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DIMENSÕES DO COLETIVO NA ATIVIDADE DE TRABALHO DOS MOTOBOYS H http://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/906 Thiago Drumond Moraes I, HH , Milton Raimundo Cidreira de Athayde II I Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil II Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil RESUMO Políticas públicas brasileiras procuram reduzir a gravidade do quadro de acidentes de trabalho dos motoboys, priorizando dimensões individuais da pilotagem. Seus resultados são limitados por não contemplarem satisfatoriamente dimensões coletivas do trabalho e seus efeitos na profissão. Ademais, há carência de pesquisas neste campo. Para colaborar neste movimento de compreender↔transformar, objetivou-se verificar como o coletivo profissional vem se desenvolvendo no meio profissional dos motoboys. Orientada pela Ergologia, na pesquisa mobilizou-se vertentes clínicas do trabalho: Psicodinâmica do Trabalho e Clínica da Atividade. Observou-se a existência de coletivo profissional em formação, verificada por meio de saberes práticos, sistemas defensivos, linguagem profissional, valores e regras de ofício, que começam a ser elaborados e partilhados por esses trabalhadores. Porém, verificou-se que individualismo e baixa solidariedade entre pares vêm fragilizando esse coletivo, reduzindo sua capacidade de resposta às condições degradantes de trabalho. Entende-se incontornável seu fortalecimento no caminho do exercício profissional mais seguro. Palavras-chave: coletivo de trabalho; motoboy; acidentes de trabalho; segurança. DIMENSIONS OF THE COLLECTIVE ON MOTORCYCLE MESSENGERSWORK ACTIVITY ABSTRACT Brazilian Public Policies seek to reduce the severity of motorcycle messengers work accidents, prioritizing individual dimensions of piloting. Their results are limited by not satisfactorily consider collective dimensions of work and its effects on profession. Moreover, there is lack of research in this field. Cooperating to movement of understand↔transform, was aimed to verify how professional collective has been developing within motorcycle messengers’ professional milieu. Guided by Ergology, in the research were mobilized clinical approaches of work: H Artigo financiado pela FAPES/ES HH Endereço para correspondência: Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento. Av. Fernando Ferrari, nº 514 – Campus Universitário de Goiabe. 29075910. Vitória, ES, Brasil. E-mail: [email protected], [email protected]

906-6415-1-PB

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Dimensões do coletivo na atividadede trabalho dos motoboys

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  • Dimenses Do coletivo na ativiDaDeDe trabalho Dos motoboysH

    http://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/906

    Thiago Drumond MoraesI, HH, Milton Raimundo Cidreira de AthaydeIII Universidade Federal do Esprito Santo, Vitria, ES, Brasil

    II Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

    resumoPolticas pblicas brasileiras procuram reduzir a gravidade do quadro de acidentes de trabalho dos motoboys, priorizando dimenses individuais da pilotagem. Seus resultados so limitados por no contemplarem satisfatoriamente dimenses coletivas do trabalho e seus efeitos na profisso. Ademais, h carncia de pesquisas neste campo. Para colaborar neste movimento de compreendertransformar, objetivou-se verificar como o coletivo profissional vem se desenvolvendo no meio profissional dos motoboys. Orientada pela Ergologia, na pesquisa mobilizou-se vertentes clnicas do trabalho: Psicodinmica do Trabalho e Clnica da Atividade. Observou-se a existncia de coletivo profissional em formao, verificada por meio de saberes prticos, sistemas defensivos, linguagem profissional, valores e regras de ofcio, que comeam a ser elaborados e partilhados por esses trabalhadores. Porm, verificou-se que individualismo e baixa solidariedade entre pares vm fragilizando esse coletivo, reduzindo sua capacidade de resposta s condies degradantes de trabalho. Entende-se incontornvel seu fortalecimento no caminho do exerccio profissional mais seguro.

    Palavras-chave: coletivo de trabalho; motoboy; acidentes de trabalho; segurana.

    Dimensions of the collective on motorcycle messengers work activity

    abstractBrazilian Public Policies seek to reduce the severity of motorcycle messengers work accidents, prioritizing individual dimensions of piloting. Their results are limited by not satisfactorily consider collective dimensions of work and its effects on profession. Moreover, there is lack of research in this field. Cooperating to movement of understandtransform, was aimed to verify how professional collective has been developing within motorcycle messengers professional milieu. Guided by Ergology, in the research were mobilized clinical approaches of work: HArtigofinanciadopelaFAPES/ES

    HHEndereopara correspondncia:UniversidadeFederaldoEspritoSanto,CentrodeCinciasHumanaseNaturais,DepartamentodePsicologiaSocialedoDesenvolvimento.Av.FernandoFerrari,n514CampusUniversitriodeGoiabe.29075910.Vitria,ES,Brasil.E-mail: [email protected],[email protected]

  • Thiago Drumond Moraes; Milton Raimundo Cidreira de Athayde

    Psychodynamic of Work and Clinic of Activity. Was observed the existence of professional collective in formation, verified by practical knowledge, defensive systems, professional languages, values and rules of craft, which began to be produced and shared among workers. However, was found that individualism and low solidarity among peers undermine the works collective in formation, reducing its ability to respond to degrading working conditions. It is understood inevitable its strengthening to pursue safer professional practice.

    Keywords: work collective; motorcycle messenger; work accidents; security.

    introDuo

    Imprudncia,impercia,abuso,desrespeitosleisdetrnsitoeirresponsa-bilidadesoqualificativoscomunsquemarcamconversasinformaisereportagenssobreumanovamodalidadedetrabalho,cujosprotagonistassodenominados,noBrasil,motoboys.Nestecampodiscursivo,mesmoreconhecendoqueosmo-dosdeconduodessestrabalhadoresestejamrelacionadosaprazosrgidosdeentrega,sobrecargadetrabalhoouremuneraoporproduo,aresponsabiliza-opeloacidentefrequentementerecaisobreavtima,culpabilizando-a.

    Nosmbitosterico-tcnico,nacionaleinternacional,estudoscientficostm ampliado o escopo de anlise das relaes trnsito-acidente/colises paraalmdasdimensesindividuais,relacionando-asaumaamplagamadefatores,almdapersonalidade,taiscomotraosculturaisdeumapopulaooudesenhodasvias(PANICHI;WAGNER,2006;HOFFMANN,2005;WORLDHEALTHORGANIZATION,2004;MARN;QUEIROZ,2000).Contudo,omodocomoosacidenteseaproblemticageraldetrnsitovemsendotratadonoBrasilaindaseancoraemumalgicaesistemasindividualizantes:ocontroledotrfegofun-damentadoemsistemasdepunioindividualpormeiodemultas;sistemasdecontroledeveculosemtrnsito(radares,lombadaseletrnicas,sinalizao,etc.);propagandaseducativasquevisamimpactarmaisocomportamentodosconduto-resqueproblematizarasdimensesculturaisemtornodessescomportamentos.Trata-sedeumalgicadeatuaonocampodaprevenodeacidentesnome-adapelaPsicodinmicadoTrabalhoporpreventivismo(CRU;DEJOURS,1987;CRU,1995)quenotemlevado,aolongodotempo,inclusivenoBrasil,aumareduoefetivadoquadronocivo.Apesardeexistiremlegislaesqueprocuramampliaramargemde influnciae intervenoparaalmdoescopo individual(porexemplo,propagandasqueprocuramcolaborarparaproduziroutrosvaloressociais,comoasquereforamaescolhapelonoconsumodelcoolduranteaconduodeveculos),essasiniciativasparecemaindanoterobtidodesdobra-mentosempolticaspblicasesociaisnamesmaescaladospercebidosnocasodasdimensesmaisindividuaisdocomportamento.

    Podemossuporqueaspolticaspblicasdeprevenoaoacidentedetrn-sitocalcadasnafiguradocondutor individualizado(epersonificadodeformasmuitasvezesredutoraedesqualificante)sesustentamsobreumapremissabsi-ca:oscondutoresconduzemseusveculosquasesempreindividualmente(ainda

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    mais frequentementeno casodosmotoboys), exercendoumcontrole razovelsobreseumododeconduo.Decorreriadaoutrapremissamenosevidente:atransformaodocomportamentodoscondutoresestatreladasdimensescog-nitivas,tambmaindividuais,doprocessodeconduo.

    Semnegaraimportnciaerelativabasedetaispremissas,nosepodedeixar de considerar dois aspectos importantes ao analisar tais polticas dereduodeacidentes:

    dados do Sistema de Informao deMortalidade doMinistrioda Sade do Governo Brasileiro (SIM) revelam que o nmerodemortesenvolvendoacidentesde transportepareceno terdi-minudosignificativamentenosltimos10anos(em2001foramnotificadas31.026mortes relacionadasaacidentesde transporteterrestrenoSIM;em2010,foramnotificadas42.046mortes);

    ocomportamentoindividualrelaciona-seaumaamplagamadefa-toressociais,culturais,polticoseeconmicosquetornamaaosobreoindivduosemprelimitada.

    Quantoaesteltimoaspecto,aexperinciadaspolticaspblicasesociaisdeenfrentamentodaepidemiadaAIDS(SIDA)jdemonstraramoslimitesdosmodelosdeintervenocomfoconamudanadecomportamentoindividualparaconteroavanodaepidemia(PARKER,2000).Nessesentido,afirmamosque,apesardeimportantes,asdimensesindividuaisdocomportamentodoscondu-tores e suas consequncias nefastas, como o caso dos acidentes so in-suficientesparaexplicar,por si s,umfenmeno tocomplexoeas inmerasproblemticasaelerelacionadas,sendotambmfundamentalcompreenderasdi-mensescoletivas,culturais,sociaiseeconmico-polticasqueodeterminam.Nocasodotrabalho,sabe-sequeasdimensescoletivassetornamaindamaisestra-tgicas,sobretudopelassuasrelaescomasade(DEJOURS,2004)easegu-rananotrabalho(FIGUEIREDO;ATHAYDE,2005;CRU;DEJOURS,1987).

    sobreesteltimopressupostoquesepretendedefinirosobjetivosdesseartigo:namedidaemqueaspolticaspblicasfocadasunicamentenamobiliza-oindividualdosmotoboysparamodificaodeseuscomportamentosderiscopodemnosersuficientesparareduodosndicesdeacidentes,fundamentalcompreenderoutrasdimenses.Ofocoaquiestemalgunsdoselementoscole-tivos,sociais,culturaiseeconmico-polticosrelacionadosaoscomportamentosdessestrabalhadoresemsuarelaocomosprocessosquegarantamedesenvol-vamasadeeasegurananotrabalho.Apartirdesseselementos,talvezsete-nhamalgumaspistasquepermitamampliaroescopodeintervenodaspolticaspblicasesociaissobreotrabalhodosmotoboys.

    Pode parecer estranho, primeira vista, que se pense nas atividades detrabalhodosmotoboysapartirdedimensescoletivas:afinal,elespassamparteimportantedoseutempolaboralsozinhos,emcimadesuasmotos.Entretanto,considerandopesquisadoresqueafirmamocoletivodetrabalhocomoelementocrucialparaaproduodesabereseaesquerespondamscomplexasexign-

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    ciasdequalqueratividadeprofissionalhumana(CRU,1987a;ATHAYDE,1996;CLOT,2006;2010),percebe-seanecessidadedeseverificaredescrevercomoocoletivoprofissionalestpresenteevemsedesenvolvendonomeioprofissionaldosmotoboys.Parademonstrarcomosedoasrelaesentreosmodosdecon-duodostrabalhadoreseasdimensescoletivasdaprofisso,soutilizadososresultadosdeumapesquisarealizadacommotoboysdacidadedeVitria,estadodoEspritoSanto, localizadona regioSudeste doBrasil, durante os anos de2006e2007.Chegou-semesmoaidentificarduasregrasdeourodeumcoletivoprofissionalquesesupeestaremconstruo.

    a pesquisa

    Apesquisa1secaracterizoucomoexploratria,umavezquesetratavadeumaprimeiraaproximaodeumgrupoprofissionalatentomuitopoucoestudadonoPas.Orientada pela perspectiva ergolgica (SCHWARTZ, 2000; SCHWARTZ;DURRIVE,2010),apesquisafoiconduzidapormeiodevriastcnicasdiferentes,articuladas,entresi,apartirdessaorientaotico-epistemolgica,visandosempreanlisescoletivascoanlisesobreotrabalhodosmotoboys.Nestaperspectiva,oconhecimentodospesquisadoresnoconsideradoa priorisuficiente(exignciadehumildadeepistemolgica),propiciandoqueossaberesinvestidosdostrabalha-doresemsuasatividadestambmsejammobilizadosedesenvolvidosnarelaodialgicaecrticaqueentoseestabelece.Ouseja,entende-sequetaissaberessocruciaisnaproduodasanlises,buscando-seoenvolvimentoativodosprotago-nistasdotrabalhoemfoconoexerccioanalticopretendido.

    Asdiferentes tcnicasdepesquisautilizadasvisavamproduzir informa-esiniciaisquemobilizassemcontrovrsias,debateseanlisessobrediversosaspectosdasatividadesdetrabalho,nodilogosinrgicoentreosprotagonistasdotrabalhoemfoco(estimulando-sesuacuriosidadeinvestigativa)eosprofis-sionaisdepesquisa.AErgologiadenominaestetipodeconversaesencontrossobreotrabalho(DURRIVE,2010).Osdilogosnosencontrosforam,emgeral,provocadospelosprofissionaisdepesquisaapartirdasinformaesjproduzidasedisponveisnaliteraturapertinenteeporoutrastcnicasdepesquisa,comonasvisitasdestes,emgeralsemanais,aosdiversospontosdeesperadeserviodosmotoboys(determinadaspraasebecosdaregiocentraldacidade).Comotodavisita,estasenvolviamautorizaesetodoumconjuntoderegrasoriundadaAn-tropologiaeutilizadasemPsicologia(SATO;SOUZA,2001).

    Entre as tcnicasdeproduode informaoutilizadasparaprovocar acontrovrsia,asconfrontaesemobilizarosdebatesnosencontrossobreotra-balho,auxiliandoapromoverreflexescoletivassobreotrabalho,encontram-se:

    elaboraoeaplicaodequestionrio,quenosepretendeure-presentativodapopulao, eque serviucomo importante recur-soinicialparaintroduzirogrupodeprofissionaisdepesquisaemumconjuntodeaspectosdotrabalhodosmotoboysquepuderamsermelhor compreendidos e analisados, coletivamente,a poste-riori.Oquestionrio,visandooquestionamento(RAMMINGER;

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  • Dimenses do coletivo na atividade de trabalho dos motoboys

    ATHAYDE;BRITO,noprelo)continhaquestesdiversas sobreelementosecondiesde trabalho (jornada, ritmo, remuneraoetc.),bemcomosobreascaractersticasdostrabalhadores(idade,tempodetrabalho,situaoconjugaletc.),fornecendoumpanora-madessaprofisso,naquelemomentorelativamentedesconhecidapelogrupodepesquisadores;

    encontros sobre o trabalho com a participao de 50motoboysnumfimdesemanaemlocalnorelacionadoaotrabalho;

    conversas-entrevistas,queforamgravadasetranscritas,comosmoto-boysquesedispuseramadelasparticiparem,pelotempoquelheserapossvel,noslocaispreviamentedefinidosparaqueelasocorressem.Nototalde23,elasforamrealizadascomumoumaismotoboys;

    duastcnicasdepesquisadesenvolvidaspelacorrentedaClnicadoTrabalho(CLOT,2006;2010)autoconfrontaosimpleseasinstruesaossia,envolvendodoismotoboys.Ambastmcomoprincpio metodolgico a confrontao, criado pela ErgonomiadaAtividade (GURIN et al., 2001), originalmente francfona.Aautoconfrontaosimplesrefere-setcnicadeconversarcomotrabalhadorduranteomomentoemqueesteobservaumvdeofeitosobreeleematividadedetrabalho.Atcnicadasinstruesaossia foicriadana Itlianomesmoperodo(ODDONE;RE;BRIANTI,1981),consisteemproporaumtrabalhadorque ins-truaumcolega(supostamenteumssia)queosubstituirianodiaseguinte, gerando a produo de uma descrio crescentementepormenorizadadetudooquenecessriosaberparaqueossiasejacapazdesubstitu-losemprovocarsuspeitasentreparesehie-rarquiadequehouvetalsubstituio.Emambososcasossetratademtodosindiretosdepesquisa,visandoproduzirconhecimentosobreasatividadesdetrabalho.

    Asdiscussesapresentadasnesseartigoforambaseadaseminformaesproduzidasaolongodetodaapesquisa.Paraexploraresseconjuntodemateriaisutilizou-se uma modalidade analtica inspirada tanto na anlise hermenuticapropostaemPsicodinmicadoTrabalho(DEJOURS,2004),quantonaanlisedialgicabakthiniana,comodesenvolvidaporClot(2006)eFata(2005).

    Dimenses coletivas no trabalho

    Debatessobreasinflunciasdocoletivonosmodosdesetrabalharsoanti-goseremontam,pelomenos,sexperinciasdeMayonasfbricasdeHawthorne(ROBBINS;JUDGE;SOBRAL,2010)eaosclssicosestudosdeLewin(BAR-ROS,2009).Entretanto,osefeitosdasdimensescoletivasesuasrelaescomoprocessodesade-doenaeseguranaseencontramemdiscusso,propiciandoodesenvolvimentodevriasabordagensquepartilham,entreoutros,umvisclnico(BENDASSOLLI;SOBOLL,2010)nomododeapreenderaquesto.Napesquisa,

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    amaioresinflunciasforamaPsicodinmicadoTrabalhoeaClnicadaAtividade,comaorientaogeraldaErgologia.Nestalinhagembusca-searticularsinergica-menteossaberes-fazerdostrabalhadorespatrimonializadoemseuofcioeopro-cessosade-doenanotrabalho(nocasodestapesquisa,osacidentesdetrabalho).

    Oconceitodecoletivodetrabalhotemjumaimportantetradio,atuali-zadapelaErgonomiadaAtividadeepelaPsicodinmicadoTrabalho(ATHAY-DE, 1996), desenvolvida pela perspectiva ergolgica (SCHWARTZ, 2000).Pode-setambmdestacarotipodeconcepoapresentadapelaClnicadaAti-vidade(CLOT,2010)quedefinecoletivodetrabalhocomoumuniversodere-ferncia transpessoal, interpessoal e impessoal, desenvolvido emediado pelosparesououtrosatoresmaisoumenospresentesnoambientedo trabalho,queauxilia,acadaumeaogrupocomoumtodo,aenfrentarosimprevistosdotra-balhoqueemergememcadaatividade,emtodasassuasdimenses(linguageira,organizacional,social,instrumental,desenvolvimental,entreoutras).Umcoleti-vodetrabalhoestsemprerelacionadosatividadesdetrabalhoquecompemumofcioouprofisso,elenodependentederelaesafetivas,emboraestejasempremediadapor afetos; no est vinculadounicamente a relacionamentosinterpessoais, formais ou informais, apesar de ser construdo pormeio dessesrelacionamentos;sempreatravessadoporsistemasdeidentificao,partilhadevaloresedebatesdenormas,masnuncasedcasualmente,sendosempremo-bilizadopertinenteeestrategicamente,sejaparaseproduzirsistemasdeidenti-ficaopessoaleprofissional,sejaparasolucionarosentraves,asexigncias,asdemandasdastarefasedascondieseformasdeorganizaodotrabalho,sejaparapropiciarumainterpretaocomumentreasdiversascontribuiesindivi-duaisdostrabalhadoresaoslimitesdaorganizaoprescritadotrabalhoemumasituaoconcreta.Apresentaumadimensomaterial,representadaemprodutos,instrumentos,comportamentos,bemcomoimaterial,representadaporformasdepensar,apreender,sentiresemobilizaremdeterminadassituaeseumsistemaderegrasdeofcioqueorienta,delimita,limita,enomeiaasaeseusosdesinoespao,nahistria,comeentreosoutros,consigomesmoecomoobjetodetrabalho.concomitantementeao,memria,valoreselinguagem.

    Enfim,diferenadeabordarasrelaeshumanasouasrelaesinter-pessoais notrabalho,comesteconceitosedestacaoestudodopatrimniocoleti-vo,sempreemremanejamento,produzidoemtornodasrelaesdaspessoascomosobjetos,comosmeios,consigoecomoutraspessoasemsituaesdetrabalho,apesardastentativasdesuapadronizaoemodelizaoporpartedasorganiza-es.Trata-sedeumalinhadeestudossobreacapacidadenormativadoshumanosao viver e trabalhar, sobre os sentidos coletivamente produzidos em torno dassituaesdetrabalho,distanciando-separcialmentedoqueapontaatradiodeestudossobreculturaorganizacional.Emoutraspalavras,aproduodeumofciosempreaodecoletivosdetrabalhoemsuahistria,propiciandoqueseuspro-tagonistaspossamconstruirrelaesefetivamentehumanasemseutrabalho,con-tendoregrasticasetcnicasquesustentamaprevenoeapromoodesade.

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  • Dimenses do coletivo na atividade de trabalho dos motoboys

    Nestalinhagem,aexistncia,estruturaoeconsolidaodeumcoletivodetrabalhorequer,entreoutros:

    aexistnciadevriostrabalhadoresempresena,trabalhandoemumaobraemcomum,partilhandoregrasdeofcionosetrataderegulamentos(CRU,1987a)esaberesdeprudnciaquesejamsocialmentereconhecidos-organizadosporsistemasdeautorre-gulaodosritmosemodosoperatriosindividuaisedoprpriocoletivodetrabalho(CRU;DEJOURS,1987);

    aocorrnciadeprincpiosdegnerodaatividadeprofissional,oqueremeteaumsubstratotranspessoaldeconhecimentos,valores,discursoseumamemriaimpessoalquecimenta,organizaecon-figuraomeiodoqualotrabalhadorirseapropriarparaexecutarassuastarefas,permitindoointercmbioentresieosdemaiscom-panheiros(CLOT,2006);

    umadeterminadalinguagemdeofcio,partilhadapelostrabalha-doreseeliciadaemdiscursosmaisoumenoscomuns(BOUTET,1993,1998);

    psicodinmicadoreconhecimento(DEJOURS,2002,2004,2012),referindo-seao julgamentoespecialmente fecundoaqueleem-preendidopelosparesscontribuiesdecadatrabalhadorpararesoluoeenfrentamentodosproblemasemergentesnotrabalhoconcreto, oque evita a fragmentaodo coletivo emantmumsentidodecoesonaequipe;

    paraqueestapsicodinmicaopereimprescindvelaexistnciadeumespaopblicointernodediscusso,aconfiana(comrelaoaoconhecimentoerespeitosregras)eacooperaoentrepares,permitindoqueaintelignciaastuciosadumsaltoqualitativoemrelaoaumasabedoriadaprtica;

    um determinado perodo de tempo, bem como certa constncianoscontatostranscorridosentrepessoasquepermanecememumaprofisso(CLOT,2006;DEJOURS,2004);

    viabilizaaproximidadeentreosmodosdeencararavida,aprolife-raodeengajamentossubjetivoseaexplicitaodeprazeres,so-bretudoperanteaquiloqueCru(1987b)denominaartedeviver.

    apartirdesseconjuntodeelementoseingredientesquesebuscoudarcontadaquestoentendidacomocentral:colocaremanliseapossvelexistn-ciadeumofcioentreosmotoboys,bemcomoamaneiracomooscoletivosdetrabalhovmseconstituindoeapresenadeentravesparadesenvolvimentodapotnciadeaodestescoletivos.

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  • Thiago Drumond Moraes; Milton Raimundo Cidreira de Athayde

    um coletivo profissional De motoboys?

    Pde-severificaradimensocoletivanasatividadesdetrabalhodosmo-toboys em algumas condies de exerccio de sua profisso (em construo).Umprimeiro aspecto a se considerar refere-se aos saberes-fazer produzidos epartilhados entre os colegas, que se considerem como pares.De fato, vriosautoresjapontaramrelaesentreaexperinciadosmotoboyseaconstituiode um corpo de saberes que os auxilia na execuo das suas tarefas (DINIZ,2003;VERONESE;2004).Nestapesquisatambmseverificouaexistnciadepartilhaprofissionaldesses saberes,constitudospelocoletivoapartirdas tro-casedasobservaesdasatividades,efetuadasentreosqueconsideramospa-res.Algunsdesses saberes-fazer instrumentais so fundamentalmentevoltadosparaasdimensescoletivasdessetrabalho,taiscomoaaprendizagemdeumagircompetente capazdemobilizar uma rede solidria (outros colegas, secretriasdasempresasdemotoboys, taxistas,etc.)paraexecuodetarefasespecficas,algoquetambmfoiencontradoentreosmotoboysestudadosporDiniz(2003).Outrossaberes-fazerinstrumentaisrespondemmaisaproblemasvividosindivi-dualmente,quesoenfrentadosduranteotrabalho,taiscomoasdificuldadesnotrnsito.Vriosmotoboysforneciamaoscolegasdicasquantoaosmodosdepilotagememsituaesderiscoquando,porexemplo, relatavamsituaesvi-venciadaslogoapsofatoterocorrido.Emgeralessesrelatosocorriamquandoelesseencontravamnospontosdeesperaparanovosservios.Inmerasvezespresenciamososurgimentodedebatescoletivos,queentendemosserumamo-dalidade espontnea de encontros sobre o trabalho, em espaos pblicos dediscusso(DEJOURS,2004):acenaemqueummotoboycontaaoscolegasoquelhehaviaocorridoecomosecomportaradiantedasituao,gerandocomen-trios,controvrsias,reflexes,crticaseanlisesinformaisemrelaoaoacon-tecimento.Verificou-sequeelespartilhavamdesdesimplesdicasemacetes,atdiretrizescomplexassobreosmodosdegestodotempoedarotapararealizaodosserviosaseremprestados.Essastrocaseramcotidianas,podendo-sesuporqueaaprendizagemsobreotrabalhoeasatividadesvemsedandocontinuamenteentreospares,demaneirainformal,mascomcaractersticasestratgicas.

    Alm dos saberes instrumentais, nessas trocas verificou-se um segundoelementoquesinalizaaexistnciadeumcoletivodetrabalho:odebatedenor-mas, a partilha de valores que ento circulam e discursos em comumem suaproduolinguageira.Notocanteaosdiscursospartilhados,aomenosparaumdeterminadogrupode trabalhadoresparticipantesdapesquisa,anoodoquesejaumbom motoboyfoibastantecorrenteentreeles,podendo-sesugerirqueosvaloresqueestosubjacentesaessanoosejamtambmpartilhados.Issopor-que,aoseproduzirideaissobreotrabalho,naquiloquetemdecomum,possvelcompartilhar saberes relacionados,que instrumentalizamos trabalhadoresnadireodesseidealizadodetrabalho,eaoqualseatribuemvaloresqueenglo-bamdeterminadosmodelosdesere,decertomodo,aprpriavidadomotoboy.

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  • Dimenses do coletivo na atividade de trabalho dos motoboys

    Demodosemelhante,noquetangepatrimonializaocoletivadeumsistemalinguageironogrupodemotoboys,algunsdiscursosetermosquelhessoparticularesrevelaram-seconstrudoseutilizadosdemaneiramuitogene-ralizada.Termos,aindaquenaformadegrias,comodesembolar,desenro-lar,letra,acelerar,adrenalina,2entreoutros,bemcomoumdeterminadomododedizerascoisasentreoscolegasmuitapiadaegozao,porexemplo,mastambmousointensodocorpoparaexplicarascoisas,almdacapa-cidade (ounecessidade)deutilizaodeuma linguagemmuito instrumental.Enfim, tudo aponta para indcios da existncia de uma linguagem de ofciosendoengendrada(ingredientefundamentaldeumcoletivodetrabalho)entreosmotoboys.Enoporacasoqueemtornodessestermossepermitereco-nhecerumbommotoboyaosolhosdoscolegas:aquelequesabedesembolar oservio,seportandoadequadamenteduranteacorreriadaatividade,acele-randoosuficientementeparadaracanetadademodoaningumreclamardasituao,masgarantindoqueastrocasdasletrassejamfeitashonestamentedemodoaningumsairemdesvantagem, entreoutrosexemplos.

    A partilha do que em Psicodinmica do Trabalho (DEJOURS, 1992,2012)seconceituaporsistemadefensivodetipoideolgicodiantedassitua-esderisco,calcadonosvaloresdavirilidade,outroindcioimportantedasdimensescoletivasnotrabalhodosmotoboys.Paraalmdesuacaractersticaenquanto ideologia defensiva, entende-se que ela avana para uma potnciaestratgica, razo pela qual foi definida como estratgia do olhar adiante,poisenvolvemuitomaisqueumaboaatenonotrnsitosuavolta.Defato,aqualidadedaseguranapormeiodessaestratgiadepende,principalmente,dacapacidadedomotociclistaantecipar(estratgiaderegulaoreveladapelaEr-gonomiadaAtividade)asposiesdotrnsitoemseuredor,tentandoidentifi-car,pormeiodessaantecipao,emquelocalizaoouqualocaminhodeveseromaisseguroparaomotoboyutilizarouficar.Paraanteciparocomportamen-todotrnsitosuavolta,essestrabalhadoresutilizamtodosossinaisidenti-ficveispossveis.Noincomumouvir-semotoboysdizendoqueconseguemver, pelo retrovisor dos carros, para onde omotorista do carro frente estolhandoese,pelotipodeolhar,omotoristavaientrarounoemseucaminho.Mesmoquandoquestionadossobreavelocidadedessecomportamento,queporserrpidodemaispodepermitiravaliaesincorretas,osmotoboysinsistemnaviabilidadedousodessaestratgiaque,segundoeles,sedesenvolvepelaforadohbito,permitindo-lhesutiliz-lacomsegurana.

    impressionantequeessaspercepesocorremdemaneiraveloze,apa-rentemente,comrelativaeficcia.Porm,essaestratgiasesustentanaideiadotrabalhadorsobresuacapacidadedepreviso,ressaltando-sesuasformasdeser(sobretudo a coragem,malgrado frequentemente encaminhada com asmarcasdeumadefesaideolgicadetipoviril).Dadapelasprpriascapacidadesdepi-lotagem, essa estratgia preconiza queos eventuais acidentes no se referemineficinciadaestratgia,masresponsabilidade(culpabilizao)dosoutrosmotoristasque,porquestesde carter (comoosmotoristasdenibus e taxi)ouinabilidade(mulheresetc.),norespeitariamasleis,assimcomoaofluxo

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    naturaldotrnsito.Alis,deacordocomessepontodevista,todosdeveriamrespeitaralei,comonoatravessarasviassemdaraseta,paraqueosmotoboyspudessemlanarmodesuaestratgiadefensivaedesrespeitarasleis(cruzandoemmeioaocorredordeveculos,porexemplo)comsegurana.

    Clot(2006;2010),dialogandocriticamentecomaPsicodinmicadoTra-balho (DEJOURS,1992), entendeque justamente a falta ou a fragilidadedeumadeterminadadimensogenricadaprofissoqueprovocaaemergnciadedefesascoletivas,sobretudoasdecarterideolgico,talqualaquepareceexistirentreosmotoboys.Emoutraspalavras,comoosmotoboysestosujeitosariscosqueultrapassamenormementeascondiesquetmparaevit-lostotalmentepormeiosunicamenteprprios,nosepodedeixardesuporaexistnciadesistemascoletivosdedefesaqueconvivem,atumdeterminadolimite,comsaberesdepru-dncia,quesopartedossaberesdesenvolvidospelosoperriosequefornecemmeios,estrategicamentevinculadosssituaesconcretasdetrabalho,parapreve-nirostrabalhadoresdedesdobramentosperniciososdaatividade(CRU;DEJOU-RS,1987).Verificou-sequevriosmotoboys,nolugardebasearemsuasegurananaestratgiadoolharadiante,lanavammodeoutramodalidadequesepodesuporumpoucomaiseficaz:sefazerenxergar,algoqueparecemaisremeterasaberesdeprudnciaoperandoentremotoboys.Osquefazemusodessaestrat-gia,apesardeminoritrios,parecemreconheceravulnerabilidadedaprofissoeprocuram,atodocusto,fazer-seenxergarparaoutrosmotoristas,tentandoquesuaseguranasejatambmgarantidapelapercepoeaodosoutroscondutoresqueconseguementocontemplarocomportamentodosmotoboysemsuasdecisesdepilotagem.Sejacomofor,tantopormeiodesistemasdefensivosdetipoideolgico(perigosos,poisobscureceafontedoperigo),comooolharadiante,quantopormeiodedefesadepotencialmaisestratgico,comoosefazerenxergar,ambosrevelamindciosquesugeremaexistnciadecoletivosdetrabalhoemexerccio.

    Almdisso,aexistnciadeumdiscursopartilhadoesustentadosobreumalgicaideologicamentedefensivadetipovirilreforaaideiadequeexiste,maloubem,umesforocoletivoprofissionalemdireodefesadoprpriocoletivodaprofisso.Emesmoqueseconsiderequeodiscursomarcadopelavirilidadetendeafortalecerosvaloresdoindividualismogeralmentefalamdaquelequeseacidentacomooquevacilou,ostrabalhadorestentam,atodocusto,pro-tegeressaculturadaidealizaodecoragemeousadiacomoalgoimportanteequesedevemanter.Assim,quandoummotoboydizqueconseguiufazertalouqualperipcianotrnsito,ouqueresolveratalouqualservioemtantotempo,parecequeeleesttentandodizerque,porsuascondiesecombasenosma-cetesqueogrupobemsabequaissoelefoicapazdeexecutarsuastarefas,deprestaroservio,vencendoosinmeroscontratemposquetemdeenfrentar.Tudoissosinalizaomovimentodemanutenododiscursodavirilidadepelogrupoprofissional,emborataldiscursonotenhaseapresentadodeformageneralizada.

    Verificou-se,aparentementeentreosdemais idadeecommais tempodeprofisso,queelessededicammaisvalorizaodeumdiscursodeeficinciaededefesadoprofissionalismodacategoria,enquantoosmaisnovosenovatospa-recemvalorizarmaissuaautoeficciaevirilidade.Dequalquermodo,esseembate

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    notocontraditrioassim.Oqueseviufoiqueaquelesqueincorporamumououtrodiscursoconvivemetrabalhamdemaneirarelativamenteamistosaentresi,talvezdiferentedoqueindicamNeto,MutafeAvlasevicius(2006).Pode-sesupor,inclusive,queessadiferenadeapropriaodiscursiva,quereforadapeloestilocomquecadaumconduzsuamoto,supeumcoletivoemumaricaepotenteviadesuaproduo.Essepontolevaaoutrofatorimportanteparaocoletivo:aconti-nuidadedepartedocontingentedetrabalhadoresnaprofisso.Seinegvelaaltarotatividade(OLIVEIRA,2003;SILVA,2006;VERONESE,2004),nessapesquisaverificou-sequepartedostrabalhadoresinvestigados(cercade40%)tmpelome-nosquatroanosdeprofisso,enquantoalguns(emtornode10%)jestonaprofis-sohmaisde10anos.Ouseja,umtemposuficienteparapartilhasdeexperinciasqueauxiliamnaconformaodeumcoletivoprofissionalecoletivosdetrabalho.

    Outroaspectoquepareceimportanteparaacompreensodamaneiracomoocoletivodemotoboysvemseapresentandodizrespeitoexistnciaounoderegrasdeofcio,conformesugereCru(1987a).Napesquisafoipossvelidentificarduasregrasdeofcioqueparecemdelimitaraatuaodosprofissionais.Aprimeiradiz respeitomaneiracomo devemgeriras transgressesneste trabalho.Paraagilizaroservio,algunsmotoboyslanammodepequenas(nemsempretopequenas)transgresses,taiscomosubirnascaladascomasmotosligadas,entrarnacontramoetc.Atransgressofrutodeumaorganizaodotrabalhoemqueotrabalhadorlanadoemumparadoxocrucial:teragilidadesemaumentarave-locidade!Porumladoexige-sedelesqueseutilizemdosmeiosdisponveisso-bretudoapercianapilotagemparagarantirummnimoderemunerao,emumcontextodeprazosexguosesobrecargadetrabalhoparaatenderaosclientes.Poroutrolado,sorepreendidospelastransgressesquecometem.Assimcoloca-do,tem-seumparadoxoquaseinsolvel.Atporqueatransgressofazpartedocotidiano,aopontodenoserpossvelmesmopensarotrabalhosemumadosedecomportamentostransgressores.Naverdade,cabeaoprofissionalsabercomoequandotransgredir.Contudo,coletivamentesechegaaestabelecerqueotrabalha-dorquetemdomniodaprofissodeveobservaralgunslimitesparagarantirquetodospossamseutilizardastransgresses,quandoesenecessrio.Eisaprimeiraregra.Esselimite(noexplcito),ampara-senaexistnciadeumbom-sensoqueotrabalhadordeveapreenderedominar,pormeiodaobservaodiretaounega-o,aorepreendercolegas(ouobservandotaisrepreenses)naprtica.Essaregratorna-seumarefernciaquepermiteaocoletivoestruturarasmargensdoquetolervelparaarealizaodetransgressesnocursodasatividades.

    Asegundaregradizrespeitomaneiracomootrabalhadorseposicionanotrnsito.SemelhanteaoqueCru(1987b)identificanaconstruocivilentreostalhadoresdepedracomoaregradalivrepassagem,pode-sesuporqueentreosmotoboysumaregradessetipotambmestemexerccio.Emduassituaesp-de-seobservarcomoamesmaparecefuncionar:aprimeirasituaodiziarespeitomaneiracomoseorganizaofluxoentreosmotoboysdentrodoscorredoresdeautomveis,notrnsitourbano.Numafilmagens(realizadaparausonatcnicadaautoconfrontao),umdosmotoboys,aoouvirabuzinadadeoutroquelhepareceraestarcommaispressa,dera-lhepassagem.Nadiscussosobreessaocor-

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    rncia,otrabalhadorressaltouadiretrizdeseabrirespaoparaaaceleradadocolega,queestcompressa.Paratanto,ouomotoboysaidafrente(senoestivertoapertadoassim),ouacelera(seeletambmestivercomalgumaurgnciapararesolver).Outrosmotoboysdisseramqueessadiretriz,quemaneiradeCruaquitambmsedenominaporregradalivrepassagem,podesetransformaremumaespciedejogoquealgunschegamapraticar:quandoalgumpedepassagem,buzinandoparasairdafrente,instala-seumadisputaparaverquemconsegueirmaisrpido.Essemecanismodeacelerao,quesedemtornodadisputaentreostrabalhadoresequecertamentesesustentanadefesavirilumaespciededisputaparaverquempodemaistalvezpossasertiltambmcomoumins-trumentopararegular(aliviarouextravasarumpouco)astensesadquiridasaolongodajornadadetrabalho.Mesmoquealgumtrabalhadorchegasseadizerqueficavaloucoquandoalgumpassavanaminhafrente,essaprticaparecetornarotrabalhomaistolerveleprazeroso(poisseencontraaumcoloridoldico),mesmoquecomissoseincrementeoriscodeacidentes.

    Outroexemploquereforaaideiadaregradalivrepassagemdizrespeitoaomomentoemqueomesmomotoboydafilmagemquisestacionaraoladodeoutras,emumlocalespecficoparamotos.Apsumasriedetentativasinfrutfe-rasparaestacionarnolocaldevido,omotoboyacabasemanifestando,duranteafilmagemeduranteaentrevista,contrrioatitudedosoutrosmotoqueiros,queestacionaramsuasmotosdemodoqueoimpediamdepararnolocalpermitidoparamotos.Eleargumentaqueaquelasmotosnoeramdemotoboys,poisotipodeveculonoeracomumentreosprofissionais,enenhumapossuaba,almdoque,segundoele,osmotoboysrespeitariamolimitedoscolegas,guardandosempreoespaoparaquemaismotospudessemaproveitarospoucosestacio-namentosespecficosnacidade.Poroutrolado,eleafirmaqueseummotoboynoo fazcomodeve,ocupandoumavagadesnecessariamente,possvelqueoutromotoboyfaaalgumacoisaemsuamotopararetardaressemotoboyde-satento,comoquedandoumavisoparaocaraacordarparaavidaedeixardeserdesatento:vocnoestavacompressa?Agoravocvaiperdermaistempoa.Essasrepreensessofeitas,geralmente,semenvolverprejuzofinanceiro(comoquebraraseta),masocasionandoperdade tempo.Somenospuniesquetoquesqueumdnooutrodesavisado:duvidoquedaprximavezeleocuparduasvagas,nolugardeuma,dizia.

    Chegamos,enfim,ideiadequeocoletivodetrabalhoexerceumpapelfun-damentalnosprocessosdetrabalho,sadeesubjetivao,nocasodosmotoboys.Entreoutrascoisas,Cru(1987b)assinalaumimportantepapelqueocoletivodetrabalhoexercenaproduodeumaartedeviver.Duranteaspesquisas,verifi-cou-sequeparatornar-seessetipodeprofissional,precisoaprenderagostardoqueessaprofissooferece,almdedirigirmotocicletas.Eisaquiumponto-chave.Parecequeaformaoenvolvemuitomaisqueameraaprendizagemdoscomple-xossaberessociotcnicosjpatrimonializadospelocoletivoprofissionalemcons-truo.Almdasregras,discursos,valores,oquepareceaindamaisimportantedopontodevistapsicolgicoque,comotempo,enquantoprofissional,cadaumvaiaprendendoeapreendendoumaartedesermotoboy,eatmesmoumaartede

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    viver.Umadaspistaspossveisdeque,seoingressonaprofissoinicialmenteprescindedeumgrandeinvestimentosubjetivoenosuportecoletivoemtornodotrabalho,apermanncianelaestdiretamenterelacionadaapropriaodessaartedesermotoboycomolegtimaepossvelparamelhorviver.Pormeiodessaassi-milao,otrabalhadorvaiseengajandonasatividadescaractersticasdaprofisso.Maisqueisso:engaja-seemumcoletivoqueoautorizaenquantopareoauxiliaaandarsuavida(CANGUILHEM,2011),aomenosdentrodeumadeterminadanormalidadepartilhadaporaquelegrupo.Alis,aideiadeartedeviver,quesepodecompreendercomoumaformadeser,ummododesubjetivao,refere-seaoesforoqueumtrabalhadorempreende,esteticamente,paratornarumdeter-minadoserviocomoumaproduoquetemumaveiadearte,ou,emoutraspalavras,que tenhaestilo, sejabemfeita,bonitaaosseusolhose/ouaosdoscolegas,aproveitandoateorizaodeDejours(2002,2004)acercadopapelqueojulgamentodebelezaexercenapsicodinmicadoreconhecimento.

    Emsuma,foramverificadosinmerosindciosqueapontamparaaexistn-ciadeumcoletivodemotoboysauxiliandonaorganizaodasatividadesdetra-balhodessesprofissionais:regrasdeofcio,umalinguagemprofissional,sistemasdefensivoscoletivos,partilhasdesaberesinstrumentaisedevaloresemcomum,umgrupodetrabalhadoresquepermanecenaprofissoporalgumtempoe,fi-nalmente,partilhasdemodosdevivercomomotoboy.Esseselementossugerem,tambm,aconstituiodeumgneroprofissionalquereforaaexistnciadeumcoletivodetrabalhoemamplaformaoedesenvolvimento,jquesedatravsdeumtempocomumepormeiodememriascoletivassobreofazernotrabalho.

    Entretanto,na investigaoverificou-sequeestecoletivoprofissional serevelaaindabastantefrgil.Eenfrentaumconjuntodeameaasque,poraindanoconseguirfazerfrentequantidadederiscosdeacidentes(principalmenteporquenosedesenvolveuaopontodelograrxito,tantonasreivindicaesporcondiesdetrabalhomaisseguras,quantonaproduodeestratgiaseficazesnadefesadetodos).Talvezsecompreendaassim,parcialmente,porqueaindatoaltoondicedeacidentes.Poressarazonecessriodeter-senessasques-tes,sobretudoprocurandocompreendertantoapotnciadeaodessecoletivoquantoseuslimites,oselementosqueapontamparaseuenfraquecimentoeascausaseefeitosdessefenmeno,sobretudodiantedecondiodeintensapreca-rizaoedegradaodotrabalho.

    entraves para o coletivo

    Emprimeirolugar,configuram-sediversostiposdecoletivodemotoboys.Existeminmerasempresasquecontratamapenasummotoboye,nestamedida,elespassammuitomaistemponasruasdoqueosdeempresasquepossuemefeti-vosmaiores.Assim,bastanteprovvelqueostrabalhadoresdaquelasempresastenhamumaoportunidadeconsideravelmentemenordepartilharregras,saberes,valoresediscursos,deumamaneirasistemtica,comosoutrospares.Embora,comoseviu,issonoimpeatotalmenteapartilhadesaberescomunsentreessesprofissionais,adespeitodotempoquepassamisoladosdeseuspares.

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    Outrofatorqueparececolocaremchequeapertinnciaouapotnciadocoletivoentreosmotoboysafaltadeconfiananorespeitosregrasemcons-truo.Suapresenaexerceumpapelmuitoimportantenadinmicadocoletivo,sobretudonaconstituiodeumaredesolidriaque,paraDiniz(2003),umdosmeiosfundamentaisparaquemotoboysconsigamrealizarsuastarefas.Sem-prequenecessrio,omotoboydesenvolveseuagiremcompetnciaacionandoumarededeoutrostrabalhadorespertinenteaoproblemaaresolver:solicitaraumcolegaaentregadeumdocumentoqueestavasobsuaresponsabilidadeousolicitarajudadetaxistaparaencontrardeterminadoendereo.DeacordocomDejours(2002),aconfiananorespeitosregrasumdosprincipaiselemen-tosparaaconstruodeumambientepropcioondeocoletivopossaemergiresedesenvolver,inclusivequantoaoreconhecimentodeseupapelincontornvelemrelaosademental.Verificou-seque,nocasodosmotoboys,adimensoco-letivapareceestarsendoameaadaporfaltadeconfiana,tornandomaisdifcilageneralizaodealgumasprticasdetransgresso,sobretudoaquelasqueenvol-vemrecursosfinanceiros.A(faltade)confianadenunciadapelosmotoboyssejaquandoapontamainexistnciadeumsentimentodesolidariedadesobretudoquandosetratadesituaesqueenvolvemdinheirosejaquandoafirmamumaforte individualizao nosmodos de se proceder nas atividades.Alguns deleschegarammesmoaduvidardaexistnciadatopropaladasolidariedadeentreparesdiantedeacidentesenvolvendomotoboys.

    Dejours(1992)chamaaatenoparaaresistnciaqueostrabalhadoresdeumofciotmcomrelaoaoindividualismonomeiodetrabalhoeapontacomoocadaumporsicombatido,svezescommuitaradicalidade,porvezesex-cluindoosrecalcitrantesdocoletivo,atmesmocolaborandoparasuademisso(voluntriaouno).Porm,nestecasoverificou-sequeoindividualismoparecesermaisfortedoquesepoderiaesperaremumtrabalhoprofissional.Tantodopontodevistadaideologiadavirilidade(quereforaparcialmenteovalordafor-maindivduo),quantodopontodevistadarealizaomuitoindividualizadadasatividades,almdofatodequepartedogrupoprofissionalnotemaoportunida-dedeencontrarseusparesdemaneirasistemtica,tudoissocompeumcenrioemqueasaesindividuaisacabamtomandorumoindividualizanteeganhandomaisforadoquesuportaumcoletivoemquesepartilhaamesmaticaeixodesustentaodaconfiana.Alis,exatamenteessadimensoticaquepropiciaaconfianaquealgumtemnoagirdeumpar.Nessesentido,seapartirdeCru(1987b)pode-seafirmarqueoingressoemumcoletivodetrabalhopermitecertamargemdesingularidade,namedidaemquealgumfaapartedeumcoletivo,suascaractersticasindividuaissetornammaistoleradaspelogrupo,aomesmotempoemquepressupepartilharregrasdeofcioevalores,umamesmaticaprofissional.Oproblemaque,nocasodosmotoboys,temsedesenvolvidome-nosindividualidadeemaisindividualismo.Cadaumestmaispreocupadoemgarantir suaprpria sobrevivncia imediataquedefender emanter aprofissocapazdeseperpetuarapesardesi.

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    Oindividualismopareceestarenvolvido,tambm,nasdificuldadesdemo-bilizaodogrupoprofissional emdireo auma lutapormelhores condiescoletivasdetrabalho.Nodecorrerdoperodoemqueapesquisadecampotrans-correu,aconteceramnacidademanifestaesdemotoboysquetiveramcomopa-lavradeordematransformaodealgumasdesuascondiesdetrabalho.Porm,essasmanifestaes se tornarammais expressivas somentequandoatingiramacadatrabalhadorindividualnocasodoaumentodeumimpostolocalsobreousodemotocicletasparaotrabalho.Naquestodonmeroelevadodeacidentesentremotoboys,comonoacontecemtodosaomesmotempoenemcomtodosprofissionais,parecequeatolerncia(ouimpotncia?)produzidapeloindividua-lismonocolaborapararompersuainrcia,jqueoacidentequeocorrecomummotoboyqualquernotemsereveladocomoproblemadooutroprofissional.

    Oindividualismopareceestartambmrelacionadofacilidadecomqueseentranaprofisso.Aquelesdemaisidadeeexperientescriticamosmaisnovosenovatostalvezexatamenteporque,comosetratadeumaprofissodeacessomaisfacilitado (emcomparao comoutrasque exigemmaiorespr-requisitos), osefeitosdocoletivovosendominimizadospelaquantidadedenovosintegrantesquejentramrealizandoatividadeseserviosadespeitodoqueseproduzesepartilhaentreospares.Essacrenadequesepoderealizaroservioprofissionalindependentedeconhecimentosprviosacabatornandoasatividadesdosmoto-boysmaisrecheadasdevalorespessoaiseindividualismo,semotemponecess-rioparaqueosnovatosseapropriemdasdinmicasedogneroprofissional.Emsuma,o ingressocontinuadodenovatosnaprofisso,sempassarporqualquertipodeseleo,treinamentoouiniciao,3impelimitesparaaconstruodeumadimensocoletivaquerequertempo,patrimnioetradio.

    Verificou-se,ainda,queadimensocoletivadetrabalhopareceestarcriandomuitomaisrefernciasparaastcnicasdeexecuodastarefasquepropriamentesistemasdeproteoparaosmodosdepilotagem,oquepodelimitarapotnciadocoletivoprofissionalnaprevenoereduodonmerodeacidentesdetrnsito.Verificou-setambmqueseusespaoscoletivos(informaiseespontneos)dean-lisesobreotrabalhoparecemsermaisvoltadosparaastarefasdetrabalhoqueparaosestilosdeconduzir.comosenoimportassemuitocomocadapilotodirige:issoumproblemadele.Nessemomentodotrnsito,ocadaumporsitocriticadoporelestalvezacabeporsemanifestarmaiscomoumterquemevirarparagarantirminhasobrevivncia.Dessaforma,exatamentenomomentoemquetalvezmaisseprecisassedeumsuportecoletivodedefesadasadeeseguran-a,entoqueocoletivosevimpotentediantedasespecificidadesdeumtrnsitoperniciosoefacilitadorderespostasindividualistas.Apesardisso,ficalanadaahiptese,aserverificadaempesquisasfuturas,deque,nofosseocoletivodetrabalhoemengendramento,talvezaquantidadedeacidentesfosseaindamaior.

    Noprocessodepilotagem,oslimitesdocoletivoencontramumabarreiradedifcilsobreposio,talvezemparteporqueaosindividualismossemanifes-tamcommaisvigor.Alis,aprpriaartedeviverdosmotoboyspareceestarrelacionadacomcertoprazerqueotrabalhadortemdepilotarnoseuprprioes-tilo.comose,emcimadamoto,quemmandasse(nestecaso,maisumaquesto

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  • Thiago Drumond Moraes; Milton Raimundo Cidreira de Athayde

    depoderquedepotncia)fosseoprpriomotoboy:cadaumpilotacomoquer.Poroutrolado,nosepodedeixardeaventarahiptesedequeoindividualis-mo,nestemomento,reforadoemfunodosvaloresdevirilidadeenacrenaexacerbadaquecadatrabalhadortemsobresuacapacidadedeantecipao,comofoitratadoanteriormente.Notrnsito,ocoletivonoprotegeotrabalhador.Nomximo,oresgataquandocainoasfalto.

    Relacionadoaofatodeaatividadedepilotagemserrealizadaquasesem-pres,aenormediferenaentreosserviosprestados,bemcomoadistnciafsicaemqueseencontramosdiversosgruposdetrabalhadoresespalhadosnacidade parecem auxiliar no afrouxamento dos laos coletivos. Essa distnciadoscoletivosentresipodeindicarareduzidapresenadeespaospblicosdedeliberao(DEJOURS,2002)maisconsistentes.Assim,mesmoseaaltarotati-vidadedetrabalhadores,sobretudoembuscademelhorescondiesdetrabalho,permitecertapermeabilidadeentreosgrupos,auxiliandoatecituradeumaredegenrica um coletivo de rede, conforme conceituaAthayde (1996) em suatipologiaquedcoesoeconsolidacomopossvel(eatdesejvel)avidadeumaartedeviver,ainexistnciadeespaosmaissistemticos(seminriosparatrabalhadores, formaes, etc.) emdireoaessefim,pode seroutroaspectoimportanteadificultarocoletivodetrabalhadoressepotencializar.Aexistnciadeumaestruturaformaldeformaoexigidaparaquealguminiciesuacarreiracomomotoboy pode contribuir na construo de umaprofisso unificada emexerccio,tornandomaismaterializvelaexistnciadaproduodeumgneroprofissionalqueosauxilienarealizaodesuasatividades.

    Constatou-se,ainda,queaconvivnciacomosacidentesparecemaisto-lervelenaturalizadodoqueaprincpiosepoderiadesejar.Muitosmotoboysjsofreramacidentesdetrabalhonaprofissoouconhecemoutrosqueseacidenta-ramgravementeoumesmovieramafalecerduranteotrabalho.Mesmoassim,factvelpensarqueocoletivodetrabalhoprocuranoseabalarexacerbadamentecomessasdurasexperincias(sinalizando,talvez,paraaaodeumpesadosis-temadefensivo).Aocolocaremdebateumcasodeacidentefatalenvolvendoumcarteiromotorizado,vriosmotoboysafirmaramqueelecertamentetinhavaci-lado,porcausaderazesaoub.Atrgicamorte,mesmoqueamplamentenoticiadapoca,nomunicpio,nomobilizaraocoletivoprofissionalparalutaspormelhorescondiesdetrabalho.Asdefesasdetipoideolgicoparecemdetalformasolidificadasque,mesmoquandoalgumtrabalhadordesistedaprofissoporcausadeacidentesoucoisassemelhantes,ocoletivoparecenorelutar,talqualFigueiredoeAthayde(2005) identificaramnoestudocommergulhadoresnooffshore.Nodifcilimaginaroporqu:sotantososacidentes,tantososproblemasqueseenfrentanaprofissoqueaprpriadesistnciaparecenaturale claramente justificvel aosolhosdosprofissionais.A ideiade algumcapazdesuperartudoisso,porsuasprpriashabilidades,profundamentecondizentecomessaexacerbaodoindividualismo.Ocoletivodetrabalhoeogneropro-fissionalencontramnessemovimentooutroimpedimentoimportante.

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    o futuro Da profisso e os processos De subjetivao

    Verificou-seaexistnciadedimensesdocoletivodetrabalhosendopro-duzidoentreosmotoboys,sejapormeiodeumalnguaeregrasdeofcio(CRU,1987a;1987b),saberesinstrumentais,sistemascoletivosdedefesa,normaseva-lorespartilhadospelosmembrosdogrupoprofissional.Entretanto,verificou-setambmindciosdesuafragilidade,inclusivenoserevelandocomocapazdesemobilizarpormelhorescondiesdetrabalho.Duranteumdosencontrossobretrabalho,realizadoforadohorriodetrabalho,deparou-secomumgrandedes-conhecimentosobreosmodosdeseorganizarcoletivamentenessemovimento,emboraointeressenumaqualificaodarepresentaocoletivafossequasecon-senso.Contudo,osdiscursosnochegaramaultrapassarotomderessentimentosedenncias,carentesdeforapropositiva,oquetpicoefeitodesistemasdefensi-vosideolgicos.Comovistoantes,amobilizaocoletivapormelhorescondiesdetrabalhosaumentouquandocadaumdostrabalhadoressesentiuprejudicadopormotivaesbemconcretas,pessoaiseimediatas:aremunerao(lgicaquehegemnicanosmundosdotrabalho).Osriscosdeacidentes,asdificuldadesdasprpriasestruturas,pblicaseprivadas,deassistnciasadeeashistriasdosprofissionaisacidentadosseconstituemcomoumasombradiscursivaqueinfluiempercepescoletivasquereforamossistemascoletivosdedefesamarcadospelavirilidadeeadrenalina.Comoresultado,muda-seotrabalhador,quesepre-paraparaassituaesderisco,masnosemodificaotrabalhoemquesto.

    Assim,deumlado,humcoletivodetrabalhoquepermiteaemergnciadesaberesdeprudnciaeregrasdeofcio(CRU;DEJOURS,1987)equeinvestenaformaodeumofcio.Deoutro,osmotoboysnoconseguiram,atomomento,criarmarcosdereconhecimentodoprpriocoletivoemproldelesmesmos,aiden-tidadenosentidodaPsicodinmica(MOLINIER,2006),jqueessadimensoco-letivanoconsegueconstituiridentidadesfortesemtornodasregrasedosvaloresdesuaprpriacarreira,aomesmotempoemqueoindividualismonodpassagemtradio.Ora,processosdesubjetivaoqueseoperamemumdeterminadomeioprofissionalpressupemqueotrabalhadorincorporecomopartedesuapeleossentidoscoletivospartilhadospeladimensogenricadasatividadesprofissionais.Assim,osprocessosdesubjetivaoaparentamexistir,masdemodoincipiente.

    Otrabalhadoraprendeagostardotrabalho,bemcomoaresolver,napele,algumasdimensesmenostangveisdesuaprofisso.Almdisso,conse-guepartilharvivnciascomunscomosdemaiscolegasdetrabalho,taiscomoadavirilidade,desesentiromximo,odiscursoeasensaodaadrenalina,compartilhandoumaespciededoutrinadaproteo,ousododiscursodadi-reodefensivaeosmodosdepilotarcomdestrezaeagilidade,antecipandoedeixandover.Porm,essesmateriaisnoestobemdistribudosnoconjuntodetrabalhadoresenementretodosostiposdeserviosdemotofrete.Entreosserviosquepropiciamoencontromaiscotidianocomospares,essessentimen-tossofortalecidoseintensificados.Contudo,vimosquepartedosmotoboysestespalhadaemumsemfimdeempresasquenoseagrupam.Nessas,aparenteainflunciadeoutrosvaloreseprincpiosprovenientesdaempresaqualprestam

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    servios,taiscomoempresasdeautopeas,pequenaspizzariasoulojasdeentre-gadegsougua.Aquiaprofissoouumbico,umquebra-galho,ouumaescadaparaumdegrausuperiordentrodaprpriaempresa.Partedestascarac-tersticasestpresenteemoutrasmodalidadesdetrabalho,maselasencontramaquiespecificidadesquesebuscousinalizar.

    Ognerodaprofissoesbarranessasdificuldadeseaprticadetrabalhonosetemconvertidoemprofissoouofcio,comopoderia.possvelreiterarqueseverificaentreosmotoboysavivnciadeprazeremsuasatividadesdetrabalho.Hreconhecimento,sobretudoumreconhecimentodefensivoeautossuficientedeautossuperao,autodomnio,autocontrole.Algoqueseprocessadeformamuitoindividualizadaereforaadinmicadavirilidadeedasdemaisdefesascoletivasdetipoideolgico.Masoorgulhodesermotoboyrevela-setambmcomoumaformadereconhecer-secomotrabalhador,mesmonoexperimentandoreceberdasociedadeotipodevalorizaoqueacreditammerecer,oquepodeestarcontri-buindoparaincrementarcompensatoriamenteomovimentodeautovalorizao.

    Aemergnciadecoletivosdetrabalhoedeumgneroprofissionalquesecristalizeemtornodeumofcio irrequereroexercciodosmotoboysparade-monstrarsuaprpriacapacidadedesercoletivo.NosprimeirosembatespolticosqueosmotoboysdeVitria-ESvmenfrentando,percebe-sequeos resultadosainda somuito inconstantes.Mas o reconhecimento de que existe uma potn-ciaconstrutivaembuscadessaatividadeumfenmenoquenosepodedeixardevalorizar.A faltadeumsaberprofissional consolidado tendea reduzirova-lorfinanceirodestaformadeservioeseurespeitosocial,colaborandoparasuaprecariedade,facilitandoassimoingressonoregulamentadoenodevidamentepreparadodetrabalhadoresnaprofisso,almdetornarmaissocialmentetolervelaquantidadedeacidentesedemortesocasionadaspelosmotoboys.Almdisso,areduodaidadedogrupotendeafortaleceralgunssentimentostpicosdaadoles-cncia,taiscomoapercepodeindestrutibilidadeeavirilidade,deixandodeladoumconjuntodevaloresquepoderiamsetransformaremefetivossistemasdeprote-o,taiscomooprofissionalismo.Finalmente,afaltadeumcoletivoprofissionalalturadasenormesdificuldadesvividasnofacilitaadescobertadeseusinteresses.

    Essa pesquisa revelou ummovimento legtimo neste horizonte,mesmoqueaindatmido.Emumaconversacomumgrupodemotoboysquetrabalhavacomdocumentosemumapraanocentrodacapital,discutia-sesobreascoisasqueelesmaisconversavamnocotidiano.Arespostafoi:moto,trabalho,mulherepoltica.Poltica?Comoeraperodoeleitoral,buscou-seexploraremqueme-didasetratavadealgolimitadocontendaeleitoralepisdica.Surpreendeuofatodequepareciamgostarmuitodeouvirhistriassobrepolticaemgeral.Afontedessa histria era, para eles, o vendedor ambulante que fornecia lanches paraeles,todososdias.Norelatodeles,essapessoa,umpoucomaisvelha,revelavamuitoconhecimentosobreoperododaditaduramilitar, sobreapoltica localenacional.Mesmosabendoquenose tratadealgogeneralizvel, registra-sequenainvestigaorevelou-seumgrupoque,carentedehistria,debruava-senahistriaqueestavadisponvel,emumaaparentevontadedecompreenderopresente,alimentando-senahistriapassada.Essadimensodahistriaquecon-

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    seguelocalizarapessoaemumaredequelhesignifica,pareciaimportanteparaessesmotoboys. Ser que a prpria profisso no lhes poderia viabilizar umatecelagemdesignificadohistrico?Essaresposta,somenteosprpriostrabalha-dorespoderoconstruir.Avontadepareciaestarali.

    notas1PesquisafinanciadapelaAgnciadefinanciamentoFapes/ES.2Maisdoqueexplicaraquioquecadaumdessestermosserefere,oquesepretenderegistrarasrelaesentreossaberes,osvaloreseosdiscursospartilhados.Dequalquermodo,asfrasescitadasnofimdestepargrafosugeremqueobommotoboyaquelequeconseguedarseguimentosurgncias,asmaiscomplexas(desembolar),garantindosuasegurana,mesmoemritmoacelerado(correria),aproveitandoparaampliarseusganhosfinanceiros,mesmoquedemodorelativamentetransgressor(canetada),tomandoocuidadodenoprejudicaroscolegasnastrocasinformaisdeservioscomvaloresdistintos(letras).Paracompreenderoquecadaumdostermosmaisacimasignifica,verMoraes(2008).

    3Movimentocoletivoquevisaintroduzirotrabalhador,mesmoquedemaneiratcita,nasdinmicascoletivasdaatividade,emtodaasuacomplexidade:aspessoasquedelafazemparte,osgruposexistentes,asvriaspossibilidadesdeposicionamentoemjogonaprofisso,entreoutros.

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