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MAIO 1,50 A “SAGRES” NO CABO HORN

A “SAGRES” NO CABO HORN€¦ · guarnições foram momentos memoráveis. Vá-rias minhotas trajadas a rigor deram alegria e cor ao cortejo em que cada navio seguia com a comunidade

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MAIO € 1,50

A “SAGRES” NO CABO HORN

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Publicação Oficial da Marinha

Periodicidade mensal

Maio 2010

DirectorCALM EMQ

Luís Augusto Roque Martins

Chefe de RedacçãoCMG Joaquim Manuel de S. Vaz Ferreira

Redacção1TEN TSN Ana Alexandra Gago de Brito

Secretário de RedacçãoSAJ L Mário Jorge Almeida de Carvalho

Colaboradores PermanentesCFR Jorge Manuel Patrício Gorjão

CFR FZ Luís Jorge R. Semedo de MatosCFR SEG Abel Ivo de Melo e Sousa1TEN Dr. Rui M. Ramalho Ortigão Neves

Revista da ArmadaEdifício das Instalações

Centrais da MarinhaRua do Arsenal

1149-001 Lisboa - PortugalTelef: 21 321 76 50Fax: 21 347 36 24

http://www.marinha.pt

[email protected]

Paginação electrónica Macfinal, Lda.

Rua Lalande, 17 - 7º Esq.Lisboa

Tiragem média mensal:6000 exemplares

Preço de venda avulso: € 1,50Registada na DGI em 6/4/73

com o nº 44/23Depósito Legal nº 55737/92

ISSN 0870-9343

SUMÁRIO

da.

PROGRAMA DO DIA DA MARINHA 2010 2“O MAR É UMA JANELA DE LIBERDADE PORTUGUESA” 8DA INTRODUÇÃO DA TSF ÀS MODERNAS TCI’s. 100 ANOS QUE HONRAM A MARINHA 10ACADEMIA DE MARINHA / CONFERÊNCIA NO KING’S COLLEGE LONDON 12O PAPEL DOS SUBMARINOS NAS OPERAÇÕES CONJUNTAS E COMBINADAS 13REFERÊNCIAS GEOGRÁFICAS 7 16A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (8) 24TOMADAS DE POSSE / ENTREGAS DE COMANDO 25E JÁ PASSARAM 50 ANOS! / ENCONTRO NACIONAL DE COMBATENTES 27PRÉMIO NACIONAL DA SAÚDE 2009 / VIGIA DA HISTÓRIA 21 29HISTÓRIAS DA BOTICA (74) 30”POLÍTICA DE DEFESA NACIONAL E ESTRATÉGIA MILITAR” / O PRIMEIRO MOTOR DA “SAGRES” / PROJECTO “LIMPAR PORTUGAL” 31QUARTO DE FOLGA / LANÇAMENTO LIVRO / CONVÍVIO 33NOTÍCIAS PESSOAIS / CONVÍVIOS 34NAVIOS DA REPÚBLICA CONTRACAPA

REVISTA DA ARMADA MAIO 2010 3

O mar de hoje

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Apresentação do opúsculo sobre “Virtudes Militares”

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A “Sagres” no Cabo Horn

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AOS CADETES DA ESCOLA NAVAL

MAIO € 1,50

A “SAGRES” NO CABO HORN

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A opulência arquitectónica da cidade de Buenos Aires e o seu ar cosmopolita europeu são a imagem refinada deste

país colossal. A Argentina, estendendo-se do Trópico até à Antárctida e dos Andes até ao Atlântico, detém recursos naturais inimagi-náveis. Desta riqueza material, destacamos uma ampla carta de vinhos e a carne bovina, que sustentam uma gastrono-mia riquíssima. Também na cultura, os Porteños podem ombrear com o velho continente. Orgulhosos da cria-ção do Tango, preservam o bairro que o viu nascer. No El Caminito, o tango dançado na rua funde-se com o fana-tismo do futebol, as crianças imitam o ídolo nacional Maradona, ao som das guitarras que entoam a sua mú-sica. Apesar de estar longe da pátria e de se encontrar banhada nesta des-lumbrante cultura argentina, a coe-sa Comunidade Portuguesa preserva afincadamente as nossas tradições e recebeu-nos de forma entusiasta. A sua visi-ta ao navio e a sua participação no desfile de guarnições foram momentos memoráveis. Vá-rias minhotas trajadas a rigor deram alegria e cor ao cortejo em que cada navio seguia com a comunidade respectiva. Durante a estadia sentimo-nos constantemente acarinhados e por consequência, muito orgulhosos por tra-zer Portugal aos nossos emigrantes. Num acto de solidariedade ímpar, este organizado gru-po reuniu uns simbólicos seiscentos quilos de ajuda humanitária. Alguns medicamentos e leite em pó, que o navio transportará até às ví-timas do sinistrado Chile. As caixas continham etiquetas com o incentivo “Fuerza Chile”. Nada melhor que alguém que reconstruiu a vida nou-tro país para reconhecer o esforço necessário para re-construir a vida no nosso próprio país. Estes portu-gueses foram pedra basilar na consolidação desta vi-sita na nossa memória fu-tura. Também neles estava estampado o orgulho de poderem mostrar esta “Sa-gres” bem portuguesa aos seus descendentes, amigos e colegas.

Várias recepções e várias homenagens fizeram parte deste que é o contributo da Marinha Argentina para as celebrações do bicentenário do país. A população acorreu em força a visitar os na-vios e totalizou-se num só dia um número de visitas que não se atingia desde a presença do navio na Expo98: 22 640 pessoas! Na recep-ção a bordo, o Bacalhau e o Pastel de Nata

receberam, uma vez mais, os melhores elo-gios dos nossos convidados. Contámos com a presença do Almirante Omar Godoy, CEMA Argentino, de elementos do Corpo Diplomá-tico, Autoridades Civis e Militares, pessoas de cultura, etc..

Nesta cidade desembarcaram o Oficial e

Guarda-marinhas Argentinos que nos acompa-nhavam desde Mar del Plata, e recebemos um grupo de Guarda-marinhas Chilenos que nos acompanharam até Ushuaia. Oportunidade para conhecermos melhor as suas marinhas e países e eles nos conhecerem a nós como Ma-rinheiros e como Portugueses. Foi um convívio muito interessante que demonstrou a facilida-de de entendimento entre marinheiros e que permitiu criar laços de amizade.

Antevendo também as dificuldades do clima que iríamos enfrentar, o nosso sistema de apoio logístico conseguiu colocar a bordo, em tempo recorde, os necessários reforços de agasalho. Basicamente roupa interior térmica, gorros e

protecção para pescoço. A nossa “Sagres” é o único navio do grupo que tem a ponte a céu aberto. – Bravos, estes portugueses! Dizem os camaradas dos outros navios.

Por fim, revigorados e com o sentido de mis-são cumprida, largámos dia nove de Março, em direcção à Região da Patagónia Argentina

e Tierra del Fuego. Foi de forma inquestioná-vel que a capital Argentina conseguiu superar as nossas melhores expectativas. Até ao oce-ano ainda seriam 15 horas de navegação em canais estreitos.

A jornada para o Sul foi desgastante. Apro-veitámos os primeiros dias para treinos e ma-

nutenções que sabíamos não serem possíveis de realizar no próximo mês devido ao frio esperado. Cedo se apro-xima uma depressão muito cavada e seria insensato apanhá-la em mar aberto. Fomos obrigados a procurar abrigo. Curiosamente, buscámos re-fúgio no Golfo de San Matías. Neste local, há quase cinco séculos atrás, também Fernão de Magalhães parou na sua demanda da passagem para as Molucas. Por estarmos a percorrer os mesmos caminhos deste ilustre nave-gador português, vários elementos da guarnição desenvolveram um interes-sante estudo sobre a sua vida. O livro

Fernão de Magalhães – Para Além do Fim do Mundo, está entre os mais requisitados, pas-sando de mão em mão, tem satisfeito a ânsia de conhecimento de muitos curiosos. Discu-tem-se os seus métodos, a sua perseverança e a sua bravura. Procuram-se nas cartas náuti-cas os locais referidos por António Pigafetta, o cronista que permitiu que os seus feitos não fossem escamoteados.

De capa, apesar da protecção do golfo, ain-da fomos varridos por ventos na ordem dos quarenta e cinco nós. A sua passagem, dei-xou algumas marcas no velame, razão pela qual, tivemos que fazer algumas reparações. Desenvergar a Gávea Baixa, que ficou com

uma costura aberta de alto a baixo, empenhou muita mão-de-obra. No corredor do Paiol do Mestre, a vela adquire outras proporções, a Cruz de Cristo que lá no alto parece pequena, tem agora o tamanho de um homem. Os paioleiros lide-ravam uma vasta equipa de ajudantes, que com a aju-da da máquina de coser, repararam o estrago causa-do pelo vento. O trabalho é feito com profissionalismo e boa disposição.

Após alguns dias de mau tempo, em que a temperatura média do ar baixou 20ºC e a água do mar 15ºC, passámos pelo Cabo Virgens que marca a entrada do Es-treito de Magalhães e entrámos o Estreito de Le Maire, entre a Tierra del Fuego e a Isla de Los Estados, onde se situa o farol de San Juan del Salvamento, imortalizado por Júlio Verne

4 MAIO 2010 REVISTA DA ARMADA

Navio-Escola “Sagres”Volta ao Mundo 2010

A “Sagres” nas “TERRAS DO FIM DO MUNDO”.

3ª PARTE

O trajecto da “Sagres” entre Ushuaia e Punta Arenas, com passagem pelo Cabo Horn.

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como o farol do Fim do Mundo. Seguiram-se as águas calmas do Canal do Beagle.

Nestas terras do fim do mundo, uma linha ténue serve de fronteira. A estibordo os pin-guins são argentinos, a bombordo as praias e ilhas pejadas de leões-marinhos são chilenas. Chegámos ao nosso destino a dezanove de Março, um dia mais cedo do que o previsto. Uma vez mais, o clima inóspito obrigava-nos a alterar o planeamento. A previsão de ventos fortes levou-nos a antecipar a atracação na ci-dade mais austral do mundo, Ushuaia.

A cidade de Ushuaia é relativamente recen-te, actualmente tem cerca de 80 000 habitan-tes, cresceu em torno de uma prisão de alta segurança de criminosos perigosos e presos políticos, construída nos anos 1930’s, à seme-lhança de Alcatraz. Para além do propósito intrínseco, a sua construção teve também o objectivo estratégico da Argentina povoar território onde as dis-putas na delimitação da fronteira com o Chile foram uma rea-lidade relativamente recente.

Os próprios presos foram construindo in-fra-estruturas como o molhe do porto e vias de comunicação ro-doviária. As fugas do presídio não eram im-possíveis, no entan-to a inospitalidade da região não lhes dava alternativa senão re-gressar e pedir abrigo. Ushuaia está rodea-da por alta montanha com neves permanen-tes e banhada por mar gélido, ao que acresce o vento frequentemente fustigante. Actualmen-te o presídio é um museu que está inserido no recinto da Base Naval Austral. A cidade vive so-bretudo do turismo que as estâncias de esqui e as expedições à Antárctida fomentam.

O frio intenso acompanhou toda a estadia mas as tréguas do vento, com excepção do primeiro dia, permitiram desfrutar do porto sem problemas.

Cumprimos de forma pomposa o nosso pro-grama protocolar. Este tinha o seu ponto alto na recepção oferecida pelo navio à popula-ção do Ushuaia. Esta recepção contou já com o Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar (SEDNAM), Dr. Marcos Perestrello, e o Chefe do Estado-Maior da Ar-mada (CEMA), Almirante Melo Gomes. Desta forma, Portugal fez-se representar da melhor forma nas comemorações do bicentenário re-alizadas no último porto argentino e no pri-meiro porto do Chile, aproveitando o trânsito a bordo da “Sagres”. A recepção foi um su-cesso completo pois contou com a presença das mais altas entidades locais, que incluíram a Governadora e o Intendente (Presidente do

Município), além das chefias militares. Durante a recepção decorria também um concerto no cais, que antecedeu o fogo-de-artifício de en-cerramento das comemorações, parecendo ter sido pedido de encomenda para nós. O even-to terminou com muitos abraços de despedida de gentes de um país e Marinha amigos que foram inexcedíveis para que nos sentíssemos bem em sua casa.

Largámos a vinte e três de Março caçando pano logo em frente ao cais enquanto actuava uma banda. Seguimos à vela pelo canal cujo nome corresponde ao navio de Charles Da-rwin, o “Beagle”, que descobriu esta passagem em 1826, mais de 300 anos após os feitos de Magalhães. O primeiro dia de navegação foi aproveitado, quer pelo SEDNAM, quer pelo CEMA, para conhecer o quotidiano de bor-do e a sua guarnição. Rapidamente a vida de

bordo proporcionou aos convidados momen-tos únicos. O CEMA comprovou inequivoca-mente que existem ensinamentos que nunca se esquecem. Todos os conhecimentos que ha-via apreendido enquanto cadete foram recor-dados pela maresia da “Escola Sagres”. Assim, mostrou uma enorme destreza, efectuando a tradicional subida aos mastros, até ao cesto do joanete do grande. O SEDNAM, contagiado pelo espírito marinheiro, tratou também ele de não se fazer rogado. Prontamente aceitou o desafio de escalar as imponentes enxárcias. Ambos revigoraram-se com a vista oferecida sobre os canais fueguinos e as suas cordilhei-ras cobertas de neve. Navegou-se durante a noite passando o Cabo Horn para Oeste, ga-nhando posição para o grande momento que todos esperávamos.

Na manhã de vinte e quatro de Março, ma-drugámos para fazer história. Conjuntamente com mais dez veleiros, que integram o festival comemorativo do bicentenário de alguns dos seus países – Velas SudAmérica 2010 – formá-mos um dispositivo naval centrado no navio--escola “Esmeralda” da Marinha Chilena. Este

desfile perfilou-se perante a porção mais ao Sul do continente americano. A presença de vento de feição permitiu caçar todo o pano e, navegando à vela, escrever uma nova página nos longos anais da “Barca” – o dia em que a “Sagres” dobrou o Cabo Horn à vela.

O êxtase da efeméride foi vivido de inúme-ras formas. Uma chuva de fotografias imorta-lizou este dia histórico. Efectivamente o Horn foi criando fama pelas piores razões! São inú-meros os naufrágios, mesmo ainda hoje, tan-to mais que são muitos os que o continuam a desafiar quer pela aventura quer pela necessi-dade das rotas comerciais, existem super pe-troleiros que ainda não passam no Panamá. Só no século XX são 16 os grandes naufrágios a contribuir para a fama. Situado na latitude dos 56º S, onde os ventos fortes, predominan-temente de W, têm todo o espaço para crescer

ainda mais, e ao que acresce a rapidez com que a meteorologia se altera, desafiando quaisquer previsões. Paralelamente, tam-bém a ondulação cres-ce, numa latitude em que as massas de ter-ra são poucas para a amenizar.

O orgulho de per-tencer ao grupo restri-to de marinheiros que dobraram este mítico cabo era visível no rosto de toda a guar-nição. Aproveitando o momento, reuniu-se a guarnição no poço, para que fossem profe-ridas umas breves pala-vras, complementadas com um brinde. As palavras do Almirante

CEMA enalteceram as virtudes dos homens que tornaram este momento possível. Com o habitual Porto de Honra, brindou-se “À Sagres! À Marinha! E a Portugal!”.

Após este momento, que nos irá acompa-nhar para o resto da vida, rumámos sem de-moras para a protecção do Canal do Beagle. Na verdade tínhamos uma janela de 36 horas para tentar a passagem, mas esta teve que ser antecipada devido a uma tempestade que se aproximava rapidamente. A caminho de Punta Arenas, a rigorosa navegação nas águas perigo-sas dos canais da Tierra del Fuego teve vários momentos de interesse. Relembramos a nave-gação acompanhada da fauna local. Por várias vezes, fomos visitados por grupos de leões-ma-rinhos, que nas praias em nosso redor, aprovei-tam os últimos raios solares do verão austral. Recordamos também a visita a um dos vários glaciares por onde passámos e onde oportu-namente se recolheu algum gelo milenar, que a bordo refrescou as bebidas.

A beleza deslumbrante dos canais rapida-mente nos transportou ao Estreito de Maga-lhães. Nas suas águas realizámos um simbóli-

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O SEDNAM no papafigo do mastro grande. O ALM CEMA subindo ao joanete do mastro grande.

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co acto de cerimonial marítimo. Formámos e ocupámos postos de honras militares a nave-gar. Leu-se uma distinta alocução evocativa, que realçava o carácter extraordinário deste navegador português. Terminadas as como-ventes palavras em sua honra, o SEDNAM, o CEMA e o Comandante lançaram, conjunta-mente, às águas abençoadas do estreito, uma coroa de flores. A execução de três Vivós con-cluiu a simbólica cerimónia.

Finda esta etapa recheada de emoções, avis-támos Punta Arenas, a Cidade do Estreito. O pequeno cais disponível criou a necessidade de atracar de braço dado. Tal situação antevia uma cidade também ela pequena. Na verdade esta cidade recente, com aproximadamente cento e cinquenta anos, é um baluarte da cultura Ma-galhânica. Por todo o lado se podem observar bandeiras e outros ornamen-tos, baseados no brasão de armas do navegador. O expoente máximo des-te respeito vive -se na praça principal do município. No centro da praça Muñoz Gamero encontra-se uma im-ponente estátua do descobridor por-tuguês, sobre uma peça de artilharia da época. Esta obra de arte cuja ré-plica se encontra no centro da Praça do Chile em Lisboa, em que a única diferença reside no pedestal, aqui ornamen-tado com dois índios das terras patagónicas, que são protagonistas da lenda: “Quem beijar o dedo grande do pé do índio fueguino, volta-rá a Punta Arenas!”

Esta cidade, actualmente com 160 000 ha-bitantes, foi muito próspera entre meados do século XIX e a abertura do Canal do Panamá em 1914, que veio desviar as rotas comerciais, no início do século XX. Por aqui passaram, nesse período dourado, os grandes veleiros da rota do salitre (nitrato de potássio usado na indústria do armamento) – entre a Europa e Valparaiso. Ainda se podem observar na zona ribeirinha da cidade as imponentes carcaças de vários grandes veleiros dessa época.

Uma parte do património arquitec-tónico foi construído graças à fortuna do imigrante e investidor português Don José Nogueira, proprietário de uma frota pesqueira e de ganadarias nos tempos áureos da cidade e do estreito. Disso são exemplos o Hotel Nogueira e o riquíssimo palácio do Club la Unión, onde Sir Ernest Shack-leton veio pedir apoio financeiro para resgatar o seu navio “Endurance” e a sua tripulação que ficaram presos no gelo durante a expedição de 1914 à Antárctida.

Aos portugueses presentes, juntou -se uma comitiva da Câmara Municipal de Sabrosa, li-derada pelo seu Presidente, Dr. José Marques, que aproveitou a viagem da “Sagres” para es-treitar relações com esta Cidade de Magalhães, e oferecer o busto que viajou a bordo desde Portugal. Entre estas actividades destaca-se a cerimónia de entrega do busto de Fernão de

Magalhães à Municipalid de Punta Arenas. Esta representação em bronze do navegador, oferecida pela terra que o viu nascer e que, se-tenta dias depois de largar de Lisboa, chegou ao seu destino final. Perfilado à direita, voltou a contemplar a costa que corajosamente des-mistificou e o estreito que mais tarde foi bap-tizado com o seu nome, gozando do respeito e da admiração deste povo orgulhoso da sua herança.

Ao programa protocolar geral que contem-plou várias recepções e homenagens, entre elas a Missa do Bicentenário e em memória das vitimas do sismo do Chile, na Catedral da

cidade. Houve várias trocas de lembranças e as mais apreciadas eram os diplomas ou teste-munhos da passagem pelo mítico cabo. “Ven-cedores del Cabo de Hornos” estava gravado nas medalhas de lenga, a madeira da região, ornamentadas com o albatroz, a ave típica do Horn que está simbolizada num monumento que só quem por lá passa pode apreciar. O programa específico da “Sagres” e das entida-des portuguesas presentes incluiu a cerimónia de desembarque do busto, as visitas à Escola Portugal e à Escola Fernão de Magalhães, onde fomos presenteados com espectáculos reali-zados pelos alunos, um jantar oferecido pela

cidade em nossa honra, e culminou com uma sessão da Assembleia Municipal em que foram entregues as Chaves da Cidade ao SEDNAM, ao CEMA e ao Presidente da Câmara Munici-pal de Sabrosa.

A recepção a bordo contou com a presen-ça das mais destacadas entidades que fizeram questão de retribuir o destaque que Portugal deu à sua grande comemoração, facto que foi

muito destacado pelos órgãos de comunica-ção social e pelo público em geral através da afluência à “Sagres”, nas visitas às escolas e na inauguração do busto.

A comitiva do SEDNAM e do CEMA desem-barcou no dia vinte e nove de Março. Antes das devidas honras militares, dirigiram -se à guarni-ção, reconhecendo a importância desta missão e valorizando o esforço de todos os militares embarcados no cumprimento da mesma. Estas palavras foram um valioso incentivo para estes valorosos marinheiros que durante um ano vão estar privados do conforto dos seus lares e das suas famílias. Motivados pelo reconhecimento

estão prontos para vencer as milhares de milhas que ainda têm pela proa e superar as eventuais dificuldades que se apresentem.

Dois dias depois largámos de Pun-ta Arenas e desfilámos, todos os na-vios a todo o pano, proporcionando um espectáculo que ninguém sabe quando se poderá repetir mas que a população da cidade merece pelo forte acolhimento. Estes navios são muito trabalhosos para as suas guar-nições. Exigem muitos polimentos, muita limpeza e muita arte de mari-nheiro. O melhor retorno que pode-mos ter é a visita e a apreciação do

público anónimo.Rumámos a Valparaiso, aproveitando o abri-

go das cerca de novecentas milhas de mara-vilhosos Canais Chilenos. Trinta milhas em desfile até à Punta del Hambre, continuando já sem velas pelo Estreito de Magalhães, pas-sando o Cabo Forward, extremidade Sul do Continente Americano, e entrando no Paso com o mesmo nome. O dia, que tinha estado soalheiro até ali, tornara-se muito ventoso, frio e com chuviscos. Seguiu -se o Paso Inglês e o Tortuoso já noite dentro. Nesta altura poderí-amos ter continuado para o Oceano Pacífico pelo Estreito, mas a nossa opção foi seguir ao

abrigo dos canais interiores. Prosse-guimos pelo Canal Smith, passámos o Paso Shoal, uma passagem estreita com vários navios encalhados à vista. Estes testemunhavam as dificuldades da passagem e aconselhavam a caute-la máxima. Depois do Paso Summer, entrámos o Estrecho Collingwood e passámos mais alguns Pasos que nos levariam ao Canal Sarmiento, rectilí-neo ao longo de 50 milhas e que nos iria dar algum descanso.

Navegam agora connosco dois Oficiais da Marinha chilena que nos apoiam na navegação interior e o fo-tógrafo chileno radicado em Portugal

há 30 anos, Roberto Santandreu. Co-autor com José Carlos Nascimento das fotos do livro que consideramos ser a bíblia dos Faróis de Portu-gal: “Onde a terra acaba” (Pandora – 1998), es-crito pelo Comandante Teixeira de Aguilar.

O dia dois de Abril amanheceu limpo e a re-velar a paisagem espectacular das montanhas à nossa volta, verdes cá em baixo e brancas da neve nos cumes. Os nossos convidados, pro-

6 MAIO 2010 REVISTA DA ARMADA

Cerimónia de entrega do busto de Fernão de Magalhães a Punta Arenas.

O Presidente da Câmara de Sabrosa e o Alcaide de Punta Arenas junto ao busto de Fernão de Magalhães.

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puseram que visitássemos Puerto Edén, uma aldeia piscatória apenas com acesso por mar e a mais de 500 km da civilização, tida como último reduto dos Alacalufes, o povo original desta região. Como se situava na zona de es-pera para a passagem da Angostura Inglesa, estava em aberto a possibilidade de se dar lá um salto enquanto se aguardava a maré. Uma Angostura é uma zona estreita e mais sinuosa que um Paso e esta tinha que ser passada du-rante o dia e no estofo da maré. A velocidade que estávamos a fazer não permitia folgas pelo que destacámos o bote semi-rígido com um grupo para ir visitar o Puerto Edén e regressar a bordo à passagem do navio. Fez-se uma visita rápida a uma aldeola com menos de 200 habitantes mas com polícia, escola, capitania e centro de saúde. Numa lojinha fizeram -se trocas comerciais com o dinheiro disponível reforçado com maços de tabaco. Uma grande quantidade de mexilhão fresco e 10 kg de congelado. Luz eléctrica, internet e parabólicas eram indício de que aqui não havia nenhuma comuni-dade em estado puro. Mas estas foram as primeiras pessoas que avistámos desde Punta Arenas, além de um pe-queno veleiro que lutava numa bolina cerrada contra um vento de 25 nós que se fazia sentir alinhado com o Canal Sarmien-to. Os Alacalufes eram caçadores colectores nómadas marítimos que se deslocavam em canoas pelo labirinto dos canais e se alimen-tavam de mamíferos marinhos e moluscos. Há teorias que defendem que são os antepassados dos japoneses – os olhos ligeiramente rasgados poderão ser um indício disso. Os outros povos nativos da região por onde passámos são os Yá-manas, que viviam entre o Estreito e o Cabo Horn, com um estilo de vida semelhante a estes, e os Onas, caçadores nómadas terres-tres que ocupavam toda a extensão da ilha da Tierra del Fuego, sustentando-se de vegetais, moluscos e Guanacos ou Lamas que caçavam. Mas os Tehuelches é que impressionaram Magalhães e as suas tripulações: caçadores nómadas de grande estatura vestiam capas feitas com treze peles de Guanaco e usa-vam peles para proteger os pés que lhes davam um ar sobredimensiona-do. Chamaram-lhes os Gigantes Pata-gões, e à sua terra a Patagónia. Caça-vam Guanacos e Emas.

De regresso a bordo, rapidamente se organizou uma faina de limpeza do petisco que seria a entrada para o jan-tar de toda a guarnição, com tomate e cebolada. Era sexta-feira Santa e, de-pois do bacalhau do almoço, comemos peixe assado no forno ao jantar. Muitos comentaram o costume de neste dia, tal como foi a bordo, comerem percebes ou mexilhões. A Páscoa é uma festa móvel precisamente para que coin-cida com o Domingo seguinte a primeira Lua Cheia após o Equinócio da Primavera, o que dá sempre maré viva e proporciona a apanha destes mariscos.

Saímos o Canal Messier para entrar no Golfo de Penas e fazer uma travessia de 160 milhas até entrar de novo nos Canais Chile-nos e prosseguir abrigado da ondulação oce-ânica. Foi o nosso primeiro contacto com o Oceano Pacífico onde apanhámos ondula-ção longa, de 3 metros, pelo través. Esta era uma travessia aguardada, sem o stress de na-vegar em águas tão restritas, mas o descan-so foi estragado pelo balanço forte. O vento era fraco e sem ele não podemos utilizar as velas latinas como estabilizadores. Na verda-de, desde o desfile de Punta Arenas que não caçámos pano pois o vento ou é muito fraco

devido ao abrigo das montanhas ou vem forte de proa, alinhado com os canais. A variação muito rápida da meteorologia que tem ocor-rido também nos tem aconselhado a não ar-riscar a ter pano.

O jantar de sábado, três de Abril, já foi sem balanço, com protecção da entrada do aperta-do Canal Darwin e da sinuosa ligação ao Canal Moraleda que nos conduziu durante a noite ao grande Golfo Corcovado, entre a Isla Chiloé e o Continente. De novo a navegar em canais, pairámos na Bahía de Chaitén para se proceder à mudança do óleo do motor. Oportunidade para as duas semi-rígidas darem um salto à lo-

calidade com um grupo que incluía os nossos convidados. Chaitén é quase uma cidade fan-tasma desde que o Vulcão com o mesmo nome entrou em actividade em 02MAI2008. O Rio Blanco, que ali desagua foi interrompido com as cinzas e depois entrou pela localidade de 3000 habitantes com uma enxurrada de água e cinzas. Parcialmente destruída, com cinzas até mais de um metro de altura, sem água,

esgotos ou electricidade, Chaitén foi evacua-da, mas persistem cerca de 150 pessoas que a querem reactivar, embora as ordens sejam para extinguir. Fomos muito bem recebidos. Vieram logo ao cais várias viaturas que nos le-varam a um passeio pelas ruínas. De facto o turismo da desgraça desenvolveu-se muito nos últimos tempos por cá.

A paragem seguinte foi em Quemchi onde fundeámos para fazer alguns trabalhos de ma-nutenção do navio, que o frio do último mês não tinha permitido. Os mergulhadores foram limpar as aspirações de água e trouxeram uma boa notícia. O casco está limpíssimo. Foram as

variações de temperatura e variação de águas salgadas para doces. Ainda bem porque vem aí uma regata. Visitámos o pueblo, com cerca de 2000 habitantes, cumprimentámos o Capitán de Puerto e comprámos alguns peixes-rei para o Roberto Santandreu nos preparar um prato já prometido, o Ceviche, que são cubos de peixe marinado e cozi-do em limão. Com as empadas típicas do país, experimentámos um autêntico jantar chileno.

Fundeámos na Bahía de Ancud na noite de cinco de Abril, após passar o Canal de Chacao, com amplitudes de maré de 7 metros e correntes que

chegam aos 9 nós. Foi a chegada ao Oceano Pacífico após vários dias de águas confinadas. Ali nos despedimos dos nossos camaradas chilenos com promessa de nos encontrarmos em Valparaiso.

O enquadramento dos nossos convidados, a visita a alguns locais emblemáticos e as es-tórias relatadas nas obras de Luís Sepúlve-da e Francisco Coloane que agora se lêem a bordo foram a melhor forma de aculturação destes viajantes.

Continuámos os preparativos do navio para o próximo porto e para a regata que não parece ir correr bem pois a zona onde decorrerá estará

sobre a influência de um anti-ciclone que provoca calmarias.

A vida marinha observada tem vin-do a aumentar: já vimos baleias, le-ões-marinhos, focas, golfinhos, pin-guins, toninhas e muitas culturas de salmão, especialmente em Quemchi. A temperatura já está mais amena: ar a 15º e água a 12ºC!

Está previsto atracarmos em Valpa-raiso no dia treze de Março após a curta regata entre estes onze grandes veleiros que navegam em companhia desde o Atlântico. Aí entregaremos a ajuda humanitária transportada a bordo, que apesar de simbólica po-

derá fazer a diferença para alguns. Mais im-portante será demonstrar a nossa solidarie-dade a este povo que tanto está a sofrer. Já temos atribuída uma escola para darmos o nosso apoio de reconstrução. Como sempre, prevê-se que seja um porto de trabalho, des-canso e aventuras de viajante.

(Colaboração do COMANDO DO NRP ”SAGRES”)

REVISTA DA ARMADA MAIO 2010 7

Despedida do SEDNAM e do ALM CEMA.

Navegação nos canais chilenos.

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8 MAIO 2010 REVISTA DA ARMADA

Apresentação do opúsculo sobre “Virtudes Militares”Apresentação do opúsculo sobre “Virtudes Militares”

No passado dia 10 de Março foi apresentado o opúsculo sobre “Virtudes Militares” aos alunos da Escola Naval. Trata-se de um conjunto de 12 artigos redigidos pelo CALM Silva Ribeiro e publicados na Revista da

Armada dirigidos, essencialmente, aos futuros oficiais da Marinha.Esta cerimónia foi presidida pelo Vice-CEMA, VALM Conde Baguinho e con-

tou também com a presença do Professor Doutor Adriano Moreira, o VALM Vi-las Boas Tavares, o CALM Silva Ribeiro e outras entidades, relevantes, na publi-cação deste opúsculo.

O Comandante da Escola Naval, CALM Macieira Fragoso, no seu discurso salientou a relevância do assunto no contexto da evolução acelerada das socie-dades ocidentais, em que não se devem ignorar os valores fundamentais para a sociedade. O Professor Doutor Adriano Moreira, apresentou a obra, falou aos cadetes sobre a importância das Forças Armadas no mundo actual, cujo texto se apresenta a seguir. No final, o CALM Silva Ribeiro proferiu uma alocução sobre os artigos redigidos. Por fim foram entregues exemplares do opúsculo a todos os cadetes e entidades presentes.

ESCOLA NAVAL

A vossa geração entra na Escola Na-val num período, que foi iniciado com a queda do Muro de Berlim

em 1989, com a renascida esperança, posta entre parênteses desde o fim da II Guerra Mundial em 1945, de que o fim da guer-ra fria anunciava um século XXI de paz duradoira. Ao contrário, e decorridos tão poucos dias sobre a viragem do Milénio, já somos obrigados a pensar sobre as en-tretanto chamadas - guerras sangrentas do século XXI.

Primeiro, a herança do século anterior, à margem da ameaça dos Blocos Militares que desapareceram com a queda do Im-pério Soviético: a desagregação da União Soviética ou da Federação Jugoslava, o afrontamento entre a Índia e o Paquistão, o drama da Palestina desde 1967, e final-mente a entrada em 2001 com a guerra do Afeganistão, e em 2003 com o desastre oci-dental no Iraque.

Em 2007, as estatísticas do Stockholm International Peace Research Institute (SI-PRI) registaram 14 conflitos armados maio-res, aqueles que, segundo o conceito usa-do, produziram, com intervenção de pelo menos um Estado, 1000 mortos num ano, para a conquista de um território ou do poder. Destes 14 conflitos, quatro estão in-ternacionalizados: EUA -Al-Qaeda; Gover-no Afegão contra Talibans; autoridades do Iraque contra várias insurreições; o poder da Somália contra a União dos Tribunais Islâmicos. Na África negra, apenas entre 1998-2007 verificaram-se treze conflitos que cabem no conceito, e doze guerras ci-

vis, destacando-se a República Democrata do Congo, o Rwanda, a Eritreia e a Etió-pia, o Burundi, a Côte-d’Ivoire, a Libéria e a Serra Leoa, a Guiné-Bissau; na América Latina o Peru com o Sendero Luminoso, as Filipinas com a Frente de Libertação Is-lâmica. Por outro lado foram mortos dois milhões de menores em dez anos (1999--2008), mais de seis milhões ficaram gra-vemente feridos ou inválidos, um milhão ficaram órfãos, dez milhões com trauma-tismos psicológicos, e pelo menos 300.000 crianças-soldados, menores de 18 anos, lutam em treze combates espalhados pelo mundo. Um comércio ignóbil envolve mi-lhões de armas ligeiras, que os países ricos vendem aos pobres, a capacidade atómica multiplica os titulares.1

A segurança mundial tem no terrorismo o desafio maior do século, a crise financeira e económica atinge todos os povos e regi-ões pelas malhas do globalismo, a falta de governança instala um modelo de anar-quia na interdependência mundial.

É nesta conjuntura, que envolve a cir-cunstância de Portugal no mundo, pela qual igualmente todos os seres humanos estão atingidos, com formas interligadas embora diferenciadas, é tal conjunto de desafios que dá carácter à entrada do Mi-lénio em que vos aconteceu viver.

Não é a primeira vez, não será prova-velmente a última, em que uma geração é obrigada a responder a ameaças de de-sastre global, e apenas há duas categorias de respostas: a desistência ou a coragem de assumir a realidade, racionalizar os factos e

arquitectar a estratégia de resposta, com a determinação de vencer com glória ou de sucumbir com honra: foi assim com a inva-sâo dos bárbaros (século 5°), foi assim com a invasão dos turcos (século XI), foi o risco assumido nas descobertas (século XV), foi a calamidade das guerras religiosas (sécu-lo XVI), foi a loucura napoleónica (século XIX), a criminalidade nazi e soviética (sé-culo XX): a vossa geração, que enfrenta a perigosa conjuntura que nos rodeia, e da qual procurei salientar alguns traços mais ligados com as Forças Armadas, é descen-dente dos que não desistiram, dos que as-sumiram a realidade, e a reencaminharam para um futuro a construir à luz de valores assumidos e defendidos.

Entre esses não desistentes contam-se milhares que não viveram os triunfos que sonharam, mas que ficaram na memória, nos valores, na maneira de viver dos que decidem enfrentar o mundo e a vida em qualquer das épocas em que, sem esco-lha do tempo, do lugar, do povo, da área cultural, lhes aconteceu nascer, mas onde, por escolha, decidiram ficar e servir. Não estão acompanhados por descendentes dos que resolveram desistir, ou dos que preferiram renunciar ao lugar, ao povo, à área cultural da circunstância material de cada época.

Esta decisão de ficar, que é um acto de amor e de liberdade, verifica-se numa época em que o relativismo mina as es-calas de valores das nacionalidades, das instituições, das estruturas políticas, das sociedades civis, o que torna ainda mais

“O mar é uma janela de liberdade portuguesa”“O mar é uma janela de liberdade portuguesa”

AOS CADETES DA ESCOLA NAVAL

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exigente, mais arriscado, mais indispen-sável, identificar o eixo da roda do povo, da sociedade civil, da área cultural a que se pertence, sem escolha originária mas por pertença assumida, o tal eixo que acompa-nha a roda mas não anda.

Num mundo em mudança acelerada, com uma internacionalização que derruba fronteiras, que enfraquece soberanias, que conduz muitos Estados para a condição de exíguos, a decisão de ser ocidental, de ser europeu, de ser cidadão do mundo, mas num lugar chamado Portugal, com iden-tidade preservada, com dignidade sem ferida, com vontade colectiva sem que-bra, com cidadãos não desistentes, devo-tados ao serviço do interesse comum no exercício da virtude que Cícero chamara a pietas, é ser fiel ao eixo da roda e ao futuro para onde se encaminha a roda, sem que o eixo se quebre e sem que se mova.

Pelo fim do século pas-sado, o professor Adau-to Novaes, falando dos desistentes, sem o dizer, escreveu que “hoje a fe-licidade não é mais pen-sada em termos de moral antiga, mas em termos de eficiência técnica, de consumo. Mais ainda, ela depende cada vez mais da roda da Fortu-na, das forças exteriores, que tudo controlam e do-minam”, o que por si só demonstra que, entre as duas concepções, existe muito mais que simples diferença: há uma verdadeira ruptura, uma contradição. Este é o ponto mais crítico da moral moderna. É como se houvesse um lento enfraquecimento da noção de ética e das conquistas do espírito com o acesso à técnica. Ou melhor, a moral passa a ter uma importância quase convencional.

Trata-se de um processo que talvez tenha, na histórica avaliação que Tocqueville fez da Democracia na América, uma primeira observação fundamental. Trata-se de que a evolução para a liberdade individual ten-deu para fazer do cidadão um homem ao mesmo tempo que livre também enfraque-cido, porque lhe foram retirando dependên-cias institucionais, que são amparos em que se apoia a fidelidade aos valores: a Família, a Pátria, a Igreja, a história de um povo as-sumida sem benefício de inventário, isto é, sem rejeitar os erros ao assumir as virtudes, a consciência de que os laços imateriais de comunhão tecem uma rede maleável mas consistente que contribui para a força da vontade de não aderir aos desistentes.

É justamente a ideia e realidade da insti-tuição, uma ideia de obra e de empresa que passa de mão em mão das gerações, com o nome de tradição, que identifica uma Uni-dade através dos séculos, que identifica um

povo para além das vicissitudes sofridas ao longo de séculos, que, entre mais reali-dades, identifica a marinha de um povo, o nosso povo, que cedo viu no Mar a janela da sua liberdade. A geração de Aviz não foi de desistentes, nem quando os erros de governo atingiram severamente todos os valores da nacionalidade, mas não foram descendentes de desistentes os que conse-guiram a Restauração, não foram de desis-tentes os que abriram a janela portuguesa do Império Euromundista em África. Não foi desistente o jovem Tenente Oliveira e Carmo, que em Goa enfrentou a força des-medida do adversário, que teve presente o lema que aprendeu nesta Escola – honrai a Pátria, que a Pátria vos contempla – e só caiu de joelhos no altar dessa Pátria em que de-cidiu ficar, honrar, e pela qual aceitou mor-rer com honra.

Nas instituições, como é o caso da Mari-nha, não se deve entrar com o espírito de quem vai passar um tempo de espera por outras opções e destinos. Trata-se de as-sumir uma ideia que dura para além das gerações, que passa de mão em mão, de desafio em desafio, de sacrifício em sacri-fício, de honra em honra, e sempre saben-do que o tempo breve de vida de cada um é um elo do tempo longo que vai traçando na história humana uma parcela do patri-mónio imaterial que finalmente é herança e responsabilidade das gerações.

Nesta data, o Mar de tanta da história portuguesa e da história universal, vai tra-zer uma nova função, um novo desafio, e exige uma nova resposta para o globalismo sem governança em que vivemos. Abrem--se novas vias marítimas para um modo de transporte que é a “coluna vertebral do comércio mundial”, nas quais transita 80% do volume das suas mercadorias pelos oce-anos. Para a Europa que dominou o mun-do, e agora é um espaço carente de maté-rias-primas, de energias não renováveis, e até de reservas estratégicas alimentares, a dependência externa obriga a reavaliar o mar, a procurar novas formas de transpor-te e novas vias sempre mais curtas e menos

dispendiosas. Finalmente, as rotas árcticas são avaliadas seriamente. A crise financeira e económica, que afectou o comércio mun-dial depois de 2008, também afectou bru-talmente a expansão do comércio marítimo, mas a retoma, logo que finda a recessão, será inevitável. O Portugal que vai ser en-tregue à responsabilidade da vossa geração, participa em todas as debilidades europeias e ocidentais, e também, especificamente, do passivo específico que herda da sua linha geracional de desistentes.

Mas é a linha geracional dos que, em cada época, assumiram a realidade, definiram respostas estratégicas, alinharam os seus valores, não desperdiçaram o tempo curto das suas vidas individuais, souberam orga-nizar a esperança e a alegria do futuro, que as instituições salvaguardam e desenvol-vem no tempo longo das suas vidas. É essa

linha geracional que há séculos sabe que o Mar é uma das janelas da li-berdade portuguesa, que para além de todas as in-terdependências a que o globalismo obriga as so-beranias, e por isso tam-bém constrange a nossa, o mar traz desafios que obrigam a esta conclu-são: se Portugal não for decidido ao encontro do Mar, para enfrentar os desafios que este suscita, é o Mar que virá ao en-contro de Portugal para impor as submissões que outras sedes externas de poder, não apenas políti-

cas e de organização, mas também económi-cas, lhe imporão. Foi sempre exacta, ao longo dos séculos, a divisa da Marinha que define este imperativo: honrai a Pátria, que a Pátria vos contempla. Esta responsabilidade de não desistentes é aquela que assumem os que decidem entrar nesta instituição que há sé-culos assegura o tempo longo de séculos da Pátria, soma dos tempos breves de vida de cada um dos servidores que apenas cai de joelhos perante o altar dessa Pátria. Sempre recordarei o vosso ilustre antepassado, Bar-tolomeu Dias, que por três vezes partiu em busca da Índia, e nunca lá chegou, morrendo no mar salgado pelas lágrimas de Portugal: mas nunca desistiu, e morreu tentando. Mas morreu como vencedor: está na memória, no exemplo, e no património imaterial da Mari-nha em que tendes a honra de entrar, assu-mindo o mandato que é o seu eixo da roda: amai a Pátria, que a Pátria vos contempla.

Prof. Doutor Adriano MoreiraPresidente da Academia das Ciências de LisboaPresidente do Conselho Geral da Universidade

Técnica de Lisboa

Nota:1 Elementos recolhidos cm L’État du Monde, 2010,

La Decouvcrt, Paris.

Foto

Júlio

Tit

o

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10 MAIO 2010 REVISTA DA ARMADA

Da introdução da TSF às modernas TCI’s100 anos que honram a Marinha

É responsabilidade institucional de qualquer organização estruturante da comunidade, cultivar a memó-

ria e preservar o seu património técnico e cultural, como mais uma vez se cumpre através desta singela homenagem, envol-vendo os principais agentes da moder-nização tecnológica do país, no início do século XX.

A Marinha, preocupa-se, assim, em re-levar um passado de honra e prestígio e, por isso, estamos aqui a recordar, como já o fizemos no 75º aniversário, em 1985 por-tanto, as primeiras experiências radiotele-gráficas bem sucedidas, protagonizadas pela Armada.

Honra-nos a pre-sença dos ilustres con-vidados e aproveita-mos a sua companhia amiga para, precisa-mente, evocar aquela radiosa jornada, de 16 de Fevereiro de 1910, que teve como pal-co este espaço onde nos encontramos, tão carregado de histó-ria e que as diversas gerações de militares da Marinha ficaram a conhecer como a Casa da Balança, verdadei-ro ex-libris do edifício que já acolheu o Arse-nal e o Ministério da Marinha.

Visando, pois, a firme preservação do património cultural e tecnológico, junta-mo-nos, hoje, neste cenário para homena-gear as gerações de técnicos, profissionais ou simples amadores, que tomaram as ré-deas dessa evolução e progresso, marcado por um acontecimento, como foi o 16 de Fevereiro, de enorme importância, em ter-mos da modernização e operacionalidade da actividade militar e naval, além de eta-pa inicial da história das radiocomunica-ções em Portugal, na qual a Armada, como é reconhecido, ocupa posição destacada.

Convido-vos a recuar àquela época, no início do século XX, precisamente num pe-ríodo conturbado da vida nacional, a de-correr entre o sobressalto da instabilidade política e a ameaça da bancarrota, a qual, de tão sentida, nem precisou dos alertas das agências de rating.

Nessa altura, a Marinha pôde, uma vez mais, afirmar o seu pioneirismo, agora como iniciadora do uso da TSF no país, re-forçando a imagem de uma Armada pre-cursora na implementação das mais mo-dernas tecnologias e de bem sucedida na inovação e transposição para a vida eco-

nómica, do que de mais moderno o mun-do ia conhecendo.

Não se trata de vitupério, pois essa elo-giosa tese da Marinha como pivot do pro-gresso tecnológico no país, é defendida, factual e consistentemente, na obra “His-tória da Marinha Portuguesa – Homens, Doutrinas e Organização 1824-1874”1, da autoria do presidente do Instituto de Defe-sa Nacional (IDN), Prof. António José Telo, quando afirma, insuspeitamente, e cito: “…. Foi o poder naval que facilitou a transi-ção da sociedade portuguesa para a tecnologia da idade industrial …”.

Tratou-se, então, de uma época em que descobrimos, facilmente, as últimas réstias

do projecto modernizador do Fontismo, ultrapassadas, no entanto, pelos traumas que mais pesavam no quotidiano, provo-cados pela humilhação do Ultimato inglês, o fraco registo dos sucessivos governos em ditadura e o assassinato do rei à luz do dia, que culminou no triunfo dos republica-nos em 1910, epílogo normal de uma luta e certa ideia progressista, que mobilizou vários intelectuais, espalhando-se por di-versas camadas da burguesia e do opera-riado citadino.

É neste contexto que o 16 de Fevereiro de 1910 representa um marco no esforço da Marinha, não tanto pela instalação, neste local, da primeira estação radiotelegráfica fixa no país, mas, acima de tudo, pelo que significou de envolvimento no processo de modernização tecnológica no sector das comunicações, nomeadamente ao nível do serviço público móvel marítimo e da sal-vaguarda da vida humana no mar, com o apoio aos navios, nacionais e estrangeiros, ao largo da costa portuguesa ou em águas mais distantes do porto de Lisboa, e tam-bém no Ultramar, uns anos mais tarde.

A Estação de que hoje assinalamos o nascimento, tomou a designação de Pos-

to Radiotelegráfico do Arsenal da Mari-nha, com o indicativo de chamada ALFA MIKE, tendo como primeiro director o 1º Tenente Ladislau Parreira, que have-ria de apoiar o seu camarada Machado dos Santos, no comando das operações militares do 5 de Outubro, através de co-municações navais dirigidas de bordo do cruzador “S. Rafael”. Esta capacidade téc-nica ficou a dever-se, em boa medida, à inovadora criação, em 1902, dos Serviço e Escola Prática de Torpedos e Electrici-dade, em Vale de Zebro, verdadeiro berço dos técnicos e operadores navais da TSF em Portugal.

Foram acontecimentos de reconhecida importância, a mesma com que a imprensa destacava os diversos eventos, nos planos nacional e internacio-nal, na vizinhança do 5 de Outubro, reflec-tindo um ambiente de convulsão política e social, com greves por todo o país, en-quanto, lá por fora, a Europa, que domina-va o mundo e impu-nha o ritmo do pro-gresso tecnológico, assistia à ascensão da ideologia colonialis-ta e à emergência das

potências imperialistas, desde 1880, em delicado equilíbrio de forças, tornando-se actores do renascimento de ódios e apeti-tes guerreiros, que conduziram ao “desre-gulamento social” que precedeu a I Guer-ra Mundial.

Depois desta breve referência às agen-das, interna e internacional, voltamos a nossa atenção para os primeiros equipa-mentos, pouco potentes e sofisticados, surgidos no meio militar, bem como algu-mas experiências visando a introdução da TSF no país.

Logo em Março de 1901, ocorrem os pri-meiros ensaios, por iniciativa do Exército, entre o forte da Raposeira na Trafaria e o Regimento de Engenharia no forte do Alto do Duque. Daqui saiu o equipamento a ser testado no cruzador “D. Carlos”, em ma-nobras navais, representando um atraso de apenas quatro anos em relação à pioneira Itália, que através de um posto em La Spe-zia, começou a comunicar com os navios da sua esquadra.

No entanto, só com o início da I GM, os governos passam a dar uma maior impor-tância a estas novas tecnologias, em clara expansão devido à presumida vantagem

Da introdução da TSF às modernas TCI’s

Cruzador “S. Gabriel”

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da dispensa de ligações físicas nos campos de batalha, daí resultando que, no fim da conflagração, todas as FA´s beligerantes já tinham ao seu dispor facilidades de Tele-grafia Sem Fios e, nalguns casos, também de Telefonia Sem Fios, com a vulgariza-ção das emissões em radiotelefonia. Ainda que, em geral, mal equipado, em virtude das restrições económicas que se faziam sentir em Portugal, também o nosso Cor-po Expedicionário se viu dotado de algu-mas, embora limitadas, capacidades tele-gráficas, com cada uma das suas Divisões a dispor de uma secção de TSF, com dois oficiais operadores.

Relativamente à radiotelefonia, a pri-meira emissão oficial, entre nós, ocorreu já no pós-guerra, mais precisamente em 1919, realizada pelo escritor Albino Forjaz de Sampaio e o capitão-tenente Júdice de Vasconcelos, que viria a ser, curiosamente, o futuro primeiro director da Companhia Portuguesa Rádio Marconi, sendo recebi-da em boas condições a bordo do destroyer “Douro”, ancorado no Tejo, a partir de um posto de TSF instalado na Estação da Ma-rinha em Monsanto.

Só mais tarde, como é sabido, apareceria a difusão de televisão, viabilizada a partir das experiências de Marconi com trans-missões em VHF, comprimento de onda que ficaria experimental até 1936, ano da primeira emissão.

Neste momento, é justo mencionar que as primeiras emissões de radiodifusão não oficiais, primeiro entre si e depois estendi-das aos diversos públicos, em geral, fica-ram a dever-se aos radioamadores, cabendo uma referência muito especial a dois desses pioneiros, muito citados pela imprensa es-pecializada da época: Abílio Santos Júnior (com o indicativo P1AA) e Sousa Dias Melo (P1AB). A importância destes operadores só se valoriza devidamente, se se recordar que, no primeiro quartel do século XX, os postos de TSF civis portugueses eram todos preenchidos por amadores e os equipamen-tos produzidos, quase integralmente, pelos próprios operadores.

O sucesso das emissões regulares da radiotelegrafia, a partir do posto TSF da Casa da Balança, e, posteriormente, da ra-diotelefonia, veio beneficiar, em muito, as comunicações terra/navio e navio/terra da nossa esquadra, consolidando a posição cimeira da Armada no processo de moder-nização tecnológica das FA´s e do próprio país. Isso só foi possível graças aos conhe-cimentos e perícias adquiridas por técni-cos, civis e militares, verdadeiros entusias-tas na divulgação e aplicação prática das muitas descobertas da época de ouro, que foi a segunda metade do século XIX.

A prová-lo, logo em Maio de 1902, cin-co meses após aquela que é considerada a primeira radiocomunicação transatlântica feita por Marconi, registam-se as primeiras experiências radionavais, com a participa-ção de dois empregados da Direcção-Geral

dos Correios e Telégraphos, entre o cruza-dor “D. Carlos” e a Estação Semafórica de Cascais, embora este feito não tenha mere-cido, na imprensa da época, mais do que o singelo título de “Telegraphia sem fios”.

Só em 1926, a Companhia Portuguesa Rádio Marconi, S.A.R.L. (CPRM), criada um ano antes, começou a instalar esta-ções radiotelegráficas em Lisboa, Porto, S. Miguel, Funchal e S. Vicente de Cabo Verde, estendidas, nos anos seguintes, ao restante império colonial, ao mesmo tempo que alargava as telecomunicações portuguesas ao resto do mundo, median-te contratos com diversas companhias de cabos submarinos e a introdução de no-vas tecnologias e facilidades nas ligações intercontinentais.

Esta, pois, num brevíssimo resquício, a evolução operada nas telecomunicações civis, autonomizadas da tutela militar a partir da década de 30.

Voltando às comunicações militares, vejamos como estas se desenvolveram na Marinha, a partir da estreia tecnológica da Casa da Balança.

Pode afirmar-se que, em relação aos es-forços que as potências europeias, muito especialmente a Inglaterra, vinham desen-volvendo no domínio das ligações rádio, foi curto o atraso do começo da TSF em Portugal, iniciada em 1913, com a aber-tura do desse Posto do Arsenal ao servi-ço público marítimo e a ligação aos CTT, através da Central Telegráfica do Ministé-rio da Marinha.

Foi toda uma geração de empreendedo-res que tornaram possível a modernização da época e a ulterior evolução da Armada no domínio das telecomunicações, desde a expansão das redes e coberturas radio-telegráficas a todo o território nacional; passando pela emblemática Estação Ra-dionaval “Comandante Nunes Ribeiro” e o nevrálgico Centro de Comunicações da Armada (CCA); seguida da rede digi-tal integrada de serviços (RDIS), hoje a infra-estrutura tecnológica fundamental e base das comunicações e serviços dispo-níveis na componente fixa (voz e dados); prosseguida pelo subsequente sistema de processamento de mensagens formais, o MMHS, desenvolvendo as bases da co-operação, bem sucedida e mutuamente vantajosa, da Marinha com este sector da indústria nacional, como o comprovam as centrais telefónicas de última geração e o sistema integrado de comunicações; continuada pelas redes locais, a Intranet da Marinha e a sua presença na Internet; pela modernização, automatização e re-dução das Estações Radionavais; pelos sistemas de informação de comando e controlo, como o MCCIS, incorporando equipamentos de recepção e transmissão via satélite em SHF, integrados na capaci-dade SATCOM que a Marinha teve neces-sidade de incrementar; e, ainda, pelas no-vas tecnologias das comunicações navais

em HF, permitindo ao comando no mar o acesso a multi-serviços e à informação disponibilizada pelo seu comando opera-cional, relevante para a respectiva missão e visão global da área de interesse.

Tudo isto e muito mais, aconteceu, até chegarmos à actual fronteira do mundo mais plano de Thomas Friedman2, a par-tir, nomeadamente, dos PC´s, da queda do Muro, das redes de informação ilimi-tada, da rede das redes que é a Internet, do ciberespaço da World Wide Web e da conectividade global, responsáveis, en-tre outros, pela colocação do mundo em marcha frenética e mutação quase mági-ca, próprias de uma nova Sociedade da Informação, afectando tanto os compor-tamentos sociais como a gestão dos pro-blemas mundiais.

Entre o nascimento da TSF há 100 anos e o contemporâneo óbito do MORSE, re-sistem, contudo, um antigo serviço públi-co e um velho sistema comunicacional. Refiro-me à escuta permanente das fre-quências de socorro pela qual a Marinha, em colaboração com a Força Aérea, cum-pre um compromisso internacionalmente assumido pelo país, no âmbito do Serviço de Busca e Salvamento, bem como ao ve-tusto e popular Código Internacional de Sinais (CIS).

Termino como comecei. Mais do que uma data ou efeméride, foi intenção home-nagear a obra de todos aqueles que, com o desejo de bem fazer, têm contribuído, em diferentes períodos históricos, para man-ter o país na crista da onda de moderniza-ção ininterrupta que surpreende o mundo há mais de 150 anos. Neles revemos, com respeito e admiração, todos os nossos an-tigos camaradas que arrancaram, há longo tempo atrás, com o projecto das comunica-ções rádio na Marinha e ao serviço do país, ambos dotados com as melhores capaci-dades, técnicas e práticas, à semelhança e em tempo quase real, do que de melhor se concebia e realizava nos demais países desenvolvidos.

Foi toda uma gesta de enorme valia téc-nica e qualidade cívica, que orientou a persistente reacção da Marinha aos novos desafios da Técnica e às alterações do am-biente estratégico e operacional em que vem operando. Perante eles, que bem hon-raram a Pátria, sem cuidarem de recom-pensa, nos inclinamos, em sinal de reco-nhecimento e, também, para lhes prestar merecida homenagem através desta tão singela, quanto sentida, evocação.

António C. Rebelo DuarteVALM

Alocução proferida na Casa da Balança em 18FEV10.

Notas:1 “História da Marinha Portuguesa – Homens,

Doutrinas e Organização 1824-1874”, Lisboa, Aca-demia de Marinha, 1999, pág. XV;

2 “O Mundo é Plano”, de Thomas Friedman, A ctual Editora, Lisboa, 7ª Edição, 2007;

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12 MAIO 2010 REVISTA DA ARMADA

A Sessão Cultural de 2 de Fevereiro teve como tema a conferência «Em torno da mistificação Colombo»,

sendo seus autores o engº Carlos Calado, da Associação Cristóvão Colon, e os tenentes-coronéis Brandão Ferreira e Paiva Neves.

Os conferencistas acreditam que o grande navegador era português e es-tava ao serviço de D. João II, ao arre-pio das recentes teses, que tão pouco são consensuais. O que explica que o auditório tenha sido literalmente es-gotado por uma assistência ávida em intervir no debate que se previa vivo. Este seria abreviado, no entanto, em consequência da hora tardia das in-tervenções, tendo o Presidente infor-mado que a Academia era o fórum certo para este tipo de debate que não ficava encerrado e poderia ter conti-nuação numa futura mesa redonda sobre o tema.

A Sessão Solene de 9 de Fevereiro foi presidida pelo Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, e ini-ciou-se com a cerimónia da entrega do prémio «Almirante Sarmento Rodri-gues»/2009, atribuído ex aequo ao Prof. Doutor Álvaro F. Rodrigues Garrido e ao Comandante António Manuel Gon-çalves pelas obras, já editadas, «Henri-que Tenreiro – uma biografia política» e «Sagres», respectivamente.

Foi ainda entregue uma Menção Honrosa ao CTEN Aldino Manuel dos Santos de Campos, pelo trabalho «Modelling the Continental Shelf Ex-tension Near the Foot of the Slope Fuzzy-Band – A Contribution to the Maritime Territory».

A segunda parte da sessão foi preenchida com a apresentação da comunicação «Afi-nal o que é a pirataria?» Pelo Comandan-te Serra Brandão. A sessão começou com a entrega ao conferencista do diploma de um

dos dois membros mais antigos Emérito da Academia de Marinha. Simbolicamen-te, o diploma foi entregue pelo membro mais recente, o ALM CEMA, que presidia à sessão.

Grande especialista e professor de Direito

Internacional Marítimo, e correspondendo a um pedido do Presidente, o conferencis-ta deu uma verdadeira lição, a propósito de uma temática plena de actua lidade. Eviden-ciou, sem o desejar, o motivo porque tem o prestígio que tem: tal como, ao longo da sua carreira com dezenas de gerações de alunos, soube prender a assistência pela clareza do

raciocínio e encantá-la com o modo com que temperou o seu discurso.

Ao iniciar a sessão, que decorreu em 23 de Fevereiro, o Presidente da Academia congratulou-se pela finalização das últi-mas edições – os livros «Comemorativa do

50º Aniversário do Vulcão dos Capeli-nhos – Ilha do Faial» e do 3º Seminário «Gestão e as Actividades Litorâneas», eventos de cuja organização e coorde-nação foi responsável a Vice-presiden-te da classe de Artes, Letras e Ciências. Informando a sua intenção de recupe-rar dos atrasos na edição de outros li-vros, o Presidente apelou aos autores para a importância de não protela-rem a entrega dos respectivos textos. A terminar, o Presidente da Academia felicitou a Prof. Doutora Raquel Soei-ro de Brito pelo excelente trabalho de edição daquelas Actas, agradecendo a sua dedicação.

Em breves palavras, a Vice-presi-dente fez então a apresentação das obras e do DVD que acompanha o li-vro “Vulcão dos Capelinhos”, preen-chido com filmes inéditos e verdadei-ramente históricos da erupção.

Na sua comunicação seguinte «A Soberania dos Estados e o Mar – a realidade portuguesa», o VALM Pires Neves começou por abordar questões como a adesão aos “grandes espaços”, o conceito “Soberania” e saber se Por-tugal e o seu desenvolvimento susten-tado terão ou não necessidade do Mar. Focando a relação da Soberania com o

Mar, o orador referiu o papel da ONU e da Lei do Mar, e a questão do uso do Mar na Política, com a Estratégia e com os Meios. O debate que se seguiu foi revelador das pre-ocupações e perplexidade partilhadas por quem se interessa por esta temática.

(Colaboração da ACADEMIA DE MARINHA)

Sessões CulturaisSessões CulturaisACADEMIA DE MARINHA

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O Almirante CEMA entrega o prémio “ALM Sarmento Rodrigues” ao Prof. Doutor Álvaro Garrido e ao Cte. António Manuel Gonçalves.

O Almirante CEMA entrega o diploma de Membro Emérito ao C omandante Serra Brandão.

Conferência no King’s College LondonConferência no King’s College London

Realizou-se no dia 12 de Março no King’s Col-lege, London, uma conferência do CALM António Silva Ribeiro, subordinada ao tema

d’A Arte da Guerra do Mar, do Padre Fernando Oliveira.

A conferência foi promovida pela War Studies Society e o Department of War Studies, e teve como principais objectivos: fomentar o interesse pela vida e obra de Fernando Oliveira; evidenciar os grandes conceitos e princípios estratégicos d’A Arte da Guerra do Mar; e demonstrar o carácter inovador deste tra-tado de estratégia naval.

À conferência assistiram alunos e os professores

Andrew Lambert e Alan James, dois dos mais repu-tados historiadores navais do Reino Unido.

A conferência suscitou grande interesse da audi-ência. O CALM Silva Ribeiro, após a sua exposição, manteve um longo e intenso diálogo com os profes-sores e alunos, realçando as várias facetas do pensa-mento estratégico de Fernando Oliveira, atestando a sofisticação da sua reflexão sobre assuntos navais.

Como principais conclusões desta conferência, foi realçada pela audiência a importância do tratado d’A Arte da Guerra do Mar ser traduzida para Inglês e da necessidade do seu estudo à luz da historiografia do pensamento naval moderno.

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REVISTA DA ARMADA MAIO 2010 13

INTRODUÇÃO

As recentes acções desenvolvidas por piratas ao largo das águas da Somália, numa importante área de confluência

de rotas marítimas, vieram relembrar duas questões essenciais na área da segurança e defesa internacionais.

A primeira questão diz respeito ao carácter difuso e incerto das ameaças no século XXI e ao seu impacte na ordem internacional. A se-gunda questão realça o papel secular e primacial da segurança das linhas de co-municação marítimas e a sua importân-cia para o desenvolvimento e bem-estar das sociedades. O corte mais ou menos significativo das linhas de comunicação marítimas pode constituir um sério pro-blema internacional caso os Estados não possuam alternativas credíveis para garan-tir a segurança dos fluxos de mercadorias essenciais ao funcionamento das econo-mias nacionais. No passado, dominá- -las era uma preocupação constante e primária de cada um dos adversários, o que levou Napoleão a afirmar ser a guerra uma questão de comunicações.

Um século após o Congresso de Vie-na1 colocar um ponto final nas ambições napoleónicas, as grandes potências eu-ropeias envolvidas na I Guerra Mundial testemunharam mais uma vez a impor-tância das linhas de comunicação ma-rítimas, porém, com uma nova variável na equação operacional do conflito – o submarino. Com efeito, pela primeira vez na história militar, o submarino assumia um papel decisivo nas operações navais desenvolvidas pela potência hegemónica conti-nental, a Alemanha, que se empenhava a fundo em cortar as comunicações marítimas do adver-sário. Desde então, como resultado óbvio das suas características, capacidades fundamentais e princípios de emprego, o submarino tem man-tido a sua relevância operacional e estratégica nos mais diferenciados teatros de operações e cenários do xadrez internacional.

O IMPULSO EXPEDICIONÁRIO

A percepção política e global de que “if we do not go to the crises, the crises will come to us” (Till, 2004: 238) impôs a mobilização dos Estados e da comunidade internacional no de-senvolvimento de uma segurança desterritoria-lizada e projectável2 como o demonstrou a in-tervenção do ocidente no Afeganistão em 2001, tendo em vista eliminar o apoio do regime Tali-ban à Al Qaeda.

Para além da dimensão política, também a di-mensão geográfica foi determinante no desen-volvimento do impulso expedicionário. Bastará notar que cerca de 70% da população mundial

vive dentro de um raio de 320 km a partir do mar e que aproximadamente 40% das cidades mundiais, com uma população igual ou supe-rior a 500.000 habitantes, se localizam no litoral. A isto acresce o facto de uma parte importante dos recursos energéticos e minerais circularem por via marítima, através de estreitos e de pontos de confluência estratégicos cujo controlo cons-titui, inevitavelmente, uma vantagem competi-tiva para aqueles que estiverem em melhores condições para o exercer.

Deste modo, é incontornável que as marinhas de guerra assumam um papel significativo no impulso expedicionário, não apenas pelas ca-racterísticas naturais dos litorais que exigem ca-pacidade de transporte pelo mar, mas também pela capacidade das forças navais proporciona-rem apoio às operações conduzidas em terra. O submarino, elemento fundamental da estratégia e das operações navais, assume-se como uma variável relevante na complexa equação das operações expedicionárias e, consequentemen-te, nas operações conjuntas e combinadas.

O PAPEL DOS SUBMARINOS NAS OPERAÇÕES CONJUNTAS E COMBINADAS

A. CARACTERÍSTICASSem se ter a pretensão de descrever de modo

exaustivo o elevado potencial inerente à arma submarina, em particular, o seu efeito dissuasor, evidenciam-se apenas cinco atributos, cuja re-levância para efeitos das operações conjuntas e combinadas, como de outras, é significativa.

Discrição. A discrição é, porventura, a ca-

racterística que confere ao submarino a maior vantagem competitiva relativamente a outros sistemas de armas. A discrição resulta não só da possibilidade do submarino se manter em imer-são, e por isso invisível, mas também do facto de ser um meio que opera de forma silenciosa, tornando-se virtualmente indetectável por meios passivos. Neste contexto, os submarinos conven-cionais (não nucleares), com ou sem AIP3, são a expressão máxima dessa discrição.

Mobilidade. A manobra contribui para a ex-ploração dos resultados, para a conserva-ção da liberdade de acção e para a redu-ção das vulnerabilidades. A mobilidade, sendo um elemento essencial do potencial de combate, visa dispor uma força de for-ma tal que o adversário fique colocado numa situação operacionalmente ou tac-ticamente desvantajosa. No caso particu-lar do submarino, a mobilidade está di-rectamente associada à sua velocidade, em particular à velocidade em imersão e ao tempo durante o qual essa velocidade pode ser sustentada.

Autonomia. Por autonomia entende--se a capacidade para operar no mar sem apoios externos, e estão enganados aque-les que pensam que a autonomia é ape-nas uma característica dos submarinos nu-cleares. Na verdade, mesmo os modelos diesel-eléctricos mais antigos detêm uma autonomia global (endurance) notável. Note-se o caso do submarino argentino San Luis que, durante a Guerra das Mal-vinas, operando isoladamente a 800 mi-lhas do seu porto, se manteve no mar por mais de 30 dias nas vizinhanças da Task Force inglesa, condicionando claramente

o desenvolvimento das operações4. Para além da autonomia global, atrás referida, é conveniente também relevar a autonomia em imersão (sub-merged endurance), que confere ao submarino a capacidade de se manter em paradeiro incer-to por um período alargado de tempo, virtual-mente indetectável. Os submarinos convencio-nais diesel-eléctricos, dotados de AIP, como é o caso da 5ª esquadrilha portuguesa de submari-nos da classe “Tridente”, constituem, a par dos submarinos nucleares, uma expressão incontor-nável desta autonomia, podendo manter-se em imersão profunda por períodos que vão para lá das duas semanas, percorrendo, nesta condição, muitas centenas de milhas.

Flexibilidade de resposta. Os submarinos podem ter uma participação determinante nas operações conjuntas e combinadas ao longo das diferentes fases do espectro do conflito. Por exemplo, durante as fases iniciais de uma crise (ou mesmo durante um conflito generalizado), o submarino, dado o carácter furtivo que lhe é conferido pela sua discrição e autonomia, pode conduzir operações de recolha de informações ou lançar operações especiais em áreas muito

O papel dos submarinos em operações conjuntas e combinadas

O papel dos submarinos em operações conjuntas e combinadas

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afastadas da sua base, virtualmente em qualquer parte do globo. Por outro lado, o facto de existir a possibilidade de um submarino se encontrar numa dada área marítima gera um efeito dissu-asor tremendo para as forças de superfície opo-sitoras, coaginda-as e limitando-lhes a iniciativa, isto é, negando-lhes parcialmente ou totalmente o uso do mar.

A flexibilidade de resposta dos submarinos não é uma característica que se identifica so-mente com o espectro da conflitualidade. De facto, há exemplos que demonstram como é que os submarinos podem ser empregues em operações de cariz não militar. No passado, o Canadá empregou os seus submarinos do tipo “Oberon” na vigilância e na recolha de infor-mações relativas ao exercício ilegal da activida-de piscatória. A Colômbia e a África do Sul, por seu turno, têm usado os seus submarinos para executar missões de surveillance no âmbito do combate ao narco-tráfico. Portugal tem empregue igualmente os seus submarinos em acções de surveillance que visam percepcionar e caracte-rizar eventuais alterações, não só das áreas de incidência, mas também do modus operandi dos traficantes de droga na ZEE por-tuguesa.

Prontidão. Uma das poten-cialidades dos submarinos re-side na sua imediata dispo-nibilidade para responder a contingências. Esta característi-ca assume contornos relevantes uma vez que o tempo é um dos factores de decisão mais importantes na formulação e na operaciona-lização das modalidades de acção. No actual quadro securitário, a complexidade da confli-tualidade favorece a rápida transição de cená-rios de baixa intensidade para situações de cri-se e de combate, o que impõe aos meios navais a capacidade de progressão célere para uma postura mais combativa. Os submarinos, por serem um sistema de armas compacto e muito integrado, com períodos de aprontamento re-lativamente baixos quando comparados com outras unidades navais, e por responderem ra-pidamente a qualquer crise sem terem de es-perar pela preparação do teatro de operações, pela logística ou pela protecção de força, ga-rantem uma elevada prontidão na resposta às diferentes ameaças.

B. CAPACIDADES FUNDAMENTAISTendo em consideração as características

já referenciadas e os recursos operacionais e tecnológicos que hoje equipam os submari-nos, torna-se lícito deduzir que estas platafor-mas são proficientes num conjunto específico de missões.

Uma das missões que o submarino con-duz com perfeita mestria é a recolha efectiva de informações, contribuindo decisivamente para as operações de intelligence. Capacita-dos para monitorizar áreas de diversa natu-reza5 e recolher informações, essencialmente através de fontes Signal Intelligence (SIGINT),

que inclui Communication Intelligence (CO-MINT), Electronic Intelligence (ELINT) e Ima-gery Intelligence (IMINT), os submarinos são indubitavelmente valiosos porque suportam as funções chave da intelligence6, contribuin-do decisivamente para desenvolver elementos essenciais à condução das operações, nome-adamente no que se refere à disponibilidade de força, à logística, à sobrevivência e à pro-tecção de força.

O submarino é igualmente capaz de projec-tar poder que permita influenciar os eventos em terra. Com efeito, as operações de infiltração e de recolha furtiva de forças especiais nos litorais podem ser executadas pelo submarino com um grau de sucesso dificilmente igualável por qual-quer outro meio. A projecção de poder em terra também se pode materializar através do empre-go de mísseis de cruzeiro, ou outros, lançados

a partir da plataforma móvel e dificilmente de-tectável que é um submarino em imersão. Esta aptidão, conjugada com a de outras unidades equipadas igualmente com esse tipo de armas, confere ao comandante de uma força conjun-ta e combinada uma capacidade de projecção de poder esmagadora contra os alvos terrestres inimigos.

Por outro lado, as operações em terra a par-tir do litoral requerem habitualmente uma ac-ção conjugada de exploração e de controlo do mar. Neste âmbito, os submarinos podem conduzir operações anti-superfície com um nível muito baixo de risco próprio. Não me-nos relevante é a circunstância dos submari-nos também possuirem capacidade para con-duzir guerra de minas, ofensiva e defensiva, e para preparar a área de operações através da localização e mapeamento das áreas mi-nadas, contribuindo deste modo para as ope-rações de “shaping” e a inserção das “follow--on-forces”.

Paralelamente, no que se refere à negação do uso do mar, o submarino executa igualmente um conjunto de missões importantes orienta-das tanto para o nível estratégico, como para o nível operacional. Por exemplo, os submarinos podem impor bloqueios e afectar a liberdade de circulação nas linhas de comunicações ma-rítimas, com inevitável impacte nas economias dos países adversários. Ao nível operacional, a negação do uso do mar pode ser exercida como parte da defesa avançada de uma força ou de uma área.

C. PRINCÍPIOS DE EMPREGOPercepcionadas as características e as ca-

pacidades dos submarinos, torna-se possível determinar os princípios de optimização do seu emprego, em quatro domínios distintos: operações autónomas, “shaping” do teatro de operações, operações no litoral e explo-ração da surpresa7.

Operações autónomas. Não obstante a inte-roperabilidade crescente entre os submarinos e as forças conjuntas e combinadas, em grande parte devido ao desenvolvimento de tecnolo-gia e de doutrina comum, os submarinos con-tinuam a ser ideais para missões que requeiram uma actuação isolada e autónoma. Conjugan-do a sua discrição, mobilidade e autonomia, o submarino possui uma grande capacidade de sobrevivência em ambiente hostil, o que lhe permite capacidade de dissuasão e de inter-

dição do espaço do adversário, correndo menores riscos que outras forças menos habilitadas para o efeito.

Operações de “Shaping”. Considerando as vantagens de pré-posicionamento, de sobrevi-vência e de flexibilidade do sub-marino, o comandante apoiado pode conduzir operações de re-colha de informações, ataques contra terra, guerra de minas, luta anti-superfície, bloqueios a portos, de modo a moldar o campo de batalha e potenciar a subsequente condução das ope-

rações. Após a chegada das “follow-on-forces” à área de operações, o submarino pode ser em-pregue numa outra área que requeira prepara-ção do espaço de batalha ou ser empregue na protecção da força apoiada.

Operações no litoral. As forças conjuntas e combinadas que operam num litoral hostil deparam-se na actualidade com uma com-plexidade de ameaças que podem abranger, entre outras, submarinos inimigos, minas, mís-seis guiados de elevada precisão provenientes de terra, do ar e do mar, bem como ameaças menos convencionais, por exemplo, lanchas e pequenos aviões controlados por terroris-tas. No planeamento operacional e na avalia-ção do risco, o comandante da força apoiada tem a possibilidade de explorar as diferentes características do submarino, articulando-as com os requisitos funcionais das forças con-juntas e combinadas, nomeadamente no âm-bito da protecção de força, intelligence e joint targeting.

Exploração da surpresa. O último princípio optimizado de emprego do submarino é o da exploração da surpresa. A sua aplicação assen-ta no factor tempo, impedindo a antecipação objectiva e concreta de uma acção em curso, criando por esta via uma situação para a qual o adversário não está em condições de reagir eficazmente. Para a concretização da surpresa por parte do submarino contribuem, entre ou-tros factores, a sua discrição, a aplicação de um potencial de combate inesperado e uma infor-mação e contra-informação eficientes.

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CONCLUSÕES

O conjunto dos contributos com que os sub-marinos podem concorrer para as diferentes funções das forças conjuntas e combinadas, abrangendo áreas tão diversas como a Intelli-gence, a Manobra e Fogo, o Joint Targeting e a Protecção de Força, decorrem, na sua essência, de uma adequada articulação entre as características singulares, as capacidades fundamentais e os princípios de emprego dos submarinos.

Note-se que estes contributos são tam-bém hoje sobejamente aplicáveis para além do domínio das operações militares, nomeadamente, no plano do exercício da autoridade do Estado nas águas sob sua responsabilidade jurisdicional, sendo cada vez mais reconhecida a flexibilidade de resposta e a eficácia do submarino em acções de cooperação inter-agência no âmbito da segurança e defesa.

O papel do submarino ao longo da sua exis-tência, tal como transparece da história militar e naval, revela claramente que este meio cons-titui uma variável incontornável na edificação das análises prospectivas sobre as operações militares e, mais importante, na afirmação so-berana dos Estados. Obviamente, não é alheia a esta questão a formulação do planeamento de defesa e de forças, matéria bem complexa, por contribuir para as aspirações fundamentais dos Estados, como tal, sujeita ao rigor metodológi-co e científico que permite mitigar, tanto quanto possível, as vitórias do imprevisto.

A formulação estratégica de defesa e de for-ças deverá considerar na sua equação, entre outros factores, o ambiente estratégico e as so-luções possíveis e adequadas, em termos de

meios, conceitos e objectivos, necessárias para a consecução da visão política. O submarino, na qualidade de meio operacional, propor-ciona neste contexto um conjunto de capaci-dades que podem contribuir coerentemente para o planeamento de defesa e de forças em apoio das funções estratégicas, orientadas para a manutenção dos fins teleológicos do Estado

e, consequentemente, para o estado final dese-jado por qualquer potência com cultura estra-tégica-operacional.

Os submarinos, longe de serem o único meio para o sucesso das operações conjuntas e com-binadas, constituem-se, todavia, como uma arma poderosa e essencial, dotada de caracte-rísticas e capacidades singulares, que proporcio-nam múltiplas opções ao comando apoiado em termos das funções e das capacidades das forças conjuntas e combinadas e consequentemente na execução da arte operacional.

J. Rodrigues PedraCTEN

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rations. Ratification Draft. Brussels: NATO.

Notas1 Decorreu entre Outubro de 1814 e Junho de 1815.

Os termos da paz tinham sido anteriormente estabeleci-dos em Maio de 1814 no Tratado de Paris.

2 Vide: BUZAN et al. (1988). Security: A new fra-mework for analysis. London: Lynne Rienner Publishers; BUZAN, WAEVER (2003). Regions and powers. The struc-ture of international security. Cambridge: Cambridge Uni-versity Press; BOOTH, Ken (2007). Theory of world secu-rity. Cambridge: Cambridge University Press.

3 AIP – Air Independent Power; por vezes também usado para designar Air Independent Propulsion.

4 O submarino não é capaz de realizar todas as mis-sões de uma marinha mas pode negar ao adversário a capacidade de executar qualquer missão no mar.

5 O submarino convencional, dada a sua configura-ção física e a sua discrição, está particularmente apto para o fazer em zonas litorais, levando aqui vantagem sobre os submarinos nucleares, mais volumosos, mais ruidosos e com impacte ambiental incomensurável em caso de acidente.

6 São consideradas funções chave da intelligence as seguintes: indications and warnings (I&W), joint intelli-gence preparation of the battlespace, support to targe-ting, battle damage assessment e force protection. As funções chave da intelligence estão descritas em detalhe nas publicações doutrinárias da NATO.

7 Adaptado da monografia Employment of Fast At-tack Submarines by the Operational Commander, de Gordon Williams.

8 As funções conjuntas estão detalhadas na publi-cação doutrinária da NATO AJP 3(A) Allied doctrine for joint operations.

9 Ao nível da estratégia militar podem ser conside-radas tarefas que vão ao encontro dos grandes objec-tivos estratégicos. Estas tarefas de cariz operativo são denominadas Funções Estratégicas e podem supor-tar em termos metodológicos os diferentes conceitos de acção estratégica materializáveis em objectivos a atingir com os recursos disponíveis. As funções estra-tégicas incluem a Protecção, a Dissuasão, a Afirma-ção, a Projecção e a Prevenção (Borges, Fernandes, 2005: 85 e 86).

REVISTA DA ARMADA MAIO 2010 15

SUBMARINOS

Características inerentes

Capacidades fundamentais

Princípios de emprego face às actuais ameaças

O que proporcionam às forças conjuntas8 e combinadas

O que proporcionam

à estratégia militar9

Discrição

Mobilidade

Autonomia

Flexibilidade de resposta

Prontidão

Recolha de Informações (Intelligence)

Projecção de poder em terra

Controlo do mar

Negação do uso do mar

Operações autónomas

Operações de “shapping”

Operações no litoral

Exploração da surpresa

Intelligence- Indications and Warning- Joint Intelligence Preparation

of the Battlespace- Support to Targeting- Battle Damage Assessment- Protecção de força

Manobra e fogo- Manobra- Manutenção da segurança e do acesso aos litorais: embargo, ASUW, guerra de minas

- Manutenção e apoio às operações em terra: infiltração de forças especiais e lançamento de mísseis de cruzeiro, ou outrosJoint Targeting

- Recolha de informação- Projecção de poder

Protecção de Força- Dispersão- Controlo de acessos- Contributos militares- Defesa contra o terrorismo- Gestão de informação

Tabela 1 – Síntese dos contributos dos submarinos nas operações conjuntas e combinadas.

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16 MAIO 2010 REVISTA DA ARMADA

Cabo HornREFERÊNCIAS GEOGRÁFICAS 7

«As costas ocidentais da Terra do Fogo des-dobram-se em numerosas ilhas, entre as quais serpenteiam misteriosos canais que se perdem para lá do fim do Mundo, na “Sepultura do Diabo”. Os marinheiros de todas as latitudes asseguram que ali, a uma milha desse trágico promontório que testemunha o constante due-lo entre os dois maiores oceanos do Mundo, no Cabo Hornos, o Diabo está fundeado com as suas toneladas de amarras, que ele arrasta, fa-zendo ranger as grilhetas no fundo do mar du-rante as noites tempestuosas e terríveis, quando as águas e as sombras escuras parecem subir e descer do céu até esses abismos. Até há bem poucos anos, apenas se aventuravam por essas regiões os caçadores de lontras e de lobos mais corajosos, gentes de diferentes raças, homens coléricos que tinham um coração como um punho cerrado»1.

O lendário e sempre temido Cabo Horn, um abrupto penhasco na parte sul da pequena ilha de Hornos, constitui o li-

mite meridional do continente sul-americano, separando, formalmente, os oceanos Atlântico e Pacífico. A par do Cabo da Boa Esperança (Áfri-ca do Sul) e do Cabo Leeuwin (Austrália), integra a trilogia de promontórios míticos do hemisfé-rio Sul, venerados pelos marinheiros de vela de todo o mundo, sendo igualmente aquele que se situa em latitude mais elevada (55º 59’ S), o que, em parte, ajuda a explicar o perseverante mau tempo que aí se faz sentir, contribuindo, de sobremaneira, para que seja considerado, com justiça, o Monte Everest da vela.

A rendilhada região austral da América do Sul compreende, também, alguns dos lugares imor-talizados pela co-ragem e façanhas de grandes explo-radores, como são os casos do Estrei-to de Magalhães, a Terra do Fogo, o Canal do Beagle, os glaciares do Campo Hielo Sur, o parque Torres del Paine e o próprio Cabo Horn, além de um vasto con-junto de peque-nas ilhas interliga-do por inúmeros e sinuosos canais, que são resultado da acção conjunta, no tempo, dos movimentos da cros-ta terrestre, induzidos pela tectónica de placas, aqui e ali moldados pelo processo de erosão, potenciado pelo lento e paciente deslizar das grandes massas de gelo dos glaciares. O ter-

ritório é maioritariamente chileno – a célebre região de Magallanes –, a par de uma pequena fracção argentina, na zona oriental.

A Terra do Fogo é um imenso arquipélago constituído pela Ilha Grande e um sem número de pequenas ilhas, encontrando-se fisicamente separada do continente pelo Estreito de Maga-lhães. Tudo leva a crer que tenha sido pela pri-meira vez visitada pelos europeus, em 1520, na viagem liderada por Fernão de Magalhães (c.1480-1521), que na ocasião se encontrava

ao serviço de Castela. Na tentativa de alcan-çar as Ilhas das Especiarias, ou Molucas, que se supunha poder situar-se dentro do hemisfério castelhano definido ao abrigo do Tratado de Tordesilhas (1494), os navios de Magalhães in-vernaram, durante cerca de cinco meses, num lugar a que deram o nome de S. Julião, na ac-tual Argentina. Retomada a navegação, labora-ram durante mais de dois meses para encontrar a passagem que os havia de conduzir até ao

novo oceano, assim descrita por Antonio Piga-fetta (1491-1534):

«O estreito em questão mede cento e dez léguas, ou quatrocentas e quarenta milhas, de comprimento; em largura tem meia légua pou-co mais ou menos. Dá acesso a outro mar, de-

nominado Mar Pacífico, e é circundado por montanhas altíssimas, cobertas de neve. Nunca teríamos descoberto o estreito se não fosse pela persistência do capitão-general, visto ser pen-samento e convicção de todos nós que a terra era completamente fechada até ao pólo. Feliz-mente o capitão-general sabia por onde seguir para encontrar a oculta passagem que ele vira representada numa carta da tesouraria do rei de Portugal, feita por aquele homem excelen-tíssimo, Martim de Boémia»2.

Atendendo ao imenso tempo dispendido para encontrar a almejada pas-sagem, a certa altura terá parecido a muitos que tal já não seria possível, in-cluindo o próprio Fernão de Magalhães:

«[…] seguimos ao lon-go do estreito e avistámos um rio a que chamámos Rio das Sardinhas, dada a abundância deste peixe […] Demorámos ali quatro dias, aguardando os dois

navios, e enviámos um batel bem equipado para reconhecer o cabo do outro mar. Três dias de-pois regressou com a notícia de haver avistado o cabo e o mar largo. O capitão-general cho-rou de alegria, e baptizou aquele cabo com o nome de Desejado, em memória do muito que desejara encontrá-lo […] Se não houvéssemos descoberto o estreito, determinara o capitão-ge-neral navegar até setenta e cinco graus do pólo antárctico, ou seja até uma latitude onde não

existem noites du-rante o verão, ou, se as há, são muito curtas, o mesmo sucedendo com os dias no inver-no […] apesar de decorrer o mês de Outubro, as noites mal duravam três horas, no estreito […]»3.

O canal natural descoberto pelo navegador portu-guês, que liga o Atlântico ao Pací-fico e se estende por cerca de 600 quilómetros, rece-

beu, inicialmente, a designação de Estreito de Todos os Santos, pelo facto da armada nele se ter precipitado no dia 1 de Novembro, mas se-ria, no final, «baptizado com o nome de Estrei-to da Patagónia»4. No entanto, «em 1527, seis anos [sic] depois da conclusão da expedição, o

Cabo Horn

O Cabo Horn.

Os lugares lendários da região da Terra do Fogo.

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curso de água ganhara o nome por que é hoje conhecido, o Estreito de Magalhães»5.

Quando já navegavam no novo oceano6, Pi-gafetta registou:

«O facto de não sofrermos qualquer tormen-ta durante aquele tempo, torna apropriado o nome de Pacífico […] O pólo antárctico não é tão estrelado como o árctico contudo vê-se ali tamanha profusão de estrelas pequenas, e em tão compacto aglomerado, que parecem duas nuvens. Apresentam-se algo foscas e com inter-valos diminutos»7.

No entanto, a transcri-ção que seguidamente se apresenta, permite-nos suspeitar, com alguma legitimidade, que Fernão de Magalhães tinha per-feita noção da importân-cia simbólica desta sua viagem:

«É minha profunda convicção que jamais se repetirá uma tal viagem […] Se, quando deixámos o Estreito, houvéssemos caminhado sempre para Poente, teríamos circun-navegado o Mundo, sem encontrar terra»8.

Relativamente à beleza natural que lhes foi dada a observar, Pigafetta escreveu: «Não creio que o Mundo encerre um país mais lindo nem um estreito melhor»9.

Localizado numa região inóspita, o território em torno do Estreito de Magalhães seria recla-mado pelo Chile, em 1843. Não obstante os avanços do Chile, a fronteira com a Argentina só ali ficou definida em 1881, muito embora tenham subsistido alguns pontos de discórdia, que só foram sanados, pela assinatura de um tratado entre ambos os Estados, um século mais tarde, em 1985, após mediação do papa João Paulo II (1920-2005).

Os topónimos pelos quais são conhecidas as margens do Estreito de Magalhães – a Patagó-nia, a norte, e a Terra do Fogo, a sul –, remontam igualmente à data da passagem desta primeira expedição por aquelas paragens, como se infe-re do relato de Antonio Pigafetta:

«O gigante dirigiu-se para uma ilhota das cer-canias […] Se bem que proporcionado, era de tamanha corpulência que nós lhe ficávamos pela cintura. Os pés do indígena estavam al-mofadados com a mesma pele que lhe servia de calçado. […] Foi o capitão general que deu àquelas gentilidades o nome de patagões»10.

Em resultado dos indígenas terem sido alcu-nhados de patagões11, o lugar passou a ser co-nhecido como Patagónia, isto é, a Terra dos Pa-tagões. Relativamente à Terra do Fogo12, deve a sua denominação às inúmeras fogueiras, que na margem sul do estreito foram observadas pelos marinheiros de Magalhães. Eram utilizadas pe-los indígenas, tanto para se aquecerem, devido às baixas temperaturas que aí se registam duran-te todo o ano, como, também, para comunica-rem entre si. Coerentemente, os habitantes da

região, ainda hoje são chamados de fueguinos. De resto, esta particular utilização das foguei-ras seria em 1833 corroborada pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), no Diário que escreveu durante a sua histórica viagem de circum-navegação a bordo do Beagle:

«Poucos dos nativos ou nenhum tinham al-guma vez visto um homem branco; e por certo que nada poderia exceder a sua estupefacção quando viram surgir as baleeiras. Havia foguei-ras acesas por todo o lado (de onde o nome de

Terra do Fogo), destinadas ao mesmo tempo a atrair as nossas atenções e a difundir claramen-te a novidade»13.

A Ilha Grande da Terra do Fogo é delimitada a sul pelo Canal do Beagle, descoberto, con-forme nos diz Charles Darwin, pelo Capitão Fitz Roy (1805-1865), Comandante do navio homónimo:

«Tendo o Capitão Fitz Roy decidido deixar os fueguinos, segundo os seus desejos, em Pon-sonby Sound, foram equipados quatro barcos

que os acompanhassem atravessando o Canal do Beagle. Este canal, descoberto pelo Capitão Fitz Roy durante a sua última viagem, constitui um traço notável na geografia desta região ou de qualquer outra: pode ser comparado com o vale de Loch Ness na Escócia, com a sua ca-deia de lagos e firths14. Tem cerca de cento e

vinte milhas de comprimento, e uma largura média, que não conhece grandes variações, de cerca de duas milhas; e é na sua maior parte tão perfeitamente recto que a vista, limitada de um lado e de outro por uma linha de monta-nhas, se vai pouco a pouco tornando indistinta na longa distância fronteira. Cruza a parte sul da Terra do Fogo de Leste a Oeste, e a meio co-munica em ângulo recto, do lado Sul, com um outro canal irregular, que recebeu o nome de Ponsonby Sound»15.

A maior cidade da re-gião é Punta Arenas, no Chile, fundada em 1848 e situada em pleno Es-treito de Magalhães. Co-nheceu uma importância crescente com o adven-to dos navios-vapor, que utilizavam esta passagem para se esquivarem aos ri-gores do Cabo Horn. No entanto, a partir de 1914, com a abertura do Canal do Panamá, acabou por entrar em declínio. É aqui que se encontra o famoso monumento em homena-gem ao feito de Fernão de Magalhães, da autoria do escultor chileno Guiller-mo Córdova Maza (1889-

-1936), inaugurado a 16 de Dezembro de 1920, por ocasião do quarto centenário da descoberta do Estreito. Uma réplica desta escultura, foi ofe-recida a Portugal a 26 de Abril de 1930, pelo então presidente chileno, Carlos Ibáñez del Campo (1877-1960). Mas seria necessário es-perar até 1950, para que esta fosse colocada no local onde actualmente se encontra, na Praça do Chile, em Lisboa, em substituição da estátua de Neptuno, que está, presentemente, no largo de D. Estefânia16.

Cumpre ainda acrescentar, que na presente viagem, o navio-escola Sagres transportou, des-de Lisboa, um busto de Fernão de Magalhães, oferecido àquela cidade chilena pela Câmara Municipal de Sabrosa, localidade onde, asse-veram alguns, terá nascido o grande navega-dor português. Durante a estadia da Sagres em Punta Arenas, realizou-se a cerimónia de inau-guração deste monumento a Magalhães, que foi colocado num pedestal, vigiando o Estreito que descobriu vai para 500 anos17.

Na Terra do Fogo argentina, na margem norte do Canal do Beagle, situa-se Ushuaia18, fundada em 1884, aquela que é a cidade mais austral do planeta. Ligeiramente a leste, na outra margem, no Chile, portanto, fica a pequena povoação de Puerto Williams, na ilha de Navarino, que está, por isso, mais a sul. Não obstante, é Ushuaia, que, por tradição, se identifica como a cida-de do Fim do Mundo19, expressão em grande medida popularizada pelo escritor francês Jú-lio Verne (1828-1905), na sua obra O Farol do Fim do Mundo. Localizado na Ilha dos Estados, este constituiu-se, durante muito tempo, como o farol mais meridional do mundo, e mesmo o único em toda a região20.

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Foto CFR Proença Mendes

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As estátuas de Fernão de Magalhães em Punta Arenas (esquerda) e Lisboa (direita).

O busto de Magalhães a bordo do navio-escola Sagres.

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«Escusado é dizer que o farol do Fim do Mundo possuía uma luz fixa. Não era de recear que o capitão de um navio a pudesse confun-dir com outra luz qualquer, porque não existia nenhuma naquelas paragens, nem sequer, no cabo Horn»21.

A Ilha dos Estados dista do continente cerca de 30 quilómetros, separada pelo Estreito de Le Maire. Foi descoberta a 25 de Dezembro de 1615, pela expedição holandesa de Jacob Le Maire (1585-1616) e Willem Schouten (1590-1618)22, da Companhia Holandesa das Índias Orientais (VOC)23, que integrava os navios Ho-orn e Eendracht24. Prosseguindo a navegação, no dia 29 de Janeiro de 1616 dobraram o extre-mo sul do continente, chamando ao lugar Kaap Hoorn, ou seja, Cabo Horn, numa homenagem à sua terra natal – a cidade de Hoorn, na Ho-landa –, mas também ao navio que entretan-to haviam perdido. Fazendo parte do território chileno, o seu nome oficial é, por isso, Cabo de Hornos, muito embora seja internacionalmente conhecido pela designação inglesa.

O Cabo Horn tem uma cota de 274 metros, sendo difícil, mesmo por terra, aceder ao local. Por esse motivo, a estrutura do farol aí construí-do, com 11,5 metros de altura, foi erguida numa zona conhecida como Punta Espolón, com uma cota de 57 metros. Inaugurado em 1991, tem um alcance nominal de apenas 7 milhas25. Per-to do local, a Marinha Chilena dispõe de uma estação meteorológica, cujos valores, registados no período compreendido entre 1982 e 1999, permitem compreender melhor aquilo que é, na realidade, o tempo no Cabo Horn.

Em face destes tenebrosos dados estatísticos, não admira, pois, que, regra geral, se coloquem grandes dificuldade aos navios que pretendem dobrar o Cabo Horn à vela, nomeadamente àqueles que navegam do Atlântico para o Pacífico. Devido a uma combinação de perigos de ordem vária, designadamente ventos intensos, ondulação desmesurada, fortes correntes, existência de icebergs e escolhos não identificados, é com natura-lidade que todos os marinheiros reservam o maior respeito à passagem que separa os oceanos Atlântico e Pacífico. Em 1938, no sentido mais desfavorável, coube ao Priwall, da Flying P-Line, sob comando do

Captain Adolf Hauth, o rondar do Cabo Horn mais rápido de sempre, conseguido em apenas 5 dias e 14 horas. Para se ter uma ideia das reais dificuldades ali experimentadas, basta dizer que em 1905 a galera alemã Susanna necessitou de 99 dias para atingir o mesmo desiderato, sem nunca avistar o cabo, que, para o efeito, não passa de uma mera referência26.

Ainda que em termos meramente estatísticos, o período compreendido entre Abril e Junho afigura-se como o mais favorável para dobrar o Cabo Horn.

Através do estudo desenvolvido pelo famoso Captain Alan Villiers (1903-1982), que descre-veu de forma notável a fúria dos elementos na-quele local, estimou-se que, no primeiro quartel do século XX, se perdiam, aproximadamente, 5% dos cerca de 500 navios que, por ano, do-bravam o Cabo Horn27.

«It seemed that the wild west winds rushing around the watery world down there were ma-ddened by the spine of the Andes thrust sud-denly southward into them and rushed past in fury, tearing up the surface of the sea, screaming and raging at the obstacle in their world-circling path. A million years of fury have torn the wea-ther shores of the land into 10.000 ghastly rock and islands, each a death trap to any ship forced near in the sailing-ship era. The coastal shelf of off-shore soundings, dipping south toward An-tarctida as far as rocks of Diego Ramirez, further enrages the rushing sea: it is a wise master who gives all here the widest berth possible».

Para a história ficou igualmente registada a derradeira passagem dos últimos grande veleiros mercantes pelo Cabo Horn. Esta honra coube ao Pamir e ao Passat que, comandados, respec-tivamente, pelos Captains Verner Bjorkfelt e Ivar Hägerstrand, participaram na viagem que ficou conhecida como Great Grain Race. Mas coube ao Pamir ser o último veleiro a dobrar o lendá-rio cabo, a 11 de Julho de 1949, numa viagem de 16.000 milhas, cumprida em 128 dias, sem escalas, entre Port Victoria, na Austrália, e Fal-mouth, em Inglaterra, magistralmente descrita por um dos marinheiros participantes, William Stark, falecido em 200328. Resta acrescentar que só o Passat dobrou o Cabo Horn 39 vezes!

A passagem pelo Cabo Horn conheceu o seu período áureo, coincidindo com os anos glorio-sos da navegação à vela – a célebre época dos clippers e das grandes barcas alemãs em ferro –, entre a segunda metade do século XIX e o primeiro quartel do século XX, numa altura em que os mais velozes veleiros, comandados por experientes Marinheiros, transportavam para a Europa carregamentos de chá oriundo da China, lã produzida na Austrália e nitratos carregados

no Chile, contribuindo, também, para aquela que ficou conhecida como a Corrida ao Ouro, na Califórnia, antes da abertura do Canal do Panamá e da construção do caminho-de-ferro, que vieram permitir ligações mais céleres e en-volvendo menores riscos, entre as costas Leste e Oeste dos Estados Unidos29.

De forma a preservar todo este imenso legado para as gerações vindouras, foi fundada em St. Malo, França, em 1936, a associação Amicale Internationale des Cap Horniers (AICH), que re-gulamente organiza congressos internacionais sobre esta temática, contando presentemente com filiais em muitos países. E foi a congénere chilena quem levou a cabo a construção do fa-rol do Cabo Horn em 1991, bem como a colo-cação no local, dois anos antes, de uma lápide memorial como tributo a todos aqueles que se arriscaram naquelas águas30. Em 1963, o navio--escola Sagres esteve presente na inauguração do Museu dos Cap Horniers em St. Malo, rece-bendo a medalha alusiva31.

Cerca de 35 milhas a noroeste do cabo Horn situa-se um outro cabo, cujo topónimo é Falso Cabo Horn, na ilha de Hoste, assim baptizado devido ao facto de, numa altura em que o po-sicionamento no mar não era muito rigoroso, induzir em erro os navios que se aproximavam daquele quadrante, tendo sido, inclusivamente, razão primeira de muitos naufrágios.

O Cabo Horn é igualmente o lugar mais próximo da Antárctida32, mais concretamente da península homónima, que se situa a uma distância de pouco mais de 500 milhas, sepa-rado desta pela conhecida Passagem de Drake. Todavia, o nome não deixa de constituir uma

certa ironia, pois a armada de Francis Drake (1540-1596) chegou ao Pacífico em 1578, mas através do Estreito de Ma-galhães, sem que ele, ou o seu navio, o Golden Hind, alguma vez tenham tran-sitado pelo local que tem seu nome. Na realidade, quando entraram no Pacífico, o mau tempo empurrou os navios para sul. Sem quaisquer vestígios de terra, ele inter-pretou, e bem, que se encontraria perante uma passagem alternativa ao Estreito de

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Valores registados no Cabo Horn (1982-1999)Pressão atmosférica média 995 hPaTemperatura média 5,3º CTemperatura máxima 20,5º CTemperatura mínima -14,5º CHumidade relativa média 86,4 %Direcção média do vento 264º (oeste)Média da velocidade máxima do vento 84 nósVelocidade máxima do vento registada 119 nósPrecipitação média anual 697,5 mmPrecipitação no ano mais chuvoso (1990) 1.263,2 mm

O farol do Cabo Horn.

Lápide memorial no Cabo Horn.

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Magalhães, entre o Atlântico e o Pacífico, ape-sar de não o ter confirmado.

Em qualquer dos casos, foi o castelhano Fran-cisco de Hoces (?-1526), que comandava um dos navios da armada de García Jofre Loaísa (1490-1526), o primeiro a transitar do Atlântico para o Pacífico, pelo sul do continente america-no, logo em 1525, depois de um violento tem-poral o ter impedido de demandar o Estreito de Magalhães com os demais navios. Ficava pro-vado que a região da Terra do Fogo, contraria-mente ao que até então se pensava, não consti-tuía o limite setentrional de um continente que se estendia dali até ao Pólo Sul. Por esta razão, tanto em Espanha como em muitos países da América do Sul, a Passagem de Drake é conhe-cida como Mar de Hoces.

O facto de esta região se constituir como a mais próxima da Antárctida, fez com que Ushuaia se tornasse num local privilegiado para a partida de expedições e visitas turísticas ao sexto continente.

Nas nossas investigações, não conseguimos apurar qual terá sido o último navio da Marinha a dobrar o Cabo Horn, nem quando, antes desta primeira passagem do navio-escola Sagres pelo mais famoso promontório do mundo, que se verificou no passado dia 25 de Março. Por esta ocasião, encontravam-se a bordo o Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar, Dr. Marcos Perestrello, e o Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Melo Go-mes, que estiveram embarcados no trajecto en-tre Ushuaia e Punta Arenas. O navio passou o cabo Horn, no sentido leste-oeste, pelas 2h30, de noite, portanto, passando à vela, em sentido contrário, pelas 8h00 da manhã, altura em que a partir do veleiro Xplorer foi obtida a histórica fotografia que é capa do presente número da Revista da Armada.

Reza a tradição que o uso de um brinco, re-dondo e em ouro, por parte dos marinheiros, somente poderia ser feito depois de haverem dobrado o Cabo Horn. No entanto, parece que este adereço tinha como principal função repe-lir dos maus espíritos – e como os marinheiros são, em regra, supersticiosos! –, servindo tam-bém, em caso de morte, o que parece fazer mais sentido, como garantia de um funeral condi gno.

Além do mais, o facto de este se encontrar pre-so no lóbulo perfurado da orelha, tornava quase impossível o seu roubo.

António Manuel GonçalvesCTEN

[email protected]

Notas:1 Francisco Coloane, Cabo Hornos, Lisboa, Teorema,

1997, pp. 12-13. De referir que autor chileno escreveu também a obra Terra do Fogo, igualmente relacionada com esta região.

2 Visconde de Lagoa, Fernão de Magalhães (a sua vida e a sua viagem), vol. II, Lisboa, Seara Nova, 1937, pp. 52-53.

3 Idem, ibidem, pp. 59 e 63. 4 Visconde de Lagoa, op. cit., p.63.5 Laurence Bergreen, Fernão de Magalhães – Para

além do Fim do Mundo, Lisboa, Bertrand Editora, 2003, p. 201. Na realidade foi cinco anos depois, já que o úni-co navio a concluir a viagem chegou a Sevilha a 6 de Setembro de 1522.

6 Este oceano foi pela primeira vez avistado por Vas-co Nuñez de Balboa (1475-1519), a 29 de Setembro de 1513, que lhe deu o nome de Mar del Sur (Mar do Sul), pois a expedição por si liderada atravessou, naquele sen-tido, o istmo do Panamá, deparando-se com a existên-cia de um novo mar situado a Sul. Prevaleceu, todavia, a designação atribuída por Fernão de Magalhães, muito embora a expressão Mares do Sul seja também com fre-quência utilizada para designar o Pacífico Sul, e, mais genericamente, a faixa oceânica – Pacífico, Atlântico e Índico – que permite circum-navegar o globo, a sul dos cabos Horn, Boa Esperança e Leeuwin.

7 Visconde de Lagoa, op. cit., pp. 70-71. Os aglomera-dos de estrelas referidos por Pigafetta são duas pequenas galáxias satélites da Via Láctea, ambas visíveis a olho nu no hemisfério Sul, que em homenagem ao navegador português receberam a designação de Grande Nuvem de Magalhães e Pequena Nuvem de Magalhães.

8 Idem, ibidem, p. 719 Idem, ibidem, p. 63.10 Idem, ibidem, pp. 35 e 40.11 Embora não exista uma explicação convincente

quanto à origem do vocábulo, tudo indica este radica no castelhano patagones, utilizado por Magalhães para ca-racterizar os índios Tehuelches, que tanto o impressiona-ram, quer pela altura, quer pela dimensão dos pés.

12 Em espanhol, Tierra del Fuego.13 Charles Darwin, A Viagem do Beagle – Viagem

de um Naturalista à Volta do Mundo, Lisboa, Relógio D’Água, 2009, p. 178.

14 Tratam-se de lagos formados, à semelhança do que sucede nos fiordes, pela entrada do mar através de estreitos canais, que provoca a submersão dos va-les contíguos.

15 Charles Darwin, op. cit., p. 192.

16 A Praça do Chile recebeu esta designação em 1928.

17 Também a NASA homenageou o navegador portu-guês, atribuindo o nome Magellan a uma sonda espacial munida de diferentes tipos de radar, que entre 1990 e 1994 efectuou o mapeamento integral da superfície de Vénus, além de medições do respectivo campo magnético.

18 O nome deriva da aglutinação de duas palavras au-tóctones, us – que significa ao fundo –, e uaia – que é o correspondente a baía –, justificando, assim, a localiza-ção desta cidade.

19 A expressão Fim do Mundo tem sido recorrentemente utilizada, ao longo dos tempos, para dar nome a lugares re-motos, que se pensava constituir o fim da terra. Radica no latim Finis Terrae, que deu origem a Finisterra e Finistèrre, dois cabos situados, respectivamente, na Galiza, Espanha, e na Bretanha, França. Acresce que tanto a palvra Finlân-dia, como suomi, o termo finlandês que lhe deu origem, têm ambos o idêntico significado.

20 Construído em 1884, o farol tinha como base um pequeno edifício octogonal em madeira, sendo a luz di-fundida para o exterior através das suas pequenas oito ja-nelas. Cessou a sua actividade em 1902, sendo substituído pelo novo farol da ilha Observatório, situada a norte. Foi declarado monumento histórico em 1976 e reconstruí-do, por um grupo de franceses devotos da obra de Júlio Verne, em 1998.

21 Júlio Verne, O Farol do Fim do Mundo, Lisboa, Livra-ria Bertrand, s.d., p. 26.

22 Originalmente Stateneiland, numa homenagem aos Estados Gerais, o parlamento dos Países Baixos, donde eram oriundos estes exploradores. Em 1609, este nome havia igualmente sido dado por Henry Hudson (c.1550-c.1611) a uma ilha na região da actual Nova Iorque. Em 1625, a actual Manhatan, na altura com o nome de New Amsterdam, tornava-se a capital da região, a Nova Holan-da. Quando os Ingleses assumiram o controlo da região em 1664, passou então a chamar-se Nova Iorque, sendo a ilha de Staten Island um dos cinco distritos, ou bairros, em que actualmente se divide a cidade.

23 Acrónimo de Vereenigde Oost-indische Compagnie.24 Como forma de homenagear estes exploradores, foi

construído em 1989, na Holanda, um moderno navio de treino de mar, o Eendracht, onde embarcam jovens civis, a exemplo do que sucede com o Creoula.

25 Por definição, o alcance nominal de um farol corres-ponde ao alcance luminoso de uma luz numa atmosfera homogénea, em que a visibilidade meteorológica é de 10 milhas marítimas, sendo o valor que, por norma, aparece inscrito nas cartas náuticas.

26 Face aos fortes e constantes ventos de Oeste, e aos inúmeros perigos existentes perto da costa, os navios, quando pretendiam passar para o Pacífico, navegavam, bastante a sul, fazendo bordos, até ganharem o barla-vento que lhes permitisse navegar para norte. Uma vez que o vento induz uma forte corrente Leste, as mais das vezes aquilo que progrediam mal compensava o valor da corrente, daí a dificuldade em dobrar o Cabo Horn neste sentido.

27 Cf. Alan Villiers, The War with Cap Horn, Nova Ior-que, Scibner’s Sons, 1971, pp. xii e xvi. Também o escritor chileno Francisco Coloane (1910-2002) apresentou no seu livro Naufrágios, uma relação de navios que se perderam naquelas costas, baseada nos trabalhos do grande mari-nheiro e hidrógrafo da Marinha do Chile, Francisco Vidal Gormaz (1837-1907).

28 William F. Stark, The Last Time Around Cape Horn – The historic voyage of the windjammer Pamir, Nova Iorque, Carroll & Graf Publishers, 2003. O navio viria a perder-se em 1957. Cf. «Cinquentenário do afundamen-to do Pamir – 1957-2007, Revista da Armada, Dezembro de 2007, pp. 12-12.

29 Ver «A Lenda e o Mito», Revista da Armada, Abril a Junho de 2005.

30 Ver informação mais detalhada em www.capehor-ners.org.

31 Cf. Sagres – Construindo a Lenda, Lisboa, Comissão Cultural da Marinha, 2009, p. 237.

32 Ainda antes de ser descoberta, a Antárctida foi ini-cialmente denominada de Terra Australis, ou Terra Australis Incognita, cuja existência terá sido proposta por Aristóte-les (384-322 a.C.). A ideia foi considerada por Ptolomeu (90-168), que acreditava que o Oceano Índico estaria cer-cado por terra a sul.

O Secretário de Estado da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar e o Almirante CEMA à popa do navio com os oficiais da Sagres, tendo como fundo o Cabo Horn.

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20 MAIO 2010 REVISTA DA ARMADA

O mar de hojeO mar de hoje

Este ano, o meu curso, curso João de Azevedo Coutinho, comemora os 25 anos de entrada para a Escola Na-

val (1985). Curiosamente, há 100 anos, o nosso patrono era Ministro da Marinha e do Ultramar. A implantação da República Portuguesa levou a que fosse reformado compulsivamente em 1910, no posto de capitão-de-fragata (nosso posto actual), por se ter mantido fiel aos ideais monár-quicos. Mais tarde, em 1942, foi solene-mente integrado na Armada e promovido a vice -almirante por distinção. Foi então alvo de expressivas homenagens por par-te do Estado Novo, nas quais se exaltou a sua vida cheia de episódios onde a cora-gem extrema, o respeito pelos adversários, o interesse pela cultura africana, a esclare-cida capacidade e, sobretudo, o inflexível cumprimento dos deveres de fidelidade e de honra, sempre sobressaíram de for-ma invulgar.

Nós, há 25 anos, devemos ter sido toca-dos pelo espírito patriótico do nosso patro-no, embora tenhamos dito que queríamos engrossar as fileiras da Marinha porque estávamos motivados para uma vida liga-da ao mar. Digo isto porque, actualmente, tenho a consciência de que pouco ou nada sabíamos sobre o mar. O mar não era mais do que uma imensidão de água, local de pesca e de trânsito de navios mercantes, memória dos nossos feitos épicos, de gran-des batalhas e uma ponte para o diálogo com outros povos.

Hoje, olhamos para o mar de uma forma bem diferente, bem mais profunda e com a consciência do tempo. Pertencemos a um grupo reduzido de portugueses, que feliz-mente está a aumentar, que consegue olhar para o mar e vê património nacional, que tem de ser defendido. Hoje, compreende-mos a dinâmica do mar, respeitamos a sua força, temos a noção da sua grandeza, das oportunidades que encerra, e percebemos, com sentimento, a célebre frase do General Abel Cabral Couto, que um dia disse «só se defende aquilo que se ama; e só se pode amar aquilo que se conhece».

Há 25 anos, os nossos governantes es-tavam de costas voltadas para o mar, pois o seu pensamento estava no processo de integração europeia. Hoje, identificamos alguns sinais ténues de que a situação se vai alterar. Pelo meio pouco se fez, embo-ra fiquem para a história alguns pontos--chave desta mudança, nomeadamente a «Expo 98» e a apresentação em Lisboa, nessa altura, do «Relatório da Comissão Mundial Independente para os Oceanos: O Oceano, o Nosso Futuro», onde um painel de especialistas afirmou a importância dos oceanos para a vida no planeta, traçando uma análise exaustiva das questões am-bientais, económicas e sociais, tendo por

base o desenvolvimento sustentável. Me-rece destaque ainda, na minha perspec-tiva, o relatório da Comissão Estratégica dos Oceanos «Um Desígnio Nacional para o Século XXI».

Só recentemente passou a haver sinais mais frequentes e evidentes da mudança, menciono alguns: a «Estratégia Nacional para o Mar», todo o processo nacional de extensão dos limites da Plataforma Conti-nental e o estudo, liderado pelo Prof. Er-nâni Lopes, sobre o «O Hypercluster da Economia do Mar». Estes são sinais que estão a criar um renovado clima de es-perança de que Portugal vai dar de novo valor ao seu mar. Esta esperança é muito oportuna numa altura em que se vive num clima de imprevisibilidade. Segundo o Prof. Adriano Moreira, no dia 12ABR2010, numa conferência de promoção do I Con-gresso Nacional de Segurança e Defesa, que teve lugar na Universidade Aberta, precisamos de janelas de liberdade para assegurar a nossa democracia e apenas podemos identificar três: o mar, a plata-forma continental e a língua (que nos liga a outras latitudes).

Por esta introdução já percebe que a for-ma como se olha hoje para o mar começa a ser bastante diferente de há 25 anos, mas será que o mar é o mesmo? Como será den-tro de 25 anos?

Neste artigo procurarei responder à pri-meira questão realçando o valor actual do mar, tendo em conta as descobertas dos úl-timos anos. No próximo artigo procurarei apresentar uma análise prospectiva do que se espera que possa acontecer nas próxi-mas décadas nos espaços marítimos.

O VALOR DO MAR

Segundo registo do Comandante Virgí-lio de Carvalho, o valor do mar tem a ver com o interesse que lhe é reconhecido quanto a potencialidades de natureza eco-

nómica, política e militar, na óptica da rea-lização das aspirações do Homem quanto a Segurança, Desenvolvimento e Justiça, ou seja, Bem-Estar. Particularmente quanto às de Segurança e de Desenvolvimento, que são fundamentais para se criar disponi-bilidade anímica propícia à promoção da Justiça, entendida esta não apenas no do-mínio do social mas, principalmente, no do respeito pelos direitos fundamentais do Homem.

O MAR É IMENSO

O mar é imenso, ocupa cerca de três quartos da superfície do globo e o seu vo-lume é 15 vezes maior que o volume da terra emersa. A profundidade média nas bacias oceânicas é de 3730 metros, enquan-to a parte emersa se situa a uma altitude média de 700 metros, existindo assim uma relação de 6 para 1. Estima-se que existam cerca de 100.000 montes submarinos com mais de 1 quilómetro de altura (conheci-dos por seamounts).

O MAR É DESCONHECIDO

O mar é desconhecido, basta referir que apenas cerca de 350 montes submarinos foram amostrados e, destes, só 100 foram estudados com algum detalhe. O mesmo acontece com os ecossistemas do oceano profundo: fontes hidrotermais, corais de profundidade, etc. A maioria dos estudos científicos no mar é sobre as zonas costei-ras, considerando-se que estão estudados menos de 2% dos fundos marinhos. Ape-nas 0.00001% dos fundos marinhos foram sujeitos a investigações biológicas.

O MAR É DIVERSO E VARIADO

O mar é diverso e variado, pensa-se que o oceano contenha entre 500 mil a 10 mi-lhões de macroespécies bentónicas (no fun-

Em 1985 não se imaginava que em 2010 houvesse a perspectiva de aumentar os espaços sob soberania nacional para quase o dobro (de 1,66 para 3,6 milhões de km2).

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do marinho) e 100 milhões de espécies pe-lágicas (na coluna de água), enquanto em terra há 1,8 milhões de espécies descritas no total dos ecossistemas. O mar contém vários níveis de produtividade e biomas-sa. Nas planícies abissais há, em regra, baixa biomassa mas elevada biodiversi-dade, sobretudo de pequenos organismos e bactérias que vivem enterradas nos fun-dos moles. Nas áreas onde há ecossistemas hidrotermais há biomassas elevadíssimas mas baixa diversidade biológica.

A pesca tradicional continua a ter um pa-pel muito importante na vida das popula-ções, mas com diferenças regionais. Cada português consome, em média, quase 60 kg de peixe por ano, mas a média mundial situa-se na casa dos 16,5 kg. A China tem registado um aumento no consumo muito significativo, situando-se já na casa dos 26 kg por pessoa, por ano. Este aumento da procura tem sido compensado, parcialmen-te, pela aquicultura.

Em 1900, as cap-turas de peixe eram da ordem dos 5 mi-lhões de toneladas por ano. Em 1950 o valor oficial da ONU reportava 17 a 20 mi-lhões de toneladas. Em 1975 chegou -se às 67 toneladas e, em 2006, segundo a FAO, às 92 milhões de toneladas. Quem mais pescou foi a China e o Perú. A combinação com a aquicultura permitiu somar 144 milhões de toneladas. Des-de os anos 90 que as capturas no mar se mantêm relativamen-te estáveis. A Europa representa aproxi-madamente 6% das capturas mundiais. A sua aquicultura representa apenas 2% do volume mundial e por isso, o seu aumen-to, constitui um objectivo da UE e também de Portugal.

A pesca, que outrora foi considerada uma fonte interminável de alimentos, está actualmente em declínio em todas as partes do mundo e há já muitas zonas sobre-exploradas. Segundo vários cientis-tas, mais de 80% dos stocks comerciais de peixe dos EUA estão sobre-explorados e 90% dos grandes peixes predadores (tais como o atum, o peixe espada e o tubarão) desapareceram do oceano. Perto de 70% dos pesqueiros mundiais estão fortemente explorados ou extintos comercialmente. A pesca comercial no Mar do Norte remove entre 30% a 40% da biomassa de peixe por ano. Também desapareceram dos estuários e das águas costeiras, 85% das grandes ba-leias e cerca de 60% das mais pequenas. A maior parte dos exemplares de peixes pe-quenos também estão a desaparecer. Em

consequência, as criaturas mais familiares do mar, albatrozes, morsas e focas, todas têm vindo a sofrer perdas enormes.

Os peixes que conhecemos bem, os atuns, arenques, bacalhaus pequenos, são todos pescados até aos 800 metros de pro-fundidade. O peixe mais pescado, a an-choveta (Engraulis ringens ou anchova, da família do biqueirão) é capturado entre os 3 e os 80 m de profundidade. A pesca de profundidade é geralmente considera-da a partir dos 400 a 500 metros de pro-fundidade.

Até à década de 80, a generalidade das espécies de profundidade tinha um inte-resse comercial reduzido, quer pela dificul-dade de acesso dos aparelhos de pesca tra-dicionais a zonas de grande profundidade, quer pela dificuldade de introdução des-tas espécies no mercado. No entanto, face à redução das capturas tradicionais, por falta de peixe, e às restrições impostas, a

nível europeu, sobre os volumes de captu-ra (TAC - Total Allowable Catch, captura má-xima permitida), a frota comercial come-çou a procurar, cada vez mais, pesqueiros mais fundos e em zonas pouco exploradas. A tecnologia ajudou bastante, permitiu um enorme avanço na pesca, quer na detecção, quer na captura e armazenamento. Assim, os pescadores começaram a procurar pei-xe cada vez mais longe e mais fundo. Co-meçaram também a estudar os mapas do fundo do mar, baseados em informações militares anteriormente secretas, que po-diam revelar habitats isolados.

Nos anos 80, os pescadores descobriram grandes quantidades de um tipo de peixe das profundezas muito diferente, a viver a profundidades entre 700 e 1200 m. Este peixe tinha carne firme e saborosa, com um alto teor de proteínas e lípidos. Para além disso, encontrava-se em grandes agrega-ções à volta de montanhas submarinas e planícies perto da Austrália e da Nova Ze-lândia. Trata-se do olho-de-vidro laranja.

O sucesso alcançado pelo olho-de-vidro laranja foi fruto da geopolítica do mar. Em

1978, a Nova Zelândia decidiu aceitar as normas previstas na Lei do Mar das Na-ções Unidas aproveitando para reclamar a Zona Económica Exclusiva de 200 milhas náuticas. As várias ilhas em redor das duas ilhas principais permitiram, num ápice, que a Nova Zelândia passasse a ter uma área marítima de cerca de dois milhões de milhas quadradas, ou seja, 17 vezes a área terrestre (quase dez vezes o tamanho da França). Transformava-se assim na quarta maior ZEE do mundo (ocupa actualmente o sétimo lugar).

A descoberta de grandes cardumes de olho-de-vidro laranja na Zona Económica Exclusiva da Nova Zelândia catapultou o país para um frenesim de desenvolvimen-to. Vários armadores construíram rapida-mente frotas para a captura deste peixe e toda a logística para a sua exportação e comercialização. Só alguns anos depois a comunidade científica descobriu que estes

peixes podiam viver mais de 150 anos e que só atingiam a matur idade com mais de 20 anos.

Situação idêntica se registou no Atlân-tico Norte onde os russos começaram a pescar peixe-rato por volta de 1967-68. A captura depressa atingiu, em 1971, o extraordinário nú-mero de 82.000 to-neladas. Em 1973 os navios russos já var-riam todas as áreas abertas do Atlântico Norte. Depois disso, a captura anual co-

meçou a diminuir de forma constante, até umas magras 4000 toneladas em 1982. Não se sabe se esta diminuição foi o resultado de flutuações naturais ou de uma explo-ração desenfreada, embora esta última ex-plicação seja a mais provável. A questão é difícil de responder, pelo facto de os cien-tistas saberem muito pouco sobre o cresci-mento, reprodução e hábitos do peixe-rato, apesar do grande número de capturas para fins comerciais, ao longo de vários anos. Tal como muitas outras criaturas das pro-fundezas, presume-se que o peixe cresça lentamente, chegue tarde à maturidade e viva uma vida invulgarmente longa.

Segundo um estudo comparativo divul-gado pela Comissão Europeia, Portugal ti-nha 10.808 embarcações de pesca licencia-das em 1999. Esse número reduziu-se para 8.585 em 2008. No conjunto dos países que integram a União a 27, houve também um recuo do número de embarcações de pes-ca, mas a um ritmo muito inferior ao na-cional - a rondar os 10 por cento. Assim, a frota de pesca portuguesa passou a pesar praticamente 10 por cento da totalidade

Evolução do número de embarcações de pesca em Portugal e na UE entre 2000 e 2008.

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dos navios registados, no espaço comuni-tário, e é, segundo este indicador, a quar-ta maior entre os parceiros da União. No entanto, se analisarmos do ponto de vista da capacidade das embarcações, então, os dados da Comissão, mostram que Portugal assumia, em 2008, uma arqueação bruta de 106.800 TAB , ou seja, apenas 5,8 por cen-to do total da Europa. Assim, cada navio português tinha em média uma capacida-de de carga de 12,4 TAB, pouco mais de metade do que é a média apurada para a frota europeia como um todo. Esta situa-ção é crónica e tem a ver com o facto de a armação portuguesa estar mais dedicada à pequena pesca costeira, a forma mais ar-tesanal de captura, enquanto as grandes potências se viraram mais para a pesca de alto mar, que exige maior capacidade de carga (as estadias em mar são muito mais prolongadas).

O MAR É RICO

Outra caracterís-tica do mar é ser rico. É no mar que se fazem as maio-res descobertas de ouro negro. Já se retira petróleo do fundo do mar com colunas de água de quase 3000 metros, perfurando-se mais do que isso até che-gar aos depósitos de petróleo ou gás natural. Os campos de petróleo são um enorme desafio tec-nológico, por exemplo, no dia 19 de Feve-reiro, ouvi uma comunicação telefónica, transmitida pela rádio, em que o Coman-dante da “Sagres” reportava que tinha pas-sado por várias plataformas petrolíferas a cerca de 100 milhas do litoral do Brasil. Es-tas plataformas estarão sobre uma coluna de água de 2km mas a camada pré-sal, de onde vão extrair o petróleo, fica a cerca de 7 a 8 km abaixo do solo.

Será que Portugal também pode vir a encontrar petróleo offshore? Não tenho resposta para esta questão, no entanto, ao que apurei, quantidades significativas de petróleo foram geradas nas bacias Lusitâni-ca e do Porto como mostram as numerosas manifestações superficiais e indícios encon-trados em sondagens. Na bacia do Algarve, os indícios de petróleo encontrados são me-nos significativos, apesar de, em duas das cinco sondagens perfuradas até hoje, terem sido detectados indícios de gás e/ou óleo. Quanto à bacia do Alentejo e às restantes 5 bacias exteriores (no deep-offshore), nada pode ser afirmado peremptoriamente, uma vez que nunca foram perfuradas, mas há razões para acreditar na existência de um sistema p etrolífero nestas bacias.

Segundo notícia da agência Lusa, de 14 de Outubro de 2008, iriam iniciar-se em 2010 as perfurações para a exploração de petróleo em Portugal, na Bacia Lusitâni-ca, que apresenta perspectivas de ser uma boa reserva, assegurou o Dr. Guilherme Estrella, Director da Área de Exploração e Produção da petrolífera brasileira, per-tencente ao consórcio. Na sua opinião «As condições geológicas são muito interessan-tes e há boas perspectivas de descobertas significativas».

O administrador executivo da Galp Energia, Eng. Ferreira de Oliveira, admitiu em 7 de Fevereiro de 2009, que «se os pros-pectos identificados por essas ecografias, no sentido simbólico, forem de suficiente dimensão que justifiquem a sua perfura-ção, nós estaremos a perfurar na costa por-tuguesa entre 2010 e 2012». O Eng. Ferreira Oliveira acrescentou ainda que «cada furo custa entre 50 a 100 milhões de euros» e

«pode não ser produtivo». Da investigação que fiz apurei que a

taxa de sucesso actual se situa em 2 furos produtivos em cada 5 furos que se fazem, o que alimenta a esperança de haver pe-tróleo na costa portuguesa.

Sabe-se que o mar profundo também é muito rico em metais, estima-se que alber-gue cerca de 100 milhões de toneladas de depósitos de sulfuretos polimetálicos ma-ciços, muitos deles ricos em ouro indus-trial, ou seja em ouro, prata, cobre, zinco, titânio, cobalto, níquel, manganês, etc. Há já zonas do Pacífico e do Índico concessio-nadas pela Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos para a exploração destes recursos do fundo do mar.

No fundo do mar também há uma enor-me quantidade de hidratos de metano, que têm o aspecto de gelo e ocorrem nos fun-dos de diversos mares e oceanos. São origi-nados por moléculas de metano libertadas durante a digestão da matéria orgânica por parte de bactérias e formaram-se ao longo de milhões de anos. O metano fica aprisio-nado em cristais de água que acabam por formar os hidratos. Os cristais de hidrato de metano podem distribuir-se por cen-

tenas de metros abaixo do solo marinho. Para além do seu grande potencial como combustível primário, os hidratos de me-tano, no seu conjunto, albergam habitats bacterianos únicos. Sabe-se que 60% das bactérias que vivem na Terra estão em se-dimentos no subsolo marinho. Talvez a propriedade mais impressionante dos hi-dratos de metano seja a sua capacidade de «arder», no sentido literal do termo, em-bora quando lhes tocamos sejam pratica-mente indistinguíveis de blocos de gelo, extremamente frios e molhados.

Os hidratos de metano reúnem condi-ções para sua formação nas plataformas continentais entre os 300 e os 2.000 metros. Nas zonas polares podem ser encontrados a partir dos 150 metros de profundidade. Mais de 50% de todo o carbono existen-te no planeta está no fundo do mar, sob a forma de hidratos de metano. É mais do que todas as reservas de materiais fósseis,

todos os seres vivos e todas as minas de carvão somadas. Investigadores por-tugueses descobri-ram e investigam vulcões de lama e hidratos de metano no Golfo de Cádis há vários anos.

Actualmente, o que mais chama à atenção da comuni-dade científica são as fontes hidroter-mais, onde a vida existe em condi-ções extremas. Em 1977, investigado-

res descobriram fontes hidrotermais quen-tes a profundidades da ordem de 2500 me-tros, no rifte dos Galápagos, ao largo do Equador. Surpreendente descobriu-se vida abundante e desconhecida (vermes, amêi-joas e mexilhões gigantes) na dependên-cia dessas fontes hidrotermais submarinas. Em 02JAN2010, no programa 60 minutos» da SIC Notícias ouvi o Dr. Robert Duane Ballard (que descobriu o Titanic) referir que esta descoberta mudou a ciência, porque mostrou que, mesmo sem oxigénio e sem luz, pode haver vida nas profundezas, o que torna mais plausível a ideia de haver vida extraterrestre. Ao largo dos Açores, na cris-ta média atlântica, foram já descobertos vá-rios campos hidrotermais mencionando -se o nome de alguns: o Lucky Strike, localizado em 1992 a 1730 m de profundidade, o Menez Gwen (em 1994, a 840 m de profundidade), Rainbow (em 1997, a 2300 m de profundida-de), e o Saldanha (em 1998, a 2200 m de pro-fundidade). Entretanto, em 2006, durante os trabalhos de geofísica da expedição Gravi-luck, realizados com o apoio do submarino não tripulado Nautile, foi descoberta a fonte hidrotermal Ewan a 1775 metros de profun-didade, a sul do Lucky Strike.

Mapa do U.S. Geological Survey mostrando os locais com maior presença de hidratos de metano. Realça-se a locali-zação de hidratos de metano a sul da costa portuguesa.

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Embora os campos hidrotermais sejam áreas muito ricas em metais, o que mais se procura são os mecanismos que permitem o prolongamento da vida humana, é a cha-mada biotecnologia azul.

Teoricamente, é possível depositar no fundo do mar, debaixo do sedimento frio e grosso do leito dos mares, onde ficariam por milhares de anos, gases de efeito estufa (GEE), apontados como responsáveis pelo aquecimento do planeta. O leito do oceano ao longo da costa leste e oeste dos EUA é suficientemente amplo para abrigar uma quantidade quase ilimitada de dióxido de carbono gerado pelas centrais eléctricas norte-americanas movidas a carvão.

Muitos governos e empresas já estudam formas de bombear o dióxido de carbono para debaixo da terra ou directamente no mar. Este processo já é conhecido como «sequestro de car-bono». Esta possibilidade pode ser potencialmente excelente para o cumpri-mento das metas de redu-ção da emissão de gases de efeito estufa, previs-tas no Protocolo de Quio-to. Esta é mais uma opor-tunidade para um país como Portugal, que pode passar a vender quotas de carbono.

O MAR É REGULADOR

O mar é regulador do clima na Terra, basta pen-sar que os litoriais sofrem menores amplitudes térmicas do que os interiores continentais, ou que os países do norte da Europa têm um clima mais ameno devido à corrente do Golfo. Esta corrente, fruto das alterações climáticas naturais amplificadas pelo homem, está a enfraquecer e teme-se que a seguir a este aquecimento do Planeta se entre numa nova era de glaciação, que tem sido cíclica ao longo dos quase 5 mil milhões de His-tória da Terra.

O MAR É ESSENCIAL

Nas últimas quatro décadas o comér-cio marítimo mais do que quadruplicou e actualmente 90% do comércio mundial e dois terços do petróleo são transportados pelo mar em mais de 47.000 grandes na-vios que circulam entre os cerca de 4000 portos do mundo. As rotas de comércio marítimo transformaram-se nas linhas de vida da economia moderna, pelo que po-demos dizer que o mar é essencial para a vitalidade da economia.

A Europa, que tem 22 países com acesso directo ao mar, é um grande espaço maríti-mo. Nenhum cidadão europeu vive a mais de 700 km da costa e quase metade vive a

menos de 50 km do litoral.A União Europeia é a primeira potência

marítima mundial, especialmente no que diz respeito ao transporte marítimo. Real-ça-se que cerca de 53% do comércio exter-no da UE passa em águas jurisdicionais portuguesas. Além disso, mais de 60% de todo o comércio externo português ocorre por via marítima e cerca de 70% das im-portações nacionais usam a mesma via, incluindo a totalidade do petróleo e quase 2/3 do gás natural que consumimos. Es-tes números mostram que, para Portugal, o mar também é essencial para o seu pul-sar económico.

Não obtive dados recentes mas apurei que o gás importado em 2006 teve duas origens apenas: 66% das importações da

Nigéria via GNL; Restantes 33% prove-nientes da Argélia através do gasoduto do Magrebe (Badajoz). Portugal também importou nesse ano 21% do petróleo da Nigéria. Como sabemos, a Nigéria é uma das áreas mais fustigadas pelo crime orga-nizado, pelo que um acréscimo significati-vo deste tipo de acções nesta área pode ter reflexos directos no abastecimento de gás e de petróleo a Portugal. Este é mais um mo-tivo para deixar o leitor a pensar se o país deve ou não defender os interesses nacio-nais onde quer eles estejam ameaçados.

O Mar é, assim, cada vez mais determi-nante na vida internacional, num mundo cada vez mais globalizado, onde as econo-mias são cada vez mais sensíveis a altera-ções no fluxo do comércio, tão habituadas que estão ao just-in-time. Os oceanos são um elo de unidade cultural e económica entre as nações, o acesso ao mar é um re-quisito essencial, pois nenhuma outra al-ternativa se vislumbra capaz de substituir as capacidades dos navios. Mesmo para países interiores, como a Áustria e a Suíça, o transporte marítimo é elemento de su-porte essencial das suas importações e ex-portações. As ameaças que impendem so-bre a harmonia deste sistema são enormes

e fortuitas sendo fácil perceber que há um novo paradigma para os Estados -nação que é a protecção dos espaços marítimos e das linhas vitais de comunicação. A glo-balização depende absolutamente da livre circulação do comércio e este processa-se, em larga escala, por mar. Por esta razão, o Poder Naval, em especial das Marinhas de Guerra, está cada vez mais no centro do processo de globalização. É preciso que governantes e governados tenham esta consciência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ficaram aqui algumas referências dis-persas ao valor actual do mar. O mar pode ser analisado de inúmeras perspectivas e

em todas elas se identifica muito valor, sempre envol-vido por um conjunto de desafios que precisam de ser enfrentados com uma estratégia nacional. Quan-do, há mais de um sécu-lo, o Almirante Alfred T. Mahan salientou a impor-tância do mar como via de comunicação estava longe de imaginar a importância que viria a ter nos nossos dias e que no futuro se vai tornar também muito im-portante como fonte de recursos (biológicos, mi-nerais, energéticos e cien-tíficos), valor insuspeitado até há poucos anos e mal conhecido ainda hoje.

No passado, tinha-se a ideia que a imensidão dos oceanos seria inquietável, no entanto, os progressos cien-tíficos e tecnológicos do século XX, per-mitiram avaliar o verdadeiro impacte da agressão imprevidente da actividade hu-mana nos oceanos. A sua divulgação junto da opinião pública mundial tem vindo a alertar as consciências para os limites dos recursos no mar e para as implicações no futuro da Humanidade.

Os oceanos fizeram parte do nosso per-curso histórico de Portugal, vivendo-se no presente um renovado entusiasmo pe-los assuntos do mar. A dimensão do mar português, um dos maiores no espaço eu-ropeu, reúne condições para se expandir ainda mais quando for reconhecida a sua pretensão de expansão dos limites da Pla-taforma Continental.

Os portugueses, que precisam de uma janela de liberdade e de esperança, de-vem olhar para o mar. Por certo, se o co-nhecerem melhor, passarão a amá-lo e as-sim perceberão porque se deve investir no seu conhecimento, na sua exploração e na sua defesa.

Armando J. Dias CorreiaCFR

Métodos de depósito do CO2 no oceano.

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24 MAIO 2010 REVISTA DA ARMADA

A MARINHA DE D. SEBASTIÃO (8)

O naufrágio da nau S. Paulo na costa de SamatraO naufrágio da nau S. Paulo na costa de Samatra

De todos os artigos que venho publican-do há vários anos, sobre episódios pas-sados da Marinha Portuguesa, nunca

dediquei um número aos naufrágios. Eles tive-ram o seu lugar na sequência de acontecimen-tos de outra ordem, mas nunca preencheram um número completo destas histórias da Ma-rinha. No entanto aconteceram e tiveram sem-pre uma dimensão trágica que, nalguns casos, ficou gravada na memória na cional através dos relatos que até nós chegaram. O mais co-nhecido de todos foi o do galeão S. João, onde viajava Manuel de Sousa Sepúlveda e toda a sua família, que se perdeu na costa do Natal em 1552. Mereceu apenas uma referência breve na Marinha de D. João III (40), quando falei do honesto governador Garcia de Sá e das suas duas filhas: uma delas Dª Leonor de Albuquer-que que casou com Sepúlveda e veio a perecer nas praias da costa oriental africana, na se-quência desta tragédia.

Pareceu-me, por isso, im-portante falar de uma viagem que tenha resultado em nau-frágio, para que se tenha a no-ção do conjunto de circuns-tâncias que concorriam para a tragédia, sobretudo porque foi na repetição destas expe-riências nefastas que se gerou uma cultura de prudência, de cuidado, de respeito pelo mar, de cumprimento escrupuloso de rotinas de segurança e o estabelecimento de um con-junto de procedimentos rigorosos, que hoje fazem parte da cultura da Marinha e são uma preocupação constante em todos os ní-veis de formação do nosso pessoal. A escolha da viagem da nau S. Paulo, saída de Lisboa em 1560, deve-se ao facto de o navio ter se-guido uma derrota heteróclita que merece ser analisada e compreendida, apesar de ter terminado num naufrágio ocorrido na costa de Samatra, muito longe do local de destino. Deste percurso existem duas descrições cir-cunstanciadas feitas por duas testemunhas presenciais que viveram o desastre: uma de-las é a carta do padre jesuíta Manuel Álvares; e outra é a descrição do boticário Henrique Dias, reunida por Bernardo Gomes de Brito na História Trágico-Marítima. Parece-me im-portante considerar ainda a referência breve de um pequeno capítulo da década sétima de Diogo do Couto, cronista que chegou à Índia em 1559, e não pode ter deixado de se impres-sionar com a dimensão dos acontecimentos, tomando as devidas notas.

A nau S. Paulo foi construída no rio Ankola a mando de um comerciante privado, de nome

Antão Martins, e foi contratada pelo vice-rei D. Pedro de Mascarenhas, para reforçar a ar-mada que deveria vir a Lisboa em 1554. Re-gressou ao Oriente com D. João de Meneses (1556), voltando a Lisboa em 1558 e partindo em 1560 para a viagem em que se perdeu. Diz Henrique Dias que era muito forte, navegava muito bem com mar pela popa, mas era pesa-da para a bolina e (acrescenta o autor) talvez tenha sido essa a razão por que teve sempre dificuldade na volta do mar do Atlântico sul. Em 1556 atrasou-se nesta rota e teve de arribar ao Brasil para reabastecer, acontecendo o mes-mo nesta fatídica viagem de 1560. O boticário

refere que o contratempo de 1556 foi uma das razões que levou o piloto a aproximar-se ainda mais de África, procurando ganhar barlavento para dobrar o Cabo de Santo Agostinho. Infe-lizmente, voltaram a encalmar e a atrasar-se, arribando de novo ao Brasil para reabastecer e curar os doentes. Entraram na Baía de Todos os Santos a 17 de Agosto, sem nenhuma possi-bilidade de dobrar o Cabo da Boa Esperança e chegar nesse ano à Índia, pela rota normal de Moçambique.

O Padre Manuel Álvares escreveu, no Bra-sil, uma carta ao Geral da Companhia – como era procedimento dos jesuítas –, de forma que o texto em que fala do naufrágio foi escrito em Cochim (e não em Goa, como refere por lapso Frazão de Vasconcellos) a 5 de Janeiro de 1562, falando apenas da viagem a partir do Brasil, mas coincidindo com o discurso de Henrique Dias, nos pormenores mais sig-nificativos. Diz-nos então que partiram a 2 de Outubro, uma data que impossibilitaria a passagem de Moçambique à Índia nesse ano. Contudo – explica o boticário – que foi opi-nião do piloto seguir uma derrota por fora da Ilha de Madagáscar, mantendo-se com rumo a leste, por latitudes entre os 37°S e os 40°S,

abordando o Indostão, eventualmente, vindo de sul para norte, lá para Fevereiro ou Março. O texto não é muito claro quanto a esta va-riante da derrota, sobretudo no que diz res-peito à forma como seria feita a aterragem, dizendo-nos apenas que foi assim que pro-cedeu o piloto que fez a viagem de 1556/57, depois de também ter arribado ao Brasil e ali se ter atrasado. Diogo do Couto, contudo, é explícito na sua escrita, dizendo que a ideia do piloto era abordar a ilha de Samatra, passar no Estreito de Sunda, e demandar Malaca a tempo de fazer a viagem para a Índia na épo-ca própria. Pode parecer uma hipótese dispa-

ratada, num olhar rápido para o mapa, mas deve dizer-se que o piloto em causa era António Dias, referido como sendo a primeira vez que fora a Lis-boa e fazia o regresso à Índia, mas como muito conhecedor das derrotas do Oriente, onde exercera a profissão. E, sobre-vivendo ao naufrágio, estra-nho seria que não chegasse à fala com Couto, que não inven-taria esta ideia de fazer a volta pelo Estreito de Sunda.

A verdade é que o navio cor-reu de oeste para leste todo o Índico Sul, passou perto de uma ilha desconhecida dos portugueses (provavelmente a Ilha Amsterdam ou St. Paul), a partir da qual foi ganhando

a latitude do Equador e acabando por en-calhar, a 21 de Janeiro, na costa oeste de Sa-matra, no meio de um temporal que não os deixava governar. O navio ficou assente em lodo, permitindo desembarcar toda a gente com relativa segurança. A partir daí, a desor-dem e a falta de comando foram as causas da perda de muitas vidas, na maioria dos casos vítimas de ataques de populações, contra as quais não conseguiram defender-se de forma organizada, apesar de terem recuperado toda a artilharia e armamento ligeiro que levavam a bordo. Os sobreviventes alcançaram, de fac-to, o estreito de Sunda e, perto de Bantam, en-contraram portugueses que negociavam em pimenta que iam vender à China. Foi num dos seus navios que chegaram a Malaca, em Julho de 1561. Se a ideia do piloto era dirigir--se ao Estreito de Sunda, como diz Diogo do Couto, essa seria a viagem que os Holande-ses fariam algumas décadas mais tarde, e de que alguns documentos portugueses já falam, nos anos trinta e quarenta, como uma viagem possível de acesso ao Extremo Oriente.

J. Semedo de MatosCFR FZ

Nau S. Paulo, da armada da Índia de 1560.Livro de Lisuarte de Abreu.

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REVISTA DA ARMADA MAIO 2010 25

No passado dia 19 de Outubro, teve lugar na Fortaleza de São João do Pico, a cerimónia de entrega do cargo de Comandante da Zona Marítima da Madeira, e por inerência Chefe do Departamento Marítimo da Madeira ao CMG Amaral Frazão.

A cerimónia foi presidida pelo VALM Co-mandante Naval, acompanhado pelo VALM Director-Geral da Autoridade Marítima e Co-mandante-Geral da Polícia Marítima, na qual estiveram presentes as entidades religiosas, civis e militares re-presentativas da Região Autónoma, assim como de todos os mi-litares, militarizados e civis, que prestam serviço nas Unidades da Marinha sediadas nesta Região.

Após lida a Ordem do Dia ao CZMM, e o despacho do ALM CEMA de nomeação para os referidos cargos, seguiu-se a alocu-ção proferida pelo Comandante cessante, CMG Coelho Cândido, que centrou o seu discurso nos objectivos atingidos, considerados essenciais, na prossecução da missão, da melhoria das capacida-des em articulação e cooperação com as entidades externas, assim como da melhoria das condições de trabalho e bem-estar dos que servem a Marinha nas Ilhas da Madeira e Porto Santo.

Seguiu-se a alocução do comandante empossado, que referiu as actividades de natureza militar naval e de serviço público não militar, num quadro de Marinha de “Duplo Uso”, assente em princípios de economia de esforço, partilha de conhecimentos, experiências funcionais e recursos, assumindo o compromisso de concentrar a acção na prestação de um serviço público de quali-dade e orientado para o produto operacional.

Por fim, o VALM Saldanha Lopes enalteceu o trabalho de-senvolvido pelo Comandante cessante, pela excepcional coo-peração, relação institucional e operacional que incrementou e consolidou na Região Autónoma, já reflectido no louvor por

si concedido e tornado público, bem como, realçou a articulação entre o Comando Na-val e a Direcção-Geral da Autoridade Marí-tima, na promoção de uma eficaz imposição da Autoridade do Estado nos espaços ma-rítimos, que tem nesta relação um dos seus pontos mais característicos e mais fortes, sendo este modelo português hoje exemplo para outros países.

O CMG Pedro Manuel Filipe do Amaral Frazão nasceu em Luanda, Angola. Embarcou em fragatas da classe “Cte João Belo”, tendo participado em diversos exercícios nacionais e no âmbito da NATO, destacando-se a integração, por três vezes, na STANAVFORLANT. Foi Chefe do Serviço de Comunicações e Guerra Electrónica do NRP “Cte Sacadura Cabral”.

Após uma breve passagem pela Escola de Comunicações, como instrutor do Sistema Integrado de Comunicações, foi chamado a desempenhar o cargo de Ajudante de Ordens do ALM CEMA.

Comandou o NRP “Zaire”, tendo executado várias missões de fiscalização nas águas sob soberania e jurisdição nacional, e apoio logístico nas Zonas Marítimas do Continente e da Madeira. Chefiou o Serviço de Logística do Comando da Es-quadrilha de Navios Patrulhas.

Prestou serviço no CINCIBERLANT em Oeiras, na Divisão de Comunicações e Sistemas de Informação desse Estado-Maior internacional. Durante esse período participou no exercício Linked Seas 97 e representou esse Comando na equipa de planeamento de Comunicações do exercício Strong Resolve98.

Foi Capitão do Porto de Porto Santo, Comandante Local da Polícia Marítima e Director da Estação Rádio Naval do Porto Santo.

Foi Adjunto do Chefe da Missão Militar Portuguesa junto da NATO/EU, em Bruxelas, e desempenhou funções na Divisão de Operações do EMA.

Desempenhou funções no Gabinete do MDN como Assessor Militar para a Marinha.

Licenciado em Ciências Militares Navais pela Escola Naval, está habilitado com o Curso de Especialização de Oficiais em Comunicações e com o CGNG. Em Setembro de 2005 obteve uma pós-graduação em Gestão Estratégica da Co-municação (Escola Superior de Comunicação Social, Lisboa).

Da sua folha de serviços constam vários louvores e condecorações.

TOMADA DE POSSE

ENTREGA DE COMANDO

Em 19MAR ocorreu no salão da Biblioteca do EMA a cerimónia da tomada de posse do Superintendente dos Serviços de Tecnologias da Informação; CALM Gamei-ro Marques, tendo presidido o Vice-CEMA, VALM Telles Palhinha. Estiveram presentes as mais altas entidades da Marinha, bem como oficiais, sargentos, praças e civis do novo organismo.

Após a condecoração do empossado com a medalha de Comportamento Exemplar-ouro e a leitura da ordem o novo Superintendente usou da palavra de que se realça:

“...A missão da SSTI é “Potenciar a obtenção de Conhecimento através do fornecimento da Informação certa à pessoa certa na altura certa....

... Os nossos comportamentos devem ter o deliberado propósito de tratar com pragmatismo os problemas, de, sem utopias, procurar a melhor solu-ção, mantendo a permanente atmosfera de dignidade, de coesão e de entre-ajuda, que nos permitam focalizar as nossas energias no essencial, em prol do progresso de toda a Marinha....

Por último o VCEMA encerrou a cerimónia referindo designa-damente:

“...É por demais consabido que a informação certa, obtida no momento certo é um contributo determinante para uma melhor tomada de decisão e para que os respectivos efeitos sejam pretendidos. O desafio reside na con-cretização deste conceito.

...Em termos da respectiva Lei Orgânica, a identificação de “Informação” como recurso teve, na Marinha, a primeira ex-pressão na década de noventa com a criação da DAMAG.”...

SUPERINTENDENTE DOS SERVIÇOS DE TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO

O CALM EME Gameiro Marques ingressou na Escola Naval e concluiu o curso de Marinha em 1981. Navegador do NRP “João Belo” e Oficial Imediato do NRP “Save”, frequentou a especialização em Comunicações em 1983/1984. Conclui o Mestrado em Electrical and Computer Engineering que frequentou na Naval Postgraduate School em Monterey na Califórnia. Foi oficial do Gabinete de Engª de Sistemas do CITAN, onde participou no desenvolvimento e na ma-nutenção dos sistemas de comando e controlo e de apoio à decisão

em operação nas fragatas da Classe “Vasco da Gama”. Fez parte da equipa respon-sável pelo treino e avaliação dos navios daquela classe, incluindo a participação na equipa de ligação ao FOST. Prestou serviço no EMA, tendo simultaneamente chefiado os projectos de implantação do MCCIS na Marinha e posteriormente de Modernização e Automatização das ERN. Após ter frequentado o curso do Colé-gio de Defesa NATO em Roma, desempenhou o cargo de conselheiro militar do Embaixador de Portugal junto da Aliança Atlântica no QG da NATO em Bruxelas, onde cumulativamente representou Portugal no NATO Consultation Command and Control Board, entidade responsável naquela organização internacional por todos os assuntos relacionados com as tecnologias de informação e comunicação. Dirige, desde 8 de Janeiro de 2009, a Direcção de Análise e Gestão de Informação e a Direcção das Tecnologias de Informação e Comunicação da Marinha, e cumu-lativamente é o coordenador geral do SIGDN da Marinha.

Possui diversos louvores e condecorações.

COMANDANTE DA ZONA MARÍTIMA DA MADEIRA

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No dia 12 de Março, realizou-se, no Depósito POL Nato de Ponta Delgada, a cerimónia de entrega do Comando da Zona Marítima dos Açores e, simultanea-mente, a tomada de posse dos cargos de Chefe de Departamento Marítimo dos Açores e Comandante Regional da Po-lícia Marítima, tendo o VALM Ramos da Silva sido substituído nestas funções pelo CALM Mendes Calado.

A cerimónia, presidida pelo Coman-dante Naval, VALM Saldanha Lopes, em representação do CEMA e Autoridade Marítima Nacional, con-tou com a presença do Director-Geral da Autoridade Marítima e Comandante Geral da Polícia Marítima, VALM Silva Carreira e de cerca de uma centena de convidados. Marcaram presença, o Re-presentante da República para a Região Autónoma dos Açores, o Vice-presidente do Governo Regional dos Açores e a Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, para além do pessoal Militar, Militarizado e Civil que presta serviço no Comando de Zona, e de-legações das Capitanias, do DMA, do Comando Regional da Polícia Marítima dos Açores, e NRP´s “Bartolomeu Dias”, “João Coutinho” e “Baptista de Andrade”.

Após a condecoração de dois militarizados da PM, no seu discur-so de despedida o VALM Ramos da Silva fez um balanço do seu período de Comando da ZMA e relevou o esforço que a Marinha desenvolveu no seu apoio às populações e na permanente salva-guarda da vida humana nos espaços marítimos.

Após a rendição de Comando, o novo Comandante proferiu tam-bém uma alocução, identificando os objectivos a que se propõe no fu-turo imediato e reafirmando o paradigma operacional da “Marinha de Duplo Uso” que se consubstancia no exercício deste cargo con-

centrando na mesma pessoa a responsa-bilidade de afirmação da Marinha como instituição de Serviço Público nas duas componentes; militar e não militar.

O Comandante Naval na sua alocução elogiou o Comando exercido pelo VALM Ramos da Silva e desejou boa sorte ao novo Comandante manifestando-lhe a confiança para cumprir e continuar a afirmar a importante missão do CZMA e do DMA, assegurando o cumprimen-to da missão da Marinha e Autoridade

Marítima Nacional numa região que reconhece exemplarmente a importância que o País encontra no mar.

Após a cerimónia foi oferecido um almoço aos convidados, a bor-do do N.R.P. “Bartolomeu Dias”.

O CALM Antonio Maria Mendes Calado frequentou a EN, sendo promovido a GM em 01OUT78.

Especializou-se em Artilharia e possui, entre outros, o CGNG, o CCNG e o Curso de Promoção a Oficial General.

Esteve embarcado em várias unidades navais, tendo comandado o NRP “Corte Real”. Exerceu funções de Chefe do Serv. de Navegação e Comunicações do NRP ”João Coutinho”, Chefe do Serv. de Comunicações do NRP ”Augusto Castilho”, Oficial Imediato do NRP ”Lagoa”, Chefe do Serv. de Artilharia do NRP” Cte João Belo” e Chefe do Departamento de Operações do NRP ”Vasco da Gama”.

Em terra, desempenhou funções de Formador na Escola de AN (G2EA), Di-rector de Instrução da Escola de AN (G2EA), Chefe do Gab. de Operações Sup/AA do CITAN, Chefe da Secção de Exercícios do CN, Chefe da Secção de Treino do Departamento Operacional da Flotilha, Adjunto do Chefe da Divisão de Pes-soal e Organização do EMA, Adido de Defesa junto da Embaixada de Portugal em Varsóvia, Republica da Polónia e mais recentemente desempenhou o cargo de chefe da Divisão de Pessoal e Organização do EMA.

Da sua folha de serviços constam vários louvores e condecorações.

26 MAIO 2010 REVISTA DA ARMADA

TOMADA DE POSSE

ENTREGA DE COMANDO

No passado dia 9 de Dezembro teve lugar no Aquário Vasco da Gama, a cerimónia de tomada posse do novo Director, CMG EMQ Gonçalves Ribeiro, presidida pelo CALM MN Rui Abreu, Presidente da Comissão Cultural da Marinha, em representação do ALM CEMA.

Assistiram a esta cerimónia diversas en-tidades da estrutura orgânica da Marinha, entidades civis ligadas à actividade cultural do Aquário e representantes autárquicos, para além dos militares, militarizados e civis que prestam servi-ço no AVG.

Depois da leitura da Ordem, o empossado usou da palavra, sendo de relevar do seu discurso, as seguintes linhas de acção, a que se propôs:

“... contribuir para o desenvolvimento do conhecimento científico na sua área de responsabilidade, concorrendo para a consolidação de uma mentalidade marítima, essencial à valorização do desígnio nacional de li-gação ao mar e do melhor conhecimento dos seus recursos”.

“... através da cooperação com as organizações congéneres, contribuir para o desenvolvimento de uma cultura de responsabilidade pela preser-vação dos recursos e da biodiversidade, que torne sustentável o futuro das próxima gerações”.

Usou seguidamente da palavra o CALM MN Rui Abreu que após salientar a im-portância museológica, científica e lúdica do AVG, disponibilizou o seu apoio e ma-nifestou a sua confiança no novo Director, cuja carreira e anteriores desempenho fa-lam por si.

Referiu-se em seguida ao trabalho profícuo e dedicado do Cte Felícia Moreira nos quatro anos e meio em que exerceu aquelas funções, agradecendo a sua prestação, que viria a ser

objecto de público louvor como era de inteira justiça.

DIRECTOR DO AQUÁRIO VASCO DA GAMA

O CMG EMQ José Jaime Gonçalves Ribeiro nasceu em Santo António das Areias, Marvão, e ingressou na Escola Naval, tendo concluído o curso de En-genheiro Maquinista Naval.

Prestou serviço como oficial de guarnição a bordo de vários navios. Em ter-ra exerceu funções na DSM, AA, DMN, DT e DN. Desde JAN08 era chefe do gabinete do VALM SSM.

Durante o período em que prestou serviço em unidades em terra frequentou diversos cursos, destacando-se o CGNG e o CCNG, ambos no ISNG.

Encontra-se habilitado com o Curso de Promoção a Oficial General que frequentou no Instituto de Estudos Superiores Militares, no ano lectivo de 2006-2007.

Da sua folha de serviços constam vários louvores e condecorações.

COMANDANTE DA ZONA MARÍTIMA DOS AÇORES

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REVISTA DA ARMADA MAIO 2010 27

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E já passaram 50 anos!E já passaram 50 anos!No dia 18 de Março voltámos à Doca da Marinha. Uma vedeta

esperava pelos oficiais do Curso D. Lourenço de Almeida para os levar ao Alfeite onde iam decorrer as comemorações da par-

tida para a “Volta ao Mundo”.Quis o VALM Saldanha Lopes, Comandante Naval marcar condi-

gnamente o acontecimento. E as-sim foi com alguma emoção que no Salão Nobre uma simples troca de palavras nos fez recordar a cerimó-nia ocorrida há 50 anos na tolda do Aviso “Afonso de Albuquerque” amarrado à bóia do Quadro dos Navios de Guerra, portanto em 18 de Março de 1960.

Depois da sessão de cumpri-mentos foi-nos proporcionado uma visita ao CITAN onde pudemos apreciar o actual desenvolvimen-to do Centro e onde assistimos a uma demonstração do simulador de navegação.

Partiu-se depois, em autocarro, para o almoço a bordo da fragata “Bartolomeu Dias”, aproveitando--se para apreciar a Base Naval de Lisboa e o actual estado das obras das novas construções designada-mente o edifício de apoio aos novos submarinos da 5ª Esquadrilha.

A bordo da fragata “Bartolomeu Dias”, o Comandante Mirones fez uma exposição no Centro de Operações sobre as capacidades das novas fragatas da classe “Bartolomeu Dias” a que se seguiu a apresentação de um exercício.

No hangar teve depois lugar um almoço presidido pelo Almi-rante Comandante Naval em que esteve também presente o Comandante da Flotilha, os ele-mentos do Curso D. Lourenço de Almeida e os oficiais do na-vio e que foi aproveitado para uma profícua troca de impres-sões em que sobressaiu a evolu-ção da Marinha nos últimos 50 anos, tendo sido por todos apre-ciado o actual estado de desen-volvimento.

Aos brindes foi oferecido ao navio o brazão de armas do anti-go Aviso “Bartolomeu Dias” que pertenceu ao saudoso Almirante Sarmento Rodrigues, tendo por sua vez sido oferecidos ao curso os brazões de armas do Coman-do Naval e do actual NRP “Bar-tolomeu Dias”.

(Colaboração do CURSO D. LOURENÇO DE ALMEIDA)

Encontro Nacional de Combatentes10 de Junho de 2010

Encontro Nacional de Combatentes

A Comissão Executiva do Encontro Nacional de Combatentes 2010 promove no próximo dia 10 de Junho, junto ao Monu-mento aos Combatentes do Ultramar, em Belém, Lisboa, o

seu XVII Encontro Nacional.As cerimónias que ali terão lugar têm por objectivo comemorar o

Dia de Portugal e prestar homenagem e não deixar esquecer aque-les que tombaram em defesa dos valores e da perenidade da Nação Portuguesa. Por esta razão, é importante reunir o maior número de Portugueses, não só os que foram combatentes no ex-Ultramar e os que mais recentemente serviram em missão de paz no estrangeiro, mas também todos aqueles que, amantes da nossa História e envol-vidos na construção de um futuro mais próspero para a sociedade portuguesa, queiram participar nestas cerimónias.

Este ano a Comissão é presidida pelo Almirante Vidal Abreu e foi chamada à colação a figura do Cte. Oliveira e Carmo que, de maneira heróica, morreu combatendo por Portugal. Simbolizando o papel de todas as mães e mulheres portuguesas, a sua viúva, Sra. D. Maria do

Carmo Oliveira e Carmo, fará uma alocução em que lembra o con-tributo, o esforço e o sofrimento daquelas que, na retaguarda, vivem diariamente os problemas de uma frente de combate.

PROGRAMA10H15 - Missa no Mosteiro dos Jerónimos; terno de clarins e coral;11H30 - Concentração junto ao Monumento aos Combatentes do U ltramar;12H00 - Cerimónia de abertura; 12H04 - Palavras de exaltação ao herói Cte. Oliveira e Carmo, pela sua viúva

Sra. D. Maria do Carmo Oliveira e Carmo;12H12 - Cerimónia inter-religiosa (católica e muçulmana);12H20 - Homenagem aos mortos e deposição de coroas de flores;12H40 - Hino Nacional (salvas por navio da Marinha Portuguesa);12H45 - Sobrevoo por aeronaves da Força Aérea Portuguesa;12H50 - Passagem final pelas lápides;13H10 - Salto de Pára-quedistas;13H25 - Almoço-convívio (pode ser adquirido no local).

Em 18 de Março de 1960 na tolda do Aviso “Afonso de Albuquerque”, o Ministro da Ma-rinha, Almirante Quintanilha e Mendonça Dias despede-se dos cadetes e da guarnição do navio. Presente o Almirante Sarmento Rodrigues, Comandante da Escola Naval.

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REVISTA DA ARMADA MAIO 2010 29

VIGIA DA HISTÓRIA 21

A Agulha Fixa II

A determinação da Longitude no mar constituiu, desde o início da navegação oceânica, um dos principais proble-mas com que os navegadores se depararam.

Inicialmente grande número das soluções apresentadas basea-vam-se, erradamente, no conceito de que as linhas isogónicas eram paralelas aos meridianos terrestres, conceito este que, logo na 1ª metade do séc. XVI, D. João de Castro teve oportunidade, de experimentalmente, demonstrar não ser correcto.

Apesar disso, Luís da Fonseca Coutinho, em 1608, apresentava ao Rei, em Madrid, um seu invento, a Agulha Fixa, que permitia determinar a Longitude.

O invento logrou a aprovação régia, tendo o Rei determinado que o inventor fosse para Sevilha ensinar os pilotos no seu uso e, depois, para Lisboa ensinar aos pilotos das naus da Índia.

Também o cosmógrafo-mor João Baptista Lavanha terá sido convencido da validade do invento pois, logo a 16 de Março, elaborava:

- o Regimento das Agulhas Fixas de Luís da Fonseca Coutinho e o Regimento do Instrumento para saber por ele a altura a qual-quer hora do dia que haja sol.

A análise do invento terá prosseguido, aparentemente com a aceitação do cosmógrafo já que este, em Janeiro de 1610, produ-ziu dois novos documentos sobre o assunto:

- Uso do instrumento das duas Agulhas, uma Fixa e outra Re-gular;

- Regimento do que há-de fazer o Piloto que for à Índia na nau Holandesa.

Este último Regimento, a que em breve se voltará, significa que o invento iria ser testado numa viagem à Índia.

O facto de não haver qualquer outra notícia sobre o assunto faz admitir que, como é natural, a experiência não tivesse logra-do êxito.

Não eram ainda decorridos 50 anos e outro inventor, Jerónimo Osório da Fonseca, surgia com uma nova Agulha Fixa e, mais uma vez, foi lograda a aprovação oficial já que, em 1652, o inventor seguiu para a Índia para testar o invento. Muito provavelmen-te terá ficado, ou morrido, na Índia, já que é ao piloto Manuel André que, em 1654, foi dada a incumbência de testar o equipa-mento na viagem de regresso ao Reino muito provavelmente na “Santíssimo Sacramento da Trindade”.

Em 18 de Março de 1565, o piloto, em reunião do Conselho Ul-tramarino, afirmava que o invento não tinha qualquer utilidade e que se tinha partido durante um combate havido.

Com. E. Gomes

Fontes:Man. 51-VII-II Biblioteca da AjudaLivro das Monções 23-ACx 40 Índia Arquivo Histórico UltramarinoCód. 1465 Arquivo Geral de Simancas.

A Agulha Fixa II

Prémio Nacional da Saúde 2009Prémio Nacional da Saúde 2009

Em cerimónia presidida pela Ministra da Saúde, Drª Ana Jor-ge, decorreu no dia 7 de Abril, no Auditório do Infarmed, a comemoração do Dia Mundial da Saúde.

Nesta cerimónia, que contou com a presença do Director-Ge-ral da Saúde e repre-sentantes das Ordens Profissionais, foi en-tregue o Prémio Na-cional da Saúde 2009 ao Professor Doutor Carlos Silveira.

Esta dist inção é atribuída anualmente pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), des-de 2006, a persona-lidades que tenham contribuído para a “obtenção de ganhos em saúde ou para o prestígio das organi-zações no âmbito do Serviço Nacional de Saúde”. Pela primeira vez, o prémio foi con-cedido a um farma-cêutico, o CMG FN Ref. Professor Doutor Carlos Silveira, tendo sido na ocasião realçado o exemplo de cidadania e competência, caracterizado por larga e profícua carreira docente e de investiga-ção, a que juntou um importante contributo para a saúde pública, quer no âmbito castrense, quer no da sociedade civil.

O Professor Doutor Carlos Fernando Costa da Silveira foi bas-

tonário da Ordem dos Farmacêuticos entre 1989 e 1995. Licen-ciou-se em 1945 na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, onde concluiu também o doutoramento, em 1966. Entrou para a Marinha aos 24 anos, em 1946, como farmacêutico naval,

onde permaneceu du-rante 43 anos, tendo dirigido a classe dos oficiais farmacêuticos e ocupado o cargo de Sub -director do Ser-viço de Saúde Naval. Esteve, ainda, duran-te 13 anos ligado ao Ministério da Saúde e outros 24 como pro-fessor e investigador universitário na Fa-culdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.

Salienta-se ainda a sua intervenção na génese do Laboratório de Análises Fármaco-Toxicológicas da Ma-rinha, bem como na

Comissão Técnica dos Novos Medicamentos, na implementação de farmácias hospitalares, na criação da Ordem dos Farmacêu-ticos e no Centro de Metabolismos e Genética da Universidade de Lisboa.

(Colaboração da DIRECÇÃO DO SERVIÇO DE SAÚDE)

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30 MAIO 2010 REVISTA DA ARMADA

“ …A alma tem que continuar a amar no vazio, ou, pelo menos, a querer amar nem que seja com uma infinitésima parte dela…mas se a alma deixar de amar, cai, já aqui, em algo quase equivalente ao inferno…”

Simone Weil, Paris, 1966

A vida de médico está cheia de surpresas. Assim foi quando um outro médico, mais novo, me trouxe o Sr. Marinhei-

ro Z. Este marinheiro tinha sido apanhado no controle toxicológico, regular e aleatório. Tra-tava-se de um jovem magro – extremamente magro, como se vivesse numa qualquer espé-cie de deserto, onde a comida fosse escassa. Grisalho antes da velhice, tinha um olhar frio e um semblante de quem já teria olhado várias vezes a morte nos olhos e havia sobrevivido…Quando entrou, arrastou um vazio estranho: silencioso e pesado. Tornou-se escura, subita-mente, aquela manhã radiosa…

Não foi o procedimento administrativo, des-poletado por uma análise toxicológica positi-va, que o trouxe à minha presença. Outros já haviam tratado disso. Veio acompanhado pelo jovem discípulo de Esculápio, pela taquicardia. Numa observação de rotina, aquele jovem mé-dico descreveu uma frequência cardíaca con-tínua de cerca de 120 pulsações por minuto, mesmo fora do ambiente médico e sem esforço ou ansiedade aparente (o enfermeiro do navio concordava acenando, lentamente, com a ca-beça). Fez um electrocardiograma, o ritmo era de facto elevado, mas era apenas um exagero da normalidade, pelo mesmo mecanismo pelo que nos adaptamos ao esforço ou, por exem-plo, ao medo…O paciente não falava, olhava para um lugar distante, à maneira dos seres en-jaulados, que – sinto na alma – se refugiam em lugares onde serão sempre livres, pois a pior prisão não é a do corpo é a da alma.

Não resisti, quis falar com ele a sós…Man-dei sair todos e lá consegui que falasse. Falou devagar, mas contou a sua vida…Passou toda a sua infância num subúrbio da Margem Sul, não muito longe do Alfeite. O pai bebia. Che-gando a noite gritava e batia em todos lá em casa, começando pela mãe. Aquilo durou até aos 17 anos do Marinheiro Z. O pai acabou por morrer cedo. Adormeceu na berma da es-trada e foi atropelado. Ficou com os três irmãos e a “velha” mãe, ela teria 40 anos nessa altura, mas estaria já muito doente e “tomava muitos comprimidos”. Morreu pouco tempo depois, no Hospital Garcia de Orta, teve uma “trom-bose”, parece que tinha há muitos anos uma hipertensão arterial, difícil de controlar…

A irmã mais velha começou primeiro a tra-balhar num bar em Cacilhas, para sustentar a família. Vive agora algures no Norte do país. Partiu quando alguns clientes, antigos vizinhos,

descobriram, que nesse bar ela fazia mais do que apenas servir bebidas…Um outro irmão está preso. Pertencia a uma quadrilha que roubava carros e os “exportava” para um país africano…O nosso Marinheiro Z ingressou nas fileiras da Armada, assim que a idade o per-mitiu. Finalmente, o irmão mais novo arranjou um emprego temporário na Câmara. Quando o contrato acabou, decidiu emigrar para a Irlan-da. Não se falavam há muitos meses…

O Sr. Marinheiro Z contou esta história mais depressa do que eu a consegui escrever, como se fosse banal… Chamei o enfermeiro do na-vio. Este confirmou que o Marinheiro Z era asi-lante e homem de poucas falas, não sabia mais nada dele. Fiz depois dois telefonemas, um para uma psicóloga, porque achei que aque-le marinheiro precisava de ajuda daquele foro. O outro foi para o imediato do navio em causa. Su-mariamente lá lhe expliquei que acreditava que o seu marinheiro precisava mais de ajuda, do que de castigo…

Nos dias seguintes a história do Sr. Marinheiro Z esteve sem-pre na minha mente. Pequenos sinais do mundo pareceram-me mais valiosos. Abracei os meus filhos de outra forma, como se o mundo fosse de uma fragilidade extrema e todo o carinho valioso. Pensei, também, muito no preço do destino. Pensei que este jovem devia viver numa solidão extrema e, nestas situações, talvez a dro-ga – que é uma forma de suicídio lento – provavelmente se apre-sentaria como a escolha lógica…Achei que antes de o julgar teria que procurar compreendê-lo…Nesse esforço tudo fazia sentido: o coração dele que batia muito depressa, o medo no seu olhar, a dança da morte que fa-zia com a vida…

Se pensarmos bem e se tivermos caridade (…um bem em grande escassez…), talvez seja possível aceitar que, provavelmente, este Sr. Marinheiro Z está a pagar o preço por uma es-colha que talvez não tenha sido exclusivamen-te sua. Chegaremos, num esforço de empatia, a uma conclusão com que sou confrontado vezes e vezes sem conta nesta profissão que escolhi…que pena que alguns tenham que pa-gar um preço por escolhas que não foram de-les. Certamente, este rapaz gostaria de ter tido um pai de quem se pudesse orgulhar, uma mãe que não morresse em sofrimento e os irmãos perto…As suas escolhas seriam outras, mas não escolhemos o nosso destino…escolhemos apenas a forma como o aceitamos…

O diagnóstico do Sr. Marinheiro Z parece

simples, concluirá o leitor atento – sofre de falta de amor. Sim todo o amor é sagrado e está presente em tudo o que somos, para o que contribui o amor de muitos, alguns nun-ca reconhecidos…Cada um de nós não está só. É sempre filho de alguém, pai de alguém e amigo de alguém, numa cadeia interminá-vel que nos sustém, tanto ou mais que o pão que comemos…Quando não temos amor, fi-camos azedos e tristes, perdidos…foi isso que terá acontecido a este marinheiro. Deixou de amar e caiu num abismo, como está bem ex-presso na citação acima…

Decidi escrever esta história, porque a es-crita é como o vento. Nasce, na vida de quem sente as vibrações profundas do mundo, vinda não se sabe de onde. Não se escolhe, não se

deseja…É a voz que nasce no lado esquerdo no peito. De certa forma também é uma forma de amor. O amor dá sentido às nossas vidas. Por ele vale a pena escrever. Por ele vale a pena lutar. Por ele vale a pena mesmo ser perseguido e maltratado…O amor explica, na sua razão última, porque gostamos tanto de algumas pes-soas e detestamos outras, nem que se apresen-tem embrulhadas em papel brilhante, porque o amor não se finge, nem se compra…

Espero que o Sr. Marinheiro Z não tenha ain-da perdido toda a capacidade de amar, pois amar é também acreditar no que não se vis-lumbra. Se o Marinheiro Z acreditar, nem que seja com a infinitésima parte do seu ser, talvez seja possível recuperar algum do amor que lhe terá sido negado e que era seu por direito…É esse o meu mais profundo desejo.

Doc

HISTÓRIAS DA BOTICA (74)

O destino, o preço de uma escolha e o amor…O destino, o preço de uma escolha e o amor…

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REVISTA DA ARMADA MAIO 2010 31

“Política de Defesa Nacional e Estratégia Militar”Modelo de Elaboração

“Política de Defesa Nacional e Estratégia Militar”

No passado dia 17 de Fevereiro, no anfiteatro “Ar-tur Ivens Ferraz“ do Instituto de Estudos Superio-res Militares (IESM), foi apresentado o novo livro,

o 12.º, do CALM António Silva Ribeiro. A apresentação do autor e a introdução ao tema foi feita pelo anfitrião, VALM Álvaro Sabino Guerreiro, Director do IESM. A Dra. Alice Feiteira, em nome da editora Diário de Bor-do e da Revista Segurança e Defesa, explicou porque se associaram ao projecto.

O CALM Silva Ribeiro apresentou o seu livro perante uma plateia repleta de distintas personalidades civis e mi-litares, salientando-se a presença do Almirante CEMA.

No livro, com prefácio do Prof. Doutor Adriano Mo-reira, que também se encontrava presente, o autor, com autoridade académica, propõe um novo modelo para a elaboração da Política de Defesa Nacional e da Estratégia Militar, em virtude do mo-delo actual estar afectado por diversas deficiências conceptuais e pro-cessuais. A sua proposta resulta de uma articulação lógica, com recur-

so à imaginação criativa e à experiência pessoal, dos conceitos operacionais da elaboração estratégica, com os procedimentos proporcionados pelas regras básicas e pelas técnicas aplicadas em conhecidos modelos de elaboração política, de planeamento estratégico e de gestão estratégica. Na estrutura do modelo proposto evidenciam-se as principais fases e os respectivos ci-clos e etapas.

Relativamente à utilidade do livro, o CALM Silva Ri-beiro disse que gostaria que fosse útil numa próxima revisão do articulado da Lei de Defesa Nacional (LDN). Por certo, também será muito útil para apoiar o trabalho diário de todos aqueles que, por razões académicas ou profissionais, têm de investigar ou formular a política de

defesa nacional e a estratégia militar portuguesa. Seguramente, a obra também não passará despercebida aos gestores e administradores, de grandes empresas e organizações, que têm de planear o futuro perante um ambiente competitivo com enormes desafios.

O primeiro motor do navio-escola “Sagres”O primeiro motor do navio-escola “Sagres”

O antigo motor do navio-escola “Sagres” está de novo em exposição, para fruição dos visitantes do Museu de Marinha, após 25 anos no apoio à formação no pólo de Vila Franca de Xira da Escola de Tecnologias Navais (antigo Grupo Nº 1 de Escolas da Armada – G1EA, actual ETNA).

Decorrente do processo de Reordenamento do Parque Escolar, que culminou com a transferência dos Departamentos de Propulsão e Energia (antiga Escola de Máquinas) e com o Departamento de Ad-ministração e Logística (antiga Escola de Abastecimento) para o Alfeite, e consequente encerramento do pólo, a ETNA tomou a iniciativa de encetar os caminhos necessários à preservação deste emble-mático motor, como elemento de valor histórico a preservar. Em estreita coordenação com o Museu de Marinha, o motor do navio-escola “Sagres” foi enviado para as instalações da MAN (Machinenfa-brik Augsburg-Nürnberg) Diesel Portugal - Sapec Bay, em Setúbal, que gentilmente se disponibilizou para fazer a sua beneficiação, para que posteriormente, fosse cedido a título definitivo ao Museu de Marinha, a fim de enriquecer o núcleo de elementos histórico-industriais navais.

Este motor da marca MAN (750 hp) esteve ao serviço da “Sagres”, de 1937 a 1991, tendo sido substituído por um outro da marca MTU (1000 hp).

Projecto “Limpar Portugal”Projecto “Limpar Portugal”

A Marinha participou, em 20 de Março, no pro-jecto “Limpar Portugal” no concelho de Al-mada, com 33 elementos. Este projecto nas-

ceu de uma iniciativa pessoal, na defesa pela causa de ter um país mais limpo, angariando diversos apoios da população, bem como de instituições.

Neste apoio e em resposta a uma solicitação do movimento, a Marinha respondeu de forma pronta, dando o exemplo neste acto de cidadania que de-correu a nível nacional, com a participação multi-facetada que apresentou, ao apoiar com meios e militares do Corpo de Fuzileiros e meios da Direcção-Geral da Autoridade Marítima (DGAM) – Combate à Poluição e da Direcção de Transportes. O CF apoiou com três viaturas pesadas de carga (uma basculante, uma com braço-grua e outra normal), duas viaturas de apoio (um jipe e um mini autocarro), uma máquina com pá (manitou), uma tenda insuflável para apoio ao Posto de

Comando das actividades e uma força de escalão Pelotão com um Oficial de Ligação.

Esta acção começou de manhã com a Força de Fuzileiros a montar da tenda no Centro Sul, onde ficou centrado o comando e controlo das activida-des desenvolvidas pela Marinha e de coordenação de todas as actividades.

As acções de limpeza efectuadas tiveram es-pecial ênfase no Bairro Social do Alfeite, em Vale Flores (próximo do Almada Fórum), na Sobreda e

por último na Trafaria.Durante este dia, o PC foi visitado por diversas entidades que expres-

saram publicamente o seu agrado pela forma pronta como respondeu ao pedido e pela vontade demonstrada nos militares em participar neste acto de cidadania nacional.

(Colaboração do COMANDO DO CORPO DE FUZILEIROS)

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Forças armadas, organismos governamentais e policiais com tare-

fas de segurança relevantes só poderão ser bem sucedidas se os

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REVISTA DA ARMADA MAIO 2010 33

QUARTO DE FOLGA

JOGUEMOS O BRIDGEJOGUEMOS O BRIDGEProblema Nº 129

Todos vuln. N-S jogam o contrato de 4 , tendo W saído naturalmente a V, e E feito AR e virado V. Como deverá S prosseguir para garantir o contrato, sem de-pois se queixar que está em dia de azar?

TAPE OS JOGOS DE E – W PARA RESOLVER A 2 MÃOS.

SOLUÇÕES: PROBLEMA Nº 129Analisando as 2 mãos constatamos que a dificuldade do cumprimento está dependente da colocação de algumas cartas, nomeadamente a D de trunfo se estiver à 3ª, e neste caso se deve partir de R do morto, ou de A da mão, não havendo nenhuma razão válida para jogar de uma ou de outra maneira; se falhar resta ainda a passagem a R, no que existem 50% de probabilidades de acertar, mas como vê também não está bem. Esta é mais uma situação muito frequente à mesa, e grande parte dos bridgistas menos experientes recor-rem logo às passagens, sem procurar ver se tal será a única hipótese, questão que já referi várias vezes em problemas anteriores. Vejamos então como S deve jogar: a forma correc-ta de destrunfar será partir de A da mão, porquanto, mesmo que estejam 3-1 em E, o que por acaso não acontece, permitir-lhe-ia dar 2 voltas de trunfo, eliminar os e colocar a mão em E na D, obrigando-o a jogar para corte e balda ou debaixo de R, e eliminando deste modo essa perdente e sem necessidade de ter de recorrer a passagens.

Nunes MarquesCALM AN

Oeste (W):

1062

D87

765

V1098

Este (E):

R975

– V1093

AR532

Norte (N):

AV83

R952

R82

76

D4

Sul (S):

AV10643

AD4

D4

PALAVRAS CRUZADASProblema Nº 412

PALAVRAS CRUZADAS

123456789

1011

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11

HORIZONTAIS: 1 – Peixe do Brasil; ave trepadora do Brasil. 2- Manga de vidro em forma de calota esférica, destinada a resguardar do pó objectos delicados; nome vulgar de um género de árvores silvestres, de cuja madeira se fazem remos (inv). 3 – Partido; no meio do gorro; renque. 4 – A ti; estar em chama; letra grega (inv). 5 – Aforamento. 6 – Mil e cinquenta e dois romanos; sarrafo. 7 – Princípio corante do sangues. 8 – Aspecto; lugar de contenda (fig); consoante dobrada. 9 – Rente; rio português (inv); patriarca bíblico. 10 – Apetites sexuais dos animais; dia da semana. 11 – Lugar apra-zível, entre outros que o não são; cidade da Polónia, ao norte de Quielce.

VERTICAIS: 1 – Ursa Maior; que tem olhos azuis-claros. 2 – Antiga capital da Mace-dónia, pátria de Filipe e de Alexandre, o Grande; península da Grécia, cujo nome foi dado na Idade Média, ao Peleponeso. 3 – Nome feminino; de quem se fala; pedido de socorro. 4 – Rio italiano; dá vida; nota musical. 5 – Tirara a forma. 6 – Queimei; pátria de Anacreonte. 7 – Trincar novamente. 8 – Símb. quím. do sódio; governa; símb. quím. do bário. 9 – Mau cheiro; salto do cavalo; quinto filho de Jacob (Bíblia e inv). 10 – Que tem calos; aviltamento (fig). 11 – Cidade e município do estado de S. Paulo (Bras); estômago propriamente dito das aves gramívoras (inv).

SOLUÇÕES: PALAVRAS CRUZADAS Nº 412HORIZONTAIS: 1 – Apapa; Anaca. 2 – Redoma; Acav. 3 – Cla; Orr; Ala. 4 – Te; Arder; Or. 5 – Enfiteuse. 6 – MLII; Ripa. 7 – Zoematina. 8 – Ar; Arena; Ll. 9 – Res; Aoc; Noe. 10 – Cios; Sábado. 11 – Oasis; Radom.

VERTICAIS: 1 – Arcto; Zarco. 2 – Pele; Moreia. 3 – Ada; Ele; Sos. 4 – Po; Anima; Si. 5 – Amorfiara. 6 – Ardi; Teos. 7 – Retrincar. 8 – Na; Reina; Ba. 9 – Aca; Upa; Nad. 10 – Calosa; Lodo. 11 – Avare; Aleom.

Carmo Pinto1TEN REF

“EU, PORTUGUÊS IMPURO NO CAMINHO FRANCÊS DE SANTIAGO”Realizou-se no passado dia 27 de Março

na Livraria Bertrand, do Olivais Shoppping Center, a cerimónia de lançamento do livro “Eu, Português Impuro no Caminho Francês de Santiago”, de Joaquim Figueiredo, com a chancela da Editora Fonte da Palavra.

A cerimónia contou com uma performan-ce teatral pelos três protagonistas do livro e actuação dos fadistas José Frias e Gilda de Castro, acompanhados à guitarra por Alberto Raio e à viola por Nelson de Castro, estando

a apresentação do livro a cargo da escritora Anabela Quental. Joaquim Figueiredo percorreu a pé, entre 14 de Abril e 20 de

Maio de 2008, novecentos e cinquenta quilómetros, tantos quan-tos ligam Roncesvalles a Muxia, passando por Santiago de Com-postela e Finisterra.

Este livro descreve as boas e más experiências do autor e do

casal brasileiro que o acompanhou no percurso, também conhe-cido por Caminho das Estrelas.

Joaquim Figueiredo nasceu na Chamusca, em 1958. Ingressou em 1979 na Marinha, onde é Cabo L, desempenhando actualmen-te as funções de fotógrafo no Gabinete de Imagem do CEMA.

CONVÍVIO

ÚLTIMA GUARNIÇÃO DO NRP “ÁLVARES CABRAL” F336

A última guarnição do NRP “Álvares Cabral” F336,vai reunir em almoço-con-vívio no próximo dia 8 de Maio para comemorar o 41.º aniversário da comissão de serviço em Angola e Moçambique (28 Abril de 1969 a 10 de Maio de 1971). O evento será no restaurante “Flor da Mata” sito na Estrada Nacio-nal 378 Almada/Sesimbra, junto às bombas de combustível da BP. Contactos: Letras 919960755 / Mendonça 961179466.

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Decorreu no passado dia 13 de Março o encontro comemorativo do 26º aniversário da 10ª companhia da 1ª incorporação de 1984.

O encontro iniciou-se com uma visita à Esquadrilha de Helicóp-teros seguindo-se um almoço num restaurante no Montijo, onde foi servido um magnifico repasto.

O convívio decorreu num ambiente de sã camaradagem.

ASSEMBLEIA GERALPresidente – José Mendes Morais1º Secretário – Adelino Pereira2º Secretário – José Armando Pacheco Ribeiro

DIRECÇÃOPresidente – Mário Francisco Sortelha MartinsVice-Presidente – José Manuel QuintinoTesoureiro – Floriano das Dores Cruz

CONSELHO FISCALPresidente – Daniel Joaquim Rodrigues1º Secretário – Francisco Romão Matias Gonçalves2º Secretário – Manuel Guerreiro Viegas “Lelinho”

PLANO DE ACTIVIDADES PARA 201020 de Maio – Comemorações do Dia da Marinha05 de Junho – Encontro Nacional de Marinheiros da Armada em

A lmeirim10 de Junho – Dia de Portugal / Dia Nacional do Fuzileiro18 de Julho – Visita Cultural ao Museu da Marinha e Planetário11 de Setembro – Passeio Cultural Rio Guadiana05 de Outubro – Torneio de Petanca (inter-zonas)13 de Novembro – Comemorações 9º Aniversário do Clube

34 MAIO 2010 REVISTA DA ARMADA

“FILHOS DA ESCOLA” – 10ª COMPANHIA DA 1ª INCORPORAÇÃO DE 1984

CLUBE ESCOLAMIZADEÓRGÃOS SOCIAIS – 2010/2011

CONVÍVIOS

NOTÍCIAS PESSOAIS

RESERVA

VALM José Carlos Margarido Lima Bacelar VALM José Augusto Vilas Boas Tavares CFR SEP José Vieira Pires 1TEN TS Fernando Manuel Louren-ço Gomes SMOR H Carlos Manuel Gil Gomes SMOR H Otávio Fernandes Azevedo SAJ FZ José Alexandre Duarte Lopes SAJ CM José Maria da Ro-cha Alves SAJ R Luís Eduardo Gomes Sameiro Macedo SAJ B Joaquim Ma-nuel Rosado Silva Medinas 1SAR B Carlos Alberto Oliveira Costa Gonçalves

CAB TFD José Manuel da Fonseca Matos CAB L José Manuel Lopes Con-tente Vitório CAB M Gabriel Domingos Rosado do Rosário.

REFORMA

CMG Carlos António de Moura Costa Rodrigues CMG José Francisco Ventosa CMG António Manuel Lopes Antão CFR SEE Emílio António Sustelo CFR

OT Luís Filipe Coelho Correia CTEN OT José Rodrigo Aldonso Serrano CTEN Joaquim Manuel da Rocha Afonso SMOR M João Luís Quintano Mendes SMOR FZ António Leonel Duarte Rodrigues SAJ L Luís Manuel Queijo SAJ FZ Gabriel Andrade Morgado SAJ TF Narciso Eiras Ribeiro SAJ FZ Manuel Moreira Bre-nha SAJ CE Carlos Manuel dos Santos Ferreira SAJ SE Jorge Manuel Raposo das Neves SAJ SE António Manuel Santos da Costa 1SAR FZ Celestino Teles Cardoso CAB FZ Francisco José Teixeira Gil CAB E José Oliveira Jorge CAB A Paulo Jorge Crespo Martins 1MAR TFD Joaquim Carlos Pires.

FALECIMENTOS

SMOR DFA FZ José da Conceição Filipe SAJ CM REF Gonçalo Pereira Eusébio SAJ SE REF João Batista Rodrigues SAJ CM REF Amandio Caetano Monteiro SAJ R REF Jorge Francisco Boldt SAJ FZ REF João de Sá Sequeira SAJ H João

Simões Franco 1SAR H REF Sancho Francisco Costa 1SAR C REF Raúl da Con-ceição Portela CAB TFD REF Caetano José Rolo de Carvalho 2SAR GRD FZ REF António Joaquim Pires Martins 2SAR DFA FZ REF Manuel Augusto Reis Dias 1MAR E André Arménio Valente Figueira Farol. 2ª QPMM APOS Ramires Nunes de Freitas Gomes Farol. F 2ª Cl APOS Lúcio Domingos Anastácio.

COMANDOS E CARGOSNOMEAÇÕES

CMG Rui Manuel Costa Casqueiro de Sampaio nomeado Director do Serviço de Pessoal CMG João Ribeiro Nobre da Silva Ramos nomeado Chefe da Repartição de Recrutamento e Selecção da Direcção do Serviço de Pessoal CMG Miguel Nuno Pereira de Matos Machado da Silva nomeado Chefe da Divisão de Pessoal e Organização do EMA CMG Luís António de Oliveira Belo Fabião nomeado Chefe da Repartição de Sargentos e Praças CMG RES Luís José de Oliveira Ur-bano nomeado Director da Escola de Autoridade Marítima CTEN Paulo Jorge Salgueiro Frutuoso nomeado Comandante do NRP “Tridente” CTEN César Manuel Pires Correia nomeado Comandante do NRP “Viana do Castelo”.

AOS NOSSOS LEITORES

O livro “A Retirada de Guileje”, da autoria do Coronel de Artilha-ria Alexandre Coutinho e Lima, não se encontra à venda em livra-rias, pelo que, todos os interessa-dos poderão a dquiri-lo através do contacto do autor:

Rua Tomás Figueiredo, nº 2 2º Esq. 1500 – 599 LISBOA ; Telef. 21 760 82 43; TM 91 793 12 26

33º ALMOÇO-CONVÍVIO NACIONAL DE MARINHEIROS E EX-MARINHEIROS DA ARMADA

Realiza-se no dia 5 de Junho, no Salão Moinho de Vento, em Almeirim, o 33º almoço-convívio de marinheiros e ex-marinheiros da Armada.

Para mais informações contactar: [email protected], ou para o endereço R: Infante D. Henrique nº 93 2080-145 Almeirim.

Telef. 243 593 551, 243 591 886, 243 599 779 ou TM 93 951 77 94.

III ALMOÇO-CONVÍVIO DOS MARINHEIROS DO CONCELHO DE ANSIÃO

Realiza-se no próximo dia 12 de Junho no Anjo da Guarda, Pousaflores, o III almoço-convívio dos Marinheiros do concelho de Ansião e seus familia-res. Para mais informações e reservas contactar: Rui Ventura Tlm: 918 354 784; Nuno Simões Tlm: 916 741 174; Afonso Lucas; Tlm: 917 277 188.

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5. O CRUZADOR AUXILIAR “PEDRO NUNES”

Navios da RepúblicaNavios da República

Foi construído em 1889, no estaleiro inglês “Scott & C.” em Greenock, com o nome de “Malange”, para a Mala Real Portu-guesa, Companhia adquirida, em 1902, pela Empreza Nacional de Navegação.

Face à entrada de Portugal na Grande Guerra, além dos na-vios alemães apresados no Tejo, em Fevereiro de 1916, houve necessidade de mobilizar navios mercantes portugueses que pu-dessem ser utilizados em serviços de âmbito militar. O “Malan-ge” foi um deles.

Aumentado ao “Efectivo dos Navios da Armada” em 17 de Abril de 1916 e identificado como “Pedro Nunes”, possuía as seguin-tes características:Deslocamento....................................................3.574 toneladasComprimento fora a fora ..................................... 108,50 metrosBoca ...................................................................... 13,12 “Calado máximo ..................................................... 10,70 “

O aparelho propulsor era constituído por apenas uma máquina que desenvolvia a potência de 2.300 cavalos, a que correspondia a velocidade de 16 nós.

Esta velocidade, então apre-ciável para um navio do seu tipo, aliada à existência de um casco robusto e à elevada auto-nomia de 8.850 milhas, foram os parâmetros que levaram à sua mobilização.

Classificado como cruzador, são-lhe então instaladas 2 pe-ças Schneider de 120 mm, 2 Armstrong de 76 mm e uma Hotckiss de 47 mm.

A guarnição compreendia 155 homens (12 oficiais, 18 sargen-tos e 125 praças).

Durante os cerca de sete anos ao serviço da Armada a sua prin-cipal actividade esteve relacionada com o serviço de transporte. Assim, em Junho de 1916, logo após ter sido artilhado, largou de Lisboa com a missão de transportar prisioneiros alemães para An-gra do Heroísmo e militares de Cabo Verde. Em Dezembro foi ao Funchal, levando e trazendo pessoal e material, inclusive peças de artilharia e respectivas munições para a Madeira.

Entretanto, tendo sido constituído o Corpo Expedicionário Por-tuguês (C.E.P.) tornava-se necessário transportá-lo para França, o principal teatro de operações da Grande Guerra. Nesse transporte efectuado via marítima, já que além da travessia por terra ser mais difícil a vizinha Espanha tinha optado pela neutralidade, foram utilizados os cruzadores auxiliares “Gil Eanes” e “Pedro Nunes” e para escolta os contratorpedeiros “Douro” e “Guadiana”.

O “Pedro Nunes” largou para a primeira ida a França em 8 de Fevereiro de 1917 com destino a Brest, tendo no regresso esca-lado Plymouth, a fim de embarcar carvão. Esta rota seria cum-prida em mais sete missões de transporte de pessoal e material do C.E.P.

Nas oito viagens foi escoltado por um dos contratorpedeiros portugueses, ocasionalmente por navios do mesmo tipo ingleses ou seguiu integrado em comboios ou mesmo, confiante na sua velocidade, navegou sozinho, sem escolta.

De qualquer modo, atravessando habitualmente zonas minadas e infestadas de submarinos alemães, onde já tinham sido assina-lados vários afundamentos da navegação aliada, o navio jamais sofreu qualquer ataque inimigo. O facto de chegar sempre incó-

lume e vindo de uma direcção imprevisível, levou a ser apelidado de “Navio Fantasma” em Brest e em Plymouth, tendo-se rapida-mente tornado conhecido e prestigiado.

Quando da assinatura do Armistício encontrava-se em Ports-mouth, prestes a rumar a Devonport para entrar em fabricos, após dois anos de intensa e permanente actividade. Consta no seu Livro do Serviço Diário Fundeado o seguinte: Às 12 horas do dia 11 de Novembro foi dada volta aos serviços como regozijo por ter aca-bado a guerra, tendo-se embandeirado nos topes com as bandeiras nacionais e no tope do mastro grande com as bandeiras inglesa e portuguesa. Do Relatório do Comandante, o capitão-de-fragata Alberto Gonçalves Aprá, igualmente se transcreve: O Armistício deu-se quando este navio estava em Portsmouth e portanto os pe-rigos e os dias amargos passaram; porém o que não deve passar da memória de todos é o esforço enorme de que toda a guarnição deste navio produziu durante os dois acesos anos de guerra sub-

marina: nos portos a carga e a descarga em poucas horas para não se perder a lua, no mar no serviço permanente de noite e de dia. Significativo testemunho que notabiliza o comportamen-to da guarnição do cruzador em tempo de guerra.

O conflito tinha termina-do mas a situação política em Portugal agrava-se com o as-sassinato do Presidente Sidó-nio Paes, em Dezembro de 1918. No Norte estala uma in-surreição com vista à restaura-ção do regime monárquico. É

então criada a Divisão Naval de Operações, da qual faz parte o “Pedro Nunes”, com a missão de neutralizar essa revolta. Cons-tituem também a Divisão o cruzador “Vasco da Gama”, o con-tratorpedeiro “Guadiana”, as canhoneiras “Ibo” e “Limpopo”, os caça-minas “Açor” e “Celestino Soares” e o rebocador “Bérrio”. O navio, com o Almirante Chefe de Divisão a bordo, após rece-ber autorização do Ministro da Marinha, em 8 de Fevereiro de 1919, secundado pela “Ibo”, faz fogo sobre a Fortaleza de Viana do Castelo, então reduto das forças monárquicas, que em Março são completamente derrotadas.

Volta pela última vez a Inglaterra, em Julho de 1920, para tra-zer para Lisboa os restos mortais do guarda-marinha da Aviação Naval Guilherme Abreu Fonseca, morto num acidente aéreo na-quele país onde frequentava um curso de pilotagem.

De Janeiro a Julho de 1921, desloca-se ao Extremo-Oriente, transportando material para Cabo Verde, S. Tomé, Angola, Mo-çambique e Macau, tendo na ocasião praticado não só portos destes territórios, como também Capetown, Colombo, Singapu-ra e Hong-Kong.

A sua última longa viagem decorre de Julho a Novembro de 1922, quando ruma ao Brasil em serviço do Comissariado Geral do Governo na Exposição Internacional do Rio de Janeiro.

Em 9 de Julho de 1923, foi abatido ao “Efectivo dos Navios da Armada” o “Pedro Nunes”, um navio que mobilizado para o servi-ço na Marinha cumpriu exemplarmente as missões que lhe foram atribuídas, tendo a sua acção sido imprescindível no transporte e apoio logístico do Corpo Expedicionário Português.

J. L. Leiria PintoCALM

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14 JANEIRO 2003 REVISTA DA ARMADA

5. O CRUZADOR AUXILIAR “PEDRO NUNES”

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