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A C ASA S ENHORIAL em Lisboa e no Rio de Janeiro: Anatomia dos Interiores Isabel Mendonça . Hélder Carita . Marize Malta Coordenação Instituto de História da Arte Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa Escola de Belas Artes Universidade Federal do Rio de Janeiro

A arte decorativa nas casas de elite do Rio de Janeiro do século XIX

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Page 1: A arte decorativa nas casas de elite do Rio de Janeiro do século XIX

A CASA SENHORIAL em Lisboa e no Rio de Janeiro:

Anatomia dos Interiores

Isabel Mendonça . Hélder Carita . Marize Malta Coordenação

Instituto de História da ArteFaculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa

Escola de Belas ArtesUniversidade Federal do Rio de Janeiro

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A CASA SENHORIAL em Lisboa e no Rio de Janeiro:

Anatomia dos Interiores

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Page 4: A arte decorativa nas casas de elite do Rio de Janeiro do século XIX

CoordenaçãoIsabel Mendonça . Hélder Carita . Marize Malta

FCT (PTDC/EAT-HAT/112229/2009)

Instituto de História da ArteFaculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa

Escola de Belas ArtesUniversidade Federal do Rio de Janeiro

2014

A CASA SENHORIAL em Lisboa e no Rio de Janeiro:

Anatomia dos Interiores

Page 5: A arte decorativa nas casas de elite do Rio de Janeiro do século XIX

CoordenaçãoIsabel M. G. MendonçaHélder CaritaMarize Malta

Edição conjuntaInstituto de História da Arte (IHA) – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de LisboaISBN: 978-989-99192-0-4

Escola de Belas Artes (EBA) – Universidade Federal do Rio de JaneiroISBN:

© Autores e IHAOs artigos e as imagens reproduzidas nos textos são da inteira responsabilidade dos seus autores.

ISBN: 978-989-99192-0-4(Universidade Nova de Lisboa) ISBN: 978-85-87145-60-4(Universidade Federal do Rio de Janeiro)

A Casa Senhorial em Lisboa e no Rio de Janeiro: Anatomia dos Interiores

Design gráfico: Atelier Hélder Carita

Secretariado: Lina OliveiraTiago Antunes

Depósito legal:383142 / 14

Tipografia:Norprint

Tiragem:300 exemplares

LISBOA – RIO DE JANEIRO 2014

Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do projecto com a referência EAT-HAT.112229.2009.

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7ÍNDICE

ÍNDICE

MECENAS E ARTISTAS. VIVÊNCIAS E RITUAIS

Cátia Teles e MarquesOs paços episcopais nos modelos de representação protagonizados por bispos da nobreza no período pós-tridentino em Portugal

Daniela Viggiani“L’ Abecedario Pittorico” de Pellegrino Antonio Orlandi

Celina Borges LemosAndré Guilherme Dornelles DangeloSolar “Casa Padre Toledo”: o bem cultural como uma conjunção ritualística de espaços e tempos limiares

Miguel Metelo de SeixasO uso da heráldica no interior da casa senhorial portuguesa do Antigo Regime: propostas de sistematização e entendimento

ARQUITECTURA, ESTRUTURAS E PROGRAMAS DISTRIBUTIVOS

Isabel Soares de AlbergariaO Palácio dos Câmara “aos Mártires” – um caso excecional da opulência seiscentista

João Vieira CaldasMaria João Pereira CoutinhoO Nome e a Função: Terminologia e Uso dos Compartimentos na Casa Nobre Urbana da Primeira Metade do Século XVIII

Hélder CaritaO Palácio Ramalhete, nas Janelas Verdes: uma tipologia de palacete pombalino

Ana Lúcia Vieira dos SantosFormas de morar no Rio de Janeiro do século XIX: espaço interior e representação social

18

44

64

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134

190

208

Page 7: A arte decorativa nas casas de elite do Rio de Janeiro do século XIX

A CASA SENHORIAL EM LISBOA E NO RIO DE JANEIRO8

Mariana Pinto da Rocha Jorge FerreiraTiago Molarinho AntunesO Palácio dos Condes da Ribeira Grande, na Junqueira: análise do conjunto edificado

José PessôaPadrões distributivos das casas senhoriais no Rio de Janeiro do primeiro quartel do século XIX

José Marques Morgado NetoAs Casas Senhoriais da Belém colonial entre os séculos XVIII e XIX: sob a pers-pectiva dos relatos de viajantes, da iconografia da época e da remanescência no centro histórico da cidade

Gustavo Reinaldo Alves do CarmoO Palácio das Laranjeiras e a Belle Époque no Rio de Janeiro (1909-1914)

Patrícia Thomé Junqueira SchettinoCelina Borges Lemos“O Palacete Carioca”. Estudo sobre a relação entre as transformações da arquite-tura residencial da elite e a evolução do papel social feminino no final do século XIX e início do século XX no Rio de Janeiro

Felipe Azevedo BosiPalácio Isabel: o Palácio do Conde e Condessa d’Eu no Segundo Reinado brasileiro

Paulo Manta PereiraA arquitetura doméstica de Raul Lino (1900-1918). Expressão meridional do Arts and Crafts, ou síntese local de um movimento artístico universal do último terço de oitocentos

A ORNAMENTAÇÃO FIXA

Ana Paula CorreiaMemórias de casas senhoriais – patrimónios esquecidos

Sofia BragaSobre a Sala Pompeia do Antigo Palácio da Ega

224

248

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318

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Page 8: A arte decorativa nas casas de elite do Rio de Janeiro do século XIX

9ÍNDICE

Cristina Costa GomesIsabel Murta PinaPapéis de parede da China em Casas Senhoriais Portuguesas

Ana PessoaAs Artes Decorativas no Rio de Janeiro do século XIX: um panorama

Isabel MendonçaEstuques de Paris e “parquets” de Bruxelas num palácio oitocentista de Lisboa

Isabel Sanson PortellaAnálise Tipológica dos Padrões dos Pisos de Parquet dos Salões do Palácio Nova Friburgo / Palácio do Catete

Alexandre MascarenhasCristina RoziskyFábio GalliA “Casa Senhorial” em Pelotas no século XIX: família Antunes Maciel

Miguel LealA Pintura Decorativa do Palacete Alves Machado: um estudo de caso

Rosa ArraesA função social das decorações e seus ornatos dos palacetes na Belle-époque da Amazônia

EQUIPAMENTO MÓVEL

Maria João FerreiraEcos de hábitos e usos nos inventários: os adereços têxteis nos interiores das residências senhoriais lisboetas seiscentistas e setecentistas

Marize MaltaSumptuoso leilão de ricos móveis... Um estudo sobre o mobiliário das casas senhoriais oitocentistas no Rio de Janeiro por meio de leilões

404

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562

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Ana Maria Pessoa dos Santos. Arquiteta, doutora em Comunicação Social (UFRJ) e pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa; [email protected]

As Artes Decorativas no Rio de Janeiro do Séc. XIX: um panorama

Retrospecto sobre a presença das artes decorativas nos ambientes domésticos no Rio de Janeiro ao longo do século XIX e inicio do XX, tomando como referência setes casas analisadas pelo projeto A casa senhorial em Lisboa e no Rio de Janeiro (séculos XVII, XVIII e XIX): anatomia de interiores.

The decorative arts in the Rio de Janeiro 19th century: an overview

Retrospect on the application of decorative arts in the domestic environment in Rio de Janeiro dur-ing the XIX and early XX centuries, taking as reference analyzed seven houses under the project The Manor House in Lisbon and Rio de Janeiro (the XVII, XVIII, XIX centuries): Interiors Anatomy.

Resumo/Abstract

Palavras-chave Artes decorativas

KeywordsDecorative arts

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A ORNAMENTAÇÃOFIXA 425

As Artes Decorativas no Rio de Janeiro do Séc. XIX: um panorama

Ana Maria Pessoa dos Santos

(...) a beleza faz com que a ira que destrói o inimigo se acalme e a obra de arte seja respeitada. Ousarei dizer então que nenhuma qualidade, melhor que o decoro e o agrado formal, pode preservar um edifício ileso da malevolência humanas. Convém, então, dedicar todo o cuidado e toda despesa possível para que a obra se torne não somente funcional e confortável, mas, sobretudo, bem adornada e agradável à vista, de modo que quem a observe deva convir que tal despesa não poderia ser usada de forma melhor.1

E sse artigo apresenta resultados preliminares da pesquisa que está sendo realizada, na área do Rio de Janeiro, tendo como incentivo o projeto A casa

senhorial em Lisboa e no Rio de Janeiro entre os séculos XVII, XVIII e XIX: anatomia de interiores2 — cujo objetivo é a análise dos interiores domésticos, compreendendo a distribuição dos espaços, os elementos da arquitetura integrada e os da decoração, e a circulação dos artífices e técnicas das artes decorativas entre Portugal e Brasil. A proposta portuguesa teve como motivação o extenso acervo patrimonial centrado em Lisboa e arredores, que já havia merecido um sem número de estudos, aos quais se acrescentaria o registro e a análise refinada de aspectos exteriores e interiores das construções, apoiados em levantamentos documentais e iconográficos.

Diferentemente do caso lisboeta, no Rio de Janeiro são escassos os imóveis preservados que guardam o testemunho de seus ambientes interiores, e são igualmente reduzidos os estudos sobre o tema. Desse modo, a iniciativa brasileira foi formada por uma ação pioneira e urgente de identificação, análise e valorização desses elementos, a fim de possibilitar melhor conhecer e preservar esses revestimentos e suas técnicas. O presente artigo traça um primeiro panorama dos aspectos decorativos de sete edifícios estudados, articulado segundo seus respectivos contextos sociais e estéticos.

Quanto à implantação do gosto neoclássico, que ocorreu ao longo da primeira metade do século XIX, são consideradas as análises da morfologia e decoração dos interiores do Paço da Boa Vista (Museu Nacional/UFRJ), da Casa da Marquesa dos Santos (Museu da

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A CASA SENHORIAL EM LISBOA E NO RIO DE JANEIRO426

Moda, SEC/RJ) e do Paço de Petrópolis (Museu Imperial, Ibram/Minc), três edifícios cujas reformas e construção foram promovidas pela família real, sob a influência do neoclassicismo. Depois, comenta-se o Palácio do barão de Nova Friburgo (Museu da República, Ibram/Minc), construído em meados do século XIX, cuja decoração, tanto externa como interna, envolveu grandes investimentos de meios e recursos. Em seguida, são analisados dois sobrados que absorveram, por volta dos anos 1870, as técnicas da arquitetura do ferro e o gosto eclético, como o reformado sobrado da Casa de Rui Barbosa (FCRB) e o Solar do Jambeiro (Prefeitura de Niterói). Como desfecho, comenta-se um exemplar dos palacetes franceses da família Guinle que ocuparam a cena da virada do século, o Palacete Guinle--Paula Machado (Firjan).

Ainda que essa classificação reproduza esquematicamente os estilos predominantes do século XIX — o neoclássico, o revivalismo e o ecletismo — é preciso levar em consideração que a prática arquitetônica e, porque não dizer, a decorativa eram, como observou Sonia Gomes Pereira, um conjunto complexo formando por vários elementos, onde persistem formas e técnicas coloniais ao lado da introdução de novos programas e funções; é preciso observar também que o século XIX assiste à importação de materiais e de novos processos de formação profissional de arquitetos, engenheiros e artífices.3

No Brasil colonial, a “arte estava nas igrejas, na arquitetura dos templos e nos engenhosos arabescos da toreutica e do azulejo”,4 ainda que alguns edifícios públicos e residências abonadas apresentassem cuidados decorativos.5 Naquele momento, o único ensino regular era o da Aula Pública de Desenho e Pintura, instituída pela Carta Regia de novembro de 1800, sob a direção de Manuel Dias de Oliveira Brasiliense, o Romano,6 que teria Francisco Pedro do Amaral como o seu discípulo de maior destaque.

A partir de 1808, com a instalação da Corte portuguesa no Rio de Janeiro e a abertura dos portos, a cidade e seus modos sofreram grandes transformações não só no aspecto urbano como nos arranjos caseiros. Com o surgimento de novas sociabilidades e a circulação de novos artefatos, a decoração é requisitada nos ambientes reais e das elites, em especial, com a aplicação da pintura e do estuque. O comerciante inglês Luccock observa as mudanças ocorridas na primeira década da presença da Corte ao comentar, em 1808, que “nem nas casas, nem no mobiliário, conseguimos encontrar muitas coisas que nós nos acostumamos a considerar como essenciais ao conforto; não nas encontramos nem mesmo nas habitações mais espaçosas e fornidas;”7 sendo que, dez anos depois, “as casas particulares revelavam quantidade maior de mobília, seu estilo estava modernizado e adaptado à situação superior de seus possuidores”8.

O exemplo mais paradigmático de investimento em “prol da implantação do luxo

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A ORNAMENTAÇÃOFIXA 427

europeu”, no dizer de Debret,9 foi o das transformações promovidas na Quinta Real da Boa Vista10. Tais mudanças foram realizadas “pelo interesse da transformação de uma simples casa de campo em palácio real, através de melhoramentos sucessivos, determinados pelo crescimento do Brasil”.11 Antecipando-se à aplicação da Lei da Aposentadoria,12 utilizada para abrigar os súditos que acompanharam D. João VI e que desalojou a elite local de suas melhores residências, o rico negociante Elias Lopes ofereceu sua propriedade ao príncipe regente. A princípio tomada como residência alternativa ao Paço da Cidade, a propriedade passou a morada definitiva depois da coroação de D. João e permaneceria residência principal dos Bragança até à República, quando foi transformado em sede do Museu Nacional, tendo sido objeto de reformas e alterações ao longo dos séculos XIX e XX.13

Na ausência de documentação precisa sobre a ocupação do Palácio de D. João VI,14 a relação de cômodos, descrita para a distribuição de velas no período, torna-se uma preciosa fonte sobre a organização dos espaços, com a indicação de seus ocupantes e respectivos serviçais.15 Segundo o documento, o piso nobre era destinado à área doméstica, formada pelos quartos da família real, o oratório e a sala de jantar, e à área pública, com a sala do Dossel, onde ocorria a cerimônia diária do beija mão, e a mesa do Estado, onde se recebia os diplomatas; no térreo estava a área de serviço, com os cômodos dos serviçais.

Um raro testemunho dos interiores do Palácio é descrição que a Princesa Leopoldina faz à irmã Maria Luiza, em janeiro de 181816, do apartamento de D. João mandara erguer e decorar para hospedar o jovem casal. São seis aposentos – sala de bilhar, sala de musica, sala de festa, gabinete de toalete, quarto de dormir, guarda-roupa e gabinete, todos com varandas. Pinturas de pássaros e árvores decoram a sala de música, e motivos mitológicos enfeitam a sala de festa, com quatro colunas em bronze e destaque para o teto: “O teto é maravilhoso, com cena de mitologia pintada por um francês”17; paredes do gabinete e do quarto de dormir são revestidas de musselina branca e rosa, o mobiliário de madeiras nobres, bois du Brèsil e “madeira amarela e marron de Macau”, com entalhes.

Na primeira fase de sua ocupação, de 1808 a 1831, a casa recebeu acréscimos de dois pavilhões, norte e sul, e um bloco de apoio. Essas alterações são comentadas na prancha “Melhoramentos sucessivos do Palácio de São Cristóvão (Quinta da Boa Vista, de 1808 até 1831)”, de Debret, onde ele apresenta quatro configurações do edifício, em 1808, 1816, 1822 e 1831, seguidas de comentário sobre as reformas. Em sua avaliação, a intervenção do arquiteto inglês [John Johnston], que teria construído o pavilhão norte em “estilo gótico muito mais digna de uma corte européia”18, é contraposta à de Manoel da Costa19, “um arquiteto português, então empregado como pintor de cenários”20 que teria retornado o edifício, inclusive o torreão norte, “ao estilo português”,21 e conclui apresentando o edifício

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como em 1831, resultado da intervenção de arquiteto francês P.J. Pézèrat22, “infinitamente preferíveis pela pureza de estilo.”23

Na gravura final da prancha, o edifício tem, ao centro, escada dupla em curva que dá acesso ao piso nobre e, nas extremidades, dois pavilhões. Ao norte, pavilhão com dois andares, com sobrevergas pinaculares, rematado por um último andar, com mirante de inspiração “mourisca”, com varanda de balaustrada e pilaretes suportando o telhado com cimalha saliente e cobertura ondulada; e ao sul, pavilhão com três andares, fachada marcada por pilastras e entablamento clássico, com cornija, friso, e arquitrave, e platibanda decorada com estátuas, segundo o modelo neoclássico.

O novo gosto classicizante já vinha sendo adotado nos principais edifícios públicos, como a Praça do Comércio, em 1820, e a Academia Imperial de Belas Artes, em 1826, confiados ao arquiteto Grandjean de Montigny 24 e nos edifícios domésticos da Corte, com destaque para o palácio do Caminho Novo, de Domitila de Castro e Melo, a preferida de D. Pedro I, cuja reforma teve início em 1826, sob a condução de Pedro Alexandre Cavroé25 a partir de planta do arquiteto Pézèrat. Os trabalhos de estuque dessas três importantes obras foram realizados pelos irmãos Ferrez, Marcos e Zeferino, membros tardios da Missão Francesa.26

O palacete é resultante de reforma da antiga casa de chácara com dois pavimentos. A fachada tem pórtico e frontão triangular, tímpano adornado com relevos – dois grifos alados, que guardam uma cabeça, o busto de Mercúrio circulado por luxuosa moldura, encimada por vasos e festões de flores27– portas e janelas em cantaria, entablamento com friso em relevo e vasos de mármores sobre as platibandas. A planta é retangular, com um prisma de planta oval projetando-se ao centro da fachada posterior, de onde saem duas escadas em curva, ligando o piso nobre ao jardim. O edifício foi revestido de materiais nobres, como mármore, granito e madeira de lei, e mereceu profusa decoração.

O acesso principal é feito através de um vestíbulo revestido em mármore, limitado por colunas em arquivoltas, que o separam da escadaria que leva ao segundo andar. A escadaria, de inicio em lance único, se divide em dois acessos que levam ao Salão Aurora, no centro do edifício. O vão da escada é decorado com relevos e pinturas e tem um vitral por cobertura. No piso nobre, as salas são individualizadas por painéis em relevo e pintura de diferentes temáticas. Voltado para a fachada principal, estão o Salão da Aurora, as salas central e de estar, que liga-se à direita com o Salão da Música, onde promoviam-se os saraus, que se abre para o Salão da Águia, gabinete de D. Pedro, que tem comunicação com uma pequena alcova, para o seu descanso; à esquerda o Salão da Aurora liga-se ao Salão dos Deuses, salão de baile, que se comunica com o Salão da Flora, toucador da marquesa, que se comunica

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A ORNAMENTAÇÃOFIXA 429

com uma pequena alcova. Voltado para a fachada posterior, está o salão oval destinado à sala de jantar, ligado ao jardim pelas escadas em curva.

As pinturas, afrescos nas paredes e tetos, foram confiadas a Francisco Pedro do Amaral,28 e os estuques, esculturas em baixo-relevo nos muros e nos tetos, aos irmãos Ferrez. A decoração original, ainda que muita alterada, permite que se observe a articulação, pelos tetos e paredes laterais, de relevos em estuque de temática mitológica, com painéis pintados, “são sempre envoltos por grinaldas, pássaros, molduras que se entrelaçam à moda dos grotescos renascentistas romanos”.29 Como observa Alexandre Eulálio, essa decoração expressaria o contraste entre a “rigidez neoclássica e ideológica” dos estuques dos irmãos Ferrez e a disponibilidade “estilística e empírica” de Amaral, que se utiliza livremente tanto de guirlandas rococós como de urnas decoradas com festões, típica do classicismo.30

A partir de meados do século XIX, com a maioridade de D. Pedro II e o início do Segundo Reinado, o pórtico colunado, com entablamento direto e frontão triangular irá marcar as principais construções públicas e privadas, e seria adotado pela família imperial em suas residências na Quinta da Boa Vista e em Petrópolis. A figura de destaque nas diretrizes decorativas dos palácios nesse período foi o pintor, arquiteto e jornalista Manuel de Araújo Porto Alegre,31 que atendeu a ambos os edifícios.

No Paço da Quinta da Boa Vista, nas décadas de 1840 e 1850, a fachada frontal foi toda unificada em linguagem clássica, com o torreão norte igualado ao torreão sul e o corpo central-frontal recebendo um terceiro pavimento; a escadaria externa foi demolida e erguida a escadaria em mármore de carrara do primeiro pátio interno, assim como construída a Capela Imperial de Paço, dedicada a São João Batista, no centro da ala dos fundos do palácio.  

Em Petrópolis, teve início, em 1845, dois anos após o casamento de D. Pedro II com Teresa Cristina de Bourbon, princesa das Duas Sicílias, a construção de um edifício de linhas neoclássicas, com dois pavimentos de terraço sobre o pórtico. Duas alas laterais completam a fachada, que apresenta colunas jônicas e coríntias. No frontão, as armas imperiais, os dragões (serpes aladas) representativos da Casa de Bragança, o cetro imperial e a mão da justiça. A obra é conduzida pelo major Júlio Frederico Koeler32, que cuidava da implantação de colônia agrícola de alemães na região33. Foram utilizados nos assoalhos madeiras de melhor qualidade, tais como pequiá, jacarandá, pérola e canela; nas portas e alicerces, o cedro. No interior, o vestíbulo revestido de mármore branco e preto (carrara e belga), articula a circulação do pavimento térreo entre as alas direita e esquerda, onde se distribuem os ambientes sociais, e a do corpo central, que se divide entre a escadaria de madeira que leva ao pavimento superior, dedicada à área privada, e a circulação de serviço que leva à área dos fundos. Tanto os ambientes sociais como os privados foram decorados

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com estuques e pinturas, com destaque para os da Sala de Música e Baile, no térreo, e para que sala usada pela família, no segundo piso, hoje denominada Sala de Estado.

No Paço da Quinta Boa Vista, tem-se registro, no período de 1857 a 1867, dos serviços do arquiteto alemão Theodor Marx34 e do arquiteto, cenógrafo e decorador italiano Mario Bragaldi35 prestados à Mordomia para a decoração do Paço36. Theodoro ocuparia o cargo de Arquiteto das Obras do Paço (ou da Quinta), de 1864 a 1867, quando se desligou da Casa Imperial e, depois de oferecer seus serviços de arquiteto e empreiteiro em anúncio no Almanak Laemmert de 1867, terminou por deixar definitivamente o país em 1867, quando embarcou para o Rio da Prata37. Nesse período, Mário Bragaldi decorou os ambientes mais solenes da Corte – a Sala dos Diplomatas e a Sala do Trono – entre 1857 e 1861. Inicialmente, havia sido projetada uma ampla reforma para o segundo pavimento, que incluía a transferência da Sala do Trono para ambiente maior, no lado sul do Palácio, segundo desenhos de Bragaldi de 185738. Contudo, a reforma não seria realizada, possivelmente em consequência da conhecida austeridade de D. Pedro II que caracterizaria o Segundo Reinado, e que se agravaria a partir das guerras no Sul do país.39

A Sala dos Diplomatas recebeu pintura no teto e ornatos em estuque nas sancas e roda-tetos, sendo que os quatro cantos do teto apresentam pinturas representando os quatro continentes – Europa, América, África e Ásia40. A Sala do Trono, por sua vez, apresenta teto com estuque e pinturas, tendo ao centro uma grande cartela que emoldura uma cena de figuras mitológicas de deuses do Olimpo e, nos quatro cantos, figuras femininas representando as quatro virtudes cardinais: sapiência, justiça, fortaleza e temperança, tendo a separá-las brasões das casas reinantes dos antepassados de D. Pedro II (Bragança, Bourbon, Habsburgo, de Leuchtenberg) e do Reino das Duas Sicílias.41

Em 1858, a primazia do frontão classicizante é rompida na construção de um dos mais imponentes edifícios da corte, o Palácio do Barão de Nova Friburgo42, de autoria do jovem arquiteto alemão Gustav Waehneldt.43 Com fachadas sóbrias e distintas, em estilo renascentista, anunciando o ecletismo que se propagaria nas décadas seguintes, o edifício é marcado pelo luxo decorativo – com a escultura e os ornamentos das fachadas compostas tanto por peças importadas44 como esculturas confiadas ao escultor Quirino Antônio Vieira.45 São três andares, com cerca de 35 saletas, salas e salões nobres decorados com assoalhos trabalhados, estuques, pinturas e rico mobiliário. No térreo, destacam-se o piso em mosaico do hall de entrada, e o estuque e a pintura da antiga sala de jantar, cujo teto é entremeado de molduras de estuque e barras pintadas de flores e pássaros, tendo ao centro pintura de Baco e Ariadne. A escada, de início de lance único, se desdobra a partir de patamar em meio a um vão decorado com pinturas e estátua, tendo como cobertura uma

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claraboia colorida. No segundo piso estão as salas nobres: o salão azul, o salão nobre, com cena mitológica pintada ao centro do teto estucado, e o salão pompeiano, voltados para a rua do Catete; o salão veneziano e a capela, ladeando a escada, estão voltadas para as fachadas laterais, e a sala de banquete e o salão mourisco voltados para o jardim; o terceiro andar, destinado à área íntima da família, não guarda mais vestígios de sua primeira ocupação.46

Os trabalhos de estuque do interior foram iniciados em 1863 e a “riqueza de motivos e detalhes, e o apurado acabamento, fizeram destes elementos uma das principais características de sua decoração, notadamente no segundo pavimento do prédio”.47 As pinturas foram de responsabilidade do pintor e gravador Emil Bauch48, e há sugestões de outros colaboradores.49

A partir de meados do século XIX, já há um contingente de profissionais voltados para o ornamento, formados no país por cursos técnico-artísticos que passam a ser oferecidos tanto pela Academia de Belas Artes como pelo Liceu de Artes e Ofícios. A partir de 1855, com a reforma Pedreira, foi criada na Academia de Belas Artes a situação do “aluno artífice” e introduzidas aulas de desenho ou escultura de ornatos, desenho geométrico, desenho industrial e matemáticas50, sendo que o principal professor das aulas de escultura de ornatos foi o escultor/entalhador em madeira Antônio de Pádua e Castro, que as ministrou de 1863 a 1881. Também no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro51, criado em 1857, para a formação de artífices e pessoal profissionalmente qualificado, foram oferecida aulas de escultura de ornatos, confiadas ao já mencionado Quirino Antônio Vieira.

O ornamento ganha novo vigor sob a voga do ecletismo, que propunha o uso dos diversos estilos do passado e até a combinação deles em um único edifício, em busca de efeitos de riqueza e originalidade; no Rio de Janeiro, a partir de 1870, vão surgindo imponentes edificações com aplicação de decorações revivalistas, como os neogóticos Tipografia Nacional, Gabinete Português de Leitura e Alfândega da Ilha Fiscal. No plano doméstico, as áreas sociais da Casa de Rui Barbosa, em Botafogo, e do Solar do Jambeiro, em Niterói, são exemplos da aplicação desse novo gosto, que faz uso abundante do estuque, da pintura, de ladrilhos e dos elementos de ferro.

A Casa de Rui Barbosa foi erguida em 1850, pelo comerciante Bernardo Casimiro de Freitas, em meio a amplo terreno em Botafogo, então integrante dos arredores bucólicos da cidade. O edifício original era um sobrado parcial e porão, com partido em forma de U, com telhado em platibanda e fachada com predominância horizontal, quebrada pelo corpo central elevado e decorada com elementos neoclássicos como pilastras de fuste canelado e capitel ornado, frontão triangular e arquitrave trabalhada.52 Ao centro do edifício, uma claraboia sobre o vão da escada deixava entrar luz e escapar o ar quente e viciado. Com teto de

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estuque e forro de pinho, o interior era distribuído segundo um eixo central em áreas social, privada e de serviços, sendo o térreo ocupado pelas áreas sociais – sala de visita, de piano, escritório e sala de jantar, que se abria para um pequeno jardim – e áreas domésticas, como capela, quartos de parentas, de serviços domésticos e copa; o andar superior era reservado para os quartos do casal e das duas filhas, e na área externa, cavalariça, cocheira e senzala, com os serviços de cozinha e lavagem instalados sob telheiros, além de banheiro e galinheiro. Na década de 1860, a casa foi ampliada com a construção de outro bloco assobradado, ligado ao primeiro por um passadiço, para melhor acomodar os serviços domésticos. Em 1879, com a transferência da posse para Albino de Oliveira Guimaraes,53 a propriedade sofreu grandes reformas, tanto na área interna como externa. Ele teria introduzido, com o apoio de estruturas metálicas, varandas na fachada principal e nos fundos do passadiço, ampliando as circulações da casa, além de melhorias nas instalações hidráulicas e nova configuração no jardim, com a implantação de artefatos do estilo romântico, como pontes, cascatas, caramanchões e quiosque. Em 1893, a família Rui Barbosa adquiriu a casa, que seria comprada pelo governo em 1924, e aberta como primeiro museu casa do país em 1930.

A decoração é composta por tetos estucados com pinturas nas salas principais (sala de visita, de baile, de música, de jantar e a biblioteca) com tecido pintado aplicado no teto do quarto de vestir de Maria Augusta, esposa de Rui, pinturas de arranjos florais e paisagens no hall da escada de circulação interna, e decoração gênero pompeiano nas quatro paredes da sala privada e em friso na varanda da sala de jantar. O hall de entrada é revestido de lambris de madeira e tem no piso um colorido tapete de ladrilho hidráulico, revestimento que é encontrado também nas varandas, na copa e na cozinha.

O Solar do Jambeiro, em forma de sobrado, foi construído em 1872 por Bento Joaquim Alves Pereira, rico português, em meio à chácara arborizada, em Niterói, capital do Estado do Rio de Janeiro, então uma bucólica cidade nos arredores da Capital Federal. Originalmente e por breve período, o sobrado serviu como residência de fim-de-semana de seu proprietário, sendo depois alugado ao médico Júlio Magalhães Calvet e, desde então, teve diversas ocupações.54 Tombado pelo governo federal em 1974, a propriedade, após um período em que esteve fechada, foi desapropriada pela Prefeitura Municipal de Niterói, em 1997, com vistas a resguardar sua integridade física e restaurar seus aspectos históricos e arquitetônicos.

O Solar se destaca pelo conjunto de seus azulejos, que recobrem três de suas fachadas – a principal e as duas laterais55 – tem vidraças azuis e brancas originárias do Porto, portas e janelas guarnecidas de granito-do-reino e varandas apoiadas em estrutura de ferro. A mansão divide-se em quatro quartos, cinco salões, cozinha, banheiros e quatro quartos

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para empregados. Os cômodos menos nobres como circulações, saletas e quartos possuem forros em estuque, com rosaceas e frisos simples, já as salas principais (salão, sala de estar e sala de jantar) são decoradas com forros em estuque mais elaborados; as salas de jantar e estar têm paredes revestidas de lambris. Os pisos da casa são em madeira, em geral, de piso de riga, e em ladrilhos hidráulicos.

Nesse período, no campo do ensino das artes decorativas, enfrenta-se a insatisfação e o declínio das atividades da Academia. Com o advento da República, a Academia é transformada em Escola Nacional de Belas Artes cujo currículo é distribuído em quatro cursos – Arquitetura, Pintura, Escultura e Gravura – com a cadeira “Elemento de Arquitetura Decorativa e Desenho Elementar de Ornatos” comum a todos os cursos, desaparecendo o ensino industrial para os artífices56. Nesse contexto, o ensino de ornatos, de composição arquitetônica e de pintura decorativa, mantidos como os três pilares Escola, assegurariam o futuro ensino de arte decorativa da instituição, aos quais se somaria a valorização da pintura decorativa, face à grande demanda, sob influência estrangeira, dessa técnica para a decoração de edifícios.57

No inicio do século, a cidade sofreu grandes transformações. No centro foi construída a Avenida Central, inaugurada em 1905, que cortaria o antigo tecido da cidade colonial para ligar o novo porto ao bairro da Glória. Na Avenida, com 1.800 metros de extensão por 33 metros de largura, cerca de trezentas casas foram demolidas para dar lugar a novos prédios, cujas fachadas foram escolhidas em concurso, com predominância do ecletismo afrancesado. Esse movimento atraiu vários arquitetos estrangeiros que passaram a atuar no país. E da Glória à Botafogo, acompanhando a baia de Guanabara, se estenderia uma larga avenida acompanhada de jardins.

Como exemplo da influência desse esprit na ornamentação, temos o Palacete Guinle/Paula Machado, em Botafogo, um dos mais belos edifícios do eclético afrancesado carioca, programado para atender às necessidades de conforto e aparência da burguesia industrial. A família Guinle pertencia ao círculo tradicional da elite financeira e social carioca desde a primeira década do século XX, quando o patriarca Eduardo Pallasim Guinle e Cândido Gaffrée fundaram a Companhia Docas de Santos.58

O Palacete, de 1.750m² num terreno de 8.024 m,² em estilo eclético francês, foi resultado de sucessivas reformas promovidas em 1906, 1910 e 1925, pelos arquitetos John Oberg, Armando da Silva Telles e Joseph Gire, sendo que os dois últimos seriam também responsáveis pelos projetos de outros imponentes edifícios da família, como o Palácio Laranjeiras, considerado o palacete mais suntuoso já construído no país. A reforma de 1910 transformou a casa pré-existente em uma mansão eclética de feições neorrenascentistas

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ao estilo francês, com porte-cochère aterraçada, telhado em mansarda e um torreão central coberto de telhas de ardósia. Em 1925, a casa recebeu novo acréscimo, que atingiu principalmente o pavimento superior e a fachada voltada para a rua Guilhermina Guinle. No primeiro pavimento, a área social com hall, gabinete de trabalho, salão, sala de jantar, e serviços (copa, cozinha e serviços) e escada social; no segundo andar, quatro quartos, dois banheiro, boudoir, estúdio, jardim de inverno e serviço. Os interiores do palacete são ricamente decorados com estuques, azulejos e ladrilhos.

Como considerações finais, o conjunto de residências elencadas permite observar que, desde o início do século XIX, a cidade do Rio de Janeiro, enquanto capital do império português seguida do Brasil, foi inserida no sistema internacional de gostos e modas movimentado a partir dos países hegemônicos da Europa, em especial a França e a Inglaterra, que resultou na adoção de novos padrões arquitetônicos, paisagísticos e de decoração de interiores por suas elites.

Essa absorção seguiu, como de regra, a cadeira hierárquica da sociedade, onde, de principio incorporada pelos segmentos sociais e economicamente abastados, era paulatinamente seguida pelos demais segmentos sociais. A penetração desses modelos decorativos foi incentivada pela substituição dos artistas estrangeiros especializados pela oferta de moldes e artefatos industrializados e de artificies, com a aplicação generalizada de artefatos de estuque em fachadas e interiores, uso de elementos de ferro e de azulejos decorados.

A presença de três proprietários portugueses – o Barão de Nova Friburgo, o comerciante Bernardo Casimiro de Freitas e Bento Joaquim Alves Pereira – no conjunto estudado é decorrência da forte presença da colônia portuguesa, socialmente ativa e conhecida pela ostentação no Rio de Janeiro do século XIX, cuja influência persistiu ao longo de primeira metade do século XX.

Já combatido por alguns teóricos, como Adolfo Loos, o declínio do ornamento seguiria a influencia da onda modernista internacional, que apregoava o despojamento e as linhas retas. E não seria diferente no Brasil, onde surgiria uma forte escola modernista nas artes e na arquitetura.

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NOTAS

1 ALBERTI, Leon Batista - Da Arquitetura. Tradução e organização de Sergio Romanelli. São Paulo: Hedra, 2012. p. 216.2 O projeto é uma iniciativa da FCSH-Universidade Nova de Lisboa e a Fundação Ricardo Espírito Santo e Silva, e conta com a colaboração da Fundação Casa de Rui Barbosa para sua aplicação no Rio de Janeiro.3 PEREIRA, Sonia Gomes - A Historiografia da Arquitetura Brasileira no Século XIX e os Conceitos de Estilo e Tipologia. [Em linha] 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 3, jul. 2007. [Consulta em 31.05.2014] Disponível na Internet: <http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_sgp.htm>.4 CARVALHO, Ronaldo - Arte brasileira. In Estudos Brasileiros. Rio de Janeiro : Edição do Anuário do Brasil, 1924. p. 1185 Como a Casa dos Governadores que Gomes Freire encomendou ao Brigadeiro José Pinto Alpoim em 1738, decorado por José de Oliveira Rosa, autor de um grande painel alegórico, “O gênio da América”, que decorava a Sala das Audiências.6 Artista brasileiro com passagem de estudos em Portugal e em Roma, e que implantaria o ensino com modelo vivo. Hábil em desenhos decorativos, seria o responsável pela maior parte das decorações em homenagem à chegada de D. João e sua comitiva,7 LUCCOCK, John. - Notas sobre o Rio de Janeiro e Partes Meridionais do Brasil. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São Paulo, USP, 1975. p.. 80.8 Ibidem. p. 364.9 DEBRET, Jean Baptiste - Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Belo Horizonte : Ed. Itatiaia, 2008. p. 46310 A família real mantinha outras propriedades, como o Paço do centro da cidade e o Palácio de Santa Cruz, mas seria a Quinta da Boa Vista que se tornaria o seu espaço doméstico por excelência.11 DEBRET, Jean Baptiste - Op. cit., p. 463. Nesse período, diversos artistas e arquitetos estiveram a serviço da família real, como os portugueses José Domingos Monteiro, Manuel da Costa, João da Silva Muniz e José da Costa e Silva arquiteto da Casa Real, e João da Silva Moniz. Com a morte de Costa e Silva, em 1819, Manoel da Costa foi nomeado seu substituto e, com a morte deste, em 1826, foi contratado o arquiteto francês Pézèrat. Também atendeu à família o inglês John Johnston, que viera ao Brasil em 1812, trazendo portão monumental presenteado pelos ingleses, e que seguiria com D. João para Lisboa, em 1821. 12 A lei, que permitia a requisição de casas para funcionários públicos, foi aplicada em 1808 só seria revogada a em 1818.13 As informações sobre a Quinta da Boa Vista têm como fonte principal VAN BIENE, Maria Paula — O paço de São Cristóvão, antigo palácio rela e imperial e atual palácio-sede do Museu Nacional/UFRJ: a definição de uma arquitetura palaciana. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Artes Visuais, EBA/UFRJ. 2013.14 Sobre a ocupação da Quinta, ver VAN BIENE - Ibidem.15 Quarto do Rei, duas salas junto ao quarto do Rei, do príncipe real D. Pedro, da Princesa D. Maria Teresa, do Infante D. Miguel, da Infanta D. Isabel Maria, Oratório, Mesa de Estado [Sala do trono], Casa de Jantar, Sala de Dossel [Sala do Trono] e varanda. Há indicação de velas para os corredores e corredores de baixo, com a indicação nominal de serviçais. “Ceras para o Paço da Real Quinta da Boa Vista”, anexo a documento de 5 de outubro de 1820. Arquivo Nacional, Seção Histórica, Casa

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Imperial, cx. 3/P. 2.16 KANN, Bettina e SOUZA LIMA, Patrícia - Cartas de uma Imperatriz. São Paulo, Estação Liberdade, 2006. p. 325-326. O casamento havia sido realizado, por procuração, em Viena a 13 de maio de 1817, tendo a noiva desembarcado no Brasil a 6 de novembro do mesmo ano, quando foi recebida com festejos.17 KANN, Bettina e SOUZA LIMA, Patrícia - Op. Cit., p. 325. O francês autor da decoração deve ter sido Debret, que estava engajado na recepção à princesa, tendo sido o autor de aquarela e de quadro a óleo da cena do desembarque, que depois seria transformado em gravura.18 DEBRET, Jean Baptiste - Op. cit., p. 463.19 Manoel da Costa (1775 – 1819), prestigiado pintor português que viera ao Brasil a chamado do D. João VI, em 1811, fora aluno de Pedro Alexandrino de Carvalho. Trabalhou na decoração do teto do Palácio da Ajuda, do Palácio de Belém e de Queluz; no Brasil, foi cenógrafo do Real Teatro de S. João, além reformar e decorar a Quinta da Boa Vista, restaurou os coches reais para o casamento de D. Pedro I e o palácio da Fazenda de Santa Cruz. Era irmão do arquiteto José da Costa e Silva. (ARAÙJO, 2005, 38-40)20 DEBRET, Jean Baptiste - Op. cit., p. 46321 Ibidem.. p. 46322 Pierre Joseph Pezerat (1800-1872) Arquiteto e engenheiro francês, formado pela Academia de Arquitetura de Paris e pela Escola Politécnica de Paris, atuou no Brasil durante o período de 1825 a 1831, quando foi arquiteto da reforma da casa da Marquesa dos Santos, em 1826, dois anos depois assumiu o cargo de “arquiteto particular” do Imperador, por morte de Manuel da Costa. Fez estudos para a construção do Palácio da Concórdia e conduziu reformas da Quinta da Boa Vista, interrompidas pela abdicação de D. Pedro I. Projetou a Academia Real Militar. Seguiu com o casal real para a Europa, trabalhou na Argélia e terminou por se radicar em Lisboa, onde desenvolveu projetos urbanísticos e arquitetônicos relevantes. Academia Real Militar. Seguiu com o casal real para a Europa, trabalhou na Argélia e terminou por se radicar em Lisboa, onde desenvolveu projetos urbanísticos e arquitetônicos relevantes.23 DEBRET, Jean Baptiste - Op. cit., p. 46324 Grandjean de Montigny (1776 – 1850), arquiteto francês, chegou ao Brasil em 1816 como integrante da comitiva francesa liberada por Lebreton, para criar a Academia Imperial de Belas Artes. Foi professor de arquitetura ao mesmo tempo em que desenvolveu vários projetos e atendeu a encomendas de obras públicas e particulares. 25 Pedro Alexandre Cavroé (? - ?) Nascido em Lisboa, arquiteto e marceneiro, esteve no Brasil de 1824 a 1830, tendo sido nomeado arquiteto do Senado da Câmara e Arquiteto da Casa Imperial de 1825 a 1830. No período, além da reforma do Palacete, foi responsável pela reforma da Capela Imperial.26 Marcos e Zeferino nasceram em Saint-Laurent, França, respectivamente 1788 e 1797, e morreriam no Rio de Janeiro, com o intervalo de um ano, Marcos, em 1850, e Zeferino em 1851. Os dois foram alunos da École Nationale Supérieure des Beaux Arts, em Paris (França), onde frequentaram as aulas do escultor Philippe Laurent Roland (1746 - 1816) e do gravador e escultor Pierre-Nicolas Beauvallet (1750 - 1818). Vieram para o Brasil em 1817, quando se reuniram ao grupo de patrícios liderados por Lebreton; em 1820, foram incorporados como pensionários – Marcos, de escultura, e Zeferino, de gravador, na Academia Imperial de Belas Artes. 27 Nas fachadas laterais, Apolo e Minerva substituem Mercúrio.28 Francisco Pedro do Amaral (? - 1830) pintor, arquiteto, cenógrafo e paisagista, responsável pela

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decoração de vários edifícios nobres, como a Biblioteca Nacional e decorou os coches imperais para o casamento de D. Pedro I com D. Amélia. Ele dominava, entre várias técnicas decorativas, a douração e o estuque. Cf. PORTO-ALEGRE, A. - Francisco Pedro da Amaral.. RIHGB, v. 19, Rio de Janeiro, 1856. p. 4.29 FERNANDES, Cybele - Considerações sobre a pintura do início do século XIX no Rio de Janeiro – In Manoel da Costa, Manoel Dias de Oliveira e Francisco Pedro do Amaral. 5º Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte. A Arte no Mundo Português nos Séculos XVI, XVII e XVIII. Faro: Universidade do Algarve. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Departamento e História, Arqueologia e Patrimônio. Setembro de 2001. p. 415.30 FRANCO, Afonso Arinos de Melo - O palacete do Caminho Novo: Solar da Marquesa de Santos. Rio de Janeiro: UEG, 1975. p.79.31 Manuel José de Araújo Porto-Alegre, primeiro e único Barão de Santo Ângelo (1806–1879), foi um escritor, político e jornalista, pintor, caricaturista, arquiteto, crítico e historiador de arte, professor e diplomata brasileiro Em 1841, ele foi nomeado Pintor da Câmara de Sua Majestade, título que manteve por toda vida; oficializado Mestre Arquiteto da Casa das Obras em 1847, passou a Arquiteto da Casa das Obras em 1849 e, a partir de 1855, Diretor das Obras dos Palácios Imperiais, cargo que ocupou até 1860, o que confirma sua influência na arquitetura e decoração das duas construções.32 Major Júlio Frederico Koeler (1804 – 1847), militar e engenheiro teuto-brasileiro, que veio para o Brasil em 1828. Juntamente com o mordomo da Casa Imperial, Paulo Barbosa da Silva, foi responsável pela criação da cidade de Petrópolis, primeiro povoamento planejado do Brasil.33 A construção do palácio de Petrópolis foi contou ainda com a participação, após a morte de Koeler, dos engenheiros José Alexandre Alves Pereira Ribeiro Cirne, Joaquim Candido Guillobel e José Maria Jacinto Rebelo. LACOMBE, Lourenço Luiz - Biografia de um Palácio. Petrópolis: Museu Imperial, 2007. p.35.34 Theodor Henrich Marx (1833 -1890), arquiteto, nascido em Karlsruhe, Baden, onde cursou a Escola Politécnica, chegou ao Brasil em 1856 (Correio Mercantil, 12 jun. 1856, p. 3). Com término dos trabalhos na Quinta, oferece seus serviços no Almanak Laemmert de 1867, onde se apresenta com “Th. Marx encarregado durante dez anos das obras dos palácios do S. M. O Imperador” (Almanak, 1867, p.605), e “oferece serviços para edificação de prédios novos, conserto de casas, transformações de ditas, etc” (Almanak, 1867, Notabilidade p. 12). Não se teria mais notícias de sua atuação no país a partir de então, o que leva a crer que tenha deixado o país. A Biblioteca Nacional possui uma coleção de 10 desenhos arquitetônicos de Marx para residências e edifícios de serviço da Quinta.35 Mário Bragaldi (1809 – 1873). nascido em Milão, fez estudos em Florença e Bolonha, trabalhou como cenógrafo em Londres e Nova Iorque, onde trabalhou também como decorador, tendo introduzido o estilo Renaissance, na construção de teatros. (L´Iride Italiana, p. 71), e no armazém de Alexander T. Steaward. Retornou à Itália, para participar dos movimentos revolucionários de 1848 e acabou por se exilar em Londres. Veio para o Rio de Janeiro em 1854 por sugestão de um amigo tenor, Laboccetta, para integrar o Teatro Lírico. Durante sua estada, desempenhou intensa e prestigiada atividade em montagens líricas e teatrais e, a partir de 1856, com o fim de seu contrato, passou a oferecer também seus serviços para decorações domésticas, valendo-se de experiência anterior em “decoração e arquitetura em palácios, quintas, teatros, hotéis e casas de moda na Europa e nos Estados Unidos”, conforme anúncio que fez publicar. (Diário do Rio de Janeiro, 26/06/1856). Ele deixaria o país em seguida aos trabalhos na Quinta e, a partir de 1869, se instalaria definitivamente em Nova Iorque, onde teria uma bem sucedida carreira como cenógrafo e arquiteto.

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36 VAN BIENE, Maria Paula - O Paço de São Cristóvão, Antigo Palácio Real e Imperial e Atual Palácio-sede do Museu Nacional/UFRJ: a definição de uma arquitetura palaciana. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Artes Visuais, EBA/UFRJ. 2013. P. 191.37 Correio Mercantil, 7/12/1867.38 Conjunto de planta baixa e desenhos de vistas depositados no Iphan. Nos livros da Mordomia da Casa Imperial há registro de dois pagamentos a Bragaldy (sic), um de outubro de 1859, pela pintura que faria da sala que serviria interinamente de Sala do Trono (AN, Livro da Casa da Mordomia, Casa Real, Imperial, 1859, apud VAN BIENE, p. 201) e outro, de setembro de 1860, da Sala do Trono do Torreão Norte. (AN, Livro da Casa da Mordomia, Casa Real, Imperial, 1860, p. 165, apud VAN BIEBE, Maria Paula - Op. cit., p. 201.)39 As forças imperiais lutaram em 1850, contra Rosas e Oribe e em 1864 contra Aguirre. Em 1865, teve inicio a Guerra do Paraguai, que durou cinco anos e finalmente o Paraguai foi vencido.40 VAN BIENE, Maria Paula - Op. cit., p.117.41 O estuque do teto e roda-teto é decorado com figuras míticas, com dragão alado, insígnia do Império, e o leão, além de elementos fitomórficos. No roda-teto da sala, tem-se cartelas de estuque com figuras infantis representando as riquezas do Império. No teto, nos frisos e nas paredes alternam-se entre ornatos em relevo de estuque e pinturas, algumas imitando elementos arquitetônicos, os trompe l´oeil. VAN BIENE, Maria Paula - Op. cit., pp. 122-123.42 O edifício foi construído pelo cafeicultor e comerciante Antônio Clemente Pinto (1795-1869), Barão de Nova Friburgo, a partir de 1858. O palácio foi ocupado pela família em 1866, um ano antes do término das obras do então denominado Palácio Nova Friburgo; com a morte da baronesa, em 1870, o edifício é herdado por Antônio Clemente Pinto (1830-1898), futuro conde de São Clemente, e seria vendido por seus herdeiros, em 1889, à Companhia do Grande Hotel Internacional. Em 1895, o imóvel é adquirido pela Fazenda Federal, e reformado para abrigar a Presidência da República, que lá se instala em 1897, quando é adotada a denominação de Palácio do Catete. Em 1960, com a inauguração da nova capital e a transferência da presidência, o Palácio é transformado no Museu da República. 43 Gustav Waehneldt (1830 – 1873), nascido na Prússia, veio para o Brasil em 1852, onde permaneceu até 1870. Além do palácio do Barão, foi autor do zimbório da Candelária e vencedor do projeto para o Teatro Lírico do Rio de Janeiro, em 1859, obra não realizada. O arquiteto receberia medalha de prata na Exposição Geral de 1862 da Academia de Belas Artes, por seus projetos e desenhos de arquitetura para o Barão, dentre eles, além do palácio, a chácara em Nova Friburgo, o Palácio Gavião e de Estação Terminal para Estrada de Ferro D. Pedro II. Cf. FOLLY, Luiz Fernando Dutra et al - Barão de Nova Friburgo: impressões, feitos e encontros. Rio de Janeiro: UFRJ/EBA, 2010. p.75. 44 ALMEIDA, Cícero Antônio F. - Catete: Memórias de um Palácio. Rio de Janeiro : Museu da República, 1994. p.17.45 Quirino Antônio Vieira (1824 – 1876), aluno da Academia de Belas Artes, dedicou-se à escultura de ornatos e ao Imperial Liceu de Artes e Oficio, do qual foi secretário, além de ministrar aulas de escultura de ornatos e de arte cerâmica; recebeu a comenda de Cavaleiro das Ordens da Rosa e de Cristo por seus serviços à instrução popular; executou, além da fachada do Palácio Nova Friburgo, os ornatos que emolduravam o relógio da Estação da Estrada de Ferro D. Pedro II, e o edifício da Santa Casa da Misericórdia.46 Nesse andar está instalado o quarto de dormir onde o ocorreu o suicídio do Presidente Getúlio Vargas, hoje museologizado.

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47 A obra, conduzida pelo próprio Waehneldt, arregimentaria operários e artesãos brasileiros e portugueses, além de escravos, dentre escravos-de-ganho ou de aluguel (ALMEIDA, 1994, p. 14), e só seria concluída em 1867. Dentre os trabalhadores relacionados no pagamento da féria mensal havia os seguintes estucadores: Silvestre Ennes Salgado; Francisco Antônio Ennes Salgado; Manuel Gonçalvez; João Macieira; Bernardino da Costa; Antônio Bento Gonçalvez; José Domingos; Francisco Alvarez de Oliveira; João Alvarez Bezerra; Antônio Francisco de Oliveira; Bernardino Corrêa de Lemos e Antônio Moreira. É provável que esse contingente tenha trabalhado nas outras obras da família em curso naquela década, em Cantagalo e em Nova Friburgo. Cf. ALMEIDA, Cícero Antônio F. - Op. Cit., p.18.48 Emil Bauch (1823 - ?), natural de Hamburgo, chegou ao Brasil em 1849, residindo em Recife, onde produziu gravuras reproduzidas no álbum  Souvenirs de Pernambuco, e fixou-se no Rio de Janeiro a partir de 1852. Em 1856, tem seus quadros dos marqueses do Paraná exibidos em lojas comerciais e, a partir do ano seguinte, passa a constar da seção Pintores de paisagem e retratistas do Almanak Laemmert; em 1860, conquistou medalha de ouro na Exposição Geral de Belas-Artes, e de 1865 a 1872, estabeleceu parceria com o pintor francês Henri Vinet em curso de pintura de paisagem. Além das pinturas do palácio, Bauch retrataria, em 1867, o Barão e a Baronesa de Nova Friburgo em quadro de grandes dimensões, onde estão também assinaladas as propriedades preferidas da família: o Solar do Gavião, em Cantagalo, a Estrada de Ferro de Cantagalo, o chalé de Nova Friburgo, e o palácio. Em 1873, Emil produziria um grande panorama da cidade e, no ano seguinte, seria agraciado com a comenda de Cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa, pela Academia Imperial de Belas Artes (AIBA).49 O jornalista Escragnolle Doria atribui a Mario Bragaldi e Giovani Tassani as pinturas dos interiores. Cf. DORIA, Escragnolle - O Palacete Nova Friburgo. In Revista da Semana, 14 de janeiro, 1928. p.14.50 A cadeira Desenhos de Ornatos era destinada a alunos de Arquitetura e voltada ao desenho aplicado à indústria, desenhos arquitetônicos e para fins industriais, ao passo que a cadeira Escultura de Ornatos era dedicada ao ensino de ornamentos arquitetônicos e industriais assim como da arte da cerâmica, além de conter exercícios na madeira, no granito e no mármore. A partir de 1859, a presença de artífices seria facilitada pela implantação de um turno noturno com apenas cinco matérias. Cf. VIANA, Marcele Linhares - O Ensino de Ornatos: as artes decorativas na Academia Imperial de Belas Artes. In: MALTA, Marize, PEREIRA, Sonia Gomes; CAVALCANTI, Ana (Org.) - Ver para Crer: visão, técnica e interpretação na Academia. Rio de Janeiro, EBA/UFRJ, 2013. p. 9651 No Liceu, patrocinado pela Sociedade Propagada das Belas Artes (SPBA), criado em 1856, pelo comendador e arquiteto Francisco Béthencourt da Silva, eram oferecidas aulas de aritmética, desenho de figura, ornatos, paisagem, desenho de máquinas, arquitetura e música (Correio da Tarde, 1859, p. 2).52 Há especial atenção para a aeração e a iluminação: a fachada do primeiro pavimento tinha nove vãos, entre janelas e portas, e, no segundo, três janelas de sacadas, todos com portadas de cantaria de volta perfeita; oito janelas de peitoril de cada lado e outras janelas e portas nos fundos do primeiro e segundo pavimento, com portadas de cantaria de verga direita.53 Em 1890, a propriedade foi vendida John Roscoe Allen, para, três anos depois, ser adquirida por Rui Barbosa, que a ocupou de 1895 a 1923. Com sua morte, a propriedade foi comprada pelo governo e tornou-se um museu, o Museu Casa de Rui Barbosa.54 De maio de 1887 a março de 1888, foi ocupado pelo pintor Antônio Parreiras que, em seguida, construiria sua residência própria, nas proximidades do solar. Em 1892, Bento Joaquim vendeu a propriedade ao diplomata dinamarquês Georg Christian Bartholdy. Ao longo de quase trinta

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anos, o sobrado continuou a abrigar famílias e atividades diversas, tendo em vista as frequentes ausências decorrentes da atividade profissional de seu novo proprietário. Em 1903, sediou o Clube Internacional, agremiação de caráter recreativo cultural, que reunia a sociedade niteroiense e as colônias estrangeiras; entre 1911 e 1915, esteve alugado ao Colégio da Sagrada Família; em 1918, foi ocupado por Pedro de Sousa Ribeiro, da Guarda Nacional. Finalmente, a partir de 1920, a família Bartholdy passou a residir no palacete, quando foram introduzidas modificações no interior do imóvel. Em 1950, Vera Fabiana Gad, filha do diplomata, adquiriu a parte pertencente a seus irmãos e ocupou o solar até 1975. Seu único filho, Egon Falkenberg, recebeu o bem em herança, juntamente com sua mulher Lúcia, e após a morte do casal, o prédio permaneceu com os respectivos herdeiros.55 Nas fachadas estão aplicados azulejos portugueses de estampilhas Azulejos de outros tipos, de feitios e desenhos especiais, emolduram as portas e janelas, bem como os cunhais, as frisas e as barras, de tal forma que são desprovidas de azulejos apenas as guarnições dos vãos e a bacia corrida, que contorna as três fachadas, e que são de cantaria. Cf. RIBEIRO, Paulo Eduardo Vidal Leite — A vida de uma chácara romantic, de Palacete Bartholdy a Solar do Jambeiro. Dissertação de mestrado apresentada ao PROARQ-FAU/UFRJ, 1998. p. 118.56 VIANA, Marcele Linhares - Op. cit. p. 98.57 Ibidem, p. 98.58 Eduardo Guinle, falecido em 1912, deixou uma fortuna estimada em 2.000.000.000 de reais a seus descendentes. Gaffrée, que morreu em 1919 sem deixar herdeiros, também legou sua parte nas empresas aos sete filhos de Eduardo, que expandiram, através da primeira metade do século XX, os negócios familiares para as áreas de produção e distribuição de energia elétrica, imobiliárias, indústria têxtil, bancos, construção civil e hotelaria. Eles seriam responsáveis pela construção de luxuosos palacetes e casas de campo, além de terem recuperado a chácara do chalet, comprada da família do Barão de Nova Friburgo.

BIBLIOGRAFIA

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Correio da Tarde, 10/01/1859.Correio Mercantil, Instrutivo, Politico e Universal, de 1854. (12 jun. 1856, p. 3), (7 dez. 1867).CARDOSO, R. - A Academia Imperial de Belas Artes e o Ensino Técnico [em linha]. Rio de Janeiro:

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A CASA SENHORIAL EM LISBOA E NO RIO DE JANEIRO442

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