A análise de implicação com ferramenta na pesquisa-intervenção

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    Paulon, S. M. A Anlise de Implicao como Ferramenta na Pesquisa-interveno.

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    A ANLISE DE IMPLICAO COMO FERRAMENTA NA PESQUISA-INTERVENO

    Simone Mainieri PaulonUniversidade do Vale do Rio dos Sinos

    RESUMO: O artigo retoma brevemente as condies histricas que permitiram a emergncia de abordagensmetodolgicas que problematizam a relao entre pesquisador e ato de pesquisar e prope uma comparao entre asfinalidades da pesquisa-ao e da pesquisa-interveno. Sustentando-se em contribuies tericas do movimentoinstitucionalista e da filosofia da diferena, aponta a noo de anlise de implicao como conceito-chave que permitenuanar as abordagens em debate. Consoante ao pensamento de Lourau, defende-se a idia de que a considerao doconjunto de condies que circunscrevem o ato de pesquisar o que confere estatuto de cientificidade ao trabalho de pesquisa.PALAVRAS-CHAVE: pesquisa-interveno; anlise de implicao; metodologia de pesquisa qualitativa.

    THE ANALYSIS OF IMPLICATION AS A TOOL IN INTERVENTION RESEARCH

    ABSTRACT: This paper briefly re-examines the historical conditions that permitted the emergence of methodologicalapproaches that question the relation between researcher and the act of researching. And proposes a comparison between the purposes of action research and intervention research. Sustained on theoretical contributions from theinstitutionalist movement and philosophy of difference, it indicates the notion of analysis of implication as the keyconcept that allows a more nuanced approach to the debate. In line with Louraus thinking, it defends the idea thatwhat confers scientific status to research work is the consideration of the whole set of conditions that encompass theact of researching.KEY WORDS: intervention research, analysis of implication, qualitative research methodology

    A posio que o pesquisador assume em seu campode pesquisa, as relaes que estabelece como os sujeitosde sua investigao, os efeitos que estas relaes produzem em suas observaes, a possibilidade de que aanlise dos dados seja enriquecida ou deturpada por taisefeitos no so questes pouco controversas para odebate cientfico. Ao contrrio, poder-se-ia tom-las, precisamente pelo que remetem ao problema daobjetividadeversus neutralidade do trabalho deinvestigao, como uma espcie de tendo de Aquiles nahistria da cincia.

    Sem a pretenso de retomarmos o longo percurso queo pensamento cientfico precisou perseguir at chegar formulao de perguntas como estas, a finalidade dodebate que aqui se pretende implementar bem mais focal.Prope-se partir dos avanos j provocados pelas pesquisas participativas, em funo de suas crticas s

    concepes conservadoras que regiam as cincias sociais,as quais dicotomizavam teoria/prtica e sujeito/objeto natentativa de neutralizar a ao do pesquisador. Na esteiradessa crtica, tanto a pesquisa-ao quanto a pesquisa-interveno articulam pesquisador e campo de pesquisa, porm quer-se apresentar esta ltima como uma variaosignificativa, ainda que sutil, do projeto poltico queensejou a formulao dessas duas novas estratgias de

    investigao participativa. E no contexto do projeto emque se insere a pesquisa-interveno que a anlise deimplicao merece ser destacada.

    Para tanto, procederemos a uma breve retomada dascaractersticas e condies histricas que permitiram aemergncia de abordagens metodolgicas que se dispema problematizar a relao existente entre pesquisador eato de pesquisar. A fim de estabelecer algumas variaesexistentes entre as duas modalidades de pesquisa aquiabordadas, em primeiro lugar, trataremos da tentativa desuperar os preceitos da objetividade cientficaempreendidos pela pesquisa-ao. A seguir, serodiscutidos os avanos e desvios que nossa proposta de pesquisa-interveno proporciona para contextualizar osurgimento do conceito-ferramenta central ao debate proposto.

    A Ao Voltada para Conscientizao por isso que a humanidade s levanta os problemas que capaz de resolver e assim, numa observao atenta,descobrir-se- que o prprio problema s surgiu quando ascondies materiais para o resolver j existiam ou estavam, pelo menos, em vias de aparecer. Karl Marx

    O problema relativo participao ativa das pessoasimplicadas com uma pesquisa e da interferncia dosdispositivos de investigao nos processos observadoss pde ser concebido como um problema de pesquisacom a superao das pretenses de neutralidade eobjetividade to promulgadas pelo paradigma positivistanas cincias. As contribuies da fenomenologia e daPsicologia Social de Kurt Lewin foram fundamentais paraisto. Ao afirmar a inviabilidade do pesquisador colocar-se

    A temtica do presente artigo constitui o suporte metodolgico da pesquisa Desinstitucionalizao da Loucura, Prticas de Cuidadoe a Reforma Psiquitrica no RS desenvolvida de maro de 2003 a julho de 2004 na UNISINOS, sob coordenao da autora, que foidiscutida no trabalho intitulado Pesquisa-ao e Pesquisa-inter-veno: desafios e conquistas na I Conferncia Internacional doBrasil de Pesquisa Qualitativa (CIBRAPEQ Taubat, maro de2004) e apresentada no Primeiro Encontro Latino-americano deEsquizoanlise (Montevido julho de 2004).

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    fora do campo de investigao, mostrando as zonas deinterferncia entre ambos, estas abordagens dosfenmenos sociais produziram rupturas significativas noque se institura como lgica cientfica at ento.

    Segundo Lourau (1995), Merleau-Ponty procurousuperar as antinomias do psicolgico e social, dacompreenso e da explicao, propondo a passagem da

    concepo objetivista simblica dos fatos sociais cujaexistncia em si vincula-se existncia de quem osobserve. Para os fenomenlogos, o nico sistema dereferncia possvel o vivido existencial e toda procurade objetividade condenvel. O argumento decorrente que o observador inserido em seu campo de observaotransforma, por definio, seu objeto de estudo. Anecessidade de incluir-se, portanto, no processoinvestigativo, a subjetividade de quem pesquisa comocategoria analtica j se apresenta a, anunciando as basesdo conceito institucionalista de implicao.

    Tambm na microssociologia de Kurt Lewin, a crtica passividade dos sujeitos envolvidos na investigaoassume especial relevncia. Lewin teve, entre outros, omrito de reunir teoria e ao numa perspectiva detransformao social que trazia para o campo de pesquisaa diversidade das valncias grupais e contextualizavaos comportamentos dos integrantes dos grupos como produto de um campo de determinantes interdependentes,constitutivos do espao social. Notadamente influenciado pelo prprio campo ideolgico em que desenvolveu o procedimento da Action Research,o agora norte-americano psiclogo prussiano minimiza, na crtica deThiollent (1985a, p.110), a dimenso poltica dos processosobservados. A orientao principal tenciona restabelecer a conciliao entre os indivduos e resolver todos osconflitos por meio de mudana psicolgica. Os conflitosde classe so negados e reduzidos a atritos locais queresultam da inadequao de certas atitudes individuais.

    O que tantos esforos tericos parecem indicar queo lugar de passividade a que as pesquisas convencionaissentenciavam os sujeitos da investigao estariainequivocadamente abalado a partir do questionamentoda distncia estabelecida na pesquisa convencional entreos sujeitos envolvidos no ato de pesquisar. Com isto,flexibilizam-se tambm as exigncias de neutralidade na busca de informaes e o rigor dos instrumentos na busca

    de objetividade, o que tem seus reflexos em termos de procedimentos metodolgicos: os levantamentos dedados passam a incluir observaes participantes, osquestionrios ampliam a abrangncia de suas questes,cresce o interesse pela anlise do discurso e a restituiode resultados aos entrevistados integrada aos procedimentos de investigao.

    Alavancada pelas pesquisas motivacionais a partir de1930, pelas intervenes psicossociolgicas no campoorganizacional e pelos trabalhos sociomtricos deMoreno, a pesquisa social ganha espao no cenrioacadmico-cientfico e retira a categoria da subjetividadedo rol de variveis intervenientes, outorgando-lhe um papel muito mais protagonista no processo deinvestigao. Junte-se a isto o fervor dos acontecimentos polticos de meados do sculo passado como o

    movimento feminista, a conferncia de Bandung, aGrande Recusafrancesa - e esto criadas as condies histricas para que o pesquisador social possa se assumir como umagente de mudanas (Rodrigues, 2002).

    A psicossociologia - corrente do movimentoinstitucionalista1 de forte influncia norte-americanadesenvolvida principalmente na Frana entre os anos 1940

    e 1960 ofereceria importante contribuio a este processo. Caracterizada pela necessidade de convencer um pblico reticente da existncia e relevncia dosaspectos subjetivos para a to lograda mudana social, pensadores sociais como Jean Dubost, Andr Levy e o prprio Lapassade (na considerada fase do institudode seu trabalho) dedicavam-se aos coletivos de diferentessegmentos organizacionais imbudos do esprito defacilitarem a elaborao de conflitos interpessoais e promoverem a transparncia das empresas (Coimbra, 1995;Dubost & Levy, 1987; Rodrigues, 2000).

    Considerando-se que os ento contratantes deexpertsem relaes humanas nas organizaes de trabalho eram,geralmente, pessoas bem posicionadas em suashierarquias de poder, pode-se depreender o cunhoideolgico de que se revestiam tais mudanas.Integrao, coeso, liderana e democratizao dos pequenos grupos tornar-se-iam palavras de ordemrapidamente adotadas pelos interventores institucionais, bem como o tema dileto de pesquisadores. Paralelamente,a psicanlise produzia avanos culturais e ampliava odebate em torno da subjetividade de forma a tornar inevitvel a considerao de uma dimenso oculta, nomensurvel dos fenmenos sociais. Em crtica posterior,entretanto, os prprios psicossocilogos constatariamque deveriam ter sido mais prudentes nas aproximaesentre o trabalho com grupos e os ensinamentosfreudianos, posto que nociones como transferncia ycontratransferncia no pueden ser traspuestos del psicoanlisis al anlisis social (Dubost & Levy, 1987, p.58).

    A criao de um corpo conceitual e metodolgicoque desse conta de tantas erupes do campo social e poltico e produzisse efeitos de anlise em mbito todiverso daquele proposto pela psicanlise tornava-secada vez mais pungente. na esteira desta lgica quenovas modalidades de pesquisa passam a se afirmar,

    como resgatam Rocha e Aguiar:

    J no final da dcada de 1970 se abrir uma nova perspectiva de investigao a partir do questionamento s pesquisas tradicionais, incluindo discusses no que tangeao fracionamento da vida social, dicotomizao entrecincia e poltica e conseqente inviabilizao de uma participao efetiva de grupos sujeitados nos rumos dasociedade. O pesquisador, nessa nova viso, apresenta-secomo um intelectual orgnico s causas populares, e a pesquisa-ao se traduz em um mtodo potencializador na

    A anlise da obra deste socilogo francs dividida em trs mo-mentos, a saber: 1) de 1963 a 68 fase do institudo marcada pela psicossociologia, 2) de 1968 a 73 fase do instituinte definida pelas intervenes socioanalticas e 3) de 1973 em diante quandoos esprito revolucionrio de 68 tenderia institucionalizaoest proposta por Coimbra no texto Os caminhos de Lapassade eda Anlise Institucional: uma empresa possvel?.

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    organizao de espaos de participao coletiva. Polticae educao, poltica e organizao de comunidadesconstituem-se em relaes possveis para transformar arealidade. (Rocha & Aguiar, 2003, p.4)

    Os experimentos e propagao da pesquisa-ao vo permitindo variaes desta modalidade que fazem avanar muitas de suas formulaes. Fundamentalmente, o debatecentra-se na qualidade da ao que a caracteriza. Aintencionalidade poltica do ato de pesquisa passa a ser ressaltada, como fica evidente na definio dada por umde seus mais representativos autores:

    ... consideramos que a pesquisa-ao uma estratgiametodolgica da pesquisa social na qual ... h, durante o processo, um acompanhamento das decises, das aes ede toda a atividade intencional dos atores da situao; a pesquisa no se limita a uma forma de ao (ativismo): pretende-se aumentar o conhecimento dos pesquisadorese o conhecimento ou o nvel de conscincia das pessoase grupos considerados. (Thiollent, 1986, p.16)

    assim que a possibilidade do pesquisador socialcontribuir efetivamente com os problemas de um coletivo pesquisado, ou seja, sua capacidade de dispor deinstrumentos terico-metodolgicos em prol dos objetivosexistentes no grupo sob o qual sua ao vai-se debruar,aparece como aspecto definidor da modalidade de pesquisa participante centrada na ao.

    Esta discusso em torno do carter conscientizador da pesquisa-ao o que permite estabelecer algunsdiferenciais nas formas de aplicar sua metodologia,gerando variaes dentro da prpria modalidade. Thiollent(1985,1986) distingue a pesquisa-ao voltada para um

    ator social homogneo (associao, grupo autnomo) queencomenda e orienta os objetivos da pesquisa; a pesquisa-ao realizada em organizaes, que dificulta a negociaodos objetivos e resultados com os diferentes nveishierrquicos a serem representados no processo deinvestigao; e a pesquisa-ao em comunidades, bairros,meios abertos, que usualmente ocorre por iniciativa do prprio pesquisador e exige bem mais de sua vigilnciaquanto aos propsitos e manipulao dos resultados. Emqualquer dos contextos no qual aplicada, a atitude do pesquisador sempre direcionada para a elucidao dosdiversos interesses e aspectos envolvidos na situao,incluindo-se a, necessariamente, a relao existente entreos objetivos da pesquisa e os objetivos da ao. Paraalm da observao participante incluindo a figura do pesquisador (como no caso da pesquisa participante) a pesquisa-ao preocupa-se com a articulao constanteentre a ao desenvolvida por um grupo e o conhecimentoque dela se depreende.

    No prprio uso de terminologias que ressaltam aimportncia das mtuas interferncias entre teoria da pesquisa e prtica associada ao, na preocupaodialtica com os efeitos que objeto de pesquisa e sujeito pesquisador produzem um no outro, mantm-se atradicional viso dicotmica entre teoria-prtica/objeto-sujeito caracterstica da pesquisa de orientao positivista.

    Ironicamente, a pesquisa-ao v-se enredada nas mesmascrticas lgica cientificista que justificaram sua prpriacriao.

    A Interveno em Busca de Acontecimentos

    A Anlise institucional tenta, timidamente, ser um poucomais cientfica. Quer dizer, tenta no fazer um isolamentoentre o ato de pesquisar e o momento em que a pesquisaacontece na construo do conhecimento

    Lourau

    A influncia dos movimentos contestatrios do meiodo sculo passado, as crescentes crticas ao centralismo partidrio, a democratizao dos meios acadmicos naesteira da ampliao dos regimes democrticos do primeiromundo conduziram a um questionamento do aspectoideolgico das pedagogias da conscientizao.

    O crescimento da Anlise Institucional Socioanaltica4ter significativa contribuio neste processo. Os anos1960 vero florescer uma multiplicidade de abordagensdos fenmenos sociais que reuniam aportes da filosofiamarxista - para fazer a crtica da alienao - e da psicanlise- na valorizao dos aspectos inconscientes que passariam a ser considerados nos processos deinvestigao. A toda esta diversidade terico-metodolgica correspondia, claro, uma no menosdiversa gama de movimentos polticos contestatrios queencontrou no maio de 1968 sua mais forte expresso(Guattari, 1987; Rodrigues, 1992, 2000).

    Comea a ser fomentada a idia de uma abordagemaos fenmenos sociais que coloca em xeque o jogo deinteresses e de poder encontrados no campo de pesquisa.A crtica ao vis por vezes missionrio que facilmente seassocia finalidade conscientizadora e sensibilizadora da pesquisa-ao fornece o substrato crtico necessrio formulao da pesquisa-interveno. Rodrigues e Souzaentendem o diferencial da pesquisa-interveno em relao

    s verses positivistas tecnolgicas de pesquisa precisamente na dissociao operada por essas ltimasentre a gnese terica e a gnese social dos conceitos, pois, para as autoras, trata-se, agora, no de umametodologia com justificativas epistemolgicas, e sim deum dispositivo de interveno no qual se afirme o ato poltico que toda investigao constitui (Rodrigues &Souza, 1987, p.31). A compreenso da pesquisa-ao como uma forma de pesquisa

    participante que no se confunde com esta, no ser desenvolvidano presente trabalho, pois adota a definio de Thiollent no textoem que ele se ocupa de estabelecer tal distino: os partidrios daPP no concentraram suas preocupaes em torno da relaoentre investigao e ao dentro da situao considerada. justa-mente este tipo de relao que especificamente destacado entre

    vrias concepes de PA... Na PP, a preocupao participativaest mais concentrada no plo pesquisador do que no plo pesquisado... a PA supe uma participao dos interessados na prpria pesquisa organizada em torno de uma determinada ao.(1985b, p.83)

    4 Corrente do movimento institucionalista desenvolvida na Fran-a durante as dcadas de 60/70 no seguimento dos trabalhos pre-cursores da Psicoterapia Institucional (Tosquelles, J. Oury, Guattari)e da Pedagogia Institucional (Fonvieille, Vasquez e F. Oury) queteve entre seus principais articuladores os socilogos GeorgeLapassade e Ren Lourau e contou, tambm, com os filsofos dadiferena (Nietzsche, Foucault, Deleuze) em seu aporte terico.

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    Enquanto a pesquisa-ao fundamenta-se nanecessidade de que o agir seja planejado para que sujeitosda pesquisa modifiquem o objeto de pesquisa, para quesuas ferramentas tericas surtam efeitos sobre o campo prtico, no projeto poltico da pesquisa-interveno o quetemos o reequacionamento da relao sujeito-objeto eo redirecionamento da relao teoria-prtica, como

    enfatizado pelos seguintes autores:Se em Lewin (1936/1973) a gnese social do objeto da pesquisa precede gnese terica e metodolgica, na proposta da Anlise Institucional gnese terica e socialso indissociveis. A o momento da pesquisa o momentoda produo terica e, sobretudo, de produo do objeto edaquele que conhece; o momento da pesquisa momentode interveno, j que sempre se est implicado. Se podemos assinalar um carter utilitrio na pesquisa-aoem sua verso praxiolgica, a pesquisa-interveno temcomo mote o questionamento do sentido da ao.(Barros & Passos, 2000, p.73)

    Evidencia-se com isso que no se trata to somentede incluir o pesquisador no campo de suas observaes(como j promulgado pela pesquisa-participante), comotampouco parece suficiente problematizar a relao pesquisador-campo de investigao (mote da pesquisa-ao), se no se aprofundar, tambm, as concepes desubjetividade e cincia com que se orienta a investigao.

    Cabe, por isso, ressaltar que o referidoquestionamento do sentido da ao demanda,inevitavelmente, uma concepo de sujeito distintadaquela que o associou a um e s modo de existnciacircunscrito na modernidade, o modo indivduo.Outorgando-se a tarefa de desvelar a verdade do mundo

    ao ilumin-lo com a prpria racionalidade, o sujeitomoderno paradoxalmente faz da cincia ferramenta deaprofundamento da ciso homem X mundo. Ao negar asformas fragmentrias, mltiplas e diversas com que asubjetividade se produz socialmente, a equivalnciasujeito-indivduo cria uma fantasia unitria e centralizadoraque reduz o conhecimento do mundo quilo que se revela conscincia de seu pretenso senhor.

    A esta viso de homem naturalizado e essencializadocorrespondem as disjunes sujeito/objeto e teoria/prticareferidas nos pressupostos da pesquisa-ao, uma vezque a tentao ao descobrimento de fatores pr-determinados e psicologizao dos problemas sociais parece buscar garantias frente as ameaas que a realidademutante apresenta. As subjetividades do tipo indivduoso, assim,efeitosda serializao capitalstica que investeo desejo como sendo do indivduo e o social como sendoalgo exterior ao mesmo, seja ele construdo a partir dessedesejo individual, seja conformando-o (Barros, 1995, p.9).

    Apoiada nas contribuies de Nietzsche e Foucault, afilosofia da diferena ir trabalhar outra dimenso daconstituio subjetiva na qual a falsa dicotomiaindivduo X sociedade j no se sustenta. Naconcepo de Foucault (1990), a subjetividade aparececomo agenciamento de foras e fluxos do plano do Fora,como uma linha que se inflexiona a partir dessas foras econstitui uma dobra, que, como tal, nunca ser umainterioridade fechada sobre si mesma, seno expresso

    corprea dos regimes de verdade de um tempo. Se contextocultural e determinaes subjetivas so constituies deum mesmo tecido, a questo que se apresenta ao pesquisador social muito mais de apreender osmovimentos coletivos de apropriao e inveno da vidaque favoream a produo de existncias singulares. Trata-se como diz Guattari (1991, p.10) de uma escolha tica

    crucial: ou objetiva-se, cientificiza-se a subjetividade, ou,ao contrrio, tenta-se apreend-la em sua dimenso decriatividade processual.

    ao afirmar esta escolha tica que aquele sentido daao antes visto como um planejamento conjunto de umaao transformadora assume mais a conotao de umainterveno voltada para a produo de acontecimentos.Interveno que carrega em sua etimologia no s osentido de uma intromisso violenta, como se naturalizoucompreend-la, mas no resgate de um Interventioquecontempla a idia de um vir entre, interpor-se(Ardono, 1987). J o acontecimento em foco na pesquisa-interveno no se explica pelo estado de coisa que osuscita, mas pelo momento marcado por umaespontaneidade rebelde. Vai, por isso, sempre almdaquelas condies que o criaram, produz a diferena, oindito, um novo espao-tempo. Na genealogia da Moral, Nietzsche (1998) escreve que todo acontecimentoinscreve-se no mbito dos valores, pois implica sempreuma nova interpretao, um ajuste, que obriga umareviso, um redirecionamento do sentido e finalidadesanteriores ao acontecido. Os valores que se tinha at entoficam obscurecidos, perdem seu sentido requerendo umanova ordem de valores para os novos fins. Afinal: Se aforma fluida, o sentido mais ainda... (Nietzsche, 1998:66)5.Abre-se a a possibilidade de pensar a intervenocomo um caminhar mtuo por processos mutantes que, justo por no poder ser resumida ao encontro de unidadesdistintas (sujeitos da investigao X objetos a sereminvestigados), no pode ser pensada como uma mudanaantecipvel. Ao operar no plano dos acontecimentos, ainterveno deve guardar sempre a possibilidade doineditismo da experincia humana, e o pesquisador adisposio para acompanh-la e surpreender-se com ela.

    A realidade a ser conhecida na perspectiva da diferenarecusa codificaes universais, refuta a reduo das

    multiplicidades e diversidades existenciais a qualquer tipode unidade empobrecedora. No mais como parte de umtodo previamente organizado, a realidade revela-se comorealidade imanente na qual o que existe resultado do

    5 Ainda na anlise do acontecimento em Nietzsche, Roberto Ma-chado observa que Em 1885, partindo da idia de que os maioresacontecimentos chegam mais dificilmente ao sentimento dos ho-mens, Nietzsche escreve que o acontecimento terrvel que foi amorte do Deus cristo ainda ter necessidade de dois sculos paraatingir os europeus. Cf. Fragmentos pstumos, abril-junho de 1885.(Machado, 1997, p.59)6 Na perspectiva de Guattari (1995, p.105) as transformaes davida cotidiana implicam revolues moleculares que no podem

    ser produzidas apenas no plano Molar (das linhas duras,institucionalizadas do desejo) seno na micropoltica do desejo,que conduzam a uma reapropriao coletiva das questes da eco-nomia do desejo.

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    encontro de mltiplas dimenses ou de linhas de fora.Assim vista, assume sua dimenso micropoltica6 o queabre o atual pluralidade das formas de existncia equalifica a transformao enquanto criao de possveis(Rocha & Aguiar, 2003). A conscincia sobre a realidade,nesta leitura, ser sempre parcial, sem a possibilidade dequalquer sntese integradora j que produzida, tambm,

    por subjetividades plurais em permanente conflito queengendram modos inusitados de subjetivao.Os desafios terico-metodolgicos requeridos por tal

    abordagem devero, necessariamente, sofrer as inflexescorrespondentes que instrumentalizem o pesquisador social a trabalhar com os processos de subjetivao queo constituem tanto quanto aos grupos-sujeito de suainvestigao.

    nesse sentido que a interveno se articula pesquisa para produzir uma outra relao entre instituio daformao/aplicao de conhecimentos, teoria/prtica,sujeito/objeto, recusando-se a psicologizar conflitos.Conflitos e tenses so as possibilidades de mudana, poisevidenciam que algo no se ajusta, est fora da ordem,transborda os modelos. Diante disso, ou ocupamos o lugar de especialistas, indagando sobre as doenas do indivduo,ou o de scio-analistas, indagando sobre a ordem daformao que exclui os sujeitos. (Rocha & Aguiar, 2003)

    Implicar-Se Para Conhecer...

    Pois no a implicao, cada vez mais claramente, oobjeto de anlise das relaes que temos com ainstituioe, antes de tudo, com nossa instituio de pertencimentosmais prxima aquela que possibilita nossa insero nassituaes sociais de interveno, de formao e de pesquisa?(Lourau)

    Entre as mximas revolucionrias estampadas nasfamosas pichaes dos muros parisienses do maio de 1968,a tradicional concepo do conhecimento como basenecessariamente anterior a qualquer ao de mudana que preze o rigor seria contestada junto s estruturas de poder autoritrio do Estado. Anunciar junto com A vontadeGeral contra a vontade do General! que Todo conhecer um fazer ou reivindicar tanto quanto A imaginao noPoder que necessrio Transformar para conhecer soilustraes contundentes, no nosso entendimento, de queos planos da Clnica e da Poltica estariam indelevelmenteassociados. No mais numa relao dialtica de mtua

    interferncia, mas a partir de uma perspectiva na qual jno se trata da melhor forma de apreender sujeito e objeto,mas de como acompanhar processos de subjetivao quese objetificam e corporificam no necessariamente emsujeitos individuados. O problema de pesquisa assimcompreendida passaria a ser formulado em termos de comoacompanhar as diversas expresses dos processos deEsquematicamente teramos, ento, as seguintes

    diferenas bsicas:

    PESQUISA- - AO - INTERVENO

    CARTER/FINALIDADE

    IntencionalPlanejadaReflexiva+ Conhecimentos

    Interpor-se / vir entre

    Intruso Interseco

    Mediao

    CONCEPO DOSUJEITO DEPESQUISA

    SUJEITO ATIVO

    Objeto - Sujeito

    MODOS DE SUBJETIVAO

    Processos de Singularizao

    LUGAR DOPESQUISA-DOR Insero do pesquisador no campo Anlise de Implicao

    REFERENCIALMaterialismo-dialticoPsicossociologia

    Filosofia da DiferenaAnlise Institucional

    OBJETIVOFornecer Instrumentos e meios parauma AO TRANSFORMADORA

    Conscientizao

    Criar / identificar dispositivos analisadoresque favoream a PRODUO DEACONTECIMENTOS

    Auto-anlise e Auto gesto

    LEMA Conhecer para Transformar Todo conhecer um Fazer

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    singularizao (Ventura, 1989; Matos, 1981). precisamenteaqui que o conceito-ferramenta da anlise das implicaesaparece como instrumento por excelncia do pesquisador-interventor.

    Enquanto os citados tericos da pesquisa-aoressaltavam os aspectos afetivo/libidinais da relao pesquisador sujeitos pesquisados, os socioanalistas

    cunham o termo anlise de implicao para pr emevidncia o jogo de interesses e de poder encontrados nocampo de investigao.

    Opondo-se ao intelectual neutro-positivista, a AnliseInstitucional vai nos falar do intelectual implicado, definidocomo aquele que analisa as implicaes de suas pertenase referncias institucionais, analisando, tambm, o lugar que ocupa na diviso social do trabalho, da qual legitimador. Portanto, analisa-se o lugar que se ocupa nasrelaes sociais em geral e no apenas no mbito dainterveno que est sendo realizada; os diferentes lugaresque se ocupa no cotidiano e em outros locais da vida profissional; em suma, na histria. (Coimbra, 1995, p.66)

    O princpio norteador deste procedimento o de que aaproximao com o campo inclui, sempre, a permanenteanlise do impacto que as cenas vividas/observadas tmsobre a histria do pesquisador e sobre o sistema de poder que legitima o institudo, incluindo a o prprio lugar desaber e estatuto de poder do perito-pesquisador. Odispositivo saber-poder identificado por Foucault (1978,1979) oferece a ferramenta conceitual necessria para que pesquisador/interventor coloque a instituio pesquisaem anlise.

    Claro est que a concepo de instituio que permiteeste exerccio foi j bem ampliada em relao concepo

    dos primeiros institucionalistas. Inicialmente tomadasapenas em sua forma jurdica ou estrutural, as instituiesquando entendidas como sinnimos de organizaeseram, por isto mesmo, os prprios alvos dos processosde mudana. Os movimentos instituintes questionadoresdas formas estabelecidas dentro das organizaes-clientesdas primeiras experincias psicossociolgicas foramdeslocando o alvo centrado nas prprias instituies-organizaes daquelas intervenes para a rede derelaes de poder nelas presentes que instituam regimesde verdade, valores que passavam a pautar as relaesdentro delas. A este deslocamento crucial operado pelosanalistas institucionais correspondeu, tambm, odeslocamento do conceito de instituio, o qual passa aser entendido como uma dimenso oculta e inconscienteque atravessa os nveis dos grupos e organizaes (oinconsciente poltico), recuperando, com isto, seu carter histrico-poltico. Tal compreenso considerada por Lourau (1995) o salto acrobtico dado sobre asconcepes anteriores por seu parceiro Lapassade revelao aspecto no-natural das instituies que, por istomesmo, devem ser trabalhadas no sentido de resgatar suasinjunes histricas e os processos desejantes que as produziram com a aparncia de algo dado, fixo e eterno(Lourau, 2004; Paulon, 2002; Rodrigues, 2002).

    Colocar a instituio pesquisa em anlise, a partir da, significa incluir desde o questionamento encomendada pesquisa e posio crtica frente a seus solicitantes,

    at a anlise dos aspectos contratransferenciais doanalista-pesquisador, que devem contemplar o lugar de poder e as injunes hierrquicas que sua posio deconsultor/perito na interveno inevitavelmente lheoutorga. Estar implicado (realizar ou aceitar a anlise deminhas prprias implicaes) , ao fim de tudo, admitir queeu sou objetivado por aquilo que pretendo objetivar ;

    fenmenos, acontecimentos, grupos, idias, etc. (Lourau,2004, p.148).Esquematicamente, Lourau (1997) distinguiucinco categorias para os mltiplos contedos a seremanalisados no processo de pesquisa: As implicaes, por ele chamadas de Primrias, referem-se s 1) implicaesdo pesquisador-praticante com seu objeto de pesquisa/interveno; 2) com o local, organizao em que se realizaa pesquisa ou a que pertena o pesquisador e, principalmente, com a equipe de pesquisa/interveno;3) implicao na encomenda social e nas demandas sociais. No plano das implicaes secundrias o autor aindaaponta; 4) implicaes sociais, histricas, dos modelosutilizados (implicaes epistemolgicas); e 5) implicaesna escritura ou qualquer outro meio que sirva exposioda pesquisa.

    Conquanto todo esse esforo empreendido pelostericos da instituio em problematizar seus aspectoscontratransferenciais, debatendo, inclusive, longamentecom a psicanlise a partir dos conceitos de transfernciae contratransferncia a importncia da incluso dessasrelaes no campo de anlise, Lourau no considera estaimportante ferramenta conceitual devidamente exploradano campo socioanaltico. Numa tentativa de compreender esta significativa contradio identificada entre osinstitucionalistas, ele afirma:

    A teoria da implicao conserva aspectos negativos,agressivos,voyeuristas (mexe na merda!)ou exibicionistas(accounts ntimos, ou muito ntimos, na tcnica diarstica,trate-se do dirio de campo, do dirio de pesquisa ou dodirio institucional). Existe tambm o risco de delao.Enunciar no denunciar, salvo quando nos desimplicamos,quando nos abstramos da situao, assumindo uma posturaobjetivista clssica. Os limites da enunciao coletiva soconhecidos. O segredo existe como condio imaginriaou real de sobrevivncia. (Lourau: 2004, p.240)

    Como se pode da depreender, a anlise de implicaes para ser efetivamente tomada como ferramenta

    fundamental no trabalho da pesquisa-intervenoempreendida pelos socioanalistas precisa superar, emmuito, aquela concepo inicial (mas no menosrevolucionria ao pensamento cientfico caracterstico damodernidade) que meramente considerava os aspectosrelativos presena do pesquisador no campo de pesquisa. A ruptura epistemolgica e paradigmtica, janunciada naquelas primeiras elaboraes, mantm-se,entretanto, no escndalo da noo de implicao como designada por Lourau. E por situ-la no prolongamento do escndalo psicanaltico que elereconhece contudo, que existem contradies entre este projeto cientfico/poltico de anlise das implicaes e osentido positivo ou positivista da cincia (Lourau,1993 , p.17).

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    Paulon, S. M. A Anlise de Implicao como Ferramenta na Pesquisa-interveno.

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    Se, entretanto, acompanharmos o argumentoresultante da longa trajetria de experimentaes ereflexes acerca da complexidade inerente ao ato de pesquisar e entendermos a ao de pesquisa como umainterveno no rastro dos acontecimentos, nosmovimentos criativos de novas formas de subjetivao,tanto quanto de produo de conhecimento, nos

    alinharemos s compreenses scio-analticas quandoafirmam a cientificidade da pesquisa justamente ali nasuperao do maniquesmo objetividade-subjetividadeque por tanto tempo demarcou fronteiras entre o empricoe o cientfico. Como ressaltado por Barros e Passos (2000:73): na pesquisa-interveno o que interessa so osmovimentos, as metamorfoses, no definidas a partir deum ponto de origem e um alvo a ser atingido, mas como processos de diferenciao.

    Como metamorfoses no podem mesmo ser apreendidas por uma dada tcnica nem pode haver garantia de fidedignidade informao que tenta congelar o processo que procura estudar, a interveno de quetrata esta modalidade de pesquisa trabalha no sentido de produzir ou identificar possveis analisadores. Outroconceito-ferramenta legado pelo movimentoinstitucionalista, o analisador refere-se a todo dispositivorevelador das contradies de uma poca, de umacontecimento, de um momento de grupo e que permita, a partir de uma anlise de decomposio do que apareciaat ento como uma totalidade homognea (uma verdadeinstituda), desvelar o carter fragmentrio, parcial e polifnico de toda realidade. por isto que ossocioanalistas so categricos ao afirmar que o analisador deve substituir o analista de qualquer modo, na realidade, sempre o analisador que dirige a anlise ... (Lourau,2004, p.84). Mas indo alm do que o intelectualcomprometido, para Sartre, ou o intelectual orgnico, para Gramsci, j faziam ao assumirem suas adesesvoluntrias s causas polticas nas quais se inseriam, ointelectual implicado procura no se retirar dos efeitosanalisadores do dispositivo de interveno, j que ele sedefine pela vontade subjetiva de analisar at o limite asimplicaes de seus pertencimentos e refernciasinstitucionais (Lourau, 2004:147) ao colocar no centroda investigao aquilo que os neutralistas julgavam comolixo ou inconvenientes da investigao cientfica.

    A ttulo de ilustrao de como a anlise de implicaodo pesquisador pode mudar os rumos de uma interveno,citamos brevemente um acontecimento que emergiu comoum analisador do processo grupal com uma das equipesda pesquisa aqui discutida (conforme nota 1). Naseqncia dos grupos de discusso propostos vnhamosanalisando que, entre as vrias dificuldades enfrentadas pela equipe na estruturao daquele servio substitutivo pelo qual todos haviam trabalhado arduamente, estava adificuldade de se apropriarem de seu fazer inventivo comoum know-howprprio que vinham no s construindocomo experimentando em resultados efetivos. Nossa posio como equipe pesquisadora/interventora nestesgrupos era sempre a de problematizar tal dificuldade e propor que pensssemos o que a determinava,

    construindo, assim, coletivamente suas possibilidades desuperao. Neste nterim, envolvemo-nos na organizaode um evento comemorativo ao dia nacional da luta anti-manicomial na universidade promotora da pesquisa econvidamos uma ex-gestora para divulgar aquelaexperincia inovadora, ao invs de propor que o grupodelegasse sua representao a quem lhes aprouvesse. A

    imediata reao gerada no grupo contra o queconsideraram, no sem justificativas, uma traio nomnimo contraditria de nossa parte como pesquisadorasmotivou-os a me convocarem para uma reunioextraordinria, na qual fui sabatinada e criticada comindignao proporcional ao desrespeito sentido por minhaatitude. Ao colocar meu ato-falho em anlise coletiva, propor ao grupo que entendssemos suas mltiplasdeterminaes, no me esquivar da intensidade projetivade que me tornei alvo, mas tambm no assumi-las comosintoma individual - j que expressavam exatamente todatrama institucional de que vnhamos nos ocupando - pudeacompanhar um dos momentos mais potencializadoresdaquele grupo. Ao analisador falha-nossa no convite participao no evento acadmico sucedeu-se oacontecimento briga em defesa de falarem em voz prpriaque desmistificou o lugar de despossudos de um saber prprio dos trabalhadores da equipe e descristalizou ainstituio saber at ali colada figura do especialista/ pesquisador/acadmico por mim encarnado.

    Tal como o processo aqui relatado, a anlisemicropoltica das produes coletivas viabilizadas pela pesquisa-interveno vem-se mostrando uma rica edesafiadora abordagem da realidade social que, quandoconcebida em toda sua multiplicidade e complexidadehistrica e poltica, no cabe em categorias gerais pr-formuladas nem pode ser circunscrita em modelos econceitos pressupostos.

    Os caminhos que se abrem pela perspectiva de anliseanunciada, as polmicas injunes institucionais com asquais um grupo de pesquisa se defronta ao adotar ametodologia da pesquisa-interveno, as dores edelcias de sermos o que somos, de fazermos as escolhasmetodolgicas que fazemos sero tema de discusso deoutros trabalhos7. Por ora fiquemos com a curiosasinalizao do autor que veio nos acompanhando:

    Uma vez mais quero afirmar que a Anlise Institucionalno pre tende fazer milagres. Apenas considera muitoimportante, para a construo de um novo campo decoerncia, uma relao efetiva, e ntida, com a libido ecom os sentimentos em geral. A teoria da implicao, nsveremos, tem qualquer coisa que flerta com a loucura.(Lourau, 1993, p.19)

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    7 Referimo-nos, aqui, aos outros trabalhos: A Cidade comoDispositivo na Desinstitucionalizao da Loucura e Das mltiplas

    formas de habitar uma Morada: A produo do cuidado em umServio Residencial Teraputico, nos quais so discutidos resultadosda pesquisa aqui referida e retomada parte das questesmetodolgicas abordadas no presente artigo.

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    Simone Mainieri Paulon professora do Curso de Psicologiada Universidade do Vale do Rio dos Sinos. psicloga,

    especialista em Psicologia Social, Mestre em Educao e Doutora em Psicologia Clnica. Endereo: Av. Dom Pedro II,

    1610, 101, Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected]

    Simone Mainieri PaulonA anlise de implicao como ferramenta na pesquisa-interveno.Recebido: 16/11/20041 reviso: 09/08/20052 reviso: 10/10/2005

    Aceite final: 24/10/2005