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Amazônia e o direito de comunicar” 17 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA 1 A Amazônia e suas Representações: Dos discursos das Descobertas ao Imaginário Popular 1 Evelyn Cristina Ferreira de AQUINO 2 Universidade Federal do Pará, Belém, PA RESUMO As expedições de descoberta e conquista da América, mais especificamente contextualizando a região que hoje chamamos de Amazônia, trouxe consigo uma série de representações colocadas pelos viajantes em suas narrativas; do maravilhoso refletido pela grandiosidade de belezas e de recursos naturais aqui encontrados à negação ou desvalorização das culturas dos povos da Amazônia. O artigo tem por objetivo analisar esses discursos carregados de estereótipos e de simbolismo dentro do contexto histórico em que surgiram e sua recorrência no tempo e no espaço, se consolidando como base sólida de conhecimento e representação sobre a região Amazônica no imaginário popular. PALAVRAS-CHAVE: Amazônia; discurso; conquista; imaginário; estereótipo. Os Primeiros Contatos com o Novo Mundo e o Olhar Externo. Os primeiros processos de conquista após a descoberta da Amazônia culminando na formação de suas fronteiras e na exploração de seu território por estudiosos ocorreu tanto pela motivação do conhecimento científico na Europa que vinha em processo de construção - a partir do século XVI - como pela busca de riquezas e interesse de demarcação de fronteiras na colônia, tendo como grande diferencial a mitologia que pairava sobre a região atraindo os olhares do Velho Mundo. Alguns exemplos que clamavam o interesse dos viajantes foi o El Dorado, a Ilha Brasil e a lenda das Amazonas. A busca de explicações sobre os rios e outras características da região fomentaram o conhecimento da mesma e de seu capital humano a partir do viés europeu. (CAMILO, 2011, p.2). Dessa forma, no intuito de descrever o que se presenciava - o diferente - da cultura que o europeu conhecia - a própria - e que era historicamente marcada por outras tradições e culturas, o europeu foi imbuído pelo imaginário do encantamento e do lendário para criar suas teorias sobre a paisagem e o homem que encontrou na América. (PONTE, 2000, p.5). 1 Trabalho apresentado no I Seminário Regional da ALAIC - Bacia Amazônica. 2 Estudante de Pós-Graduação (ouvinte) 1° semestre do Mestrado Acadêmico em Ciências da Comunicação, e- mail: [email protected]

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A Amazônia e suas Representações: Dos discursos das Descobertas ao Imaginário

Popular1

Evelyn Cristina Ferreira de AQUINO2 Universidade Federal do Pará, Belém, PA

RESUMO

As expedições de descoberta e conquista da América, mais especificamente contextualizando a região que hoje chamamos de Amazônia, trouxe consigo uma série de representações colocadas pelos viajantes em suas narrativas; do maravilhoso refletido pela grandiosidade de belezas e de recursos naturais aqui encontrados à negação ou desvalorização das culturas dos povos da Amazônia. O artigo tem por objetivo analisar esses discursos carregados de estereótipos e de simbolismo dentro do contexto histórico em que surgiram e sua recorrência no tempo e no espaço, se consolidando como base sólida de conhecimento e representação sobre a região Amazônica no imaginário popular. PALAVRAS-CHAVE: Amazônia; discurso; conquista; imaginário; estereótipo. Os Primeiros Contatos com o Novo Mundo e o Olhar Externo.

Os primeiros processos de conquista após a descoberta da Amazônia culminando na formação

de suas fronteiras e na exploração de seu território por estudiosos ocorreu tanto pela

motivação do conhecimento científico na Europa que vinha em processo de construção - a

partir do século XVI - como pela busca de riquezas e interesse de demarcação de fronteiras na

colônia, tendo como grande diferencial a mitologia que pairava sobre a região atraindo os

olhares do Velho Mundo. Alguns exemplos que clamavam o interesse dos viajantes foi o El

Dorado, a Ilha Brasil e a lenda das Amazonas. A busca de explicações sobre os rios e outras

características da região fomentaram o conhecimento da mesma e de seu capital humano a

partir do viés europeu. (CAMILO, 2011, p.2).

Dessa forma, no intuito de descrever o que se presenciava - o diferente - da cultura que o

europeu conhecia - a própria - e que era historicamente marcada por outras tradições e

culturas, o europeu foi imbuído pelo imaginário do encantamento e do lendário para criar suas

teorias sobre a paisagem e o homem que encontrou na América. (PONTE, 2000, p.5).

1 Trabalho apresentado no I Seminário Regional da ALAIC - Bacia Amazônica. 2 Estudante de Pós-Graduação (ouvinte) 1° semestre do Mestrado Acadêmico em Ciências da Comunicação, e-mail: [email protected]

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O contexto da época na Europa da Idade Média era frustrante para o europeu; rigores do

absolutismo, das disciplinas teológicas e de cidades marcadas por vários problemas sociais e

graves desigualdades. As expedições de descoberta representavam uma evasão daquele

contexto histórico de repressões, a busca de um modelo de vida diferente, da liberdade, de um

mundo para si. (DUTRA, 1999, p. 51).

Sergio Buarque de Holanda em sua obra-prima, Visão do Paraíso (1992), demonstra a

motivação em prol de uma utopia paradisíaca que antecede a chegada dos viajantes à

América. A busca pela localização terrena do paraíso, tal qual o que teriam vivido, nos textos

bíblicos, Adão e Eva, após ser descartada a hipótese do Éden ser encontrado no Velho

Mundo. O estímulo ao imaginário europeu é deflagrado com a chegada ao continente

americano, pois a ânsia por um novo mundo criou, mentalmente, pelas características do

ambiente ali encontrado, a certeza de terem chegado ao paraíso edênico tal qual, o dos

inimagináveis gozos de Adão e Eva. No entanto, Holanda ressalta que os relatos dos viajantes

agrupam detalhes com o objetivo de naturalizar o éden no Novo Mundo e não apenas

descrevem as especificidades e diferenças entre os dois, com que se depara o descobridor.

Assim, surgem as primeiras impressões sobre a Amazônia, sua análise implica mais que uma

leitura de senso comum, mas a contextualização histórica em que foram motivadas, e a visão

de quem as projetou, para o europeu: o exótico, o diferente, um construto fruto de um olhar

externo que tinha a região como lugar insólito, estranho para si. (DUTRA, 1999, p. 53).

O olhar externo será o pilar de construção das representações sobre a Amazônia, se

propagando na história e chegando à modernidade, amplamente enraizado no imaginário

popular, sua característica basilar para tanto, é a recorrência aos relatos dos viajantes como

fonte de conhecimento sobre a região, expressa nos discursos políticos e como motivação para

os projetos destes; de desenvolvimento e ocupação da região. Um olhar de constituição de

identidade que aproxima e modula, o modo como o europeu olha a sua cultura e a outra

estabelecendo padrões de diferenciação e distanciamento. (BELLUZZO, 1996, p.10).

O Vazio Humano x O Papel da Amazônia

As terras descobertas na Hiléia amazônica atraíram estudiosos, especialistas, historiadores e

toda uma gama de pesquisadores para a região, apoiados por diversas entidades tanto públicas

quanto privadas, não apenas com propósitos científicos, mas também econômicos e de

múltiplos conhecimentos, esses indivíduos nos séculos XVIII e especialmente no XIX, faziam

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levantamentos não somente em seu campo de atuação, mas também costumavam abordar

questões que não correspondiam a sua alçada de conhecimento, misturando-se estudo

científico a relatos de senso comum, meros pontos de vista. (DUTRA, 1999, p. 54-55).

Segundo Camilo

As representações sobre a Amazônia revelam a curiosidade dos europeus que, embalados pelo ciclo exótico do Oriente, da África e da América (do XVI ao XVIII), produziram livros de viagem, relações de missionários e depoimentos de autoridades que, em missões oficiais ou não, através de uma literatura impressionista, informaram sobre a fisionomia humana e o ambiente da floresta, com suas riquezas botânicas e zoológicas, atraindo para o El Dorado naturalistas, homens das ciências, religiosos e aventureiros de toda a espécie, que vieram em busca não somente do conhecimento sobre o diferente, mas da riqueza prometida pelos relatos dos viajantes. Essas representações revelam, ainda, a visão que os viajantes tiveram da Hiléia, que era ao mesmo tempo fascinante, pela pujança de água e, também, sombria, dada a diferente compleição da fauna e flora que encontraram. Estas questões nos levam a pensar sobre as diferentes construções representativas da Amazônia e do povo amazônida, produzidas por homens que explicavam os comportamentos básicos e unificadores dos homens e mulheres da Amazônia a partir dos seus valores e pré-julgamentos. (CAMILO, 2011, p. 6).

Muitas dessas representações mais baseadas em versões do que em fatos, eram carregadas de

pré-conceitos e opiniões extremamente racistas fundadas em pesos de valores e comparados

qualitativamente entre culturas diferentes onde o padrão ideal era o do homem branco,

identificando como superiores o seu clima, sua raça, sua religião e conseqüentemente,

subjugando os outros. (SODRÉ, 1965, p. 84).

Os povos aqui encontrados tinham uma cultura não voltada para a acumulação de riquezas,

uma cultura de auto-subsistência e em outros momentos exerciam atividades que também não

coadunavam com os interesses do mercado capitalista emergente na época, dessa forma,

foram a eles agregados os estereótipos de preguiçosos, inaptos ao trabalho e de pouca

aspiração pessoal (PAES LOUREIRO, 2003, p. 39).

Sem compreender essa relação mais harmoniosa do índio com o meio ambiente e com

dificuldades de comunicar-se com esses grupos, o branco teve de se fazer obedecer

inicialmente através da força física; grupos indígenas inteiros foram dizimados, desertados e

submetidos a toda sorte de maus tratos, privações e usurpações. (DUTRA, 1999, p. 58).

Posteriormente algumas estratégias foram pensadas para o controle do território, como a

proposta geopolítica do viajante inglês Raleigh, recomendando que não se deveria usar a

força, nem a escravidão para com os índios, pois o confronto com os povos locais seria mais

desgastante na apropriação das riquezas, essa idéia não tinha como base o respeito ao índio,

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mas apenas uma estratégia de conquista, pois como colocava Raleigh, sua instrução não era

de abrandar o tratamento firme contra os rebeldes. (CAMILO, 2011, p. 4).

O discurso do colonialismo tinha caráter unificador, com a chegada dos colonizadores os

discursos engendravam novos sentidos à conquista diferente aos que o índio tinha sido

submetido tempos anteriores, mas sem romper totalmente com aquele. Como exemplo o rei de

Portugal determina a Francisco Xavier de Mendonça, capitão-general do Estado do Pará e

Maranhão

Para tanto, “nenhum destes indios possam ser escravos, por nenhum principio ou pretexto”; os índios devem ser atraídos “voluntariamente”, deve-se-lhes permitir “o uso da sua liberdade”, que os índios tenham “uma justa compensação do seu trabalho”. O rei determina ao governador: “Procurareis por algumas pessoas, de quem fizerdes alguma confiança, persuadir os mesmos moradores quanto lhes é mais útil terem homens, que gostosa e voluntariamente os queiram servir...”. (DUTRA, 2009, p. 57).

O discurso é um projeto persuasivo. Ao longo do tempo no processo de conquista a

diferenciação entre dominador e dominado vai se estabelecendo através da ideologia

submetendo os povos nativos aos objetivos dos colonizadores, mas com a colaboração

daqueles.

De qualquer forma a população era vista como primitiva, indolente e incompetente para

conceber uma civilização capaz de inverter sua condição fixada secularmente como

subdesenvolvida. Dessa feita, as decisões sobre a terra que lhe pertencia estavam nas mãos

dos que a colonizavam, sem considerar a vontade de seu povo, pois, tido como inferior ou

simplesmente inexistente, o que restava eram apenas os recursos naturais (GONÇALVES,

2001, p.12-13).

Dutra afirma: “Exuberância de riquezas naturais, de um lado e pequenez humana, de outro,

são os dois pólos geradores do campo no interior do qual se fixam as noções estereotipadas

que dão substância à fabricação de diversificados modos de falas sobre a Amazônia” (2009, p.

65).

E continua

A negação da existência de seres humanos supõe a afirmação da existência de um vazio humano que está aí para ser preenchido; um vazio de resto instituído antes mesmo da descoberta, pelos acordos entre o papado e as coroas espanhola e portuguesa, tornando propriedade dos conquistadores tudo que vissem e tocar pudessem. (DUTRA, 2009, p. 66-67).

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Sendo assim, pode-se inferir que a formação cultural brasileira no período colonial é

visivelmente marcada pela constituição de estereótipos que vão ser propagados pelo

nascimento de uma ideologia que pulveriza o auto-reconhecimento do homem amazônida, a

existência de seus valores e a sua capacidade de pensamento, através de um processo de

desvalorização da cultura nativa como resultado da consolidação dessa ideologia. (PAES

LOUREIRO, 2003, p. 41).

A recorrência desses discursos do período colonial carregados de estereótipos e pré-

construídos é intensa ao longo do tempo, as instituições políticas e seus agentes são usuários

dela. Na década de 70, por exemplo, a Amazônia passava por intensos fluxos de migração

com o objetivo de ser ocupada e desenvolvida, a chegada dos migrantes à região era

problemática, pois não conheciam o ambiente e apresentavam dificuldades de adaptação a

uma floresta hostil, uma relação que não foi fácil, de dominá-la ou de ser dominado por ela,

da imagem de paraíso a realidade estava mais para inferno verde, o que contribuía para a

noção de vazio. (COSTA, 2006, p.143).

No governo Médici3, o mesmo discurso do vazio, a política de desenvolvimento foi “terras

sem homens, para homens sem terra”, com a chegada de várias famílias de agricultores,

vivendo em condições precárias, sem um mínimo de infraestrutura e condições de trabalho.

(2006, p.126).

Os “estudos científicos” e relatos dos viajantes feitos sobre a Amazônia, como pontos de vista

de um discurso hegemônico, foram as matrizes desses processos de fabricação de uma

imagem de grupos subalternos ali presentes, historicamente compondo o imaginário popular e

permeando as instituições sociais como a ciência, a cultura e a política, sendo transformados

inclusive, em literatura ensinada nas escolas, penetrando, conscientemente ou não, no

pensamento coletivo. É visível em livros de ensino a imagem que se faz do índio, sempre em

papéis passivos, pouco representativos historicamente. Os reflexos desse processo é a

dificuldade de se constituir um senso crítico na população que viabilize a reflexão acerca dos

contextos sócio-econômicos e políticos da época que se resvalam nos problemas do presente.

(DUTRA, 2005, p. 52, 53, 56).

3 O Governo Médici (1969 a 1973), período conhecido como “milagre econômico” foi marcado por grandes projetos de desenvolvimento para o Brasil que tiveram grande fôlego na Amazônia, através de estímulos governamentais para a exploração econômica da região, liberação de aportes financeiros para infraestrutura na construção de estradas, como a Transamazônica, pontes e hidrelétricas. As seqüelas do modelo de governo também foram sentidas com a intensificação da concentração de renda no país, das desigualdades sociais e da pobreza.

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Evolui-se a cronologia histórica, o contexto político-econômico nacional e mundial, mas o

discurso simbólico sobre a Amazônia continua recorrente. É como observa Gonçalves no livro

intitulado Amazônia, Amazônias; o papel de construção da imagem que os brasileiros fazem

de si e do país como um gigante, dono de uma abundância de recursos naturais que garantem

um futuro promissor, é cumprido. (GONÇALVES, 2001, p.12).

Sendo assim, a região relegada historicamente ao papel de colônia, cumpre a função que lhe

foi outorgada; de solucionar os problemas que lhe são externos, daí a decisão sobre suas

questões internas serem decididas alhures e ao colonizado a ela pertencente, ser interditado a

autonomia para discursar sobre os sentidos que produz já que na interação entre colonizador-

colonizado a prática do poder só é inerente ao primeiro. (DUTRA, 2009, p. 56).

Esses estereótipos pejorativos reeditados e esse silenciamento da oportunidade de

discursivizar sobre suas condições de vida se estende aos grupos sucessores aos primeiros

encontrados nas terras conquistadas; além dos índios, os agricultores, os pescadores, os

coletores e tantos outros existentes na Amazônia, marginalizados desde o processo de

colonização, as descrições fantasiosas feitas nos relatos dos primórdios da conquista sobre

esses grupos, continuam praticamente imutáveis, congeladas no tempo. (COSTA, 2006, p.

102).

Os Fatores Ideológicos.

Para entender como os discursos se propagam na história da cultura amazônica permanecendo

praticamente iguais, em essência, às versões dos conquistadores, apesar das várias

transformações a que a sociedade vem sendo submetida ao longo dos séculos, é preciso

compreender os processos simbólicos que se legitimam estruturalmente nesses discursos para

a formação e contínua alimentação do imaginário popular.

O imaginário pode ser entendido como uma compilação de representações, de crenças, de

anseios e de sentimentos que condicionam a forma como o indivíduo se enxerga, bem como

enxerga a realidade ao seu redor. As imagens que o homem presencia socialmente e

historicamente estão ligadas ao simbólico que por sua vez se entrelaça ao existente no passado

e ao natural, objetivando o racional, dessa forma o simbólico determina aspectos da vida da

sociedade, mas permite alguns pontos de liberdade e não se esgota em si. (DUTRA, 2009, p.

70).

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Bourdieu (1998) trabalha bem a questão das relações de poder simbólico estabelecidas pelos

discursos de determinados agentes sociais quando esses discursos são colocados em oposição

em uma arena, onde transfigurados em capital simbólico, disputam entre si pelo domínio do

poder simbólico e da hegemonia para impor sua visão e representação de mundo. Através

desses processos simbólicos é possível imprimir a função política de legitimação e imposição

da representação de mundo dominante, permitindo o controle de uma determinada classe

sobre a outra. Para tanto, a garantia desse controle ou a sua subversão necessita da crença na

legitimidade de quem a manifesta e nela mesma, isso se torna possível pelas relações

estabelecidas no espaço social.

Sobre a reiteração do discurso que se prolonga na história dando aspectos de novo aos

discursos sobre a Amazônia, defende Foucault (1998, p. 26), “o novo não está no que é dito,

mas no acontecimento de sua volta. É justamente esta circunstância, a repetição. E

completando Dutra (2009, p. 62) “O discurso ficcional produz, com o passar do tempo, a sua

verdade, que termina por ganhar vida própria e produzir resultados concretos na vida real dos

indivíduos e das sociedades”.

Bhabha (1998, p.105) em sua obra O local da cultura explica o estereótipo como matriz

fundamental na estratégia discursiva para fixar a noção de “imutabilidade” no fenômeno da

recorrência a que estamos acostumados no caso da Amazônia, o colonialismo se utilizava do

pré-construído no conteúdo de seus discursos como fator elementar sendo “uma forma de

conhecimento e identificação que vacila entre o que está sempre no lugar, já conhecido, e

algo que deve ser ansiosamente repetido (...)”.

Considerações Finais.

Conforme Holanda (1995, p. 31) "A tentativa de implantação da cultura européia em extenso

território, dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à tradição

milenar, é nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em

conseqüências".

Para além das diferenças de cultura e de questões ambientais que o autor coloca, podemos

dizer que o processo de conquista da região Amazônica foi inegavelmente, o propulsor do

estabelecimento e manutenção da atual conjuntura em que essa região é colocada. A busca de

um novo mundo onde a engendragem da máquina capitalista pudesse ser saciada fez do

encontro da Amazônia com o europeu um verdadeiro presente dos deuses. A pluralidade de

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recursos e de riquezas e a liberdade de explorá-los propiciaram os devaneios e a satisfação dos

interesses do homem branco. E dela podendo se servir e pensar o que bem entendesse,

colocando à margem todo entrave ao projeto de progresso da civilização ocidental, o

colonizador sem interesse de conhecê-la intrinsecamente, mas apenas de submetê-la ao seu

bel prazer, carregado de pré-julgamentos fabricou estereótipos, simbolismos e pré-construtos

ficcionais que plastificaram a verdadeira identidade da Amazônia ao longo da evolução do

tempo.

Esses estereótipos e pré-conceitos estão arraigados nos discursos e representações sobre a

região e servem ao domínio e legitimação do poder simbólico de grupos hegemônicos sobre

os demais que os pluralizam para concepção e manutenção do imaginário popular.

Apresentados como algo novo, são apenas recorrências aos velhos discursos das conquistas.

A Amazônia não representa a grande quantidade de mitos e de discursos interpostos sobre ela

na sociedade e na mídia; de abundância de recursos por um lado a vazio humano de outro, ela

não é um território imenso e homogêneo em sua composição física e principalmente, socia l.

Ela é muito mais que isso, ela é complexa e exigente de muito estudo e pesquisa, de trabalho

de campo, interação direta com sua realidade para vivenciar toda a sua heterogeneidade.

Ela não pode ser definida pelo processo unificador e simplista a que foi submetida

historicamente, em sua essência, existem questões sociais, políticas, econômicas e culturais

particulares que necessitam serem trabalhadas com grande observação, zelo e de forma

singular pelo poder público e pela sociedade como um todo, não se pode impor a este cenário,

padrões pré-moldados e vistos de fora para dentro, estabelecidos a rigor de interesses externos

que nada tem a oferecer às populações locais e as suas reais necessidades.

A Amazônia não é o pulmão do mundo, mas representa muito para sua história e do país,

necessita de planejamento sério para um desenvolvimento mais do que econômico, mas

humano, sua função não pode ser apenas de celeiro do mundo, mas de reconhecimento de sua

identidade e importância, não só olhando para o passado, mas principalmente, para o futuro.

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