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Fichamento – Raízes do Brasil Antônio Cândido (O significado de “Raízes do Brasil”) - 1967 Casa Grande & Senzala (Gilberto Freyre): franqueza no tratamento da vida sexual do patriarcalismo e a importância decisiva atribuída ao escravo na formação do nosso modo de ser mais íntimo. É uma ponte entre o naturalismo dos velhos intérpretes da nossa sociedade, como Silvio Romero, Euclides da Cunha e mesmo Oliveira Viana, e os pontos de vista mais especificamente sociológicos que se imporiam a partir de 1940. - representa uma etapa avançada do liberalismo das nossas classes dominantes, com seu movimento contraditório entre posições conservadoras e certos ímpetos avançados. Formação do Brasil Contemporâneo (Caio Prado JR): interpretação do passado em função da realidade básicas da produção, da distribuição e do consumo (marxista). Materialismo histórico utilizado como forma de captação e ordenação do real. - representa a ideologia marxista, que tem como referência o trabalhador ** Junto com Raízes do Brasil, “traziam a denúncia do preconceito de raça, a valorização do elemento de cor, a crítica dos fundamentos “patriarcais” e agrários, o discernimento das condições econômicas, a desmistificação da retórica liberal”. Raízes do Brasil - construído sobre uma metodologia de contrários (jogo dialético) - aproveita o critério tipológico de Max Weber, mas o modifica, focalizando pares e não uma pluralidade de tipos - ressalta interação dos pares com o processo histórico (Trabalho e aventura; método e capricho; rural e urbano; burocracia e caudilhismo; norma impessoal e impulso afetivo) * SBH foi, talvez, o primeiro pensador brasileiro a abandonar a posição ilustrada, segundo a qual caberia aos intelectuais, políticos, governantes administrar os interesses e orientar a ação do povo. SBH deixou claro que só o próprio povo, tomando a iniciativa, poderia cuidar do seu destino. - um coerente radical democrático

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Fichamento – Raízes do Brasil

Antônio Cândido (O significado de “Raízes do Brasil”) - 1967

Casa Grande & Senzala (Gilberto Freyre): franqueza no tratamento da vida sexual do patriarcalismo e a importância decisiva atribuída ao escravo na formação do nosso modo de ser mais íntimo. É uma ponte entre o naturalismo dos velhos intérpretes da nossa sociedade, como Silvio Romero, Euclides da Cunha e mesmo Oliveira Viana, e os pontos de vista mais especificamente sociológicos que se imporiam a partir de 1940.- representa uma etapa avançada do liberalismo das nossas classes dominantes, com seu movimento contraditório entre posições conservadoras e certos ímpetos avançados.

Formação do Brasil Contemporâneo (Caio Prado JR): interpretação do passado em função da realidade básicas da produção, da distribuição e do consumo (marxista). Materialismo histórico utilizado como forma de captação e ordenação do real.- representa a ideologia marxista, que tem como referência o trabalhador

** Junto com Raízes do Brasil, “traziam a denúncia do preconceito de raça, a valorização do elemento de cor, a crítica dos fundamentos “patriarcais” e agrários, o discernimento das condições econômicas, a desmistificação da retórica liberal”.

Raízes do Brasil- construído sobre uma metodologia de contrários (jogo dialético)- aproveita o critério tipológico de Max Weber, mas o modifica, focalizando pares e não uma pluralidade de tipos- ressalta interação dos pares com o processo histórico (Trabalho e aventura; método e capricho; rural e urbano; burocracia e caudilhismo; norma impessoal e impulso afetivo)

* SBH foi, talvez, o primeiro pensador brasileiro a abandonar a posição ilustrada, segundo a qual caberia aos intelectuais, políticos, governantes administrar os interesses e orientar a ação do povo. SBH deixou claro que só o próprio povo, tomando a iniciativa, poderia cuidar do seu destino.- um coerente radical democrático

*** Ler a partir da pg. 13, após terminar o livro!!!

Capítulo 1 – Fronteiras da Europa

Mundo novo e velha civilização- europeus tentam implantar sua cultura no novo território, com conseqüências para o Brasil: formas de convívio, instituições e ideias trazidas pelo colonizador, muitas vezes, encontravam um ambiente desfavorável e hostil (“Desterrados em nossa terra”)- todo o sistema de evolução aqui implantado parece adaptado a outro clima, outra paisagem

Fronteiras da Europa- Portugal, por ser uma zona de fronteira, de transição, parece ter o europeísmo menos

carregado - assim como Espanha, Rússia e até mesmo a Inglaterra, todos países da “fronteira”

Personalismo exagerado e suas conseqüências: tibieza (fraqueza) do espírito de organização, da solidariedade, dos privilégios hereditários- países ibéricos desenvolveram uma cultura da personalidade extrema, muito diferente de seus pares continentais- índice do valor humano é medido pela sua não dependência dos demais- estoicismo (rigidez moral e serenidade diante das dificuldades) sempre foi marca dos espanhóis

Terra de barões- Por ser uma “terra de barões”, um acordo coletivo durável é pouco provável, decorrendo disso a tibieza das formas de organização- privilégios hereditários nunca foram muito respeitados- havia uma frouxidão da estrutura social e uma falta de hierarquia organizada, inclusive em Portugal e no Brasil

Falta de coesão na vida social- falta de coesão social brasileira não é um fenômeno moderno (erram os que defendem a ordem com uma volta à tradição)- tentativa de voltar ao passado não seria um indicador da nossa incapacidade de criar uma organização espontânea?- Apresenta a versão da hierarquia escolástica, em que a sociedade espelha a hierarquia divina- A hierarquia nunca chegou a importar muito entre nós- O prestígio pessoal, independente do nome herdado, manteve-se continuamente na história das nações ibéricas (pioneiras da mentalidade moderna)- nobreza portuguesa sempre foi permeável (não havia em Portugal a rigidez social de outras sociedades europeias)

A volta à tradição, um artifício- Burguesia se une à nobreza: quando da formação dos estados nacionais ibéricos, a burguesia mercantil não teve dificuldade extrema em vencer, mas ainda não tinham um apoio econômico suficiente para se bastarem. Assim, ela procurou se associar às antigas classes dirigentes, assimilando princípios e guiando-se pela tradição, mais do que pela razão fria e calculista- espírito palaciano contaminava até os labregos (broncos)- havia uma tendência ao nivelamento de classes

Sentimento de irracionalidade específica dos privilégios e hierarquias : o mérito Pessoal- a abundância de bens da fortuna e as altas virtudes substituem o sangue nobre (ética de fidalgos, mas compartilhada por todos)- teorias negadoras do livre-arbítrio, o não reconhecimento do mérito pessoal, foram sempre encaradas com antipatia e desconfiança pelos ibéricos- A Cia de Jesus, contra os princípios predestinacianos, teria papel importante- Essa mentalidade, que não favorecia a associação entre homens, foi um dos obstáculos à organização espontânea

Princípio unificador externo* “Nas nações ibéricas, à falta de racionalização da vida, que tão cedo experimentaram algumas terras protestantes, o princípio unificador foi sempre representado pelos governos”- Predomínio de organizações políticas artificialmente mantidas por uma força exterior que, nos tempos modernos, encontram suas formas características nas ditaduras militares

Em que sentido anteciparam os povos ibéricos a mentalidade moderna- O prestígio pessoal, independente do nome herdado, manteve-se continuamente na história das nações ibéricas (pioneiras da mentalidade moderna)

O trabalho manual e mecânico, inimigo da personalidade- repulsa a toda moral fundada no culto ao trabalho (reação contra os protestantes?)- Só recentemente, com o maior prestígio das instituições do norte, essa mentalidade ganha força entre eles- trabalho manual prejudica e desonra o homem, já que é externo a ele e não é exigido por Deus- Para os ibéricos, “o ócio importa mais do que o negócio”. Enquanto os novos protestantes preconizam e exaltam o esforço manual, as nações ibéricas colocam-se ainda largamente no ponto de vista da Antiguidade Clássica.

Trabalho x organização- carência da moral do trabalho leva a uma reduzida capacidade de organização social- onde prevalece alguma ética do trabalho, dificilmente faltará ordem e tranquilidade, pq são necessárias à harmonia dos interesses- Como a moral do trabalho era fruto exótico na Península Ibérica, não admira que fossem precárias as ideias de solidariedade- solidariedade existia somente vinculada a sentimentos, no recinto doméstico ou entre amigos

A obediência como fundamento de disciplina- Em uma autarquia do indivíduo, somente a renúncia a essa personalidade em vista de um bem maior é a única alternativa- daí nasce uma obediência cega, como virtude suprema- Obediência como único princípio político forte- “a vontade de mandar e a disposição para cumprir ordens são-lhes igualmente peculiares”- “Ditaduras do Santo Ofício parecem constituir formas tão típicas de seu caráter como a inclinação à anarquia e à desordem”- Ordem estaria na excessiva centralização do poder e na obediência- Jesuítas foram um dos maiores representantes dessa mentalidade

Obediência hoje- caduca e impraticável, causa ainda instabilidade na vida social- desaparecida a obediência, faz-se necessário algo para conter nosso natural inquieto e desordenado

Herança colonial- nem o contato e a mistura com outras raças eliminaram as influências ibéricas no Brasil- essa tradição, especialmente portuguesa, ainda nos nutre uma alma comum, a despeito de

tudo que nos separa- de lá nos veio a forma atual de nossa cultura, o resto foi matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma

Capítulo 2 – Trabalho & Aventura

Portugal e a colonização das terras tropicais- conquista do trópico para a civilização foi sua maior missão histórica- essa exploração, no entanto, fez-se com desleixo e certo abandono- é possível dizer que se realizou apesar de seus autores- isso, entretanto, não desqualifica o tamanho da obra dos portugas

Dois princípios que regulam diversamente as atividades dos homens: Aventureiro e trabalhador- não há uma oposição absoluta, mas uma incompreensão radical- nenhum existe no estado puro, mas no sentido geral- na conquista do novo mundo, o “trabalhador” teve papel limitado- ambiente encontrado em Portugal e Espanha não era muito propício ao “trabalhador”*A Inglaterra não seguia caminho diverso dos países ibéricos (desmente o mito industrialista)- não é industrioso por natureza, nem possui senso apurado de economia- tende para a indolência e para a prodigalidade- estima, acima de tudo, a “boa vida”- SBH equipara o ânimo inglês ao de Portugueses e Espanhois- gosto pela aventura tornava mais fácil um português arrendar um navio para o Brasil do que ir à cavalo de Lisboa ao porto- SB afirma que o gosto pela aventura, pela ânsia de prosperidade sem custo, de títulos honoríficos, de posições e riquezas fáceis resultam na busca de favores para ascensão social, principalmente por meio de cargos públicos, tão comuns no Brasil

Aventureiro- antiguidade: caçadores ou coletores- objetivo final é mais importante, desprezando os processos intermediários- despreza fronteiras- vive dos espaços ilimitados, dos projetos vastos, dos horizontes distantes

Ética da aventura- valorizam os esforços feitos para uma recompensa imediata- pensam como viciosos e desprezíveis os esforços que visam à estabilidade, à paz, à segurança pessoal sem perspectiva de rápido proveito material

Trabalhador- antiguidade: lavradores- enxerga primeiro a dificuldade de vencer, não o triunfo a alcançar- sabe tirar proveito do insignificante- seu campo visual é naturalmente restrito- a parte maior do que o todo

Ética do trabalho- atribui valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar- vê como imoral a ética aventureira, tendo-a como audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem

Plasticidade social dos portugueses- portugueses foram muito bem sucedidos em reproduzir aqui, as estruturas de seu país

- Exemplo da adaptação de SBH: na falta de trigo, aprendiam a comer o da terra, e com tal requinte que a gente de tratamento só consumia farinha de mandioca fresca, feita no dia- dormiam em redes como os índios; adaptam-se as ferramentas e canoas dos indígenas; o modo de cultivo da terra

Civilização agrícola?- cana da Ilha da Madeira é reproduzida aqui- latifúndio surge por conveniência da produção e do mercado- Sistema agrário aqui desenvolvido foi feito para atender as necessidades de produtos tropicais que a Europa vivia naquele momento, não por condições locais específicas (ex. das colônias inglesas do norte, que só produziam nas áreas tropicais, deixando as outras à subsistência)- Portugueses e espanhóis criam um modelo, que seria seguido por outros povos: latifúndio e monocultura- No Brasil, a boa qualidade da terra do nordeste permitiu que o latifúndio se transformasse em unidade de produção- prevaleciam os critérios quantitativos, em uma espécie de produção semicapitalista- adaptavam a produção indígena à larga escala, quase não podendo ser chamada de agricultura- só se realizou pela terra farta e pelo braço escravo

*** Portugueses buscavam a riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho- buscavam a mesma riqueza que conseguiram com as especiarias na índia- para isso, era preciso manter a produção o mais simples possível

**** Não foi, por conseguinte, uma civilização tipicamente agrícola o que instauraram os portugueses- índole aventureira não favorecia o aumento da produtividade- dificuldades da vegetação e do clima ajudaram a manter certo atraso tecnológico e de técnicas de produção- havia uma rotatividade nas fazendas, abandonadas após a produção em buscas de terras “virgens”- maioria dos colonos vinham das cidades, o que ajudou à não inovação na lavoura

Problema do trabalho- frustrou-se a tentativa de emprego do braço indígena, recorrendo-se ao negro- negro torna-se quase obrigatório no desenvolvimento dos latifúndios coloniais- índios contribuíam na indústria extrativa, na caça, na pesca, na criação do gado e em alguns ofícios mecânicos, mas dificilmente se acomodavam ao trabalho metódico dos canaviais

*** Os princípios da colonização valeram também para a produção agrícola: todos queriam extrair do solo excessivos benefícios, sem grandes sacrifícios

“A vida parece ter sido aqui incomparavelmente mais suave, mais acolhedora das dissonâncias sociais, raciais e morais”

Carência de orgulho racial- havia uma ausência quase completa de orgulho de raça (ao menos o orgulho obstinado)- portugueses também eram mestiços (negros das colônias africanas e mouros)- Brasil não foi teatro de nenhuma grande novidade- Em Portugal, quase todo serviço era feito por negros e mouros cativos- apesar de algumas tentativas pessoais e até estatais de conter a miscigenação, sua influência agiu como dissolvente de qualquer ideia de separação de castas ou raças, de qualquer disciplina fundada em tal separação- havia uma tendência na população para o abandono das barreiras sociais, políticas e econômicas entre brancos e homens de cor, livres ou escravos- o “exclusivismo racista” nunca chegou a ser, aparentemente, o fator determinante das medidas que visavam reservar a brancos puros o exercício de determinados empregos- obviamente que tais liberdades não constituíam a lei geral

O labéu (desonra) associado aos trabalhos vis- os pretos eram relegados a trabalhos de baixa reputação, os “negro jobs”- já os índios, em muitos casos, foram até estimulados à miscigenação

Organização do artesanato; sua relativa debilidade na América portuguesa- a hipertrofia da lavoura latifundiária na estrutura de nossa economia colonial impediu qualquer esforço sério de cooperação nas demais atividades produtoras- Diferente da América Espanhola, onde diversas oficinas foram até, como no Peru, garantia de prosperidade, riqueza e estabilidade, quando da decadência da produção mineira- havia, no Brasil, uma hierarquia entre os trabalhos manuais consagrada pelos costumes- os piores trabalhos eram desprezados, sendo, muitas vezes, exercidos pelos “moços de ganho” ou “negros de ganho” (escravos)- Nos ofícios urbanos existia o mesmo amor ao ganho fácil que existia no campo- Poucos indivíduos se dedicavam a uma única atividade e era difícil uma família que exercesse a mesma profissão por gerações, como era comum em muitas sociedades com estratificação social mais estável

Incapacidade de livre e duradoura associação entre empreendedores do país- as associações coletivas só ocorriam para satisfazer certos sentimentos coletivos, como na construção de igrejas- “O peculiar da vida brasileira parece ter sido, por essa época, uma acentuação singularmente enérgica do afetivo, do irracional, do passional, e uma estagnação ou, antes, uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras”- Exatamente o contrário do que parece convir para uma população em vias de organizar-se politicamente

A “moral das senzalas” e sua influência- esse tipo de sociedade não tinha como oferecer obstáculos à influência dos negros, sobretudo como escravos- suavidade dengosa e açucarada invade as esferas da vida colonial- gosto pelo exótico, da sensualidade brejeira, do chichisbeísmo, dos caprichos sentimentais- a “moral das senzalas” era sinuosa até na violência, negadora de virtudes sociais,

contemporizadora e narcotizante de qualquer energia realmente produtiva- Ela imperou na administração, na economia e nas crenças religiosas dos homens daquele tempo

Malogro da experiência holandesa- O que faltava em plasticidade aos holandeses, sobrava-lhes em espírito empreendedor, metódico e coordenado- Enviaram, no entanto, os piores colonos: aventureiros sem intenção de criar raízes- o sucesso econômico e político das Províncias Unidas prendia os holandeses ao seu país- trouxeram progresso para as cidades, acentuando a divisão engenho x cidades- enquanto as cidades brasileiras dependiam do campo, as cidades da área dominada pelos “flamengos” prosperava e “vivia por si”- sede do governo da Nova Holanda tinha um esplendor que a destacava no meio da miséria americana (em 1640, reunia-se no Recife o primeiro parlamento ocidental que se tem notícia)- zelo animador não conseguia chegar ao campo, limitando-se às cidades- Ao não se adaptarem ao campo, deixaram toda riqueza nas mãos de brasileiros e luso-brasileiros- os holandeses, ao contrários dos portugueses, não se misturavam com a população de cor, seja índio ou negro- língua e religião dos holandeses não eram bem assimiladas pelos índios- ausência de orgulho de raça dos portugueses ajudava na mestiçagem da população, o que os ajudou na adaptação ao meio tropical

Nota ao capítulo 2: Persistência da lavoura de tipo predatório- colonos tentavam adaptar ao método do gentio, mesmo os alemães do norte da Europa- arados muito profundos revolviam a terra e retiravam a fina camada de húmus, diminuindo a produtividade (dá exemplo do Paraguai)- muitos colonos ocuparam área de montanha, que impedia o uso do arado- arado dos jesuítas, mais rudimentar, remexia a terra a pouca profundidade, dando mais resultados

Capítulo 3 – Herança Rural

Raízes rurais- se não foi uma civilização agrícola o que os portugueses instauraram no Brasil, foi, sem dúvida, uma civilização de raízes rurais- toda a estrutura de nossa sociedade teve sua base fora dos meios urbanos- eram os fazendeiros escravocratas ou seus filhos que dominavam as posições de mando- as cidades eram dependentes do campo

A abolição: marco divisório entre duas épocas- os próprios filhos de fazendeiros incentivavam, paradoxalmente, a abolição- após os anos 1850, proliferam no país atividades que não dependiam tanto do mundo rural- paralelamente, empreendia-se medidas efetivas contra o tráfico negreiro e a escravidão- o fato de muitos traficantes serem portugueses também colaborou na corrente contra o tráfico, além das pressões inglesas

-intensificação do tráfico após a Bill Aberdeen (1845) criou verdadeiros magnatas das finanças- 1850: Lei Eusébio de Queiroz, enfrentamento com esses magnatas

Da Lei Eusébio (1850) à crise de 64. - Fim do tráfico libera capitais para outros investimentos- 1851, funda-se o Banco do Brasil, com o intuito de aproveitar esse momento para organizar um grande instituto de crédito, direcionando o capital para as forças produtivas do país- havia uma excessiva facilidade de crédito, que atingia todas as classes- a nova maneira de enriquecimento e relação com o capital assustava os mais conservadores- imaturidade do Brasil escravocrata causava um claro conflito entre esses dois mundos- A abolição do tráfico é o começo de uma transição que só termina em 1888*** Enquanto perdurassem intatos e poderosos os padrões econômicos coloniais, baseados na grande lavoura, as mudanças teriam que ser superficiais e artificiosas

Lei Ferraz (1860)- limita o crédito- precipitou a crise de 1864- crise foi o desfecho natural de uma situação insustentável nascida da ambição de vestir o país com trajes modernos de uma grande democracia burguesa, estando ainda preso à economia escravocrata

O caso Mauá- malogro de Mauá é mais um exemplo da incompatibilidade do Brasil imperial com as formas de vida copiadas de nações socialmente mais avançadas, além do patriarcalismo e personalismo fixado entre nós- enquanto não incomodou os padrões, Mauá era tolerado e até admirado- os choques com os valores arraigado na sociedade, traziam desconfiança e oposição aos seus projetos

Patriarcalismo e espírito de facção- facções políticas eram construídas como famílias patriarcais, com vínculos biológicos e afetivos que unem ao chefe os descendentes, colaterais e afins. - Formam um todo indivisível, com membros associados uns aos outros por sentimentos e deveres, nunca por interesses ou ideias- abandonar um partido era desonroso, quase uma traição- Origem dessa relação partidária está no meio rural, onde a autoridade do proprietário de terras não sofria réplica

Poderoso núcleo familiar- As casas se bastavam na época do império, até mesmo na república, com pouco comércio de bens essenciais. Tudo era produzido no quintal, das galinhas aos móveis. - as famílias eram a base da organização, a grande família, que orbitava em torno de um “pater-família”- nesse meio, o poder do chefe de família é quase ilimitado e poucos freios existem para a sua tirania

*** O quadro familiar torna-se tão forte, que persegue os indivíduos mesmo fora de casa. A entidade privada sempre precede a entidade pública- resultado é um invasão do público pelo privado- predominam na vida social sentimentos próprios à comunidade doméstica, particularista e antipolítica

Causas da posição suprema conferida às virtudes da imaginação e da inteligência- Quando o núcleo rural entra em declínio, entre 1808 e 1889, a atividade política, a burocracia e as profissões liberais ganham força nas cidades, sendo a maioria delas exercida por elementos oriundos do meio rural, que trazem para o meio urbano todos esses preceitos de formação familiar que lhes são comuns desde a infância- essa condição é determinante de um traço importante de nossa sociedade: a posição suprema de certas qualidade de imaginação e “inteligência”, em prejuízo das manifestações de espírito prático ou positivo- o talento, principalmente em regiões com forte influência do meio rural – como no NE -, se sobrepõe ao esforço do trabalho- o trabalho mental pode ser ocupação digna de antigos senhores de escravo e seus filhos- isso não se traduz em uma estima às especulações intelectuais, mas uma valorização da erudição ostentosa e à soberba

Cairu e suas ideias- Silva Lisboa, futuro Visconde de Cairu, se baseava confusamente em ideias de Adam Smith para tentar justificar a preferência pela inteligência- não lhe ocorre que a inteligência só pode ser valorizada em contraste com o trabalho e que somente em uma sociedade paternalista e personalista uma qualidade congênita é necessária para distinguir os homens, como o sangue dos nobres- essa inteligência, citada por Silva Lisboa, é algo essencialmente anti-moderno- também defendia o Estado como uma grande família, contrariando tudo o que dizem as ideias revolucionárias francesas

Decoro aristocrático- amparavam as instituições no legado colonial, para tentar conciliá-las à excessiva importância que davam ao apetite material- mesmo nas revoluções pernambucanas de 1817 e 1847, as ideias “revolucionárias” pareciam ser parte de um discurso dificilmente implementável se realmente fossem vitoriosas

Síndrome da Casa-grande- Dessa maneira, a síndrome da casa-grande invadiu as cidades (até os mais humildes relegavam determinadas tarefas aos negros, para não “sujar suas mãos”)- reflete também nos serviços públicos, já que não existia uma classe média apta a essas funções (sociedade de senhores e escravos, com pouco comércio e pouca oportunidade)

Ditadura dos domínios agrários- no Brasil, como em outros países de história recente, não existiam tipos de estabelecimento humano intermediários entre os meios urbanos e as propriedades rurais- Por isso, o processo de absorção de população rural no meio urbano encontra pouca resistência

- desenvolvimento da tradicional dependência da cidade em relação ao campo- Na ausência de uma burguesia urbana independente, os novos postos criados nas cidades eram ocupados por elementos oriundos da fazenda, transportando valores e características dessa classe- Dessa forma, toda a ordem administrativa do Império e início da República teve que comportar elementos vinculados ao velho sistema senhorial- Havia, no Brasil, o inverso de outras partes do mundo, onde a prosperidade dos meios urbanos fazia-se às custas do meio rural. Aqui, o meio rural que instaurava uma “ditadura” no meio urbano, tendo os seus senhores nos postos mais altos da administração

Contraste entre a pujança das terras de lavoura e a mesquinhez das cidades na era colonial- proprietários viviam no meio rural; suas casas nas cidades viviam vazias e só eram visitadas em época de festa (primeiro e segundo século da colonização, principalmente)- nas cidades só viviam quem precisava nela viver (funcionários da administração, mercadores, mecânicos etc)- mesmo no século XVIII, ainda as cidades eram esvaziadas por seus “residentes rurais”- A exceção era o Recife holandês, que floresceu desde cedo como pólo de atração urbana

*** O predomínio do meio rural foi, antes de mais nada, uma opção dos colonizadores. Não é fruto, como querem muitos, de uma estranha força centrífuga das terras americanas

Capítulo 4 - O Semeador e o Ladrilhador

A fundação de cidades como instrumento de dominação- para muitas civilizações, a construção de cidades era o principal instrumento de dominação- foi assim em Roma, Grécia e até com os chineses

Zelo urbanístico dos castelhanos: o triunfo completo da linha reta- espanhóis criavam cidades para garantir o predomínio militar, econômico e político da metrópole- uso de linhas retas nas cidades castelhanas na América foi o triunfo da aspiração de ordenar e dominar o mundo conquistado- Lei das Índias: regia a fundação de cidades na América espanhola, tolhendo a “criatividade” dos descendentes dos conquistadores

Marinha e interior- cidades no litoral teriam que considerar o abrigo, a profundidade e a capacidade de defesa do porto- povoações de terra dentro não deveriam ser muito altas, expostas ao vento e de acesso difícil; nem muito baixas, que costumam ser “enfermiços”- construção começava pela “praça maior” (papel do cardo e do decumanus nas cidades romanas)- Cidades eram ordenadas e construídas a partir da praça maior, com eixos retilínios- Jesuítas também usaram esse método nas suas missões

A rotina contra a razão abstrata. - na América portuguesa, a obra dos jesuítas foi exceção

- colonização portuguesa caracterizou-se, principalmente, pela exploração comercial- diferente da espanhola, que buscava um prolongamento orgânico do seu império (exemplo das universidades na colônia)- a ideia portuguesa é que o Brasil era um simples lugar de passagem, para a colônia e para seus súditos- ao contrário dos portugueses, que colonizaram basicamente a zona tropical litorânea, os espanhóis preferiram as zonas interiores e os planaltos, com clima mais parecido com o que estavam acostumados na Europa

O espírito da expansão portuguesa. - portugueses criavam todo tipo de dificuldade para a penetração no território (preocupação em não despovoar o litoral)- cidades no litoral facilitariam as exportações, evitariam o conflito com os índios- mesmo com a conquista territorial dos bandeirantes, não foi valorizada a interiorização do território, com reflexos até hoje- Primeiro gesto de autonomia foi em São Paulo, distante do litoral: “Aclamação de Amador Bueno”, em 1641 (terra de mestiços, com português aprendido somente na escola)- só no terceiro século da colonização (séc. XVIII) é que começa certa interiorização, com a descoberta do ouro, ainda assim com barreiras impostas pela metrópole- Nesse período, Portugal intervém mais fortemente na colônia, visando absorver tudo o que fosse de imediato proveito, ainda sem uma intenção de edificar alguma coisa- Ex. da Demarcação Diamantina- não fossem esses acontecimentos, a colonização teria ficada restrita ao litoral*** A facilidade de comunicação pelo mar ou, na falta deste, pela via fluvial constituiu a base da colonização portuguesa (menosprezada pelos castelhanos)

Os tupis-guaranis- unidade indígena no litoral facilitou a ocupação portuguesa nessa porção do território- sua língua foi incorporada e adaptada rapidamente, transformado-se na língua geral- fora dos domínios tupis, quase não houve colonização portuguesa (onde não havia tupis, houve também uma interrupção da colonização branca)- Litoral do Espírito Santo, povoado pelos Aimorés, foi um bom exemplo disso. Permanecendo praticamente despovoado após quase 300 anos de colonização

Colonização por feitorização*** Portugueses ainda se mantinham presos à metrópole, tendo Portugal como destino último de seu esforço- exploravam terras e pouco se importavam de esgotá-la, já que a riqueza imediata era o que importava, para depois retornarem ao reino português- Portugueses “arranhavam as costas como caranguejos”, escreveu frei Vicente de Salvador- colonização portuguesa estava mais para feitorização do que colonização mesmo- preocupação era sempre com o imediato benefício, o que impedia obras maiores e mais profundas- preceito mercantilista, de que a colônia deveria complementar a metrópole, ajustava-se perfeitamente a esse ponto de vista

- Assim, era proibido produzir na colônia algo que pudesse ser feito na metrópole (se colonos produzissem tudo o que lhes era necessário, perderiam seu vínculo com o reino)

Estrangeiros- Portugal, diferente da Espanha, permitia estrangeiros no Brasil, desde que esse se dispusessem a vir trabalhar- também era permitida a presença de estrangeiros mercadores no litoral brasileiro, com o pagamento de 10% de imposto de importação sobre seus produtos- Em 1600, já com a união ibérica (1580 – 1640), Felipe II ordenou a expulsão de todos os estrangeiros do Brasil- revogado só depois da restauração (1640), em favor dos ingleses e holandeses- não presença de estrangeiros na Espanha era parte do regramento dos súditos nas novas terras, algo que, para Portugal, pouco importava, desde que não prejudicasse os interesses terrenos

O realismo lusitano- rotina e não a razão abstrata foi o princípio que norteou a colonização portuguesa- exemplo das cidades portuguesas x cidades espanholas na América- “nenhum rigor, nenhum método, nenhuma previdência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra ‘desleixo’ (...) implica menos falta de energia do que uma íntima convicção de que ‘não vale a pena’”- tudo isso não significava um desprezo pela vida, mas um realismo fundamental: uma renúncia a transfigurar a realidade por meio de imaginações delirantes ou códigos de postura e regras formais; uma aceitação da vida como ela é, sem ilusões, sem impaciências, sem malícia e, muitas vezes, sem alegria- realismo este presente em toda a expansão marítima portuguesa, sempre feita com prudência e juízo discreto

A nobreza nova do Quinhentos*** Alguns conselheiros do reino chegaram a condenar as conquistas- foi tema constante dos poetas e cronistas do Quinhentos- influência coincide com a ascensão da burguesia mercantil, que se impusera já com a casa de Avis- ascensão em Portugal era mais fácil do que em outros países e todos aspiravam à condição de fidalgos- burguesia ascendente assimila os valores sociais e espirituais da nobreza, não criando valores novos, típicos das revoluções burguesas- a nova nobreza era uma simples caricatura da nobreza autêntica, preocupada somente com as externalidades que a distinguia da gente humilde- novos fidalgos adentravam à administração pública, para seu conforto pessoal, mas sem o preparo necessário para tal, principalmente em posições hostis (não tinham o preparo para a guerra, como os antigos nobres)- realismo português tem reflexo na literatura e na poesia, assim como na expansão colonizadora

Centralização castelhana x ‘desleixo’ portuguesa- fúria centralizadora de Castela, refletida até mesmo no formato de suas cidades coloniais, era fruto de um povo internamente desunido e sob permanente ameaça de desagregação- comparativamente, Portugal é um país sem problemas: unidade política desde o século XIII, com certa homogeneidade étnica- natural conservadorismo, o deixa estar, o ‘desleixo’ predominava, muitas vezes, sobre a ambição de arquitetar o futuro

Papel da igreja- catolicismo acompanhou, quase sempre, o relaxamento usual- muito sujeita ao poder civil- igreja se transformara em um braço do poder secular (rei nomeia bispos e padres, cobrava dízimo, etc): padroado régio- daí vem o célebre “liberalismo” dos eclesiásticos brasileiros: igreja, como instituição, era fiel ao governo; indivíduos do clero, no entanto, lhe eram constantemente contrários- ‘maus padres’, negligentes, gananciosos e dissolutos, não eram a exceção no meio colonial- subordinação ao governo sufocava a igreja, da mesma forma que a protegia

*** Essa completa subordinação da igreja e dos leigos a um poder por vezes caprichoso e despótico afastou a influência da Igreja e, até certo ponto, das virtudes cristãs na formação da sociedade brasileira

Bula Praeclara carissimi (1551) – papa confirma a transferência aos monarcas portugueses o patronato nas terras descobertas, além de um poder praticamente discricionário sobre os assuntos eclesiásticos

Notas do capítulo 4

1. Vida intelectual na América espanhola e no Brasil- estima-se que, na América Espanhola, tenham se formado cerca de 150 mil pessoas- Mesmo em Coimbra, o número de naturais do Brasil formados foi de 720- imprensa (principalmente de livros) florescia na América Espanhola; enquanto na América Portuguesa era proibida- Proibiam a imprensa para impedir a circulação de idéias novas, que colocariam em risco a estabilidade do domínio português

2. A língua-geral em São Paulo- Em São Paulo, misturavam-se as famílias de portugueses e índios, sendo a língua indígena adotada no dia-a-dia e o português aprendido somente nas escolas- Preferência por locais ou padres que falavam a língua geral dos índios para facilitar a administração- as mulheres, principalmente, só se comunicavam na língua geral. Como parte considerável da população masculina da capitania era atraída para o sertão, com o bandeirismo, as crianças conviviam mais com as mulheres e aprendiam o idioma da terra (sistema quase matriarcal)- Situação semelhante ao Paraguai- língua-geral perdura como dominante até o século XVII- Português se populariza após a descoberta do ouro nas gerais e o declínio das bandeiras de

caça aos índios- processo de integração lingüística dos paulistas se deu na primeira metade do século XVIII- ao longo do século XVIII, a língua geral ainda permanecia viva, principalmente no ambiente doméstico- expansão bandeirante se inicia pela carência de mão-de-obra e a falta de recursos para adquirir escravos africanos- mobilidade e dinamismo dos paulistas ocorre em busca do ideal de permanência e estabilidade, tentativa de assegurar a mesma espécie de sedentarismo dos barões açucareiros do Norte- para conviverem no planalto, tinham que se misturar aos índios- primeiro passo para a interiorização africana foi dado por um filho de São Paulo e neto de mamalucos, Francisco José de Lacerda

*** O português revelou melhores aptidões de colonizador do que outros povos por sua adaptabilidade e facilidade à renúncia das peculiaridades formadas no Velho Mundo. Eles precisaram anular-se durante longo tempo para, afinal, vencerem.

3. Aversão ás virtudes econômicas- há uma repulsa firme a todas as modalidades de racionalização e, por conseguinte, de despersonalização nos povos ibéricos- para negociar no Brasil ou Argentina, comerciante deveria fazer do comprador um amigo. Até mesmo na prestação de serviços existe essa relação, o que torna o relacionamento entre empregado e patrão mais amistoso aqui, do que em qualquer outra parte- Daí decorre, também, a percepção de que, mesmo em função pública, não deixem de prestar a amigos e parentes favores dependentes de tal função; ou, ao mesmo tempo, se aproveitem de quem tem relações de afeto e camaradagem- são contra a aplicação rígida das normas de justiça e de quaisquer prescrições legais- isso não os exclui totalmente das regras capitalistas. Um exemplo é que os portugueses contribuíram muito para a elaboração do direito comercial e dos seguros marítimos, à época dos descobrimentos

*** Espanhois e portugueses se distinguiam dos outros povos por “cerca incapacidade, que se diria congênita, de fazer prevalecer qualquer forma de ordenação impessoal e mecânica sobre as relações de caráter orgânico e comunal, como o são as que se fundam no parentesco, na vizinhança e na amizade

4. Natureza e arte- a palavra “natureza”, para os homens do século XVII e XVIII, era relacionada ao firmamento; já para o homem do séclulo XIX, estava associada à uma paisagem

Capítulo 5 – O Homem Cordial

Antígona e Creonte*** Sófocles- Creonte encarna a noção abstrata, impessoal da cidade em luta contra essa realidade concreta e tangível que é a família

- Antígona, irmã de Creonte, sepulta Polinice contra as ordenações do Estado, despertando a ira de Creonte, que diz agir em nome do Estado e não por sua vontade particular

Família x Estado- O Estado não é uma ampliação do círculo familiar- não existe uma continuidade entre família e Estado, como querem alguns autores românticos- Só pela transgressão da ordem familiar e doméstica é que nasce o Estado, quando há um triunfo do geral sobre o particular, do intelectual sobre o material, do abstrato sobre o concreto- a forma familiar, em sua forma pura, é abolida por uma transcendência - Crise entre o particular e o público é tema fundamental da história social- foi o moderno sistema industrial que, separando os empregados dos empregadores, suprimiu a atmosfera de intimidade entre eles e estimulou os antagonismos de classe- a separação facilita a exploração do trabalhador pelos proprietários, por criarem uma distância entre eles

Pedagogia moderna e as virtudes antifamiliares- abolição da ordem familiar trouxe uma nova ordem, com os princípios abstratos das instituições e relações sociais substituindo os laços de sangue- teorias modernas pregam a libertação do indivíduo das “virtudes” familiares, condição necessária e obrigatória para uma adaptação à “vida prática”- Pedagogia moderna, ao contrário dos antigos métodos, prega a obediência em alguns casos, mas a desobediência nos pontos em que os pais forem falíveis. Incentiva, inclusive, esse tipo de atitude dos pais

Quebra dos laços familiares no Brasil- durante o Império, faculdades fizeram esse papel, ao tirar adolescentes de seu círculos familiares- no Brasil, onde imperou o tipo primitivo de família patriarcal, o desenvolvimento da urbanização acarretou em um desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos até hoje

Patrimonialismo- formados em um ambiente primitivo de família patriarcal, não era fácil para o administrador público brasileiro separar os domínios público e privado- Weber separa o funcionário “patrimonial” do puro burocrata- Funcionário “patrimonial”: gestão pública serve a seu interesse particular, tudo se relaciona a direitos pessoais e não a interesses objetivos- Estado burocrático: prevalece a especialização das funções e o esforço para assegurarem garantias jurídicas ao cidadão- No Brasil, a escolha dos homens públicos se dá com a confiança pessoal e não na sua capacidade própria- Funcionalismo patriarcal pode adquirir traços burocráticos- No Brasil, há o predomínio constante das vontades particulares, fechada em círculos de difícil acesso à uma ordenação impessoal- Dentre esses círculos, a família é o que prevalece- Desta forma, o modelo de composição social que prevalece entre nós é o da vida doméstica,

a esfera dos ‘chamados “contatos primários”, dos laços de sangue e de coração’- Isso ocorre mesmo onde as instituições democráticas pretendem assentar uma sociedade em normas antiparticularistas

O “homem cordial”- “contribuição brasileira para a civilização será a cordialidade – daremos ao mundo o ‘homem cordial’”- afabilidade no trato, a hospitalidade, a generosidade são características definidoras do caráter brasileiro, pelo menos enquanto a influência do meio rural e patriarcal permanecer viva- essas qualidade não significam boas maneiras, nem civilidade- são expressões legítimas, de fundo emotivo rico e transbordante- “nenhum povo está mais distante da noção ritualista da vida do que o brasileiro”- nossa forma de convívio é o contrário da polidez- polidez é, de alguma forma, a organização da defesa ante a sociedade; equivale a um disfarce que permitirá ao indivíduo preservar inata sua sensibilidade e suas emoções- no “homem cordial”, a vida em sociedade é uma verdadeira libertação do pavor que ele sente em viver consigo mesmo. Sua maneira de expansão para com os outros reduz o indivíduo à parcela social, periférica, que no brasileiro tende a ser a que mais importa

Aversão aos ritualismos: como se manifesta ela na vida social, na linguagem, nos negócios- dificuldade de reverência ante um superior é um exemplo a aversão social aos ritualismos- reverência é aceitada até que não limite uma relação mais familiar- emprego dos diminutivos também é uma ausência da reverência, “familiarizando” as palavras, tornando-as mais acessíveis aos sentidos e de aproximá-los do coração- omissão do nome da família no trato social seria um outro exemplo – ao aceitar de bom grado uma disciplina da “concórdia”, da simpatia, repelem o nome de uma família para evitar diferenciá-las, como se fosse uma comunidade de sangue,d e lugar ou de espírito- “O desconhecimento de qualquer forma de convívio que não seja ditada por uma ética de fundo emotivo representa um aspecto da vida brasileira que raros estrangeiros chegam a penetrar com facilidade” – necessidade de fazer uma amizade para conquistar um freguês

A religião e a exaltação dos valores cordiais- Catolicismo brasileiro, com uma intimidade tão próxima com os santos que chega quase a ser desrespeitosa, é mais um exemplo- relação tem antecedentes na península ibérica e na Europa Medieval, quando o Deus palaciano perde froça- Essa intimidade com os santos parece refletir uma aversão à distância, o traço mais específico do espírito brasileiro- Ao contrário do Japão, onde o ritualismo invade a conduta social dando-lhe mais rigor, no Brasil o rigorismo do rito se afrouxa e se humaniza- aversão ao ritualismo conjuga-se mal com um sentimento religioso verdadeiramente profundo e consciente. Afrouxamento corrompeu nosso sentimento religioso- “uma religiosidade de superfície, menos atenta ao sentido íntimo das cerimônias do que ao colorido e à pompa exterior, quase carnal em seu apego ao concreto e em sua rancorosa incompreensão de toda verdadeira espiritualidade”

- Não admira que nossa independência tenha sido feita por maçons e a República proclamada por positivistas, ou agnósticos- “religiosidade brasileira, para ferir as almas, deve antes ferir os olhos e os ouvidos”

*** A exaltação dos valores cordiais e das formas concretas e sensíveis da religião encontraram entre nós um terreno de eleição e acomodaram-se a outros aspectos típicos de nosso comportamento social- em particular, à nossa aversão ao ritualismo- nossa reação ao meio em que vivemos, normalmente, não é de defesa- a vida íntima do brasileiro não é bastante coesa e nem disciplinada para envolver e dominar toda a sua personalidade, integrando-a conscientemente no conjunto social- “ele é livre, pois, para se abandonar a todo o repertório de ideias, gestos e formas que encontre em seu caminho, assimilando-os frequentemente sem maiores dificuldades

Capítulo 6 – Novos Tempos

Finis operandis- apego singular aos valores da personalidade, configurada pelo recinto doméstico- “cada indivíduo, nesse caso, afirma-se ante os seus semelhantes indiferente à lei geral, onde esta lei contrarie suas afinidades emotivas, e atento apenas ao que o distingue dos demais, do resto do mundo- “somos notoriamente avessos às atividades morosas e monótonas”- personalidade não suporta ser comandada por um sistema exigente e disciplinador- intelectuais aceitam doutrinas das mais díspares- “No trabalho não buscamos senão a própria satisfação, ele tem o seu fim em nós mesmos e não na obra: um finis operantis e não um finis operis”- atividades profissionais são meros acidentes- não se prendem às profissões e buscam atividades mais rentáveis

O sentido do bacharelismo- Muitos bacharéis diplomados só excepcionalmente farão uso, na vida prática, dos ensinamentos recebidos- inclinação para as profissões liberais não é só brasileira. “praga do bacharelismo” foi muito comum nos EUA pós guerra civil e até hoje os advogados estão muito presentes na política- prestígio das profissões liberais foram herdados de Portugal- origem da sedução das profissões liberais vincula-se ao apego quase exclusivo aos valores da personalidade- Valores da personalidade também estão presentes na busca pelo meio de vida definitivo, estável e seguro, com um mínimo esforço pessoal, como sucede em alguns empregos públicos* Apego pelas formas fixas e pelas leis genéricas (parte do caráter brasileiro)“Tudo quanto dispense qualquer trabalho mental aturado e fatigante, as ideias claras, lúcidas, definitivas, que favorecem uma espécie de atonia da inteligência, parecem-nos constituir a verdadeira essência da sabedoria”

Como se pode explicar o bom êxito dos positivistas- sucesso dos positivistas é fruto do repouso ao espírito que permite as definições irresistíveis

e imperativas do sistema de Comte- racionalidade e infalibilidade da teoria eram muito sedutores- o espírito negador dos positivistas negou-lhes qualquer sentido construtivo, positivo, aos nossos negócios públicos- Virtudes que ostentavam – probidade, sinceridade, desinteresse pessoal – não eram forças com que lutassem contra políticos

As origens da democracia no Brasil: um mal-entendido- De todas as formas de evasão da realidade, a crença mágica no poder das ideias pareceu-nos a mais dignificante em nossa difícil adolescência política e social. Trouxeram as ideias, sem questionar se serviam para a realidade brasileira.- na verdade, a ideologia impessoal do liberalismo democrático jamais se naturalizou entre nós- só assimilamos esses princípios até onde coincidiram com a negação pura e simples de uma autoridade incômoda, confirmando a instintiva negação da hierarquia e permitindo tratar com familiaridade os governantes*** Democracia foi sempre um lamentável mal-entendido: importada por uma aristocracia rural e semifeudal, foi acomodada aos direitos ou privilégios dessa classe, os mesmos privilégios combatidos pelo liberalismo no velho mundo

*** movimentos aparentemente reformadores, no Brasil, foram sempre feitos de cima pra baixo

Etos e Eros. Nossos românticos- padrões coloniais foram ameaçados, pela primeira vez, com a chegada da família real (1808)- crescente cosmopolitismo não afastou a supremacia dos senhores agrários, mas abriu novos horizontes e sugeriu ambições novas que tenderiam a perturbar a hegemonia rural- houve um descompasso entre os “elementos conscientes” e a massa brasileira, refletindo uma realidade dura e triste- românticos eram os que refletiam o “cárcere da vida”- só foram artificiosos e insinceros em certas particularidades formais- abandonaram o convencionalismo clássico, fixando sua preferência no instintivo e no pessoal- foi um movimento espontâneo, mesmo que não trouxesse nada verdadeiramente novo: pessimismo, morrer de amores e até a sentimentalidade lacrimosa constituem traços da tradição lírica que nos veio da metrópole

Apego bizantino aos livros- Na organização prática, nossos homens eram puros homens de palavras e livros, não saíam de si mesmos, de seus sonhos e imaginações- tudo conspirava para a criação de uma vida artificiosa e livresca, asfixiando a vida verdadeira- houve uma negação da realidade mesquinha e desprezível e a construção de um mundo mais dócil aos nossos desejos ou devaneios – era o modo de não nos rebaixarmos- esquecíamos a vida prática diária para valorizar motivos mais nobilitantes: a palavra escrita, a retórica, a gramática, ao direito formal- valor exagerado que damos aos símbolos concretos (ex. anel de bacharel)- D. Pedro II foi um adorador de livros

- declínio do velho mundo rural abriu espaço para a nova elite, a aristocracia do espírito. Teor aristocrático era preservado pelos leitores da literatura francesa

Traços conservadores e senhoriais da nossa intelectualidade- talento deve ser espontâneo, de nascença, como a nobreza- voluntário alheamento ao mundo em que vive- erudição, sobretudo formal e exterior, que tenta deslumbrar o leitor com suas pedras preciosas (citações em língua estrangeira, por exemplo)- certa concepção do mundo que procura simplificar todas as coisas para colocá-las mais facilmente ao alcance de raciocínios preguiçosos

A miragem da alfabetização- “quanta inútil retórica se tem esperdiçado para que todos os nossos males ficariam resolvidos de um momento para o outro se estivessem amplamente difundidas as esolas primárias e o conhecimento do ABC”- alfabetização em massa não é condição obrigatória para o desenvolvimento- “desacompanhada de outros elementos fundamentais da educação, que a completem, é comparável, em certos casos, a uma arma de fogo posta nas mãos de um cego”

O desencanto da realidade- há um invencível desencanto em face das nossas condições reais- coisas como a miragem da alfabetização parecem querer disfarçar essa realidade- instituições imperiais davam um aspecto de liberalismo, que não existia- República também não foi uma força transformadora. Os republicanos, talvez, desacreditassem ainda mais da possibilidade do Brasil se criar sozinho, sem a necessidade da aprovação externa

Capítulo 7 – Nossa Revolução

A revolução brasileira- “A grande revolução brasileira não é um fato que se registrasse em um instante preciso; é antes um processo demorado e que vem durando pelo menos três quartos de século”- Momento mais marcante dessa revolução é 1888: abolição (cessa de funcionar o freio contra o novo estado das coisas; transfere o centro de gravidade do meio rural para o urbano)

Iberismo e americanismo- processo lento que vai aniquilando as raízes ibéricas de nossa cultura - novo estilo é denominado, talvez ilusoriamente, de americanismo- iberismo se deteriora junto com o agrarismo- se nossa cultura ainda tem a forma do iberismo, isso se deve às insuficiências do “americanismo”, que se resume na assimilação de coisas externas à terra- “O americano ainda é interiormente inexistente”

*** se as cidades funcionavam como complemento do mundo rural; atualmente é o contrário, com o meio rural sendo uma espécie de colônia de abastecimento das cidades

Do senhor de engenho ao fazendeiro- substituição do açúcar pelo café em sua importância comercial para o Brasil coincide com o desaparecimento progressivo das formas tradicionais típicas do meio rural- café exige menos terra (diminuição do latifúndio) e menos capital empregado em sua segunda fase, quando atinge o Oeste Paulista- A fazenda deixa de ser um pequeno mundo para se tornar unicamente um meio de vida, fonte de renda e riqueza

Do rural ao urbano- O meio rural resiste menos à cidade e muitos fazendeiros passam a viver permanentemente nas cidades- Carência de braços, no período da expansão cafeeira, pode ter influenciado nesse movimento- há uma queda na produção de alimentos, que encarecem. Pessoas passam a comprar alimentos nas cidades- perda de autossuficiência das fazendas e melhoria dos transportes possibilitam o maior intercâmbio entre o meio rural e urbano (“Planta democrática” de Handelmann)- Rápida transição do meio rural para o urbano abre caminho para a transformação

*** “O desaparecimento do velho engenho, engolido pela usina moderna, a queda de prestígio do antigo sistema agrário e a ascensão de um novo tipo de senhores de empresas concebidas à maneira de estabelecimentos industriais urbanos indicam bem claramente em que rumo se faz essa evolução”

Da monarquia à república- velhos proprietários se tornam impotentes pelo golpe fatal da Abolição e já não poderiam intervir nas novas instituições- República ignorou-os por completo- formas republicanas representavam a expressão exterior da urbanização social que se processava

O aparelhamento do Estado no Brasil- No entanto, o quadro formado pela Monarquia ainda guarda seu prestígio- O Estado brasileiro ainda preserva como relíquias respeitáveis algumas das formas exteriores do sistema tradicional, mesmo sem uma base para sustentá-la: uma periferia sem centro- “Estado brasileiro não deve e nem precisa ser despótico – não combina com a doçura de nosso gênio -, mas necessita de pujança e compostura, de grandeza e solicitude”

Ambições internacionais“A imagem de nosso país que vive como projeto e aspiração na consciência coletiva dos brasileiros não pôde, até hoje, desligar-se muito do espírito do Brasil imperial; a concepção de Estado figurada nesse ideal não somente é válida para a vida interna da nacionalidade como ainda não nos é possível conceber em sentido muito diverso nossa projeção maior na vida internacional”- “Não ambicionamos o prestígio de país conquistador e detestamos notoriamente as soluções violentas. Desejamos ser o povo mais brando e comportado do mundo”- tudo isso é característico do nosso aparelho político, que tenta desarmar todas as expressões menos harmônicas de nossa sociedade, em negar toda espontaneidade nacional

Política e sociedade* duas saídas foram encontradas para a condição apresentada:(i) pura e simples substituição dos detentores do poder: remédio aleatório se não precedida de transformações mais complexas e estruturais(ii) utilizar sistemas, leis ou regulamentos de virtude provada: só aparentemente mais plausível. A rigidez, a impermeabilidade, a perfeita homogeneidade da legislação parecem-nos constituir o único requisito obrigatório da boa ordem social, não conhecemos outro recurso- racionalismo excedeu os seus limites ao erigir em regra suprema os conceitos racionalmente arquitetados, separou-os irremediavelmente da vida e criou um sistema lógico, homogêneo, a-histórico- Grande erro: políticos e demagogos acreditam sinceramente que da sabedoria e, sobretudo, da coerência das leis depende diretamente a perfeição dos povos e dos governos (inspiração na Revolução Francesa)- Ideias iluministas foram ajustadas para uma sociedade patriarcal e colonial

O caudilhismo e seu avesso- o caudilhismo é o pólo oposto à despersonalização democrática- “uma superação da doutrina democrática só será efetivamente possível, entre nós, quando tenha sido vencida a antítese liberalismo-caudilhismo- vitória só se consolidará quando eliminado o elemento personalista e aristocrático sob o qual se assenta a nossa vida social

Uma revolução vertical- é necessário revogar a velha ordem colonial e patriarcal, com todas as consequências morais, sociais e políticas que ela acarretou. Para isso, precisa ser eliminado o elemento personalista citado acima- Brasil, no momento em que SBH escrevia, estaria em um momento de transição- América latina necessitaria, nas palavras de Herbert Smith, de uma revolução vertical, que trouxesse á tona elementos mais vigorosos, destruindo para sempre os velhos e incapazes

Emotivo x Racional- predomínio do emotivo sobre o racional- perpetuação das conveniências particulares sobre os interesses de ordem coletiva- fato de os partidos não serem fortes no Brasil a causa de nossa inadaptação a um regime legitimamente democrático, mas antes um sintoma dessa inadaptação- apego ao formalismo denuncia uma ausência de forma espontânea- confiança nas fórmulas teóricas mostra que somos um povo pouco especulativo- trinfo de uma ideia, na América latina, tem significado apenas o triunfo de um personalismo sobre o outro

As oligarquias: prolongamentos do personalismo no espaço e no tempo- personalismo, na América Latina, conseguiu abolir as resistências liberais, assegurou-se uma estabilidade política aparente, mas que de outro mono não seria possível- regimes personalistas não são uma alternativa à anarquia, mas simplesmente um disfarce grosseiro

“A ideia de uma espécie de entidade imaterial e impessoal, pairando sobre os indivíduos e presidindo os seus destinos, é dificilmente inteligível para os povos da América Latina”

A democracia e a formação nacional- incompatibilidade com os ideais democráticos deve ser relativizada- fatores de nossa formação nacional que confluem com os ideais democráticos(i) repulsa à hierarquia racional, como obstáculo grave á autonomia do indivíduo(ii) impossibilidade de resistência a certas influências novas(iii) relativa inconsistência dos preconceitos de raça e cor

“Homem cordial” e democracia liberal- bondade natural da Revolução Francesa não é estranha ao temperamento “cordial” dos nacionais- Na aversão a uma sociedade de todos contra todos é que o nosso “homem cordial” encontra uma possibilidade de articulação entre seus sentimentos e as construções dogmáticas da democracia liberal- Entretanto, no liberalismo a ideia da bondade natural é um simples argumento, despido de emotividade- Pensamento liberal-democrático por Bentham: “A maior felicidade para o maior número”. Forma em contraste direto com os valores cordiais- Afeto é baseado em preferências, o que contrasta com o ponto de vista jurídico e neutro do liberalismo- Liberalismo é um comportamento social que procura orientar-se pelo equilíbrio dos egoísmos- “com a simples cordialidade não se cria os bons princípios. É necessário algum elemento normativo sólido, inato na alma do povo, ou mesmo implantado pela tirania, para que possa haver cristalização social”

As novas ditaduras- alguns ditadores realizam atos de autoridade perfeitamente arbitrários e julgam fazer obra democrática- atitude não muito diversa das que adotaram os “caudilhos esclarecidos” da Europa moderna- “Não é impossível, pois, que o fascismo de tipo italiano, a despeito de sua apologia da violência, chegue a alcançar sucesso entre nós- Grande mérito do fascismo é a instauração de uma reforma espiritual abrangendo uma verdadeira tábua de valores morais, dando a ideia de um triunfo sobre o liberalismo e também sobre as pretensões revolucionárias da esquerda- as reformas fascistas são, no entanto, uma sutil contra-reforma. É uma negação disciplinada o que se exprime em sua filosofia de emergência- Os integralistas seriam fascistas sem o elemento violento e, mais ainda, como uma força conservadora, empenhada no fortalecimento das instituições sociais, morais e religiosas de prestígio indiscutível e tendendo a se tornar inofensiva aos poderosos, quando não apenas seu instrumento.

Perspectivas- não adianta se basear em esquemas sábios e virtudes provadas para organizar nossa desordem, sem um mundo de essências mais íntimas

*** “As formas superiores da sociedade devem ser como um contorno congênito a ela e dela inseparável: emergem continuamente das suas necessidades específicas e jamais das escolhas caprichosas. Há, porém, um demônio pérfido e pretensioso, que se ocupa em obscurecer aos nossos olhos estas verdades singelas. Inspirados por ele, os homens se veem diversos do que são e criam novas preferências e repugnâncias. É raro que sejam das boas”