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A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL E OS DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS

A Administração Pública Municipal e Os Desafios Contemporâneos

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ALVES, Felipe Dalenogare. A Administração Pública Municipal e os desafios contemporâneos. São Paulo: PerSe, 2014.

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  • A ADMINISTRAO PBLICA

    MUNICIPAL E OS DESAFIOS

    CONTEMPORNEOS

  • PerSe Editora www.perse.com.br

    Rua Turiass, 390. 17 andar. Cj 176. Bairro das Perdizes.

    So Paulo-SP. CEP 05005-000.

  • FELIPE DALENOGARE ALVES FABIANO DE OLIVEIRA BECKER

    SILOMAR GARCIA SILVEIRA Organizadores

    A ADMINISTRAO PBLICA

    MUNICIPAL E OS DESAFIOS

    CONTEMPORNEOS

    1 Edio

    Autores/Colaboradores

    Alberto Barreto Goerch Francieli Freitas Meotti Aneline dos Santos Ziemann Guilherme Estima Giacobbo Carlos A. Michaello Marques Ianai Simonelli da Silva

    Cleize Carmelinda Kohls Juliana Machado Fraga Denise Bittencourt Friedrich Mrcio Bonini Notari

    Felipe Dalenogare Alves Mnia Clarissa Hennig Leal Fernando Roberto Schnorr Alves Monique Pereira

    So Paulo

    PerSe Editora 2014

  • Ttulo A administrao pblica municipal e os desafios contemporneos.

    Todos os direitos reservados aos organizadores. Proibida a reproduo no todo ou em parte, salvo em citaes com a indicao

    da fonte.

    Printed in Brazil/Impresso no Brasil

    ISBN 978-85-8196-624-3

    Capa Gian Felipe Duarte Reinoso

    Diagramao

    Felipe Dalenogare Alves

    Os autores dos respectivos textos se responsabilizam pela autoria e originalidade dos mesmos.

    Ficha Catalogrfica:

    A866a Alves, Felipe Dalenogare; Becker, Fabiano de Oliveira; Silveira, Silomar Garcia. (Orgs).

    A Administrao pblica municipal e os desafios contemporneos / Felipe Dalenogare Alves; Fabiano de Oliveira Becker; Silomar Garcia Silveira. So Paulo: Perse, 2014.

    214 p. ; 14x21 cm

    ISBN 978-85-8196-624-3

    1. Direitos sociais, polticas pblicas e oramento. 2. Direito Urbanstico. 3. Polticas Pblicas no Brasil. 4. Poder Local e Oramento Participativo. 5. A Administrao Pblica e o princpio da publicidade. 6. A boa gesto pblica e os mecanismos legais sobre o endividamento municipal. 7. Conhecendo as polticas pblicas. 8. Corrupo. I. Ttulo.

    CDD: 340

    ndice para catlogo sistemtico:

    Direitos sociais, polticas pblicas e oramento : Direito Urbanstico : Polticas Pblicas no Brasil : Poder Local e Oramento Participativo : A Administrao Pblica e o princpio da publicidade : A boa gesto pblica e os mecanismos legais sobre o endividamento municipal : Conhecendo as polticas pblicas : Corrupo. 340

  • CONSELHO EDITORIAL

    Prof. Ms. Alberto Barreto Goerch UFSM

    Prof. Dr. Caroline Mller Bittencourt UNISC

    Prof. Ms. Civana Silveira Ribeiro URCAMP

    Prof. Ms. Isin Schffer Stahlhfer ULBRA

    Prof. Ms. Iuri Bolesina IMED

    Prof. Dr. Janri Rodrigues Reck UNISC e UFPel

    Prof. Ms. Joo Alexandre Netto Bittencourt ULBRA

    Prof. Dr. Joo Aparecido Bazolli UFT

    Prof. Ms. Lige Alendes de Souza UNIFRA e AMF

    Prof. Dr. Mnia Clarissa Hennig Leal UNISC

    Prof. Ms. Tssia Aparecida Gervasoni FADISMA

  • APRESENTAO

    A concretizao desta obra resulta de um grande esforo, na busca de uma produo slida, desenvolvida por estudiosos que se dedicaram a investigar os desafios contemporneos que se apresentam na administrao pblica municipal, aproximando da academia os atores envolvidos no trato da coisa pblica.

    Precedido pelo livro Os Novos Paradigmas na Administrao Pblica Municipal, tambm por ns organizado em 2013, este trabalho compe-se de pesquisas, em sua maioria, realizadas junto ao Centro Integrado de Estudos e Pesquisas em Polticas Pblicas CIEPPP, vinculado ao Programa de Ps-Graduao em Direito (Mestrado e Doutorado) da Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC, todas previamente selecionadas e avaliadas pelo Conselho Editorial composto por Professores Mestres e Doutores atuantes em instituies de ensino superior de diferentes locais do pas.

    A obra, alm de se destinar ao pblico geral, objetiva a difuso dos estudos acadmicos propagados e incentivados pela Unio dos Vereadores do Rio Grande do Sul UVERGS, onde os organizadores atuam construo de uma administrao pblica tica e eficaz, seja por seu Presidente, seja pelos seus docentes colaboradores.

    Contemporaneamente, atitudes e instituies forjadas ao longo dos sculos esto em crise, submetendo-se cotidianamente a teses em busca do progresso social. Estas tenses se apresentam nos mais diversos campos, seja social, econmico, moral, educacional, ambiental, etc.

    A superao destes desafios impe ao poder pblico, em especial ao poder local, em grande parte do territrio nacional, o nico contato entre Estado e Sociedade, prticas fundamentais, estruturadas sob a aura Constitucional Contempornea, vistas a seguir.

  • No basta a adoo dos valores intrnsecos aos novos desafios: justia, incluso, democracia, solidariedade, diversidade e pluralidade. Ao poder municipal cabe dar concretude ao novo, como ocorre na consecuo dos direitos fundamentais, conforme abordado ao longo da obra.

    Os objetivos estabelecidos pela Constituio Cidad tero que ser alcanados sob um contexto de escassez de recursos, sejam financeiros, materiais ou humanos. Se assim no for, transcender-se- ao caos, atingindo a completa desordem institucional do Estado brasileiro e os governos perdero a legitimidade pela incapacidade de articular respostas s demandas da sociedade, vindo literalmente a falir.

    Para adquirir novas capacidades necessrias sua sobrevivncia, importante que o Estado saiba, ou comece a constatar, que se torna indispensvel potencializar estes recursos. Esta potencialidade no est, entretanto, simplesmente dada, mas necessita ser realizada, libertada, desenvolvida. O ncleo vital da pessoa humana encontra-se, em grande parte, aprisionado, condicionado formao tradicional, pela inflexibilidade que submete a papis fixos, e pelas prticas gerenciais que cerceiam a criatividade.

    por este motivo que se buscou o carter interdisciplinar ao livro, no se esgotando em aspectos jurdicos, mas tratando de aspectos administrativos, pois de nada valeria ao seu propsito, se fossem apresentados valores exclusivamente tericos, sem lhes dar aplicao prtica.

    O ponto alto deste trabalho o de ser uma reflexo conceitual e prtica a respeito de caminhos possveis para o desenvolvimento poltico essencial ao trato de temas atuais na Administrao Pblica, em especial a Municipal.

    Por fim, no obstante as lacunas que possa apresentar, este um fruto resultante de pesquisas que objetivaram subsidiar elementos de aplicao que certamente ter resultados no campo da gesto pblica.

    Os Organizadores

  • Sumrio

    DIREITOS SOCIAIS, POLTICAS PBLICAS E ORAMENTO: um controle jurisdicional pela reserva do possvel no sentido do que razovel se exigir do Estado ............................... 9 Mnia Clarissa Hennig Leal & Felipe Dalenogare Alves

    DIREITO URBANSTICO: os desafios do novo paradigma jurdico-ambiental para o gestor pblico municipal .......................... 35 Carlos Alexandre Michaello Marques

    POLTICAS PBLICAS NO BRASIL: uma breve reflexo terica sobre as polticas pblicas e a concretizao dos direitos sociais no mbito local ............................................................................................. 61 Cleize Carmelinda Kohls & Juliana Machado Fraga

    PODER LOCAL E ORAMENTO PARTICIPATIVO: ferramentas para o fortalecimento da democracia participativa e melhora na gesto de polticas pblicas .............................................. 79 Francieli Freitas Meotti & Fernando Roberto Schnorr Alves

    A ADMINISTRAO PBLICA E O PRINCPIO DA PUBLICIDADE: uma anlise jurisprudencial do controle social quanto lei de acesso informao .................................................. 109 Alberto Barreto Goerch

    A BOA GESTO PBLICA E OS MECANISMOS LEGAIS SOBRE O ENDIVIDAMENTO MUNICIPAL: um paralelo entre a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei 73/2013 das Autarquias Locais Portuguesas ............................................................................... 137 Guilherme Estima Giacobbo & Mrcio Bonini Notari

    CONHECENDO AS POLTICAS PBLICAS: aspectos conformadores e a relao entre a solidariedade e o Capital Social ................................................................................................................. 161 Aneline dos Santos Ziemann & Monique Pereira

    UMA ANLISE DA CORRUPO ENQUANTO FENMENO POLTICO E SOCIAL A PARTIR DO PRINCPIO DA JUSTIA COMO EQUIDADE DE JOHN RAWLS .................................................................................................. 187 Denise Bittencourt Friedrich & Ianai Simonelli da Silva

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    DIREITOS SOCIAIS, POLTICAS PBLICAS E ORAMENTO: um controle jurisdicional pela reserva

    do possvel no sentido do que razovel se exigir do Estado

    Mnia Clarissa Hennig Leal1

    Felipe Dalenogare Alves2

    Introduo

    O presente trabalho expe o resultado de uma pesquisa bibliogrfica, utilizando-se dos mtodos dedutivo, para fins de abordagem, e monogrfico, a ttulo procedimental, sobre a temtica dos direitos sociais, polticas pblicas e a relao entre o oramento pblico e o controle jurisdicional, tendo por objetivo principal analisar, sob os contornos do constitucionalismo contemporneo, como um controle fundamentado na reserva do possvel (tomada em seu sentido original de razoabilidade, ou seja, daquilo que

    1 Ps-Doutora em Direito pela Ruprecht-Karls Universitt Heidelberg, Alemanha. Doutora em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, com pesquisa realizada junto Ruprecht-Karls Universitt Heidelberg, na Alemanha. Professora do Programa de Ps-Graduao em Direito Mestrado e Doutorado da Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC. Coordenadora do Grupo de Pesquisa Jurisdio Constitucional Aberta, vinculado e financiado pelo CNPq, desenvolvido junto ao Centro Integrado de Estudos e Pesquisas em Polticas Pblicas CIEPPP (financiado pelo FINEP), ligado ao Programa de Ps-Graduao em Direito Mestrado e Doutorado da UNISC. Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. 2 Mestrando em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul UNISC. Especialista em Direito Pblico pela Universidade Cndido Mendes UCAM. Ps-graduando lato sensu (Especializao) em Gesto Pblica Municipal pela Universidade Federal de Santa Maria UFSM e Direitos Humanos pela Universi-dade Federal do Rio Grande FURG. Membro do Grupo de Pesquisa Jurisdio Constitucional aberta, vinculado ao CNPq e coordenado pela Prof. Ps-Dr. Mnia Clarissa Hennig Leal.

  • Felipe Dalenogare Alves, Fabiano de Oliveira Becker e Silomar Garcia Silveira

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    possvel se exigir do Estado em termos de prestao) pode auxiliar na minimizao dos impactos oramentrios.

    Os direitos fundamentais sociais, na ordem constitucional contempornea, constituem-se como indispensveis para a existncia humana com dignidade. Por sua vez, exigem prestaes positivas por parte do Estado (sejam elas fticas ou normativas), estando intimamente relacionados noo de Estado Social e Democrtico de Direito, voltado a garantir o bem estar geral, garantia das necessidades bsicas e a minimizao das desigualdades.

    A principal forma de dar concretude a estes direitos por intermdio das denominadas polticas pblicas. Estas devem ser pensadas, debatidas e elaboradas na arena poltica, entre os Poderes Legislativo e Executivo, englobando momentos distintos, que vo desde a percepo e a definio dos problemas sociais, passando por sua insero na agenda poltica, at chegar-se formulao, implementao e avaliao da poltica.

    indiscutvel que, sem oramento pblico, no h concretizao destas polticas pblicas e, consequentemente, efetivao dos direitos sociais. Dito de outra forma, o Estado, para realiz-las, necessita de dinheiro. Em meio escassez, o planejamento do Poder Pblico, com a correta alocao de recursos, principalmente s polticas pblicas constitucionais vinculantes, demonstra-se ponto fundamental prpria concretizao do Estado Democrtico de Direito.

    Diante da necessidade de efetivao destes direitos e da incapacidade dos Poderes polticos em acompanhar os anseios sociais, cada vez mais imediatos, o cidado, agora dotado de instrumentos jurdicos eficazes (a exemplo das aes constitucionais), acompanhado de tutores cada vez mais bem aparelhados, como a Defensoria Pblica e o Ministrio Pblico, passa a bater porta do Poder Judicirio, como um grito de socorro, o que desencadeia (dentre outras causas)

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    uma maior atuao jurisdicional no controle das polticas pblicas.

    Como argumento de Estado, muitas vezes, se invoca a reserva do possvel, em uma distoro brasileira, associada s questes oramentrias, em grande parte uma alegao vazia, desprovida de qualquer elemento probatrio, com o simples propsito de fugir da obrigao constitucional e se abster de dar efetividade aos direitos sociais.

    Ao passo em que se torna importante um estudo ligado ao processo oramentrio, uma vez que este no pode ser desconsiderado pelos trs Poderes, se vislumbra na reserva do possvel, tal como concebida na Alemanha, associada proporcionalidade, no sentido daquilo que se demonstra razovel exigir do Estado e da prpria sociedade, um fundamento de atuao do Poder Judicirio, o qual poder contribuir construo de uma reserva do possvel construda pela racionalidade em substituio a ideia de disponibilidade de recursos.

    Diante deste contexto, a pesquisa justifica-se pela necessidade de desenvolvimento de um estudo que esclarea pontos importantes acerca desta temtica, como a seguinte questo: possvel uma convivncia harmoniosa entre polticas pblicas e oramento, a fim de que sejam concretizados os direitos sociais?

    Para isso, se analisar a relao entre Polticas Pblicas e oramento, demonstrando-se a importncia deste efetivao dos direitos fundamentais sociais e como a reserva do possvel, constituindo-se em fundamento de atuao do Judicirio no controle de polticas pblicas, poder, da mesma forma, contribuir efetivao destes direitos, se tomada em seu sentido de razoabilidade.

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    2 Direitos sociais e Polticas Pblicas: o oramento pblico como elemento concretizador

    Os direitos fundamentais sociais, tidos como de segunda dimenso, relativos igualdade, so cognominados de direitos positivos ou prestacionais, uma vez que exigem uma prestao positiva por parte do Estado para que se atinja sua consecuo3. Eles nascem vinculados ao Estado Social, voltados a garantir o bem estar geral, para garantir as necessidades bsicas e minimizar as desigualdades4.

    Em outras palavras, necessrio que se tenha em mente que estes direitos de natureza prestacional pressupem um direito de prestao em sentido lato, que se reveste em uma pretensin de prestacin estatal, implicando acciones de los poderes pblicos para dar respuesta a dicha pretensin5. Significa dizer que eles no so direitos contra o Estado, mas sim direitos atravs do Estado, exigindo do poder pblico certas prestaes materiais6.

    Mesmo que, atualmente, no se possa admitir entendimento diferente de que as normas referentes aos direitos sociais no representam meras recomendaes ou preceitos morais com eficcia tico-poltica meramente diretiva, mas constituem Direito diretamente aplicvel7, decorrente da aplicao imediata conferida aos Direitos Fundamentais, necessrio que se reconhea que nem

    3 Embora existam aqueles que no necessariamente sejam prestacionais, apenas pressuponham prestaes normativas do Estado, como as normas trabalhistas (frias, 13 salrio, etc.). 4 CARA, Juan Carlos Gavara de. La dimensin objetiva de los derechos sociales. Barcelona: Bosch Editor, 2010. p. 11. 5 Ibidem. p. 18. 6 KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Fabris Editor, 2002. p. 19. 7 Ibidem. p. 20.

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    sempre este foi o entendimento da doutrina brasileira e, ainda hoje, existem controvrsias:

    Embora aparentemente estejamos diante de uma obviedade, o fato de existirem segmentos da doutrina, ainda que bem intencionados e mesmo amparados em argumentos de relevo, que estejam negando a condio de autnticos direitos fundamentais dos direitos sociais (existe at quem negue a prpria existncia dos direitos sociais!) torna oportuna a lembrana de que ao se tratar de direitos fundamentais na Constituio no h como abrir mo de uma perspectiva dogmtico-jurdica (mas no necessariamente formal-positivista) da abordagem, reafirmando-se, de tal sorte, a necessidade de uma leitura constitucionalmente adequada da prpria fundamentao (inclusive filosfica) tanto da assim designada fundamentalidade quanto do prprio contedo dos direitos sociais.8

    Assim, eles no podem ser vistos como meios de

    reparar situaes injustas, nem so subsidirios de outros direitos. No se encontram, portanto, em situao hierarquicamente inferior aos direitos civis e polticos.9 Isso porque os direitos sociais entendidos como igualdade material e exerccio da liberdade real exercem no novo paradigma, aqui proposto, posio e funo, que incorpora aos direitos humanos uma dimenso necessariamente social10.

    Os direitos de segunda dimenso esto intrinsecamen-te relacionados ao Estado Social, qual seja, um Estado volta-do ao bem estar da sociedade, para a qual deve garantir direi-tos como sade, educao, saneamento, trabalho, habitao,

    8 SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos sociais como direitos fundamentais: contributo para um balano aos vinte anos da Constituio Federal de 1988. In: SOUZA NETO, Cludio Pereira de, SARMENTO, Daniel, BINENBOJM, Gustavo (Coords). Vinte Anos da Constituio Federal de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 482-483. 9 BARRETO, Vicente de Paulo. Reflexes sobre os direitos sociais. In: Revista Quaestio Iuris. v. 1. n. 6-9. Rio de Janeiro: UERJ, 2012. p. 3. 10 Idem.

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    lazer, previdncia, segurana, dentre outros. por meio deles que se conseguir diminuir a pobreza, esta no apenas vista como a falta de dinheiro, mas como uma condio de priva-o de capacidades indispensveis para que uma pessoa possa ser livre e usufruir dos benefcios que a sociedade proporcio-na11.

    Mesmo que se admita alguma diferena terminolgica entre Estado Social e Estado de bem estar12, h de se afirmar que se trata de um Estado voltado realizao e concretizao dos direitos de igualdade, que tem, inclusive, outorgado uma nova dimenso democracia, visando garantizar la igualdad de oportunidades y uma cierta redistribucin de la renta13, o que, indubitavelmente, ocasiona reflexos vultosos, principalmente no tocante a alocao dos recursos pblicos.

    Torna-se necessrio destacar que, em nvel de direitos fundamentais, com um captulo prprio, na Constituio Federal de 1988 que os direitos sociais surgem pela primeira vez14, ou seja, petrificados como valores eleitos pelo Constituinte como integrantes do topo da Ordem Constitucional, como garantias prpria vida humana com

    11 SCHMIDT, Joo Pedro. Excluso, incluso e Capital Social: O capital social nas aes de incluso. In: LEAL, Rogrio Gesta; REIS, Jorge Renato dos. Direitos Sociais e Polticas Pblicas. t. 6. Santa Cruz do Sul: EdUNISC, 2006. p. 1779. 12 Snchez destaca que os termos tm sido utilizados de forma indistinta, como sinnimos. Para o autor, o Estado Social a frmula pela qual legisladores constituintes tm materializado a vontade de interveno social de rgos pblicos e que, em alguns pases, possou a ter reconhecimento constitucional, outorgando ao Estado a interveno em determinados mbitos sociais e econmicos. J o Estado de bem estar utilizado para se referir a mbitos de interveno estatal mais reduzidos que no Estado Social. SNCHEZ, Jordi. El Estado de Bienestar.In: BADIA, Miquel Caminal. (Coord). Manual de Ciencia Poltica. Madrid: Tecnos, 2006. p.259. 13 SNCHEZ, Jordi. El Estado de Bienestar.In: BADIA, Miquel Caminal. (Coord). Manual de Ciencia Poltica. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2006. p. 258. 14 KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do Possvel e a efetividade dos direitos sociais no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 75.

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    dignidade, podendo ser elevado prpria conditio sine qua non do Estado constitucional democrtico15.

    Como visto, cabe ao Estado efetivar, por meio de diferentes formas, os direitos sociais. Um dos instrumentos para que esta efetivao reside nas denominadas polticas pblicas, que, embora no possuam um conceito pronto e acabado, podem ser vistas como uma ao estratgica (de instituies ou pessoas de direito pblico) que visa atingir fins previamente determinados por finalidades, objetivos e princpios de natureza pblica16.

    O conceito de polticas pblicas se torna algo complexo, principalmente nos pases de lngua originria latina, uma vez que, enquanto nos de origem anglo-saxnica se faz a distino entre politics y policies, sendo que usan la primera expresin para referirse a la poltica entendida como construccin del consenso y lucha por el poder, mientras la segunda se utiliza para denominar las actividades gubernamentales ms concretas en campos especficos17, nos de origem latina existe um s termo para se referir ao conjunto de todas estas atividades18.

    Pode se afirmar que elas so o Estado em ao, o resultado da poltica institucional e processual. As polticas se materializam em diretrizes, programas, projetos e atividades que visam resolver problemas e demandas da sociedade19,

    15 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos Direitos Fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 70. 16 LEAL, Rogrio Gesta. O controle jurisdicional de polticas pblicas no Brasil: possibilidades materiais. In: Revista de Derecho de la Universidad de Montevideo. v. 5. n. 9. Montevidu, 2006. p. 58. 17 FERNNDEZ, Antoni. Las Polticas Pblicas. In: BADIA, Miquel Caminal. (Coord). Manual de Ciencia Poltica. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2006. p. 499. 18 Idem. 19 SCHMIDT, Joo Pedro. Para entender as polticas pblicas: aspectos conceituais e metodolgicos. In: REIS, Jorge Renato dos; LEAL, Rogrio Gesta. (Orgs). Direitos sociais e polticas pblicas: desafios contemporneos. t. 8. Santa Cruz do Sul: EdUNISC, 2008. p. 2311.

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    consubstanciando-se nas providncias para que os direitos se realizem, para que as satisfaes sejam atendidas, para que as determinaes constitucionais e legais saiam do papel e se transformem em utilidade aos governados20.

    Schmidt identifica cinco fases no processo de elaborao e execuo das polticas pblicas, quais sejam: a) a percepo e a definio dos problemas; b) a insero na agenda poltica; c) a formulao; d) a implementao e e) a avaliao21, sendo possvel classificar as trs primeiras na etapa de implantao e as duas ltimas na etapa de implementao da poltica pblica22.

    Na fase de percepo e definio dos problemas, se transforma uma situao de dificuldade em um problema poltico. Significa dizer que esta fase o momento em que uma situao problema (entre inmeras) se torna objeto de ateno da sociedade e do governo, estando apta a ser includa na agenda poltica23 (como exemplo, pode-se destacar a acessibilidade de cadeirantes nas vias pblicas municipais, que ensejaro uma reposta poltica, por parte dos Poderes constitudos).

    Percebendo-se e definindo-se o problema, este adentra agenda poltica, que se constitui no elenco de

    20 OLIVEIRA, Rgis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 251. 21 SCHMIDT, Op Cit. p. 2315. 22 Ao se tratar de polticas pblicas, embora a maior parte da doutrina, terminologicamente, no faa distino (entre implantao e implementao), vislumbra-se a existncia de duas fases principais: a previso ou formulao (implantao) e a execuo (implementao), o que ter valor no momento do estudo do controle jurisdicional das polticas pblicas, principalmente no tocante discricionariedade. ALVES, Felipe Dalenogare; LEMOS, Mait Dam Teixeira. O controle jurisdicional de polticas pblicas relativas educao. In: Anais do X Seminrio Internacional de Demandas Sociais e Polticas Pblicas na Sociedade Contempornea & VI Mostra de Trabalhos Jurdicos Cientficos. Santa Cruz do Sul: EdUNISC, 2013. p. 7-9. 23 SCHMIDT, Op Cit. p. 2315-2316.

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    problemas e assuntos que merecem a ateno dos cidados e do governo. No se trata de um documento formal/escrito, mas de um conjunto de questes importantes (de repercusso) debatidas pelos atores sociais, em constante construo24.

    A formulao a fase em que se define a forma de solucionar o problema poltico, escolhendo-se as alternativas a serem adotadas (estabelecem-se diretrizes, objetivos e metas). Este momento, ocorrido na arena poltica envolve conflitos, acordos e negociaes entre os diversos grupos sociais interessados e os agentes responsveis pela tomada de deciso25.

    J na fase de implementao, d-se concretude formulao, a qual ocorre por intermdio de aes/atividades que materializam as diretrizes, os programas e os projetos de governo e, geralmente, ficam sob responsabilidade da Administrao. Importante destacar, entretanto, que esta fase no exclusivamente prtica, demandando, muitas vezes, novas decises e a redefinio de pontos formulados inicialmente26.

    A ltima fase a avaliao da poltica pblica, que se constitui no momento de aferir a efetivao, os resultados obtidos, o custo e a aceitao. O Brasil ainda criticado pela falta de avaliaes criteriosas (as internas apresentam pouca credibilidade por suspeita de comprometimento poltico e as externas porque, geralmente, so contratadas pelos governantes na expectativa de receberem o aval de suas realizaes). Em suma, deve-se buscar uma avaliao de efetividade, eficcia, eficincia e legitimidade27, o que se demonstra tarefa difcil, principalmente pela descontinuidade

    24 Ibidem. p. 2316. 25 Ibidem. p. 2317-2318. 26 Ibidem. p. 2318. 27 Ibidem. p. 2320-2321.

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    que caracteriza o governo em todos os nveis: [...] o aparato governamental tambm objeto de loteamento poltico-partidrio e de grupos de interesse. Todas as estruturas, em todos os nveis de governo e a cada governo, a cada nova gesto, so novamente loteadas para os partidos e para os grupos de apoio. Desse modo, cada uma dessas fatias que j campo de uma dada corporao e de um grupo de interesses que extrapola a corporao setorial passa por um novo loteamento poltico-partidrio. Todos os setores, como Educao, Obras, Sade etc., so campos de interesse de fornecedores, de produtores, de corporaes e de grupos poltico-partidrios.28

    Assim, aps ser implementada e avaliada, a poltica

    pblica passa pela deciso que ir optar por la continuidad, la redefinicin o el cese de una poltica o programa pblico29. Em grande parte, tal deliberao depender do oramento pblico e de todo o processo oramentrio (com uma ateno especial correta alocao dos recursos necessrios) que se encontra intimamente relacionado ao (in) sucesso da poltica pblica.

    Se possvel afirmar que as polticas pblicas so programas de ao governamental visando a coordenar os meios disposio do estado e as atividades privadas para a realizao de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados30, do mesmo modo h de se dizer que o Cons-tituinte estabeleceu o que Leal denomina de polticas pbli-cas constitucionais vinculantes, as quais no estariam dentro do juzo de convenincia e oportunidade do poder pblico em execut-las ou deixar de promov-las, alm de se torna-

    28 INOJOSA, Rose Marie. Sinergia em polticas e servios pblicos: desenvolvimento social com intersetorialidade. In: Cadernos Fundap. n. 22. So Paulo: FUNDAP, 2001. p. 104. 29 FERNNDEZ, Op Cit. p. 516. 30 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Polticas Pblicas. So Paulo: Saraiva, 2006. p. 241.

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    rem prioridades, especialmente na alocao oramentria31. Neste cenrio, cresce de importncia a questo do

    oramento pblico, pois no h polticas pblicas de efetivao dos direitos sociais sem a prvia dotao oramentria. Isso porque a concepo contempornea de oramento pblico est diretamente relacionada noo de polticas pblicas. Afinal, a partir do Estado Social que surge, por meio de polticas pblicas e do oramento a interveno positiva do Poder Pblico na ordem econmica e na ordem social32.

    Qualquer poltica pblica implica em uma despesa pblica, que nada mais representa do que a utilizao de recursos do Estado no custeio das atividades por ele desenvolvidas, seja na manuteno de suas instalaes e

    31 O autor expe que, dentre as Polticas Pblicas Constitucionais Vinculantes, destaca-se o disposto nos seguintes dispositivos constitucionais: (art.5, XXXIV poltica pblica que viabilize a obteno de certides em reparties pblicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situaes de interesse pessoal; art.5, XLVIII, XLIX e L polticas pblicas prisionais, a fim de garantir que a restrio da liberdade se d de maneira a dar guarida s prerrogativas de que a pena seja cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado, assegurando-lhe o respeito integridade fsica e moral, e que, s presidirias, sejam asseguradas condies para que possam permanecer com seus filhos durante o perodo de amamentao; art.5, LV polticas pblicas jurisdicionais, por exemplo, a fim de dar efetividade ao comando constitucional que determina aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, que sejam assegurados o contraditrio e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; art.23 e incisos, quando determina as competncias comum da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios). Leal ainda aponta que tais exemplos poderiam se prolongar por outros temas constitucionais, passando pela ordem social e econmica dos arts.170, 194, 196 e 197, 201, e tantos outros, haja vista o alcance que possuem em face das demandas sociais e interesses da cidadania. LEAL, Rogrio Gesta. O Controle Jurisdicional de Polticas Pblicas no Brasil: Possibilidades Materiais. In: Revista de Derecho de la Universidad de Montevideo. v. 5. n. 9. Montevidu, 2006. p. 59. 32 MNICA, Fernando Borges. Teoria da reserva do possvel: direitos fundamentais a prestaes e a interveno do Poder Judicirio na implementao de polticas pblicas. In: Revista Eletrnica de Direito Administrativo Econmico. n. 25. Salvador: IBDP, 2011. p. 2.

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    equipamentos, seja na prestao de servios para a sociedade33. Ocorre que esta despesa s poder ser realizada se houver prvia dotao e autorizao legislativa por meio da lei oramentria anual (art. 167, incisos I e II da Constituio Federal).

    Assim, atendendo-se aos requisitos, procede-se despesa e, importante ressaltar, a deciso de gastar , fundamentalmente, uma deciso poltica. O administrador elabora um plano de ao, descreve-o no oramento, aponta os meios disponveis para seu atendimento e efetua o gasto34, dentro daquilo que deve ser a prioridade do governo, sem deixar de lado, obviamente, as polticas vinculantes.

    Em outras palavras, significa dizer que a relao polticas pblicas/oramento dialtica, ou seja, ao passo que a lei oramentria prev e autoriza as despesas necessrias implementao das polticas pblicas, estas ficam limitadas pelas possibilidades financeiras, objetivando-se manter o equilbrio oramentrio35, achando-se, pois, vinculadas ao crdito oramentrio ou adicional.

    por estas razes que, procedimentalmente, o ora-mento, no Estado Social, cresce de importncia em mesmo nvel que o planejamento, com a correta alocao orament-ria nas reas prioritrias. Frente a isso, a Constituio de 1988 previu, respectivamente no Art. 165, incisos I, II e III, trs instrumentos oramentrios36, para que o Poder Pblico pudesse planejar e executar as despesas com responsabilida-

    33 ALBUQUERQUE, Claudiano Manoel de; MEDEIROS, Mrcio Bastos; SILVA, Paulo Henrique Feij da. Gesto de Finanas Pblicas: Fundamentos e prticas de planejamento, oramento e administrao financeira com responsabilidade fiscal. 2. ed. Braslia: Finanas Pblicas, 2008. p. 37. 34 OLIVEIRA, Op Cit. p. 243. 35 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributrio: o oramento na Constituio. v. 5. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 110. 36 Assim ocorre na Constituio Alem, que prev, no Art. 109, 3, o plano plurianual e, no Art. 110, o plano oramentrio e a lei oramentria.

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    de37, dando-se destaque ao plano plurianual (PPA), lei de diretrizes oramentrias (LDO) e lei oramentria anual (LOA).

    Desta forma, o PPA dever contemplar as diretrizes, objetivos e metas da administrao pblica s despesas de capital e outras delas decorrentes, alm das relativas aos programas de durao continuada, a longo prazo (Art. 165, 1 da Constituio). A LDO compreender, principalmente, as metas e prioridades da administrao pblica, incluindo as despesas de capital, para o exerccio financeiro subsequente, orientando a elaborao da LOA (Art. 165, 2, da CF/88).

    A lei oramentria anual, por sua vez, compreender o oramento fiscal referente aos Poderes, seus fundos, rgos e entidades da administrao direta e indireta, inclusive fundaes institudas e mantidas pelo Poder Pblico, o oramento de investimento das empresas em que o ente federativo, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto e o oramento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e rgos a ela vinculados, da administrao direta ou indireta, bem como os fundos e fundaes institudos e mantidos pelo Poder Pblico (art. 165, 5, da CF/88).

    O Constituinte, ao estabelecer as polticas pblicas vinculantes, em algumas delas, a exemplo da educao e sade (arts. 212 e 198, 2, da Constituio Federal, respectivamente), estabeleceu previses oramentrias em percentuais mnimos, causando uma transformao no modo de agir do Poder Pblico, pois o que era uma atividade

    37 Torna-se oportuno destacar que, conforme prev o Art. 85, inciso, VI da Constituio, constitui-se crime de responsabilidade o ato do Presidente da Repblica que atentar contra a lei oramentria. De igual monta, vedado a qualquer ordenador de despesas, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade, a realizao de qualquer compra sem a indicao prvia dos recursos oramentrios para seu pagamento (Art. 14, da Lei n 8.666/93).

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    discricionria, que ensejava opes ao poltico na escolha e destinao das verbas, passa a ser vinculada38.

    A partir desta previso, somada a questes como a disponibilidade de remdios jurdicos (mandado de segurana, ao popular, ao civil pblica, etc.) e aparelhamento de instituies como o Ministrio Pblico e Defensoria Pblica, passa a surgir com maior intensidade o controle judicial das polticas pblicas, no sentido de dar efetividade aos direitos fundamentais. Em meio a uma alocao de recursos escassos, surgem, por sua vez, por parte do Estado, argumentos como uma reserva do possvel brasileira, fundada numa noo de disponibilidade oramentria, destoando, assim, de sua verso original, mais associada noo de razoabilidade, como se ver a seguir.

    3 A reserva do possvel (como razoabilidade) enquanto fundamento de atuao do Poder Judicirio no controle das polticas pblicas: um contributo para a harmonia entre os Poderes

    Caso o Poder Pblico no venha a implantar as polticas pblicas necessrias, deixando de elabor-las (ou elaborando de maneira inadequada), ou, ainda, se abstendo de cumpri-las (ou cumprindo de forma ineficaz), surge a possibilidade de interveno do Poder Judicirio no mbito da tutela dos direitos sociais prestacionais.

    O Judicirio, quando acionado, no pode se abster de decidir, fazendo valer o Direito, e, mais do que isto, dar concretude prpria Constituio. Cabe ao Estado (como um todo) a realizao de aes positivas (relacionadas ao dever de proteo decorrente da dimenso objetiva dos direitos fundamentais) com a finalidade de efetivar os direitos sociais,

    38 OLIVEIRA, Op Cit. p. 315.

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    sendo passvel, em caso de omisso ou ineficincia dos demais Poderes, de controle jurisdicional. Este controle acaba influenciando na prpria noo das funes dos Poderes, pois a ascenso do Poder Judicirio que, na qualidade de ltimo intrprete da Constituio, acaba por atuar como regente republicano das liberdades positivas39, torna-se inevitvel.

    inegvel que o controle judicial das polticas pbli-cas traz reflexos, em especial ao Executivo, uma vez que todas as aes prestacionais acarretam despesas que devem, como estudado, possuir previso oramentria e disponibili-dade financeira. Por outro lado, no raramente, se observa que o Poder Pblico no cumpre os objetivos mnimos (prin-cipalmente as polticas pblicas constitucionais vinculantes), a exemplo da sade e da educao, priorizando outras frentes, como gastos em publicidade governamental, dentre outras, ou, simplesmente, investe os percentuais mnimos (obrigat-rios) sem concretiz-los.

    Diante disso, h de se perguntar: a obrigao do Esta-do de fim (proteo suficiente e adequada) ou de meio (observncia do critrio objetivo de destinao de recursos)? neste ponto, que a razoabilidade/proporcionalidade de-sempenha um papel estratgico, no sentido de funcionar como parmetro para que as aes estatais sejam razoveis em face dos fins postos (razoabilidade entre meios e fins).

    Esta interveno do Judicirio geralmente ocorre diante da m gesto das polticas pblicas pelo Executivo, que, encoberta pelo manto da escassez de recursos, seleciona uma poltica em detrimento de tantas outras prioritrias ou, ainda, na forma como elas so implementadas. De outra

    39 LEAL, Mnia Clarissa Hennig; BITENCOURT, Caroline Muller. A funo e a legitimidade do Poder Judicirio no constitucionalismo democrtico: um ativismo necessrio?. In: REIS, Jorge Renato dos; COSTA, Marli Marlene Moraes da. (Orgs). As Polticas Pblicas no Constitucionalismo Contemporneo. t. 2. Santa Cruz do Sul: EdUNISC, 2010. p. 310.

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    sorte, h de se dizer que esta atuao deve ocorrer de forma responsvel, considerando-se os aspectos oramentrios, sob pena de se terem decises judiciais dotadas de ineficcia, eis que chegar mo de um administrador que no lhe dar cumprimento, simplesmente, por, de forma comprovada, no ter de onde tirar.

    possvel verificar que a atuao jurisdicional tem ocorrido em ambas as etapas da poltica pblica (implantao e implementao). Na primeira, ela atua como um indutor de polticas pblicas40, determinando a alocao oramentria para determinadas polticas (reserva de recursos construo de uma escola, por exemplo). Na segunda, atua como um corregedor da Administrao, concretizando in casu o direito (determinando a concesso de medicamentos, vagas em escolas, dentre outras).

    Embora se entenda que na primeira etapa da poltica pblica a interveno seria menos danosa relao entre os Poderes, esta a que causa maiores controvrsias, principalmente por se entender que um momento de deciso estritamente poltica, atendendo a critrios de convenincia e oportunidade discricionariedade (embora se faa necessrio registrar o posicionamento oscilante do Superior Tribunal de Justia, que ora entende ser possvel e ora se manifesta pela impossibilidade de controle jurisdicional)41.

    Para tanto, independente da etapa de interveno, faz-se necessria a observncia de alguns limites atuao

    40 LEAL, Mnia Clarissa Hennig; LEMOS, Mait Dam Teixeira. O Judicirio como indutor de polticas pblicas: cumprimento do dever constitucional ou ativismo judicial? uma anlise a partir da jurisprudncia do Supremo Tribunal federal. In: COSTA, Marli Marlene Moraes da (et al). As polticas pblicas no constitucionalismo contemporneo. t. 4. Santa Cruz do Sul: EdUNISC, 2012. p. 838. 41 A exemplo, os Recursos Especiais que, respectivamente, reconhecem e desconhecem a possibilidade de controle jurisdicional: REsp n 493811/SP e REsp n 208893/PR.

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    jurisdicional, pois, ao formular polticas pblicas que atendem a suas prioridades pessoais, atravs da interpretao adequada da Constituio, os juzes se lanam em verdadeira aventura poltica, no possuindo real controle sobre suas consequncias no processo42, o que acaba servindo como argumento contra a prpria causa.

    A exemplo disso, para fins de ilustrao, possvel visualizar crticas a essas decises judiciais, como na reportagem do jornal O Estado de So Paulo intitulada Justia obriga Estados a fornecerem xampu, esmalte, Viagra43, a qual aponta que o Judicirio tem dado sentenas favorveis a pedidos de itens nada essenciais ou que sequer so remdios, como xampu anticaspa, protetor solar francs e at esmalte para as unhas.

    por estes motivos que no se pode desconsiderar a lgica da reserva do possvel (no em sua verso associada disponibilidade de recursos, fruto de um direito constitucional comparado equivocado44, mas sim aquela vinculada concepo original formulada pelo Tribunal Constitucional Alemo), no sentido de se avaliar o que possvel, dentro de critrios de proporcionalidade e de razoabilidade, exigir-se do Estado em termos de prestao45.

    A teoria da reserva do possvel surgiu na Alemanha, onde foi utilizada pelo Bundesverfassungsgericht para solucionar a restrio do nmero de vagas numerus clausus em algumas

    42 APPIO, Eduardo. Controle Judicial de Polticas Pblicas no Brasil. Curitiba: Juru, 2006. p. 71. 43 Jornal O Estado de So Paulo. 15 mar 06. Disponvel em: . Acesso em: 23 nov 13. 44 KRELL, Op Cit. p. 51. 45 A propsito, ver: LEAL, Mnia Clarissa Hennig; ALVES, Felipe Dalenogare. Direitos sociais e controle jurisdicional de polticas pblicas na ordem constitucional contempornea: a reserva do possvel e o mnimo existencial como fundamentos para a atuao do Judicirio. In: ALVES, Felipe Dalenogare; BECKER, Fabiano de Oliveira; SILVEIRA, Silomar Garcia. Novos Paradigmas na Administrao Pblica Municipal Contempornea. So Paulo: Letras Jurdicas, 2013. p. 13-34.

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    Universidades daquele pas (BVerfGE 33, 303).46 Nessa deciso, analisou-se o art. 12, 1, da Lei Fundamental, o qual prev que todos os alemes tm o direito de eleger livremente a sua profisso, o lugar de trabalho e o local de sua formao, frente aos princpios de igualdade e do Estado Social47.

    Buscando solucionar questes como os critrios de admisso ao ensino superior e a situao dos candidatos que se inscreveram em mais de um curso de graduao ou mais de uma universidade, aquela Corte decidiu que algumas prestaes estatais sujeitam-se quilo que o indivduo pode exigir da sociedade dentro dos limites da razoabilidade, ficando adstritas reserva do possvel.48 Assim, assentou-se que o Estado deve prover os meios concretizao do direito educao superior, mas dentro dos limites do razovel.

    A demanda fora proposta por estudantes que no haviam sido admitidos para o ensino superior, os quais pleiteavam o aumento do nmero de vagas, suficientes para alocar todos os candidatos, sob a alegao de que o Estado teria que proporcion-las no local de formao livremente escolhido (Universidades de Munique e Hamburgo, no caso) e para a profisso eleita (Medicina)49.

    Hberle, por sua vez, antes mesmo da deciso, j ha-via estabelecido os primeiros passos no sentido do que viria a se constituir a reserva do possvel. Para ele, a presso norma-tiva efetivao dos direitos fundamentais subsistiria, no se podendo, todavia, exigir do Estado o impossvel. Segundo o autor, o direito de acesso universidade um direito na medida de, ou seja, condicionado reserva do Estado pres-

    46 O julgado pode ser consultado em lngua alem no site: . Acesso em: 1 mai 13. 47 Havia sido instituda uma poltica de limitao do nmero de vagas em cursos superiores. KELBERT. Op Cit. p. 69-70. 48 Idem. 49 MNICA, Op Cit. p. 11.

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    tacional, dentro das suas possibilidades de efetivao50 (seria possvel criar vagas para todos os candidatos aos cursos de medicina?).

    A questo que se coloca vai alm, pois se compreende que o critrio determinante oscila entre a possibilidade e a razoabilidade de se criarem mais vagas. Assim, vislumbra-se que a deciso do Tribunal Constitucional Alemo adotou o sentido do razovel, razo de que, mesmo sendo possvel, seria razovel determinar ao Estado a criao de vagas para todos os candidatos aos cursos de medicina?

    Ao se realizar o transplante da reserva do possvel para o sistema brasileiro, contudo, acabou-se criando uma verdadeira teoria da reserva do possvel brasileira51. Ao se fazer a transposio de conceitos oriundos de diferentes sistemas jurdicos, esta no pode, porm, ser mope e desvirtuar caractersticas e limites prprios da teoria52, pois o condicionamento da realizao de direitos econmicos, sociais e culturais existncia de caixas cheios do Estado

    significa reduzir a sua eficcia a zero53. por isso que os direitos a prestaes positivas

    (Teilhaberechte) esto sujeitos reserva do possvel no sentido daquilo que o indivduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade54, do contrrio, haver decises esvaziando os cofres pblicos para cumprir prestaes de objetos como esmalte e Viagra ( proporcional se exigir estes objetos do Estado?). Este o argumento estatal que se coaduna ao Estado Democrtico de Direito e deve servir como parmetro

    50 HBERLE, Peter. Grundrechte im Leistungsstaat. In: VVDStRL n. 30. Berlin: Walter de Gruyter, 1972, p. 114. 51 LEAL; BOLESINA, Op Cit. p. 13. 52 Idem. 53 KRELL, Op Cit. p. 54. 54 KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional comparado. Porto Alegre: Fabris Editor, 2002. p. 52.

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    para o controle jurisdicional de polticas pblicas, pois, como reflexo, far com que os recursos sejam empregados naquilo que h de prioritrio.

    O que se observa atualmente, todavia, a invocao, unssona e genrica, da reserva do possvel em casos que vo de uma simples extrao dentria at casos mais complexos, como tratamentos de sade experimentais, o que faz com que ela acabe sendo vista como uma alegao vazia de defesa processual, invocada por um Estado que busca, por meio de discursos ligados a escolhas e limites econmicos e financeiros, fugir de suas obrigaes constitucionais55.

    De outro lado, tambm possvel perceber que no h um consenso sobre a natureza jurdica da reserva do possvel. Seria um princpio, ou seja, teria natureza normativa? Ou seria uma condio de realidade, um elemento lgico extrajurdico, mas que exerce sua influncia na aplicao das normas jurdicas?.56 No Brasil, por exemplo, ela chamada de princpio57, doutrina58, teoria59 e clusula60. O que h de se ter em mente, contudo, que, independentemente de sua natureza, ela no pode ser invocada para fraudar, frustrar e inviabilizar a implementao de polticas pblicas definidas na Constituio61.

    55 LEAL; BOLESINA. Op Cit. p. 15. 56 OLSEN, Ana Carolina. A eficcia dos direitos fundamentais sociais frente reserva do possvel. (Dissertao). Curitiba: UFPR, 2006. p. 209. 57 BRASIL. STF. ADI 3768-4/DF. Rel: Min. Carmem Lcia. Tribunal Pleno. Julgamento em 19 set 07. Disponvel em: . Acesso em: 1 mai 13. 58 ROCHA, Manoel Ilson Cordeiro. A doutrina da reserva do possvel e a garantia dos direitos fundamentais sociais. In: Revista Cincia et Praxis, v. 4. n. 7. Passos: FESP, 2011. 59 LEAL; BOLESINA. Op Cit. p. 14. 60 BRASIL. STF. ARE 639.337 AgR/SP. Rel: Min. Celso de Melo. 2 Turma. Julgamento em 23 ago 11. Disponvel em: . Acesso em: 1 mai 13. 61 Idem.

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    Por fim, se bvio que o Judicirio tem que atuar, a fim de concretizar os direitos fundamentais, tambm indispensvel que as questes oramentrias sejam levadas em considerao na apreciao judicial. Decises que simplesmente desconsideram o processo oramentrio tornam-se inconsequentes e vazias62. Concluso

    Diante de todo o exposto, conclui-se que no h como desassociar as polticas pblicas do oramento pblico, pois este quem d o substrato para sua realizao. O processo oramentrio deve ser levado em considerao pelo Poder Judicirio, ao mesmo tempo em que aprimorar o planejamento das aes estatais, com a alocao correta de recursos nas reas principais, se torna imperioso.

    Ao estabelecer as polticas pblicas constitucionais vinculantes, o Constituinte estabeleceu prioridades atuao dos Poderes polticos, razo pela qual, antes de qualquer outra frente (publicidade governamental, por exemplo) h de se realizar a efetivao destas; caso contrrio, estar legitimado o Poder Judicirio a realizar a concretizao do direito, exercendo o controle das polticas pblicas.

    Dentre os argumentos estatais, como fundamento de atuao jurisdicional, a reserva do possvel, associada noo de proporcionalidade, ou seja, no sentido daquilo que se torna razovel exigir do Estado em termos de prestao e, em consequncia, da prpria sociedade, torna-se um ponto de grande importncia para que os recursos sejam empregados naquilo que fundamental.

    Qualquer alegao de reserva do possvel associada exclusivamente s questes oramentrias, principalmente

    62 Ibidem.

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    quando desprovidas de elementos probatrios, torna-se vazia, devendo ser desconsiderada.

    Por ltimo, necessrio afirmar que, se verdade que a implantao e implementao das polticas pblicas cabe aos Poderes polticos, no menos verdadeira a afirmao de que o Judicirio no pode se abster de efetivar o direito.

    Assim, uma atuao jurisdicional que leve em considerao o processo oramentrio e a reserva do possvel em sua lgica de razoabilidade tem muito a colaborar no apenas na concretizao dos direitos, mas tambm para o prprio fortalecimento do Estado Democrtico de Direito, no sacrificando a sociedade com a destinao de recursos quilo que no se demonstra razovel dela se exigir, alm de se tornar menos drstica, uma vez que acompanhar a realidade social qual deve se coadunar.

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    TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional

    Financeiro e Tributrio: o oramento na Constituio. v. 5. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

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    DIREITO URBANSTICO: os desafios do novo paradigma jurdico-ambiental para o gestor pblico

    municipal

    Carlos Alexandre Michaello Marques63

    Introduo

    Os estudos na esfera do Direito Urbanstico vm apresentando um crescimento exponencial nas ltimas dcadas no Brasil. Igualmente, as imbricaes entre o Direito Ambiental com este e outros ramos direito, fez surgir um novo campo de pesquisa, o Direito Urbanstico-Ambiental. Os efeitos resultantes destas pesquisas tm repercutido de maneira substancial em diversos setores da sociedade contempornea, aproximando os institutos de Direito Ambiental - que visam persecuo constitucional de um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado - ao ferramental disponvel no Direito Administrativo e Civil que so o suporte do Direito Urbanstico. Nesse sentido, as altercaes estabelecidas vm recebendo sensveis e divergentes aportes tericos, mas ainda so dominados pela traduo de uma leitura reducionista, oriunda de uma srie de fracassos e desestruturaes no planejamento urbano brasileiro. Embora, pelo vis jurdico, o processo seja um caminho trilhado com muitas mazelas, sob o aspecto de outras cincias, o relacionamento com o

    63 Mestrando em Direito Pblico pela Universidade do Vale dos Sinos UNISINOS. Especialista em Gesto Ambiental em Municpios pela Universidade Federal do Rio Grande FURG e em Didtica e Metodologia do Ensino Superior; MBA em Gesto de Pessoas e Metodologias e em Gesto para Educao a distncia pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Regio do Pantanal UNIDERP. Professor Colaborador e Pesquisador do Grupo Transdisciplinar de Pesquisa Jurdica para Sustentabilidade - GTJUS (CNPq) da Faculdade de Direito - FADIR/FURG. Advogado.

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    urbanismo, enquanto disciplina transversal, mais facilitado e est servindo de suporte necessrio ao repensar dogmtico, aprofundando os estudos em reas como o poder de polcia ambiental e urbanstico. Dessa forma, o objetivo da pesquisa discutir este novo paradigma em que o Gestor Pblico Municipal est inserido, bem como as vantagens da utilizao da viso alinhada ao direito urbanstico-ambiental, especialmente no tocante construo constitucional de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Para tanto, imperioso proceder ao esclarecimento das consequncias da ausncia de reflexo acerca desta racionalidade nas questes ambientais, bem como os devidos esclarecimentos das divergncias tericas existentes no campo jurdico, mas com vistas sempre a clarificar a melhor relao entre as questes administrativas, sociais e ambientais.

    2 Breve digresso histrica da temtica

    O surgimento das cidades foi um marco na evoluo

    humana, pois dentro dessa nova perspectiva as pessoas passaram a intensificar suas inter-relaes, promovendo formas de defesa dos integrantes contra os grupos hostis; de participao coletiva nas decises a serem tomadas em prol do interesse comum, embora ainda no se tivesse fundamentalmente uma idia de governo como a dos dias atuais64.

    Historicamente, em torno de 5.000 anos datam as primeiras aglomeraes identificadas com esse intuito, mas essas ainda no tinham o carter de predomnio da populao

    64 MARQUES, Carlos Alexandre Michaello. Direito Urbanstico-Ambiental: desafios deste novo paradigma jurdico In: Cinquenta anos da Faculdade de Direito: rememorando o passado e refletindo para o futuro. So Leopoldo: Casa Leiria, 2013.

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    do meio urbano sobre o meio rural, pois estavam ligadas muito as culturas de subsistncia, agricultura sob o julgo familiar. No entanto, no incio do sculo XX, no ps Revoluo Industrial, esse predomnio foi avistado segundo Kingsley Davis apenas na Gr-Bretanha.65 Dentro desse novo contexto e, frente o distanciamento que a Inglaterra havia estabelecido dos demais pases da Europa, acentuou a importncia estratgica da cidade, pois a industrializao no se dava em zonas rurais e sim prximo aos centros urbanos onde a oferta da mo de obra e acesso aos incipientes mercados era mais facilitada66.

    Com o ingresso dessas novas formas de produo, onde se afastava o meio rudimentar, produzia-se com mais eficincia e rapidez, transformou fsica e economicamente o universo das cidades. Ante a experincia pelos anos que sucederam o pice da Revoluo Industrial, o crescimento dos centros urbanos experimentou sua face mais sadia e mais perversa.67 Essa dicotomia criou uma distoro que hoje se tenta corrigir, onde os pases conhecidos atualmente como "em desenvolvimento" experimentaram crescimentos demogrficos na sua mancha urbana de quase uma vez e meia quelas ocorridas nos pases desenvolvidos. Ademais, se vincula falta de preparo e de recursos que fundamentaram uma cultura de desordenao do espao das cidades.

    O Brasil como parte dessa pulso de desenvolvimento sabidamente libou tardiamente dos reflexos da revoluo industrial, portanto seus problemas urbanos mais severos tambm no chegaram preambularmente ao sculo XX como na Gr-Bretanha, mas rapidamente tomaram propores e pela situao econmica no conseguiram ser minorados at

    65 MUKAI, Toshio. Direito Urbano e Ambiental. Belo Horizonte: Editora Frum, 2006. 66 Op Cit. passim. 67 SILVA, Jos Afonso. Direito Urbanstico Brasileiro. So Paulo: Malheiros, 2008.

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    o limiar do sculo XXI. 68 Outra particularidade trazida por Jos Afonso da Silva, de que "as cidades brasileiras desenvolveram-se basicamente ao longo da costa marinha sob a influncia da economia voltada para o exterior."69 Assim os efeitos dessa ocupao desregrada so sentidos diretamente no meio ambiente e, tambm nas condies dignas de sobrevivncia humana.

    Destarte, pelo retrospecto de evoluo das cidades possvel entender como o Direito Urbano e/ou Urbanstico alcanou status de premncia na tentativa de salvaguardar a humanidade do caos em que se transformaram os centros urbanos sem uma disciplina, uma cincia para lhes auxiliar. As bases so dadas pela disciplina urbanstica, onde diversas escolas de pensadores, tcnicos e filsofos se contrapem e se coadunam antes e depois do marco referencial para as cincias sociais aplicadas, a Carta de Atenas de 1933.70 No Brasil iniciou com as Ordenaes Filipinas onde o foco era apenas tocante ao direito de construir, direito de vizinhana e, j no perodo imperial a disciplina se debruava na desapropriao. No incio do perodo republicano manteve-se o silncio sobre as normas de cunho urbanstico, entretanto ganhava fora a edificao de um direito administrativo71.

    Nessa senda, cumpre ressaltar, ainda, que um grande marco no direito urbanstico advm desse perodo, constitucionalizando o tema com a insero do conceito da funo social ("interesse social e coletivo") jungido ao conceito de propriedade, por intermdio da Constituio de 1934. Pode ser considerado como a maior limitao a ser imposta ao direito de propriedade desde ento. O pice

    68 MUKAI, Op Cit. passim. 69 SILVA, Op Cit. p. 22 70 VILLAA, Flvio. Desenvolvimento Fsico-Territorial: crise do planejamento urbano. In: Revista Perspectiva. v. 9. n. 2., 1995. 71 MUKAI, Op Cit. passim.

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    dessas modificaes coincide com a diviso territorial, administrativa e judiciria brasileira promovida pelo Decreto-lei n. 311/3872:

    Esse evento de suma importncia para o estudo do direito ur-banstico brasileiro, se considerarmos que a cidade, no Brasil, no uma instituio de fato, econmica e social, mas sim um insti-tuto jurdico, cujo conceito dado por lei, e ainda, porque a competncia municipal em matria urbanstica , no Brasil, de ordem majoritria.73

    Nesse sentido, a ausncia de sistematizao das

    normas, redundou submisso da cincia do urbanismo, que por dcadas ficou relegado a mero ramo do Direito Administrativo, do Direito Econmico ou at mesmo do Direito de Construir, sub-ramo do Direito Civil. De certo, arranjar essa concepo de verdadeiro apndice dos demais fez com que o sistema jurdico brasileiro perdesse o caminho do desenvolvimento planificado e prejudicasse sobremaneira seu crescimento, seja econmico, social ou ambiental, o que impacta principalmente nos ndices de desenvolvimento humano experimentados nas ltimas dcadas.

    Tal celeuma foi solucionada quando trazido para a esfera constitucional o reconhecimento, embora tardio, do municpio como uma das esferas de poder dentro da Repblica Federativa, o que de certa feita engrandece o sistema federativo, delimitando competncias e atribuies para os diversos entes e as relaes de cooperao entre eles na gesto das polticas pblicas de interesse da populao.

    Assim, ganhou fora o entendimento da autonomia do Direito Urbanstico, descrito por Jos Afonso da Silva em dois aspectos. "O direito urbanstico objetivo consiste no

    72 SILVA, Op Cit. passim. 73 Ibidem. p. 55

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    conjunto de normas que tm por objeto organizar os espaos habitveis, de modo a propiciar melhores condies de vida ao homem na comunidade."74 "O direito urbanstico como cincia ramo do direito pblico que tem por objeto expor, interpretar e sistematizar as normas e princpios disciplinado-res dos espaos habitveis".75

    Corroborando com esse entendimento, ocorreu a edio da Lei n. 10.257/2001, o Estatuto das Cidades, que vem preencher uma lacuna legislativa dando maior sistematizao ao conjunto que disciplina urbanisticamente nossos municpios e zonas de interesse.76 Com o advento dessa legislao, outra interao entre ramos foi granjeada, qual seja a relao intrnseca entre o Direito Urbanstico e o Direito Ambiental, pois traa uma compreenso menos paradoxal do espao urbano-municipal, em especial.

    3 A Funo Social da Propriedade e sua nova viso cons-titucional

    O Direito de propriedade est elencado na

    Constituio Federal de 1988 dentre os Direitos e Garantias Fundamentais, dispensando trs incisos em seu art. 5, a saber, XXII, XIII e XIV. Nesse sentido, o constituinte imps ao Estado uma limitao, a fim de garantir esse direito individual, que atualmente no pode nem ser considerado como instituto de direito privado ou mesmo de direito pblico, pois tem um regime constitucional diferenciado no qual se insere sua Funo Social. No entanto, para chegar

    74 Ibidem. p. 49-50 75 Idem. 76 MARQUES, Carlos Alexandre Michaello. O Estatuto da Cidade e o (Re) Planejamento Urbano. In: Contribuciones a las Ciencias Sociales. v. 20, 2013. Disponvel em: . Acesso em: 21 jan. 2014.

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    concepo atual, se deve deslindar alguns pargrafos sobre o surgimento e a absoro destas modificaes ao longo do tempo. Assim, muitos foram os pensadores que tentaram explicar o instituto da propriedade, naturalmente arraigados s vises polticas como as de Justiniano, John Locke, Montesquieu e da Igreja Catlica por Pio XI, o que deu origem s teorias sobre o fundamento da propriedade, a saber: da ocupao, da especificao, da lei e da natureza humana respectivamente77.

    No Brasil, desde a independncia, o instituto da propriedade sempre foi tratado como um direito e assegurado por todas as Cartas Constitucionais. De tal modo, fica claro que, se analisar o histrico de disposies referentes propriedade, ver-se- o momento poltico, econmico e social que era passado. Por muito tempo, foi sentida a influncia do Direito Romano em terras brasileiras, o que congrega esse instituto ao Direito Civil, de raiz germano-romana, confessadamente individualista, como se observa no Cdigo Civil de 1916, ou Cdigo oitocentista. De toda sorte, esse modelo baseado na tradio jurdica romana no perdurou por muito tempo, pois a sociedade no , e nem poderia ser, estanque, ela interage com conceitos e institutos jurdicos, preconizando a mudana. Destarte como assevera Uadi Lammgo Bulos, vrios fatores passaram a repercutir estruturalmente, fazendo com que se afastasse da "trade indivduo/propriedade/liberdade"78.

    Notadamente, possvel identificar a influncia de alguns momentos histricos como a Revoluo Francesa e o surgimento de uma ordem individualista no direito de propriedade, as encclicas papais que, segundo Gonalves,

    77 GONALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. v. 5. So Paulo: Saraiva, 2009. 78 BULOS, Uadi Lammgo. Curso de Direito Constitucional. So Paulo: Saraiva, 2008. p. 471.

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    trouxeram um "sopro" socializante influenciando na propriedade e na construo de um Direito das Coisas.79 O sistema jurdico ptrio sempre regulou o direito de propriedade, abertamente sob diversos matizes. No entanto, em nvel constitucional, a disciplina sofreu influncia de diversos fatores externos ao mundo jurdico, como se observa nas Constituies do sculo XIX, Carta Imperial de 1824 e a Primeira Constituio Republicana de 1891, as quais apenas davam azo s desapropriaes como limitadores do direito de propriedade; h de se considerar, ainda, que a ltima foi quem erigiu as bases do Cdigo Civil de 1916.

    Com a Revoluo de 1930, culminaria, no Texto Constitucional de 1934, dotado de uma nova viso, de cunho mais social, insero da j controvertida Funo Social da Propriedade. Estranhamente, no foi reproduzida, embora fosse o mesmo governante, na Carta Constitucional de 1937, a referida limitao ao exerccio outrora absoluto da propriedade. Na esteira do Texto Constitucional de 1934, a Constituio Federal de 1946 aperfeioou a limitao condicionando o uso da propriedade ao bem-estar social, assentando fora ao conceito de funo social. Todavia, foi na Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1967 em que a expresso Funo Social da Propriedade foi ensartada pela primeira vez no ordenamento constitucional brasileiro, conforme art. 157, inc. III. Na mesma linha, seguiu a Emenda Constitucional 01/69, apenas renumerando esse dispositivo, mas mantendo a bom termo a melhor expresso:

    A expresso funo social procede do latim functio, cujo significado de cumprir algo ou desempenhar um dever ou uma atividade. Utilizamos o termo funo para exprimir a finalidade de um modelo jurdico, um certo modo de operar um instituto, ou seja, o papel a ser cumprido por determinado ordenamento

    79 GONALVES , Op Cit. p. 222.

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    jurdico.80

    Nesse caminho, a funo social da propriedade

    encontra sua consolidao com a promulgao da Constituio Federal de 1988, a qual elevou categoria dos Direitos e Garantias Fundamentais do Estado brasileiro e, estabeleceu assim uma nova ordem jurdica para a propriedade, conforme dispe em seu art. 5, caput, e incisos XII, XIII e XIV. Destarte, aduz Marco Aurlio Bezerra de Melo que "a funo social da propriedade tornou-se uma exigncia da vida em sociedade."81 Isso se deu pelo complexo de normas que decorrem direta ou indiretamente do ditame magno, pois no mais se poderia pensar da forma absolutista antes aceita. A Constituio de 1988, a mais madura Carta Magna brasileira, atraiu todos os conceitos e anseios sociais e doutrinrios a fim de concentrar nesse instituto que estava em plena afirmao naquele perodo poltico.

    Em sntese, a Funo Social da propriedade se converte na nova pedra fundamental do direito de propriedade, com uma vertente social, impondo ao proprietrio "uma srie de encargos, nus e estmulos"82, o que transcende o conceito tradicional, sendo considerado como um verdadeiro Poder-Dever e no uma simples limitao. Assim, o desrespeito a esse, pode ser interpretado como abuso de direito o que reprimido pelo ordenamento ptrio em diversas disposies. Com isso, o legislador ordinrio compensou com o advento do Estatuto das Cidades, que tratou a questo da funo social da propriedade de forma mais direta e dinmica, inserindo, de plano, como

    80 ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 197. 81 MELO, Marco Aurlio Bezzera de. Curso de Direito das Coisas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 89. 82 ROSENVALD; FARIAS, Op Cit. p. 205.

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    uma das diretrizes, em cumprimento ao disposto no art. 182 e , uma viso voltada para a funo social da propriedade urbana. No entanto, anda bem o legislador estatutrio, visto que o diploma legal vai alm e congrega questes j explicitadas constantes no art. 225 da Constituio Federal83.

    Dessa forma, cabe a realizao de uma anlise siste-mtica das normas apresentadas, a fim de erigir a nova viso constitucional. Nessa senda, ambientalistas foram os que rapidamente incorporaram a funo social da propriedade, considerando-a como um princpio, chegando ao ponto de alguns adjetivarem como uma funo scio-ambiental da propriedade:

    A expresso funo no foi utilizada por acaso, mas passa uma idia pr-ativa, de molde a que se possa exigir do detentor do direito de propriedade no s condutas negativas (no poluir, no perturbar, [...]), como tambm positivas (averbar a reserva legal, revegetar rea de preservao permanente, fazer conteno acstica numa casa noturna, entre outras).84

    Diante da pluralidade de observaes e argumentos

    acerca da Funo Social da propriedade, seja pela concepo civilista, estatutria ou mesmo ambiental, o que no pode ser afastado, o controle do gestor pblico municipal sobre essa obedincia, eis que se trata mais do que uma limitao, alm de aplicar os instrumentos de poltica urbana e do meio ambiente expostos. Todavia essa efetivao depende da boa compreenso de outro instituto nascido em ramo diverso do direito, o Poder de Polcia, que deita seus braos no Direito Administrativo.

    83 OLIVEIRA, Isabel Cristina Eiras de. Estatuto da cidade: para compreender..., Rio de Janeiro: IBAM/DUMA, 2001. 84 MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise Monteiro; CAPPELLI, Slvia. Direito Ambiental. Porto Alegre: Verbo Jurdico, 2008. p. 84.

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    4 O Poder de Polcia Administrativa, Ambiental e Urba-nstica

    Frente necessidade de compreender a atuao do

    gestor pblico municipal, no tocante atividade fiscalizadora, preventiva e repressiva de condutas conflitantes com o interesse pblico que redundariam no decrscimo da qualidade de vida da cidade, imperioso entender no que consiste o Poder de Polcia, este verdadeiro Poder-Dever. Assim, possvel depreender que o Poder de Polcia orientado de forma cogente pelo princpio administrativo da supremacia do interesse pblico sobre o interesse particular, pois o cerne dessa atividade se funda na imposio de limites aos direitos e liberdades particulares em face do bem comum.85 Conceito este, que pode ser reconhecido como a verso mais atual e adequada do Poder de Polcia.

    Contudo, quando estava ligado concepo do Estado liberal, o cunho do mesmo, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro86, era "em benefcio da segurana". J na concepo moderna de Estado, o poder supra abrange uma gama superior de setores, como patrimnio histrico, artstico e cultural, a segurana, o meio ambiente, as questes urbansticas, dentre outros, conforme descreve o art. 78 do Cdigo Tributrio Nacional. Entretanto, a imposio de limites no pode, mesmo tendo como caractersticas a discricionariedade, ser levada a efeito sem a prvia observncia dos preceitos legais, sob pena de afastamento do princpio da legalidade. por esta razo, que o Poder de Polcia exercido pelo Legislativo, quando elabora as normas com contedo limitador s liberdades pblicas, e pelo

    85 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 6. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 86 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. So Paulo: Atlas, 2004. p. 111.

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    Executivo que, por intermdio da Administrao Pblica, regulamenta as normas, controlando sua aplicao, preventiva ou repressivamente87.

    Ressalta-se que a atuao repressiva aqui discutida em nada se confunde com o exerccio da atividade de polcia judiciria, embora parcela relevante da doutrina diferencie ambas com base no carter preventivo ou repressivo. No entanto, essa no subsiste de forma absoluta, devendo ser arraigada a anlise, pois quando a Administrao Pblica exerce as funes de polcia administrativa com carter repressivo, aplicando multas, est agindo com a finalidade de minimizar os prejuzos decorrentes de determinada atividade. Nesse sentido,

    [...] pode-se definir a polcia administrativa como a atividade da Administrao Pblica, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamentos em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivduos, mediante ao ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de absteno (non facere) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo.88

    Nesta definio, esto translcidos os atributos do

    Poder de Polcia: auto-executoriedade, coercibilidade e discricionariedade. Porm, nem todos os atos oriundos desta atividade so discricionrios, p. ex. a licena administrativa, em que a concesso se d apenas pelo atendimento das exigncias descritas na norma.89 Com isso, se torna cogente, por fim, informar que essa atividade, de toda sorte, tem como

    87 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 30. ed. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 88 MELLO, Celso Antnio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. So Paulo: Malheiros, 2005. p. 766. 89 GASPARINI, Digenes. Direito Administrativo. 13. ed. So Paulo: Saraiva, 2008.

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    prprio fundamento, ser um limitador, pois seu exerccio est condicionado satisfao do interesse pblico, herdando, entretanto, contornos diversos quando em contato com os demais ramos do direito, como o ambiental e o urbanstico.

    Como a atividade urbanstica pensada neste estudo est ligada Gesto Ambiental e promoo de um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado da forma que preconiza o art. 225 da Constituio Federal, imperiosa a anlise do Poder de Polcia sob a tica da tutela do meio ambiente. Essa atuao chamada doutrinariamente de tutela administrativa do meio ambiente. dis Milar traz baila o conceito de Paulo Affonso Leme Machado acerca do Poder de Polcia Ambiental, quando aduz que o:

    [...] poder de polcia ambiental a atividade da Administrao Pblica que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prtica de ato ou a absteno de fato em razo de interesse pblico concernente sade da populao, conservao dos ecossistemas, disciplina da produo e do mercado, ao exerccio de atividade econmica ou de outras atividades dependentes de concesso, autorizao/permisso ou licena do Poder Pblico de cujas atividades possam decorrer poluio ou agresso natureza. 90

    Em espcie, as atuaes da polcia administrativa

    ambiental mais comuns so em aes de fiscalizao, mas o carter buscado pela Administrao Pblica neste exerccio vai alm da preveno/punio. Isso porque grande parte das condutas nocivas natureza est historicamente vinculada aos vcios culturais, da a importncia do processo educacional interligado ao sistema punitivo. Dessa feita, quando o Poder de Polcia Ambiental est intimamente inventariado s questes urbansticas, se afastando das relaes

    90 MILAR, dis. Direito Ambiental: doutrina, prtica, jurisprudncia, glossrio. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 260.

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    administrativas in natura, alcana, quando nesse sentido, o status de poltica pblica, mas deve enraizar os atributos desta, a fim de que no se torne incua, sem efeitos prticos, justamente o que deve combater o gestor pblico local.

    Nessa seara, se impe a anlise de uma construo de um Poder de Polcia vinculado matria urbanstica, ao Direito Urbanstico como ramo autnomo e independente do Direito. Destarte, com a aceitao do novo ramo do Direito, possvel discorrer sobre as limitaes sofridas pelos particulares em benefcio do interesse pblico. Isso se depreende da sequncia estabelecida com a funo social da propriedade se exprimindo na principal limitao constitucionalmente estabelecida: o zoneamento (urbano-ambiental) e a disciplina do uso, legalmente estabelecidos em nvel municipal, que apesar disso redundam em limite ao particular na sua disposio da propriedade urbana.

    Ademais, compete ressaltar que este apenas uma parte do trip que sustenta o urbanismo limitaes urbansticas, desapropriaes e tributos mas se h a ambio de que se labore plenamente, necessrio que se reconhea o poder-dever correspondente, algo que seja cogente, que imponha tanto ao poder pblico como aos particulares sua observncia, com vistas a desempenhar uma poltica urbana. Ante o contexto, Toshio Mukai afirma que:

    Outro ponto a salientar, em matria de limitao urbanstica, ainda no plano relacionado com o direito constitucional, o problema de competncia. J vimos que, neste aspecto, a matria urbanstica de competncia concorrente, porque manifestao do poder de polcias das construes, e este inerente ao Poder Pblico, nos seus trs nveis: Unio, Estados e Municpios.91

    Assim sendo, cada ente tem sua competncia, a qual

    91 MUKAI, Op Cit. p. 92

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    no pode suprimir a do municpio, mais precisamente na zona urbana deste. O Poder de Polcia, por sua vez, ser exercido isoladamente ou em cooperao por esses entes. , ainda, passvel de uma coordenao de atuaes do Poder de Polcia, a fim de no serem invadidas ou suprimidas quaisquer das competncias envolvidas no feito.

    5 A Efetivao da tutela urbanstico-ambiental em prol do interesse pblico na viso constitucional contempo-rnea e a superao dos conflitos socioambientais nos municpios

    Como se pode observar at o presente momento,

    todos os entes so responsveis tanto pela tutela urbanstica como pela tutela ambiental, seja em decorrncia do ordenamento constitucional ou de legislaes ordinrias. Assim, se viu tambm que o interesse local mais premente do que os demais, embora o Brasil ainda se traduza em uma federao extremamente centralizadora na tomada deciso, por inao dos entes perifricos ou mesmo por seu despreparo frente essa nova funo. Dessa feita, o municpio o maior gerador das modificaes em larga escala, principalmente no tocante ao Plano Diretor. Neste ponto, se notabiliza duas etapas de grande relevncia, a primeira, tendente a um debate amplo e plural com os atores sociais envolvidos na gesto das cidades e a segunda, vinculada pela execuo do plano discutido.

    Os instrumentos efetivao da ltima esto disposio no Estatuto das Cidades, mas de toda sorte necessitam de conduta ativa por intermdio do exerccio do Poder de Polcia e da formulao de Polticas Pblicas contundentes. No obstante, sabido que os municpios podem e devem disciplinar questes ambientais como preconiza a Lei 6.938/81, mas que ainda sofrem com o

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    formato atrativo da Unio Federal como executora das Polticas Pblicas. Diante disso, alguns administradores conjeturavam que a Gesto Ambiental em Municpios estava apenas ligada a possibilidade de promover o licenciamento de atividades potencialmente nocivas ao meio ambiente ou que, por seu vulto, poderia vir a s-las.92 Nessa definio, alguns empreendimentos e atividades, antes no submetidas, passaram a ser licenciadas como condomnios fechados, estradas vicinais, bares, boates dentre outros.

    Assim, se deve passar compreenso do que representa a integrao da lei supra esfera municipal. Redunda essa integrao na ampliao do conceito de meio ambiente natural e uma adequao ao espao urbano, verdadeiramente um conceito ampliado de meio ambiente, a qual apresenta a relao umbilical entre o Direito Ambiental e o Direito Econmico. Essa relao est, cada vez mais, presente nas cidades, ante o crescimento desordenado das mesmas, o encarecimento de determinadas zonas, o empobrecimento de outra e assim por diante.

    Diante disso, parte-se no mais da premissa de conservao do meio ambiente natural da cidade, mas sim de uma adequao do meio ambiente urbano com um novo modelo de desenvolvimento econmico-social, mas sem se afastar dos ditames constitucionais, pois no se pode mais tratar um meio alterado pela ao antrpica como se fosse um essencialmente natural. Nessa senda, o municpio deve minimizar os impactos desta ao sobre o meio ainda no degradado e buscar a recuperao daquele que no obteve a mesma sorte. Nesse sentido, "[...] toda essa mudana de paradigma precisa resultar em qualificao da gesto

    92 KRELL, Andreas Joachim. Discricionariedade e proteo ambiental: o controle dos conceitos jurdicos indeterminados e a competncia dos rgos ambientais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

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    ambiental."93 Considerando, ainda, que essa mudana deve "[...] resultar qualificada, ou seja, efetivamente modificada, refletindo e incidindo diretamente na qualidade de vida dos centros urbanos."94 Pode-se perguntar como enveredar para essa promoo? O que facilmente respondido com o j debatido Estatuto das Cidades, o qual apresenta diretrizes, instrumentos e meios para promover o planejamento urbano. Desta