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A ARTE DA PRECE UMA ANTOLOGIA ORTODOXA compilada por Hegúmeno Chariton de Valamo traduzida por E. Kadloubovsky e E. M. Palmer Editada com uma introdução de Timothy Ware

A ARTE DA PRECE - INTRODUÇÃO

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A ARTE DA PRECE

UMA ANTOLOGIA ORTODOXA

compilada por Hegúmeno Chariton de Valamo

traduzida por E. Kadloubovsky e E. M. Palmer

Editada com uma introdução de Timothy Ware

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

PREFÁCIO

I - O QUARTO INTERNO DO CORAÇÃO

II - O QUE É ORAÇÃO? (i) O Teste de Todas as Coisas

(ii) Graus de Oração

III - A ORAÇÃO DE JESUS (i) Meditação Secreta (ii) Oração Incessante (iii) A Oração de Jesus

(iv) Lembrança de Deus

IV – OS FRUTOS DA ORAÇÃO (i) Atenção e Temor a Deus

(ii) Graça Divina e Esforço Humano (iii) A Combustão do Espírito

V - O REINO DO CORAÇÃO (i) O Reino Dentro de Nós

(ii) A União da Mente e do Coração

VI - GUERRA COM AS PAIXÕES (i) Guerra com as Paixões (ii) Conheça a Si Mesmo

(iii) Trabalho, Interno e Externo (iv) Solidão

(v) Tempos de Desolação (vi) Ilusão

(vii) Humildade e Amor

VII - OS ENSINAMENTOS DOS STÁRTSI DO MONASTÉRIO DE VALAMO

OUTRAS LEITURAS

ÍNDICE REMISSIVO

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INTRODUÇÃO O Padre Chariton e seu monastério

“O que é a oração? Qual é a sua essência? Como podemos aprender a orar? O que é que o espírito do Cristão experimenta quando ele ora na humildade do coração?” 1

Tais são as questões que este livro se propõe a responder. Ele apresenta um retrato da oração em seus vários graus, da prece oral comum até a oração incessante do coração; acima de tudo, entretanto, ele está preocupado com uma oração em particular, conhecida na Igreja Ortodoxa como a Oração de Jesus. Uma das mais simples de todas as orações Cristãs, ela consiste de uma única curta sentença: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim.”2 Dez palavras em português, em outras línguas é ainda mais curta – em grego e russo, não mais que sete palavras. Mesmo assim, em torno destas poucas palavras muitos Ortodoxos através dos séculos construíram a própria vida espiritual, e através desta única oração entraram nos mistérios mais profundos do conhecimento Cristão. A presente antologia ajuda a explicar como os homens chegaram a descobrir tanto em frase tão curta.

O compilador, Hegúmeno3 Chariton, foi um monge Ortodoxo, um membro da antiga e histórica comunidade de Valamo, situada numa ilha do Lago Ladoga, na fronteira entre a Finlândia e a Rússia. Entrando na comunidade na virada do século, tornou-se superior durante o período entre as duas grandes guerras, em um tempo quando Valamo ainda estava fora dos limites da União Soviética.

A antologia do Padre Chariton brota diretamente de sua própria experiência monástica. Logo na sua entrada para o monastério – seguindo o costume habitual nas comunidades religiosas Ortodoxas – foi colocado sob a supervisão de um stárets4, que instruiu o jovem noviço na prática da Oração de

1 Veja Cap II (i,1), p.51 (Bispo Nikon) 2 Outra possível tradução: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha misericórdia de mim.” Ambas com 10 palavras, adotamos a primeira versão por estar em consonância com aquela feita em Relatos de um Peregrino Russo (Vozes, 2009). (Nota da versão em português) 3 Hegúmeno (ήγούµενος): título usado em grego e em russo para o superior da comunidade monástica. 4 Stárets (plural startsi), literalmente um ‘ancião’: um monge (ocasionalmente uma pessoa leiga) que se distingue por sua santidade, longa experiência na vida espiritual,

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Jesus, e ao mesmo tempo em outras formas de oração e esforços ascéticos. Com a morte de seu stárets, Chariton – na ausência de um professor vivo – procurou por direção nos livros. Ele tinha o costume de copiar num distinto caderno de notas as passagens que particularmente o impressionavam e assim, ao longo do tempo, compilou uma antologia sobre a arte da prece. Veio a ele a idéia de que as palavras que lhe foram úteis também seriam de ajuda para outros – não apenas aos monges mas às pessoas leigas do mundo – e assim, em 1936, decidiu publicar o material de seu caderno de notas. Deliberadamente discreto, não adicionou comentários nem conexões associativas próprias – ‘não ousando a presunção’, como ele mesmo coloca, de que tivesse ‘alcançado a Oração Interior’5 – mas deixou que os autores falassem inteiramente por eles mesmos.

A Arte da Prece, então, representa o fruto de cuidadosa leitura através de muitos anos de vida monástica. Contêm autores de épocas amplamente distintas, estendendo-se do quarto ao vigésimo século, mas o grosso das citações vem de escritores russos da segunda metade do século IXX. Tomada como um todo, a antologia do Padre Chariton expõe diante do leitor o ensinamento espiritual da Igreja Ortodoxa na sua forma clássica e tradicional. Existem outros livros que tentam, em diversas maneiras, cumprir a mesma meta, mas poucos deles são emoldurados em termos tão inusitados, diretos e vívidos.

Vivendo no grande monastério de Valamo, Padre Chariton não poderia deixar de sentir-se como o herdeiro de uma rica e antiga tradição que se estendia através de muitos séculos passados. Quando entrou na comunidade, Valamo ainda estava no cume de sua prosperidade, com 300-400 monges e quatro igrejas dentro do recinto principal, ao lado de muitas capelas menores: era um lugar de peregrinação honrado por toda a Rússia, com uma imensa casa de hóspedes suficiente para abrigar 200 visitantes ao mesmo tempo. Mas não era tanto a glória exterior que atraia um monge como Chariton; seu interesse pousava mais na tradição do ascetismo e da oração interior pela qual Valamo se mantinha, e é esta herança invisível e espiritual que ele e dom especial para guiar a alma dos outros. 5 p. 40. Cap. I (3). (3 é o número da página no arquivo ‘pdf’ em português, 40 a página do trecho em inglês.)

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busca tornar disponível para outros através de sua antologia. Valamo por muito tempo foi um famoso centro

missionário: durante a Idade Média membros do monastério viajaram através do distrito circundante de Karelia pregando às tribos pagãs, enquanto que em 1794 foram nove monges de Valamo os escolhidos para ir ao Alaska como os primeiros missionários Ortodoxos no Novo Mundo. Embora fale aos Cristãos, não pagãos, em seu próprio modo o Hegúmeno Chariton também é um missionário – não através da pregação direta, mas através da palavra impressa. Ele fala daquele reino interno do coração, desconhecido à maioria dos Cristãos, que todo membro batizado do Corpo de Cristo pode descobrir dentro de si mesmo através da arte da prece. As fontes da antologia

Durante o século IXX a Igreja Ortodoxa Russa testemunhou um florescimento extraordinariamente rico de vida espiritual. Foi, principalmente, por dois dos maiores escritores deste movimento que Chariton atraiu-se ao compilar seu caderno de notas – pelo Bispo Teófano, ‘o Recluso’ (em russo, Zatvornik) e pelo Bispo Ignatii Brianchaninov. Citações do primeiro compreendem a maior parte da Arte da Prece.

Teófano, o Recluso (1815-94), conhecido no mundo como George Govorov, nasceu em Chernavsk, perto de Orlov, na província de Viatca situada na Rússia central. Seu pai era um padre de paróquia e, como muitos filhos do clérigo na Russia pré-revolucionária, ele próprio foi preparado para o sacerdócio, sendo enviado para estudar num seminário. Suas características posteriores já eram aparentes neste primeiro estágio de sua vida: os professores do seminário o descreviam como ‘disposto a solidão, gentil e silencioso’. Após o seminário passou quatro anos na Academia Teológica de Kiev (1837-41). Aqui na cidade de Kiev veio a conhecer a vida monástica em primeira mão, fazendo frequentes visitas ao Lavra Petchersky, o berço do monasticismo russo, e estando sob a influência de um dos startsi da comunidade, Padre Parthenii.6

Ao graduar-se na Academia, Teófano tomou os votos

6 Veja Cap. III(iii) – parte 2 p-17.

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monásticos e foi ordenado padre. Intelectualmente dotado, estudioso por inclinação natural, tornou-se professor no seminário de Olonetz e mais tarde na Academia de São Petersburgo. Logo após, passou sete anos (1847-54) no Oriente Próximo, especialmente na Palestina, onde serviu na Missão Espiritual Russa. Durante esta época adquiriu um excelente domínio do grego e tornou-se completamente familiarizado com os Padres – conhecimento do qual ele fez bom uso na sua vida posterior. Retornando a Rússia, tornou-se reitor da Academia de São Petersburgo. Em 1859 foi elevado ao episcopado, servindo como Bispo, primeiro em Tambov, e depois em Vladimir.

Mas o coração de Teófano pousava, não no trabalho ativo da administração diocesana, mas sim numa vida de oração e seclusão; e assim em 1866, depois de sete anos como bispo, renunciou a seu cargo e retirou-se para um modesto monastério provincial em Vyshen, onde permaneceu até sua morte, vinte e oito anos depois. De início tomou parte nos serviços da igreja do monastério, mas de 1872 em diante permaneceu estritamente recluso, nunca saindo, não vendo ninguém exceto seu confessor e o superior do monastério. Ele viveu com a máxima simplicidade em dois quartos pobremente mobiliados, enquanto que em sua pequena capela doméstica tudo foi reduzido ao estritamente essencial, e não havia nem mesmo um iconostasis. 7 Aí, depois de sua reclusão, ele celebrava a Sagrada Liturgia8, de início aos Sábados e Domingos somente, mas durante os últimos onze anos de sua vida, diariamente. Ele executava o serviço por si mesmo, sem um auxiliar, sem ninguém para dar as respostas – nas palavras de um biógrafo, ‘tudo sozinho, em silêncio, co-celebrando com os anjos’.

Como um recluso, Teófano dividia seu tempo entre a oração e o trabalho literário: em particular, passava muitas horas a cada dia respondendo a vasta correspondência que lhe chegava de todos os cantos da Rússia, principalmente de mulheres. Para relaxar pintava ícones e trabalhava um pouco com carpintaria. Sua dieta era de grande austeridade: pela manhã, uma xícara de chá com algum pão; por volta das 14:00, um ovo (se não fosse um dia de jejum) e outra xícara 7 Tela de ícones que normalmente divide o santuário em uma igreja Ortodoxa do resto do prédio. 8 A Liturgia: o termo Ortodoxo usual para o Serviço de Comunhão ou Missa.

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de chá; a noite, chá novamente e pão. Isto era tudo. De todos os autores monásticos russos, Teófano é

provavelmente o mais altamente educado. Em seu retiro em Vyshen ele levou consigo uma biblioteca bem abastecida, incluindo trabalhos de filosofia contemporânea ocidental, mas que continha primordialmente os Padres: entre seus livros estava a completa Patrologia de Migne. Sua reverência pelos Padres é evidente em todas as coisas que escreveu; embora citações explícitas sejam comparavelmente infrequentes, ele sempre se mantém extremamente perto dos seus ensinamentos.

Como um visível monumento das suas três décadas de seclusão, Teófano deixou um substancial corpo de escritos. Ele preparou edições em russo de vários trabalhos espirituais gregos9 e compôs muitos volumes de comentários às Epístolas de São Paulo. Mas seu principal legado está em sua correspondência, parcialmente publicada em dez volumes, e é dela, em sua maioria, que o Padre Chariton faz citações em sua antologia. Apesar de seu conhecimento acadêmico, Teófano tinha o dom especial de expressar-se em linguagem vívida e direta. Escreveu em resposta para questões práticas e problemas pessoais específicos; e assim escreveu de modo simples, em termos que poderiam penetrar diretamente no coração destas crianças espirituais que nunca tinha encontrado, embora as entendesse tão bem. Profundamente enraizado na tradição do passado, e ao mesmo tempo em que mantinha-se estreitamente conectado com problemas contemporâneos através de sua correspondência, Teófano representa aquilo que é o melhor do ensinamento espiritual e ascético da Igreja Ortodoxa. Foi corretamente dito: ‘Não podemos compreender a Ortodoxia Russa a menos que entendamos o celebrado Recluso.’ 10

O autor que, próximo a Teófano, Chariton mais frequentemente cita – Ignatii Brianchaninov (1807-67) – seguiu uma carreira que foi em muitos aspectos paralela. Como Teófano, Ignatii tornou-se um bispo, e como Teófano serviu como tal apenas por um curto período, voluntariamente renunciando e retirando-se em seclusão, de modo a devotar suas plenas energias à escrita e à orientação

9 Algumas destas edições estão disponíveis em inglês: veja a Bibliografia. 10 S. Tyszkiewicz, S. J., in Orientalia Christiana Periodica, xvi (i950), p. 412.

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espiritual. Os dois vieram, entretanto, de diferentes meios sociais: enquanto o pai de Teófano era um pastor de paróquia, Dimitri (como Ignatii era chamado antes de tornar-se um monge) foi um membro da nobreza, o filho de um fazendeiro provincial.

Na Rússia do século dezenove era muito incomum que um membro da aristocracia fosse ordenado ou se tornasse um monge. O pai de Dimitri pretendia que seu filho seguisse o natural percurso de vida para alguém de sua classe e assim, em 1822, o rapaz foi enviado à Pioneira Escola Militar em São Petersburgo. Ali provou ser um exemplar pupilo – dotado e diligente – e durante uma inspeção foi particularmente notado pelo Grande Duque Nicolas Pavlovich (prestes a subir ao trono como o Imperador Nicolas I). Mas o coração de Dimitri não pertencia aos estudos militares. Desde cedo sentia um profundo anseio interior pela vida monástica, e num momento, durante a época em que esteve na Escola Pioneira, ele até chegou a pedir por sua liberação, mas ela foi recusada pelo Imperador Nicolas. Em 1826, foi comissionado como um oficial, mas no fim daquele ano ficou seriamente adoecido, passando por uma crise física e espiritual, e a ele foi permitido dar entrada ao desligamento do Exército. Logo em seguida, tornou-se noviço e passou os próximos quatro anos em muitos monastérios diferentes, acabando por tomar seus votos e receber o sacerdócio em uma pequena comunidade perto de Vologda.

Mas não foi permitido que Padre Ignatii – como era agora conhecido – permanecesse ali por muito tempo. Mais ou menos nessa época, o Czar visitou a Escola Pioneira e (desconhecendo a saída de Ignatii do exército) ele perguntou ao Diretor o que havia acontecido com Brianchaninov. ‘Ele é agora um monge’, veio a resposta. ‘Onde?’ perguntou Nicolas; mas o diretor não sabia. Depois de uma ulterior investigação, Nicolas soube do retiro de Ignatii perto de Vologda, e deu ordens imediatas para que ele retornasse a capital. Convencido de que um bom oficial dificilmente daria um monge ruim, Nicolas prontamente nomeou Ignatii – na tenra idade de vinte e seis anos – para ser Arquimandrita (Superior) do importante monastério de S. Sergii em Petersburgo. Este não ficava longe do Palácio e do apreço do patronato imperial; o Czar instruiu Ignatii a transformá-lo em uma comunidade modelo, onde os que visitavam a corte poderiam ir para

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aprender aquilo que um verdadeiro monastério deveria ser. Lá Ignatii permaneceu pelos próximos vinte e quatro anos. Em 1857 foi consagrado Bispo de Staropol, mas renunciou em 1861, retirando-se pelos últimos seis anos de sua vida para o monastério Babaevski na diocese Kostroma.

Assim como Teófano, Ignatii foi um escritor prolífico e a edição da coleção dos seus trabalhos atingiu cinco pesados volumes. A maioria dos seus livros são destinados especificamente para um público monástico. Entre outras coisas, compôs um tratado sobre a Oração de Jesus. 11 Ele estava ancorado, como Teófano estava, na tradição dos Padres. Nenhum deles buscou ser ‘original’, mas viam a si mesmos mais como guardiões e porta-vozes de uma grande herança ascética e espiritual recebida do passado. Ao mesmo tempo eles foram muito além da repetição mecânica dos escritores anteriores; pois esta tradição herdada do passado era também algo que eles próprios tinham experimentado criativamente nas suas próprias vidas interiores. Esta combinação de tradição e experiência pessoal dá aos seus escritos um particular valor e autoridade.

Além de Teófano e Ignatii, Padre Chariton também faz citações ocasionais de outras autoridades russas do fim do século dezenove e início do século vinte, tais como Bispos Justin e Nikon, e São João de Kronstadt. Junto com esses escritores russos, ele inclui uma quantidade de textos gregos – por exemplo, passagens de S. Marco, o Monge, e as Homílias de S. Macário (séc. V), de S. Barsanúfio e João (Séc. VI), S. Simeão o Novo Teólogo (séc XI), Sts. Gregório do Sinai e Gregório Pálamas (séc. XIV). Alguns Padres Sírios também comparecem, tais como S. Efraim (séc. IV) e S. Isaac (séc. VI); e também um Padre Latino, São João Cassiano (séc. V).

A maioria destes autores não-russos, Chariton consultou na grande coleção de textos espirituais intitulada de Filocalia (‘Amor ao Belo’), editada primeiramente em grego por S. Nicodemos da Sagrada Montanha em 1782; uma versão eslava, do stárets russo Paissy Velichkovsky, apareceu dez anos mais tarde, enquanto que uma edição muito expandida, preparada por Teófano o Recluso, foi publicada em cinco volumes durante os anos de 1786-90 sob o título de Dobro-tolubiye.12 Foi este último que Chariton consultou. No

11 Traduzido para o inglês (ver Bibliografia). 12 Uma grande parte deles apareceu em inglês: veja a Bibliografia.

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todo, entretanto, ele não inclui muitos trechos da Filocalia, talvez pelo desejo de manter sua antologia o mais simples e inteligível possível: pode ter temido que a Filocalia provasse ser muito difícil para a maioria dos leitores. Ele se dirigiu, portanto, aos trabalhos de Teófano e Ignatii, que contêm precisamente o mesmo ensinamento básico dos textos gregos na Filocalia, mas que são apresentados em uma forma que pode ser mais facilmente assimilada pelos Cristãos do século vinte. Nas próprias palavras de Bispo Ignatii (claro que não está, de fato, falando de si mesmo, mas o que ele diz se aplica também a ele e a Teófano): ‘os escritos dos Padres russos nos são mais acessíveis que aqueles das autoridades gregas, devido à particular clareza e simplicidade de exposição deles, e também porque nos são mais próximos no tempo.’ 13 A mente, o espírito e o coração

A definição básica de prece dada na antologia do Padre Chariton é extremamente simples. Orar é essencialmente um estado de permanência diante de Deus. Nas palavras de S. Dimitri de Rostov (séc. XVII): ‘Orar é dirigir a mente e os pensamentos a Deus. Orar significa permanecer diante de Deus com a mente, olhar mentalmente para Ele de modo inabalável, e conversar com Ele com reverente medo e esperança.’ 14 Esta noção de ‘permanecer diante de Deus’ recorre repetidamente em Teófano: ‘A coisa principal é ficar com a mente no coração diante de Deus, e seguir em pé diante dele incessantemente dia e noite, até o final da vida.’15 ‘Nós não contradiríamos o significado das instruções dos Santos Padres se disséssemos: comporte-se como queira, contanto que você aprenda a permanecer diante de Deus com a mente no coração, pois nisto reside a essência da questão.’16 Este estado de permanência diante de Deus pode ser acompanhado por palavras, ou pode ser ‘silencioso’: algumas vezes falamos a Deus, algumas vezes simplesmente permanecemos em Sua presença, nada dizendo, mas conscientes de que Ele está perto de nós, ‘mais perto do que

13 p. 107. Cap. III (iii, 9) parte 2. 14 p. 50. Cap. I (20). 15 p. 63. Cap. II (i, 25). 16 pp. 62-63. Cap. II (i, 24).

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nossa própria alma.’ 17 Como Teófano coloca: ‘A oração interior significa pôr-se de pé com a mente no coração diante de Deus vivendo simplesmente em Sua presença, ou expressando súplica, agradecimento e glorificação.’ 18

Enquanto S. Dimitri fala de ‘permanecer diante de Deus com a mente’, Teófano é mais preciso e diz ‘permanecer diante de Deus com a mente no coração’. Esta noção de estar ‘com a mente no coração’ constitui um princípio primordial da doutrina da oração Ortodoxa. Para apreciar as implicações desta frase, é necessário olhar brevemente para a natureza do homem no ensinamento Ortodoxo.

Teófano e outros autores em A Arte da Prece falam de três elementos no homem – corpo, alma e espírito – que Teófano descreve como segue: ‘O corpo é feito de terra; embora não seja algo morto, mas vivo, e dotado com uma alma viva. Dentro desta alma soprou-se um espírito – o espírito de Deus - destinado a conhecer Deus, a reverenciá-Lo, a buscar e prová-Lo, e a obter a felicidade Nele e em nada mais.’ 19 A alma, então, é o princípio básico da vida – o que faz do ser humano algo vivo, oposto a uma massa inanimada de carne. Mas enquanto a alma existe primariamente no plano natural, o espírito nos leva a contatar a ordem das realidades divinas: é a mais alta faculdade no homem, e aquela que o capacita a entrar em comunhão com Deus. Assim sendo, o espírito do homem (com ‘e’ minúscula) está estreitamente ligado com a Terceira Pessoa da Trindade, o Espírito Santo, ou Espírito de Deus (com ‘E’ maiúscula); mas embora conectados, os dois não são idênticos – confundi-los seria terminar em panteísmo.

Corpo, alma, e espírito têm cada um sua especial maneira de conhecer: o corpo através dos cinco sentidos; a alma através do raciocínio intelectual; o espírito através da consciência, através de uma percepção mística que transcende o processo racional comum.

Juntamente com os elementos do espírito, alma e corpo, há outro aspecto da natureza do homem que fica de fora desta classificação ternária – o coração. O termo ‘coração’ é de particular significância na doutrina Ortodoxa do homem. Quando as pessoas no ocidente falam hoje do coração, eles 17 Uma frase do escritor grego, Nicolas Cabasilas (séc. XIV): Migne, P.G. (Patrofagia Graeca), cl. 712 A. 18 pp. 70-71. Cap. II(ii, 13). 19 pp. 60-61. Cap. II(I, 20).

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normalmente referem-se a emoções e afetos. Mas na Bíblia, como na maioria dos textos ascéticos da Igreja Ortodoxa, o coração tem uma conotação muito mais ampla. É o órgão primário do ser do homem, seja físico como espiritual; é o centro da vida, o princípio determinante de todas as nossas atividades e aspirações. Como tal, o coração obviamente inclui os afetos e as emoções, mas, além disso, inclui muito mais coisas: ele abarca na realidade tudo que se inclui naquilo que chamamos uma ‘pessoa’.

As Homílias de S. Macário desenvolvem esta idéia do coração: ‘O coração governa e reina sobre todo o organismo corporal; e quando a graça possui as fileiras do coração, ela governa sobre todos os membros e os pensamentos. Pois lá, no coração, está a mente, e todos os pensamentos da alma e sua expectativa; e neste modo a graça também penetra em todos os membros do corpo ... Dentro do coração há abismos insondáveis. Nele há salas de recepção e quartos de dormir, portas e varandas, e muitos escritórios e passagens. Nele está a oficina dos justos e dos malvados. Nele está a morte; nele está a vida… O coração é o palácio de Cristo: ali Cristo, o Rei, vem tomar Seu repouso, com os anjos e os espíritos dos santos, e Ele mora lá, caminhando pelo interior e colocando o Seu Reino ali.

‘O coração é apenas um pequeno vaso; e, no entanto, dragões e leões estão ali, e lá estão criaturas venenosas e todos os tesouros da perversidade; caminhos ásperos e irregulares estão ali, e escancarados abismos. Igualmente ali está Deus, estão os anjos, ali a vida e o Reino, ali a luz e os Apóstolos, as cidades celestiais e os tesouros da graça: todas as coisa estão lá.’ 20

Compreendido neste todo-abrangente sentido, o coração claramente não se limita dentro de nenhum dos três elementos no homem – corpo, alma e espírito – se tomados singularmente, mas está conectado com todos eles ao mesmo tempo:

(1) O coração é algo que existe no nível material, uma parte do nosso corpo, o centro do nosso organismo do ponto de vista físico. Este aspecto material do coração não deve ser esquecido. Quando os textos ascéticos Ortodoxos falam do coração, eles querem dizer (entre outras coisas) o ‘coração

20 Hom. xv. 20, 32, 33; xliii. 7.

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carnal’, ‘um pedaço de carne muscular’21, e eles não são apenas entendidos no sentido simbólico ou metafórico.

(2) O coração está conectado de um modo especial com a composição psíquica do homem, com sua alma: se o coração pára de bater sabemos por isto que a alma não se encontra mais no corpo.

(3) Na mais importante de todas as significações para o nosso presente propósito, o coração está conectado com o espírito. Nas palavras de Teófano: ‘O coração é o homem intimo ou espírito. Aqui estão localizadas a ciência de si, a consciência, a idéia de Deus e da própria e completa dependência Dele, e todos os eternos tesouros da vida espiritual.’22 Existem momentos, ele continua, em que a palavra ‘coração’ é para ser compreendida ‘não no seu significado comum, mas no sentido do “homem interior”. Temos dentro de nós um homem interior, de acordo com o Apóstolo Paulo, ou um homem oculto do coração, de acordo com o Apóstolo Pedro. É o espírito de Deus que foi soprado no primeiro homem e permanece continuamente conosco, mesmo depois da Queda.’23 Nesta conexão os escritores russos e gregos gostam de citar o texto: ‘O homem interior e o coração estão muito profundos’.24 Este ‘coração profundo’ é equivalente ao espírito do homem: significa o âmago ou ápice do nosso ser, aquilo que os místicos Renânios25 e Flamingos nomearam como sendo o ‘solo da alma’. É aqui, no ‘coração profundo’, que um homem fica face a face com Deus.

Agora é possível compreender, em alguma pequena medida, o que Teófano quer dizer quando ele descreve a oração como ‘permanecer diante de Deus com a mente no coração’. Tanto quanto o asceta ora com a mente na cabeça,

21 p. 191 (Teófano). Cap. V(ii, 27) 22 p. 190. Cap. V(ii, 26) 23 p. 191. Cap. V(ii, 28) 24 Salmos lxiii. 7 de acordo com a numeração Septuaginta; Salmos lxiv. 6 no Livro de Oração Comum. [Salmos lxiv. 7 na Bíblia. O texto na Bíblia de Jerusalém (Paulus, 2008.) é: No fundo do homem o coração é impenetrável. (nota da versão em português)] A Igreja Ortodoxa usa a numeração dos Salmos como é dada na tradução grega do Velho Testamento, conhecida como Septuaginta; a mesma numeração também é dada na Vulgata Latina. No caso da maioria dos Salmos, esta se diferencia levemente da numeração do texto Hebreu, que é seguido pelo Livro Anglicano de Oração Comum e a Versão Autorizada. No caso do texto presente, traduzimos diretamente do Hebreu ao invés da Septuaginta, onde o sentido é um pouco obscuro. 25 Renânia (em alemão: Rheinland) é o nome genérico de uma região do oeste da Alemanha, nas duas margens do médio e baixo Reno, rio do qual tira seu nome.

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ele ainda está trabalhando somente com as reservas do intelecto humano, e neste nível nunca obterá um imediato e pessoal encontro com Deus. Pelo uso do seu cérebro, ele irá na melhor das hipóteses saber sobre Deus, mas ele não conhecerá a Deus. Pois não pode existir conhecimento direto de Deus sem um amor extremamente grande, e tal amor deve vir não apenas do cérebro, mas da plenitude do homem – isto é, do coração. É necessário, então, que o asceta desça da cabeça ao coração. Não é requerido que abandone seus poderes intelectuais – a razão, também é um dom de Deus – mas ele é chamado a descer com a mente ao seu coração.

Ao coração, então, desce – ao seu coração natural primeiro, e de lá ao coração ‘profundo’ – naquele ‘quarto interno’ do coração que não é mais de carne. Aqui, nas profundezas do coração, descobre de início o ‘espírito divino’ que é a Sagrada Trindade implantada no homem na criação, e com este espírito vem a conhecer o Espírito de Deus, que habita dentro de todo Cristão desde o momento do batismo, muito embora a maioria de nós seja ignorante de Sua presença. De um ponto de vista, a plena meta da vida ascética e mística é a redescoberta da graça do batismo. O homem que avança ao longo do caminho da oração interior deve, deste modo, ‘retornar a si mesmo’ encontrando o reino do céu que está dentro e, assim, atravessar a misteriosa fronteira entre o criado e o incriado. Três graus de oração

Assim como existem três elementos no homem, assim existem três principais graus de oração26:

(1) Prece oral ou corporal (2) Prece da mente (3) Prece do coração (ou ‘da mente no coração’): oração espiritual. Resumindo esta distinção ternária, Teófano observa:

‘Você deve orar não somente com palavras, mas com a mente; e não só com a mente, mas com o coração, de modo que a mente compreende e vê claramente o que é dito em palavras, 26 A oração é uma realidade viva, um encontro pessoal com o Deus vivo, e como tal não pode estar confinada dentro dos limites de quaisquer análises rígidas. O esquema de classificação dado aqui, como todos tais esquemas, pretende ser apenas um guia geral. Leitores cuidadosos desta antologia observarão que os Padres não são absolutamente consistentes no uso da própria terminologia.

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e o coração tem o sentimento daquilo que a mente está pensando. Todos eles juntos e combinados constituem a prece real, e se algum deles está ausente a sua prece ou não é perfeita ou não é, de fato, uma prece.’27

A primeira espécie de prece – oral ou corporal – é oração dos lábios e da língua, oração que consiste na leitura ou recitação de certas palavras, de joelhos, de pé ou fazendo prostrações. Claramente, tal prece, se é meramente oral ou corporal, não é realmente de fato uma oração: além de recitar as sentenças é também essencial para nós concentrar-nos interiormente no significado daquilo que dizemos, ‘confinar nossas mentes dentro das palavras da prece’. 28 Assim, o primeiro grau da prece se desenvolve naturalmente no segundo: toda prece oral, se é digna de ser chamada de ‘prece’, deve ser em alguma medida uma prece interna ou uma prece da mente.

Na medida em que a prece torna-se mais interna, a recitação oral externa torna-se menos importante. É suficiente para a mente rezar as palavras internamente sem qualquer movimento dos lábios; algumas vezes, na verdade, a mente ora sem formar quaisquer palavras. No entanto, mesmo aqueles que são avançados nos caminhos da oração normalmente ainda desejarão uma ocasião para usar a prece oral comum; mas a prece oral deles é, ao mesmo tempo, uma prece interna da mente.

Não é suficiente, entretanto, meramente alcançar o segundo grau da prece. Tanto quanto a oração permanece na cabeça, no intelecto ou cérebro, ela fica incompleta e imperfeita. É necessário descer da cabeça ao coração – ‘encontrar o lugar do coração’, ‘baixar a mente no coração’, ‘unir a mente com o coração’. Então, a prece se tornará verdadeiramente ‘prece do coração’ – a oração não de uma faculdade apenas, mas do inteiro homem, alma, espírito e corpo: uma oração que não é só de nossa inteligência, de nossa razão natural, mas do espírito com seu especial poder de direto contato com Deus.

Observe que a prece do coração não é apenas a oração da alma e do espírito, mas também do corpo. Não deve ser esquecido que o coração significa, entre outras coisas, um

27 p. 67. Cap. II(ii, 7) 28 p. 67. Cap. II(ii, 8)

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órgão corporal. O corpo tem também um papel positivo no trabalho da prece. Isto é claramente indicado nas vidas dos santos Ortodoxos cujos corpos, durante a oração, foram externamente transfigurados pela Luz Divina, assim como o corpo de Cristo também se transfigurou no Monte Tabor.29

A prece do coração assume dois modos – um (nas palavras de Teófano) ‘ativo, quando o homem, ele mesmo, esforça-se pela oração, e o outro auto-impelido, quando a oração existe e age por si mesma’.30 No primeiro estágio, ou aquele ‘ativo’, a oração ainda é algo que um homem oferece por seu próprio esforço consciente, auxiliado, é claro, pela graça de Deus. No segundo estágio, a oração oferece-se espontaneamente, sendo conferida ao homem como um dom: é como se ele tivesse sido ‘tomado pelas mãos e fosse, forçosamente, levado de um quarto para outro’31— não é mais ele que ora, mas o Espírito de Deus que ora nele. Tal oração, ‘concedida como um presente’, pode ser algo que vem ao homem apenas de tempos em tempos, ou pode ser incessante. No segundo caso, a oração continua dentro dele junto com qualquer coisa que esteja fazendo, presente quando fala e escreve, falando em seus sonhos, acordando-o pela manhã. A oração num tal homem não é mais uma série de atos mas um estado; e ele encontrou o caminho para cumprir o mandamento de Paulo: ‘Ore sem cessar’ (I Tess. v. 17). Nas palavras de S. Isaac o Sírio: ‘Quando o Espírito estabelece sua morada num homem, este não cessa de rezar, porque o Espírito irá constantemente orar nele. Então, quer esteja dormindo quer esteja acordado, a oração não se separa de sua alma; mas enquanto ele come, enquanto bebe, quer esteja deitado, quer esteja trabalhando ou mesmo mergulhado no sono, o perfume da oração exalará em seu coração espontaneamente. ’ 32 Como a Bíblia o expressa: ‘Eu dormia, mas meu coração velava’ (Cântico dos Cânticos. v. 2).

Deste ponto em diante a prece do coração começa a tomar a forma de ‘oração mística’ no mais estreito sentido – o que Teófano nomeia como ‘oração contemplativa’, ou oração

29 Veja p. 66 Cap II(ii, 7); e compare com p. 156 Cap. IV(iii, 15), onde Teófano fala da ‘espiritualização da alma e do corpo’. 30 p.71. Cap. II (ii, 14) 31 p. 65 Cap. II (ii, 4) (Teófano). 32 Mystic Treatises, ed. A. J. Wensinck, Amsterdam, 1913, p. 174. [Veja Pequena Filocalia, Paulus, São Paulo, 1985, p.61.]

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‘que vai além dos limites da consciência’.33 ‘O estado de contemplação’, diz ele, ‘é o aprisionamento da mente e da inteira visão por um objeto espiritual tão poderoso que todas as coisas externas são esquecidas, e ficam inteiramente ausentes da consciência. A mente e a consciência tornam-se tão completamente imersas no objeto contemplado que é como se nós não mais as possuíssemos.’34 Teófano também denomina este estado de contemplação de ‘oração de êxtase’ ou ‘arrebatamento’. Não muito, entretanto, é dito na antologia de Chariton a respeito destes níveis superiores de oração. Aqueles sem experiência pessoal de tal oração não entenderiam o que é dito, enquanto que aqueles que a experimentassem iriam ter pouca necessidade de livros. As paixões e a imaginação

Na medida em que o asceta busca avançar da prece oral à prece da mente no coração, ele se defronta com dois obstáculos principais: as paixões e a imaginação.

‘O desafio ascético mais importante’, escreve Teófano, ‘é proteger o coração dos movimentos apaixonados e a mente dos pensamentos apaixonados.’35 Por ‘paixões’ os escritores Ortodoxos não querem remeter simplesmente à luxúria e ao ódio – as coisas que hoje despontam na mente da maioria das pessoas quando a palavra ‘paixão’ é empregada. Eles querem se referir a algo mais amplo – todo anseio e mau desejo por onde o demônio busca conduzir os homens ao pecado. Tradicionalmente as paixões são classificadas em oito ‘demônios’ ou maus pensamentos: gula, luxúria, avareza, tristeza36, ‘acídia,’37 vangloria e orgulho.38 Em última instância todas as oito despontam da mesma raiz – amor-próprio (φιλαυτία), o estabelecimento de ‘eu’ em primeiro, e de Deus e nossos vizinhos em segundo; e assim, das oito, talvez o orgulho possa ser considerada como a paixão fundamental. 33 pp. 52 Cap II(i, 4); p 64, Cap II(ii, 3). 34 p. 64. Cap II(ii, 3). 35 p.185. Cap V(ii, 12). 36 Inclui-se aqui a inveja. 37 Do grego: ‘akedia’, do latim: ‘acidia’. No texto em inglês ‘accidie’: Não há nenhum termo exato e equivalente a este no inglês moderno. É uma forma de apatia, falta de entusiasmo, e depressão. 38 Esta lista vem de Evágrios Pôntico, um monge do Egito do século IV. Tomado pelo ocidente e levemente adaptado, tornou-se os ‘sete pecados capitais’. Alguns Padres usam uma classificação diferente – por exemplo, São Marco, o Monge com seu ‘três gigantes espirituais’ (p. 200 – Cap. VI (i, 5)).

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‘Felizes os puros no coração, porque verão a Deus’ (Mateus v. 8). A visão de Deus e a pureza de coração seguem juntos: ninguém, portanto, pode ter esperanças de ascender na escada da oração a menos que tome parte numa amarga e persistente luta contra as paixões. Como Teófano insiste: ‘Há apenas um modo de começar e este é através do domínio das paixões.’39 O caminho até a oração pura é uma caminho moral, que envolve uma disciplina da vontade e do caráter. Essa é a razão pela qual uma extensa sessão em A Arte da Prece é devotada para o tema da ‘guerra com as paixões’.

No entanto, em paralelo com a disciplina moral deve haver também uma disciplina da mente. Não são apenas os pensamentos apaixonados um obstáculo à oração interior, mas todas as imagens, acompanhadas por paixões ou não. De acordo com o ensinamento da Cristandade oriental, a imaginação (φαντασία)— a faculdade através da qual formamos retratos mentais mais ou menos vívidos de acordo com nossa capacidade – tem na sua melhor expressão um lugar muito restrito no trabalho da prece; e muitos (incluindo Teófano) atestam que ela realmente não tem lugar algum.40

Na oração, assim ensina Teófano, não ‘sustente nenhuma imagem intermediária entre a mente e o Senhor’ […] ‘A parte essencial é habitar em Deus, e esta caminhada diante de Deus significa que você sempre vive com a convicção, diante de sua consciência, que Deus está em você, como Ele está em tudo: você vive com a firme certeza de que Ele vê tudo que está dentro de si, conhecendo-lhe melhor que você mesmo. Esta ciência do olho de Deus olhando para seu ser interior não deve ser acompanhada por qualquer conceito visual, mas deve confinar-se a uma simples convicção ou sentimento’.41

‘Não permita quaisquer conceitos, imagens ou visões.’42; ‘dissipe todas as imagens da mente.’ 43; ‘Na oração a regra mais simples é não formar imagem de nada’.44 Tal é o padrão 39 p. 200. Cap. VI (I, 5). 40 Contraste os métodos da meditação discursiva amplamente recomendados na Igreja Católica Romana desde a Contra-Reforma, que dependem muito extensivamente do uso da imaginação. Sobre a diferença, aqui, entre a espiritualidade Ortodoxa e a espiritualidade moderna ocidental, veja o Professor H. A. Hodges em sua introdução a Unssen Warfare (traduzido por E. Kadloubovsky e G. E. H. Palmer), Londres, 1952, especialmente pp.34-35. 41 p. 100. Cap. III (iii, parte 1, 29). 42 p. 101. Cap III (iii, parte 1, 31). 43 p. 101. Cap. III (iii, parte 1, 32). 44 p.183. Cap. V (ii, 8).

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do ensinamento dos Padres orientais. Como um deles colocou: ‘Quem quer que nada veja em sua oração, vê Deus.’ Nossa mente que está normalmente dispersa no exterior, entre uma ampla variedade de pensamentos e idéias, deve ser ‘unificada’. Deve ser trazida da multiplicidade para a simplicidade e para a vacuidade, da ‘diversidade’ para ‘escassez’: ela deve ser despida de qualquer imagem mental e conceito intelectual, até que seja consciente de nada exceto a presença do invisível e incompreensível Deus. Escritores Ortodoxos descrevem este estado como ‘pura prece’ – pura, isto é, não apenas de pensamentos pecaminosos e sim de todos pensamentos. No ocidente uma equivalência parcial pode ser encontrada naquilo em que algumas vezes nomeou-se de ‘oração da simples estima’ ou ‘oração da atenção amorosa’.45

Mas embora insistindo na exclusão de todas as imagens, Teófano e outros escritores em A Arte da Prece não são tão exigentes em relação aos sentimentos. Pelo contrário, eles enfatizam que a prece do coração é uma oração de sentimento, e esta é uma das coisas que a distingue da prece da mente.

Entre os sentimentos que Teófano e os outros mencionam, três são de particular interesse:

(1) O sentido de ‘dor’ no coração.46 Este parece ser predominantemente penitencial – um sentimento de compunção, de ser ‘aferroado’ no coração.

(2) O sentimento de ‘calorosa ternura’ ou umilenie.47 Aqui o sentimento de compunção, de indignidade humana ainda está presente, mas é eclipsado por um sentimento de alegria amorosa e sensível.

(3) Mais importante de todos é o sentido de calor espiritual – a ‘combustão do espírito’ dentro de nós, a ‘chama da graça’ acesa no coração.48 Estreitamente relacionada a esta experiência da chama ou fogo é a visão da Luz Divina que muitos santos Ortodoxos receberam, entrando no mistério da Transfiguração: no entanto, sobre isto, há apenas poucas alusões passageiras em A Arte da Prece.

Estas referências a ‘sentimentos’, a ‘calor’ e ‘luz’, ainda 45 Há uma plena equivalência com a ocidental A Nuvem do Não-Saber (Vozes, 2008) – nota da versão em português. 46 p. 127. Cap IV (I, 9) 47 pp. 65, Cap II(ii, 4); 108 -110, Cap III(iii, parte 2, 11-17); 149-163, Cap. IV(iii, 2 -31). 48 pp. 94-95. Cap. III(iii, 19-21)

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que não sejam explicadas como meras metáforas, também não devem ser compreendidas num sentido muito material e grosseiro. A Luz que o santo vê ao seu redor e dentro de si, o calor que sente em seu coração – estes são, de fato, calor e luz objetivos e reais, perceptivamente experimentados através dos sentidos. Mas ao mesmo tempo são luz e calor espirituais, diferentes, em espécie, da luz e do calor natural que normalmente sentimos e vemos; e como tais podem somente ser experimentados por aqueles cujos sentidos foram transformados e refinados pela graça divina.

Apesar de atribuir grande importância aos sentimentos, Teófano também é agudamente consciente dos perigos que podem seguir se são procurados sentimentos da espécie errada. É necessário distinguir com o máximo cuidado entre sentimentos naturais e espirituais: os primeiros não são necessariamente danosos, mas não têm nenhum valor particular, e não devem ser considerados como o fruto da graça de Deus. Deveríamos vigiar cuidadosamente para assegurar que nossos sentimentos na oração não sejam poluídos por qualquer coloração de prazer sensual49; os incautos caem muito facilmente apenas num hedonismo espiritual, desejando a ‘doçura’ na prece como um fim em si mesmo50 — uma das mais perniciosas formas de ‘ilusão’ (prelest).51 ‘O principal fruto da oração não é calor nem doçura, mas temor a Deus e contrição. ’52 A Oração de Jesus

Em teoria, a Oração de Jesus é apenas uma dos muitos possíveis caminhos para obtenção da oração interior; mas na prática ela obteve tanta influência e popularidade na Igreja Ortodoxa que quase chegou a ser identificada como a própria oração interior. Em uma após outra autoridade espiritual, a Oração de Jesus é especialmente recomendada como um ‘caminho rápido’ até a oração incessante, como o melhor e mais fácil meio para concentrar a atenção e estabelecer a mente no coração. Tais referências à Oração de Jesus, como ‘fácil’, não devem, é claro, ser levadas muito longe. Orar em 49 p. 127. Cap. IV (i, 8). 50 Sobre a ‘doçura’ e seus perigos, ver p.128, Cap IV(i, 11) e p.160. Cap. IV(iii, 24) 51 Sobre prelest, ver nota 1. Cap VI (I, 31). 52 p. 131 (Teófano) Cap. IV (I, 20)

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espírito e em verdade nunca é fácil, muito menos nos estágios iniciais. Para usar uma expressão russa, orar é um podvig – um ato de luta ascética, um ‘feito’ ou ‘proeza’; orar, nas palavras do Bispo Ignatii, é um ‘martírio oculto’.53 Se a Oração de Jesus é denominada ‘fácil’, é assim feita apenas num sentido relativo.

A Oração de Jesus é normalmente dita na forma: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim.’ As palavras ‘um pecador’ podem ser acrescentadas no fim, ou a prece pode ser dita no plural, ‘tenha piedade de nós’; e existem outra variações. O que é essencial e constante através de todas as formas é a invocação do Nome Divino. Como um auxílio na recitação da Oração de Jesus é comum empregar-se um rosário (em grego, κοµβοσχοίνιον; em russo, vervitsa, lestovka, ou tchotki). Este rosário Ortodoxo difere na estrutura daquele utilizado no ocidente: normalmente é um cordão enodado de lá ou outro material, de modo que, diferente de um colar de contas, ele não faça barulho.

A divisão geral da prece em três graus – dos lábios, da mente e do coração – aplica-se também à Oração de Jesus:

(1) Para começar, a Oração de Jesus é uma prece oral

como qualquer outra: as palavras são pronunciadas em voz alta, ou ao menos formadas silenciosamente pelos lábios e língua. Ao mesmo tempo por um deliberado ato de vontade a atenção deve se concentrar no significado da Oração. Durante este estágio inicial, a atenta repetição da Oração frequentemente prova-se como uma meta difícil e cansativa, invocando uma humilde persistência.

(2) No curso do tempo, a Oração torna-se mais interna e a mente a repete sem qualquer movimento exterior dos lábios ou da língua. Com este aumento de interioridade, a concentração da atenção também se torna mais fácil. A Oração adquire gradualmente um ritmo próprio, às vezes cantando dentro de nós quase espontaneamente, sem qualquer ato consciente da nossa parte. Como stárets Parthenii colocou, temos dentro de nós ‘um pequeno córrego murmurante’.54 Tudo isto é um sinal de que um homem se aproxima do terceiro estágio.

(3) Finalmente a Oração entra no coração, dominando

53 p. 216. Cap. VI (i, 43). 54 p. 110. Cap. Cap. III (iii, parte 2, 16).

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toda a personalidade. Seu ritmo se identifica mais e mais estreitamente com o movimento do coração, até que finalmente torna-se incessante. O que originalmente exigiu esforços dolorosos e intensos é, agora, uma inextinguível fonte de paz e felicidade.

Durante os estágios iniciais, quando a Oração é ainda recitada com um deliberado esforço, é normal que uma pessoa separe uma determinada parte do dia – talvez não mais do que um quarto ou meia hora para começar, talvez mais, cada um de acordo com a orientação do seu stárets – durante a qual toda sua atenção é dirigida à repetição da Oração de Jesus, excluindo-se todas as outras atividades. Mas aqueles que obtiveram o presente da oração incessante descobrem que a Oração de Jesus continua dentro deles sem interrupção, mesmo quando estão ocupados com atividades externas – em uma frase de Teófano: ‘As mãos à obra, a mente e o coração com Deus’55 Mesmo assim, a maioria das pessoas naturalmente irão querer separar a maior quantidade de tempo possível para a recitação da Prece sem distrações.

Historicamente as raízes da Oração de Jesus se estendem até o Novo Testamento e ainda mais cedo. Os Judeus do Velho Testamento tinham uma reverência especial para o nome de Deus – o tetragrama que, de acordo com uma tradição Rabínica posterior, ninguém poderia pronunciar em voz alta. O Nome de Deus era visto como uma extensão de Sua Pessoa, como uma revelação do Seu ser e uma expressão do Seu poder. Continuando esta mesma tradição, o Cristianismo, desde o princípio, mostrou respeito pelo Nome que Deus tomou em Sua Encarnação – JESUS.56 Três textos do Novo Testamento são de particular importância aqui:

(1) A declaração de Nosso Senhor na Última Ceia: ‘Até agora nada tendes pedido em meu nome.... se pedirdes alguma coisa ao Pai, ele vo-la concederá em meu nome (João xvi. 24, 23).

(2) A solene afirmação de S. Pedro diante dos Judeus; mencionando depois ‘o nome de Jesus Cristo de Nazaré’, ele proclama: ‘não existe nenhum outro nome abaixo do céu, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos. 55 p.92. Cap. III( iii, parte 1, 12). 56 O Nome de ‘Jesus’ carrega o sentido especial de ‘Salvador’: ‘E lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles’ (Mateus. i. 21).

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(Atos, iv. 10, 12) (3) As familiares palavras de S. Paulo: ‘Pelo que também

Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra’ (Filipenses, ii. 9-10). É fácil compreender como, com base em passagens Bíblicas como estas, desenvolveu-se no tempo a prática da invocação do divino Nome na Oração de Jesus.57

Além do próprio Nome, as outras partes da Oração também têm um fundamento Bíblico. Duas orações no Evangelho devem ser notadas: aquela do homem cego: ‘Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim!’ (Lucas xviii. 38)58; e aquela do Publicano ‘Ó Deus, sê propício a mim, pecador!’ (Lucas xviii. 13.) No uso Cristão ‘Filho de David’ naturalmente tornou-se ‘Filho de Deus’. Assim desenvolveu-se a fórmula da Oração de Jesus – ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim, um pecador’ – tomada inteiramente das Escrituras.

Mas enquanto os elementos constituintes estão todos claramente presentes no Novo Testamento, parece que passou-se algum tempo até que fossem de fato reunidos numa única oração. É claro que os primeiros Cristãos reverenciavam o Nome de Jesus: se eles também praticavam a contínua invocação do Nome e se praticavam, de que forma, não podemos dizer. O primeiro claro desenvolvimento em direção a Oração de Jesus, como a conhecemos hoje, ocorreu com o surgimento do monasticismo no século IV, no Egito. Os Padres do Deserto davam grande proeminência ao ideal da prece contínua, insistindo que um monge deve sempre praticar dentro dele o que eles denominaram de ‘meditação secreta’59 ou ‘a lembrança de Deus’. Para ajudá-los nesta meta de lembrança perpétua, tomaram alguma fórmula curta que eles repetiam uma e outra vez: por exemplo: ‘Senhor, Socorro,’60 ‘Oh Deus, venha rápido salvar-me,’61 ‘Senhor, o 57 Existem, é claro, muitas outras passagens Bíblicas relevantes para o desenvolvimento da Oração de Jesus: por exemplo: 1 Cor. xii. 3: ‘ninguém pode dizer: Senhor Jesus!, senão pelo Espírito Santo.’; e 1 Cor. xiv. 19: ‘prefiro falar na igreja cinco palavras com o meu entendimento ... a falar dez mil palavras em outra língua’. Na exegese da tradição Ortodoxa, as ‘cinco palavras’ foram tomadas para significar ‘Senhor Jesus Cristo, tenha piedade de mim’, que em grego e russo dão exatamente cinco palavras (veja p. 91. Cap. III (iii, parte 1, 10)). 58 Compare com Mateus ix. 27; e também com xx. 31: ‘Senhor, Filho de Davi, tem misericórdia de nós!’ 59 Sobre isto, veja p. 75. Cap. III (I, 1-2) 60 Recomendado por S. Macário (morto 390): Apophtegmata 19 (P.G. xxxiv. 249A).

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Filho de Deus, tenha misericórdia de mim,’62 ‘Eu pequei como um homem, Tu como Deus tenha misericórdia.’63 Nos períodos monásticos iniciais havia uma considerável variedade destas preces ejaculatórias.

Tal era o meio no qual a Oração de Jesus desenvolveu-se. Inicialmente era apenas uma entre muitas fórmulas curtas, mas tinha uma incomparável vantagem sobre todas as restantes – o fato de que continha dentro dela o Nome Sagrado. Por isso, não é uma surpresa que no curso do tempo passou a ser cada vez mais utilizada em detrimento às outras. Mesmo assim – pois a Ortodoxia é uma religião de liberdade – a variedade original nunca cessou inteiramente e em certa ocasião em A Arte da Prece Teófano recomenda outras fórmulas curtas, observando: ‘A força não está nas palavras, mas nos pensamentos e sentimentos.’64 Em outro lugar, entretanto, ele a qualifica, atribuindo uma eficácia especial ao Nome Sagrado: ‘As palavras “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim” são apenas o instrumento e não a essência do trabalho; mas elas são um instrumento muito forte e efetivo, pois o Nome do Senhor Jesus é apavorante para os inimigos da nossa salvação e uma benção para todo aquele que O busca.’65 ‘A Oração de Jesus é como qualquer outra prece. Ela só é mais forte que todas as outras em virtude do todo-poderoso Nome de Jesus, Nosso Senhor e Salvador.’66

Em que data o texto desenvolvido da Oração de Jesus surgiu pela primeira vez em uma forma claramente reconhecível? As fontes monásticas mais remotas (séc. IV), enquanto mencionam outras fórmulas, não falam da Invocação do Nome. Os primeiros escritores a se referirem explicitamente a tal invocação ou ‘lembrança’ do Nome de Jesus são S. Diádocos de Photike (muitas vezes citado em A Arte da Prece) e S. Neilos de Ancara (ambos do séc. V); eles, entretanto, não explicam exatamente qual forma esta invocação tomou. Já o texto inteiro – ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim’ – é encontrado em um trabalho de data levemente posterior (séc. VI–VII.:

61 Recomendado por S. João Cassiano: Collat, x. 10. 62 Vitae Patrum, V. v. 32: P. L. (Migne, Patrologia Latina), lxxiii, 882BC 63 Apophtegmata (P.G. Ixv), Apollo 2. 64 p. 62. Cap. II (I, 24) 65 pp. 100-101. Cap. III (iii, parte 1, 29-30) 66 p. 99. Cap. III(iii, parte 1, 26)

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possivelmente no início do séc. VI), a Vida de Abba Filemon, um eremita egípcio.67 Assim, não há nenhuma explícita e definida evidência para a Oração, em sua forma totalmente desenvolvida, antes do século sexto; mas suas origens remontam à veneração do Nome no Novo Testamento.

No tempo, cresceu em torno da Oração de Jesus um corpo de ensinamento tradicional – parcialmente escrito, mas principalmente oral – normalmente designado pelo nome de ‘Hesicasmo’, aqueles que seguem este ensinamento sendo denominados como ‘Hesicastas’.68 Desde o século sexto, esta tradição viva da Oração de Jesus continuou ininterruptamente dentro da Igreja Ortodoxa. Transmitida por missionários gregos aos países eslavos e mais notavelmente à Rússia, exerceu uma imensa influência sobre o desenvolvimento espiritual de todo o mundo Ortodoxo. Houve três períodos quando a prática da Oração tornou-se particularmente intensa: o primeiro, a idade dourada do Hesicasmo no décimo quarto século Bizantino, com S. Gregório Pálamas, o maior teólogo do movimento Hesicasta; então o renascimento Hesicasta na Grécia durante o final do século dezoito, com S. Nicodemos da Sagrada Montanha e a Filocalia; e finalmente a Rússia durante o século dezenove, com S. Serafim e S. João de Kronstadt, o stárets do Heremitério de Optina, e também com Teófano, o Recluso e Ignatii Brianchaninov. Mais recentemente ainda, durante nossa própria época, houve uma ampla difusão da prática da Oração de Jesus na emigração russa, não menos importante entre as pessoas leigas; nenhuma dúvida que a publicação russa da antologia do Padre Chariton em 1936 fez parte disto. Principalmente através do contato com a diáspora russa, muitas pessoas do ocidente chegaram a conhecer e a

67 O padre Chariton cita a passagem decisiva (pp. 76-77, Cap III(i, 4-5)). Outras antigas autoridades, importantes para a história da Oração de Jesus, são a Vida de Santo Dositéos (Palestina, início do séc. VI), as cartas espirituais de S. Barsanúfio e João (Palestina, início do séc. VI), e os trabalhos de S. João Clímaco e Hesíquio (Sinai, sécs. VI e VII): nenhum destes, entretanto, dá a Oração exatamente em sua forma desenvolvida. Também de importância são as vidas Coptas de S.Macário (ver E. Amelineau Histoire des monastères de la Basse-Ègjpte, Annales du Musée Guimet, vol. xxv, Paris, 1894, pp. 142, 152-3, 160, 161, 163).

Sobre a história antiga da Oração de Jesus, veja B. Krivocheine, ‘Date du texte traditionnel de la ‘Priere de Jesus’’, Messager de l'Exarchat du Patriarche russe en Europe occidental, 7-8 (1951), pp. 55-59. 68 Do grego ήσυχία, significando ‘quietude’, ‘repouso’. Hesicasmo, a rigor, abarca todas as formas de oração interna, e não apenas a Oração de Jesus; mas na prática muito do ensinamento Hesicasta ocupa-se com a Oração de Jesus.

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amar a Oração de Jesus.69 Três coisas na Oração de Jesus evocam um comentário

especial e ajudam a explicar o seu apelo extraordinariamente amplo. Primeiro, a Oração de Jesus traz juntos, em uma curta sentença, dois ‘momentos’ essenciais da devoção Cristã: adoração e compunção. A adoração é expressa na sentença inicial: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus’; compunção, na oração por misericórdia que se segue. A glória de Deus e o pecado do homem – ambos estão vividamente presentes na Oração; é um ato de agradecimento pela salvação que Jesus traz, e uma expressão de pesar pela fraqueza de nossa resposta. A Oração é tanto penitencial como plena de alegria e de confiança amorosa.

Em segundo lugar, é uma prece intensamente Cristológica – uma oração endereçada a Jesus, concentrada sobre a Pessoa do Senhor Encarnado, enfatizando de uma só vez tanto a Sua vida na terra – ‘Jesus Cristo’- e Sua Divindade – ‘Filho de Deus’. Aqueles que usam esta prece são constantemente lembrados da Pessoa histórica que permanece no coração da revelação Cristã, e assim são salvos do falso misticismo que não dá um lugar apropriado ao fato da Encarnação. Mas embora Cristológica, a Oração de Jesus não é uma forma de meditação sobre particulares episódios na vida de Cristo: aqui também, como em outras formas de oração, o uso de imagens mentais e conceitos intelectuais são fortemente desencorajados. ‘Permanecendo com consciência e atenção no coração’, ensina Teófano ‘invoque incessantemente: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim’, sem ter na sua mente qualquer conceito ou imagem visual, acreditando que o Senhor o vê e o ouve.70

Em terceiro lugar, a Invocação do Nome é uma oração da maior simplicidade. É um caminho de oração que qualquer um pode adotar, nenhum conhecimento especial é requerido e nenhuma elaborada preparação. Como um recente escritor coloca, tudo que devemos fazer é ‘simplesmente começar’: ‘Antes de começar a pronunciar o Nome de Jesus, estabeleça paz e recordação dentro de si mesmo e peça por inspiração e orientação do Espírito 69 Muitos grandes santos do ocidente medieval – S. Bernardo de Clairvaux, por exemplo, São Francisco de Assis e S. Bernardino de Siena— tinham uma fervente devoção ao Sagrado Nome de Jesus; mas não parece que tenham conhecido a Oração de Jesus em sua forma Bizantina. 70 p. 96. Cap III (iii, parte 1, 20)

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Santo.... Então, simplesmente comece. Para caminhar deve-se dar um primeiro passo; para nadar uma pessoa deve atirar-se na água. É o mesmo com a invocação do Nome. Comece a pronunciá-lo com adoração e amor. Apegue-se a ele. Repita-o. Não pense que você está invocando o Nome; pense apenas no Próprio Jesus. Diga Seu Nome lentamente, levemente e calmamente.’71

Este elemento de simplicidade é muitas vezes sublinhado por Teófano: ‘O trabalho de Deus é simples: é a oração – crianças conversando com seu Pai, sem quaisquer subterfúgios72.... A prática da Oração de Jesus é simples73…. A prática da oração é denominada como uma ‘arte’, e é uma arte muito simples. Permanecendo com consciência e atenção no coração, invoque incessantemente: ‘Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tenha piedade de mim’’.74

Ao iniciante, portanto, é aconselhado a recitar a Oração ‘lentamente, levemente e calmamente’. Cada palavra deveria ser dita com lembrança e sem pressa, mas ao mesmo tempo sem indevida ênfase. A Oração não deveria ser labutada ou forçada, mas deveria fluir em um modo gentil e natural. ‘O Nome de Jesus não é para ser gritado ou moldado com violência, mesmo internamente.’75 Devemos sempre orar com atenção interna e concentração, mas ao mesmo tempo não deve haver nenhum sentido de tensão, nenhuma intensidade auto-induzida ou emoção artificial.

No fim de cada Oração, é bom deixar uma curta pausa antes de começar novamente, pois isto ajuda a manter a mente atenta. De acordo com o Bispo Ignatii, deveria levar cerca de meia hora para dizer a Oração de Jesus uma centena de vezes: algumas pessoas, ele acrescenta, levam ainda mais tempo. Outros textos sugerem que a Oração possa ser dita mais rapidamente: nos Relatos de um Peregrino Russo – como Ignatii, do século dezenove – é dito ao Peregrino, pelo seu stárets, para recitar a Oração 3000 vezes por dia, no início, então 6000 e finalmente 12000, depois do que ele pára de contar76 Esses valores elevados implicam um 71 ‘A Monk of the Eastern Church’, On the invocation of the Name of Jesus, London, 1950, pp.5-6. Em português, publicado pela Ed. Paulus na coleção ‘A Oração do Pobres’. 72 p. 106. Cap III (iii, parte 2, 6). 73 p. 89. Cap III (iii, parte 1, 5) 74 p. 96. Cap III (iii, parte 1, 20) 75 'A Monk of the Eastern Church', op. cit., p. 6. 76 Relatos de um Peregrino Russo, traduzido para o Francês por Jean-Yves Leloup.

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ritmo mais acelerado do que aquele recomendado por Brianchaninov.

Além destas regras básicas e muito simples para recitar a Oração, os Hesicastas também desenvolveram – como um auxílio à concentração – certo ‘método físico’. Uma postura corporal particular foi recomendada – cabeça inclinada, queixo apoiado no peito, olhos fixos no lugar do coração; ao mesmo tempo em que a respiração era cuidadosamente regulada, de modo a manter o passo com a Oração. Estes ‘exercícios físicos’ foram claramente descritos pela primeira vez em um texto intitulado: Sobre os três métodos da atenção e prece, atribuído a S. Simeão, o Novo Teólogo (séc. XI), mas quase que certamente não por ele; o provável autor é S. Nicéforo, o Solitário77; embora possa estar descrevendo uma prática já bem estabelecida muito tempo antes de sua própria época.78

Em uma série de passagens de A Arte da Prece, Teófano e Ignatii referem-se a estas técnicas respiratórias. Quando eles as mencionam, entretanto, é quase sempre com desaprovação e, cuidadosamente, evitam quaisquer descrições detalhadas. Esta reticência irá, sem dúvida, desapontar uma boa parte dos leitores ocidentais que vêem no Hesicasmo uma espécie de Yoga Cristã; aquilo que atraiu muitos não-Ortodoxos à Oração de Jesus em anos recentes, e fascinou a maioria deles, foi precisamente os exercícios corporais. Tal abordagem à oração interior certamente não ganharia a aprovação de Ignatii e de Teófano: qualquer uso indiscriminado dos exercícios respiratórios eles consideram como altamente perigoso.

Para apreciar o lugar do método físico, três pontos devem ser mantidos na mente de forma clara:

Primeiro, os exercícios respiratórios não são nada mais do que um acessório – um auxílio à memória, útil para alguns mas não obrigatório para todos. Em nenhum sentido eles são uma parte essencial da Oração de Jesus, que pode ser praticada em sua plenitude sem eles. tradução para o português de Karin Andrea de Guise. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. pp. 44-46. 77 Veja p. 104. Cap III (iii, parte 2, 2) 78 Escritores mais antigos – por exemplo, S. Hesíquio (p. 103. Cap III (iii, parte 1, 35)) – nos dão conselhos gerais como: ‘deixe a Oração de Jesus unir-se à sua respiração.’ Mas não há evidência de que conhecessem os exercícios respiratórios em suas formas evoluídas.

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Em segundo lugar, estes exercícios respiratórios devem ser usados com a máxima prudência, pois eles podem se revelar extremamente prejudiciais se utilizados de maneira errada. Por si mesmos, repousam sobre um princípio teológico que soa perfeitamente – que o homem é um único todo integrado, uma unidade de corpo e alma e, portanto, o corpo tem um papel positivo a desempenhar no trabalho da prece. Mas, ao mesmo tempo, tais técnicas físicas, se aplicadas incorretamente, podem danificar gravemente a saúde e até mesmo levar a insanidade como alguns recentemente descobriram a seus próprios custos. Por esta razão os escritores Ortodoxos normalmente insistem que qualquer um que pratique o método físico deveria estar sob estrita orientação de um guia espiritual experimentado. Na ausência de tal stárets – e mesmo nos países Ortodoxos existem poucos guias com o conhecimento requisitado – é muito melhor simplesmente praticar a Oração por si mesma, sem se incomodar de modo algum a respeito das complicadas técnicas físicas. Para citar Bispo Ignatii: ‘Nós aconselhamos nossos amados irmãos a não tentar a prática desta técnica mecânica a menos que ela se estabeleça por si própria neles.... O método mecânico descrito nestes escritos é plenamente substituído por uma tranquila repetição da prece, com breve pausa depois de cada uma, uma respiração calma e constante, e um envolvimento da mente nas palavras da Oração.’79

Em terceiro lugar, a prática da Oração de Jesus (com ou sem a técnica respiratória) pressupõe uma plena e ativa participação na Igreja. Se a Oração é algumas vezes descrita como um ‘método fácil’ ou ‘caminho rápido’, tal expressão não deve ser mal-entendida: salvo em casos muito excepcionais, a Oração de Jesus não nos dispensa das normais obrigações da vida Cristã. Teófano e os outros autores em A Arte da Prece tomam por garantido que seus leitores são Cristãos Ortodoxos praticantes, admitidos na Igreja através do sacramento do batismo, que assistem regularmente à Liturgia, realizando frequentemente a confissão e a santa comunhão. Se eles dizem pouco a respeito destas coisas, não é porque consideram-nas sem importância, mas porque assumem que quem quer que se proponha a usar a Oração de Jesus já está apropriadamente instruído nos 79 p. 104. Cap. III (iii, parte 2, 2-3)

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ensinamentos comuns da Igreja. Mas no ocidente dos dias de hoje a situação é muito

diferente. Alguns daqueles que se atraem pela Oração de Jesus não são, de fato, Cristãos praticantes. Na verdade, o que faz despontar o interesse deles é precisamente o fato de que a Oração de Jesus aparece como algo fresco, excitante e exótico, enquanto que as práticas mais familiares da vida da Igreja comum lhes saltam como aborrecidas e sem inspiração. Mas a Oração de Jesus não é enfaticamente um ‘caminho curto’ neste sentido. Uma casa não pode ser construída sem fundações. Sob condições normais, uma vida sacramental equilibrada e regular é uma condição sine qua non para qualquer um que pratique a Oração. ‘O caminho mais certo para obter esta união com o Senhor,’ escreve o Bispo Justin, ‘próxima a comunhão de Sua Carne e Sangue, é a interna Oração de Jesus’.80 A comunhão deve vir primeiro, e então a Oração; a Invocação do Nome não é um substituto para a Eucaristia, mas um adicional enriquecimento.

Sendo assim curtíssima e simples, a Oração de Jesus pode ser recitada em qualquer momento e em qualquer lugar. Pode ser dita em filas de ônibus, ao se trabalhar no jardim ou na cozinha, vestindo-se ou caminhando, quando se sofre de insônia, em momentos de aflição ou tensão mental quando outras formas de oração são impossíveis: deste ponto de vista, é uma oração particularmente bem adaptada às tensões do mundo moderno. É uma oração especialmente recomendada para monges, a quem é dado um rosário como parte do hábito em sua profissão 81; mas é igualmente uma oração para pessoas leigas, quaisquer que sejam suas ocupações no mundo. É uma oração para o eremita e para o recluso, mas ao mesmo tempo uma oração para aqueles envolvidos em trabalho social ativo, cuidando, ensinando, fazendo visitas a prisões. É uma prece que cabe em cada estágio da vida espiritual, desde aquele mais elementar àquele mais avançado. A Presente Edição

A Arte da Prece apareceu originalmente em Russo sob o título de YMHOE ДЪПАНІЕ. О МОПИТВЪ ІИСУСОВОЙ (A

80 p. 88 Cap V (ii, 34) 81 Veja p. 39. Prefácio de Charito no Cap I.

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Arte Mental. Sobre a Oração de Jesus), publicado pelo Monastério de Valamo em 1936.

Quatro anos depois esta Valamo submergiu na segunda guerra mundial. Em 3 de fevereiro de 1940, foi pesadamente bombardeada pelas tropas soviéticas, e no dia seguinte Chariton e setenta monges fugiram atravessando a neve, conseguindo refúgio no interior da Finlândia. No fim da guerra, a ilha de Valamo permaneceu dentro da fronteira da U.R.S.S, e nenhuma permissão foi dada para que fosse retomada a vida monástica ali: as construções do monastério estavam sendo usadas para campo de férias. Mas, depois de grande fadiga, os refugiados na Finlândia conseguiram restabelecer a vida da comunidade, denominando sua recém criada fundação como: ‘Novo Monastério de Valamo’: hoje existem cerca de vinte e cinco monges. O Superior do Novo Valamo, Hegúmeno Nestor, deu sua benção para os tradutores ingleses, de modo que esta presente edição possa justamente afirmar uma continuidade espiritual com a original ‘antologia de Valamo’.

Como o Padre Chariton admite em seu Prefácio à edição original, o trabalho está longe de ser sistemático em sua composição, e é frequentemente repetitivo. Na presente edição as divisões em capítulos e a ordem dos extratos foram modificadas, para tornar o livro mais facilmente inteligível para os leitores ocidentais, e algumas passagens que não dão nenhuma nova contribuição foram omitidas. Mas, ainda que tenham ocorrido omissões, nenhum texto adicional foi inserido. Títulos curtos foram postos no início de cada extrato; e todas as notas de roda pé são de autoria dos tradutores e do editor desta versão em inglês. Trechos de autores gregos, onde possível, foram traduzidos diretamente do original grego, e não do texto russo do Padre Chariton.

Os tradutores e o editor desejam expressar seus

sinceros agradecimentos a todos aqueles que lhes auxiliaram. Em particular, oferecem a mais calorosa gratidão a uma amiga Anglicana, Priscilla Napier, que dedicou muitas horas na revisão da versão em inglês; a Alexander Javoroncof, pela ajuda com a interpretação do texto russo; ao Convento Ortodoxo Russo da Mãe de Deus de Lesna, Fourqueux, França; e ao Convento Ortodoxo Russo da Anunciação, Londres.

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Este é o ultimo trabalho de tradução feito por Madame Kadloubovsky. Ela esteve trabalhando nos capítulos finais de A Arte da Prece durante as últimas semanas de sua vida, e no momento de sua morte, em 16 de fevereiro de 1965, tinha acabado de completar sua participação na tradução. Possa o Senhor conceder-lhe descanso com Seus santos.

HIEROMONGE KALLISTOS (Timothy Ware)

Outubro 1965 - Maio 1966

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OUTRAS LEITURAS S. Teófano, o Recluso e S. Ignatii Brianchaninov não

viam a si mesmos como inovadores, mas buscaram fundamentar seus ensinamentos nos Padres Gregos. Alguém que se interesse por explorar o plano de fundo Patrístico da teologia ascética deles, deveria consultar diretamente a grande coleção de textos espirituais conhecida como The Philokalia, editada por S. Nicodemos da Sagrada Montanha e S. Macário de Corinto. Uma completa tradução desta coleção, feita do original grego, está em processo de publicação: The Philokalia: The Complete Text, traduzido por G. E. H. Palmer, Philip Sherrard e Kallistos Ware. Os volumes 1-4 já apareceram (Faber, London/Boston, 1979-95); um quinto e último volume está sendo preparado. Há uma antiga tradução em dois volumes de trechos selecionados, baseada na versão russa de A Filocalia feita por S. Teófano: Writings from the Philokalia on Prayer of the Heart (Faber, London, 1951), e Early Fathers from the Philokalia (Faber, London, 1954), ambos traduzidos por E. Kadloubovsky e G. E. H. Palmer.

Certo número de escritos de S. Teófano foram traduzidos para o inglês. Entre os mais recentes volumes surgidos estão The Path of Prayer e The Heart of Salvation, ambos traduzidos por Esther Williams e publicados pelo ‘Praxis Institute Press (Newbury, MA/Robertsbridge)’; e The Spiritual Life and how to be attuned to it, traduzido por Alexandra Dockham ‘(St Herman of Alaska Brotherhood, Platina, 1995)’. A adaptação de Teófano dos trabalhos de Lorenzo Scupoli Spiritual Combat e Path to Paradise surgiram em inglês com o título de Unseen Warfare, traduzido por E. Kadloubovsky e G. E. H. Palmer, com uma interessante introdução de H. A. Hodges (Faber, London, 1952).

O trabalho mais importante de S. Ignatii Brianchaninov

foi publicado em inglês como The Arena: An Offering to Contemporary Monasticism, traduzido pelo Arquimandrita Lazarus ‘(Moore) (3rd printing, Holy Trinity Monastery, Jordanville, 1991)’. Também está disponível em inglês o trabalho de S. Ignatii On the Prayer of Jesus, também traduzido pelo Arquimandrita Lazarus ‘(Watkins, London, 1951; 2nd impression, London, 1965).’

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A melhor introdução à Oração de Jesus foi feita pelo autor Ortodoxo francês, o Arquimandrita Lev Gillet, que a escreveu sob o pseudômino de ‘Um Monge da Igreja Oriental’: The Jesus Prayer, edição revisada com um prefácio do Bispo Kallistos Ware ‘(St Vladimir's Press, Crestwood, 1987)’. Mais acadêmico, mas menos perceptivo, é o estudo feito pelo Jesuíta Francês Irenee Hausherr, The Name of Jesus, traduzido por Charles Cummings ‘(Cistercian Studies Series 44, Kalamazoo, 1978)’. Para um vívido e motivado exemplo do que a Oração de Jesus pode significar em seu uso pessoal, veja o trabalho de um russo anônimo do Séc. XIX, Relatos de um Peregrino Russo, traduzido para o Francês por Jean-Yves Leloup, tradução para o português de Karin Andrea de Guise. (Petrópolis, Vozes, 2008). Sobre S. Paissi Velichkovskii, que forma a conexão entre a Filocalia Grega e os professores do século XIX russo, ver Fr. Sergii Chetverikov, Starets Paisii Velichkovskii: His Life, Teachings, and Influence on Orthodox Monasticism (Nordland, Belmont, 1980); e o trabalho editado por S. Herman da Irmandade do Alaska, Blessed Paisius Velichkovsky (Platina, 1976). Consulte também o Bispo Seraphim Joantă, Romania: Its Hesychast Tradition and Culture (St Xenia Skete, Wildwood,1992).

Em português, há ainda a Pequena Filocalia – o livro

clássico da Igreja Oriental, uma seleção de trechos da Filocalia traduzidos para o francês e apresentados por Jean Gouillard, com tradução para o português de Nadyr de Salles Penteado, apresentados na coleção ‘Oração dos Pobres’ (Paulus, São Paulo, 2003). Pela mesma coleção também foi publicado ‘A Invocação do nome de Jesus’ do mesmo já citado pseudômino ‘Um Monge da Igreja Oriental’ (Lev Gillet).

Com uma excelente tradução em português, feita diretamente do original inglês, sempre permanece como sugestão o livro A Nuvem do Não-Saber, de um Monge inglês anônimo do séc. XIV, publicado pela Ed. Vozes, 2008. Ainda que pertencente ao Monasticismo Católico, sem direta presença da Oração de Jesus, as influências remetem diretamente aos Padres do Deserto do meio do primeiro milênio, dentre eles a Evágrio Pôntico. (399 D.C.)

Para um estudo mais geral sobre a Ortodoxia Oriental, consulte em inglês:

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Nicholas Arseniev, Russian Piety (Faith Press, London, Sergius Bolshakoff, Russian Mystics (Cistercian Studies

Series 26, Kalamazoo/London, 1977) John B. Dunlop, Staretz Amvrosy: Model for Dostoevski's

Staretz Zossima (Nordland, Belmont, 1971) Sergei Hackel, ‘The Eastern Tradition from the Tenth to

the Twentieth Century, B. Russian’, in Cheslyn Jones, Geoffrey Wainwright and Edward Yarnold (eds.), The Study of Spirituality (SPCK, London, 1986), pp. 259-76

Archimandrite Lazarus (Moore), St. Seraphim of Sarov: A Spiritual Biography (New Sarov Press, Blanco, 1994)

Vladimir Lossky, The Mystical Theology of the Eastern Church (James Clarke, London, 1957)

Macarius, Starets of Optino, Russian Letters of Spiritual Direction 1834-1860, translated by Iulia de Beausobre (Dacre Press, London, 1944)

John Meyendorff, St Gregory Palamas and Orthodox Spirituality (St Vladimir's Seminary Press, Crestwood, 1974)

Archimandrite Sophrony (Sakharov), Saint Silouan the Athonite (Monastery of St John the Baptist, Tolleshunt Knights, 1991)

Thomas Špidlik, La doctrine spirituelle de Théophane le Reclus. Le Coeur et I'Esprit (Orientalia Christiana Analecta 172, Rome, 1965).

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