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8º ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA POLÍTICA (ABCP) 01 a 04/08/2012, Gramado, RS Área Temática 11: Segurança Pública e Segurança Nacional 5ª Sessão: Polícia, Judiciários e Prisões Título do trabalho: Intervenção Profissional em Contexto Prisional Maria Raquel Lino de Freitas (PUC Minas)

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8º ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIÊNCIA POLÍTICA

(ABCP)

01 a 04/08/2012, Gramado, RS

Área Temática 11: Segurança Pública e Segurança Nacional

5ª Sessão: Polícia, Judiciários e Prisões

Título do trabalho: Intervenção Profissional em Contexto Prisional

Maria Raquel Lino de Freitas (PUC Minas)

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Intervenção Profissional em Contexto Prisional1

Maria Raquel Lino de Freitas2

Introdução

Com o objetivo de contribuir para o debate sobre o trabalho técnico em

presídios, discute-se a relação entre o processo punitivo e o trabalho

profissional no cotidiano de unidades prisionais do Estado de Minas Gerais. A

chave da discussão se define na relação entre o paradigma disciplinar e o

paradigma da garantia de direitos ao sujeito apenado.

O trabalho dos profissionais que integram a equipe técnica nos

presídios é orientado, formalmente, pelo paradigma legal e institucional da

defesa dos direitos de cidadania dos apenados, em conformidade com os

pressupostos da Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal – LEP), das Regras

Mínimas para Tratamento do Preso no Brasil (Resolução n.14, de 11 de

novembro de 1994, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária)

e de tantas outras referências nacionais e internacionais definidas na ótica da

garantia dos direitos humanos. Em unidades prisionais, o profissional técnico é

chamado a cumprir as exigências éticas e legais desse paradigma de direitos,

e, ao mesmo tempo, a exercer atividades instituídas na rotina do presídio,

respondendo ao conjunto de normas estabelecidas tanto internamente, como

pelas instituições externas que representam o Estado Penal. Exemplos disso

são os processos de perícia social, que incluem a elaboração de entrevistas,

laudos e pareceres, e também a participação em comissões técnicas de

avaliação disciplinar.

O problema se define a partir do reconhecimento de que o trabalho dos

técnicos, instrumentalizado por saberes construídos, tanto no campo oficial do

conhecimento, como nas experiências cotidianamente vividas, se inscreve na

contradição entre a demanda de funcionamento da instituição e a demanda

por ações estratégicas instituintes, na perspectiva interdisciplinar e

1 A pesquisa que subsidiou o presente trabalho contou com o financiamento do Fundo de Incentivo a

Pesquisa (FIP) pela PUC Minas. 2 Doutora em Política Social pela Universidade de Brasília (UnB), professora vinculada ao Departamento

de Serviço Social da PUC Minas. E-mail: [email protected]

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intersetorial, sob a orientação da garantia dos direitos de cidadania aos

sujeitos apenados.

A pesquisa se desenvolve com base em análises de registros de

experiências de técnicos que atuaram em unidades prisionais do Estado de

Minas Gerais, obtidos por meio eletrônico, em ambiente de fórum virtual

realizado no ano de 2009.3

As dimensões analíticas da pesquisa são definidas, principalmente,

com base nos estudos de Foucault (1991) sobre a função disciplinar da prisão,

tendo em vista o caráter ambíguo das mesmas, desde as Workhouses até às

unidades prisionais do século XXI; as relações de forças existentes entre

sociedade e Estado, a luz do modelo de Estado Ampliado elaborado por

Gramsci (1979); o paradigma da análise institucional proposto por Loureau

(1995) e as condições estruturais de funcionamento dos presídios como

Instituições Totais, dimensionadas por Goffman (1999).

As dimensões metodológicas se definem na proposta da dialética

histórico-estrutural, por se tratar de análises de condições objetivas e

subjetivas. Para lidar com a dimensão subjetiva da análise das experiências

vividas pelos técnicos, adotam-se a metodologia da intepretação elaborada

por Thompson (1990), denominada de “hermenêutica de profundidade” e a

orientação de Laurence Bardin (2003) para as análises de conteúdo. O eixo

principal da análise das falas dos sujeitos da pesquisa é a relação

contraditória e complementar sujeito/instituição, tendo em vista os paradigmas

metodológicos do trabalho social denominados por Faleiros (1997), de

“regulação” e de “articulação”.

O trabalho se estrutura em três partes. Na primeira, discutem-se os

principais enfoques dos autores que sustentam as dimensões analíticas e

metodológicas do objeto de estudo pretendido; a segunda parte, dividida em

três títulos, se orienta, respectivamente, pelas fases da Hermenêutica de

Profundidade, para a organização do tratamento e da análise dos dados, e, a

terceira e última parte, refere-se à conclusão geral da pesquisa.

3 A participação dos técnicos nos fóruns virtuais foi determinada por parte dos critérios de avaliação de

disciplinas que integraram Curso de Atualização que os sujeitos da pesquisa realizaram, denominado “Atendimento psicossocial para profissionais de estabelecimentos prisionais” oferecido pela PUC Minas Virtual em parceria com a Secretaria de Estado de Defesa Social (SEDS), com início em agosto de 2008 e término em julho de 2009, no qual a autora foi uma das professoras.

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1 Considerações analíticas e metodológicas

Parte-se do reconhecimento de que a questão do desenvolvimento da

pena e da reinserção do sujeito ao convívio em sociedade possui dimensão

social e política de maior complexidade do que aquela que a circunscreve ao

conjunto de instituições que integram o Estado Penal – polícia, tribunais e

sistema judiciário.

Nas últimas décadas, sobretudo a partir da institucionalização do

paradigma do Estado Democrático de Direito, o sistema prisional tem sido

abordado sob novos olhares. De modo interdisciplinar e intersetorial, as

políticas sociais vêm ganhando papel de destaque nas propostas de

prevenção da criminalidade, bem como nos processos de reintegração social

do egresso do sistema prisional. Nessa perspectiva, se reconhece que os

sistemas de assistência garantidos na Lei de Execução Penal (LEP), devem

ser desenvolvidos nos parâmetros da sociedade extramuro prisional.

Os vícios do paradigma autoritário, associado às condições estruturais

de funcionamento dos presídios como “instituições totais” (Goffman:1999),

tendem a desenvolver os serviços assistenciais de modo focado no delito e na

utilização de regras de controle disciplinar, colocando a segurança em

primeiro lugar. No campo da contradição entre os interesses do capital e do

trabalho, o saber e o fazer profissional adotam, simultaneamente, dois

paradigmas metodológicos do trabalho social, denominados por Faleiros

(1997) de “regulação” e de “articulação”. Segundo esse autor, o primeiro se

situa no nível da prática e combina a relação problema-recurso com normas

institucionais preestabelecidas, tomando os problemas como regulagens que

podem ser reparadas por meio de mecanismos institucionais, enquanto o

segundo, em oposição ao primeiro, se situa na análise das relações

contraditórias para pensar-se um processo de articulação do trabalho social,

considerando que um problema apresentado pela população ou por um

sujeito, é expressão das relações sociais e não o resultado estático de uma

falha individual ou coletiva.

O caráter ambíguo da prisão tem na sua gênese, desde as

Workhouses até às unidades prisionais do século XXI, a convivência da

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estratégia punitiva e disciplinadora, com a perspectiva de inclusão. Contudo,

trata-se de uma inclusão compatível com o projeto da modernidade, onde a

força de trabalho deve tornar-se útil e dócil ao sistema produtivo

(FOUCAULT:1991).

Aos profissionais técnicos do sistema prisional, coloca-se o desafio de

adotar, por um lado, a metodologia da “articulação”, buscando a criação de

estratégias e técnicas voltadas para a materialização dos direitos,

posicionando-se a favor das oportunidades para aqueles que vivem do

trabalho ou dele são excluídos, localizando o problema da reintegração social

do sujeito apenado nas múltiplas expressões das relações sociais, e, por outro

lado, a metodologia da “regulação”, direcionada à legitimação das normas

institucionais preestabelecidas, utilizando-se dos mecanismos institucionais

para a manutenção da ordem disciplinar e contribuindo para o engendramento

do vicioso movimento da instituição como “um fim em si mesma”.

A compreensão do eixo de análise das falas dos sujeitos da pesquisa,

a relação contraditória sujeito/instituição, é construída no âmbito da relação

sociedade/Estado. Com base na teoria gramsciana de Estado Ampliado, o

Estado repõe a sociedade no plano político e é expressão desta,

estabelecendo uma profunda interação entre sociedade política e sociedade

civil. O problema do desenvolvimento da pena e da reintegração social do

sujeito egresso do sistema prisional é situado na articulação contraditória entre

a sociedade e o Estado, orientada pelos interesses do capital e do trabalho ou

das classes que vivem do trabalho.

As reflexões sobre o saber profissional levam em conta o

reconhecimento de que as instituições são locais de disputa de poderes, onde

o objeto da intervenção deve responder a um processo complexo de relações

sociais, onde se entrecruzam demandas políticas na área da assistência,

envolvendo o jogo de poder burocrático e pressões/submissões dos sujeitos

institucionalizados.

A metodologia da “articulação” é pensada na perspectiva do paradigma

de da correlação de forças (FALEIROS:1999). Este paradigma implica uma

ruptura com as visões clínica e tecnocrática, e também com a visão tecnicista

da sociedade que nega o papel do sujeito na transformação da sociedade.

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Considera-se a multiplicidade de relações sociais que fazem com que o

indivíduo exista socialmente. Há uma rede de relações, como uma trama, que

estrutura e perpassa umas às outras, reproduzindo relações de submissão na

família, no trabalho, nas relações de amizade e em tantas outras. Essas

relações são conflituosas, pois, implicam disputa de interesses econômicos,

de poder, de raça, etnias, gênero, e, por isso mesmo, são constituídas,

intrinsecamente, de forças instituintes de um novo modo de produzir a vida, os

bens e os seres humanos.

Na análise das instituições que constituem a rede de relações sociais,

busca-se compreender as relações entre os atores, internamente, mas

também, a relação destas com o contexto global de acumulação do capital e

de luta de classes. Sob a ótica das classes dominantes, o problema da

perturbação da ordem social é diminuído com o controle das instituições. Cita

Faleiros (1997:35): “Às vezes confunde-se o desaparecimento dos problemas

com a exclusão das pessoas do seu meio social. As prisões e certos

internamentos dão conta disso”.

No conjunto das considerações sobre a prática profissional dos

técnicos que atuam em estabelecimentos prisionais, leva-se em conta o poder

de punir da instituição, convivendo com a proposta de garantia dos direitos

humanos. Essa convivência articula-se na estrutura da sociedade capitalista,

com suas formas de produção de desigualdades, marginalização e

criminalidade.

A metodologia da interpretação elaborada por Thompson (1990),

denominada “hermenêutica de profundidade” é adotada, para lidar com a

dimensão subjetiva da análise das experiências vividas pelos profissionais,

pois, permite colocar em evidência o objeto de análise como construções

simbólicas, numa dimensão crítica, com atenção voltada para as relações de

dominação.

A primeira fase da hermenêutica de profundidade, denominada de

análise sócio-histórica, consiste em identificar o lugar da fala dos sujeitos da

pesquisa: 54 (cinquenta e quatro) profissionais que participaram dos debates

acadêmicos em fóruns virtuais, vinculados a 24 (vinte e quatro) unidades

prisionais distribuídas em 19 (dezenove) municípios do Estado de Minas

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Gerais. Realiza-se uma sistematização das informações que caracterizam os

sujeitos e as instituições nas quais estão vinculados, com vistas à construção

do lugar de referência, onde se elaboram as impressões sobre a experiência

vivida do trabalho dos técnicos em presídios. Para esta fase, são utilizados

dados registrados nos arquivos da PUC Minas Virtual, quais sejam: sexo,

idade, formação profissional e instituição em que trabalha, e também,

informações disponibilizadas no sitio virtual da SEDS, para classificação das

unidades prisionais que compõem a amostragem da pesquisa.

A segunda fase da hermenêutica de profundidade, denominada formal

ou discursiva, é constituída de uma pré-análise e da exploração do material. O

trabalho se inicia com a leitura dos textos que configuraram o debate

acadêmico, postados no fórum virtual. Elabora-se o corpus da análise,

organizado em colunas, com agrupamentos de vestígios comunicacionais4, as

expressões relacionadas a noções de: 1) dificuldades; 2) faltas; 3)

expectativas, e; 4) Incentivos. Nessa fase, é possível elaborar as hipóteses-

guias, que seguem desenvolvendo-se e guiando as fases seguintes da

análise. Segundo os estudos de Gobo (2005), as hipóteses-guias não se

apresentam como uma afirmação de natureza conjectural. Como o próprio

nome diz, essas hipóteses servem como guias para as fases futuras,

desenvolvendo uma perspectiva heurística durante as fases da análise de

conteúdo.

A terceira fase da hermenêutica de profundidade, denominada

interpretação/reinterpretação, é também compreendida como tratamento dos

resultados e interpretação, realizado por meio dos registros das falas. À luz

das hipóteses guias e das categorias: dificuldades, faltas, expectativas e

incentivos, organizadas na fase anterior, e com referência no eixo de análise

sujeito/instituição, a interpretação de expressões dos técnicos, ilustram os

principais pontos que direcionam as notas conclusivas da pesquisa.

As análises que correlacionam dados identificadores de nomes de

profissionais, municípios, unidades prisionais e formação profissional, não são

explicitados para garantir o anonimato dos sujeitos da pesquisa e das

4 Termo utilizado por Laurence Bardin (2003), para designar as expressões mais significativas das falas

dos sujeitos da pesquisa, permitindo organizar os núcleos do debate em categorias de análise.

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respectivas instituições a elas vinculados. Para organizar as citações dos

profissionais, será utilizada a sigla P, seguida de numeração correspondente à

atribuição designada pelos pesquisadores ao material sigiloso. Da mesma

forma, para organizar as citações nos ambientes institucionais específicos,

será utilizada a sigla UP, seguida da numeração correspondente. Assim, ao

final de uma citação, é acrescida uma identificação, como por exemplo: UP11

– P2.

Em toda a pesquisa, o método da análise qualitativa é adotado com

predominância sobre o quantitativo. Caudatário das metodologias

quantitativas, ao mesmo tempo em que se apresenta como alternativa às

limitações apresentadas por essas, o método qualitativo também apresenta

suas limitações. Não obstante as possibilidades de gerar interessantes

hipóteses e permitir uma compreensão mais profunda dos problemas, o

método qualitativo impõe ao pesquisador o desafio de tramitar no limbo entre

a liberdade da criatividade e o imperativo da objetividade intrínseco ao método

científico. De acordo com Thompson (1990), a análise formal ou discursiva

não abole uma construção criativa do significado, ou seja, de uma

interpretação explicativa do que está sendo dito. Assim, o processo de

interpretação é simultaneamente um processo de reinterpretação.

Importa destacar considerações sobre as limitações e os desafios do

método qualitativo em ciências sociais, e, sobretudo, destacar limitações

específicas da metodologia adotada nessa pesquisa, tendo em vista dois

aspectos essenciais: em primeiro lugar, o cerceamento da espontaneidade

das expressões dos sujeitos da pesquisa pelo determinante do critério

avaliativo das disciplinas, sendo a participação dos mesmos, nos fóruns

virtuais, condição para obtenção de parte da pontuação necessária para

aprovação nas disciplinas do Curso de Atualização no qual se matricularam, e,

em segundo lugar, o reconhecimento do pesquisador sobre a possibilidade e a

importância da sistematização das expressões dos alunos do Curso, em

momento posterior à definição da questão chave que norteou todo o debate,

limitando assim, a condição de fomentar debates com base em categorias

previamente definidas em instrumentais de coleta de dados.

Não obstante, a sistematização das falas dos técnicos, por meio do

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método qualitativo, com base em textos registrados no fórum virtual, se

apresenta como uma oportunidade de reflexões significativas, tendo em vista

a expressão da amostragem delineada ao final do Curso: 54 (cinquenta e

quatro) profissionais em 24 (vinte e quatro) unidades prisionais distribuídas em

19 (dezenove) municípios do Estado de Minas Gerais. Por fim, importa

destacar o traço exploratório que essa investigação assume, uma vez que

possibilita a delimitação de outros problemas a partir das conclusões

apresentadas tanto durante o processo de análise, como ao final da pesquisa.

2 Tratamento e análise dos dados

Organizam-se, nessa parte, as três fases de tratamento e análise dos

dados, apresentadas na parte anterior. A primeira se refere a identificação do

lugar da fala, por meio da caracterização dos sujeitos da pesquisa e das

instituições que constituem a amostragem. A segunda apresenta a

organização das categorias de análise e as hipóteses-guia. A outra fase

consiste na ilustração e interpretação/reinterpretação das fases anteriores,

com base em citações de falas dos profissionais, tendo como eixo de análise

principal a relação contraditória sujeito/instituição, na perspectiva das

metodologias do trabalho social de “regulação” e de “articulação”.

2.1 Sobre os sujeitos da pesquisa e as unidades prisionais: o lugar da fala

A grande maioria dos sujeitos pertence ao gênero feminino,

correspondendo a 94% do total. A faixa etária varia de 23 a 69 anos, havendo

predominância na faixa de 23 a 48 anos (80% do total), distribuídas com

pouca variação entre as faixas etárias de 23 a 30 anos (30% do total), 31 a 38

anos (24% do total) e 39 a 48 (26% do total). A faixa de tempo de trabalho na

unidade prisional é predominantemente de 01 a 02 anos (35% do total),

seguidas das faixas de tempo de 07 a 12 anos (26% do total) e de 13 a 06

anos (22% do total). A formação dos sujeitos demonstra predominância do

equilíbrio da formação entre Serviço Social (48% do total) e Psicologia (46%

do total), e uma minoria em Direito, Letras e Terapia Ocupacional,

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correspondendo, a soma destas últimas, a 6% do total.

Os gráficos seguintes ilustram as características dos sujeitos da

pesquisa acima comentados, como se pode observar:

Para caracterizar as unidades prisionais que constituem a

amostragem da pesquisa, toma-se como referência a Lei Delegada 117/07, de

25 de fevereiro de 2007, que dispõe sobre a estrutura orgânica básica da

Secretaria de Estado de Defesa Social–SEDS. Assim, as instituições nas

quais os sujeitos da pesquisa se vinculam profissionalmente apresentam-se

conforme a Tabela seguinte:

3

51

Gênero

Masculino Feminino

16

13

14

7

2

2

Faixa etária

23 a 30 anos

31 a 38 anos

39 a 48 anos

49 a 59 anos

60 a 69 anos

N/A

25

26

1

1

1

Formação

Psicologia

Serviço Social

Direito

Letras

Terapiaocupacional

1

19

12

14

2 4 2

Tempo de Trabalho na Instituição

menos de 1 ano

De 1 a 2 anos

De 3 a 6 anos

De 7 a 12 anos

De 13 a 20 anos

De 21 a 30 anos

Mais de 30 anos

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Tabela 5 – Quantificação das Unidades Prisionais por classificação

Pequeno Porte

Capacidade para até 99

presos

Médio Porte Capacidade

entre 100 e 799 presos

Grande Porte Capacidade a partir de 800

presos

Perícia e Atendimento

Médico

Integra a Estrutura

Administrativa Central

Total

02 12 07 01 02 24

Observa-se que a maioria das instituições que representam o

ambiente do lugar da fala dos técnicos são as unidades prisionais de médio

porte, correspondendo a 50%, seguida das unidades prisionais de grande

porte, correspondendo a 29%, sendo que as demais, somadas, constituem

21% do total.

De um modo geral, nas características dos sujeitos da pesquisa

observamos a predominância dos seguintes aspectos no lugar da fala: público

feminino, com formação quase equilibrada entre Psicologia e Serviço Social,

na faixa etária de 23 a 48 anos, com discreta predominância da faixa de 23 a

30 anos, com experiência de trabalho na instituição entre 01 a 12 anos, nesta,

predominando o tempo de 0 a 01 ano. Nas características das instituições que

indicam o ambiente de referência das falas dos sujeitos, observamos a

presença majoritária das unidades prisionais de médio e de grande porte, com

capacidade para receber, respectivamente, entre 100 e 799 presos e mais de

800 presos.

Tendo em vista o necessário cuidado em preservar o sigilo da

identidade profissional e pessoal dos técnicos, não se relaciona a quantidade

de sujeitos às classificações das instituições, considerando a evidência do

menor numero daquelas de pequeno porte e de perícia e atendimento médico.

Contudo, o corpus da pesquisa que subsidiou essa análise demonstra

significativo equilíbrio na relação entre a quantidade de sujeitos e a vinculação

dos mesmos à quantidade de unidades prisionais em suas classificações. A

exceção é observada nas instituições que integram a estrutura administrativa

central da SEDS, sendo que estas representam apenas 8% do total, e, a elas

se vinculam 12 sujeitos, correspondendo a 22% dos que integram a

amostragem total da pesquisa. Nas análises seguintes, importa levar em conta

que estes sujeitos representam um significativo sobrepeso no percentual de

expressões por meio de falas no fórum virtual, em relação aos demais. O

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vínculo profissional nas instituições que integram a estrutura administrativa

pode configurar um ambiente de experiência profissional onde se acessam e

se constroem saberes e informações diferenciadas do ambiente das unidades

prisionais, ainda que, entre estas e a estrutura administrativa existam relações

horizontalizadas de saberes e de experiências dos técnicos, convivendo com

as relações verticalizadas estabelecidas na estrutura hierárquica da SEDS.

2.2. Pré-análise: categorização e elaboração das hipóteses-guias

Esta fase do trabalho se estrutura com base na segunda fase da

metodologia da hermenêutica de profundidade, denominada por Thompson

(1990) de análise formal ou discursiva. É constituída da pré-análise dos dados

para a elaboração das categorias e das hipóteses-guia, que orientam a fase

seguinte.

A orientação para o debate colocada pela professora da disciplina

“Estratégias e Técnicas do Trabalho Social em Estabelecimentos Prisionais”,

que contou como um dos critérios de avaliação, a participação no fórum

virtual, foi a seguinte: “cada participante deve postar no Fórum Virtual, textos

e comentários orientados pelos seguintes tópicos: a) as condições de diálogo

dos técnicos com os atores integrantes das instituições que compõem as

redes de relações sociais dos presos, como família, trabalho, educação e

comunidade, e; b) o conjunto de técnicas do trabalho interprofissional até

então experimentado no ambiente prisional, considerado de maior relevância

estratégica para o objetivo da reintegração social.”

O debate ocorreu durante 16 dias, compreendidos no período de

22/06/2009 a 08/07/2009. Os textos postados apresentaram variações no que

se refere à objetividade das respostas em relação à orientação da professora

da disciplina. O debate seguiu, por um lado, distanciando-se das questões de

referência, e, por outro, aproximando-se de questões manifestas com base

em experiências e percepções cotidianas no ambiente de trabalho.

A partir de leituras dos textos postados no fórum virtual, identificam-se

unidades de significação básica ou temas e elaboram-se tabelas, agrupando

as expressões mais recorrentes, permitindo interpretações que resultam na

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elaboração das categorias de análise: 1) dificuldades; 2) faltas; 3)

expectativas, e; 4) incentivos. As unidades de significação básica ou temas

agrupam-se em subcategorias e se relacionam com as quatro categorias já

elaboradas, do modo como se apresentam nas tabelas seguintes:

Tabela 6

Categoria I – Dificuldades

Relação quantificada de subcategorias com unidades prisionais, profissionais e ocorrências

Subcategorias Unidades

Prisionais

Profissionais Ocorrências

1 Superlotação 05 08 08

2 Alta rotatividade dos presos 03 03 03

3 Burocratização e “tarefismo” 07 08 08

4 Sobreposição das regras disciplinares e de segurança aos direitos à assistência

08 10 10

5 Convivência entre os presos considerados de baixa e alta periculosidade

02 02 02

6 Conflitos de interesses entre instituições parceiras

04 04 04

7 Ambiente desumano (desrespeito à dignidade do preso)

03 03 03

8 Centralização do problema da criminalidade e do retorno à sociedade em uma única Secretaria

01 01 01

9 Utilização de drogas e de substâncias psicoativas pelos presos

02 03 03

10 Rotatividade de técnicos (contratos de trabalho temporários)

02 02 02

Tabela 7

Categoria II – Faltas

Relação quantificada de subcategorias com unidades prisionais, profissionais e ocorrências

Subcategorias Unidades

Prisionais

Profissionais Ocorrências

1 Infraestrutura adequada 02 02 02

2 Melhor proporcionalidade quantitativa entre preso e técnico

07 09 09

3 Melhor proporcionalidade quantitativa entre preso e agente de segurança

03 04 04

4 Apoio de instituições públicas para geração de oportunidades para o trabalho e outras formas de inclusão social

02 03 03

5 Preparação dos profissionais 04 05 05

Tabela 8

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Categoria III – Expectativas

Relação quantificada de subcategorias com unidades prisionais, profissionais e ocorrências

Subcategorias Unidades

Prisionais

Profissionais Ocorrências

1 Atendimento frequente, sistematizado e organizado

02 02 02

2 Atendimento à solicitação dos presos, além do PIR com criatividade do trabalho técnico

08 11 11

3 Capacitação dos técnicos 03 03 03

4 Ações interdisciplinares 07 07 07

5 Medidas preventivas e repressivas 02 02 02

6 Interação dos técnicos com a família 01 01 01

7 Fazer o melhor, acreditar na profissão e atuação com base no princípio na justiça social

02 02 02

8 Contextualização teórica e metodológica dos problemas

01 01 01

9 Intersetorialidade das ações públicas, com parcerias e resultados

07 09 09

10 Racionalidade gerencial 01 01 01

11 Melhores formas de trabalho do preso 01 01 01

12 Providências para documentação dos presos

01 01 01

13 Palestras e cursos para a população carcerária

02 02 02

14 Obtenção de “doações” para os presos 01 01 01

Tabela 9

Categoria IV – Incentivos

Relação quantificada de subcategorias com unidades prisionais, profissionais e ocorrências

Subcategorias Unidades

Prisionais

Profissionais Ocorrências

1 Aplicabilidade do PIR 02 02 02

2 Presença do técnico 02 02 02

3 Trabalho junto às famílias dos reeducandos

01 01 01

4 Trabalho social eficaz: documentação e acolhida aos presos e agendamento de exames complexos

01 01 01

5 Trabalho técnico em grupo 04 04 04

6 Trabalho com a equipe de agentes penitenciários

01 01 01

7 Boa relação da equipe técnica com outros integrantes da institição

01 01 01

8 Participação da Pastoral Carcerária 01 01 01

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No conjunto das quatro tabelas, observa-se uma coincidência quanto

ao numero de ocorrências de expressões de dificuldades e de expectativas,

sendo 44 em cada uma delas. Entretanto, a quantidade de subcategorias de

dificuldades é menor do que a de expectativas, sendo, respectivamente, 10 e

14. Isso demonstra maior condensação das percepções sobre dificuldades em

determinados aspectos, e maior dispersão das expressões de expectativas.

No campo das dificuldades a subcategoria que mais se destacou foi a

sobreposição das regras disciplinares e de segurança aos direitos à

assistência, com 10 ocorrências de profissionais vinculados a 8 unidades

prisionais, seguida das subcategorias burocratização e “tarefismo”, com 8

ocorrências em 7 unidades prisionais e superlotação, com 8 ocorrências em 5

unidades prisionais. A soma das ocorrências dessas três subcategorias

corresponde a 59%, em um universo de 10 subcategorias. Essa observação

aponta nítida dificuldade dos técnicos em relação ao imperativo disciplinar e

ao excesso de tarefas, associado ao problema da superlotação.

As noções de dificuldades se relacionam e se complementam às de

faltas, e ao mesmo tempo se diferenciam, considerando que as primeiras se

relacionam aos aspectos qualitativos dos problemas, enquanto as segundas

se referem, em boa medida, a faltas materiais, destacando aspectos

quantitativos dos problemas. Na categoria faltas destacam-se aspectos

relacionados à falta de investimento na infraestrutura, nas relações

interinstitucionais e na capacitação profissional, destacando-se a

subcategoria de falta de melhor proporcionalidade quantitativa entre preso e

técnico, com 9 ocorrências em 7 unidades prisionais, seguida das

subcategorias de falta de preparação dos profissionais e melhor

proporcionalidade quantitativa entre preso e agente de segurança.

Interessante observação é a relação nítida entre a subcategoria de

conflitos de interesses com instituições parceiras, no campo das dificuldades,

com 4 ocorrências em 4 unidades prisionais e a subcategoria no campo das

faltas de apoio de instituições públicas para geração de oportunidades para o

trabalho e outras formas de inclusão social, com 3 ocorrências em 2

unidades prisionais. Tendo em vista que as ocorrências originaram de

expressões de técnicos e de suas respectivas unidades prisionais não

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coincidentes, uma subcategoria soma-se a outra, reforçando a percepção de

ausência de relações de apoio interinstitucional ao trabalho técnico voltado

para as ações orientadas pelo paradigma dos direitos do preso, sobretudo os

de acesso às condições de preparação para o retorno a vida em sociedade,

por meio do trabalho e de outras formas.

Na mesma direção, a subcategoria que mais se destaca no campo das

expectativas é o de atendimento à solicitação dos presos além do Plano

Individual de Ressocialização (PIR), com criatividade do trabalho técnico, com

11 ocorrências em 8 unidades prisionais, seguida das subcategorias

intersetorialidade das ações públicas, com parcerias e resultados e ações

interdisciplinares. No universo de 44 ocorrências em 14 subcategorias, a

expectativa por ações criativas do trabalho técnico para além do PIR,

corresponde a 25% das ocorrências, seguida das expectativas de

intersetorialidade e de interdisciplinaridade, correspondendo a soma destas

duas a 36% do universo total.

Observa-se um forte traço da demanda por ações públicas externas à

instituição, buscando reforçar e criar incentivos por meio das relações

intersinstitucionais. Na atualidade, os mecanismos normativos e institucionais

de gestão das políticas públicas, sobretudo das políticas sociais, revestem-se

do discurso de intersetorialidade, interdisciplinaridade e territorialização,

associado a noções de participação social, inclusão e diminuição das

desigualdades, fundamentados no paradigma da garantia de direitos ao

cidadão. Do ponto de vista normativo, o cidadão apenado, sujeito de direitos e

ao mesmo tempo violador de direitos, é integrante do conjunto de

destinatários das políticas públicas, tendo em vista que a situação de

encarceramento limita os direitos civis e políticos do preso, mas não limita,

em tese, os seus direitos sociais. O princípio da universalização do acesso

às políticas sociais sustenta as propostas de gestão, fortalecendo o hiato

entre o formal e o real. Parece que as expressões dos técnicos se localizam

no campo dessa contradição, realçando as expectativas de materialização do

discurso formal e reclamando por melhores formas de gestão das políticas

públicas integrantes do sistema que engendra o desenvolvimento da pena.

Observa-se que a ênfase das expectativas está relacionada também às

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condições de trabalho técnico a partir de melhores estratégias de gestão dos

presídios, destacando o investimento em infraestrutura, capacitação

profissional e ampliação da rede de apoio interinstitucional no campo das

políticas públicas.

Embora a categoria incentivos apresente a menor quantidade de

ocorrências, importa observar que há reconhecimento pelo trabalho técnico

em grupo, sendo que nesta subcategoria houve 4 ocorrências em 4 unidades

prisionais. Importa também observar o reconhecimento da importância da

aplicabilidade do PIR, como um incentivo ao trabalho técnico, com 2

expressões em 2 unidades prisionais.

Outras reflexões podem ser feitas com base nas tabelas de categorias

e subcategorias, contudo, no cenário até aqui comentado, já se vislumbram

núcleos de problemas, apresentando-se como hipóteses-guia para referenciar

a interpretação das falas dos sujeitos da pesquisa na fase seguinte.

Refletindo sobre a sistematização das expressões dos técnicos, sem a

pretensão de abarcar as suas multidimensionalidades, observa-se a presença

de dois aspectos:

a) Um destacado sobrepeso do instituído disciplinar e burocrático,

associado a problemas de gestão, e;

b) Expectativas por melhores condições para propostas instituintes,

com destaque para as dimensões interdisciplinares e intersetoriais.

2.3.Interpretação/reinterpretação das falas dos sujeitos da pesquisa

O eixo de análise principal, a relação contraditória sujeito/instituição,

orienta os comentários sobre as citações das falas dos técnicos. As falas dos

sujeitos da pesquisa mesclam noções identificadas com as categorias

dificuldades, faltas, expectativas e incentivos, às vezes em uma única citação,

e, às vezes, em citações isoladas. Na maioria delas, observa-se a

conjugação entre categorias e subcategorias, tais como expectativas e

sugestões ou proposições para a melhoria das condições de trabalho.

O problema da sobreposição das regras disciplinares e de segurança

aos direitos à assistência é ilustrado a partir de alguns recortes de falas que

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apontam mais nitidamente a questão, como seguem as citações seguintes:

[...] O sistema penitenciário propriamente dito propõe alcançar três objetivos: punir, intimidar e recuperar. Punir significa castigar a tal ponto que cause temor, obtendo assim do preso um efeito intimidador. Logo, o caráter recuperador torna-se difícil de ser aplicado, dado que a penitenciária tem que atender a estas duas exigências: punição e intimidação [...] ( UP19- P29).

A citação anterior demonstra a percepção do técnico sobre a

contradição entre a institucionalização formal dos objetivos do sistema

penitenciário e a realidade vivida no cotidiano do presídio. O objetivo da

recuperação do indivíduo, à luz da experiência vivida do técnico na instituição,

é subtraído pelos imperativos disciplinares, como cita: punição e intimidação.

A disciplina é condição sine qua non para a vida da instituição, sobretudo, em

se tratando de presídio, enquanto a garantia ao conjunto de assistências ao

sujeito preso, tal como preconizado na LEP, é um processo instituinte, inscrito

em um conjunto de procedimentos que se exercem, para além do Estado

penal, no campo da gestão do sistema prisional, por meio de estratégias,

técnicas, e, sobretudo de um projeto coletivo de intervenção, interno e externo

ao presídio.

Nas próximas citações, observa-se, por um lado, noções de

dificuldades que se destacam pelos termos: normas de segurança, punição,

opressão, demonstração de poder, nos vemos pressionados, ficamos atados e

falta de atenção com os direitos dos presos, e, por outro lado, expectativas por

melhores condições, e reconhecimento por aspectos considerados positivos,

por meio de expressões tais como: ações interdisciplinares, relações de todos

os envolvidos no sistema carcerário, espaços de discussão, interesses dos

presos, mudanças rápidas e trabalho de maior qualidade para os

reeducandos.

O trabalho do núcleo psicossocial é limitado devido as normas de segurança nas unidades prisionais. Os aspectos positivos, com certeza, são as ações interdisciplinares. (UP08-P03) [...] O nosso objetivo é trabalhar a ressocialização, sendo contrário ao da segurança em que predomina a punição. (UP16-P40) [...] Como trabalhar cidadania em meio a tanta opressão é nosso desafio. Mas as relações de todos os envolvidos no sistema carcerário tem que ser levadas em conta também, precisam ser melhor trabalhadas. Sistema

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penitenciário = demonstração de poder, é difícil de trabalhar mas não é impossível quando buscamos meios de dialogar. (UP14-P44)

[...] nos vemos pressionados pelas questões de segurança e pela falta de atenção com os direitos dos presos. Temos que abrir espaços de discussão e propor atividades que levem em conta os interesses dos presos. (UP14- P44)

[...] Ficamos atados, sem muito o que fazer, pois basicamente todos os procedimentos para serem desenvolvidos dependem do setor de segurança para sua efetivação. Precisamos de mudanças rápidas diante dessa situação, para assim oferecermos um trabalho de maior qualidade para os reeducandos. (UP06- P20)

Problemas de superlotação e “tarefismo”, associados à cobrança

quantitativa do trabalho técnico, e à falta de melhor proporcionalidade entre

preso e técnico, caracterizam situações que destacam o sobrepeso do

instituído disciplinar e burocrático, associado a problemas de gestão do

sistema prisional. Nas falas dos técnicos, observa-se expressões de

dificuldades e também de sugestões para melhorias na rotina do trabalho,

demonstrando a relação sujeito/instituição no que se refere às noções de

dificuldades e de faltas, bem como às noções de expectativas e de

reconhecimentos por incentivos, como ilustram as citações seguintes:

[...] deve-se ter a padronização no atendimento, em todos os setores como a segurança, alimentação, atendimento (médico, psicológico, enfermagem e social). [...] Deve-se ter uma ampla rede de infraestrutura como telefone, internet, cadastro de todos os órgãos que prestam serviços públicos, como hospital, previdência, cartórios de registro civil e Poder judiciário. É justamente a dificuldade de acesso a estes órgãos que dificulta a eficiência e a eficácia no atendimento. Outra grande dificuldade é a falta de autonomia para executar certas intervenções, pois, sempre esbarramos na burocracia interna. Um outro aspecto é a questão da produtividade, pois, esta é contabilizada como se o serviço fosse uma ciência exata, ao invés de humana. Fato é que um bom serviço realizado se mede pelo alcance do atendimento, ou seja, se o problema apresentado pelo preso foi ou não sanado. (UP18-P24) Concordo que o profissional tem como obrigação, de acordo com a SEDS, o preenchimento de formulários padronizados mas acredito que esses servem de orientação para que o técnico crie suas estratégias, técnicas e instrumentos de intervenção [...](UP05 - P18)

[...[ A intervenção profissional é capaz de fazer diferença na vida do indivíduo preso. Mas, enfrentamos dificuldades no trabalho, problemas que limitam a intervenção e consequentemente, o resultado. A maior preocupação no sistema prisional são os resultados numéricos e não um bom atendimento, capaz de contribuir para a ressocialização do sujeito. (UP10- P24)

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O assistente social, inúmeras vezes, é tido pelas instituições como um gerenciador de recursos das mesmas, em função dos critérios, normas e itinerários por elas (instituições) estabelecidos... (...) mas seu trabalho vai muito além, que é relacionar, correlacionar, propor, acompanhar, avaliar e se implicar em trajetórias e estratégias, passando ser um aliado do cliente/usuário em vez de um gerenciador de recurso da instituição. (UP03- P36)

Reproduzem-se, no ambiente prisional, formas de desigualdade e de

exclusão social presentes nas relações sociais de dominação/subalternização

onde se insere boa parte dos sujeitos de direitos e também violadores de

direitos. A citação seguinte demonstra a percepção do técnico quanto a um

dos resultados da superlotação: a exclusão do sujeito preso das formas de

atendimento que lhes são garantidas constitucionalmente. Segue a citação:

[...] Acredito que a superlotação é um dos principais problemas do sistema prisional, especialmente na capital e região metropolitana. O que se sente é que o próprio trabalho de ressocialização é instrumento de exclusão nestes espaços, uma vez que nem todos os detentos conseguem ser atendidos pelos profissionais em função do quantitativo [...] (UP10-P35)

Ainda sobre questões relacionadas à gestão nos presídios, a citação

seguinte destaca aspectos considerados facilitadores e motivadores do

trabalho técnico, quando se conta com a figura de um diretor geral com uma

visão mais ampla e mais humana. O destaque para as estratégias que levam

a resultados positivos concentra-se, em boa medida, a investimentos nas

relações interpessoais e interprofissionais, em geral, naquelas que buscam

horizontalizar as relações de saber e de poder, por meio de atualização e

reciclagem de tudo que os agentes já sabem, dinâmicas e esclarecimentos.

Segue a citação:

[...] O fato de o diretor geral atual ter uma visão mais ampla e mais humana da situação dos presos e do trabalho psicossocial, facilita nossas tentativas de intervenção e nos motiva a estar procurando formas de sensibilização. Este trabalho está sendo realizado como forma de atualização e reciclagem, de tudo que os agentes já sabem, com palestras de todos os setores da unidade (segurança, inteligência, produção, escola, etc) e foi a partir daí que inserimos um roteiro de dinâmicas, esclarecimentos, relações interpessoais e interprofissionais, formas de reflexão, que tem tido resultados positivos. (UP10-P13)

A citação seguinte ilustra a percepção do técnico sobre a função social

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do presídio no contexto da relação contraditória onde o que está preconizado

legal e institucionalmente pelo Estado Democrático de Direito, convive com

formas históricas de manutenção e controle da ordem social. Na perspectiva

gramsciana, o Estado, ampliado pela sociedade em suas formas econômicas,

políticas, culturais e ideológicas, define um padrão hegemônico de relações

sociais onde o técnico é chamado a instrumentalizar-se dos seus saberes a

serviço da manutenção da estrutura institucional. As faltas relacionadas a

recursos escassos, associadas às dificuldades de relações com outros órgãos

e trocas com os profissionais de maneira fragmentada, em que pese

características de ingerência administrativa, constituem importantes

estratégias de manutenção e fortalecimento da instituição, em detrimento das

condições de acesso do sujeito preso ao conjunto de direitos assistenciais e a

oportunidades de preparação para o retorno à vida fora dos muros do presídio.

[...] O trabalho dentro das instituições vem sendo realizado, em minha opinião, para servir ao Estado, direcionado para classificações e perfis do preso. A ressocialização é um objetivo, porém, impossibilitado pelas condições econômicas, entraves políticos, etc...(...) Dentro da instituição que trabalho temos trabalhado e nos esforçado para esta rede de relações funcionar, mas esbarramos com vários entraves, desde a dificuldade de acesso a telefonemas a dificuldades em visitações e implementações de projetos, trabalhamos com recursos escassos, nossa rede relações com outros órgãos também é dificultada, porém a troca com os vários profissionais funciona, mas de maneira fragmentada. (UP11 –P23)

Na perspectiva da citação anterior, as seguintes, ilustram aspectos

relacionados a faltas, dificuldades, e também expressam expectativas por

meio de proposições de ações que podem vir a facilitar as condições de

atendimento ao sujeito preso, tais como: boa acolhida, registrar o nosso

trabalho de forma que outro profissional que nos seguir consiga acompanhar o

caso, a segurança perceber a utilidade de cada profissional, investimento na

capacitação dos profissionais e momentos de discussões entre as unidades.

Observa-se um conjunto de expressões que ilustram uma das hipóteses-guias

elaboradas na fase anterior: há um destacado sobrepeso do instituído

disciplinar e burocrático, associado a problemas de gestão. Seguem as

citações:

[...] o excesso de presos e o baixo numero de profissionais é uma constante e, a meu ver, prejudica demais o trabalho. Não contamos com ATJ (advogado), enfermeiro ou médico. Deslocando presos com suas escoltas,

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deslocamos também a segurança, de modo que não sobram agentes na unidade para fazer escoltas para os atendimentos internos. (...) Outra questão importante é a necessidade de realização de uma boa acolhida. É ela quem vai guiar todo o trabalho, que, como prevê a LEP, deve culminar no PIR. Na minha unidade não há ATJ, então não podemos fazer CTC. (...) Outra questão recorrente é a segurança, ou os limites que ela nos impõe. Os setores de segurança acreditam que uma das formas de garantir a segurança é a disciplina (...) as unidades prisionais são cheias de regras e limites que acabam também sendo impostos para nós, técnicos, e limitando os nossos atendimentos. (...) Acredito que devamos registrar o nosso trabalho de forma que outro profissional que nos seguir consiga acompanhar o caso. Isso muitas vezes não é feito...(...) Se a segurança for perguntada sobre as funções de cada técnico, acredito que só saberão responder satisfatoriamente qual é a função do advogado, do médico e do dentista. Acho que quando a segurança perceber a utilidade de cada profissional, vão reconhecer e valorizar nosso trabalho (...) (UP07- P02)

[...] Esta é uma dificuldade enfrentada pela área técnica: a padronização (...) o preenchimento do formulário é algo ainda falho. Não houve, em momento algum, desde que ingressei no sistema, algum tipo de treinamento (...) Há uma cobrança de produção e qualidade do trabalho sem que, a princípio, houvesse qualquer tipo de treinamento para tal. (UP18 - P07) Acredito ser fundamental investimento na capacitação dos profissionais (...) enfrentamos dificuldade no trabalho nas Comissões Discipllinares onde não há consenso os enquadramentos das faltas e não temos nenhuma capacitação para atuarmos, me sinto as vezes um juiz sem base para exercer a função, temos muitas divergências em relação aos enquadramentos no REDIPRI entre a área de segurança e psicossocial e que acredito que se tivéssemos momentos de discussões entre as unidades, entre os responsáveis, acredito que seria minimizado o problema. (UP12 – P51)

Sobre as noções dos técnicos que resultaram na elaboração da

hipótese-guia: expectativas por melhores condições para propostas

instituintes, com destaque para as dimensões interdisciplinares e

intersetoriais, as citações que seguem, ilustram, com base em expressões de

demandas por trabalho com múltiplos profissionais, suporte ao reeducando

dentro e fora da unidade, buscar outros recursos dentro da unidade e também

na comunidade para além do PIR, como se pode observar:

Não basta apenas aplicar aos detentos as determinações judiciárias de reclusão, é preciso que seja observado no preso seu comportamento, suas necessidades e seu desejo de mudança. É preciso analisar seus vínculos familiares e sociais, e, a partir de um estudo individual, propor meios para que haja a possibilidade de ressocialização. É um trabalho que necessita de múltiplos profissionais e que tenham os mesmos objetivos. (UP22-P47)

[...] A ressocialização necessita dar suporte ao reeducando dentro e fora da unidade. [...] (UP08- P19) [...] O PIR é uma metodologia que contribui para os resultados, contudo, deve-se buscar outros recursos dentro da unidade e também na comunidade para que possa efetivamente contribuir para a inserção do

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preso na sociedade, buscando parceria sna rede já instituída, já que o indivíduo faz parte de um contexto social. (UP19-P 37)

No que se refere à expectativa por maior liberdade de atendimento

para além do PIR, rejeitando o papel de tarefeiros, a fala de um dos técnicos

demanda por alternativas que sirvam como norteadores para o início do

trabalho com o preso, e não ao movimento da instituição como fim último,

como segue:

[...] Muitas vezes nos vemos nos sistema prisional “obrigados” a assumir um papel de tarefeiros, mas temos que ter claro que mesmo nesse momento temos autonomia para mudar, ir além. Com relação a isso, cita-se que os formulários do PIR, esses são padrões, contudo, devem servir como norteadores e não como fim último, são o direcionamento para o início do trabalho com o preso...[...] (UP05-P18)

Por fim, a citação seguinte remete a aspectos já comentados

anteriormente, condensa noções de faltas e dificuldades mais recorrentes nas

subcategorias de análise, realçando o problema da intersetorialidade, das

regras de segurança sobrepondo-se às de ressocialização, da falta de acesso

à comunicação, da superlotação, ou seja, ilustra um conjunto de problemas

que reconhece como semelhante à maioria das outras unidades, e finaliza

com a percepção de que há falta de uma gestão mais adequada ao sistema

prisional.

[...] o que posso acrescentar no debate é que a nossa realidade é bem semelhante à maioria das outras unidades. Os problemas decorrentes são, principalmente, de caráter intersetorial e desrespeito às regras institucionais, tanto no âmbito dos direitos e deveres do preso como no trato dos funcionários. Algumas dificuldades são citadas: interação entre segurança e ressocialização, onde as regras, na maioria das vezes são cumpridas apenas priorizando a segurança...(...); ressocialização e direção, percebo uma dificuldade de transmissão de fatos oficiais através de comunicados que cheguem eficazmente a todos da mesma forma; a superlotação, isso é desrespeitoso... (...) situações que, a meu ver, aparecem por falta de uma gestão mais adequada ao sistema prisional. (UP20- P12)

Com base nas análises, pode-se observar que as expressões dos

técnicos que subsidiaram as elaborações das hipóteses-guias apontam para

um conjunto de situações que convergem para um campo de problemas

localizado na contradição estrutural do sistema social, tendo em vista a

hegemonia de suas formas econômicas, políticas, culturais e ideológicas. Na

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perspectiva gramsciana, esse campo de problemas não se localiza acima nem

abaixo do Estado, mas nas relações sociais que constituem o cenário de

correlação de forças intrínsecas às formas que o Estado assume,

hegemonicamente, como um lugar de exercício de poder, e não o lugar do

poder.

O sistema prisional, desde a sua gênese, à época das Workhouses,

cumpre importante papel nos processos de recomposição da hegemonia do

capital, muito embora, já se reconheça, mundialmente, a “falência da pena de

prisão”, de acordo com os estudos de Bitencourt (2004). Na ótica do autor:

A história da prisão não é a da sua progressiva abolição, mas a de sua reforma. É um mal necessário mas com contradições insolúveis . Tendo em vista que dela ainda não podemos dispor, pelo menos devemos lutar pela sua progressiva humanização. E sempre que possível deve ser substituída. Tudo isso porque, dois séculos depois de seu acolhimento geral, constatou-se a sua mais absoluta falência em termos de prevenção. (...) Dentre tantas outras, a prisão entre nós é uma realidade absolutamente inconstitucional, visto que, pelo Texto Maior, “ninguém [deveria ser] submetido a tortura ou tratamento desumano ou degradante” (CF, art. 5º, inc.III). Aliás, o mesmo diploma constitucional proíbe as penas cruéis (inc.XLVII,e), assinala que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade, e o sexo do apenado” e assegura aos presos “o respeito a integridade física e moral”. (BITENCOURT, 2004:XVIII)

Importa reconhecer que o Estado Democrático de Direito, fundado nas

premissas da democracia, traz no seu bojo, a condição de possibilidades de

rupturas e de ações dentro do próprio Estado (Faleiros:2004). Tendo em vista

que o exercício do poder ocorre na teia das relações institucionais que

integram o sistema penitenciário, para além do Estado penal, é fundamental

refletir sobre estratégias e técnicas de exercício de poder profissional, para

construir a negatividade instituinte, visando “a transformação da correlação de

forças institucionais pela formação de uma aliança (...) entre técnicos e

profissionais (...). Trata-se de uma ruptura com a lealdade irrestrita à violência

institucional”. (FALEIROS:1997:44)

Adotar a metodologia da “articulação”, segundo Faleiros (1997),

combinando a relação problema-recurso com normas instituídas, tomando os

problemas como regulagens possíveis de reparo por meio de mecanismos

institucionais, requer uma equipe de profissionais interagindo de modo

interdisciplinar, articulando a rede de serviços que o Estado deve

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disponibilizar por meio das políticas sociais, de modo interno e externo aos

presídios, e, sobretudo, contar com uma equipe gestora verdadeiramente

comprometida com a lógica da democracia e da cidadania do sujeito de

direitos, que viola direitos e se encontra em situação de privação de

liberdade.

3 Conclusão

Muitas outras questões importam nesse ambiente de discussão,

entretanto, os dados disponíveis foram analisados de acordo com os

objetivos de elaboração do trabalho no porte que se propôs desenvolver.

As ideias conclusivas foram se definindo desde o momento da

elaboração das categorias e subcategorias de análises e as hipóteses-guias

que seguiram, de fato, guiando as interpretações/reinterpretações das falas

dos sujeitos da pesquisa.

Acredita-se que a maior parte das dificuldades e das faltas

identificadas no ambiente do trabalho técnico, não se define mais como uma

questão de pesquisa, e sim como um pressuposto, considerando resultados

de estudos e noticiários que retratam a realidade do sistema prisional

brasileiro, como um quadro de falência estrutural, associando problemas de

superlotação das celas com condições precárias de sobrevivência, ociosidade

e impunidade.

O ponto conclusivo de maior destaque parece ser a combinação entre

o reconhecimento, por parte dos técnicos, de problemas relacionados às

dificuldades e faltas estruturais, às expectativas de melhorias das condições

de trabalho por meio de ações intersetoriais e interdisciplinares, e também ao

reconhecimento de que a postura dos gestores é essencial para as mudanças

nos processos de trabalho e para a implementação da metodologia

denominada por Faleiros (1997) de “articulação”, onde o fortalecimento do

sujeito seja o objetivo primeiro na instituição prisional.

Tendo em vista o conjunto de atores sociais que se associam em prol

da defesa de direitos dos sujeitos apenados, como conselhos, organizações

governamentais e não governamentais, Poder Judiciário, com destaque para

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o Ministério Público, a par da rede de prestação de serviços públicos geridos

no modelo descentralizado, territorializado e participativo, abrem-se flancos

para futuras pesquisas a partir da sistematização dos dados aqui explorados.

4 Referências

BITENCOURT, C. R. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: Saraiva, 2004.

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