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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CAMILA CRISTINA DA SILVA GONÇALVES A AFERIÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO NA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE São José 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CAMILA CRISTINA DA SILVA GONÇALVES

A AFERIÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO NA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

São José 2008

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CAMILA CRISTINA DA SILVA GONÇALVES

A AFERIÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO NA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

 

 

 

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Flaviano Vetter Tauscheck

São José 2008

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CAMILA CRISTINA DA SILVA GONÇALVES

A AFERIÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO NA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração: Direito Civil

São José, 31 de outubro de 2008.

Prof. MSc. Flaviano Vetter Tauscheck UNIVALI – Campus de São José

Orientador

Prof. MSc. Márcio Roberto Harger UNIVALI – Campus de São José

Membro

Prof. MSc. Renato Heusi de Almeida UNIVALI – Campus de São José

Membro

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Dedico este trabalho aos meus pais Celso e Rosana por me apoiarem sempre em todas as minhas decisões. Ao amor da minha vida Rodrigo pelo amor e dedicação em todos os momentos. A minha madrinha Tânia por estar sempre ao meu lado acreditando na minha vitória.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por me iluminar nesta caminhada por meus

objetivos.

Aos meus pais, Celso e Rosana que, com carinho e

apoio, não mediram esforços para que eu chegasse

até esta etapa de minha vida.

Ao meu namorado Rodrigo, pelo incondicional amor,

carinho e companheirismo e pelo incentivo e ajuda

na confecção deste trabalho.

As minhas amigas, em especial à Gabriela, que

tanto me apoiou nos momentos de aflição.

Ao meu orientador Flaviano pelo auxílio para

conclusão deste trabalho.

A todos esses e aqueles que, de algum outro modo,

colaboraram para a confecção deste trabalho, meu

sincero obrigado.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade

pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 31 outubro de 2008.

Camila Cristina da Silva Gonçalves

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RESUMO

O estudo refere-se à aferição do quantum indenizatório na teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance, objetivando analisar qual a maneira correta de se chegar ao valor que a vítima desse tipo de dano deve receber a título de indenização. Identificam-se também conceitos paralelos ao cerne do trabalho, como o conceito de responsabilidade civil, seus requisitos, espécies e excludentes, eis que guardam relação com o tema do trabalho. A pesquisa aborda questão atual na responsabilidade civil, pois se refere à teoria que veio preencher determinada lacuna jurídica no campo da responsabilidade civil, a qual defende que é possível a indenização na situação em que a vítima teve frustrado seu desígnio. Diante disso, comentou-se acerca do surgimento da teoria, bem como sobre os requisitos necessários à sua aplicação. Analisou-se o entendimento atual dos doutrinadores e tribunais brasileiros. Abordou-se como se dá a aferição do valor indenizatório na responsabilidade civil pela perda de uma chance, traçando a distinção entre perda de uma chance e lucros cessantes, bem como a distinção entre perda de uma chance e danos morais. Por fim, analisou-se como se dá a correta quantificação da indenização nesta teoria, concluindo-se que, a fim delimitar o quantum indenizatório, o magistrado deve averiguar o valor do benefício que a vítima auferiria na hipótese de alcançar a vantagem esperada e, após, verificar qual a possibilidade que a chance perdida teria de se concretizar, tendo em vista que o valor da indenização jamais poderá equivaler ao que a vítima teria direito caso não tivesse sido privada da oportunidade de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda.

Palavra-chave: Responsabilidade civil. Perda de uma chance. Quantificação. Valor indenizatório.

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ABSTRACT

The study refers to the measurement of indemnity in quantum theory of liability for loss of a chance, to analyze what is the correct way to reach the value that the victim of such damage should receive as compensation. There are also parallels to the core concepts of work, as the concept of civil liability, their requirements, and excluding species, he is related to the theme of work. The current research focuses on the liability issue because it relates to the theory that came to fill certain legal loophole in the field of civil liability, which argues that the possible compensation in the situation where the victim had frustrated his purpose. Thus, it is said about the emergence of the theory, as well as the requirements necessary for its implementation. It was analyzed the current understanding of doctrines and Brazilian courts. Approached as if the measurement is of value in the indemnity liability for loss of a chance, making the distinction between chance and a loss of profit, as well as the distinction between loss of a chance and moral damage. Finally, looked as if gives the correct amount of compensation in theory, concluding that to define the quantum indenizatório, the judge must determine the value of the benefit that the victim realized in the chance of achieving the expected benefit, and after, verify the possibility that it would have lost the chance of being achieved, considering that the amount of compensation can never amount to what the victim would be entitled if it had not been deprived of the opportunity to obtain a benefit or determined to avoid a loss. Keyword: Liability civil. Loss of a chance. Quantification. Indemnity value.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 11

1RESPONSABILIDADE CIVIL............................................................................................... 13

1.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL ............................................................. 13

1.2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL .................................................. 15

1.2.1 A Conduta Humana ............................................................................................... 16

1.2.2 O Dano ou Prejuízo ............................................................................................... 19

1.2.3 O Nexo de Causalidade ........................................................................................ 21

1.3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL .............................................................. 25

1.3.1 Responsabilidade Civil Subjetiva .......................................................................... 25

1.3.2 Responsabilidade Civil Objetiva ............................................................................ 27

1.4 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL ..................................................... 28

1.4.1 Culpa da vítima...................................................................................................... 29

1.4.2 Fato de terceiro...................................................................................................... 31

1.4.3 Caso Fortuito ou Força Maior ................................................................................ 33

1.4.4 Cláusula de Não Indenizar .................................................................................... 34

2RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE........................................ 37

2.1 O SURGIMENTO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE .................................. 39

2.2 A PERDA DE UMA CHANCE COMO UM DANO AUTÔNOMO.................................. 41

2.3 CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE ................................................................................................................... 45

2.4 MODALIDADES DA PERDA DE CHANCE.................................................................. 49

2.4.1 Frustração da chance de obter vantagem futura................................................... 50

2.4.2 Frustração da chance de evitar um dano que aconteceu ..................................... 51

2.5 A APLICAÇÃO DA TEORIA NO DIREITO BRASILEIRO ............................................ 53

3O PROBLEMA DA QUANTIFICAÇÃO NA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE....................................................................................................................... 57

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3.1 A DISTINÇÃO ENTRE PERDA DE UMA CHANCE E LUCROS CESSANTES .......... 62

3.2 A DISTINÇÃO ENTRE PERDA DE UMA CHANCE E O DANO MORAL .................... 66

3.3 A CORRETA QUANTIFICAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO NA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE ...................................... 71

CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 79

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 81

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INTRODUÇÃO

A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance revela-se como

tema de grande importância, visto que cada vez mais o Poder Judiciário busca a

plena reparabilidade dos danos sofridos por alguém que tenha sido prejudicado por

atitude de outra pessoa.

É notório que as demandas judiciais envolvendo a responsabilidade civil vêm

crescendo diariamente, de forma que é perceptível, em determinados casos, a

dificuldade em demonstrar o nexo de causalidade entre a ocorrência de uma

conduta culposa e o dano efetivo sofrido pela vítima. Nestes casos, o lesado restava

sem a devida reparação.

O ordenamento procurou-se então, suprir uma das lacunas existentes no

campo da responsabilidade civil, a fim de solucionar tais problemas que

anteriormente terminavam sem qualquer resposta.

Essa teoria defende que é indenizável a situação em que a vítima teve

frustrado seu desígnio. Nestes casos, o prejuízo em si não será ressarcido, porém, o

agente será responsabilizado pela chance perdida e deverá reparar a certeza de

ganho ou o impedimento de uma perda, que foram frustrados por sua conduta.

Desta forma, percebe-se que não existe a reparação do prejuízo, e sim da

oportunidade perdida.

Através de sua aplicação, admite-se o ressarcimento ao indivíduo que

enfrenta uma situação de privação, decorrente de conduta comissiva ou omissiva de

terceiro, a qual obstrui o andamento natural dos acontecimentos. Este fato faz com

que a vítima perca a oportunidade de adquirir um benefício ou impedir uma lesão.

Nesses casos, o dano causado à vitima deve ser utilizado como base para a

aferição do quantum indenizatório na responsabilidade civil pela perda de uma

chance ou a indenização deve ser calculada com base na probabilidade do sucesso

do acontecimento obstado?

A lesão sofrida pelo ofendido, com base nesta teoria, é a chance perdida e

não o dano causado. Somente esta deve ser avaliada no momento da apuração do

quantum indenizatório. É inadmissível ressarcimento equivalente ao benefício que

possivelmente aconteceria.

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É admitida uma nova espécie de dano reparável, fundado na oportunidade

perdida. A indenização, neste caso, é baseada na probabilidade de obtenção do

resultado pretendido. Assim, não é possível a indenização pelo proveito perdido,

mas sim pela possibilidade concreta de alcançar esta vantagem.

O objetivo do presente estudo é verificar como se dá a aferição do valor

indenizatório na responsabilidade civil pela perda de uma chance, esclarecendo se o

dano causado à vitima deve ser utilizado como base para a aferição do quantum

indenizatório, ou se a indenização deve ser calculada com base na probabilidade do

sucesso do acontecimento.

Assim, é importante o estudo deste tema por ser atual e gerar, sem sombra

de dúvidas, grande polêmica no direito moderno, além de refletir diretamente nas

atividades da sociedade. A todo o momento o direito do ser humano é violado,

resultando em prejuízos de cunho emocional e econômico. O instituto da

responsabilidade civil está presente para equilibrar a ordem moral e patrimonial, pois

não é admissível que o indivíduo lesionado reste desamparado, sem o devido

ressarcimento pelo dano sofrido ou pela chance perdida.

Para a elaboração do trabalho, foram utilizados subsídios obtidos através da

pesquisa indireta, da análise à legislação pátria, além de outros meios hábeis à

embasarem um trabalho deste porte (doutrinas, revistas científicas, sites da internet,

etc).

A presente monografia ficou estruturada em três capítulos, sendo que no

primeiro desses foi realizada uma abordagem acerca da responsabilidade civil,

sendo conceituados seus elementos, suas espécies e suas excludentes.

No segundo capítulo foi analisada a teoria da responsabilidade civil pela

perda de uma chance, verificando como se deu seu surgimento, os critérios para sua

aplicação, suas modalidades, bem como a sua aplicação no ordenamento brasileiro.

Por fim, no terceiro e último capítulo foi abordado o como se dá a aferição do

valor indenizatório na responsabilidade civil pela perda de uma chance, traçando a

distinção entre perda de uma chance e lucros cessantes, bem como a distinção

entre perda de uma chance e danos morais. Por fim, analisou-se como se dá a

correta quantificação da indenização nesta teoria.

Encerra-se a presente monografia com as considerações finais a respeito do

tema abordado, onde a autora apresenta sua impressão pessoal do que foi relatado

no decorrer do estudo.

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1RESPONSABILIDADE CIVIL

A fim de facilitar a compreensão da teoria da responsabilidade civil pela

perda de uma chance, necessária é a abordagem, mesmo que superficial, de alguns

conceitos inerentes à parte geral da matéria em questão, qual seja, responsabilidade

civil.

1.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A convivência em sociedade requer a existência de regras, que são

necessárias para que haja harmonia entre os indivíduos que a compõem. A prática

de ato que infrinja direito de outrem freqüentemente acarreta danos, gerando o

dever de reparação do prejuízo por parte do agente que cometeu tal ato, através de

uma indenização, surgindo daí a responsabilidade civil.

A todo o momento o direito do ser humano é violado, resultando em

prejuízos de cunho emocional e econômico. O instituto da responsabilidade civil está

presente para equilibrar a ordem moral e patrimonial, pois não é admissível que um

indivíduo lesionado reste desamparado, sem o devido ressarcimento pelo dano

sofrido.

Na visão de Venosa: “[...] O termo responsabilidade é utilizado em qualquer

situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as

conseqüências de um ato, fato ou negócio danoso”.1

O surgimento da responsabilidade civil, ou o dever de reparação, se dá com

a prática do disposto no artigo 186 do Código Civil, o qual determina que: “aquele

que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e

causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Responsabilidade, portanto, é o dever jurídico resultante da transgressão de

determinado direito, através da prática de um ato adverso ao ordenamento jurídico,

                                                             1 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 1.

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que determina obrigações positivas ou negativas. Deixar de obedecer tais

obrigações acarreta prejuízo à terceiro, gerando o dever de ressarcimento.

Para Gagliano e Pamplona Filho, “a responsabilidade civil deriva da

agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao

pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in

natura o estado anterior das coisas”.2 Portanto, resumidamente, pode-se ter o conceito de responsabilidade civil

como o dever de alguém compensar o dano que causou a um indivíduo através de

seu próprio ato, ou por ato de alguém ou alguma coisa que esteja sob sua

responsabilidade.

Tendo por base o fato de a responsabilidade civil consistir na obrigação que

um indivíduo tem de reparar prejuízo causado a terceiro, verifica-se que este

instituto é parte integrante do direito das obrigações, onde existe a figura do credor e

do devedor. Assim, assume o ofendido o papel de credor, tendo a faculdade de

exigir do sujeito que feriu seu direito, uma prestação, que é o ressarcimento pelos

prejuízos sofridos, ocupando este, o lugar do devedor.

O artigo 927 do Código Civil classifica o dever de reparar o dano como uma

obrigação ao dispor que: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a

outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Cavalieri Filho destaca que “a responsabilidade civil opera a partir do ato

ilícito, com o nascimento da obrigação de indenizar, que tem por finalidade tornar

indemne o lesado, colocar a vítima na situação em que estaria sem a ocorrência do

fato danoso”.3

O intento da obrigação de reparar é restabelecer à vítima o statu quo ante4,

ou seja, proporcionar a quem foi prejudicado, a condição que ostentava antes do

fato lesivo. Demonstrada a responsabilidade, o lesante deverá ressarcir a vítima de

alguma maneira pelo prejuízo sofrido. Não tendo o agente da conduta condições de

repor in natura5, ou especificamente, o estado anterior da pessoa lesada, deverá

restituí-la através de uma prestação pecuniária, a indenização.

                                                             2 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 9. 3 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 3-4. 4 Na situação em que se encontrava anteriormente. 5 Da mesma natureza.

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Diniz expõe claramente sobre o assunto, afirmando que: [...] fácil é perceber que o primordial efeito da responsabilidade civil é a reparação do dano, que o ordenamento jurídico impõe ao agente. A responsabilidade civil tem, essencialmente, uma função reparadora ou indenizatória. Indenizar é ressarcir o dano causado, cobrindo todo o prejuízo experimentado pelo lesado.6

Desse modo, resta claro que a responsabilidade civil consiste, em resumo,

na obrigação que se impele a um indivíduo de reparar os danos sofridos por outro

em razão de certa atitude sua.

1.2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Existem elementos que compõem a base da responsabilidade civil, os quais

devem estar presentes a fim de que surja o dever de reparação inerente à

responsabilidade civil.

Gagliano e Pamplona Filho, ao analisarem o artigo 186 do Código Civil

extraem os seguintes elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil: a)

conduta humana (positiva ou negativa); b) dano ou prejuízo; c) o nexo de

causalidade.7

Assim, a existência da responsabilização por uma conduta e a reparação

dos danos decorrentes da mesma, pressupõe, sempre, a ocorrência de um prejuízo

proveniente de ato através da ação ou omissão de um indivíduo, ou seja, da conduta

humana, bem como o elo de ligação entre esses dois elementos, o nexo de

causalidade. O elemento culpa, pode estar presente ou não, dependendo da espécie

de responsabilidade civil, objetiva ou subjetiva, não sendo pressuposto geral.

                                                             6 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 130. 7 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 23.

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1.2.1 A Conduta Humana

Para que se faça presente a responsabilidade civil, é necessária a realização

de uma conduta por um indivíduo. Entende-se como conduta, ou ação, o ato

humano comissivo ou omissivo que gere prejuízo a outrem, suscitando o dever de

reparação.

Nos ensinamentos de Gagliano e Pamplona Filho, “trata-se, em outras

palavras, da conduta humana, positiva ou negativa (omissão), guiada pela vontade

do agente, que desemboca no dano ou prejuízo”.8

Destarte, verifica-se que o compromisso de ressarcimento do prejuízo está

conectado a um comportamento humano. A conduta pode ser positiva, através da

ação, onde o indivíduo comete um ato que não deveria, ou negativa, através da

omissão, onde o agente se torna inerte quando deveria agir, quando necessitaria

tomar uma atitude.

Cavalieri Filho descreve os conceitos de ação como sendo: [...] a forma mais comum de exteriorização da conduta, porque, fora do domínio contratual, as pessoas estão obrigadas a abster-se da prática de atos que possam lesar o seu semelhante, de sorte que a violação desse dever geral de abstenção se obtém através de um fazer. Consiste, pois, a ação em um movimento corpóreo comissivo, um comportamento positivo, como a destruição de uma coisa alheia, a morte ou lesão corporal causada em alguém, e assim por diante. Já, a omissão, forma menos comum de comportamento, caracteriza-se pela inatividade, abstenção de alguma conduta devida.9

Deve coexistir junto ao ato, o elemento voluntariedade, que não exprime

essencialmente a vontade de ocasionar o prejuízo, mas sim, a convicção daquilo

que se está praticando. O artigo 186 do Código Civil dispõe que: “aquele que, por

ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano

a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, desencadeando,

desta forma, o dever de reparação.

Stoco leciona acerca da voluntariedade: A voluntariedade da conduta não se confunde com a projeção da vontade sobre o resultado, isto é, o querer intencional de produzir o resultado, de assumir o risco de produzi-lo, de não querê-lo mas,

                                                             8 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 27. 9 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. p. 24.

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ainda assim, atuar com afoiteza, com indolência ou com incapacidade manifesta. O querer intencional é matéria atinente à culpabilidade lato sensu.10

Desta forma, verifica-se que a essência da conduta humana “é a

voluntariedade, que resulta exatamente da liberdade de escolha do agente

imputável, com discernimento necessário para ter consciência daquilo que faz”.11

Assim, conclui-se que o lesante deve agir voluntariamente, ou seja, de

acordo com sua livre capacidade de autodeterminação. Daí porque os pais

respondem, via de regra12, pelos atos dos filhos menores, já que a incapacidade

absoluta da criança, bem como sua eventual falta de consciência os impedem de

serem responsabilizados.

A voluntariedade está conectada ao conceito de imputabilidade, tendo em

vista que aquela desaparece ou torna-se ineficaz quando o agente é juridicamente

irresponsável, ou seja, inimputável.

Cavalieri Filho ao conceituar imputabilidade dispõe: ‘Imputar’ é atribuir a alguém a responsabilidade por alguma coisa. Imputabilidade é, pois, o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para poder responder pelas conseqüências de uma conduta contrária ao dever; imputável é aquele que podia e devia ter agido de outro modo. [...] Por isso se diz que não há como responsabilizar quem quer que seja pela prática de um ato danoso se, no momento em que o pratica, não tem capacidade de entender o caráter reprovável de sua conduta e de determinar-se de acordo com esse entendimento.13

A imputabilidade significa, portanto, a atribuição de responsabilidade.

Envolve o conjunto de condições pelas quais se podem atribuir a alguém a

responsabilidade. Existem dois elementos da imputabilidade: a maturidade e a

                                                             10 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 129. 11 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 27. 12 O código civil brasileiro, em seu artigo. 928, admite a responsabilidade patrimonial do incapaz, nos seguintes termos: “Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízo que causar, se as pessoas por eles responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependam”. 13 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. p. 25-26.

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sanidade mental, se caracterizando o primeiro pelo desenvolvimento mental; e o

segundo pela saúde mental.14

Cavalieri Filho ensina que, imputável é o agente mentalmente são e

desenvolvido, capaz de compreender o caráter de sua conduta e de decidir de

acordo com esse entendimento.15

Portanto, é possível visualizar a imputabilidade, quando a conduta decorre

de vontade livre e capaz, surgindo então o dever de reparação do dano proveniente

dessa conduta.

Ainda, além de reconhecer a responsabilidade civil por ato próprio, o Código

Civil em seus artigos 932 e 936 a 93816, reconhece a responsabilidade por ato de

terceiro ou por fato do animal e da coisa, que são formas de responsabilidade civil

indireta. Não se pode excluir, nestes casos, o elemento voluntariedade antes

comentado, eis que, mesmo não tendo sido responsabilizado o autor direto do fato,

possui o responsável legal deveres sobre o terceiro, o animal ou a coisa, devendo

ter cuidados inerentes ao dever de guarda, vigilância e cuidado.

A conduta, então, é revestida de dois aspectos, o físico ou objetivo e o

psicológico ou subjetivo. O aspecto físico é composto pela ação ou omissão,

enquanto que o aspecto psicológico se mostra pela voluntariedade (consciência).

Assim, verifica-se que para haver o dever de reparação, próprio da

responsabilidade civil, é necessária a existência de uma conduta comissiva ou

omissiva perpetrada por um indivíduo, de um comportamento cometido por terceiro

que esteja sob sua responsabilidade, ou, ainda, por fato do animal ou da coisa sob

sua guarda.

                                                             14 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. p. 26. 15 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. p. 26. 16 Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior. Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta. Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido.

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1.2.2 O Dano ou Prejuízo

O elemento central da responsabilidade civil é o dano, ou seja, o prejuízo

experimentado pela vítima.

Cavalieri Filho conceitua de forma clara o dano como sendo: [...] a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é a lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.17

Não havendo a ocorrência do dano, inexiste o dever reparatório, porquanto é

pressuposto indispensável da existência da responsabilidade civil, que tem por

finalidade o ressarcimento de um prejuízo.

Para Cavalieri Filho: Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. [...] Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, [...].18

O ressarcimento sem a ocorrência de dano acarretaria em enriquecimento

ilícito (art. 88419, do Código Civil) tendo em vista que, como anteriormente dito, a

função da indenização é tão somente a reparação de um prejuízo, que deve ser

certo e atual.

A certeza do dano se mostra quando inexistem suspeitas quanto à sua

existência. A indenização para reparação de danos hipotéticos, pouco plausíveis ou

fundados em probabilidades incertas é inadmissível. A simples suspeita de um

prejuízo não é passível de reparação.

Por sua vez, a atualidade do dano resta demonstrada quando o

comportamento do agente estiver terminado, provocando efeitos danosos a um

indivíduo.

                                                             17 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. p. 71. 18 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. p. 70-71. 19 Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

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Outrossim, o dano pode ser de cunho patrimonial, atingindo bens e direitos

economicamente estimáveis da vítima, ou moral, não afetando o patrimônio material

do ofendido, e sim a ele próprio.

O prejuízo de ordem econômica é mensurável, podendo seu ressarcimento

ser direto, através da reparação in natura ou recomposição exclusiva da situação

que a vítima anteriormente ostentava, ou indireto, através de uma indenização

pecuniária.

A respeito do dano patrimonial, leciona Venosa: “O dano patrimonial,

portanto, é aquele suscetível de avaliação pecuniária, podendo ser reparado por

reposição em dinheiro, denominador comum da indenização”.20

Então, o dano patrimonial vem a ser o prejuízo que atinge algo concernente

ao patrimônio da vítima, danificando, total ou parcialmente, seus bens materiais, que

são suscetíveis de avaliação pecuniária e, indenizáveis pelo agente causador do

dano.

Ainda, convém salientar que o dano patrimonial também pode afetar o

patrimônio futuro do ofendido, e não somente o presente. Pode ocorrer uma situação

em que o prejuízo impede o crescimento do patrimônio da vítima. Por este motivo,

existe uma subdivisão no dano material, onde o mesmo se divide em dano

emergente e lucro cessante, conceitos que serão abordados mais profundamente

em momento oportuno.

Quanto à lesão de ordem moral, diz respeito ela àquilo que não se pode

atribuir valor econômico, surgindo daí a dificuldade acerca do quantum21

indenizatório. É um prejuízo psíquico ao indivíduo ofendido, atingindo, por exemplo,

a honra, a paz e a tranqüilidade de uma pessoa.

Quanto ao dano moral ensina Sampaio: [...] configura-se o dano moral indenizável quando alguém, em razão da prática de um ato ilícito, suporta uma dor ou constrangimento, ainda que sem repercussão em seu patrimônio. Isto é, objetivamente, do ato ilícito não se vislumbra diminuição do patrimônio da vítima. Nem poderia ser diferente, já que, ferido direito personalíssimo (honra, imagem etc.), fica impossibilitada a restauração da situação anterior. Diante disso, assume a indenização, de ordem pecuniária, a finalidade de compensar ou atenuar a dor ou o constrangimento suportado.22

                                                             20 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 32. 21 quanto 22 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito Civil: responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2003. p. 101.

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Dano moral é, então, qualquer dano experimentado pela vítima que não se

encaixa em uma perda pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da mesma,

à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu

amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc.23

Deste modo, “deve ser reputado como dano moral a dor, vexame,

humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento

psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio em seu

bem-estar”.24

Portanto, como elemento essencial a integrar a tríade da responsabilidade

civil, o dano é um de seus vértices, necessitando de requisitos que demonstrem

claramente sua ocorrência, gerando, por conseguinte, o dever reparatório, advindo

da cláusula geral da responsabilidade civil (neminem laedere25).

1.2.3 O Nexo de Causalidade

O terceiro pressuposto da responsabilidade civil é o elo de ligação entre os

dois anteriormente comentados. O nexo de causalidade é uma relação de causa e

efeito entre comportamento do agente e o prejuízo experimentado pelo ofendido.

A fim de que se possa atribuir a um indivíduo a obrigação de reparar o dano

suportado por outrem é de grande importância que exista uma relação de

causalidade entre a ação do agente e o prejuízo sofrido pela vítima.

Das palavras de Rizzardo extrai-se que: “Por último, faz-se necessário a

verificação de uma relação, ou um liame, entre o dano e causador, o que torna

possível a sua imputação a um indivíduo”.26

Imprescindível na responsabilidade civil, para o surgimento da obrigação de

indenizar, que reste claramente demonstrado que o prejuízo experimentado pela

vítima sobreveio da ação comissiva ou omissiva do agente.

                                                             23 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 61. 24 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. p. 83. 25 Não lesar a ninguém. 26 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 71.

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Nexo de causalidade, portanto, é a conexão da conduta do sujeito ao dano.

Trata-se, como os demais, de um elemento indispensável.

De acordo com Venosa: “[...] Se a vítima, que experimentou o dano, não

identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser

ressarcida”.27

A apuração deste nexo, que interliga a conseqüência danosa ao indivíduo

infrator, é imperiosa a fim de que se possa concluir pela responsabilidade jurídica do

agente. Cavalieri Filho, acerca do assunto ensina que:

Não basta, portanto, que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano. É preciso que esse dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito. Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não correrá a cargo do autor material do fato. Daí a relevância do chamado nexo causal. Cuida-se, então, de saber quando um determinado resultado é imputável ao agente; que relação deve existir entre o dano e o fato para que este, sob a ótica do Direito, possa ser considerado causa daquele.28

Nexo de causalidade é então, a ligação, o liame ou relação de causa e efeito

entre a conduta efetuada pelo agente e o resultado, dano, experimentado pela

vítima.

Existem duas problemáticas a fim de se identificar o nexo de causalidade. A

primeira reside na dificuldade em provar sua existência, enquanto que a segunda se

mostra na dificuldade da identificação do fato que verdadeiramente constituiu a

causa do dano, mormente quando este decorre de causas múltiplas. Nem sempre é

possível estabelecer a causa direta do fato.29

A fim de solucionar essas problemáticas existentes em torno do nexo causal,

surgiram algumas teorias.

Segundo Gagliano e Pamplona Filho: Fundamentalmente, são três as principais teorias que tentam explicar o nexo de causalidade: a) teoria da equivalência de condições; b)

                                                             27 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 42. 28 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. p. 46. 29 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 42.

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teoria da causalidade adequada; c) teoria da causalidade direta ou imediata (interrupção do nexo causal).30

A primeira teoria defende que, quaisquer das circunstâncias que hajam

ocorrido para a produção do dano, são consideradas como causa. A equivalência

das mesmas reside no fato de que, caso se suprima uma das causas, o dano não

existe.

Conceituando a teoria da equivalência de condições, ou de antecedentes,

como denomina, Cavalieri Filho leciona: Como o próprio nome diz, essa teoria não faz distinção entre causa (aquilo que uma coisa depende quanto à existência) e condição (o que permite à causa produzir seus efeitos positivos ou negativos). Se várias condições concorreram para o mesmo resultado, todas têm o mesmo valor, a mesma relevância, todas se equivalem. Não se indaga se uma delas foi mais ou menos eficaz, mais ou menos adequada. Causa é a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, sem distinção da maior ou menor relevância que cada uma teve. Por isso, essa teoria é também chamada da conditio sine qua non, ou da equivalência das condições. Para saber se uma determinada condição é causa, elimina-se mentalmente essa condição, através de um processo hipotético. Se o resultado desaparecer, a condição é causa, mas, se persistir, não o será. Destarte, condição é todo antecedente que não pode ser eliminado mentalmente sem que venha a ausentar-se o efeito.31

Essa teoria é bastante criticada, tendo em vista que leva a resultados

absurdos, com responsabilidade ilimitada, como, por exemplo, responsabilizar o

fabricante da arma com a qual fora ferida determinada vítima.32

Tepedino, acerca dessa crítica, ensina que: A inconveniência desta teoria, logo apontada, está na desmesurada ampliação, em infinita espiral de concausas, do dever de reparar, imputando a um sem-número de agentes. Afirmou-se, com fina ironia, que a fórmula tenderia a tornar cada homem responsável por todos os males que atingem a humanidade.33

Portanto, possível concluir que a adoção dessa teoria traz conseqüências

sem cabimento, eis que se estaria responsabilizando infinitas pessoas, já que todas

as causas são equivalentes para a determinação do nexo causal.

                                                             30 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 86. 31 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. p. 47. 32 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito Civil: responsabilidade civil. p. 88. 33 TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre o nexo de causalidade. Revista trimestral de direito civil. Rio de Janeiro: Padma, ano 2, jun. 2001. v. 6. p. 3-19.

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A segunda teoria aceita como causa somente aquele fato que, por si só, é

competente a produzir o dano. Nessa teoria, não se leva em consideração toda

causa que contribuiu para o prejuízo, conforme determina a teoria da equivalência

de condições, mas apenas a causa que foi mais adequada para produzir o dano.

Ao conceituar tal teoria, Venosa dispõe: [...] menciona-se a teoria da causalidade adequada, ou seja, a causa predominante que deflagrou o dano. Causa, nesse caso, será só o antecedente necessário que ocasionou o dano. Assim, nem todos os antecedentes podem ser levados à conta do nexo causal, o que nem sempre satisfaz no caso concreto. Cabe ao juiz fazer um juízo de probabilidades, o que nem sempre dará um resultado satisfatório.34

A causa adequada, então, é a que se mostra mais apta a originar o evento

danoso.

Exemplo prático é citado por Rizzardo: Alguém desfere uma leve batida na cabeça de uma pessoa, cujo osso craniano já se encontrava com fraturas, vindo, por isso, a falecer. Não é adequada a causa para produzir a morte. Não responderá, por isso, por esse último resultado.35

Enquanto que teoria anteriormente analisada peca pelo excesso, ao

considerar que todas as causas concorrentes para o resultado são equivalentes, a

teoria da causalidade adequada pode levar a vítima a uma situação em que não

existe o ressarcimento pelo dano sofrido, pois, se existirem vários fatos aptos a

ocasionar o dano, pode não ser possível encontrar aquele que, por si só, tivesse

proporcionado o prejuízo.

A terceira teoria, da causalidade direta ou imediata, também denominada de

teoria da interrupção do nexo causal ou teoria da causalidade necessária.

Discorrendo acerca dessa teoria, Gagliano e Pamplona Filho pontificam: Causa, para essa teoria, seria apenas o antecedente fático que, ligado por um vínculo de necessariedade ao resultado danoso, determinasse este último como uma conseqüência sua, direta e imediata.36

Consiste, portanto, essa teoria, num meio termo entre as duas outras,

fugindo do radicalismo que as envolve.

                                                             34 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 43. 35 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade civil. p. 75. 36 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 90.

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Existe grande controvérsia ao se falar em qual teoria é adotada pelo Código

Civil, no que se refere ao nexo de causalidade. Parte da doutrina afirma que o

código acolheu a teoria da causalidade adequada, enquanto certa parte pondera a

adoção da teoria da causalidade direta e imediata.

1.3 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil surge sob diferentes espécies, dependendo de que

forma se analisa. Sua classificação pode dar-se quanto ao seu fato gerador, quanto

ao seu fundamento e quanto ao agente que pratica a ação.37

No presente estudo será conferida ênfase à distinção entre a

responsabilidade civil subjetiva e objetiva, ou seja, a classificação quanto ao seu

fundamento.

As primeiras formas citadas de responsabilidade civil estão previstas no

Código Civil. A primeira, subjetiva, está visível no caput do artigo 92738 e a segunda,

objetiva, no parágrafo único do mesmo dispositivo.

1.3.1 Responsabilidade Civil Subjetiva

Alicerçada na idéia da culpa lato sensu39, que envolve a culpa em seu

sentido estrito e o dolo, para responsabilidade civil subjetiva não basta apenas que

estejam presentes os três pressupostos analisados anteriormente. É indispensável

para amparar a pretensão indenizatória, a comprovação de que para a ocorrência

daquele prejuízo, o agente causador agiu de forma dolosa ou culposa.

Nas palavras de Rodrigues:

                                                             37 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 126. 38 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 39 Em sentido amplo.

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Realmente se diz ser subjetiva a responsabilidade quando se inspira na idéia de culpa, [...]. De modo que a prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar. A responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do comportamento do sujeito.40

Essa forma de responsabilidade civil, então, assenta-se, fundamentalmente,

na teoria da culpa. Sem a presença de tal elemento, não há que se falar em

responsabilidade civil subjetiva. Desta forma, para a existência da obrigação de

indenizar, não é suficiente apenas que o prejuízo tenha origem em um

comportamento do indivíduo. É necessária uma conduta humana acompanhada do

componente subjetivo da culpa. É imperioso que o agente da ação a tenha cometido

com desígnio de ocasionar um dano (dolo), ou, ao menos, que essa conduta traduza

a violação de um dever de cuidado (culpa em sentido estrito).

Quanto à distinção entre culpa em seu sentido amplo e estrito, e dolo,

leciona Stoco: Em linhas gerais, a culpa, em sentido amplo, manifesta-se no instante em que a pessoa age quando não deveria agir; ou não age – omitindo-se – em circunstância na qual seria necessário e exigível um facere para evitar um dano. No dolo exige-se a intenção ou a assunção do risco de produzir um dano, na culpa stricto sensu não se quer o resultado nem se assume o risco. [...] Portanto, ao contrário do dolo, na culpa em sentido estrito, como afirmado, não há intenção do agente, nem ele pretende causar dano ou assume o risco de produzi-lo. Age apenas sem a diligência e cuidado que as circunstâncias exigiram, atuando quando deveria abster-se; omitindo-se quando lhe seria exigida uma conduta positiva, ou no intervindo profissionalmente sem o conhecimento ou habilidade específica que o mister impõe.41

Os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, que são os gerais,

acrescido da culpa, estão claramente descritos no artigo 186 do Código Civil. O

elemento conduta culposa do agente pode ser visualizado na expressão “aquele

que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia”.

Verifica-se que o elemento culpa, empregado do artigo citado, está inserido

sob sua forma ampla, o que inclui a culpa em seu sentido estrito bem como o dolo.

                                                             40 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Responsabilidade civil. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 11. 41 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. p. 133-134.

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A teoria da culpa, então, está intimamente ligada à idéia de que o elemento

essencial para gerar o dever de indenizar, na responsabilidade civil subjetiva, é a

culpa lato sensu. Ausente tal elemento, não existe a responsabilidade civil subjetiva.

O Código Civil adotou, expressamente, ambas as modalidades de

responsabilidade civil, tanto a subjetiva, prevista no artigo 927, caput, como a

objetiva, inserta no artigo 927, parágrafo único.

1.3.2 Responsabilidade Civil Objetiva

Em se tratando de responsabilidade objetiva, a conduta culposa lato sensu,

é fator irrelevante tendo em vista que, desde que esteja configurado o elemento

nexo de causalidade, ou seja, desde que reste relacionada a conduta do agente e o

prejuízo experimentado pela vítima, nasce o dever de reparação, quer o agente

tenha agido culposamente ou não.

Portanto, o elemento culpa é prescindível para caracterização da

responsabilidade civil objetiva.

Essa modalidade de responsabilidade civil está intimamente ligada à teoria

do risco, segundo a qual um indivíduo que, ao exercer uma atividade, expõe a risco

de dano um terceiro, deve repará-lo caso venha a ocorrer, ainda que sua conduta

não seja culposa.

Neste sentido, são os ensinamentos de Rodrigues: A teoria do risco é da responsabilidade objetiva. Segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e o seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele.42

Na teoria do risco, como pressupostos da responsabilidade civil, conserva-se

a conduta humana, através da ação ou omissão, o dano e o nexo de causalidade.

Entretanto, o elemento subjetivo culpa passa ser de pouca importância, na medida

                                                             42 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Responsabilidade civil. p. 11.

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que o autor da conduta assume o risco de dano que insurge do simples exercício de

sua atividade.

À luz dessa conceituação, poder-se-á entender por atividade de risco, apta a

justificar a obrigação indenizatória, aquela empreendida habitualmente pelo agente

causador do dano com fins lucrativos, como meio de vida ou como profissão. A

freqüência da prática da atividade e a sua finalidade lucrativa induzem à

previsibilidade, ou probabilidade, do risco para direitos de outrem.

1.4 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Os meios de exclusão da responsabilidade civil existem a fim de suavizar ou

eliminar o dever de reparação, porquanto atenuam ou extinguem o nexo de

causalidade, pressuposto essencial da responsabilidade civil.

Gagliano e Pamplona Filho, ao classificarem as excludentes da

responsabilidade civil pontificam: Como causas excludentes de responsabilidade civil devem ser entendidas todas as circunstâncias que, por atacar um dos elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil, rompendo o nexo causal, terminam por fulminar qualquer pretensão indenizatória.43

Essas causas obstaculizam a concretização do nexo causal, de forma que

não é possível a caracterização da responsabilidade civil, eis que tal elemento é

indispensável para a mesma. Assim, qualquer anseio a uma indenização por parte

do ofendido resta afastado.

Venosa, ao classificar as excludentes de responsabilidade dispõe que “são

excludentes de responsabilidade, que impedem que se concretize o nexo causal, a

culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior e, no

campo contratual, a cláusula de não indenizar”.44

                                                             43 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 101. 44 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 43-44.

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Nestes casos, mesmo que exista o dano causado a um indivíduo, por atitude

de outrem, não haverá obrigação de indenizar, porquanto não poderá o lesante ser

responsabilizado por aquilo que não ocasionou.

Nas palavras de Cavalieri Filho: Se ninguém pode responder por um resultado a que não tenha dado causa, ganham especial relevo as causas de exclusão do nexo causal, também chamadas de exclusão de responsabilidade. É que, não raro, pessoas que estavam jungidas a determinados deveres jurídicos são chamadas a responder por eventos a que apenas aparentemente deram causa, pois, quando examinada tecnicamente a relação de causalidade, constata-se que o dano decorreu efetivamente de outra causa, ou de circunstância que as impedia de cumprir a obrigação a que estavam vinculadas.45

Assim, é possível que exista o nexo de causalidade entre o fato que é

imputado a um indivíduo e o prejuízo sofrido pela vítima, porém, para se eximir,

aquele deverá demonstrar que o dano ocorreu em decorrência de outro fato

estranho e inevitável a ele. Tal fato precisará ter causado por si só o prejuízo

causado ao ofendido.

1.4.1 Culpa da vítima

O comportamento da vítima, não raras vezes, quebra o nexo de causalidade

necessário para a caracterização da responsabilidade civil, eximindo o agente de

arcar com o ressarcimento do prejuízo.

Em relação a essa causa de exclusão da responsabilidade, é possível a

ocorrência de duas situações: a culpa exclusiva da vítima e a culpa concorrente

entre a vítima e o agente, esta última, prevista no artigo 94546 do Código Civil.

De acordo com Sampaio: A primeira ocorre quando a conduta do agente configura mero instrumento para a causação do dano. Em suma, embora se faça presente ação ou omissão do agente, o fato desencadeante do dano consiste em conduta culposa da própria vítima. Acrescente-se, também, que a ação ou omissão do agente não configura qualquer

                                                             45 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. p. 63-64. 46 Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.

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violação de dever de cuidado, embora tenha servido, objetivamente, para o evento danoso. Diz-se nesse caso que há a quebra total do nexo de causalidade, de sorte a isentar o agente do dever de indenizar o prejudicado. Trata-se aqui da culpa exclusiva da vítima, figura que, efetivamente, surge como excludente de responsabilidade. [...] A segunda hipótese tem vez quando à culpa da vítima concorre também conduta culposa do agente, de sorte que ambas proporcionam o resultado danoso. Nesses casos, não há a efetiva quebra do nexo de causalidade, mas apenas seu enfraquecimento. Por conseqüência, não desaparece a obrigação do agente de indenizar a vítima, que fica apenas atenuada.47

Percebe-se, então, que somente nos casos em que existir a culpa exclusiva

da vítima, é que ocorrerá a quebra total do nexo de causalidade, com a isenção de

reparação do prejuízo ao agente. Caso contrário, existindo a concorrência de culpas

entre o agente e a vítima, a indenização deverá ser suavizada na proporção da

participação de cada sujeito.

Como bem explanado por Venosa: [...] a culpa exclusiva da vítima elide o dever de indenizar, porque impede o nexo causal. [...] Com a culpa exclusiva da vítima, desaparece a relação de causa e efeito entre o dano e seu causador. Quando há culpa concorrente da vítima e do agente causador do dano, a responsabilidade e, conseqüentemente, a indenização são repartidas, como já apontado, podendo as frações de responsabilidade ser desiguais, de acordo com a intensidade da culpa.48

A culpa da vítima, então, é aquela conferida ao desempenho da própria

pessoa que sofreu o prejuízo. Quando o desempenho do ofendido foi a causa

exclusiva do dano não é possível se falar em obrigação da reparação do mesmo

pelo agente. De outro norte, quando o desempenho do ofendido tiver sido causa

concorrente, existirá situação onde haverá a repartição da indenização em partes,

cuja proporção se dará na medida de suas participações.

Assim, quando o evento se der por culpa exclusiva da vítima, estará

totalmente isento de responsabilidade o causador direto do dano, cabendo àquela,

unicamente, suportar o prejuízo sofrido.

Sobre o tema, leciona Dias:

                                                             47 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito Civil: responsabilidade civil. p. 89-90. 48 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 44.

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Admite-se como causa de isenção de responsabilidade o que se chama de culpa exclusiva da vítima. Com isso, na realidade, se alude a ato ou fato exclusivo da vítima, pelo qual fica eliminada a causalidade em relação ao terceiro interveniente no ato danoso.49

Dessa forma, utilizando um exemplo clássico citado por Diniz, que é o do

pedestre que se lança sob as rodas do veículo em movimento, com o intuito de se

suicidar, verifica-se que o motorista não será responsabilizado, restando isento da

obrigação de indenizar qualquer prejuízo.50

Assim, o fato exclusivo da vítima exclui o próprio nexo causal em relação ao

aparentemente causador direto do dano, motivo por que não se deve falar em

simples ausência de culpa deste, mas em causa de isenção de responsabilidade.51

1.4.2 Fato de terceiro

Existem casos em que a ação de uma terceira pessoa aparece como causa

exclusiva do prejuízo suportado pela vítima, de modo que o agente, cuja conduta

tenha resultado em prejuízo, sirva somente como instrumento, de forma que haverá

a quebra do nexo de causalidade.

O terceiro, neste caso, é outra pessoa que não a vítima e o causador do

dano. Da mesma forma, não pode a terceira pessoa ter ligação com o agente

causador do dano, como empregados e filhos, porquanto nestes casos o

responsável legal pela reparação são os patrões e os pais.

Assim, se o fato de terceiro constitui-se na causa exclusiva do dano, a este

terceiro caberá a responsabilidade civil de reparar o prejuízo sofrido pela vítima, não

havendo maneira de estabelecer o nexo de causalidade com o aparentemente

agente da ação.

Para Noronha: O fato de terceiro que é excludente da causalidade (e por isso geralmente excludente também da responsabilidade) é o fato

                                                             49 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 693. 50 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 110. 51 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. p. 64.

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antijurídico praticado por alguém que não seja nem o lesado nem a pessoa de cuja possível responsabilização se esteja cogitando.52

Nessa hipótese, o fato de terceiro equipara-se ao caso fortuito ou de força

maior, por ser causa estranha à conduta do agente aparente, imprevisível e

inevitável.53

Nesses casos, portanto, deverá a vítima buscar o ressarcimento junto ao

terceiro, já que não existe o nexo de causalidade entre o dano e seu causador.

Sampaio cita exemplo de fácil compreensão: [...] a questão surge, na prática, nos acidentes automobilísticos, notadamente os chamados “engavetamentos”. Em regra, o motorista do veículo que, projetado em razão de colisão traseira, vem a atingir o automóvel da frente fica isento da responsabilidade de reparar o dano. Isto porque, no tocante à provocação do dano, seu veículo apenas serviu como mero instrumento, não havendo, pois, nexo de causalidade entre sua conduta e o dano suportado pela vítima.54

Assim, para que o fato de terceiro exima totalmente a responsabilidade do

imputado agente direto causador do dano, mister se faz que seja imprevisível a

irresistível, aproximando-se dessa forma, ao caso fortuito.

Da mesma forma que na excludente da culpa da vítima, conforme observou

Venosa: No caso concreto, importa verificar se o terceiro foi o causador exclusivo do prejuízo ou se o agente indigitado também concorreu para o dano. Quando a culpa é exclusiva de terceiro, em princípio não haverá nexo causal. O fato de terceiro somente exclui a indenização quando realmente se constituir em causa estranha à conduta, que elimina o nexo causal. Cabe ao agente defender-se, provando que o fato era inevitável e imprevisível.55

Por derradeiro, como exceção à regra geral da irresponsabilização do

agente por fato de terceiro, nos contratos de transporte, consoante norma inserta no

artigo 735 do Código Civil, o transportador não poderá elidir sua responsabilidade

alegando fato de terceiro, desde que contra este remanesça ação de regresso.

                                                             52 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p.620. 53 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. p. 65. 54 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito Civil: responsabilidade civil. p. 91. 55 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 54.

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1.4.3 Caso Fortuito ou Força Maior

O parágrafo único do artigo 393 do Código Civil define caso fortuito ou de

força maior como o “fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou

impedir”, e o caput do mesmo dispositivo determina que “o devedor não responde

pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se

houver por eles responsabilizado”.

Diniz traz importante lição acerca do tema: Deveras, o caso fortuito e a força maior se caracterizam pela presença de dois requisitos: o objetivo, que se configura na inevitabilidade do evento, e o subjetivo, que é a ausência de culpa na produção do acontecimento. No caso fortuito e na força maior há sempre um acidente que produz prejuízo. Na força maior, ou Act of God, conhece-se a causa que dá origem ao evento, pois se trata de um fato da natureza, como p. ex., raio que provoca incêndio; inundação que danifica produtos; geada que estraga lavoura, implicando uma idéia de relatividade, já que a força do acontecimento é maior do que a suposta, devendo-se fazer uma consideração prévia do estado do sujeito e das circunstâncias espácio-temporais, para que se caracterize como eficácia liberatória de responsabilidade civil. No caso fortuito o acidente que gera o dano advém de: 1) causa desconhecida, como o cabo elétrico aéreo que se rompe e cai sobre fios telefônicos, causando incêndio, a explosão de caldeira de usina, ou a quebra de peça de máquina em funcionamento provocando morte; ou 2) fato de terceiro, como greve, motim, mudança de governo, colocação do bem fora do comércio, que cause graves acidentes ou danos devido à impossibilidade de cumprimento de certas obrigações.56

Assim, tem-se que o caso fortuito e a força maior são representados por

eventos alheios à vontade do agente e, isoladamente, dão causa ao dano. Nesses

casos não há uma conduta culposa do agente concorrendo para a produção do

dano, de tal sorte que há ruptura do nexo de causalidade.

Porém, ao ler o texto da lei, verifica-se que as expressões ali são tratadas

indistintamente pelo Código, já que o legislador definiu-as conjuntamente. José de

Aguiar Dias reforça a idéia de que as expressões são sinônimas, e é inútil distingui-

las. Ressalte-se que elas atuam como tal no campo da responsabilidade civil, pois

                                                             56 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. p. 112-113.

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equivalem-se para afastar o nexo causal, ou seja, terão as mesmas conseqüências

jurídicas.57

Para Cavalieri Filho: Muito já se discutiu sobre a diferença entre o caso fortuito e a força maior, mas até hoje não se chegou a um entendimento uniforme. O que é indiscutível é que tanto um como outro estão fora dos limites da culpa. Fala-se em caso fortuito ou de força maior quando se trata de acontecimento que escapa a toda diligência, inteiramente estranho à vontade do devedor da obrigação. O Código Civil, no parágrafo único do citado art. 393, praticamente os considera sinônimos, na medida em que caracteriza o caso fortuito ou de força maior como sendo o fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar, ou impedir. Entendemos, todavia, que diferença existe, e é a seguinte: estaremos em face do caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível e, por isso, inevitável; se o evento for inevitável, ainda que previsível, por se tratar de fato superior às forças do agente, como normalmente são os fatos da Natureza, como as tempestades, enchentes etc., estaremos em face da força maior, como o próprio nome diz. É o act of God, no dizer dos ingleses, em relação ao qual o agente nada pode fazer para evitá-lo, ainda que previsível. A imprevisibilidade, portanto, é o elemento indispensável para a caracterização do caso fortuito, enquanto a inevitabilidade o é da força maior.58

Qualquer dos casos, portanto, deve decorrer de fatos estranhos à vontade

do agente causador do prejuízo. Se existir a culpa de alguém pelo evento danoso,

não ocorrerá quebra do nexo causal, havendo então a necessidade da reparação

pelo prejuízo por parte do responsável, seja o causador direito, a vítima ou um

terceiro. Na força maior o acontecimento foge ao poder do agente, sendo inevitável,

ainda que previsível, devendo a inevitabilidade ser relativamente, considerando o

acontecimento como inevitável, na medida do que seria razoável exigir-se.59

1.4.4 Cláusula de Não Indenizar

Na responsabilidade civil contratual também existe excludente de

responsabilidade civil, qual seja, a cláusula de não indenizar ou cláusula non indeni.

                                                             57 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. p. 686-687. 58 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. p. 65-66. 59 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. p. 66.

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A responsabilidade contratual, pautada no descumprimento da avença

mantida entre lesante e lesado, origina-se da afronta a dever contratualmente

definido. Porém, o agente a ser responsabilizado por infração ao pacto, poderá

recorrer à cláusula de não indenizar, que tem como objetivo afastar as

conseqüências normais advindas da inadimplência de um contrato.

Segundo Venosa: Trata-se da cláusula pela qual uma das partes contratantes declara que não será responsável por danos emergentes do contrato, seu inadimplemento total ou parcial. Essa cláusula tem por função alterar o sistema de riscos no contrato. Trata-se a exoneração convencional do dever de reparar o dano. Nessa situação, os riscos serão contratualmente transferidos para a vítima.60

A cláusula de não indenizar, então, consiste na declaração, por uma das

partes com a concordância da outra, através de estabelecimento em contrato, que

se exime de responsabilidade por prejuízos ocorridos pelo inadimplemento da

obrigação contraída.

Importante salientar que a cláusula de não indenizar não exime o agente da

responsabilidade, mas somente afasta a indenização.

Segundo Sampaio: “A natureza dessa cláusula deu margem a grande

controvérsia de sua validade ou não. Há quem sustente ser nula porque contrária ao

interesse social. Outros defendem sua validade em nome do princípio da autonomia

da vontade”.61

Gagliano e Pamplona Filho lecionam acerca do tema: [...] a cláusula de não indenizar, posto que não seja vedada pelo Código Civil, é condicionada a alguns parâmetros como a igualdade dos estipulantes e a não-infringência de superiores preceitos de ordem pública. Não é por outro motivo que o Código de Defesa do Consumidor, a mais bela e revolucionária lei do País, em seu art. 25, veda cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a responsabilidade civil do fornecedor. E o motivo é simples: a hipossuficiência do consumidor aconselha a intervenção estatal no domínio da autonomia privada, para considerar abusiva a cláusula que beneficie a parte economicamente mais forte. Principalmente em se tratando de contratos de adesão, em que a manifestação livre de vontade do aderente é mais reprimida.62

                                                             60 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. p. 56. 61 SAMPAIO, Rogério Marrone de Castro. Direito Civil: responsabilidade civil. p. 94. 62 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 119.

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Referida cláusula somente poderá ser inserida em contratos paritários, ou

seja, naqueles em que as partes encontram-se em igualdade de condições para

negociar o seu conteúdo, sendo vedada a inserção em contratos que não se incluam

nesta classificação.

No campo dos direitos consumeristas, onde, por expressa disposição legal o

consumidor é considerado vulnerável (art. 4º, I, CDC), prevê o artigo 25, caput63,

bem como o 51, I64 do Código de Defesa do Consumidor a inserção nos contratos de

consumo de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a responsabilidade do

fornecedor, visando assim proteger a parte mais vulnerável na relação de consumo,

ou seja, o consumidor.

Sintetizando o exposto, conclui-se que a cláusula de não indenizar possui

dois requisitos básicos: a bilateralidade do consentimento, na medida em que ambas

as partes possam livremente dispor acerca da cláusula e a não-colisão com preceito

cogente de lei, ordem pública e bons costumes, como na hipótese do Código de

Defesa do Consumidor, ou mesmo, nos contratos de transporte, onde a imposição

de referida cláusula é vedada, consoante Súmula 161, STF65.

                                                             63 Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas Seções anteriores. 64 Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, , as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produto e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos ou serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; 65 Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula de não indenizar.

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2 RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

A teoria da responsabilidade civil está em evolução de forma paralela com a

sociedade. É cada vez maior a busca pela total reparação dos danos, possibilitando

à vítima ser ressarcida por todos os prejuízos sofridos injustamente. Conforme

estudado no capítulo anterior, três elementos compõem a base dessa teoria, quais

sejam: a conduta humana, o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade entre os

mesmos.66

A reparação do dano exige o preenchimento de determinados requisitos

inerentes a ele, dos quais se sobressaem a certeza e a atualidade. A ausência de

um desses elementos inviabiliza a indenização, de forma de que a vítima perca o

direito à reparação de seus prejuízos.

A caracterização da certeza do dano se mostra quando inexistem suspeitas

quanto à sua existência. A indenização para reparação de danos hipotéticos, pouco

plausíveis ou fundados em probabilidades incertas é inadmissível. A simples

suspeita de um prejuízo não é passível de reparação.

De acordo com Gagliano e Pamplona Filho: “somente o dano certo, efetivo,

é indenizável. Ninguém poderá ser obrigado a compensar a vítima por um dano

abstrato ou hipotético”.67

O agente causador do dano não será responsabilizado por prejuízos

incertos. Deve estar presente o requisito da certeza a fim de viabilizar a reparação

do prejuízo experimentado pela vítima.

Por sua vez, a atualidade do dano resta demonstrada quando o

comportamento do agente estiver terminado, de modo a provocar efeitos danosos a

um indivíduo. É possível, da mesma forma, a reparação de perda futura derivada de

um prejuízo recente. Todavia, neste caso, a fidúcia de que o mesmo irá se

consolidar deve estar presente.68

                                                             66 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 23. 67 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. p. 39. 68 GONDIM, Glenda Gonçalves. Responsabilidade civil: teoria da perda de uma chance. Revista Dos Tribunais, São Paulo, v. 840, p.11-36, out. 2005.

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A regra geral na responsabilidade civil, portanto, é que o ressarcimento por

perdas e danos compreende apenas o que de fato se perdeu e o que provavelmente

se deixou de auferir. Esta última modalidade de indenização corresponde aos lucros

cessantes. Assim, o que normalmente é indenizado, corresponde ao dano que

efetivamente a vítima experimentou.

É notório que as demandas judiciais que envolvem a responsabilidade civil

crescem diariamente. Desta forma, é perceptível em determinados casos, a

dificuldade em demonstrar o nexo de causalidade entre a ocorrência de uma

conduta culposa e o dano efetivo sofrido pela vítima. Nesses casos, o lesado restava

sem a devida reparação.

Surge, neste momento, a teoria da perda de uma chance (perte d’une

chance), a qual defende que é indenizável a situação em que a vítima teve frustrado

seu desígnio. Nestes casos, o prejuízo em si não será ressarcido, porém, o agente

será responsabilizado pela chance perdida, já que a certeza de ganho ou o

impedimento da perda foram frustrados por sua conduta. Sendo assim, percebe-se

que não existe a reparação do prejuízo final, de acordo com esta teoria, e sim da

oportunidade perdida.

Noronha, descrevendo a perda de uma chance leciona: Quando se fala em chance, estamos perante situações em que está em curso um processo que propicia a uma pessoa a oportunidade de vir a obter no futuro algo benéfico. Quando se fala em perda de chances, para efeitos de responsabilidade civil, é porque esse processo foi interrompido por um determinado fato antijurídico e, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída. Nestes casos, a chance que foi perdida pode ter-se traduzido tanto na frustração da oportunidade de obter uma vantagem, que por isso nunca mais poderá acontecer, como na frustração da oportunidade de evitar um dano, que por isso depois se verificou.69

Sendo assim, ao se falar em perda de uma chance, verifica-se

primeiramente, uma situação real, onde existia a possibilidade de obter uma

vantagem ou de evitar um prejuízo. Desta forma, a teoria se desencadeia quando há

uma situação em que um sujeito possuía uma chance que não chegou a se

concretizar devido à conduta de outrem.70

                                                             69 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 665. 70 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 665.

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Essa teoria tem por escopo possibilitar o ressarcimento da vítima que teve

frustrado seu desígnio. O causador do prejuízo não será responsabilizado pelo dano

em si, porém, será responsável pela certeza de ganho que foi destruída por sua

conduta, ou seja, pela chance perdida, conforme será delineado neste capítulo, com

base principalmente, nos estudos elaborados por Rafael Peteffi, em

Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance e por Sérgio Savi, em

Responsabilidade Civil por Perda de uma Chance.

2.1 O SURGIMENTO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

No direito estrangeiro, a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma

chance vem sendo discutida há algum tempo, e teve origem na França. Seu

surgimento se deu em virtude da análise de casos concretos, que apontavam no

sentido de que, independentemente de um resultado final, a conduta humana que

privasse um sujeito de obter uma vantagem esperada ou de evitar um prejuízo,

deveria levar o autor de tal conduta a ressarcir os danos provocados, mesmo que

esse evento futuro não fosse objeto de absoluta certeza.

Assim, considerando que pelo instituto tradicional da responsabilidade civil o

lesado nestes casos restaria desamparado, a teoria da responsabilidade civil pela

perda de uma chance se revela como aliada, possibilitando ao prejudicado uma

reparação pelo dano sofrido, no caso, a chance perdida.

Segundo Noronha, “a possibilidade de reparação de danos relativos à perda

de chances, de natureza um tanto aleatória, é um dos aspectos em que se revela o

fenômeno contemporâneo da expansão dos danos suscetíveis de reparação”.71

Descrevendo o início da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma

chance, Savi ensina que: Na França, houve dedicação maior ao tema por parte da doutrina e da jurisprudência. Em razão dos estudos desenvolvidos naquele país, ao invés de se admitir a indenização pela perda da vantagem esperada, passou-se a defender a existência de um dano diverso do resultado final, qual seja, o da perda da chance. Teve início, então, o desenvolvimento de uma teoria específica para estes casos, que

                                                             71 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 667.

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defendia a concessão de indenização pela perda da possibilidade de conseguir uma vantagem e não pela perda da própria vantagem perdida. Isto é, fez-se uma distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. Foi assim que teve início a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance.72

Um dos primeiros casos de utilização dessa teoria, na França, se deu no

século XIX, precisamente em 17 de julho de 1889, a Corte de Cassação francesa

aceitara conferir indenização a um demandante pela atuação culposa de um oficial

ministerial que extinguiu todas as possibilidades de a demanda lograr êxito,

mediante o seu normal procedimento.73

Assim, embasadas nesse novo posicionamento, houve diversas decisões

proferidas pela referida Corte aplicando a teoria da responsabilidade civil pela perda

de uma chance. Diante desse fato, tal posicionamento passou a se consolidar

perante a Corte de Cassação francesa.

Na Itália, assim como na França, passou-se a visualizar um dano

independente do resultado final, consistente na perda da oportunidade de obter uma

vantagem ou de evitar um prejuízo.74

Savi descreve o caso considerado pela doutrina como o primeiro a admitir a

teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance na Itália: Uma empresa denominada “Stefer” convocou alguns trabalhadores para participar de um processo seletivo para a contratação de motoristas que iriam compor o seu quadro de funcionários. Após terem se submetido a diversos exames médicos, alguns candidatos ao emprego foram impedidos pela Stefer de participar das demais provas (de direção e de cultura elementar) que seriam necessárias à conclusão do processo de admissão.75

Resumidamente, o juiz de primeiro grau reconheceu o direito dos autores de

serem admitidos sob a condição de que superassem as provas que não fizeram,

condenando a empresa a indenizá-los pelo atraso no processo de admissão. A

sentença foi reformada pelo Tribunal de Roma, onde afirmaram que o dano

decorrente da perda da chance não é indenizável, por se tratar de um dano

meramente potencial. Por sua vez, a Corte de Cassação cassou tal decisão e

                                                             72 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 3. 73 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2007. p. 10. 74 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 4. 75 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 25.

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confirmou a sentença de primeiro grau, admitindo que os trabalhadores sofreram o

dano da perda da chance, consistente na perda da possibilidade de conseguir o

emprego.76

Assim, com a aplicação dessa teoria, seria possível a indenização

decorrente de uma situação em que a vítima teve frustrada sua pretensão de

conseguir determinado benefício ou ainda de evitar uma perda, em razão de atitude

ilícita de outra pessoa.

2.2 A PERDA DE UMA CHANCE COMO UM DANO AUTÔNOMO

A busca cada vez maior pelo devido ressarcimento à pessoa prejudicada,

garantindo a proteção de seus direitos, faz com que aumente a gama de

possibilidades de danos reparáveis no âmbito da responsabilidade civil.

A reparação do dano requer a análise de determinados elementos inerentes

à responsabilidade civil, conforme analisado no primeiro capítulo deste trabalho.

Nas demandas que envolvem a responsabilidade civil pela perda de uma

chance, com certeza a principal dificuldade encontrada para a reparação do dano é

a comprovação do nexo causal entre a conduta e o prejuízo. Tal dificuldade se

demonstra vezes pela concorrência de causas para o dano, vezes porque seria

impossível assegurar que o benefício esperado ou o prejuízo que se buscava evitar

seria realmente alcançado.77

Porém, em tais processos, existe sempre um dano identificável, consistente

na perda da vantagem esperada pela vítima. A posição doutrinária clássica entende,

portanto, que é possível identificar um dano autônomo, o da própria chance perdida,

independente de um prejuízo final.

King Jr. apud Peteffi observa que as chances perdidas pela vítima são como

um dano autônomo e perfeitamente reparáveis, e afirma que: Os tribunais têm falhado em identificar a chance perdida como um dano reparável, pois a interpretam apenas como uma possível causa para a perda definitiva da vantagem esperada pela vítima. [...]

                                                             76 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 26. 77 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 75-77.

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É exatamente devido a esse erro de abordagem que os tribunais, quando se deparam com a evidente injustiça advinda da total improcedência de uma espécie típica de responsabilidade pela perda de uma chance, acabam por tentar modificar o padrão “tudo ou nada” da causalidade, ao invés de reconhecer que a perda da chance, por si só, representa um dano reparável.78

Assim, verifica-se que constitui um interesse passível de indenização a perda

da possibilidade de se evitar uma perda ou de obter uma vantagem.

Se a conduta do réu retirar absolutamente todas as chances da vítima ao

interromper o curso normal da situação de forma definitiva, haverá um dano

autônomo, que é justamente o fato de ter sido arruinada uma possibilidade.79

Savi leciona que em 1940, a responsabilidade civil pela perda de uma chance

foi objeto de estudo na Itália, com o professor Giovanni Pacchioni, o qual analisou o

que hoje são chamados “casos clássicos”: Os exemplos analisados por Pacchioni são os seguintes: um jóquei que deverá montar um cavalo de corrida que lhe foi entregue pelo proprietário não chega, por sua culpa exclusiva, a tempo de participar do Grande Prêmio; um pintor envia pelo correio um quadro a uma exposição, mas, por culpa do correio ou de outros, o seu quadro é destruído ou não é entregue a tempo de participar da exposição; um advogado deixa transcorrer in albis o prazo para interpor um recurso de apelação, privando o seu cliente da possibilidade de obter a reforma ou a cassação da sentença que lhe foi desfavorável.80

Na visão do autor italiano, em todos os casos citados anteriormente, as

vítimas teriam motivos para queixas, porém, lhes faltaria interesse jurídico, tendo em

vista que não se poderia falar em um dano certo, considerando-se o dano final.

Tratava-se de uma simples chance que, no seu entender, seria uma

possibilidade aleatória e não um valor efetivo, certo e presente, sendo então incapaz

de causar um dano patrimonial.81

                                                             78 KING JR., Joseph H. Causation, valuation, and chance in personal injury torts involving preexisting conditions and future consequences. Yale Law Journal, v. 90, 1981, p. 1353 apud SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 75-76. 79 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 102-103. 80 PACCHIONI, Giovanni. Diritto Civile Italiano. Parte seconda: Diritto delle obbligazioni, v. IV: Delitti e Quase Delitti, Padova: Cedam, 1940, p. 109 apud SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 7. 81 PACCHIONI, Giovanni. Diritto Civile Italiano. Parte seconda: Diritto delle obbligazioni, v. IV: Delitti e Quase Delitti, Padova: Cedam, 1940, p. 109 apud SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 8.

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Todavia, a doutrina estrangeira terminou por compreender perda de uma

chance como um dano autônomo.

Adriano de Cupis, contrariando a posição de outros autores, reconheceu a

existência de um dano suscetível de indenização ao analisar os mesmos casos

citados por Pacchioni. Visualizou um dano independente do resultado final e,

portanto, enquadrou a chance perdida no conceito de dano emergente e não de

lucro cessante, como vinha sendo feito pelos autores que o antecederam.82

Afirma que nos casos analisados, os danos não preenchem o requisito da

certeza exigido pelo ordenamento jurídico para o surgimento do dever de

indenização. Sendo assim, não seria possível reconhecer um dano suscetível de

reparação em se tratando do prêmio pago ao vencedor da exposição ou da corrida,

bem como ao benefício que o cliente do advogado teria auferido se a sua pretensão

fosse acolhida pelo Tribunal, já que os danos, nestes casos, são meramente

hipotéticos e, conseqüentemente, não indenizáveis.83

Porém, apesar de não reconhecer a possibilidade de indenização de um

dano consistente na vitória perdida, Adriano de Cupis não nega a existência de uma

possibilidade de vitória antes da ocorrência do fato danoso e afirma que existe um

dano passível de indenização em relação à exclusão da possibilidade de vitória.84

Segundo Savi: O grande mérito de Adriano De Cupis não está apenas em reconhecer o valor patrimonial da chance de vitória por si só considerada, mas, principalmente, de enquadrá-la como uma espécie de dano emergente, o que afastaria as objeções acerca da incerteza do dano, que influenciaram negativamente os trabalhos dos autores que o precederam.85

A adequada compreensão dessa teoria aprofundou-se com o artigo escrito

por Maurizio Bocchiola, em 1976, cujo conteúdo fixou importantes conceitos. Para

                                                             82 DE CUPIS, Adriano. Il Danno: teoria generale della responsabilità civile, 2 ed., 2 v., Milano: Giuffrè, 1966. apud SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 10. 83 DE CUPIS, Adriano. Il Danno: teoria generale della responsabilità civile, 2 ed., 2 v., Milano: Giuffrè, 1966. apud SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 10. 84 DE CUPIS, Adriano. Il Danno: teoria generale della responsabilità civile, 2 ed., 2 v., Milano: Giuffrè, 1966. apud SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 10. 85 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 11.

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esse autor, o termo chance significa, em sentido jurídico, a probabilidade de obter

um lucro ou de evitar uma perda.86

Referindo-se, também, às mesmas hipóteses já citadas, Bocchiola entende

que, naqueles casos, a chance aparece como “a não ocorrência de uma

eventualidade favorável”. Assim, a chance provoca uma incógnita, já que dificilmente

é possível afirmar com absoluta certeza a existência ou não de determinado

evento.87

Todavia, não se está diante de mera aleatoriedade, mas sim da análise

desta probabilidade concomitantemente às demais circunstâncias do caso, podendo,

diante de certos requisitos, ser caracterizado o possível ressarcimento desta

possibilidade, pois o ato que provocou o prejuízo estará em relação de causalidade

exatamente com a interrupção do processo aleatório.88

Jean Penneau apud Peteffi assim demonstra tal questão: Nos casos em que um advogado perde o prazo para um recurso ou em que uma jovem, devido a um acidente, acaba por perder as chances de conseguir um emprego de aeromoça, a perda das chances faz com que um resultado futuro, que já era em certa medida aleatório antes do acidente ou da perda do prazo final, reste absolutamente impossível. Assim, o ato culposo está em relação de causalidade necessária com a interrupção do processo “que nunca se saberá se geraria resultados positivos ou negativos” para a vítima.89

Ainda, Bocchiola apud Savi salienta que: Se fosse possível estabelecer, com absoluta certeza, que a chance teria logrado êxito, teríamos a prova da certeza do dano final (p. ex., a vitória na corrida ou no processo judicial), e, com isso, o ofensor seria condenado ao pagamento do valor do prêmio perdido e dos benefícios que o cliente teria com a vitória na demanda judicial. Por outro lado, se fosse possível demonstrar que a chance não se concretizaria, teríamos a certeza da inexistência do dano final e, assim, o ofensor estaria liberado da obrigação de indenizar.90

                                                             86 BOCCHIOLA, Maurizio. Perdita di uma chance e certezza del danno. In Rivista Trmestrale di Diritto e Procedura Civile. Anno XXX, p. 55-101, 1976. apud SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 12-13. 87 BOCCHIOLA, Maurizio. Perdita di uma chance e certezza del danno. In Rivista Trmestrale di Diritto e Procedura Civile. Anno XXX, p. 55-101, 1976. apud SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 12-13. 88 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 13-15. 89 PENNEAU, Jean. La reforme de La responsabilité médicale: responsabilité ou assurance. Revue Internationale de Droit Comparé, p. 525, 1990. apud SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 84. 90 BOCCHIOLA, Maurizio. Perdita di uma chance e certezza del danno. In Rivista Trmestrale di Diritto e Procedura Civile. Anno XXX, p. 55-101, 1976. apud SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 13.

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Observa-se que nos casos de perda de chance, a mesma pode ser

destacada e considerada uma propriedade compreendida no patrimônio da vítima,

independente do dano final.91

Nos casos de perda de uma chance, existe sim um dano final, porém este

consiste na não ocorrência do curso normal das coisas, através da destruição de

todas as chances, sejam elas de evitar um prejuízo ou de obter um benefício.92

Noronha descreveu a perda de uma chance como um dano autônomo ao

escrever que: “[...] nestes casos, existe um dano real, que é constituído pela própria

chance perdida, isto é, pela oportunidade que se dissipou, de obter no futuro a

vantagem, ou de evitar o prejuízo que veio a acontecer”.93

Desta forma, verifica-se que na teoria da perda de uma chance existe um

dano identificável, autônomo, totalmente distinto do resultado final, e consiste na

perda da possibilidade, seja de alcançar um benefício ou de impedir um dano, sendo

então algo que a vítima efetivamente perdeu no momento da conduta de outrem.

2.3 CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA

DE UMA CHANCE

A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance envolve

características que a distingue das outras modalidades de responsabilidade civil em

se tratando de configuração e indenização.

A fim de que exista a possibilidade da aplicação correta da teoria da

responsabilidade civil pela perda de uma chance, imperioso se torna demonstrar

suas condições.

                                                             91 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 84. 92 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 86. 93 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 666.

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De acordo com Gondim, os requisitos caracterizadores da perda de uma

chance são: a conduta do agente; um resultado que se perdeu (a chance); o nexo

causal entre a conduta e a chance que se perdeu.94

Verifica-se, portanto, que os elementos necessários à caracterização da

responsabilidade civil pela perda de uma chance são os mesmos inerentes à

responsabilidade civil tradicional. A distinção se dá na medida em que o indenizável

na responsabilidade civil pela perda de uma chance é a oportunidade que a vítima

perdeu em decorrência da conduta de outrem, enquanto que na responsabilidade

civil tradicional, é ressarcido aquilo efetivamente perdido ou o que se deixou de

ganhar.

Esta questão, como visto anteriormente, é de difícil compreensão para

muitos, visto que, comumente coloca-se a perda da chance como modalidade de

lucros cessantes, buscando-se indenizar o dano final ou aquilo que se deixou de

ganhar, e não a chance perdida, como seria o correto.

Não raro, as próprias vítimas deste tipo de dano formulam seu requerimento

de forma errônea. Ao invés de buscar a reparação da perda da oportunidade de

obter uma vantagem, pleiteavam a indenização pela perda da própria vantagem.

Agindo dessa forma, a vítima se deparava com a problemática da certeza do dano,

visto que a concretização da vantagem esperada será sempre considerada

hipotética, em razão da incerteza que envolve seus elementos constitutivos.95

Citando novamente o caso do pintor que envia sua obra de arte pelo correio

e, por culpa exclusiva do correio ou de outros sua obra não chega a tempo de

participar do concurso, verifica-se que o pintor não poderá requerer o valor do

prêmio em uma ação de indenização. O que deverá pleitear é a indenização pela

oportunidade perdida, a de participar do concurso.

A vantagem futura que a vítima poderia desfrutar caso fosse possível

aproveitar a chance que perdeu em virtude de conduta de outra pessoa, possui

natureza mais ou menos aleatória.96 Porém, deve existir uma chance séria e real de

que aquele fato iria ocorrer, caso contrário, a chance não poderá ser considerada

indenizável.

                                                             94 GONDIM, Glenda Gonçalves. Responsabilidade civil: teoria da perda de uma chance. Revista Dos Tribunais, São Paulo, v. 840, p.11-36, out. 2005. 95 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 3. 96 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 665-666.

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O fato de que a chance perdida deve estar muito além de uma mera

esperança subjetiva é o principal critério que guia a aplicação desta modalidade de

responsabilidade civil. É necessário que a chance seja séria e real, sob pena de não

restar demonstrada a teoria, tendo em vista que o dano meramente hipotético não é

juridicamente tutelável.97

Segundo Peteffi: A observação da seriedade e da realidade das chances perdidas é o critério mais utilizado pelos tribunais franceses para separar os danos potenciais e prováveis e, portanto, indenizáveis, dos danos puramente eventuais e hipotéticos, cuja reparação deve ser rechaçada.98

Alguns tribunais estrangeiros se baseiam em percentagens para determinar

se o caso preenche os requisitos da chance séria e real.

Noronha pontifica que “o dano será reparável quando for possível calcular o

grau de probabilidade, que havia, de ser alcançada a vantagem que era esperada,

ou inversamente, o grau de probabilidade de o prejuízo ser evitado”.99

No caso Hotson v. Fitzgerald, o voto vencedor requeria a existência da perda

de uma chance substancial, exigindo que as vítimas demonstrassem que

experimentaram a perda de mais de vinte e cinco por cento da chance de obter um

lucro ou evitar uma perda, caso contrário, as demandas não deveriam ser

encorajadas, já que seriam meramente especulativas.100

O julgamento pela Casa dos Lordes inglesa concluiu e julgou

desfavoravelmente o caso de uma viúva que pleiteava reparação pela perda de

auferir suporte financeiro de seu marido, já que no momento da morte ela já se

encontrava separada do mesmo. A decisão se deu no sentido de que a chance

requerida pela vítima era por demais hipotética, tendo em vista que a probabilidade

de reconciliação era remota, não sendo digna de reparação.101

                                                             97 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 134. 98 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance, no direito francês. 2001. 136 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2001. p. 22. 99 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 666. 100 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 134. 101 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 135.

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A Suprema Corte de Nevada acredita que a chance que represente

probabilidade inferior a dez por cento de auferir a vantagem esperada pela vítima

não seria indenizável por não ser considerada substancial.102

Por se deparar com uma falta de estatísticas seguras nas demais áreas, os

Estados Unidos da América se restringem utilizando a teoria da perda de uma

chance na seara médica, ao contrário da doutrina francesa, que admite uma gama

bem maior de casos em que é aplicável a teoria.103

No Brasil, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou o caso de uma

garota de 19 anos de idade que trabalhava com revenda de produtos de beleza e

pretendia ingressar no curso de pedagogia ou informática, foi atropelada e ficou um

mês em coma. Em conseqüência do acidente teve que se submeter à neurocirurgia,

tendo ficado com problemas na fala, cega, e com necessidade de ajuda para ler,

escrever e caminhar.104

A autora pleiteou indenização pelos danos sofridos, incluindo requerimento

de pensão vitalícia com base na expectativa de ascensão profissional, já que

pretendia passar de revendedora de produtos de beleza para pedagoga. A sentença

condenou a ré ao pagamento da metade dos gastos suportados pela vítima, por

reconhecer a concorrência de culpa, condenando também ao pagamento de pensão

mensal vitalícia com base na expectativa de ascensão profissional, baseando o

cálculo no salário médio de uma pedagoga, além de indenização por danos morais.

O Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso da ré.105

Savi analisando o caso comenta que: Não obstante a gravidade do caso, entendemos que, in casu, não há como falar em uma chance séria e real. A autora tinha 19 anos, sequer havia escolhido a profissão que pretendia cursar e não estava participando de vestibular para qualquer universidade. Sua profissão era de revendedora de produtos de beleza e é impossível afirmar se ela não continuaria trabalhando nesta profissão.106

Então, não é possível levar em consideração qualquer chance perdida para

fins de reparação, mas somente aquelas chances consideradas sérias e reais.

Excluem-se, desta forma, as chances pouco prováveis, ou as meras expectativas.

                                                             102 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 135. 103 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 135. 104 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 58. 105 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 59. 106 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 59.

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Acerca da certeza das chances, Gondim ensina que: A chance perdida a ser indenizada não pode, em hipótese alguma, ser meramente hipotética, devendo existir a atual certeza de que houve uma impossibilidade de realizar um ganho ou evitar uma perda. Esta certeza reside na comprovação de que a oportunidade que se perdeu em virtude da conduta do agente se concretizaria. Por óbvio que a certeza não é totalmente absoluta, mas também não pode ser fundada em danos hipotéticos; trata-se do grau de probabilidade que deverá ser analisado pelo juiz.107

Assim, deverá ser indenizada a chance que provavelmente se concretizaria,

mas que não se concluiu devido à conduta de outra pessoa.

Em se tratando de certeza do dano, Noronha leciona: Como se vê, o dano da perda de chance é ainda um dano certo, que pode dizer respeito à frustração de uma vantagem que poderia acontecer no futuro (dano futuro) ou à frustração da possibilidade de ter evitado um prejuízo efetivamente verificado (dano presente); esse dano da perda de chance contrapõe-se a um dano final que, este sim, nas situações aqui consideradas, é dano meramente hipotético, eventual, incerto.108 (grifo próprio)

Então, basicamente se verifica que “o prejuízo deve ser certo, é regra

essencial da reparação. Com isto se estabelece que o dano hipotético não justifica a

reparação”.109

2.4 MODALIDADES DA PERDA DE CHANCE

Como já mencionado anteriormente, ao se falar em perda de chances, o

processo que propicia uma pessoa a oportunidade de vir a obter no futuro algo

benéfico é interrompido pela conduta de alguém, restando a oportunidade

irremediavelmente destruída. Quando ocorre um fato dessa natureza, a chance que

foi perdida pode traduzir-se na frustração da oportunidade de obter uma vantagem,

                                                             107 GONDIM, Glenda Gonçalves. Responsabilidade civil: teoria da perda de uma chance. Revista Dos Tribunais, São Paulo, v. 840, p.11-36, out. 2005. 108 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 667. 109 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. II. v. p. 719.

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que por esse motivo nunca mais se realizará, ou na frustração da oportunidade de

impedir um dano, que depois se verificou.110

Assim, verificam-se duas hipóteses: o caso em que, se seguisse o curso

normal das coisas a vítima provavelmente chegaria ao benefício almejado e, ainda,

o caso em que existia a possibilidade de evitar um acontecimento desfavorável que,

após, ocorreu.

Noronha, classificando as modalidades de perda de chance leciona que

fundamentalmente são duas as modalidades: “frustração da chance de obter uma

vantagem futura e frustração da chance de evitar um dano que aconteceu”111, que a

seguir serão delineadas.

2.4.1 Frustração da chance de obter vantagem futura

A primeira modalidade, ou espécie de perda de chances é a denominada

frustração da chance de obter vantagem futura. Neste caso a vítima perde a

oportunidade de atingir um benefício futuro em decorrência de atitude de outra

pessoa. O curso normal dos acontecimentos é interrompido em virtude da ocorrência

de algum fato praticado por outrem.

De acordo com Noronha: Nesta modalidade de perda de chances houve, em razão de determinado fato antijurídico, interrupção de um processo que estava em curso e que poderia conduzir a um evento vantajoso; perdeu-se a oportunidade de obter uma vantagem futura, [...]. Com a interrupção, nunca mais se poderá saber se o processo conduziria necessariamente a ele, porque se trata de ocorrência que era aleatória, em medida maior ou menor.112

Vale relembrar os casos clássicos citados no decorrer do presente estudo,

que se encaixam perfeitamente nesta modalidade de perda de chances: Um jóquei que deverá montar um cavalo de corrida que lhe foi entregue pelo proprietário não chega, por sua culpa exclusiva, a

                                                             110 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 665. 111 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 668. 112 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 671.

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tempo de participar do Grande Prêmio; um pintor envia pelo correio um quadro a uma exposição, mas, por culpa do correio ou de outros, o seu quadro é destruído ou não é entregue a tempo de participar da exposição; um advogado deixa transcorrer in albis o prazo para interpor um recurso de apelação, privando o seu cliente da possibilidade de obter a reforma ou a cassação da sentença que lhe foi desfavorável.113

Em todos esses casos verifica-se a existência de um fato presente que

destrói chances que eram projetadas para o futuro. Um resultado futuro desejado,

mas aleatório, fica impossibilitado pela conduta de outrem.114

2.4.2 Frustração da chance de evitar um dano que aconteceu

Na segunda modalidade de perda de chances, a vítima busca evitar um

prejuízo que está na iminência de ocorrer, e novamente, por conduta de outrem não

consegue fazê-lo. Em conseqüência disso, o dano é consumado.

Nas palavras de Noronha: Similarmente ao que acontece com relação à perda de chance de realizar um benefício em expectativa ou de evitar um prejuízo futuro, também agora, para que se possa falar em perda da chance de ter evitado um prejuízo que efetivamente se verificou (e por isso é dano presente), é imprescindível que já estivesse em curso o processo que levou ao dano e que houvesse possibilidades de ele ser interrompido por uma certa atuação, que fosse exigível do indigitado responsável, mesmo que não seja possível garantir que com tal atuação o dano teria sido evitado. Também aqui o resultado almejado (evitar um prejuízo) tinha natureza mais ou menos aleatória.115

Aqui, portanto, faz-se presente uma conduta omissiva, já que a vítima

esperava que o responsável tomasse determinada atitude, o que não aconteceu,

fazendo com que o prejuízo ocorresse. Assim, verifica-se nesse caso que era

                                                             113 PACCHIONI, Giovanni. Diritto Civile Italiano. Parte seconda: Diritto delle obbligazioni, v. IV: Delitti e Quase Delitti, Padova: Cedam, 1940, p. 109 apud SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 7. 114 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 672. 115 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 676.

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necessário que o curso normal dos fatos fosse interrompido para que o dano não se

verificasse.

Existem diferenças entre a perda da chance clássica e a perda da chance de

evitar que outrem sofresse prejuízo acontecido que, de acordo com Noronha, são

evidentes: Enquanto na perda da chance clássica o fato antijurídico interrompeu um processo em curso e o possível dano resulta desta interrupção, no caso da perda de chance de evitar um prejuízo o dano surge exatamente porque o processo em curso não foi interrompido, quando poderia tê-lo sido. Se o processo tivesse sido interrompido, haveria possibilidade de o dano não se verificar, mas sem se poder saber agora se realmente isto teria acontecido. Diversamente do que acontece nos casos que cabem na perda de chance clássica, agora as chances não dizem respeito a algo que poderia vir a acontecer no futuro, antes são relativas a algo que podia ter sido feito no passado, para evitar o dano verificado. Agora sabe-se que ocorreu um dano e que este é resultante do processo que estava em curso; o que se pergunta é se o dano poderia ter sido evitado, caso tivessem sido adotadas certas providências que interromperiam o processo.116

Os exemplos mais característicos desta modalidade de perda de chance

podem ser visualizados no campo da responsabilidade civil médica, onde existe a

perda da chance de evitar que a doença se agrave ou até mesmo evitar a morte.

Porém, são muitos os casos em que impera a dúvida sobre se a morte do

paciente, ou o agravamento de seu estado, pode ser atribuída ao médico, ou à

própria doença.117

Segundo Kfouri Neto: Quando não é possível afirmar que determinado prejuízo se deve a um ato ou omissão do médico, a Corte de Cassação francesa supõe que o prejuízo consiste na perda de uma probabilidade de cura – e, em conseqüência, condena à indenização de sua perda. Desaparece, desse modo, a dificuldade em se estabelecer a relação de causalidade entre o ato ou omissão médica e o agravamento da condição de saúde, invalidez ou morte do paciente – que tanto podem dever-se à culpa do profissional quanto às condições patológicas do paciente. Afirma-se que a atuação do médico diminui a possibilidade de cura desejável.118

                                                             116 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 676. 117 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 677. 118 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 4. ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2001. p. 59.

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Assim, mesmo que não tenha sido o médico quem causou o dano através de

seus atos, poderia e deveria ter interrompido o processo natural da enfermidade,

contudo não o fez, ou porque se absteve em absoluto de atuar, ou por haver

adotado medidas ineficazes e inócuas.119

Porém, existem controvérsias devido à dificuldade em estabelecer o nexo de

causalidade entre a conduta do autor e o prejuízo experimentado pela vítima,

conforme analisado por Kfouri Neto: Dos autores que se pronunciaram, uma expressiva maioria nega que nestes casos seja possível invocar a perda de chances e afirma que todo o problema se resume a uma questão de prova do nexo de causalidade: ou este fica provado e há que se conceder a indenização, ou não fica e o réu tem que ser absolvido, por ser o dano incerto.120

Todavia, tal questão não tem razão de ser, eis que, se ficar realmente

comprovado o nexo de causalidade entre a conduta do médico e o prejuízo

provocado, se estará frente ao dano final, dano este que não é indenizado através

de perda de uma chance, e sim da responsabilidade civil tradicional, já que,

conforme delineado no decorrer do presente trabalho, o que se indeniza na perda de

chances, é justamente a oportunidade que foi perdida e não o dano final.

Então, nesses casos, o que deveria ser indenizado seria a perda da

oportunidade de se curar, ou mesmo a perda da oportunidade de sobrevivência da

vítima.

2.5 A APLICAÇÃO DA TEORIA NO DIREITO BRASILEIRO

Os ordenamentos jurídicos estrangeiros, a exemplo da Itália e da França, se

mostram mais maduros em se tratando da responsabilidade civil pela perda de

chances, tendo em vista que asseguram à vítima a possibilidade de ser ressarcida

de seus prejuízos de forma ampla. Os dispositivos legais que prevêem o conceito de

                                                             119 LÓPEZ, Joauim Ataz. Los médicos y la responsabilidad civil. Madrid: Montecorvo, 1985. p. 343 apud KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. 4. ed. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2001. p. 59-60. 120 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 678.

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dano, nestes países, abarcam todas as espécies de danos, inclusive o da perda de

uma chance, de modo que, o que prevalece é o dever de reparar qualquer dano

injusto.121

O Código Civil brasileiro, da mesma forma, também utilizou um conceito

bastante amplo de dano, não delimitando quais espécies devem ser reparadas e

quais não são passíveis de indenização. O artigo 186 do referido Código traz o

conceito de dano, conforme visto anteriormente e, o artigo 927 determina que o

indivíduo que cause dano a outrem fica obrigado a repará-lo.

Ao contrário de outros ordenamentos, como o da França e o da Itália, a

teoria da perda de uma chance vem sendo abordada mais recentemente no Brasil.

Os doutrinadores de responsabilidade civil pouco comentam acerca do tema.

Recentemente dois autores se dedicaram ao assunto. Sérgio Savi abordou o tema

com a obra “Responsabilidade civil por perda de uma chance”, em 2006. Ainda,

Rafael Peteffi da Silva, além de elaborar dissertação de mestrado defendida na

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, lançou o livro intitulado

“Responsabilidade civil pela perda de uma chance”.

Conforme explica Savi: Ainda que analisada de forma superficial pela maior parte da doutrina brasileira, percebe-se claramente que tanto os autores clássicos, quanto os contemporâneos acabam por aceitar a teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance em nosso ordenamento.122

Anteriormente, o ordenamento brasileiro não reconhecia a possibilidade da

responsabilização do autor do dano que extinguiu as chances da vítima de obter um

benefício ou evitar um prejuízo, alegando que o que não ocorreu não pode ser

nunca objeto de certeza, requisito essencial para a caracterização do dano. Os

tribunais exigiam da vítima da perda de uma chance, prova evidente de que, caso o

fato não tivesse acontecido, teria atingido o resultado que alega ter sido

interrompido.

Esta teoria ainda é timidamente invocada pelos advogados no Brasil e,

quando utilizada, é pouco reconhecida pelos juízes, ao argumento que se trata de

um dano incerto, portanto, não indenizável. O Rio Grande do Sul ainda é o estado

que mais utiliza a teoria, sendo seguido aos poucos por outros tribunais.

                                                             121 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 83. 122 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 36.

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Os tribunais brasileiros vêm compreendendo que, o que é indenizado não é

o resultado final, ou seja, a vantagem em si, e sim a perda da oportunidade de

obtenção do resultado esperado.

Não existe previsão legal para esse tipo de indenização especificamente no

ordenamento jurídico brasileiro, porém ao se observar o disposto no artigo 402123 do

Código Civil, percebe-se que a responsabilidade civil pela perda de uma chance se

enquadra no mesmo, já que nele vige o princípio da reparabilidade integral dos

danos.

De acordo com os ensinamentos de Savi: Ao estabelecer que o credor terá direito a obter o que efetivamente perdeu e o que razoavelmente deixou de lucrar, o legislador acabou por positivar, ainda que implicitamente, um importante princípio da responsabilidade civil qual seja, o da reparação integral dos danos.124

O que cada vez mais é buscado pelo ordenamento brasileiro é que a vítima

não termine sem a devida reparação ao sofrer um dano, devendo ser colocada na

mesma posição em que se encontrava no momento em que ocorreu o fato danoso.

Ressalta Savi que a responsabilidade civil pela perda de uma chance

encontra-se expressamente prevista, na medida em que o artigo 402 do Código Civil

determina a reparação do que efetivamente a vítima perdeu, o que se enquadra

como dano emergente, cujo conceito abrange a perda de uma chance. 125

O Código Civil de 1916, embora contivesse em seu artigo 159126 a ampla

reparabilidade, fazia enumeração restritiva dos bens protegidos pelo instituto da

responsabilidade civil em seus artigos 1.537127 e 1.538128, o que não é mais

perceptível no novo Código. Portanto, não existem mais empecilhos ao

reconhecimento da teoria da perda de uma chance. Desde que as chances perdidas

                                                             123 Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar. 124 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 86. 125 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 86-87. 126 Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. 127 Art. 1.537. A indenização, no caso de homicídio, consiste: I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os devia. 128 Art. 1.538. No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente.

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sejam sérias e reais, deverão ser ressarcidas quando ficar demonstrado o nexo

causal entre o ato do ofensor e a perda da oportunidade.

Segundo Peteffi: [...] alguns acórdãos do Superior Tribunal de Justiça julgaram improcedentes demandas que se caracterizavam como casos clássicos de responsabilidade pela perda de uma chance, utilizando como principal argumento a falta de certeza no dano pleiteado pelos demandantes.129

De acordo com o autor, isto ocorre tendo em vista que tanto a doutrina como

a jurisprudência são unânimes em afirmar que o dano, para ser passível de

reparação, deve ser certo, conforme já analisado em tópico anterior. Assim, o

prejuízo não pode ser hipotético, surgindo a responsabilidade pela perda de uma

chance como um obstáculo e, ao mesmo tempo como uma possibilidade de

superação e sofisticação deste requisito de certeza.130

Porém, verifica-se que a aplicação da teoria responsabilidade civil pela

perda de uma chance está em ascensão nos tribunais brasileiros, conforme será

estudado no próximo capítulo deste trabalho.

                                                             129 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 214. 130 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 214.

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3O PROBLEMA DA QUANTIFICAÇÃO NA RESPONSABILIDADE

CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

O principal obstáculo para a aplicação da teoria da perda de uma chance

pelos tribunais brasileiros situa-se na dificuldade em determinar o quantum

indenizatório nas demandas judiciais.

O fato de não existirem dispositivos legais no ordenamento brasileiro,

concernentes a essa matéria é um fator que dificulta o momento de estabelecer o

valor que a vítima deverá receber a título de indenização.

O principal erro cometido, decisivamente, fixar o valor da indenização

sempre equivalente a cem por cento do valor da vantagem em si perdida131, o que,

de acordo com o estudo realizado com base em doutrinadores, fere o princípio da

teoria da perda de uma chance, onde não é possível a reparação integral do prejuízo

final, tendo em vista que, o que existiam eram probabilidades, chances, e não a

certeza.

Tal equívoco é facilmente percebido na Apelação Cível nº 70005473061,

proveniente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgada em 10 de

dezembro de 2003, de relatoria do Desembargador Adão Sérgio do Nascimento

Cassiano: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. ADVOGADO. MANDATO. DECISIVA CONTRIBUIÇÃO PARA O INSUCESSO EM DEMANDA INDENIZATÓRIA. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. Tendo a advogada, contratada para a propositura e acompanhamento de demanda indenizatória por acidente de trânsito, deixado de atender o mandante durante o transcorrer da lide, abandonando a causa sem atender às intimações e nem renunciando ao mandato, contribuindo de forma decisiva pelo insucesso do mandante na demanda, deve responder pela perda de chance do autor de obtenção da procedência da ação indenizatória. Agir negligente da advogada que ofende ao art. 1.300 do CCB/1916. APELO DESPROVIDO.132

                                                             131 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 61-62. 132 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº. 70005473061, 9ª Câmara Cível, Relator: Desembargador Adão Sergio do Nascimento Cassiano. Julgado em: 10-12-2003. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 22 de setembro de 2008.

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No caso em questão, conforme disposto na ementa, a advogada deixou de

atender os interesses de seu cliente durante o curso do processo, perdendo o prazo

para a interposição de recurso de apelação à sentença contrária aos interesses de

seu constituinte. O acórdão reconheceu a perda de uma chance, porém, no

momento da quantificação do dano, fixou a indenização no valor equivalente ao que

o cliente faria jus se o recurso de apelação tivesse sido interposto no prazo legal e

provido pelo Tribunal de Justiça.

O autor-apelado havia contratado o serviço da apelante a fim de fosse

ajuizada ação indenizatória, tendo em vista que teria sofrido acidente de trânsito,

que resultou em impossibilidade para o trabalho. Sobreveio então, sentença de

improcedência do pedido, transcorrendo in albis133 o prazo para interpor o recurso

cabível.

Buscou assim o autor, em outra ação, ser ressarcido dos valores que deixou

de obter devido à improcedência da demanda aforada anteriormente, sob o

argumento de haver a advogada contratada para o ajuizamento da ação que restou

inexitosa, agido de forma negligente na condução daquela demanda.

Acordaram os desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em negar provimento ao recurso,

mantendo a sentença de primeiro grau que condenou a ré, pela perda de chance, ao

pagamento do montante de R$ 800,00 mensais, pelo período em que o autor restou

impossibilitado de trabalhar, bem como danos morais fixados em dez salários

mínimos.

Acerca do acórdão citado, Savi comentou: Apesar de se tratar de um caso típico de responsabilidade civil por perda de uma chance, o acórdão, a nosso sentir equivocadamente, condenou o advogado ao pagamento dos lucros cessantes sofridos pelo autor da ação. Isto porque ninguém poderia afirmar que se o recurso tivesse sido interposto, ele seria provido com certeza. O máximo que se poderia afirmar era que o mesmo tinha muitas chances de êxito, e estas chances é que deveriam ter sido indenizadas. Neste caso, não havia como se estabelecer um nexo causal entre a atitude culposa do advogado (perda do prazo para a apelação) e a perda da vitória na ação judicial. Não sendo possível estabelecer este nexo causal, não há como se condenar o advogado ao pagamento de lucros cessantes.134

                                                             133 Em branco 134 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 61.

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O acórdão analisou de forma correta a existência da teoria, conforme se

verifica no seguinte trecho do referido julgado: É evidente o agir negligente da advogada-apelante, ofendendo ao art. 1.300 do CCB/1916, o qual determina que o “...mandatário é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual na execução do mandato...”. Aliás, como bem ressaltou a douta sentença, a própria apelante reconhece ter abandonado a causa que estava sob sua responsabilidade, quando refere no depoimento pessoal que “...se a própria parte não tem interesse, eu vou cuidar do resto dos meus clientes e vamos ver no que vai dar.” Portanto, agiu com culpa a apelante e deve responder pelos prejuízos causados ao apelado em face da perda da chance de ter, ao final, obtido a procedência da demanda.135

Apesar de reconhecer que o apelado deveria ser indenizado pelos prejuízos

decorrentes da perda da chance de ter obtido resultado favorável na apelação,

definiu tais prejuízos não como a chance em si perdida, mas sim no que o apelado

deixou de ganhar devido a negligência da mandatária, mantendo a decisão que fixou

a indenização baseada no que o autor da ação ganharia caso a apelação tivesse

sido interposta no prazo correto e provida pelo órgão julgador.

Assim, diferente do ocorrido na decisão do acórdão, o quantum indenizatório

a ser arbitrado nos casos que envolvem a teoria da perda de uma chance, de acordo

com o analisado neste trabalho, não deve ter valor idêntico ao benefício que a vítima

experimentaria caso não fosse privada da oportunidade. No caso analisado, então, a

quantificação da indenização da perda da chance não poderia equivaler ao benefício

que o cliente auferiria com o provimento do recurso que deveria ter sido interposto

pela mandatária negligente. Por não haver certeza acerca da vitória no recurso, a

indenização da chance perdida será sempre inferior ao valor do resultado útil

esperado.136

De acordo com os ensinamentos de Gondim: Não há que se cogitar uma reparação equivalente ao benefício que provavelmente ocorreria, devendo o valor ser apurado pela chance e não pela perda, não podendo ser avaliado o dano causado, mas

                                                             135 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº. 70005473061, 9ª Câmara Cível, Relator: Desembargador Adão Sergio do Nascimento Cassiano. Julgado em: 10-12-2003. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 22 de setembro de 2008. 136 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 63.

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apenas a chance, tendo em vista que esta é comprovadamente a lesão do ofendido.137

Outro caso onde é possível visualizar que a decisão teve como base o

prejuízo final no momento da quantificação da indenização foi julgado pelo Tribunal

de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, na Apelação Cível nº 56301/07, de 23 de

outubro de 2007.

Neste caso, a autora da ação alegou que seu filho veio a sofrer um acidente

de trânsito e foi encaminhado ao hospital-réu, onde teve alta após atendimento

médico. Após, foi internado em outras ocasiões por sentir fortes dores, vindo a

falecer dias depois. Buscava a condenação do hospital ao pagamento de pensão

alimentícia mensal, argumentando que os prepostos do hospital agiram sem os

cuidados necessários e adequados ao tratamento do filho.

A sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido e deferiu pensão

mensal no valor de meio salário mínimo até a data em que o filho da requerente

completasse 65 anos de idade.

O Tribunal entendeu que, no momento em que os médicos não adotaram as

técnicas adequadas, retiraram uma chance de sobrevivência do paciente e, tendo

em vista que houve comprovação de que o falecido recebia o equivalente a meio

salário mínimo mensais, a sentença antes prolatada foi mantida.

Extrai-se do corpo do acórdão: Assim, fácil é perceber que os prepostos da Ré não utilizaram todos os procedimentos cirúrgicos necessários, mormente no que concerne a intervenção craniotomia exploradora, caracterizando a perda de uma chance de curar o paciente e, quiçá, evitar o seu óbito.138

Assim, verifica-se que o acórdão reconheceu a existência da perda de uma

chance, porém a indenização concedida ao ser arbitrada, não se pautou na chance

em si perdida, mas sim no prejuízo decorrente da mesma.

Ainda, possível constatar a problemática que envolve a quantificação da

indenização na responsabilidade civil pela perda de uma chance no caso julgado

                                                             137 GONDIM, Glenda Gonçalves. Responsabilidade civil: teoria da perda de uma chance. Revista Dos Tribunais, São Paulo, v. 840, p.11-36, out. 2005. 138 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Apelação Cível nº 56301/07, 4ª Câmara Cível, Relator: Desembargador Reinaldo Pinto Alberto Filho. Julgado em: 23-10-2007. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 24 de setembro de 2008.

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pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na Apelação Cível nº

7000095886846, de 22 de agosto de 2001, cuja ementa está assim redigida: MANDATO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS EM VIRTUDE DE PERDA DE PRAZO PARA INTERPOR RECURSO POR FALTA DO PREPARO. DANO CONSISTENTE EM PERDA DE UMA CHANCE. INDENIZAÇÃO DEVIDA. Tendo o mandatário deixado de realizar o preparo do recurso que foi julgado deserto, deve indenizar os danos do mandante consistentes, além de gastos com sucumbência e outros, daqueles relativos à perda de uma chance. RECURSO ADESIVO DA AUTORA PROVIDO. RECURSO DO RÉU IMPROVIDO.139

Neste caso, o réu foi contratado pelo autor para prestar serviços

advocatícios em uma ação. A sentença de primeiro grau não atingiu totalmente os

objetivos do demandante, porém o mandatário não realizou o preparo do recurso de

apelação que deveria ter sido interposto e, conseqüentemente o mesmo não foi

conhecido.

Assim, o autor ajuizou nova ação, desta vez contra o advogado que não

defendeu seus interesses de forma satisfatória na demanda anterior, requerendo o

ressarcimento dos prejuízos causados em decorrência de mandato, com a

condenação do réu a reparar o dano que deveria ser arbitrado no valor do contrato

corrigido, sendo R$ 30.000,00. A magistrada de primeiro grau julgou parcialmente

procedente o pedido de indenização, condenando o réu ao pagamento de R$

15.000,00.

Recorreu então o autor ao Tribunal de Justiça, pleiteando a majoração da

indenização de R$15.000,00 para o montante de R$30.000,00, valor este requerido

na ação originária.

A relatora do acórdão reconheceu com certeza a perda de uma chance ao

expor que: “Houve para a Demandante a perda de uma chance, e nisso reside o seu

prejuízo”. Dessa forma, é possível verificar que a decisão não somente aceitou como

caracterizada a perda de uma chance, como também vinculou o dano do autor à

perda da possibilidade de ver modificada a sentença que lhe foi desfavorável.

                                                             139 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 7000095886846, 16ª Câmara Cível, Relator: Ana Beatriz Iser. Julgado em: 22-08-2001. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 24 de setembro de 2008.

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Apesar de reconhecer a perda da chance, a relatora estabeleceu o quantum

indenizatório no montante requerido pelo autor, ou seja, a vantagem esperada,

contrariando dessa forma o princípio da teoria da perda de uma chance.

De acordo com os ensinamentos de Savi: Para a valoração da chance perdida, deve-se partir da premissa inicial de que a chance no momento de sua perda tem um certo valor que, mesmo sendo de difícil determinação, é incontestável. É, portanto, o valor econômico desta chance que deve ser indenizado, independentemente do resultado final que a vítima poderia ter conseguido se o evento não a tivesse privado daquela possibilidade.140

Assim, verifica-se nos casos citados que apesar de reconhecerem a

aplicação da teoria da perda de uma chance e, apesar de ocorrer a vinculação do

dano às oportunidades perdidas, o estabelecimento do valor indenizatório ainda é

atrelado ao dano que supostamente a vítima poderia alcançar, ou seja, à

integralidade do prejuízo.

3.1 A DISTINÇÃO ENTRE PERDA DE UMA CHANCE E LUCROS CESSANTES

Existem dificuldades em diferenciar a teoria da perda de uma chance e os

lucros cessantes.

Cavalieri Filho conceituando lucros cessantes afirma: Consiste, portanto, o lucro cessante na perda do ganho esperável, na frustração da expectativa de lucro, na diminuição potencial do patrimônio da vítima. Pode decorrer não só da paralisação da atividade lucrativa ou produtiva da vítima, como, por exemplo, a cessação dos rendimentos que alguém já vinha obtendo da sua profissão, como, também, da frustração daquilo que era razoavelmente esperado.141

Então, constitui o lucro cessante na perda econômica experimentada pelo

lesado, decorrente do dano sofrido, diferente das chances perdidas, que são um

dano autônomo, emergente, tendo em vista que já faziam parte do patrimônio da

                                                             140 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 63. 141 FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. p. 72.

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vítima. A vítima já se encontrava em plena utilização daquelas chances, que foram

aniquiladas por outrem.

Dias, não se conformando com a opinião manifestada pelo Tribunal de

Justiça de São Paulo em acórdão julgado em 1936, parece ter reconhecido a teoria

da responsabilidade civil pela perda de uma chance, porém a tratou como se fosse

uma espécie de lucros cessantes.

Tratava-se do caso clássico do advogado que não efetuou o preparo do

recurso e, por conseqüência, o mesmo não foi conhecido. A decisão do acórdão se

deu no sentido de que a simples possibilidade de ser reformada uma decisão,

mediante a interposição do recurso cabível no prazo legal, não autorizaria a ação de

reparação contra o advogado negligente.142

De acordo com o autor, o acórdão não reconheceu uma responsabilidade

que, a seu ver, parece irrecusável, um caso típico de responsabilidade do advogado

por negligência no cumprimento de seu mandato. Porém, afirmou: “[...] o autor não

fizera prova do seu prejuízo e, nessas condições, não obstante não reconhecida a

responsabilidade, não seria realmente possível uma condenação”.143

Assim, na visão de Dias, o autor deveria comprovar que, caso o recurso

tivesse sido interposto e conhecido, teria sido provido.

Savi, analisando a posição do autor citado comenta: Entendemos que o equívoco desta conclusão está em acreditar que a vítima teria que realmente fazer a prova, impossível por sua natureza aleatória, de que, se o recurso tivesse sido devidamente preparado no prazo pelo advogado, o mesmo seria conhecido e provido pelo Tribunal. Ou seja, Aguiar Dias acaba por tratar a perda de uma chance como se fosse uma espécie de lucros cessantes.144

E conclui: Se fosse possível produzir esta prova, estaríamos diante de um típico caso de lucro cessante e, por este motivo, o advogado teria que ser condenado ao pagamento de tudo aquilo que o cliente razoavelmente teria direito se o recurso fosse provido. Todavia, o que deve ser objeto de indenização é a perda da possibilidade de ver o recurso apreciado e julgado pelo Tribunal, possibilidade esta que restou definitivamente afastada em razão da negligência do advogado.145

                                                             142 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. p. 296. 143 DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. p. 296. 144 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 38-39. 145 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 39-40.

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Dias foi o primeiro autor brasileiro a abordar de forma mais aprofundada a

teoria em sua obra “Responsabilidade do advogado na perda de uma chance”146,

porém, termina por considerar a perda de uma chance como uma espécie de lucro

cessante, já que não reconhece que a chance possui um valor próprio.

Segundo entendimento desse autor, seguindo o exemplo de perda de prazo

pelo mandatário para a interposição de recurso, deverá o juiz fazer um juízo de

probabilidade de êxito do recurso que deveria ter sido interposto. Se o recurso

tivesse grandes possibilidades de ser provido, então o advogado negligente deveria

ressarcir o cliente em tudo o que este deixou de ganhar, ou seja, a indenização seria

em valor equivalente ao prejuízo experimentado. Ao contrário, se as possibilidades

de o recurso ser provido eram remotas, a pretensão do cliente deveria ser

afastada.147

Porém, conforme assevera Savi: “Se fosse possível afirmar, com certeza,

que o recurso acaso interposto seria provido, a hipótese seria de indenização dos

lucros cessantes e não da perda da chance, entendida, repita-se, como dano

material emergente”.148

O dano a ser indenizado, portanto, somente poderá consistir na perda da

própria chance e esta é um prejuízo distinto do benefício que era esperado.149

De forma diversa, analisou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na

Apelação Cível nº 70021112420, ao afirmar expressamente que a perda de uma

chance corresponde aos lucros cessantes.

Neste caso, os autores ingressaram com ação indenizatória contra o réu

alegando que este, ao dobrar à esquerda para entrar em outra rua, obstaculizou a

passagem da moto, ocorrendo abalroamento lateral, gerando danos materiais.

Requereu ainda lucros cessantes já que possuía proposta de emprego e não pôde

assumir a função tendo em vista que havia sofrido o acidente e quebrado a perna.

Restou incontroverso que o autor e o demandado trafegavam pela rua, em

sentidos opostos, quando houve a colisão. O automóvel, ao inflectir à esquerda,

para ingressar em via paralela, obstaculizou a frente da motocicleta, e o conjunto                                                              146 DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade civil do advogado na perda de uma chance. São Paulo: Ltr, 1999. 147 DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade civil do advogado na perda de uma chance. p. 67. 148 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 63.

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probatório dos autos permitiu concluir que o réu, motorista do carro, foi o único

responsável pela colisão havida.

O relator do acórdão afirmou: “Na situação concreta, restou demonstrado

que a contratação como cobrador era certa e que não se efetivou em razão das

conseqüências do evento danoso”.150

E completou: “Assim, diante desta possibilidade concreta, aplicável ao caso

a chamada teoria da perda de uma chance, pois o ato ilícito tirou da vítima a

oportunidade de obter uma situação futura melhor, na obtenção de emprego”.151

Resta demonstrado então, que a decisão declarou como exemplo de perda

de uma chance, situação clara de lucros cessantes, tendo em vista que, conforme

depoimento do gerente da empresa que o autor seria contratado, ele passou no

teste de seleção e não assumiu o cargo pois se acidentou.

Sendo assim, visto que o autor efetivamente deixou de exercer sua profissão

e auferir o salário decorrente do emprego, cristalinamente demonstrada está a

hipótese de lucros cessantes, eis que ficou demonstrado o nexo causal entre a

conduta do motorista do carro que ocasionou o acidente, e o dano sofrido pela

vítima, que foi a impossibilidade de ingressar numa carreira profissional que era

certa.

Neste caso, existia a certeza de que, se não tivesse ocorrido o acidente, a

vítima poderia ter assumido o cargo que indiscutivelmente seria dela, tendo em vista

que já havia passado na seleção para aquele emprego, o que não poderia ocorrer

para a caracterização da perda de uma chance.

Segundo Savi: De fato, existem características comuns entre o lucro cessante e a chance. Em ambos os casos, ao invés de subtrair da vítima uma importância que esta teria no momento em que o fato danoso se verifica, este impede que a vítima possa adquirir novos elementos, lucrar e usufruir de ulteriores utilidades patrimoniais.152

                                                                                                                                                                                              149 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 674. 150 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70021112420, 12ª Câmara Cível, Relator: Orlando Heemann Júnior. Julgado em: 06-12-2007. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 25 de setembro de 2008. 151 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70021112420, 12ª Câmara Cível, Relator: Orlando Heemann Júnior. Julgado em: 06-12-2007. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 25 de setembro de 2008. 152 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 14.

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Bocchiola apud Savi ensina a diferença entre ambas as espécies: Mas, de um ponto de vista teórico, as duas fattispecies são bastante individualizáveis em suas respectivas características. De fato, se deve determinar como lucro cessante somente o caso em que se verifica a perda de uma possibilidade favorável, que pertencia a um determinado sujeito com uma probabilidade que representa a certeza; nas hipóteses de perda de uma chance, por outro lado, o acontecimento do resultado útil é por definição indemonstrável.153

Para a caracterização dos lucros cessantes, devem existir fartos elementos

probatórios do que se deixou de auferir. Por sua vez, na perda de uma chance,

persistirá a incerteza quanto ao resultado futuro, muito embora haja certeza sobre a

chance perdida, caracterizando-se esta por ser um dano presente, com todos os

seus elementos bem delineados no momento em que o indivíduo perda a chance de

obter um resultado favorável.

Sendo assim, na perda de uma chance o prejuízo consiste em dano

emergente e não em lucros cessantes, tendo em vista que no momento do ato ilícito

a chance já pertencia ao patrimônio da vítima, sendo algo que ela efetivamente

perdeu quando da ocorrência do ilícito e não algo que ela deixou de lucrar.

3.2 A DISTINÇÃO ENTRE PERDA DE UMA CHANCE E O DANO MORAL

Conforma já estudado no primeiro capítulo deste trabalho, dano moral é um

prejuízo psíquico ao indivíduo ofendido, atingindo, por exemplo, a honra, a paz e a

tranqüilidade de uma pessoa.

A maioria das decisões brasileiras reconhece de forma correta a ocorrência

do dano pela perda de uma chance, porém o enquadram de forma equivocada.

Alguns tribunais a inserem como uma forma de lucros cessantes, como visto no item

anterior, e outros, como será delineado neste tópico, a enquadram como uma

espécie de dano moral.

                                                             153 BOCCHIOLA, Maurizio. Perdita di uma chance e certezza del danno. In Rivista Trmestrale di Diritto e Procedura Civile. Anno XXX, p. 55-101, 1976. apud SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 17.

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O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao julgar a Apelação Cível nº

2006.001.53158, enquadrou o dano da perda da chance como espécie de dano

moral.

A ementa do acórdão expõe: RESPONSABILIDADE CIVIL - DIAGNÓSTICO TARDIO -DANO MORAL CONFIGURADO - O perito vislumbrou demora no atendimento da paciente, fato que teria provocado retardamento no início do tratamento da doença que acometia a autora, comportamento profissional conhecido na literatura pericial francesa como perda de uma chance (perte d´une chance), que preconiza a perda da possibilidade de cura do paciente pela intervenção errada de profissional, pois as possibilidades de recuperação são muito maiores quando descoberta a doença no início. É o quanto basta para estabelecer-se a responsabilidade do réu, cuja culpa assenta em uma das três hipóteses: erro médico, erro de procedimento e erro de diagnóstico. Configurado o dano imaterial, pelos sofrimentos físicos e sensoriais que o erro no procedimento provocou na autora, até que as providências para a correção da perfuração de seu útero fossem tomadas, dando-se início ao tratamento adequado, que não produziria o mesmo resultado se iniciado o quanto antes. Redução da capacidade física atestada pelo expert oficial. Honorários de sucumbência corretamente fixados. Improvimento do recurso.154

Neste caso, a autora propôs ação indenizatória contra o Estado do Rio de

Janeiro, tendo em vista que sofreu um aborto espontâneo e foi submetida à cirurgia

para curetagem de útero. Alega que, por erro médico, sofreu uma perfuração no

útero que, além de lhe causar muitas dores, lhe tornou infértil.

A sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido por considerar que

a demora na realização do procedimento pós-operatório ocasionou o agravamento

do quadro clínico da autora decorrente da perfuração de seu útero durante a

curetagem. A decisão fixou pensionamento no valor equivalente a 40% de um

salário mínimo até a idade de 65 anos, além do fornecimento de todos os

medicamentos necessários ao tratamento. Considerou haver abalo moral em virtude

da violação da integridade física e moral da autora, definindo a indenização no valor

de R$30.000,00. Inconformado com a decisão, o estado-réu ingressou com recurso

de apelação.

                                                             154 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Apelação Cível nº 2006.001.53158, 17ª Câmara Cível, Relator: Desembargador Edson Vasconcelos. Julgado em: 24-01-2007. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 25 de setembro de 2008.

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O acórdão reconheceu de forma correta a teoria da perda de uma chance ao

afirmar que: [...] havendo nos autos laudo pericial no qual a perita vislumbrou demora na obtenção do diagnóstico, fato que teria provocado retardamento no início do tratamento da doença que acometia a autora, comportamento profissional conhecido na literatura pericial francesa como perda de uma chance (perte d´une chance), que preconiza a perda da possibilidade de cura do paciente pela intervenção errada de profissional, pois as possibilidades de recuperação são muito maiores quando descoberta a doença no início.155

Porém, ao final, acaba por enquadrar a teoria no campo do dano moral ao

concluir: Não há dúvidas que a responsabilidade no caso alcança o dano moral, pelos sofrimentos físicos e sensoriais que o errôneo procedimento provocou na autora, até que a diagnose correta fosse realizada, dando-se início ao tratamento adequado, que não produziria o mesmo resultado se iniciado o quanto antes, tendo sido o valor da indenização corretamente fixado pela sentença.156

Assim, é clara nesse caso a situação em que é possível a aplicação da

teoria em questão, já que ficou comprovado através de prova pericial que, se o

diagnóstico e o início do tratamento tivessem sido feitos com maior rapidez, a autora

teria a possibilidade de obter a cura. Todavia, ao posicionar o dano da perda da

chance como hipótese de dano moral, o órgão julgador não isolou a chance perdida

como prejuízo.

Da mesma forma, o enquadramento da perda da chance como dano moral

ocorre em decisões sobre responsabilidade civil do advogado, como é o caso da

Apelação Cível nº 2003.001.19138157, do mesmo Tribunal de Justiça.

                                                             155 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Apelação Cível nº 2006.001.53158, 17ª Câmara Cível, Relator: Desembargador Edson Vasconcelos. Julgado em: 24-01-2007. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 25 de setembro de 2008. 156 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Apelação Cível nº 2006.001.53158, 17ª Câmara Cível, Relator: Desembargador Edson Vasconcelos. Julgado em: 24-01-2007. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 25 de setembro de 2008. 157 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Apelação Cível nº 2003.001.19138, 14ª Câmara Cível, Relator: Desembargador Ferdinaldo do Nascimento. Julgado em: 07-10-2003. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 29 de setembro de 2008.

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No caso em questão, discutia-se a clássica situação em que o advogado

deixa transcorrer in albis o prazo para a interposição de recurso contra decisão

contrária aos interesses de seu constituinte.

De acordo com o Tribunal: “É certo que o fato de ter o advogado perdido a

oportunidade de recorrer em conseqüência da perda de prazo caracteriza a

negligência profissional”.158

Outrossim, reconheceu corretamente a teoria, asseverando que o dano está

consubstanciado na perda da chance de alcançar a vantagem esperada, no caso, a

reversão da decisão que foi desfavorável aos interesses de seu cliente.

Porém, conclui afirmando que “estabelecida a certeza de que houve

negligência do mandatário, o nexo de causalidade e estabelecido o resultado

prejudicial demonstrado está o dano moral” 159 , e entende que este advém do

próprio fato.

Dias acredita que em algumas situações que envolvem responsabilidade

civil do advogado, a perda de uma chance se enquadra como espécie de dano

moral: “O dano que se pode cogitar dessa ‘perda do direito de ver a causa julgada

na instância superior’, nesses casos de improbabilidade de sucesso de recurso, só

pode ser pensado na esfera extrapatrimonial, do chamado dano moral”.160

Ainda, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar o caso de um

ex-empregado de uma empresa que o prejudicou pelas informações desabonatórias

e inverídicas que esta fornecia para ouros possíveis empregadores, decidiu da

seguinte forma: Quanto aos danos materiais, tenho que estes incorreram. Embora seja evidente o prejuízo sofrido pelo autor em razão das informações prestadas quanto a sua pessoa, tenho que não se pode presumir que este conseguiria o emprego nas empresas mencionadas, e, muito menos, lá permaneceria trabalhando por muito tempo. Tenho que o maior prejuízo sofrido pelo autor foi a perda da chance de obter o emprego, ou seja, a possibilidade de concorrer com os demais candidatos em patamar de igualdade, com a mesma possibilidade de

                                                             158 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Apelação Cível nº 2003.001.19138, 14ª Câmara Cível, Relator: Desembargador Ferdinaldo do Nascimento. Julgado em: 07-10-2003. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 29 de setembro de 2008. 159 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Apelação Cível nº 2003.001.19138, 14ª Câmara Cível, Relator: Desembargador Ferdinaldo do Nascimento. Julgado em: 07-10-2003. Disponível em: <http://www.tj.rj.gov.br>. Acesso em: 29 de setembro de 2008. 160 DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade civil do advogado na perda de uma chance. p. 52.

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obter a vaga. No meu entender, tal prejuízo encontra-se na esfera dos danos morais, devendo ser levado em conta quando do arbitramento destes. Não vislumbro possibilidade de condenar a ré ao pagamento dos salários que o autor perceberia caso conseguisse o emprego, pois, tal fato não passa de uma presunção, não acompanhada da prova necessária para a condenação da empresa ré por danos materiais.161

Assim, o órgão julgador, mais uma vez, reconheceu a teoria da perda de

uma chance, porém, aplicou-a como espécie de dano moral.

Peteffi, analisando o caso em questão assevera: Observa-se que o referido julgado está em desacordo com a melhor aplicação da teoria da perda de uma chance. O magistrado bem destacou que não havia nexo de causalidade seguro entre a conduta da ré (informações inverídicas) e a perda da vantagem esperada (emprego). Sua posição resta clara quando ressalta a impossibilidade de reparar os salários que o autor perceberia, caso conseguisse o emprego, visto que esta indenização corresponderia à reparação do dano final.

E conclui: [..] o relator afirma textualmente que a perda das chances foi verificada, merecendo a devida e justa indenização. Porém, ao invés de conceder o evidente dano patrimonial que a vítima sofre com a perda das chances de obter um emprego remunerado, declara que: “No meu entender, tal prejuízo encontra-se na esfera dos danos morais, devendo ser levado em conta quando do arbitramento destes”.162

Agindo desta maneira, o Tribunal equiparou o dano decorrente da teoria da

perda de uma chance ao dano moral, ignorando totalmente o fato de que a chance

perdida em si constitui o prejuízo da vítima.

Existe, porém, a possibilidade de ver caracterizada duas espécies de danos,

conforme exemplifica Savi: Imagine-se, por exemplo, o caso de um ‘concursando’ aprovado no provão é em todas as provas específicas, mas que se vê ilegitimamente excluído da prova oral pela comissão organizadora do concurso. A vítima, alegando que a atitude ilícita daquela comissão fez com ela perdesse a chance de fazer a prova oral e, conseqüentemente, de ser aprovada no concurso do qual participava, poderá requerer a condenação ao pagamento de

                                                             161 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70003568888, 6ª Câmara Cível, Relator: Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura. Julgado em: 27-11-2002. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 29 de setembro de 2008. 162 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 196-197.

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indenização por danos materiais emergentes (perda da chance) e por danos morais (a frustração decorrente do ato ilícito). Ou seja, não há dúvida de que, em determinados casos, a perda da chance, além de representar um dano material, poderá, também, ser considerada um “agregador” do dano moral. O que não se pode admitir é considerar o dano da perda de chance como sendo um dano exclusivamente moral.163

Então, a vítima de um prejuízo, conforme o caso, pode requerer em uma

única ação, indenização decorrente da perda de uma chance, concomitantemente

com a reparação por danos morais, pois ambos podem ocorrem numa mesma

situação conforme visto, porém não deve o julgador nunca equiparar as duas

espécies distintas de danos.

3.3 A CORRETA QUANTIFICAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO NA TEORIA DA

RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

A correta quantificação da indenização na teoria da responsabilidade civil

pela perda de uma chance nem sempre será de fácil aplicação, pois, conforme já

comentado no decorrer deste trabalho, “é o prejuízo constituído pela perda da

chance que vai ser objeto de reparação”.164

Não é possível se cogitar uma reparação equivalente ao benefício que

provavelmente ocorreria caso a vítima não tivesse sido privada de suas chances de

obter um benefício ou evitar uma perda, devendo o valor ser apurado pela chance e

não pela perda, tendo em vista que aquela é comprovadamente a lesão do

ofendido.165

Então, “quanto à quantificação do dano, a mesma deverá ser feita de forma

eqüitativa pelo juiz, que deverá partir do dano final e fazer incidir sobre este o

percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada”, conforme ensina

Savi.166

                                                             163 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 53. 164 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 664. 165 GONDIM, Glenda Gonçalves. Responsabilidade civil: teoria da perda de uma chance. Revista Dos Tribunais, São Paulo, v. 840, p.11-36, out. 2005. 166 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 63.

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Para a aferição do valor a ser estabelecido a título de indenização nas

ações de responsabilidade civil pela perda de uma chance, é necessário utilizar um

critério de probabilidade ao estabelecer o valor devido à vítima, observando o quanto

de chance a mesma teria de alcançar o resultado no momento em que ocorreu o

fato, dado que esta chance possui um valor, mesmo que de difícil quantificação.

Para Noronha: “[...] o valor da reparação do dano certo da perda de chance

ficará dependendo do grau de probabilidade, que havia, de ser alcançada a

vantagem que era esperada, ou inversamente, do grau de probabilidade de o

prejuízo ser evitado”.167

Assim, a fim delimitar o quantum indenizatório, o magistrado deve averiguar

o valor do benefício que a vítima auferiria na hipótese de alcançar a vantagem

esperada e, após, verificar qual a possibilidade que a chance perdida teria de se

concretizar, tendo em vista que, conforme dito, o valor da indenização jamais poderá

equivaler ao que a vítima teria direito caso não tivesse sido privada da oportunidade

de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda.

Exemplificando a correta aferição do valor indenizatório, Kfouri Neto

comenta que: O montante estará vinculado à avaliação do dano consecutivo à perda. Se, por exemplo, a indenização integral atingiria cem mil francos, mas a vítima teve perdida uma chance, em duas razoavelmente possíveis, a indenização seria de cinqüenta mil francos.168

Deve incidir então sobre o prejuízo final, a percentagem de que seria

possível concretizar a vantagem esperada, a fim de que não seja indenizado o

equivalente ao benefício perdido, que somente será possível com a caracterização

de forma clara do nexo de causalidade entre a conduta do ofensor e o prejuízo da

vítima. Ou seja, “[...] o valor da chance perdida é aferido através de um cálculo das

probabilidades, que houvesse, de se concretizar o resultado em expectativa”.169

                                                             167 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 667. 168 KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: Revista Dos Tribunais, 2002. p. 111. 169 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 671.

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Segundo Peteffi, a regra que orienta a quantificação nos casos de

responsabilidade civil pela perda de uma chance é a de que o valor atribuído às

chances perdidas deve ser obrigatoriamente menor do que a vantagem esperada

pela vítima.170 Assim, exemplifica tal afirmação: Para uma exemplificação singela, toma-se um recurso intempestivo sobe o qual se conclui, fundado em percuciente pesquisa jurisprudencial, que retirou sessenta por cento (60%) da probabilidade de a vítima reverter uma decisão desfavorável recebida em instância inferior. Se a vantagem esperada pela vítima com a total procedência da demanda judicial era equivalente a R$ 100.000,00, o valor da chance perdida pela conduta do réu consubstancia-se na importância de R$ 60.000,00, equivalente a sessenta por cento (60%) da vantagem esperada.171

É possível encontrar alguns julgados que estão aplicando de melhor forma a

teoria da perda de uma chance, embora a majoritária jurisprudência não esteja

quantificando corretamente os danos decorrentes desta teoria, de acordo com o

analisado neste estudo.

Exemplo concreto de apropriada aplicação da teoria e adequada

quantificação do dano, é o do Recurso Inominado nº 71001091792, do Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul, cuja ementa está assim exposta: RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DO PRAZO. O advogado que perde o prazo para recorrer apresenta conduta desidiosa. Hipótese que caracteriza típica situação de perda de uma chance. Recurso provido.172

Novamente, trata-se do típico caso de responsabilidade civil do advogado

que deixou de interpor recurso no prazo legal, retirando de seu constituinte as

chances de ver revertida decisão contrária aos seus interesses.

Válido transcrever o voto do relator, que de forma sucinta, deixou

cristalinamente demonstrada a forma correta de aplicação da teoria e quantificação

do dano. A decisão deve ser modificada integralmente. O primeiro aspecto que deve ser salientado diz com a perda do prazo para o recurso. Não existe nenhuma controvérsia a respeito da questão. Realmente a interposição do recurso ocorreu de forma intempestiva e não

                                                             170 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 205. 171 SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. p. 205. 172 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Recurso Inominado nº 71001091792, 2ª Turma Recursal Cível, Relator: Eduardo Kraemer. Julgado em: 04-10-2006. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 01 de outubro de 2008.

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permitiu que a decisão de primeiro grau fosse revertida junto à instância superior. Na medida em que não ocorreu à interposição do recurso à parte autora perdeu significativa chance de modificação da decisão. A modificação não se revelava provável. É a típica hipótese que a responsabilidade civil decorre da perda de uma chance. Na medida em que ocorreu a perda de uma chance para o recorrente, necessário mensurar a extensão de tal perda. As teses defendidas na contestação pelo réu se apresentavam plausíveis, assim mensuro a extensão do dano produzida pela perda da oportunidade de recorrer em 1/3 da condenação. Na medida em que a condenação alcançou R$ 9.600,00, atinge a indenização o valor de R$ 3.200,00.173

O que ocorreu é que o relator do acórdão verificou quais seriam as chances

de o autor ver modificada a decisão da ação originária, calculando tal possibilidade

em um terço, já que as considerações feitas pelo réu na contestação eram bastante

plausíveis.

Tendo por base o valor determinado da ação, o reator fez incidir sobre o

mesmo, o percentual de chances que a vítima possuía, chegando ao valor final da

indenização.

Então, a aferição do quantitativo a ser atribuído a título de indenização vai

depender da probabilidade, maior ou menor, que havia de que o resultado se

concretizasse. A probabilidade há de ser traduzida numa percentagem sobre o valor

do prejuízo total que a vítima teria, se a vantagem esperada se concretizasse.174

Noronha faz importante colocação acerca da quantificação aplicada de

forma correta: Note-se que o fato de a reparação ser concedida sob a forma de percentagem incidente sobre o valor que teria o dano final não significa que se esteja concedendo uma indenização parcial. A reparação, mesmo aqui, tem como medida a extensão do dano, ou seja, é integral. O que acontece é ter a chance perdida um valor menor do que o dano dito final.175

Outro caso em que é possível visualizar a correta aplicação da teoria é o

recente julgado do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 788.459/BA,

                                                             173 BRASIL, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Recurso Inominado nº 71001091792, 2ª Turma Recursal Cível, Relator: Eduardo Kraemer. Julgado em: 04-10-2006. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 01 de outubro de 2008. 174 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 675. 175 NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamento do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil. p. 675.

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referente ao caso do programa “Show do Milhão”, no qual o participante teria como

prêmio máximo a importância de R$ 1.000.000,00 em barras de ouro caso

respondesse de forma correta uma série de perguntas de conhecimentos gerais.

A ementa do acórdão está assim redigida: RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido.176

O programa funcionava da seguinte maneira: o participante deveria

responder uma série de perguntas, cujas respostas se encontravam dispostas em

múltipla escolha. A cada acerto o participante acumulava o prêmio em barras de

ouro, chegando ao montante de R$1.000.000,00 em barras de ouro caso

respondesse corretamente todas as questões. Ocorrendo algum erro o participante

perderia tudo o que tivesse acumulado até então, bem como se resolvesse desistir

de responder as demais, levaria como prêmio o valor que teria acumulado até

aquele momento.

No caso em questão, a participante respondeu corretamente todas as

perguntas até chegar à chamada “Pergunta do Milhão”. Acumulou o montante de

R$500.000,00 e se respondesse de forma correta a última pergunta, dobraria seu

prêmio, acumulando mais R$500.000,00, totalizando o prêmio final de

R$1.000.000,00.

Todavia, apresentada a pergunta, a candidata achou por bem não responder

a questão, pois, analisando as respostas possíveis dispostas no painel, entendeu

que não havia uma alternativa correta. Na ocasião questionava-se qual o percentual

do território brasileiro a Constituição Federal reconhece aos índios. Porém, as

alternativas disponíveis para a escolha da candidata eram: 22%, 2%, 4% ou 10%.

                                                             176 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 788.459/BA, 4ª Turma, Relator: Ministro Fernando Gonçalves. Julgado em: 08-11-2005. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 29 de setembro de 2008.

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Assim, a participante desistiu de responder a pergunta, restando com o

prêmio de quinhentos mil reais, já que, segundo ela, não havia resposta certa para o

questionamento.

Ingressou então com ação indenizatória, comprovando que nenhuma das

respostas encontrava fundamentação no artigo 231 da Constituição Federal, e

requereu a condenação da ré ao pagamento de quinhentos mil reais, que, de acordo

com ela, deixara de ganhar em decorrência da formulação errada daquele

questionamento.

Sobreveio então a sentença de primeiro grau, que reconheceu a

possibilidade da aplicação da teoria da perda de uma chance, julgando procedente a

ação, condenando a ré ao pagamento dos quinhentos mil reais requeridos pela

autora.

Novamente, o magistrado aplicou corretamente a teoria, porém quantificou a

indenização de forma equivocada, tendo em vista que não levou em consideração a

chance perdida, mas sim o prejuízo final.

Entretanto, não agiu de acordo a teoria, pois o quantum arbitrado a título de

indenização não poderia ser o total do que a candidata deixou de auferir, ou seja,

quinhentos mil reais, já que não se poderia afirmar que, caso tivesse sido formulada

corretamente, a candidata acertaria a resposta da pergunta.

Inconformada com a decisão, a ré apresentou o recurso cabível, porém, o

Tribunal de Justiça da Bahia decidiu por manter a sentença de primeiro grau. Não

contente recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, com o recurso especial citado.

A corte superior reconheceu a aplicação da teoria da responsabilidade civil

pela perda de uma chance, porém acolheu parcialmente o inconformismo da ré,

entendendo que, em virtude de existirem quatro alternativas de resposta, a autora

teria 25% de chance de responder corretamente a pergunta final, reduzindo o

montante da condenação para 25% do que a mesma deixou de ganhar, totalizando

então o valor indenizatório em R$125.000,00.

Importante colacionar excerto do acórdão: Nestas circunstâncias, firmado o debate no sentido de haver a recorrida optado por não responder a indagação diante da inviabilidade lógica de uma resposta adequada, ou, na dicção da petição inicial, de ser a pergunta "irrespondível", não se pode negar, em consonância com as instâncias ordinárias, que a prestação foi impossibilitada por culpa do devedor, no caso a recorrente, que

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deverá ressarcir a recorrida do quantum perdido ou que razoavelmente haja deixado de lucrar. [...] Na espécie dos autos, não há, dentro de um juízo de probabilidade, como se afirmar categoricamente - ainda que a recorrida tenha, até o momento em que surpreendida com uma pergunta no dizer do acórdão sem resposta, obtido desempenho brilhante no decorrer do concurso - que, caso fosse o questionamento final do programa formulado dentro de parâmetros regulares, considerando o curso normal dos eventos, seria razoável esperar que ela lograsse responder corretamente à "pergunta do milhão". Isto porque há uma série de outros fatores em jogo, dentre os quais merecem destaque a dificuldade progressiva do programa (refletida no fato notório que houve diversos participantes os quais erraram a derradeira pergunta ou deixaram de respondê-la) e a enorme carga emocional que inevitavelmente pesa ante as circunstâncias da indagação final (há de se lembrar que, caso o participante optasse por respondê-la, receberia, na hipótese, de erro, apenas R$ 300,00 (trezentos reais). Destarte, não há como concluir, mesmo na esfera da probabilidade, que o normal andamento dos fatos conduziria ao acerto da questão. Falta, assim, pressuposto essencial à condenação da recorrente no pagamento da integralidade do valor que ganharia a recorrida caso obtivesse êxito na pergunta final, qual seja, a certeza - ou a probabilidade objetiva – do acréscimo patrimonial apto a qualificar o lucro cessante. Não obstante, é de se ter em conta que a recorrida, ao se deparar com questão mal formulada, que não comportava resposta efetivamente correta, justamente no momento em que poderia sagrar-se milionária, foi alvo de conduta ensejadora de evidente dano. [...] A quantia sugerida pela recorrente (R$ 125.000,00 cento e vinte e cinco mil reais) - equivalente a um quarto do valor em comento, por ser uma “probabilidade matemática" de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens) reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida.177

O fato de não existir a certeza do acerto da resposta pela candidata foi o

ponto mais importante que inviabilizou a condenação da ré ao pagamento da

integralidade do valor requerido pela autora, que correspondia ao que ela ganharia

caso obtivesse êxito na “Pergunta do Milhão”.

O que se indeniza, frisa-se, não é o prêmio que a participante deixou de

ganhar, mas sim a perda da oportunidade de ganhar o prêmio, pois a chance já fazia

parte do patrimônio da autora quando do ato danoso da ré, que não formulou

corretamente a pergunta final.

                                                             177 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 788.459/BA, 4ª Turma, Relator: Ministro Fernando Gonçalves. Julgado em: 08-11-2005. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 29 de setembro de 2008.

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Entendeu o Tribunal, então, que o quantum indenizatório na teoria da perda

de uma chance será sempre inferior ao valor da vantagem esperada pela vítima.

Houve a aplicação correta da teoria, sendo analisada a seriedade das chances, o

dano consubstanciado na própria perda da oportunidade e a adequação do valor

indenizatório às chances perdidas, guardando correspondência matemática entre o

número de assertivas – quatro – e a indenização de R$ 125.000,00 – ¼ da

vantagem final.

Savi, analisando o caso em questão comenta: [..] o Ministro Fernando Gonçalves atacou muito bem a questão tendo chegado à conclusão de que não era possível afirmar que a autora acertaria, com absoluta certeza, uma nova pergunta que viesse a ser formulada e que, desta vez, fosse passível de resposta. Inexistindo certeza do acerto da resposta entendeu não ser possível condenar a recorrente ao pagamento da integralidade do valor que ganharia se obtivesse êxito na pergunta final, já que ausente um dos pressupostos “do acréscimo patrimonial apto a qualificar o lucro cessante”. Não obstante a impossibilidade de certeza quanto ao acerto de uma eventual futura nova pergunta, o Ministro reconheceu que a oportunidade, a chance de ganhar o prêmio máximo do programa, já existia no patrimônio da autora quando da conduta da ré e, por este motivo, tendo a chance sido perdida, a autora faria jus a uma indenização. Para o cálculo da indenização o Ministro Fernando Gonçalves calculou efetivamente de forma matemática quais eram as reais chances que a autora tinha de acertar a “pergunta do milhão”. Como havia quatro alternativas de resposta, entendeu que as chances da autora eram de 25% (vinte e cinco por cento) e condenou a ré ao pagamento de 25% dos R$500.000,00, que a autora viu-se impossibilitada de receber.178

Deste modo, em que pese existam aplicações diversas da quantificação do

dano decorrente da responsabilidade civil pela perda de uma chance, como se

apurou neste trabalho, o quantum deve ser aferido analisando-se quais eram as

reais chances que a vítima tinha de atingir o objetivo final, seja para obter uma

vantagem, seja para evitar um prejuízo. Após a análise das chances, deve-se fazer

incidir no valor do dano final, a percentagem verificada, chegando-se ao valor que

deverá ser arbitrado a título de indenização numa ação que envolva essa teoria.

                                                             178 SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. p. 79.

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CONCLUSÃO

Neste momento derradeiro do presente trabalho, importante rememorar

alguns dos conceitos elementares abordados durante o estudo, a fim de que se

possa, compilando-os finalizar a questão de forma clara, concluindo-se o tema com

base nas hipóteses e objetivos traçados no presente estudo.

A responsabilidade civil é um instituto de grande repercussão na vida

cotidiana dos indivíduos, haja vista que cada ato humano, seja no exercício da sua

profissão, seja na vivência em sociedade, pode acarretar na responsabilização e

reparação de danos.

Porém, o alcance dessa reparação exigia a comprovação de determinados

requisitos que, por sua rigidez, impossibilitavam a vítima de cumpri-la, impedindo a

mesma de receber qualquer ressarcimento pelos prejuízos suportados.

O instituto da responsabilidade civil então, percebendo que em algumas

situações o prejudicado restava sem a devida compensação pelos danos

experimentados, ampliou as possibilidades de indenização da vítima, facilitando ao

lesado ver satisfeita sua pretensão reparatória.

A perseguição pela ampliação das probabilidades reparatórias vem ao

encontro de uma nova tendência da responsabilidade civil, a aplicação da teoria da

perda de uma chance.

A teoria da perda de uma chance demonstra uma maneia de possibilitar à

vítima, alguma reparação quando, de acordo com a teoria tradicional, restaria

desamparada.

A doutrina e a jurisprudência francesa deram início à utilização dessa teoria

em virtude da análise de casos concretos, que apontavam no sentido de que,

independentemente de um resultado final, a conduta humana que privasse um

sujeito de obter uma vantagem esperada ou de evitar um prejuízo, deveria levar o

autor de tal conduta a ressarcir os danos provocados, mesmo que esse evento

futuro não fosse objeto de absoluta certeza.

Verificou-se, no decorrer do trabalho, que na teoria da perda de uma chance

existe um dano identificável, autônomo, totalmente distinto do resultado final, e

consistente na perda da possibilidade, seja de alcançar um benefício ou de impedir

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um dano, sendo então algo que a vítima efetivamente perdeu no momento da

conduta de outrem. Assim, concluiu-se que constitui um interesse passível de

indenização a perda da possibilidade de se evitar uma perda ou de obter uma

vantagem, sendo a perda de uma chance, portanto, um dano autônomo.

Analisou-se, também, que não é possível levar em consideração qualquer

chance perdida para fins de reparação, mas somente aquelas chances consideradas

sérias e reais, excluindo-se, desta forma, as chances pouco prováveis, ou as meras

expectativas.

Esta teoria ainda é timidamente invocada pelos advogados no Brasil e,

quando utilizada, é pouco reconhecida pelos juízes, ao argumento que se trata de

um dano incerto, portanto, não indenizável.

A aplicação da teoria pelos tribunais brasileiros é crescente, conforme

estudado neste trabalho. Entretanto, a análise feita permite concluir que tais

tribunais, em determinadas ocasiões, aplicam a teoria de forma diversa da analisada

no presente estudo.

O principal obstáculo para a aplicação da teoria da perda de uma chance é

verificado na dificuldade em determinar o quantum indenizatório nas demandas

judiciais.

A maioria das decisões brasileiras reconhece de forma correta a ocorrência

do dano pela perda de uma chance, porém o enquadram de forma equivocada.

Alguns tribunais a inserem como uma forma de lucros cessantes, e outros, a

enquadram como uma espécie de dano moral.

Para a aferição do valor a ser estabelecido a título de indenização nas ações

de responsabilidade civil pela perda de uma chance, é necessário utilizar um critério

de probabilidade ao estabelecer o valor devido à vítima, observando o quanto de

chance a mesma teria de alcançar o resultado no momento em que ocorreu o fato,

dado que esta chance possui um valor, mesmo que de difícil quantificação.

Assim, conclui-se que, a fim delimitar o quantum indenizatório, o magistrado

deve averiguar o valor do benefício que a vítima auferiria na hipótese de alcançar a

vantagem esperada e, após, verificar qual a possibilidade que a chance perdida teria

de se concretizar, tendo em vista que, conforme dito, o valor da indenização jamais

poderá equivaler ao que a vítima teria direito caso não tivesse sido privada da

oportunidade de obter um proveito determinado ou de evitar uma perda.

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