Linguagem Teatral Cinema

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    1/17

    162

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    A linguagem teatral presente no cinema: o intertexto

    ndrea Cristina SULZBACH1

    Resumo

    Este trabalho possui como objeto de estudo a linguagem teatral presente em dois filmesque se apropriam de fundamentos intertextuais na construo da estrutura cenogrfica e

    representativa. Os filmes selecionados soDogville (Lars Von Trier, 2003) e CsarDeve Morrer(Paolo e Vittorio Taviani, 2012). Pretende-se verificar os elementospresentes no processo criativo, nos referidos filmes, que dialogam entre si, tendo umaprofundamento atravs das Artes Cnicas. O estudo inicial analisa a abordagem e aarquitetura visual dos diretores dentro de perodos cinematogrficos especficos quecontriburam para a construo de suas obras. Os movimentos identificados foram oDogma 95 e o Neorrealismo. A hiptese de que a apropriao da linguagem teatralcomo intertexto proporciona um cinema reflexivo que concebido de maneirasdiversas, como estrutura fsica ou como ao/encenao, nos dois filmes do corpus.Para o estudo do espao cnico com efeito de distanciamento so utilizadas asdefinies de Bertolt Brecht. O mtodo de Constantin Stanislavski serve para o estudo

    da encenao naturalista. O conceito de intertextualidade de Julia Kristeva e o cinemade opacidade e transparncia de Ismail Xavier completam o referencial terico.

    Palavras-chave:Cinema. Teatro. Intertextualidade. Cenografia. Encenao.

    Abstract

    This work aims to analyze, in two films, the appropriation of a theatrical languagewhich builds intertextual realms in the construction of scenography and representativestructure. The selected films areDogville (Lars Von Trier, 2003) and Caesar Must

    Die (Paolo and Vittorio Taviani, 2012). I intend to verify the elements present in thecreative process, in these films, which interact with each other, offering a deepercommunication through Performing Arts. The initial study analyzes the approach andthe visual architecture of cinematographic movements that contributed to the design ofthe two films being analyzed here. The movements were identified as the Dogma 95 andthe Italian Neorrealism. The hypothesis is that the appropriation of theatrical languageas intertext provides a reflective cinema which is conceived in various ways, such as

    physical structure or action / staging, in the two films of the corpus. In order to study

    1Mestranda em Comunicao e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paran (UTP). E-mail:

    [email protected]

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    2/17

    163

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    the effect of scenic area with distance settings I use the definitions proposed by BertoldBrecht. The method of Constantin Stanislavski serves as basis to study the naturalisticstaging. The concept of intertextuality of Julia Kristeva and the opacity film andtransparency of Ismail Xavier complete the theoretical framework.

    Keywords:Cinema. Theatre. Intertextuality. Scenography. Staging.

    Introduo

    O dilogo entre o cinema e o teatro ocorre desde a criao das primeiras imagens em

    movimento. Essa intertextualidade obteve diferentes graus de aproximao de acordo com o

    momento histrico e evolutivo no qual estavam inseridos. Em seu incio, grande parte das

    pelculas se desenvolvia a partir do teatro de atraes, que prevalecia no intertexto. Com o

    avano da linguagem cinematogrfica, as antes consideradas simples imagens em movimento se

    transformam em filmes, provenientes da criao de variadas concepes tcnicas e narrativas.

    Enquadramentos; movimentos de cmera; elipses e diversos outros recursos

    geram uma nova forma de se fazer arte. O afastamento dessas duas linguagens nunca

    causou uma ruptura completa, visto que o cinema se utiliza de mtodos teatrais na

    preparao de seus atores at os tempos atuais. O propsito deste trabalho analisar aretomada desse dilogo em recentes produes cinematogrficas, quais sejam,Dogville

    e Csar Deve Morrer. A intertextualidade abordada nessas obras so pesquisadas com o

    intuito de se verificar se difere do chamado cinema de origem, segundo os preceitos

    aplicados e desenvolvidos por Flvia Cezarino Costa e analisar a possibilidade dessa

    dualidade acontecer sem tornar o filme, que dela se apropria, rudimentar.

    Na acepo de Jlia Kristeva (2005), todo texto a absoro e transformao de

    outro texto e seu significado vai alm da simples escrita. Essa prtica o que sepretende analisar aqui, com o cruzamento de diferentes textos, presentes em uma mesma

    obra.

    O primeiro cinema e o teatro Vaudeville

    O primeiro cinema localiza-se, aproximadamente, entre 1894 e 1908, em que

    predomina o cinema no narrativo e um segundo perodo (1908 a 1915) de crescente

    narratividade, (COSTA, 2005). O cinema de atrao se desenvolve logo no incio das

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    3/17

    164

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    primeiras imagens em movimento, com temticas variadas, desde registros caseiros a

    filmes teatralizados, os quais eram produzidos por empresas, artistas, pesquisadores ou

    curiosos. A durao se dava em mdia de 02 a 03 minutos, com cmeras fixas e pouco

    desenvolvimento psicolgico dos personagens, mas j com o comeo da fico e

    marcao cnica. O termo cinema de atrao originou-se do teatro. De acordo com

    Ismail Xavier (2005) Serguei Eisenstein define no seu artigo manifesto, escrito em

    1923, o termo teatro de atrao, o qual consistia em uma encenao que revela ao

    espectador seus dispositivos:

    Uma atrao qualquer aspecto agressivo do teatro; ou seja, qualquerelemento que submete o espectador a um impacto sensual epsicolgico, regulado experimentalmente e matematicamentecalculado para produzir nele certos choques emocionais que, quandopostos em sequencia apropriada na totalidade da produo, tornam-seo nico meio que habilita o espectador a perceber o lado ideolgicodaquilo que est sendo demonstrado atravs do jogo vivo de paixes.(EISENSTEIN apud XAVIER, 2005, p.128).

    Esse tipo de espetculo, teatro de atrao, acontecia principalmente no teatro de

    Vaudeville, constitudo de acrobacia de animais ou uma comdia pastelo entre outrasformas de espetculos curtos, sem o desenvolvimento da narrao. E segundo Costa

    (2005, p.43), o primeiro cinema herda essa caracterstica de produes e exibies

    autnomas. Os filmes eram feitos geralmente em uma nica tomada com pouco

    desenvolvimento narrativo. A encenao dos atores de cinema, nesse perodo, tambm

    um legado desse espetculo em que o elenco busca, fora de campo, aprovao de sua

    performance, olhando diretamente para o espectador, no seguindo o que seria mais

    tarde a regra bsica do cinema de fico, principalmente do cinema clssico.

    Desde 1895 j circulavam pela Frana outros tipos de filmes, quemostravam nmeros de magia, gagsburlescas, encenaes de canespopulares e contos de fadas. Estes filmes eram mostrados emquermesses, vaudevilles, lojas de departamento, museus de cera,circos e teatros populares. (COSTA, 2005, p. 29)

    Os vaudevilles, que surgiram a partir do teatro de variedades, eram o principal

    local de exibio. O teatro se faz muito presente no incio do cinema, em um primeiro

    momento prevalece a este.

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    4/17

    165

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    [...] o cinema foi usado, em geral, como uma tcnica meramenteauxiliar, para incrementar as atraes de alguns pavilhes. Participava

    como coadjuvante em atraes visuais mais numerosas e populares,como era o caso dos panoramas e dioramas, ou mesmo dasperformances teatrais. (COSTA, 2005, p. 23)

    O cinema permanece por alguns anos como atividade marginal, com um carter

    de espetculo popular e diferente dos panoramas, no sendo considerado sofisticado. A

    sua narrativa estava distante dos modelos das artes nobres da poca.

    Costa (2005) ainda afirma que, por ser utilizado em um primeiro momento, de

    modo geral, para ampliar as atraes o cinema inicialmente molda-se as j existentes

    formas de espetculo. Mas percebe-se que, com a passagem do tempo, o cinema afasta-

    se gradativamente at conquistar sua autonomia enquanto linguagem, alcanada atravs

    de sua evoluo tcnica e narrativa, essa transio que parte de uma atividade artesanal

    e quase circense se direciona para uma estrutura industrial de produo e consumo, com

    um grande aumento no nmero de pblico.

    Um importante colaborador, no perodo inicial da cinematografia, foi Georges

    Mlis, ilusionista que emigra para o cinema e contribui substancialmente com essa

    nova linguagem, atravs de seu prvio conhecimento das Artes Cnicas. Segundo Kempe Frayling (2011, p. 20), seu filme mais conhecido Viagem Lua (1902), o qual

    possu trucagens visuais misturadas tcnica de animao cut-out e cenrios teatrais

    gigantes. Contudo, apesar de todas as inovaes cinematogrficas fascinantes que esse

    cineasta desenvolveu e explorou, seus filmes nunca conseguiram se libertar por

    completo de suas origens teatrais. (KEMP; FRAYLING, 2011, p. 17)

    Atualmente so vrios os elementos que diferenciam a linguagem teatral da

    cinematogrfica. Primeiramente em relao mostrao: no teatro o ator faz suaapresentao em simultaneidade fenomenolgica, com a atividade de recepo do

    espectador: assim os dois dividem o tempo presente, o que no possvel ao cinema,

    que apresenta agora, o que se passou antes. (JOST, 2009).

    H tambm o direcionamento do olhar: no teatro o diretor no possui domnio

    sobre o olhar do espectador ou sobre o enquadramento da cena, podendo no mximo

    fazer um recorte do espao cnico com um pino de luz sobre o ator. J no filme o

    enquadramento, o ngulo e o movimento de cmera direcionam e aprisionam o olhar do

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    5/17

    166

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    receptor, o qual conduzido, de acordo com o interesse do diretor. Jost (2009) aponta

    outros pontos divergentes entre essas duas linguagens.

    No decorrer dos eventos que formam a trama da narrativa, os atores decinema, ao contrrio dos de teatro, no so, ento, os nicos a emitirsinais. Esses outros sinais, que vm pelo vis da cmera, soplausivelmente emitidos por uma instancia situada de algum modoacima dessas instncias de primeiro nvel que so os atores; por umaestncia superior, portanto, que seria o equivalente cinematogrfico donarrador escritural. essa instncia que Lafffay aponta quando fala deseu grande imagista e que encontramos novamente, nomeadodiferentemente, sob a pena de inmeros tericos do cinemapreocupados com os problemas da narrativa flmica e que imputam a

    responsabilidade de tal ou tal narrativa cinematogrfica seja aonarrador invisvel (ROPARS-WUILLEUMIER, 1972), aoenunciador (CASETTI, 1983; GARDIES, 1988), ao narradorimplcito (JOST, 1988), ou ainda, ao meganarrador(GAUDREALT, 1988). Essa instncia seria representada, no caso doteatro, por tudo aquilo que coflui na encenao, e, portanto, por cadauma dasperformances da pea. A narrativa cinematogrfica ope-se narrativa teatral por sua intangibilidade, sendo caracterstica do teatroser, a cada vez, um espetculo diferente. (JOST. 2009, p.41)

    O espetculo teatral possui uma organicidade distinta da presente no cinema.

    Um dos fatores principais o contato direto entre elenco e espectador. Outro fator o

    controle do diretor sobre o trabalho do ator. No cinema a encenao, quando no est de

    acordo com a ideia da produo, pode ser refilmada ou editada, j a arquitetura teatral

    no possibilita esse processo. So diversas as diferenas entre essas duas linguagens.

    Mesmo assim acredito ser possvel estabelecer um dilogo ou ainda uma

    intertextualidade entre as mesmas. Atualmente percebe-se uma retomada, por alguns

    cineastas, dessa dualidade, em que o teatro no vem propriamente em uma estrutura

    rudimentar, e sim com o intuito de acrescentar narrativa novas propostas estticas.

    Para descrever esse recente vis cinematogrfico foram selecionados, para

    exemplificao, os seguintes filmes: Dogville (Lars von Trier, 2003) e Csar Deve

    Morrer (Paolo e Vittorio Taviani, 2012).

    percebida, logo no incio dos dois filmes do corpus, a escolha do teatro como

    forma de propiciar um cinema de opacidade, segundo os preceitos de Ismail Xavier

    (2005) que se encontram no apenas presentes nesse dispositivo, mas tambm em outras

    reas de meios de comunicao.

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    6/17

    167

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    muito instrutivo notar como a dialtica da opacidade e datransparncia, anunciada como moribunda no cinema e na teoria mais

    recente, retorna agora com toda a fora nos novos ambientescomputacionais. Uma autoridade nessa rea como Oliver Grau, emseu recente livro Virtual art, From ilusion to immersion (Cambridge:The MIT Press, 2003), discute as determinaes ideolgicas doilusionismo na realidade virtual e no vdeo game e o faz numa direoterica que lembra estreitamente as discusses em torno dodispositivo nos anos 1970. Ele se pergunta se ainda pode haverlugar para a reflexo crtica distanciada nos atuais espaos de imersocom a interface oculta (chamada ingenuamente de interface natural)afeta a instituio do observador mais cnscio da experincia imersivae podem, portanto ser condutores de reflexo. (MACHADO, 2005,p.07)

    So diversas as formas e meios de comunicao passveis de proporcionar uma

    autorreflexo aos seus receptores e o cinema ainda um deles, seja atravs da estrutura

    fsica ou como ao/encenao, elementos teatrais presentes emDogvillee Csar Deve

    Morrer.Com distintas escolhas na arquitetura cinematogrfica e absoro de diferentes

    movimentos, o que aproxima essas obras a linguagem teatral, por isso a

    intertextualidade o foco principal desta pesquisa.

    Dogma 95 e o espao fsico/ cenrio emDogville

    O Dogma 95 foi um movimento cinematogrfico internacional lanado a partir

    de um manifesto publicado em 13 de maro de 1995 em Copenhague, na Dinamarca,

    criado por Thomas Vinterberg e Lars von Trier, que se intitulam, como monges

    cineastas. O manifesto foi apresentado no Odon - Thatre de LEurope, em Paris, em

    20 de maro de 1995, onde Trier foi chamado para celebrar o centenrio do nascimentodo Cinema. Segundo Bergman (2010), com o intuito de se opor ao cinema comercial e

    de oramento elevado, o manifesto continha dez regras a serem seguidas. Entre elas a

    obrigatoriedade do filme ser em cores, mas o dcimo mandamento, assim intitulado por

    seus criadores, seria o mais peculiar:

    10 - O diretor no deve ser creditado: Juro, como diretor, que meabstenho do gosto pessoal! J no sou um artista. Juro que me

    abstenho de criar uma obra, j que considero o instante maisimportante do que o todo. Meu objetivo supremo arrancar a verdade

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    7/17

    168

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    de meus personagens e cenrios. Juro faz-lo por todos os meiosdisponveis e custa de qualquer bom gosto e quaisquer consideraesestticas. (Bergman, 2010, p. 128)

    Em relao a arrancar a verdade dos personagens e cenrios analisarei mais

    frente. Em relao execuo de suas regras, vrios cineastas ao redor do mundo a

    seguiram, mas os filmes mais conhecidos foram a de seus prprios criadores, embora o

    anonimato do diretor nunca tenha sido seguido. O manifesto Dogma 95 tornou-se mais

    uma referncia do que uma regra,Dogville seria um exemplo do afastamento gradativo

    de Lars von Trier ao seu prprio movimento, j que no longa-metragem existe cenrios,

    iluminao artificial, som no-diegtico, ou seja, feitos contrrios ao dogmatismo, mas

    que mesmo assim, conseguem se opor ao cinema hegemnico, devido a esttica

    presente no filme .

    A montagem no necessita ser igual realidade, ou seja, uma cpia do real para

    ser crvel. O filmeDogville se utiliza de metforas para desenvolver o seu enredo. Cada

    etapa de seu processo de construo permeia no apenas o entretenimento, mas tambm

    a reflexo, proporcionada por um distanciamento crtico, que possvel principalmente

    pelo espao cnico selecionado.

    O cenrio trabalhado em Dogvilleno segue os princpios comuns, para

    delimitar os ambientes. No lugar de paredes, vemos somente um cho riscado, seguindo

    os preceitos do terico teatral e dramaturgo alemo Bertolt Brecht, o objetivo trazer o

    espectador, atravs do estranhamento, a uma auto-reflexo e maior percepo do

    universo no qual est inserido, seja sob o mbito social ou poltico. Benjamin descreve o

    trabalho do dramaturgo:

    A interrupo da ao, que levou Brecht a caracterizar seu teatro comopico, combate sistematicamente qualquer iluso por parte do pblico.Essa iluso inutilizvel para um teatro que se prope tratar oselementos da realidade no sentido de um ordenamento experimental.Porm as condies surgem no fim dessa experincia, e no nocomeo. De uma ou de outra forma, tais condies so sempre asnossas. Elas no so trazidas para perto do espectador, mas afastadasdele. (BENJAMIN, 1987, p.133)

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    8/17

    169

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    E essa a proposta do filme, o qual aplica conceitos do teatro de Brecht ao

    quebrar a iluso por parte do pblico, com um cenrio que denuncia a fico, uma

    vertente oposta ao cinema hegemnico.

    Personagens contracenam com objetos imaginrios, um exemplo se d no

    momento em que acontece a simulao do abrir de portas. Os atores desenvolvem uma

    marcao cnica de tal forma que torne o objeto quase fsico, Trier acrescenta a isso a

    sonorizao, ouve-se o ranger e bater de portas. Mesmo que o objeto no se encontre

    presente, atravs da encenao desenvolvida e trilha sonora cria-se autenticidade e com

    isso o espectador aps o estranhamento entra no jogo da encenao. Atravs do teatro

    simblico a palavra escrita, embora no figurativa, tem o mesmo poder de evocao deuma tela pintada. (ROUBINE, 1998, p.36). A imagem do objeto, mesmo no estando

    presente, se materializa de alguma forma no imaginrio do espectador.

    Outro recurso simblico, utilizado por Trier emDogville, seria no momento em

    que o mesmo informa ao espectador de que em determinado local h um cachorro, ou

    seja, opta represent-lo em forma de grafia, algo comum no teatro, mas pouco usual no

    cinema.

    Figura 1: Lars Von Trier, durante as filmagens de Dogville,explica ao ator Paul Betany, querepresenta o personagem Tomas Edison, como deve proceder ao contracenar com os objetosimaginrios.

    Fonte:http://perdidonofilme.wordpress.com/2011/05/21/inquisicao-e-fogueira-em-%E2%80%9Cdogville-confessions%E2%80%9D/

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    9/17

    170

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    O intertexto entre teatro e cinema est presente tambm na direo de ator, a

    qual se apia na verdade interpretativa desenvolvida pelo terico teatral Constantin

    Stanislavski que identifica pblico e figura dramtica, trabalhados paralelamente a

    elementos simblicos de cenografia, suportes a servio de um diretor que pretende

    ultrapassar a esttica cinematogrfica dominante. Nesse processo, o elenco no olha

    para a lente, se comporta como se houvesse uma quarta parede; o limite entre objeto

    filmado e cmera se conserva isolado. Elevando a um nvel extremo na busca pela

    veracidade do personagem, Trier obriga os atores a ficarem confinados 07 semanas no

    set de filmagem, um barraco na Sucia, onde na maioria do tempo permanecemvestidos com os figurinos, um verdadeiro mergulho na criao do papel, levando os

    conceitos do terico Stanislavski ao extremo.

    Tomar os processos internos e adapt-los vida espiritual e fsica dapessoa que estamos representando o que se chama viver o papel.Isso de mxima importncia no trabalho criador. Alm de abrircaminhos para a inspirao, viver o papel ajuda o artista a atingir umde seus objetivos principais. Sua tarefa no simplesmente apresentar

    a vida exterior do personagem. Deve adaptar suas prprias qualidadeshumanas vida dessa outra pessoa e verter, inteira, a sua prpria alma.O objetivo fundamental da nossa arte criar essa vida interior de umesprito humano e dar expresso em forma artstica. Por isso quecomeamos a pensar no aspecto interior do papel e em como criar asua vida espiritual com o auxlio do processo interior de viver opapel. (STANISLAVSKI, 2008, p. 46)

    Mesmo que o objeto no se encontre presente, atravs da encenao naturalista

    desenvolvida, cria-se autenticidade e com isso o espectador entra no jogo da encenao.

    Em Dogville o prprio cineasta quem captura as imagens, o manuseio dacmera possibilita um maior direcionamento de seu filme. Com isso desenvolve uma

    obra que se apresenta autoral, com poucas chances de interferncias externas no

    processo de criao, algo raro no cinema chamado de Hollywoodiano.

    O espao diegtico de Dogville, atravs de limites imaginrios ou desenhados,

    explora conceitos no usuais ou convencionais a mdia a que se prope. Com o intuito

    de provocar, seu criador inova atravs do deslocamento de suportes que resulta em uma

    mistura de linguagens: o espao cnico teatral com o cinematogrfico.

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    10/17

    171

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    Outro ponto relevante ao processo de Trier se refere estrutura do roteiro.

    Percebe-se claramente a historizao a narrativa de poca, mas na verdade retrata o

    agora, tambm presente no teatro posto que a obra de Bertolt Brecht utilizasse muito

    desse elemento. O local de inspirao para a fictcia Dogville revelado ao final do

    filme, na exibio dos crditos, quando so exibidas fotos de norte americanos

    registradas no perodo conhecido como a Grande Depresso, ocorrido na dcada de

    1930 nos EUA, a misria e o abandono ao som da msica de David Bowie Young

    Americans: o sonho americano contrastado com a pobreza. Fica clara a aluso de Trier

    aos Estados Unidos e a crtica ao seu sistema hegemnico. Falamos de fico aqui, mas

    tambm do mundo real, representado ou reapresentado. A cena em que a Gracie (NicoleKidman) impedida de atravessar a ponte entre os arbustos e lhe dito que todos os

    moradores da cidade podem passar por ali, mas a ela (a estrangeira) os direitos

    oferecidos no so os mesmos, levanta uma indagao da forma que os Estados Unidos

    tratam os estrangeiros, so dados a eles os mesmos direitos que os Nortes-Americanos?

    So vrios os momentos que Trier estabelece uma ligao da sua fico com o

    real em forma de crtica. O processo de seu trabalho pretende ofertar um novo olhar no

    apenas s possibilidades estticas de filmagem, possibilitadas graas utilizao dalinguagem teatral no que concerne espao/cenrio, mas tambm trazer inquietaes

    sobre elementos pertencentes hegemonia no apenas flmica, mas igualmente poltica.

    O neorrealismo italiano e a ao/ encenao em Csar Deve Morrer

    O neorrealismo foi uma resposta s limitaes da indstria italiana de realizar

    produes cinematogrficas durante e logo depois da Segunda Guerra Mundial. Seus

    filmes recorriam a argumentos episdicos e a um estilo semidocumental, com uso de

    locaes e de atores amadores ao lado de profissionais (BERGMAN, 2010). Em uma

    Itlia destruda pela guerra, o neorrealismo vem contra o cinema hegemnico, que na

    Itlia eram chamados de filmes Telefono Bianco(Telefone Branco) os quais, na dcada

    de 1930, procuravam ao mximo realizar cpias dos filmes hollywoodianos com temas

    da vida burguesa. (BERGMAN, 2010).

    Com a exibio do filme Roma Cidade Aberta, em 1945, o cinema passa a

    ocupar um papel de destaque na cultura italiana do aps-guerra. O protagonista desse

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    11/17

    172

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    renascimento cinematogrfico o neorrealismo. (FABRIS, 1996), um cinema poltico

    que pretende causar em seu pblico a reflexo sobre o sistema de governo pelo qual

    estavam sendo regidos. Esse filme de fico a princpio estava destinado a ser um

    documentrio. Rossellini se inspirou em suas prprias experincias enquanto se

    escondia das patrulhas nazistas que procuravam jovens italianos para obrig-los a lutar

    pelo fascismo, (KEMP, 2011).

    Esse movimento alcana um considervel espao no universo cinematogrfico.

    Nos anos 1940, o neorrealismo tornou-se uma influncia na ndia (Ray), no Egito

    (Chahine) e em toda a Amrica Latina (Nelson Pereira dos Santos e Fernando Birri).

    (SHOAT, Ella STAM, 2005: p. 394). Na dcada de 1950 esse movimento perde a fora,mas suas ramificaes podem ser percebidas at os tempos atuais. O filme Csar deve

    morrer um claro exemplo disso.

    O filme Csar deve morrer filmado na priso de segurana mxima de

    Rebibbia, Roma, com um grupo de prisioneiros selecionados para encenar a pea Jlio

    Csar, de William Shakespeare, uma representao que em alguns momentos possui

    grande enfoque no teatro, mesclando documentrio e por fim a fico. O espectador,

    frente a tudo isso, no sabe com certeza, em alguns momentos, em qual caminho estpisando, ou seja, se o que est sendo representado um documentrio ou uma fico.

    Mas isso irrelevante j que a o foco no est em definir essas diferenas, Manuela

    Penafria descreve com clareza esse ponto. Podemos avanar com a proposta seguinte:

    documentrio e fico so cinema e, por isso, consideramos que um e outro tm a

    mesma natureza, entre eles apenas existe uma diferena de grau. (PENAFRIA, 2005, p.

    02)

    Em Csar deve morrer a abordagem permeia temas que narram sobre morte,

    liberdade, vingana, presentes no texto de Shakespeare, mas que se misturam vida dos

    prprios prisioneiros e respectivos atores do filme.

    A escolha deJlio Csar, feita pelos irmos Taviani, no apenasadequada por ser, nas palavras de Vittorio, uma histria italiana, umahistria romana, uma histria que parte da imaginao coletiva dopovo italiano. Sendo encenada por presos cumprindo sentenas porassassinatos e trfico, relacionados Mfia e Camorra, no presdiode segurana mxima de Rebibbia, em Roma, os atores tm

    experincia de vida comum a dos personagens, permeada por traio,conspirao, culpa e amizade. Para completar, formam uma galeria

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    12/17

    173

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    fascinante de tipos humanos, difcil de encontrar entre atoresprofissionais. (ESCOREL, 2012, p.2)

    E essas representaes, em sua maioria, acontecem dentro do presdio, em

    corredores, celas e ptios, momentos que teoricamente seriam os ensaios, mas que na

    verdade se tornam o prprio filme. A apropriao de espaos no convencionais nesse

    filme estabelece um dilogo entre o cinema e o teatro, no momento em que os atores

    representam/encenam um ensaio nos corredores do presdio e, simulando estarem no

    palco, trabalham a diegese de forma diversa ao cinema hegemnico. A diegese pode

    ser solapada, inversamente, todas as vezes que aparecem sinais de que se trata de umdiscurso construdo: o que acontece no teatro de Brecht, no cinema experimental, no

    descompasso de som e imagem de filmes de Godard [...] (COSTA, 1995-2005: p. 32). A

    linguagem desenvolvida em Csar deve morrercausa um distanciamento, induz a uma

    reflexo, no apenas da condio carcerria, mas da condio humana, suscitada pela

    obra teatral de Shakespeare, a qual permanece atual, segundo Heliodora o vocabulrio

    de sua obra a mais rica que se tem notcia, cerca de 29 mil palavras.

    [...] Shakespeare foi um homem moderno de seu tempo; e foi umhomem de teatro sua linguagem no poderia ser mais contempornea,mais acessvel, mais popular, pois sua arte, bem como sua intuitivabusca de todo o seu pblico, tornavam imperativo que ele fossecompreendido de imediato durante o espetculo. (HELIODORA,1995, p. 8, grifo do autor.)

    Ainda, segundo Heliodora (1995) depois da pea Jlio Csar (1598),

    Shakespeare nunca mais deixou de incorporar o tema poltico s suas tragdias.O filme Csar deve morrerse apropria dessa temtica poltica e a trabalha em

    um espao cnico que revela o ambiente no qual ele produzido, com isso suscita as

    teorias do terico teatral Bertolt Brecht. A interrupo da ao, que levou Brecht a

    caracterizar seu teatro como pico, combate sistematicamente qualquer iluso por parte

    do pblico. (BENJAMIN, 1987, p.133) Esse tipo de teatro pretende trabalhar as

    realidades do mundo, como no filme dos irmos Taviani, o dilogo entre as duas

    linguagens acontece aqui, cinema e teatro estabelecem um propsito em comum, o

    intuito no trazer os elementos cnicos para perto do espectador e sim afastadas dele,

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    13/17

    174

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    para com isso causar um estranhamento no pblico que o direcione a uma percepo do

    universo no qual se encontra inserido.

    Esse direcionamento resulta em outro fator, transforma os irmos Taviani em

    autores produtores, segundo os preceitos de Walter Benjamin (1987), alm da esttica

    diferenciada do filme, proporcionada por diversos fatores, entre eles a encenao dentro

    da encenao, prisioneiros representando Shakespeare, em forma de ensaio, no interior

    de suas celas. Os cineastas se colocam ao lado do proletariado que nesse caso seriam

    os prisioneiros. Os produtores do filme no condenam nem defendem os infratores, eles

    vo alm, demonstram que a arte pode ser no apenas consumida, mas tambm

    produzida em todas as esferas sociais. Uma arte responsvel, com refinada esttica ecunho poltico. No pretendem julgar seus participantes, mas demonstrar que a arte

    pode transformar o meio. Como afirma Brecht, citado por Benjamin, (...) certos

    trabalhos no devem mais corresponder a experincias individuais, com o carter de

    obras, e sim visar utilizao (reestruturao) de certos institutos e instituies.

    (BRECHT apud BENJAMIN, 1987, p. 127) O trabalho desenvolvido em Csar deve

    morrer alcana essa reestruturao. Enquanto normalmente estariam ociosos, os

    prisioneiros estudaram, atuaram e desenvolveram novas formas de interao erelacionamento.

    A imagem abaixo demonstra com maior clareza a proposta dos diretores do

    filme, em um espao sem nenhum cenrio adicional, somente o presdio. O elenco

    vestido com seus uniformes de detentos, apenas o ator que encena Csar est

    caracterizado, envolto em um lenol presumidamente improvisado. Os nicos adereos,

    espadas de plstico presas na cinta dos atores, finalizam a composio da cena.

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    14/17

    175

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    Figura 2: Ptio do presdio, os prisioneiros de Rebbibia, encenam/ensaiam a cena em que Csarser morto.

    Fonte: http://revistacinetica.com.br/home/cesar-deve-morrer/

    A cena em que Csar morto se desenvolve no ptio da priso, a qual seria umsuposto ensaio da pea de teatro. As falas de Shakespeare, representadas naquele

    espao, por aqueles atores no convencionais e ainda tendo ao fundo vrios prisioneiros

    gritando, de dentro de suas celas, morte a Csar, uma situao extremamente

    conflitante. Seria um daqueles momentos em que o espectador se perde e procura, sem

    muito sucesso, encontrar uma referncia. Esse estranhamento, obviamente proposital,

    um dos pontos de maior destaque no filme. As indagaes ficam evidentes: est se

    vendo um documentrio sobre presos representando Shakespeare? Uma pea de teatro e

    o seu ensaio? Um filme de fico? A resposta seria sim para as trs perguntas,

    linguagens que em sua intertextualidade formam um cinema de opacidade. Essa obra,

    indita em sua estrutura, provm de dois cineastas octogenrios e um dos sucessores do

    cinema neorrealista italiano. Ainda sobre a definio desse movimento Penafria a partir

    de conceitos de Deleuze discorre sobre seus principais elementos da seguinte forma:

    Diz nos Deleuze que antes do Neorrealismo italiano predomina o

    regime da imagem movimento e, acrescentamos os filmes nooferecem resistncia a uma classificao rgida como seja a de fico

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    15/17

    176

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    ou documentrio. Com e aps o Neorrealismo italiano diz nos Deleuzeque passa a predominar o regime da imagem tempo cada vez maisdifcil (e, em alguns casos, impossvel) classificar os filmes. Cada vez

    mais os filmes so menos fico ou documentrio, so filmes defronteira. E so esses filmes que nos fazem julgar correta a nossaproposta. Essa proposta pretende colocar fico e documentrio lado alado, por partilharem um uso de imagens, sons, ambos so cinema.(PENAFRIA, 2005, p.03)

    Mais uma caracterstica do neorrealismo percebida no filme a preservao dos

    dialetos italianos. Os dialetos, considerados pelo fascismo como uma fora

    desagregadora da almejada unidade lingustica nacional, haviam sido praticamente

    banido das telas. (FABRIS. 1996 p. 71). E o neorrealismo os retoma. Em uma cena de

    Csar deve morrerem que os presos participam do seu primeiro ensaio, o diretor da

    pea de teatro pede para que os atores mantenham o seu dialeto na encenao, uma clara

    referncia ao neorrealismo, e crtica poltica e social a que esse cinema se prope. A

    escolha do preto e branco na maioria das cenas outra meno a esse movimento. O

    colorido aparece somente fora das celas, ou na parte final do filme quando os atores

    esto no palco, com a pea teoricamente pronta. O pblico presente so os familiares

    dos presos.

    A cena final, que retrata a morte do personagem Brutus, arrependido por ter

    contribudo no assassinato de seu amigo Csar, outra cena passvel de vrias

    interpretaes: no olhar do ator fica a dvida se estamos vendo somente uma boa

    representao ou se o ator expressando o arrependimento de seus atos em vida real

    que o levaram a atual situao em que se encontra, ou seja, um prisioneiro. Vemos uma

    representao sobreposta em camadas dentro do filme, que resultam em um intertexto

    entre o cinema; o documentrio e o teatro.

    Consideraes finais

    O teatro e o cinema possuem limites bastante distintos, por isso a afirmao de

    uma intertextualidade, que ao longo do trabalho foram percebidos como possveis

    dilogos. Essa dualidade pode acontecer sem tornar o filme, que dela se apropria,

    rudimentar, no momento que rompe com certos padres presentes no cinema

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    16/17

    177

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica

    hegemnico, ao aplicar em sua estrutura diferentes relaes entre contedo e obra/filme;

    arquitetura e encenao.

    O primeiro cinema cinema de atrao, visto por alguns como um mero teatro

    filmado, como se tratasse de algo menor, serviu como ponto de partida para a grande

    evoluo da linguagem cinematogrfica. Passado um longo perodo, foi possvel

    perceber que essa expanso contnua aconteceu atravs de vrios elementos e um deles

    ainda pode ser o teatro. Esse recurso visual e narrativo contribui para desenvolver

    conceitos novos dentro da filmografia vigente. Os cineastas Lars Von Trier e os irmos

    Taviani alcanam esse mrito, pois ao se apoiarem nas Artes Cnicas, selecionam

    elementos de Bertolt Brecht, um terico que referncia no teatro mundial e elegem umespao, no mnimo atpico, para produzirem seus filmes.

    O social e poltico, presentes nas duas obras, se oferecem em forma de

    distanciamento, com o intuito de proporcionar uma reflexo. O chamado cinema de

    opacidade, termo criado por Ismail Xavier (2005), o qual seria como uma tela opaca,

    diferente de uma janela transparente que tudo que visto atravs dela parece real, a tela

    opaca incomoda, distorce e provoca a um pensar. Esse pensar no seria apenas como

    forma de reflexo filosfica, mas uma ponderao que auxilia, incentiva a uma mudanade atitudes, frente ao mundo no qual o espectador encontra-se inserido.

    Acredita-se que os filmes, Dogville e Csar deve morrer, que bebem grande

    poro da linguagem teatral, seguem, um caminho diverso do cinema clssico, ao

    mesmo tempo em que oferece um novo olhar linguagem cinematogrfica, sem se

    tornar rudimentar.

    Referncias

    BERGAN, Ronald. ...ismos para entender o cinema. So Paulo: Globo, 2011.In:BRECHT, Bertolt. Teatro dialtico ensaios. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,1972.

    COSTA, Flvia Cesarino. O primeiro cinema: espetculo, narrao, domesticao. Riode Janeiro. Editora Azougue, 2005.

    FABRIS, Mariarosaria. O Neorrealismo cinematogrfico italiano.So Paulo: Editorada Paulo. 1996.

  • 8/10/2019 Linguagem Teatral Cinema

    17/17

    178

    Ano X, n. 06 Junho/2014 - ISSN 1807-8931Novo endereo: http://periodicos ufpb br/ojs2/index php/tematica

    GAUDREAULT, Andr; JOST, Franois. A narrativa cinematogrfica. Braslia:Editora Universidade de Braslia, 2009.

    KEMP, Philip; FRAYLING, Sir Christopher. Tudo sobre cinema. Editora: Sextante,2011.

    KRISTEVA, Julia. Introduo semanlise. So Paulo: Perspectiva, 2005.

    SHAKESPEARE, William. Hamlet e MacBeth.Traduo de Anna Amlia Carneiro deMendona e Barbara Heliodora. Rio de Janeiro. Editora Nova Fronteira, 1995.

    SHOHAT, Ella e Stam, Robert. Teoria do cinema e espectatorialidade na era do ps,in RAMOS, Ferno, Teoria Contempornea do Cinema I.So Paulo. EditoraSENAC, 2005.

    XAVIER, Ismail.(org.). A experincia do cinema: antologia. 2. ed. rev. aum. Rio deJaneiro: Edies Graal/Embrafilme, 1991.

    ______. O discurso cinematogrfico: a opacidade e a transparncia. So Paulo.Editora Paz e Terra. 2005.

    BENJAMIN, Walter. Magia e tcnica, arte e poltica. Editora Brasiliense, 1985.

    Artigos

    PENAFRIA, Manuela. Em busca do perfeito Realismo. Universidade da Beira Rio,2005.

    Documento Eletrnico

    ESCOREL, Eduardo. Questes cinematogrficas. So Paulo. 2012. Disponvel em:http://revistapiaui.estadao.com.br/blogs/questoes-cinematograficas/geral/cesar-deve-morrer. Acesso em: 28/11/13.

    FURTADO, Filipi. Casa de fices, palavras de fantasmas. Cintica. Cinema ecrtica. 2012. ISSN 1983-0343. Disponvel em:http://revistacinetica.com.br/home/voces-ainda-nao-viram-nada-vous-navez-encore-rien-vu-de-alain-resnais-franca-2012-2/.Acesso em 22/04/14.