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A Arte Teatral e as Novas Tecnologias na Contemporaneidade Jean Carlos Barbosa de Sousa * A arte e a realidade sempre se confundiram. No caso do teatro, e depois do cinema, suas qualidades, em algumas épocas de sua história, chegaram a ser julgadas a partir de sua proximidade com a vida real e cotidiana. Habituamo-nos a ver espetáculos que retratem nossas próprias imagens. O cinema surgiu como uma imitação “mais real” da realidade, colocando em detrimento o que era teatral e específico do teatro. Vale lembrar que o encenador teatral e o diretor de cinema nasceram quase que na mesma época. Vários encenadores se nutriram de filmes que serviram de vasta fonte de idéias e imagens a serem encenadas pelos diretores de teatro. Como afirmou Walter Benjamim, o cinema e sua nova linguagem mudaram a maneira de ver e perceber as coisas. No entanto, o uso da tecnologia foi incorporado ao teatro não somente como meio de reprodução, mas também incorporado nos processos de criação e encenação teatrais, constituindo a própria reprodução num elemento visto em cena, ‘ao vivo’, o que desencadeou, como ele mesmo previa, novas formas de ver e também de produzir uma obra de arte. * Bacharel e Licenciado em Filosofia - UECE – Universidade Estadual do Ceará; Presidente, Ator e Diretor Teatral da Cia. Sonhar de Artes Cênicas; e-mail: [email protected]; (85) 88270983

A Arte Teatral e as Novas Tecnologias Na Contemporaneidade

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Trabalho sobre a contemporaneidade nas artes teatrais.

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ANLISE DA PROBLEMTICA DO ESPRITO DE SERIEDADE COMO POSSIBILIDADE DE M-F NA ONTOLOGIA EXISTENCIALISTA SARTREANA

A Arte Teatral e as Novas Tecnologias na ContemporaneidadeJean Carlos Barbosa de Sousa*A arte e a realidade sempre se confundiram. No caso do teatro, e depois do cinema, suas qualidades, em algumas pocas de sua histria, chegaram a ser julgadas a partir de sua proximidade com a vida real e cotidiana. Habituamo-nos a ver espetculos que retratem nossas prprias imagens. O cinema surgiu como uma imitao mais real da realidade, colocando em detrimento o que era teatral e especfico do teatro. Vale lembrar que o encenador teatral e o diretor de cinema nasceram quase que na mesma poca. Vrios encenadores se nutriram de filmes que serviram de vasta fonte de idias e imagens a serem encenadas pelos diretores de teatro. Como afirmou Walter Benjamim, o cinema e sua nova linguagem mudaram a maneira de ver e perceber as coisas. No entanto, o uso da tecnologia foi incorporado ao teatro no somente como meio de reproduo, mas tambm incorporado nos processos de criao e encenao teatrais, constituindo a prpria reproduo num elemento visto em cena, ao vivo, o que desencadeou, como ele mesmo previa, novas formas de ver e tambm de produzir uma obra de arte.

Para se ter uma evoluo histrica do uso de tecnologia em cena e intercmbio entre o teatro e as artes da imagem, como cinema ou fotografia, poderamos comear evocando a radicalidade de Vsevolod Meyerhold, encenador e pesquisador, cujo teatro continuar para aqueles que j esto no sculo XXI, um lugar de audcia, de virtuosismo e de experimentao de onde emanam como escreveu Peter Sellars um apelo que nos convida a continuar o combate sem nos deixar em paz. Ele imaginava para o ator uma formao completa que o tornasse capaz de desenvolver com preciso a sua presena em cena, de inventar seu prprio jogo, no psicolgico, e capaz de construir as emoes do espectador. Ao contrrio de tentar destruir o teatro, o domnio de novas tcnicas tornaria seus limites mais abrangentes, explorando seus territrios com novas fronteiras mveis. Ele vai mesmo introduzir telas e projees de imagens e de textos no palco, imaginando poder projetar filmes em seus espetculos, o que ele s poder fazer em 1927. O texto escrito para o teatro foi largamente combatido, tendo em Edward Gordon Craig um de seus principais combatentes e precursores de uma nova forma do fazer teatral. Craig, entretanto, no conseguiu realizar, ele prprio, esse teatro sonhado, baseado na sua nova viso do teatro. Craig sonhava reformular o fazer teatral, uma nova maneira de representar. Ele imaginava esse novo ator como uma super marionete. Meyerhold, por sua vez, foi pioneiro no novo mtier teatral, o encenador, chamado por Louis Jouvet de criador de formas, um poeta da cena, que escreve com gestos, ritmos, com toda a lngua teatral, afirmando ainda que Meyerhold tinha de seu futuro espetculo uma viso cnica to viva que ia at alucinao. No lugar do ideal da super marionete de Craig, que ele evoca, alis, vrias vezes, Meyerhold lanou o conceito de super ator. Quer dizer bem concretamente aquele que comporia sua interpretao depois de ter decomposto seu material de trabalho, sendo encenador de si mesmo, seria aquele que no temeria as imagens que se introduzem no palco, pois ele teria a conscincia que a nova arte do sculo XX, o cinema se desenvolve com, e ao mesmo tempo, que o teatro de vanguarda, o seu teatro. Meyerhold acha que como ele, Erwin Piscator, lana mo de todas as artes e todos os domnios do conhecimento, utilizando as tecnologias mais modernas e as imagens sobre a cena. Porm faz uma crtica, pois em sua opinio, Piscator negligencia o ator e no questiona sua formao, nem geral nem particularmente para uma cena assim transformada.Uma parte da histria do teatro do sculo XX constituda de um lado pelos seus avanos da tcnica sobre o palco ou de criadores de vanguarda que tentam elevar sua arte ao nvel do real sem imit-lo, e de outro lado, pela repulsa e pelos recuos daqueles que consideram essa tcnica como inimiga da tradio, destruidora das artes do espetculo sintoma de uma trgica repulsa de uma poca. Nos anos 20, 40, 60, 80: as projees difundidas em grandes, e depois, nas pequenas telas fixas ou animadas, documentais ou de fico, em preto e branco ou a cores, rudimentares ou de altas qualidades, foram apresentadas em cena. Esse processo se acelera ou se intensifica em ligao com uma maior facilidade da utilizao dos aparelhos de captao e difuso de imagens, como tambm graas aos achados tcnicos adaptados por artistas, engenheiros, e artesos to diferentes como Josef Svoboda e Jacques Polieri, os precursores dos anos 60.O ator, num primeiro momento, foi colocado diante das imagens do mundo projetado ou difundido em cena, o mundo exterior penetra no palco. Mais tarde foi possvel coloc-lo diante suas prprias imagens. Aquelas de um corpo manipulado, dividido, aumentado, reduzido ou explodido. Ele confrontado s imagens seu personagem, de seus fantasmas, de suas imagens mentais, a cmera podendo penetrar no interior de seu crebro ou de sua intimidade fsica. Mais recentemente, nos demos conta que os microfones, no so somente porta-vozes, mas ajudam a dar nuances sutis, a variar distncias, da intimidade de um sopro distncia mais longe. Essas ferramentas tecnolgicas, ainda que indiscretas e quase sempre agressivas visualmente, puderam ser domesticadas por artistas de teatro, a partir do momento que elas foram diminuindo de tamanho. Outra etapa importante: a cmera de vdeo tornou-se ferramenta de trabalho para o ator quando ela a integra no seu processo de criao. Depois do teatro da era cientfica vivemos talvez no teatro da era tecnolgica. So criados ento novos espaos cnicos que acomodem no somente os atores mas tambm imagens, criando novas relaes entre espao e tempo, implicando tambm numa nova maneira de interpretar. Esse avano tecnolgico trouxe vrios problemas para o ator. Pois, se um recurso tecnolgico, seja de imagem ou de som, s vezes pode o aliviar, o substituir, na maioria das vezes, necessitam de sua total ateno. O fato de poder ser visto ou ouvido de vrios pontos de vista, no o libera de ter conscincia e domnio sobre o que est sendo visto ou ouvido pelo pblico. Somente os atores bem treinados precisamente e rigorosamente podem se utilizar desse duplo jogo. Hoje, o ator colocado diante de problemas que ele tem de resolver urgentemente. Ele tem que saber que como permanecer no centro da relao principal da comunicao com o espectador. A parceria desenvolvida com os outros participantes do espetculo tambm tem mudado. Pode-se ver mais e mais tcnicos, msicos, que deixaram, h tempos, o fosso da orquestra, contra-regras participando diretamente da encenao, seja no palco ou at na platia, influenciando, devido sua participao, a atuao do ator. E, s vezes, eles esto presentes na fase de preparao e ensaios do espetculo.Novos modos de criao so colocados em prtica. A operao desses artefatos tecnolgicos transforma-se num parceiro visvel do ator. Isso determina a necessidade de uma profunda reflexo a ser feita a partir das novas formas de percepo. Essas novas formas de percepo, hoje foram possveis, na opinio de Robert Lepage. Ele lembra ainda que um teatro de imagens no baseado no texto fortaleceu-se nos anos 70, quando pessoas que tiveram formao teatral com Jacques Lecoq, por exemplo (e tambm Decroux, Barba, etc), e iniciaram uma forma de teatro mais visual. A integrao do vdeo veio mais tarde, por que ela exigia meios que no eram acessveis gente de teatro. difcil, no Quebec, desassociar o teatro de imagens do teatro gestual. E a partir desses anos, a influncia do teatro europeu e internacional se faz sentir. A dana teatro de Pina Bausch, o teatro de Bob Wilson, tambm, que so um pouco de teatro de imagens, ajudaram a mudar as coisas, conclui Lepage. Para Picon-Vallin essa utilizao exemplar aplicada por Robert Wilson, para quem a imagem o futuro do universo cnico.

No interior das prticas interdisciplinares que fazem parte da histria da cena do sculo XX, onde aumenta porosidade das fronteiras entre as artes do espetculo, foram fatores determinantes a imagem qumica de ontem e hoje eletrnica, ou digital, e que vem ocupando um lugar cada vez maior. Ilustrativa ou atuante, ela confere cena, ou ao ator, diferentes registros de presena. Ela prope suas imagens como parceiros, ela dota o corpo do ator de um corpo aumentado ou o habitua a observao do espectador de forma pontilhada. Ela faz penetrar o espectador em seu corpo. Ou o transforma em um tomo, ou em close-ups espalhados. Podemos ver mgicas que nos foram mostradas h tempos por George Mlis, em forma de cinema, ou no seria o contrrio, o cinema em forma de mgica? Era o comeo de uma mgica. Atualmente j temos nos espetculos de dana, mais comumente, corpos vivos interagindo com imagens, humanas ou no. Softwares so criados para isso. Esses recursos colocam o ator polivalente diante de novos desafios. Para Batrice Picon-Vallin, Toda arte ou toda tcnica utilizada pelo teatro deve ser feito a partir de um ponto de vista teatral, as tecnologias da imagem e do som reforam a necessidade de uma formao slida, e uma aprendizagem eficaz. Pois elas desestabilizam as relaes entre os parceiros da equipe de criao, elas inauguram modos de trabalho diferentes onde o processo vira o objeto de todas as atenes. E esses novos modos de trabalho prenunciam, influenciados por novos olhares, novos modos do fazer teatral. Essas novas tecnologias continua Picon-Vallin, fazem da cena um lugar de experincia e de crtica, para pensar nas situaes de mudana da sociedade.REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

REYNAUD, Ana Teresa Jardim, A espetacularidade no teatro e no cinema, Memria Abrace X - Anais do IV Congresso de Pesquisa, Rio de Janeiro: 7 Letras, 2006.

PICON-VALIN, Batrice (org.). Le film de thtre. Paris: ditions du Centre National de La Recherche Scientifique, 1997.

PICON-VALIN, Batrice. Os novos desafios da imagem e do som para o ator. Em direo a um super ator ? Rio de Janeiro: Folhetim, # 21, jan/jun 2005.

PUDOVKIN, Vsevolod. O ator no cinema. Rio de Janeiro: Editora da Casa do Estudante do Brasil, Coleo Gaivota, 1951.

* Bacharel e Licenciado em Filosofia - UECE Universidade Estadual do Cear; Presidente, Ator e Diretor Teatral da Cia. Sonhar de Artes Cnicas; e-mail: [email protected]; (85) 88270983