9
Descobertas na Filosofia Segunda-feira, 12 de Janeiro de 2009 Síntese da matéria - 1º teste do 2º período A Anterioridade e Diversidade da Experiência Valorativa 1.1. A anterioridade da experiência valorativa. Todo o ser humano conhece, na sua interioridade mais íntima, a experiência singular de preferir uns objectos em detrimento de outros, por exemplo de ver um filme em vez de ler um livro. A existência humana, excluídas as obrigações do trabalho, do estudo ou outras, decorre, em grande parte, num registo de possibilidades e escolhas a que os desejos dão maior ou menor preferência e o espírito confere mais ou menos sentido. A essas experiências de sentido e de preferência, tingidas de sentimentos pessoais e de desejos íntimos, determinadas naturalmente também pelos processos de socialização e educação, poderíamos dar-lhes o nome de experiências axiológicas ou experiências valorativas, justamente porque por detrás delas se escondem os nossos valores: mais ou menos conscientes ou mais ou menos inconscientes;

A acção humana e os valores

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A acção humana e os valores

Descobertas na FilosofiaSegunda-feira, 12 de Janeiro de 2009

Síntese da matéria - 1º teste do 2º período

A Anterioridade e Diversidade da Experiência Valorativa

1.1. A anterioridade da experiência valorativa.Todo o ser humano conhece, na sua interioridade mais íntima, a experiência singular de preferir uns objectos em detrimento de outros, por exemplo de ver um filme em vez de ler um livro. A existência humana, excluídas as obrigações do trabalho, do estudo ou outras, decorre, em grande parte, num registo de possibilidades e escolhas a que os desejos dão maior ou menor preferência e o espírito confere mais ou menos sentido. A essas experiências de sentido e de preferência, tingidas de sentimentos pessoais e de desejos íntimos, determinadas naturalmente também pelos processos de socialização e educação, poderíamos dar-lhes o nome de experiências axiológicas ou experiências valorativas, justamente porque por detrás delas se escondem os nossos valores: mais ou menos conscientes ou mais ou menos inconscientes; mais ou menos livres ou mais ou menos condicionados. Objectos, pessoas e condutas acabam assim por adquirir, em virtude da projecção das nossas inclinações para eles, um carácter de valiosos. Antes mesmo de sobre eles emitirmos quaisquer juízos apreciativos (positivos ou negativos) fomos sede e testemunhas dessas experiências valorativas. E por isso que falamos de anterioridade da experiência valorativa que é um corte com a indiferença.1.2. A diversidade da experiência valorativaA par da experiência da necessidade ou da utilidade prática de objectos e bens, de valor económico ou vital, poderíamos falar: · da experiência de fruição e de predilecção por objectos e obras, de valor artístico ou estético;· da experiência de

Page 2: A acção humana e os valores

estima e de admiração por pessoas e condutas, de valor moral;· da experiência de veneração e de respeito por lugares e atitudes, de valor religioso.Com Max Scheler, o filósofo patrono da axiologia ou teoria dos valores, e com Ortega y Gasset, poderíamos falar, no primeiro caso, de valores úteis e vitais; no segundo, de valores estéticos; no terceiro, de valores morais; e no quarto, de valores religiosos. Factos e Valores · À experiência das pessoas e dos acontecimentos, acrescentamos os sentimentos de preferência ou de rejeição, de aprovação ou de condenação.·Aos discursos dos factos antecipamos os enunciados ou juízos de valor.· Ao enunciado meramente constativo que diria: "Dezenas de timorenses foram mortos no cemitério de Santa Cruz", preferimos e antecipamos esse outro que diz: "É inteiramente incompreensível e condenável o massacre de dezenas de timorenses indefesos no cemitério de Santa Cruz".· Ao enunciado que diria: "Nos ares de Chernobil registam-se enormes quantidades de radiações atómicas", preferimos e antecipamos esse outro que diz: "É deplorável e vergonhoso que milhares de seres humanos venham a sofrer de deformações físicas graves em virtude das radiações atómicas emanadas da central atómica de Chernobil". O primado existencial dos valores relativamente aos factos Na base ou a par deste primado existencial dos valores relativamente aos factos, encontramos um outro: o primado existencial dos valores relativamente às coisas mesmas. Se há algo que fazemos quase ininterruptamente é dispensar apreciações valorativas ou "valorar". Quase sem cessar, atribuímos valor e solicitamos aos outros que se pronunciem valorativamente quanto às coisas, aos acontecimentos, às pessoas ou às condutas. Frequentemente perguntamos aos outros e os outros perguntam-nos a nós: "Que tal?", "Que achas?", "Que te parece?", "É bom?", "É mau?", "É justo?", "Estás de acordo?".Ora, é tão relevante este modo de estar e de nos relacionarmos com a realidade e com os outros que bem poderíamos dizer que as coisas, para nós, antes mesmo de serem, valem. Poderíamos também dizer que a realidade, em boa parte e em boa verdade, até deixa de ser, quando, para nós, deixa de valer.Na realidade, para o homem não há factos puros, mas sempre factos configurados pela experiência anterior, pelo sentimento, pela afectividade, ou seja, pela valorização.

Juízos de valor e factosA) Juízos de facto(descritivos ou de existência) ·Descrevem a realidade concreta ou informam sobre estados e acontecimentos, sem emissão de apreciação ou preferência valorativa;· São verdadeiros ou falsos, conforme se ajustam ou não à realidade;· Podem ser objecto de verificação empírica;· São objecto de total ou vasto consenso. Ex.: António abriu a porta.B) Juízos de valor(apreciativos, valorativos) ·Julgam os factos ou os actos em função de valores ou preferências axiológicas;· Não são empiricamente verificáveis;· Não recebem habitualmente um consenso tão vasto como os enunciados descritivos;·São de índole diversa:

Page 3: A acção humana e os valores

a) De apreciação valorativa moral Ex.: João procedeu bem.b) De apreciação valorativa estética Ex.: Este quadro é de rara beleza.c) De apreciação valorativa religiosa Ex.: S. Francisco é digno de veneração.d) De apreciação valorativa vital Ex.: O tabaco é prejudicial à saúde.e) De apreciação valorativa de utilidade Ex.: A água potável é hoje um bem escasso.As características dos valoresa) Os Valores são qualidades potenciais: isto é, são distintos das outras qualidades (características ou propriedade dos objectos ou seres que permite distingui-los uns dos outros) que também pertencem aos objectos, como a forma, o peso, a cor, o sabor, etc.Estas últimas são indispensáveis à essência dos objectos - eles não podem existir sem elas.Assim, os Valores não são indispensáveis à existência dos objectos - por isso lhes chamamos qualidades potenciais: qualidade enquanto propriedade que permite avaliar, apreciar, segundo uma escala de valores, e potencial como característica daquilo que pode acontecer, dar-se, produzir-se, isto é, a possibilidade de.De facto, o Valor não é uma coisa; a beleza de um quadro não se pode identificar com o próprio quadro. A beleza é uma qualidade do quadro que não tem existência própria independentemente do quadro. Portanto, os Valores necessitam sempre de um suporte, de um depositário sobre o qual descansam. Aparecem-nos, por isso, como meras qualidades desses depositários: beleza de um quadro, elegância de um vestido, utilidade de uma ferramenta. Por isso se diz que os Valores são qualidades potenciais, ou seja, as propriedades reais que sustentam o Valor, e sem as quais este não existiria, são valiosas só em potência. Por conseguinte, para as propriedades reais se transformarem em propriedades valiosas de facto, têm de entrar em contacto com o ser humano e com os seus interesses e necessidades - ter ou não ter valor resulta de uma apreciação que um indivíduo, ou Uma sociedade faz em função da presença ou da ausência de uma qualidade, que para ele, ou para a sociedade, é digna de estima e desejável.Em resumo, podemos afirmar que os Valores não são coisas, nem elementos das coisas, mas propriedades potenciais, meras possibilidades, isto é, não têm existência real, mas virtual - enquanto as qualidades primárias não se podem eliminar dos objectos, bastam uns golpes de martelo para terminar com a utilidade de um instrumento ou a beleza de uma estátua; (...), os valores são meras possibilidades - mais do que serem ou existirem, eles valem. Assim, podemos concluir que o valor não é uma propriedade dos objectos em si, mas uma propriedade adquirida por esses objectos graças à sua relação com o Homem como ser social, embora os objectos, para poderem valer, tenham de possuir realmente certas propriedades objectivas.b) O Valor é a ruptura da indiferença: ou seja, os Valores são aquelas qualidades potenciais que fazem com que os objectos não sejam indiferentes para nós - a não indiferença é a essência do Valor. Como tal, o Valor interpela-nos, compromete-nos, exige de nós uma posição-acção.De facto, o Valor remete para um dever-ser (ordem ideal) e para um dever-fazer (plano da acção), isto é, designa aquilo que merece e justifica que se viva, trabalhe e lute para atingir a realização, exigindo uma tomada de posição. Em síntese, introduzir o Valor no mundo é

Page 4: A acção humana e os valores

introduzir nele diferenças que estão sempre relacionadas com preferências, ou seja, trata-se sempre duma tomada de posição que rompe com a indiferença e assume a acção enquanto realização valorativa – sentimos que algo é importante, que me afecta ou indigna, que vale ou não a pena, e que podemos ajuizar (positivamente ou negativamente) e tomar posição sobre isso (exemplo: não há obra de arte que seja neutra, nem pessoa que se mantenha indiferente ao escutar uma sinfonia, ler um poema ou ver um quadro).c) O Valor é sempre Valor para alguém: isto é, o Valor está sempre referido a um sujeito. O Valor não existe em si, mas para alguém, numa relação com o sujeito humano. Aliás, não se concebe a possibilidade de quaisquer valores se não existir primeiro o espírito do homem. Sem este, o mundo seria axiologicamente neutro, cego para os valores, como era há mais de um milhão de anos, antes do aparecimento do primeiro homem sobre a terra.d) Os Valores são hierarquizáveis e apresentam-se em termos de uma polaridade: ou seja - e dado que nas diversas situações da vida, há Valores que consideramos superiores e outros inferiores -, os Valores surgem sempre ordenados segundo uma hierarquia, existindo entre eles uma relação de dependência e implicando o estabelecimento de prioridades. De facto, cada pessoa, cada grupo social, cada sociedade ou cultura, estabelecem as suas escalas ou tábuas de Valores, válidas para determinadas épocas. No entanto, é mais fácil afirmar a existência de uma ordem hierárquica do que indicar qual é essa ordem e quais são os critérios para a estabelecer (exemplo: muitos são os axiólogos que têm enunciado uma tábua de valores, pretendendo que essa seja a Tábua, mas a crítica mostra rapidamente os erros de tais tábuas e dos critérios utilizados na sua elaboração).Por outro lado, os Valores apresentam sempre uma polaridade, isto é, um valor surge sempre desdobrado: ao lado de um Valor aparece sempre o seu contrário - belo/feio; bom/mau...e) Os Valores são flutuantes: isto é, não se mantêm os mesmos através do tempo e do espaço e têm directamente a ver com as diversas culturas humanas (exemplo: muitos orientais afirmam que os chamados Direitos Humanos são apenas Valores ocidentais que tentamos universalizar...).Em suma, os Valores não são rígidos, fixos, imutáveis, mas transformam-se, modificam-se, evoluem. E não apenas de época para época, mas ao longo da vida de cada um de nós. Os critérios subjectivos ou pessoais “Para mim, o que é um valor?”“Como podemos conhecer ou distinguir o que é ou que tem valor para cada um de nos?” → Quais os critérios que me permitem considerar determinados objectos/ comportamentos/ realizações como valiosas? Assim, aquilo que valorizo, irá reflectir-se numa dada forma hierárquica de valorização. Exemplos:(1) A satisfação das necessidades: é valor tudo o que contribui para a satisfação do ser humano. É valorizado tudo o que contribua para satisfazer as minhas múltiplas necessidades e assim ordenar a minha tábua de valorizações.(2) Os projectos pessoais: é nestes projectos que se realizam alguns dos valores mais relevantes para cada pessoa, os quais serão os guias para a compreensão do que para mim é valorizável ou não, ou seja, todas as coisas, comportamentos ou realizações serão valorizados tendo em conta os valores dos projectos pessoais, o que irá influenciar a hierarquia pessoal de valores.(3) As sete pistas: liberdade/ alternativas/ consequências/ prazer /publicidade/ acção/ repetição → por estas pistas eu ganho consciência do que para mim é mais valioso, compreendendo, por consequência, a minha própria tábua de valores; alem do mais, será um bom e possível método para me ajudar a examinar novas experiências valorativas, dado que será valioso para mim tudo o que me levar a realizar as sete pistas.(4) Taxionomia de Krathwohl: outro método possível para compreender o meu grau de empenhamento, de modo a entender

Page 5: A acção humana e os valores

aquilo que eu devera dou valor. Ou seja, ao ver se cumpro as categorias da taxionomia, irei descobrir o grau de ligação a um dado valor, logo, descubro também a minha valorização e a sua posição hierárquica. Os valores intersubjectivos e as fontes de clarificação · São valores partilhados/ compartilhados (para nós, vós e para todos nós).· Implica conciliação da subjectividade com a intersubjectividade, os dos interesses individuais com os interesses colectivos, ou das experiências, juízos e tábuas pessoais, com as experiências axiológicas sociais e os seus lisos axiológicos colectivos e tábuas de valores de características intersubjectivas· Tais valores podem concretizar-se em sistemas de valores que reflectem uma vida colectiva. Ex.: comunidades locais, nacionais ou internacionais; organizações; instituições; associações; estados e relações entre estados; etc...· É a reflexão e a argumentação que são levadas a cabo no âmbito da filosofia, na intenção de clarificar os valores que mais convêm ao desenvolvimento harmonioso das potencialidades de cada ser humano, que melhor servem a convivência comunitária ou que mais se ajustam e contribuem para a cooperação entre as culturas e os povos·Fontes de clarificação de vários sistemas de valores Intersubjectivos: - declarações; convenções; pactos internacionais; constituições dos estados. A problemática É possível estabelecer critérios objectivos para efeitos de uma avaliação axiológica universal válida, que nos conduza a uma ética universal ??? · Do carácter relativo das culturas e valores às objecções que indicam que existe um centro consenso universal, sobretudo no que diz respeito a problemas que têm reprovações globais.· Respeitando a diversidade cultural (as identidades culturais de cada povo) e fundamentando o diálogo entre as várias diversidades, evitando a queda no extremo relativismo cultural e axiológico, de modo a estabelecer consenso e acordos para o bem-estar da humanidade.· Critérios pelos quais será possível estabelecerem consensos e acordos universais: antropológico/intersubjectividade comunicativa/argumentação e democracia. Só terá valor e será considerado valor a defender aquilo que seguem estes critérios, do mesmo modo, uma tábua universal só será legítima se houver o cumprimento de tais parâmetros. · Critério Antropológico – É o critério que tem tudo a haver com o Homem. Só é ou só tem valor aquilo que serve a realização da pessoa humana.· Critério da Intersubjectividade comunicativa – Aqui, a verdade não é absoluta e os problemas só poderão ser resolvidos na base de consensos compartilhadamente discutidos e acordados.· Critério da Argumentação – Não basta a partilha das preferenciais valorativas pessoais ou subjectivas; importa que elas sejam objecto de argumentação dialógica no espaço público.· Critério Democrático – Aqui, é um valor ou uma avaliação axiológica senão tanto mais respeitáveis quanto mais compartilhados, ou seja, a verdade encontra-se necessariamente do lado da maioria. As tarefas da Filosofia As tarefas da Filosofia enquanto reflexão e análise axiológica: · Esclarecer o que são os valores;· Esclarecer quais são os primados existenciais que os valores possuem face a factos e a coisas;· Compreender a relação entre experiências e juízos axiológicos;· Clarificar quais os critérios Subjectivos e Intersubjectivos;· Estabelecer e justificar a clarificação dos valores que melhor convêm ao desenvolvimento harmonioso do ser humano em particular. Logo, devemos submeter as tábuas de valores a um exame crítico.· Argumentar e clarificar quais os valores que melhor convêm ao desenvolvimento harmonioso das várias comunidades, culturas e povos, particularmente nas relações que estabelecem uns com os outros. Logo, devemos sempre submeter todos os valores a um exame crítico de modo a confirmar se os mesmos estão a ser cumpridos ou devem ser modificados.· Como fundamentação nacional necessária para a defesa de uma ética universal, à escala mundial, esclarecendo, para isso,

Page 6: A acção humana e os valores

os respectivos critérios valorativos universais.· Como reflexão sobre a diversidade cultural e seus diversos valores, no horizonte de uma discussão filosófica sobre a possibilidade de encontrarmos critérios trans-subjectivos (para além do subjectivo) de valoração, promovendo o diálogo Intercultural. O projecto de uma ética universal Existe a necessidade de uma ética universal, ou seja, de um consenso, porque por um lado nunca foi tão urgente como na nossa era, na era de uma civilização unificada ao nível planetário pelas consequências tecnológicas da ciência. Por outro lado, a tarefa filosófica de fundamentar racionalmente uma ética universal nunca pareceu tão difícil e inclusive desesperada como na era da ciência, e precisamente porque nesta época a ideia de validade intersubjectiva está também prejudicada pela ciência e pela ideia cientifica de uma ‘objectividade’ normativamente não valorativa. Valores e Culturas