sua aplicao para definir processo e procedimento, j que o direito penal veda a analogia in malam parte, impedindo a extenso desta figura jurdica para o mbito da lavagem de dinheiro.

    Essa assertiva corroborada pelo projeto de lei recm-aprovado na Cmara dos Deputados (Projeto de Lei n. 6.578/2009), que define organizao criminosa:

    Art. 1 Esta Lei define organizao criminosa e dispe sobre a investigao criminal, meios de obteno da prova, infraes penais correlatas e procedimento criminal a ser aplicado. 1 Considera-se organizao criminosa a associao de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela diviso de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prtica de infraes penais

    15 Disponvel em: < http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo670.htm>.

    Acesso em: 16 jan. 2013. 16

    Disponvel em: . Acesso em: 16 jan. 2013. 17

    BOTTINI, Pierpaolo Cruz. A organizao criminosa e a Lei de Lavagem de Dinheiro. Disponvel em: . Acesso em: 15 jan. 2013.

  • cujas penas mximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de carter transnacional.[]18.

    Como visto, a inteno do legislador com a edio da Lei n. 12.694/2012 foi apenas definir organizao criminosa para fins de processo e julgamento por colegiado de juzes de primeira instncia, como forma de assegurar a integridade fsica dos magistrados na conduo de feitos criminais que envolvam crime organizado, caso contrrio no haveria a necessidade de uma nova lei tratando do mesmo assunto.

    Destarte, vista do acima explicitado, conclui-se que o conceito de organizao criminosa permanece sem substrato legal, razo pela qual no haver como incidir a causa de aumento prevista no 4, in fine, do artigo 1 da Lei n. 9.613/98.

    1.4 Delao premiada

    A antiga redao do 5 do artigo 1 da Lei n. 9.613/98 estabelecia que o autor, coautor ou partcipe que colaborasse espontaneamente com as investigaes, prestando esclarecimentos que conduzissem apurao das infraes penais e de sua autoria ou a localizao dos bens, direitos ou valores, poderia ter a sua pena reduzida de um a dois teros, a ser cumprida em regime aberto, facultando-se ao juiz deixar de aplic-la ou substitu-la por pena restritiva de direitos.

    A Lei n. 12.683/2012, ao alterar o 5 do artigo 1 da Lei n. 9.613/98, ampliou a ocorrncia das hipteses de delao premiada nos crimes de lavagem de dinheiro. Isso porque, pela nova lei, quem colaborar espontaneamente com a investigao e prestar os esclarecimentos necessrios apurao das infraes penais, identificao dos agentes da lavagem do dinheiro ou localizao dos bens, direitos e valores objetos do crime, ser beneficiado, a qualquer tempo, com a reduo da pena, sua extino ou substituio por restritiva de direitos.

    18 Projeto de Lei n. 6.578/2009, Cmara dos Deputados. Originrio do Projeto de Lei do

    Senado n. 150/2006, de autoria do Senador Serys Slhessarenko - PT/MT. Ementa: Dispe sobre as organizaes criminosas, os meios de obteno da prova, o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei n 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Cdigo Penal; revoga a Lei n 9.034, de 3 de maio de 1995; e d outras providncias.

  • A principal alterao da lei reside, portanto, quanto ao momento da delao, uma vez que admite que o referido benefcio seja deferido pela autoridade judiciria, a qualquer tempo, o que torna vivel a sua aplicao, inclusive, durante a execuo criminal. Embora no haja limitao temporal para a aplicao da benesse, a colaborao deve ser til e eficaz para a investigao criminal, no servindo como prova para condenao de agente a delao de fatos j transitados em julgado, que resultaram na sua absolvio, ante a ausncia de permissivo legal autorizando reviso criminal em desfavor do acusado.

    Entretanto, entende-se que a referida lei perdeu a oportunidade de regulamentar outros pontos igualmente importantes, tais como o acesso do contedo do termo de delao pelos demais corrus e a participao do juiz na celebrao do acordo, deixando o legislador a desejar nestes aspectos.

    De qualquer sorte, a alterao trazida pelo novo diploma legal salutar, na medida em que disponibiliza maiores elementos s autoridades na aplicao do instituto da delao premiada, fortalecendo, assim, a represso do Estado lavagem de dinheiro.

    2 Aspectos processuais penais da Lei de Lavagem de Dinheiro

    Neste tpico, considerando as limitaes de abordagem deste trabalho cientfico, sero analisadas as principais mudanas da Lei n. 12.683/2012, no mbito processual penal, com especial nfase na alienao antecipada de bens, inovao trazida pelo diploma legal em comento. Tambm, sero alvo de discusso os artigos 17-B e 17-D da Lei de Lavagem de Dinheiro, os quais trazem em seus dispositivos temas bastante polmicos.

    2.1 Da alienao antecipada. Requisitos. Procedimento

    A alienao antecipada de bens, direitos e valores objeto de apreenso ou de medida assecuratria decretada pelo juiz constitui a principal inovao da nova Lei de Lavagem de Dinheiro, embora no seja novidade no ordenamento jurdico ptrio19. A precpua finalidade do instituto da alienao antecipada a preservao

    19 A Lei n. 11.343/2006 j tratava da alienao antecipada de bens e foi a grande inspirao

    do legislador para sua instituio no mbito da lavagem de dinheiro.

  • do valor do bem constrito, sendo as hipteses autorizadoras da medida esto previstas no artigo 4-A, 1, da Lei n. 9.613/98, de acordo com a redao dada pela Lei n. 12.683/2012.

    O juiz poder admitir a alienao antecipada quando os bens estiverem sujeitos deteriorao20 ou depreciao21 ou quando houver dificuldade para a sua manuteno. Gustavo Badar22 sinaliza que o conceito de alienao, porque o bem est sujeito 'a qualquer grau de deteriorao ou depreciao', amplssimo e necessita de interpretao restritiva. Mais uma vez, o novo texto legal dever ser lido em conformidade com o princpio da proporcionalidade, sob pena de todo e qualquer bem do acusado ser alienado antecipadamente.

    O pedido de alienao antecipada de bens pode ser formulado pelo Ministrio Pblico ou pela parte interessada (ru, terceiro de boa-f e ofendido), formando um incidente processual autuado em autos apartados.

    Nos termos do artigo 4-A, 1, da Lei de Lavagem de Dinheiro, o requerimento de alienao dever conter a relao de todos os demais bens, com a descrio e a especificao de cada um deles, e informaes sobre quem os detm e local onde se encontram. A redao deste dispositivo legal apresenta uma impropriedade tcnica decorrente do esquecimento do legislador, que no corrigiu o texto alterado pela Cmara dos Deputados. Na redao do projeto de lei de iniciativa do Senado Federal no havia a previso do instituto da alienao antecipada. Em trmite na Cmara dos Deputados, a Comisso de Constituio e Justia e a Comisso de Segurana Pblica e Crime Organizado apresentaram substitutivo, alterando o projeto de lei para incluir a alienao antecipada de bens oriundos de medidas assecuratrias, assim como a possibilidade de uso dos mesmos pelos rgos pblicos, tal como previsto na Lei n 11.343/2006. Todavia, na votao pelo Plenrio da Cmara dos Deputados, restou excluda a proposta de uso pelos rgos

    20 Ao ou efeito de deteriorar; estragar; sofrer transformao que corrompa a qualidade

    original. 21

    Menosprezo, perda de valor, ao de depreciar, desvalorizao. 22

    BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentrios Lei 9.613/1998, com alteraes da Lei 12.683/2012/Pierpaolo Cruz Bottini, Gustavo Henrique Badar. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 302.

  • pblicos, o que no foi corrigido pelo Senado Federal quando o texto voltou para a sua apreciao.

    Ao despachar o pedido, o juiz dever determinar a avaliao dos bens, intimando-se o Ministrio Pblico, sendo indispensvel, tambm, a intimao do acusado, em respeito aos princpios constitucionais da ampla defesa e do contraditrio, embora a lei assim no diga.

    Feita a avaliao e dirimidas eventuais divergncias sobre o laudo, o juiz, por sentena, homologar o valor atribudo aos bens e determinar, de imediato, a sua alienao mediante leilo ou prego, preferencialmente, por meio eletrnico, em valor no inferior a 75% (setenta e cinco por cento) da avaliao.

    O valor auferido ser depositado em conta judicial remunerada na Caixa Econmica Federal ou em instituio financeira pblica, nos processos de competncia da Justia Federal e da Justia do Distrito Federal; em instituio financeira designada em lei, preferencialmente pblica, de cada Estado ou, na sua ausncia, em instituio financeira pblica da Unio, nos processos de competncia da Justia Estadual. Os depsitos sero repassados pela instituio financeira depositria para a Conta nica do Tesouro Nacional, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, nos processos da Justia Federal e do Distrito Federal; para Conta nica de cada Estado, nos processos da Justia Estadual.

    Aps o trnsito em julgado da sentena proferida na ao penal, o valor do depsito ser incorporado definitivamente ao patrimnio da entidade pblica (Unio, Estados e Distrito Federal), no caso de condenao do ru. Por outro lado, ser devolvido o referido valor, acrescido da remunerao da conta judicial, na hiptese de absolvio ou de extino da punibilidade do acusado.

    Difere da regra do Cdigo de Processo Penal, de acordo com a redao dada pela Lei n. 12.694/2012, que estabelece que os bens devero ser alienados pelo valor fixado na avaliao judicial, podendo, apenas, no segundo leilo, ser vendido em valor no inferior a 80% (oitenta por cento) da avaliao. Alm disso, o valor depositado em conta judicial remunerada somente ser convertido em renda para Unio, Estados e Distrito Federal aps o trnsito em julgado da sentena, no

  • havendo qualquer repasse imediato de valores Conta nica do Tesouro Nacional ou do respectivo Estado.

    Por fim, sobreleva notar que o disposto nos 10, inciso II e 12, do artigo 4-A, da Lei n. 9.613/98, resqucio da impropriedade anteriormente apontada, tratando-se de regramento totalmente divorciado do contexto da nova lei, devendo ser desconsiderada em sua integralidade.

    2.2 Dos atos sujeitos reserva de jurisdio: uma anlise crtica aos artigos 17-B e 17-D da Lei de Lavagem de Dinheiro

    O postulado constitucional da reserva de jurisdio, conforme o Supremo Tribunal Federal, consiste em submeter a prtica de determinados atos, por fora de previso explcita no prprio texto da Constituio Federal, esfera nica de deciso do Poder Judicirio.

    Os artigos 17-B e 17-D da Lei n. 9.613/98, de acordo com a redao dada pela Lei n. 12.683/2012, so objeto de intensa discusso acadmica, mormente quanto constitucionalidade dos referidos dispositivos, porquanto no exigem a prvia autorizao judicial em hipteses de restrio a direitos fundamentais.

    O artigo 17-B da Lei de Lavagem de Dinheiro permite que, independentemente de ordem judicial, a autoridade policial e o Ministrio Pblico tenham acesso exclusivo a dados cadastrais referentes qualificao pessoal, filiao e endereo dos investigados, mantidos pela Justia Eleitoral, pelas concessionrias de servios pblicos de telefonia e de internet, pelas instituies financeiras e administradoras de carto de crdito.

    O buslis da questo se o acesso a dados cadastrais se inclui ou no no mbito de proteo privacidade e intimidade do cidado, matria sujeita reserva de jurisdio.

    Os dados cadastrais so informaes objetivas fornecidas pelo consumidor e armazenadas em banco de dados mantidos por pessoas jurdicas de direito privado, restringindo-se a nome completo, endereo, nmero da carteira de identidade, nmero de registro no cadastro de pessoas fsicas e nmero de telefone. Assim, os dados cadastrais no revelam quaisquer aspectos da vida privada e da

  • intimidade do cidado, no estando, desta forma, sujeitos a sigilo, viabilizando o seu acesso independentemente de deciso judicial.

    Por se tratar de norma restritiva de direitos fundamentais, no ser admitida interpretao extensiva ao dispositivo legal em tela, cabendo, desse modo, somente autoridade policial e ao Ministrio Pblico ter acesso exclusivamente a dados cadastrais relativos qualificao pessoal do investigado, tais como nome, nacionalidade, naturalidade, estado civil, profisso, nmero de carteira de identidade e nmero de registro no cadastro de pessoas fsicas da Receita Federal, alm da filiao e endereo. Fora disso, indispensvel a necessria ordem judicial para prosseguimento das investigaes.

    J o disposto no artigo 17-D da lei em comento autoriza o imediato afastamento de servidor pblico por mero indiciamento em inqurito policial por crime de lavagem de dinheiro, sendo manifesta a sua inconstitucionalidade, pois as medidas cautelares se inserem nos atos sujeitos apreciao exclusiva do Poder Judicirio.

    A suspenso temporria do exerccio do cargo deve ser fruto de ponderao pelo juiz, luz do princpio da proporcionalidade, no podendo a lei simplesmente atribui-la a ato da autoridade policial, que nem mesmo vincula o Ministrio Pblico. A irrazoabilidade da lei mostra-se mais evidente diante da medida cautelar de afastamento das funes pblicas, prevista no artigo 319, caput, inciso VI, do Cdigo de Processo Penal, acrescida pela Lei n. 12.403/2011, que mais consentnea com o Estado Democrtico de Direito.

    Ademais disso, ofende o princpio da presuno de inocncia, na medida em que equipara o investigado a pessoa j condenada por sentena transitada em julgado, impondo-lhe uma pena antecipada como efeito automtico do indiciamento, que no possui nenhuma funo relevante no processo penal moderno.

    3 Das medidas administrativas de combate lavagem de dinheiro

    Este ltimo tpico, em apertada sntese, buscar analisar as principais medidas relacionadas ao controle administrativo dos setores sensveis prtica de lavagem de dinheiro, especialmente o dever de colaborao dos advogados s

  • autoridades estatais.

    Destacam-se entre as novidades trazidas pela nova lei as referentes ampliao do rol de pessoas e atividades sujeitas ao dever de colaborao privada e das obrigaes administrativas impostas a estes sujeitos.

    Sem sombra de dvida, a alterao de maior polmica, no concernente s medidas administrativas de combate lavagem de capitais, o dever de comunicao dirigida aos profissionais liberais, mormente aos advogados. A discusso ora em comento inclusive objeto de ao direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederao Nacional das Profisses Liberais CNPL no Supremo Tribunal Federal (ADI n. 4841)23. A controvrsia reside na incompatibilidade existente entre o dever de sigilo profissional exigido dos profissionais liberais e o dever de colaborao privada imposta pela nova Lei de Lavagem de Dinheiro.

    O dissenso toma maiores propores em relao aos advogados, diante do tratamento diferenciado conferido a estes pela Constituio Federal, tendo a Ordem dos Advogados do Brasil OAB, em agosto de 2012, posicionando-se contrariamente aplicao da lei de lavagem de dinheiro24.

    A doutrina, quanto ao dever de comunicao imposto aos advogados, classificou a prestao de servios advocatcios em duas categorias: a) advogados de representao contenciosa; e b) advogados de operaes. O primeiro seria aquele que atuaria na defesa de seu cliente em processo contencioso judicial e extrajudicial ou que emitiria parecer jurdico para litgios judiciais ou extrajudiciais, enquanto o segundo seria aquele que orientaria o seu cliente em operaes financeiras, comerciais, tributrias ou similares, sem qualquer relao direta com litgio ou processo judicial. Assim, apenas os primeiros estariam exonerados do dever de comunicao s autoridades administrativas, o que, alis, tem sido essa a

    23 A ADI 4841 foi ajuizada, em 23/08/2012, pela Confederao Nacional das Profisses

    Liberais CNPL no Supremo Tribunal Federal. A referida ao tem como relator o Ministro Celso de Mello. 24

    O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil OAB salienta que a Constituio Federal (artigo 133) estabelece que o advogado imprescindvel Justia, profissional que materializa os princpios constitucionais da ampla defesa e do contraditrio, o que o impediria de agir como delator do seu cliente.

  • tendncia mundial no tratamento da questo25.

    Como visto, essa interpretao se afigura mais razovel e em conformidade com os ditames da Constituio Federal, uma vez que a advocacia, como funo essencial justia, no deve servir para o encobrimento da prtica de delitos.

    Concluso

    As alteraes trazidas pela nova Lei de Lavagem de Dinheiro acompanham o movimento mundial expansionista de combate ao branqueamento de capitais, principalmente quanto extino do rol exaustivo de crimes antecedentes e ampliao de pessoas e atividades sujeitas ao dever de colaborao privada, o que, inegavelmente, so medidas positivas para um efetivo combate lavagem de dinheiro. Sinale-se ainda que o novo diploma legal surgiu no contexto de um julgamento histrico do Supremo Tribunal Federal, que veio expandir o conceito de lavagem de dinheiro, com provveis reflexos sobre a sua aplicao.

    Todavia, o intrprete no pode se descurar de uma leitura sob a tica constitucional, sobretudo com base no princpio da proporcionalidade, a fim de prevenir a ocorrncia de iniquidades. Isso porque o legislador brasileiro no agiu com razoabilidade, na medida em que incluiu como antecedente de lavagem de dinheiro toda e qualquer infrao penal, que somada ao alargamento do conceito pelo Excelso Pretrio, banaliza a criminalizao do branqueamento de capitais. Tambm, as hipteses de alienao antecipada de bens, direitos e valores apresentaram-se demasiadamente alargadas, diante da vagueza e impreciso dos termos deteriorao e depreciao. Por fim, mostrou-se excessiva e no condizente com Estado Democrtico de Direito a medida de afastamento automtico de servidor pblico por mero indiciamento em inqurito policial, prevista no artigo 17-D da Lei de Lavagem de Dinheiro.

    25 Esse entendimento tambm adotado pela Corte Europeia de Direitos Humanos, que, em

    julgamento realizado em 06 de dezembro de 2012, validaram uma regulamentao da Ordem dos Advogados da Frana que obrigava os advogados a delatarem seus clientes caso suspeitassem que estes estivessem envolvidos em esquemas de lavagem de dinheiro, desde que o auxlio se limitasse a operaes financeiras praticadas fora dos tribunais. Os juzes da Corte Europeia afirmaram que, embora a relao entre cliente e advogado seja protegida pela Conveno Europeia de Direitos Humanos, a norma no absoluta, podendo ser afastada por lei em casos devidamente justificados. A Corte Europeia assinalou ainda que a confiana do cliente no seu advogado no estaria abalada com a edio da referida norma, poque o causdico estaria isento da obrigao de comunicar s autoridades em caso de defesa de seu constitudo em processo judicial.

  • Assim, para cumprir a sua finalidade sem violar os direitos e garantias fundamentais do cidado, a nova lei dever interpretada luz do princpio da proporcionalidade, para tornar-se um instrumento necessrio, adequado e razovel aos fins de preveno e represso lavagem de dinheiro.

    REFERNCIAS

    BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentrios Lei 9.613/1998, com alteraes da Lei 12.683/2012. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

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