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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FRENTE À LEI Nº 9.099 DE 26 DE SETEMBRO DE 1995 GABRIELA DE ALENCAR DORN MORAES Itajaí, junho de 2008

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FRENTE À LEI Nº 9 ...siaibib01.univali.br/pdf/Gabriela de Alencar Dorn Moraes.pdf · Moraes, meu eterno conselheiro, meu exemplo de perseverança

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FRENTE À LEI Nº 9.099 DE 26 DE SETEMBRO DE 1995

GABRIELA DE ALENCAR DORN MORAES

Itajaí, junho de 2008

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FRENTE À LEI Nº 9.099 DE 26 DE SETEMBRO DE 1995

GABRIELA DE ALENCAR DORN MORAES

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professor Msc Rogério Ristow

Itajaí, junho de 2008

AGRADECIMENTO

Agradeço, primordialmente, a Deus, fonte suprema

de bondade e saber.

À minha família, em especial, ao meu pai, Josuan

Moraes Júnior, homem de talento e sensibilidade

inestimáveis, à minha mãe, Fabiana de Alencar

Dorn Moraes, exemplo de amor, pelas noites de

vigília, orações orvalhadas de lágrimas e pela

dedicação plena, pessoas as quais carregam a

minha mais profunda admiração e gratidão, por

acreditarem no meu potencial e não medirem

esforços para tornarem meus sonhos realidade; ao

meu irmão, Josuan Moraes Neto, que carrega meu

amor e minhas expectativas de um futuro

maravilhoso, por todos os momentos

compartilhados; ao meu avô, Josuan Piassi

Moraes, meu eterno conselheiro, meu exemplo de

perseverança e honestidade, por sempre acreditar

fielmente em mim. Amo todos vocês

incondicionalmente.

Ao meu namorado, Gustavo Rigon, meu amor,

companheiro e amigo, por despertar o que há de

mais belo e puro em meu coração, com quem

compartilho todos os sonhos do mundo.

Ao orientador, Professor Rogério Ristow, norte

seguro na orientação deste trabalho.

Aos que contribuíram com suas críticas e

sugestões para este trabalho.

iii

Aos colegas de classe, pelos momentos que

passamos juntos e pelas experiências trocadas.

A todos que, direita ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa.

DEDICATÓRIA

À minha avó Maria Ângela Kirchner Moraes, pessoa amorosa, de indescritível dedicação junto

à família, que tão precocemente nos deixou.

Vovó, todo exemplo de amor, paciência e compreensão, as engraçadas e prazerosas

tentativas, de pintar, cozinhar e todas as demais lições, estarão sempre presentes em meu

coração. É a você que dedico, saudosamente, a realização de um sonho.

v

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, junho de 2008

Gabriela de Alencar Dorn Moraes Graduanda

6

PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Gabriela de Alencar Dorn Moraes,

sob o título A Atuação do Ministério Público frente à Lei nº 9.099 de 26 de

setembro de 1995, foi submetida em 11/06/2008 à banca examinadora composta

pelos seguintes professores: [Nome dos Professores] ([Função]), e aprovada com

a nota [Nota] ([nota Extenso]).

Itajaí, junho de 2008

[Professor Título Nome] Orientador e Presidente da Banca

[Professor Título Nome] Coordenação da Monografia

SUMÁRIO

RESUMO......................................................................................... VIII

INTRODUÇÃO ................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 4

DO MINISTÉRIO PÚBLICO................................................................ 4

1.1 HISTÓRICO ......................................................................................................4 1.1.1 Evolução Histórica do Ministério Público no Mundo................................4 1.1.2 Evolução Histórica do Ministério Público Brasileiro ................................8 1.2 CONCEITO DE MINISTÉRIO PÚBLICO ........................................................14 1.3 ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO ..................................................16 1.4 MINISTÉRIO PÚBLICO E A JUSTIÇA CRIMINAL ........................................19

CAPÍTULO 2 .................................................................................... 23

DA LEI Nº 9.099 DE 26 DE SETEMBRO DE 1995........................... 23

2.1 TENDÊNCIAS DE UM DIREITO PENAL MÍNIMO .........................................23 2.2 JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS ..............................................................26 2.2.1 Critérios ......................................................................................................26 2.2.2 Composição................................................................................................27 2.2.3 Competência...............................................................................................27 2.2.3.1 Infrações Penais de Competência do Juizado Especial Criminal .................. 28 2.2.3.2 Competência em razão do lugar....................................................................... 28 2.2.3.3 Exclusão da Competência do Juizado Especial Criminal............................... 30 2.2.4 Procedimento .............................................................................................35

CAPÍTULO 3 .................................................................................... 48

DA LEI Nº 9.099/95 E A FUNÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO....... 48

3.1 A ATUAÇÃO NO MINISTÉRIO PÚBLICO NA LEI Nº 9.099/95.....................48 3.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO E A TRANSAÇÃO PENAL...................................48 3.2.1.1 Constitucionalidade .......................................................................................... 56 3.2.1.2 Homologação ou Controle Jurisdicional ......................................................... 58 3.2.1.3 Descumprimento do Acordo............................................................................. 61 3.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO E A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO..........................................................................................................62

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 72

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 76

viii

RESUMO

Trata o presente trabalho monográfico da atuação do

Ministério Público na Lei nº 9.099/95 e da constitucionalidade e

abrangência do benefício da transação penal nas infrações de menor

potencial ofensivo e nas contravenções penais quando da entrada em vigor

da Lei nº 10.259 de 12 de julho de 2001, além da aplicação do benefício da

suspensão condicional do processo e sua abrangência não só nas

infrações de menor potencial, mas também naquelas de médio potencial

ofensivo, compreendendo todas aquelas em que a pena mínima cominada

não ultrapasse um ano, independente do rito. A Lei 10.259 dispõe sobre a

instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça

Federal, bem como de sua disponibilidade nas ações penais privadas. Para

a realização do trabalho, dividiu-se a monografia em três capítulos, sendo

que no primeiro trata do Ministério público. O segundo capítulo trata

especificamente da Lei 9099 e o terceiro e último capítulo trata da atuação

do Ministério público frente a Lei 9099/95. Para a realização do relatório

final da pesquisa utilizou-se a base lógica indutiva.

Palavras chave: atribuições do ministério público; competência; disponibilidade

da ação penal; constitucionalidade; homologação.

INTRODUÇÃO

A presente monografia versa sobre a atuação do Ministério

Público frente à Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995, mais especificamente

apresentando considerações sobre o papel desta Instituição no benefício da

transação penal e da suspensão condicional do processo, capitulada no art. 76 da

lei especial citada. Atualmente esses benefícios são objeto de muitos

questionamentos e reflexões por parte de doutrinadores e juristas, principalmente

ao que se refere a sua constitucionalidade.

Tem por objetivo institucional produzir uma monografia

como requisito obrigatório para conclusão do curso de Direito; geral é conhecer

que tal dispositivo é um benefício, que cabe ao Ministério Público propor ao

suposto autor do fato, no qual as partes fazem concessões recíprocas quanto ao

direito de punir do Estado, e que tem como objetivo maior a reparação de danos à

vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.

Para tanto, dividiu-se a monografia em três capítulos.

No Primeiro Capítulo trata-se da evolução e importância da

atuação do Ministério Público no sistema jurídico brasileiro. Abordando sua

ascensão em todas as Constituições, até a Constituição da República Federativa

do Brasil de 1988, que traz em seu 129 as funções institucionais desta Instituição

nos vários segmentos do Direito, elevando-a a “instituição permanente, essencial

à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do

regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”, conforme

dispõe o artigo 127.

No Capítulo 2, a pesquisa será direcionada especificamente

para a Lei nº 9.099/95, da tendência de um direito penal mínimo que originou sua

criação e seu aspecto histórico, do novo conceito de “infração de menor potencial

ofensivo”, a partir da entrada em vigor da Lei nº 10.259/01. Ocupar-se-á de forma

2

mais intensa da criação dos Juizados Especiais Criminais, dos princípios que o

orientam, da sua composição, competência, procedimento.

No Capítulo 3, a investigação será direcionada para a

atuação do Ministério Público frente à Lei nº .9.099/95, e, principalmente, nos

seus institutos denominados como “despenalizadores”, tais como a transação

penal e suspensão condicional do processo, com o intuito de melhor estruturar a

presente pesquisa.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre a atuação do Ministério Público na Lei nº 9.099/95 e da constitucionalidade

que norteia a transação penal, eis que se aplica uma sanção ao autor do fato,

sem sequer discutir-se sua culpabilidade.

Para o trabalho formulam-se os seguintes problemas:

1. Caso o Ministério Público não ofereça a transação penal

ou a suspensão condicional do processo quando o réu tem direito aos referidos

benefícios, o juiz deve fazê-lo de ofício?

2. O tempo do período de prova na suspensão condicional

do processo deve ser proposto pelo Ministério Público ou trata-se de uma

atribuição do magistrado?

Partindo das hipóteses:

1. Caso o Ministério Público não ofereça a transação penal

ou a suspensão condicional do processo quando o réu tem direito aos referidos

benefícios, o juiz deve fazê-lo de ofício, já que se trata de direito subjetivo do réu.

2. O tempo do período de prova na suspensão condicional

do processo deve ser proposto pelo Ministério Público quando da formulação da

proposta.

3

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação1 foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de

Dados o Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa

Bibliográfica7.

1 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente

estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.

2 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 104.

3 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

4 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 62.

5 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31.

6 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45.

7 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luis. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 239.

CAPÍTULO 1

DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Salutar se faz, para inaugurar o presente trabalho científico,

uma abordagem acerca da origem do Ministério Público, e de sua crescente e

fundamental atuação em vários segmentos do Direito, evidenciando,

principalmente, sua importância na justiça criminal.

1.1 HISTÓRICO

Prima facie, é importante ressaltar que é instituída de grande

controvérsia a origem do Ministério Público perante os doutrinadores, e não

obstante a instituição tornar-se matéria de infindáveis discussões nos tempos

atuais, tal instituição não nasceu em épocas recentes.

1.1.1 Evolução Histórica do Ministério Público no Mundo

Segundo registros históricos, o Ministério Público é uma

instituição milenar8. Procuram alguns vê-la há mais de quatro mil anos, no magiaí,

funcionário real do Egito. Segundo textos descobertos em escavações, tal

funcionário era a língua e os olhos do rei; castigava os rebeldes, reprimia os

violentos, protegia os cidadãos pacíficos; acolhia os pedidos do homem justo e

verdadeiro, perseguindo o malvado mentiroso; era o marido da viúva e o pai do

órfão; fazia ouvir as palavras da acusação, indicando as disposições legais que se

aplicavam ao caso; tomava parte das instruções para descobrir a verdade9.

8 Versão de MAZZILI, Hugo Nigro. Manual do Promotor de Justiça. 2 ed. São Paulo: Saraiva,

1991. p.1. 9 REZENDE FILHO, Gabriel de. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1957, v.

1. p.91; Roberto Lyra. Teoria e prática da promotoria pública. Porto Alegre: Sergio Antônio

5

Outros buscam na Antiguidade clássica os traços iniciais da

instituição, ora nos éforos de Esparta, ora nos thesmotetis ou tesmótetas gregos,

ora nas figuras romanas dos advocati fisci, dos praetores fiscais, dos censores, do

defensor civitatis, do inerarcha, dos curiosi, sattionarii e frumentarii, dos

procuratores caesaris10.

Na Idade Média também se procura encontrar algum traço

histórico da instituição nos saions germânicos, ou nos bailios e senescais,

encarregados de defender os senhores feudais em juízo, ou nos missi dominici,

ou nos gastaldi do direito longobardo, ou ainda no Gemeiner Anklager da

Alemanha (literalmente “comum acusador”), encarregado de exercer a acusação,

quando o particular permanecia inerte11.

Relata Mazzili, que no direito canônico faz-se notar a figura

do vindex religionis, responsável por fiscalizar o andamento dos processos e

exercer a ação penal dentro do segredo dos tribunais inquisitoriais.12

A figura do procurador da Coroa existiu em Portugal, no ano

de 1289, sob o reinado de Afonso III. Igualmente, em 1387, o Rei Don Juan I

instituiu o “El Ministério Fiscal”, que guardava certa semelhança com o Ministério

Público atual.13

Refere Hugo Mazzili14 que, contudo, sua origem mais citada

é a Ordenança de 25 de março de 1302, de Felipe IV, O Belo, rei da França, que

fabris, 1989 .

10 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1982. v. 2. Cap. 22; SILVA, Octacílio Paula. Ministério público. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. p.4; PIERANGELLI, José Henrique. Processo Penal, evolução histórica. Bauru-SP: Javoli, 1983, p.180.

11 REZENDE FILHO, Gabriel de. Curso de Direito Processual Civil. p. 91; SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1978. v. 1. n. 96; TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. v. 2. p.289.

12 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 4 ed. São Paulo: Saraiva: 2000. p. 41.

13 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. p.41 14 MAZZILLI, Hugo Nigro. Manual do Promotor de Justiça, 2 ed. São Paulo: Editora Saraiva,

1991, p. 3.

6

impôs aos seus procuradores “prestassem o mesmo juramento dos juízes,

vedando-lhes patrocinarem outros que não o rei”.

Nos processos da Inquisição, o juiz inquisitorial acumulava

as funções de acusador e juiz. A partir dessa situação e da adoção pelo Direito

Canônico do princípio de que ninguém podia ser processado sem um acusador

legítimo e idôneo, percebeu-se, também na justiça laica, a necessidade de instituir

uma magistratura encarregada exclusivamente de perseguir, de ofício, os

delinqüentes de delitos conhecidos, dela resultando o surgimento do Ministério

Público como instituição na França. 15

Desta feita, a Ordenança de 25 de março de 1302 foi o

primeiro texto legislativo a tratar objetivamente dos procuradores do rei, o rei

Felipe referia-se literalmente aos procuratores nostri.

Assim, leciona Paulo Rangel:

Foi a Ordenança de março de 1302, de Felipe IV, chamado de o Belo, Rei da França, o primeiro diploma legal a tratar dos Procuradores do Rei. Os reis demonstravam, através de seus atos, a independência que o Ministério Público tinha em relação aos juízes, constituindo-se em verdadeira magistratura diversa da dos julgadores, pois os Procuradores do Rei dirigiam-se aos juízes do mesmo “assoalho” (parquet em francês). 16

No mesmo sentido, elucida José Frederico Marques, na

doutrina de Raulino Jacó Bruning, quando afirma que “os antecessores dos atuais

promotores de justiça são os advogados e procuradores do rei (les gens de roi)

que, antes do século XVI eram apenas os representantes dos interesses privados

do monarca perante os tribunais. O papel desses advogados e procuradores do

rei foi gradativamente ampliando-se pari passo com o fortalecimento dos poderes

15 MAZZILLI, Hugo Nigro. Origem do Ministério Público no mundo. Ministério Público Federal.

Procuradoria da República em Sergipe, Aracaju/SE. Disponível em: http://www.prse.mpf.gov.br/acessibilidade/ institucional/ história/. Acesso em 22 fev. 2008

16 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal direta pelo Ministério Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. v. 1. p.124.

7

dinásticos; e se tornaram eles, assim, ‘agentes do poder público junto aos

tribunais”. 17

Todavia, a evolução do Ministério Público na França foi

lenta. A Revolução Francesa estruturou mais adequadamente o Ministério

Público, enquanto instituição, ao conferir garantias ao seus membros. Foi

somente em 1790, que um decreto na França atribuiu vitaliciedade aos agentes

do Ministério Público. Outrossim, no mesmo ano, um novo decreto dividiu as

funções do Ministério público entre dois agentes.

Conforme bem explica Rassat, citado na doutrina de Hugo

Nigro Mazzilli 18, estes se distinguiam entre um comissário do rei e um acusador

público. O primeiro, nomeado pelo rei e inamovível, tinha por única missão velar

pela aplicação da lei e pela execução dos julgados; era ele ainda que recorria das

decisões dos tribunais. O acusador público, por sua vez, era eleito pelo povo, com

o só encargo de sustentar a acusação diante dos tribunais.

Ferraz 19 ainda acrescenta, que além das funções de cunho

criminal, os membros do Parquet 20 passaram a ter também funções de cunho

civil, ao intervirem nas questões relativas a casamentos e garantia da

independência do Judiciário.

Lopes 21 esclarece:

A Constituição revolucionária de 1791 previu, em seu capítulo V ("Do Poder Judiciário"), uma instituição designada de "Ministère Public" e integrada por Procuradores (procurateurs) que deveriam zelar pelo interesse público nos processos judiciais. O Ministério

17 BRUNING, Raulino Jacó. História do Ministério Público Catarinense. Florianópolis: Habitus,

2002. p.25-26. 18 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. p. 42-43 19 FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo. Ministério Público. Instituição e Processo. 2 ed.

São Paulo: Jurídica Atlas, 1999. 20 A menção a parquet (assoalho)provém da tradição francesa, assim como magistrature débout

(magistratura de pé) e les gens du roi (as pessoas do rei). Os procuradores do rei, antes de adiquirirem condição de magistrados e terem assento a seu lado, no estrado, tiveram assento ao assoalho da sala de audiências.

21 LOPES, Júlio Aurélio V. Democracia e cidadania: o novo Ministério Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 32.

8

Público resultou da fusão entre dois tipos de funcionários reais já encontráveis no Ancièn Regime: os Advogados do Rei (advocats du Roi) com atribuições cíveis de defesa dos interesses patrimoniais privados do monarca e os Procuradores do Rei (procurateurs du Roi) com atribuições de sustentar a acusação dos criminosos e de cobrar os tributos reais nos tribunais. Tratava-se, tal como os juízes, de delegados do rei, que se diferenciavam daqueles pelo controle da atividade judicial dos mesmos, especialmente quando envolvia interesses da monarquia.

Nessa fase, já se observa a atenção que na França se dava

ao Direito Processual, fazendo nascer aí uma função tipicamente fiscalizadora.

1.1.2 Evolução Histórica do Ministério Público Brasileiro

Inegável é a importância do estudo comparado na evolução

do Ministério Público, especialmente na França, todavia, não podemos olvidar que

a fonte do Ministério Público brasileiro provêm antes diretamente do antigo direito

português, vigente no período colonial, imperial e início da República. Do qual não

só herdamos as leis e instituições bem como a natureza de organização sócio-

política.

Tomando como modelo a tradição lusitana, no Brasil, tanto

na Colônia quanto no Império, sob a égide das Ordenações Afonsinas, editadas

em 1456, as funções ministeriais ficaram a cargo do Procurador da Coroa, com

vinculação direta ao Rei ou Imperador. No entanto, devido ao recém

descobrimento da nova pátria, nenhum registro relevante há sobre o exercício das

funções do Ministério público. Não existia, destarte, como instituição autônoma.

Contudo, não é possível desconsiderar as Ordenações

Afonsinas de 1446, de acordo com Rangel:

As “Ordenações Afonsinas” formaram a primeira grande codificação portuguesa, realizada por D.Afonso, que, embora não se refira ao Ministério Público, serviu de base para o nascimento da ordem jurídica brasileira, pois, descoberto meio século depois, o Brasil sofreu forte influência jurídica de seus mandamentos. 22

22 RANGEL, Paulo. Investigação Criminal direta pelo Ministério Público. v. 1.p.124.

9

Em contrapartida, as Ordenações Manoelinas de 1521,

lançam os primeiros traços da delimitação funcional do Ministério Público, ao falar

expressamente em “prometor de justiça”, dispondo até mesmo que “o promotor

deve ser alguém letrado e bem entendido para saber espertar e alegar as causas

e razões, que para lume e clareza da justiça e para inteira conservação dela

convém”, e ao estabelecer as obrigações relativas aos ofícios dos Procuradores

dos Feitos do Rei, do Promotor de Justiça da Casa da Suplicação e dos

Promotores de Justiça da Casa Civil, compendiadas que foram nos Títulos XI e

XII do Livro I daquele ordenamento.

Observa-se claramente que a função primordial é

exatamente atuar como fiscal da lei e da sua boa execução.

De acordo com Mazzilli23, nas Ordenações Filipinas de 1603,

há títulos próprios que cuidam do Procurador dos Feitos da Coroa (XII), do

Promotor da Justiça da Casa da Supplicação (XV) e do Promotor da Justiça da

Casa do Porto (XLIII), todos do Liv. I.

No entendimento de Thompson, citado na doutrina de

Raulino Jacó Bruning:

Nas Ordenações Filipinas, havia uma preocupação em se combater a justiça privada, buscando substituí-la pela justiça pública; que ainda não vigorava o princípio da “nulla poena sine lege”; que, para alguns delitos, as Ordenações cominavam a chamada ‘pena crime arbitrária”, ao talante do julgador fixar, e que os títulos I a V definiam os delitos religiosos: heresia, apostasia, cisma, blasfêmia, feitiçaria, benzimento de bichos, vigílias com comidas e bebidas em igreja, etc., com penas de extrema severidade.24”,

23 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. p. 46. 24 BRUNING, Raulino Jacó. História do Ministério Público Catarinense. p.39-40.

10

Mais uma vez restam confirmadas as atribuições dos

“promotores de justiça” na fiscalização da lei e da Justiça, da própria atividade

jurisdicional, e no direito de promover a acusação criminal.

Abdon de Mello 25 ensina que na época colonial, até 1609,

apenas funcionava no Brasil a justiça de primeira instância e nesta ainda não

existia órgão especializado do Ministério Público. Os processos criminais eram

iniciados pela parte ofendida ou ex officio, pelo próprio juiz. O recurso era

interposto para a Relação de Lisboa.

Foi somente com o advento do Tribunal da Relação da

Bahia, em 1609, que foi definida pela primeira vez a figura do promotor de justiça.

Sendo, por esta razão, considerado como o primeiro diploma legal, genuinamente

nacional, a fazer menção ao Ministério Público.

O Promotor de Justiça, juntamente com o Procurador dos

Feitos da Coroa e da Fazenda, integrava o Tribunal da Relação da Bahia,

composto por 10 desembargadores.

Posteriormente, mais precisamente em 1751, veio a ser

adotada para a Relação do Rio de Janeiro, quando de sua instalação, a

organização do Ministério Público, observada pelo regimento de 7 de março de

1609, na Relação da Bahia, a qual sustentou a mesma estrutura organizacional.

Essa nova Relação veio a transformar-se em Casa de

Suplicação do Brasil em 1808, cabendo-lhe julgar recurso da Relação da Bahia,

bem como é nela que ocorre a separação dos cargos de promotor de justiça e o

cargo de procurador dos feitos da Coroa e Fazenda, que passaram a serem

ocupados por dois titulares.

Era o primeiro passo para a separação das funções da

Procuradoria da República (que defende o Estado e o fisco) e o Ministério

Público, somente tornada definitiva com a Constituição Federal de 1988. Todavia,

25 MELLO, Abdon de. Ministério Público Rio Grandense (subsídios para sua história). Porto

Alegre: Imprensa Oficial, 1943. p. 13.

11

apenas com o Código de Processo Penal do império, de 1832, foi dado

tratamento sistemático ao Ministério Público. Tal Código colocava o promotor de

justiça como órgão da sociedade, titular da ação penal.26

Somente nos primórdios da República é quem o Ministério

Público obteve certa independência como instituição organizada, graças a Manoel

Ferraz de Campos Sales, quando Ministro da Justiça do Governo Provisório, em

cuja gestão ministerial veio a ser editado o Decreto nº 848 em 11 de outubro de

1890, que criava e regulamentava a Justiça Federal dispondo sobre a estrutura do

Ministério Público. Foi então, traçado pela primeira vez no Brasil, um protótipo

institucional do nosso Ministério Público.

O mesmo acontecendo com o Decreto n. 1.030, de 14 de

novembro de 1890, que organizou a Justiça do Distrito Federal, definindo as

atribuições dos membros do Ministério Público.

A despeito do que foi exposto no Decreto nº 848/1890, do

Ministro Campos Sales, a Constituição Federal de 1891 não aludiu ao Ministério

Público como instituição, limitando-se a referencia ao Procurador-Geral da

República e à sua iniciativa na revisão criminal pro réu.

Entanto foi o processo de codificação do Direito nacional que

permitiu o crescimento institucional do MP, visto que os códigos (Civil de 1917, de

Processo Civil de 1939 e de 1973, Penal de 1940 e de Processo Penal de 1941)

atribuíram várias funções à instituição.

A Constituição de 16 de julho de 1934 institucionalizou o

ministério público, ao tratá-lo em Capítulo à parte (Cap. VI de seu Titulo I, capítulo

este destinado à disciplina dos Órgãos de Cooperação nas Atividades

Governamentais.

26 FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo. et al. Ministério Público. Instituição e Processo.

p. 40.

12

Ao passo que, a Constituição outorgada na ditadura de

Vargas em 1937 apenas fazia alusão ao Procurador-Geral da República como

chefe do Ministério Público Federal e instituía o “Quinto Constitucional 27”.

Já a Constituição de 1946, de inspiração acentuadamente

democrática, tornou a evidenciar o Ministério Público, tratando-o em título

especial (artigos 125 a 128), sem vinculação a nenhum dos outros poderes, bem

como previu a organização do Ministério público da União (art. 125) e dos

Estados (art. 128). Restou assegurado à Instituição o direito de participar da

composição dos tribunais superiores, nos limites estabelecidos pelos artigos 103

e 124, V, daquela Constituição Federal.

Em 1967 veio à lume a nova Carta Constitucional da União,

a qual colocava o Ministério Público na área de abrangência do Poder Judiciário,

tratando-o em seção autônoma no Capítulo do Poder Judiciário, pela forma do

comando dos artigos 137 e 139 do novo Texto Maior.

Sobrevieram mais dois golpes militares, um por meio do Ato

Institucional n. 5, de 1968, e outro, em 1969, por meio do qual um junta militar,

sob a forma de “Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969”, decretou

a Carta de 1969, cujos arts. 94 a 96 colocaram a instituição do Ministério Público

dentro do Capítulo “Do Poder Executivo”28.

Chega-se a conclusão que, durante esse período, o

Ministério Público deixou de existir como instituição encarregada da defesa da

ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis, que sempre ostentara nos regimes democráticos e que lhe seria,

mais tarde, reconhecido pelo constituinte de 1988, para conformar-se com a

posição de um mero órgão auxiliar do Poder Executivo e coadjuvante de sua ação

política, como assinala João Francisco Sauwen Filho29.

27 Elemento pelo qual um quinto dos membros dos Tribunais deveria ser composto por

profissionais oriundos do Ministério Público e advocacia, alternadamente. 28 CAMPANHOLE, Adriano & CAMPANHOLE Hilton. Constituições do Brasil. 10.ed. São Paulo :

Atlas, 1992. 29 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público Brasileiro e o Estado Democrático de

13

Em 1977, sustentando-se em atos institucionais, o chefe do

Executivo Federal, através da Emenda nº 7, alterou o art. 96 da Constituição de

1969 e autorizou os Ministérios Públicos a organizarem-se em carreira por leis

estaduais. Concedeu-se mais poderes ao Procurador-Geral da República.

Mazzilli 30 lembra que em meados da década de 1980, as

diversas associações estaduais e nacional (Conamp) do Ministério Público

elaboraram, com base em ampla consulta a todos os promotores de justiça do

país, uma série de propostas que redundaram no documento conhecido por

“Carta de Curitiba”, que elencava as principais reivindicações da instituição.

A “Carta de Curitiba” juntamente com o anteprojeto da

Comissão Afonso Arinos31 teve fátuo papel na elaboração da Constituição de

1988.

Foi então, que abrigando o pensamento marjoritário entre os

Parquets, sobreveio a Constituição democrática de 1988, hoje vigente, a qual

delineou um novo perfil institucional ao Ministério Público, o qual, segundo

Gonçalves 32, recebeu um legado de “imensas e complexas atribuições com nítida

destinação social”.

A Carta Magna de 1988 prestou ao Ministério Público

inúmeras garantias, tais como: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de

vencimentos, bem como maior independência financeira, administrativa, funcional

Direito. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999. p. 163.

30 MAZZILI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 23-38.

31 “ Quando o Governo federal, em 1986, restaurado o regime democrático, retomando a idéia do falecido Presidente eleito, Tancredo Neves, de dotar o país de uma nova Carta Constitucional mais condizente com o regime restaurado e os anseios do povo, nomeou uma comissão para estudar um projeto de constituição, a Comissão de Estudos Constitucionais, conhecida como “Comissão de Notáveis”, composta por cinqüenta membros, e que, ao final, produziu um anteprojeto de Constituição denominado “Anteprojeto Afonso Arinos”, em homenagem ao Presidente daquela comissão, a Instituição do Ministério público já estava perfeitamente consciente do seu papel social e pronta para contribuir com seus estudos e teses aprovadas em congressos da classe para uma organização do Parquet no âmbito da futura Carta”. SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público Brasileiro e o Estado Democrático de Direito. p. 168..

32 GONÇALVES, Edílson Santana. O Ministério Público no Estado Democrático de Direito. Fortaleza: ABC, 2000. p. 42.

14

e o acréscimo de atribuições para melhor laborar a favor dos mais

desfavorecidos. Assim, transformando o papel da Instituição de mera

Procuradoria de interesses estatais para Órgão de defesa dos direitos sociais.

A nível infraconstitucional, foram-lhes conferidas leis

específicas: Lei Complementar nº 75/93 – que dispõe sobre a organização, as

atribuições e o Estatuto do Ministério público da União; Lei nº 8625/93 que institui

a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, a qual dispõe sobre normas gerais

para a organização do ministério público dos Estados.

1.2 CONCEITO DE MINISTÉRIO PÚBLICO

Mazzili33 ensina que, em sentido genérico, referindo-se aos

que, de qualquer forma, exercitavam uma função pública, a expressão “ministério

público” já se encontrava em textos romanos clássicos. No sentido, porém, de

referir-se a uma instituição, a expressão francesa ministère public passou a ser

usada, primeiro, nas correspondências trocadas entre os procuradores do rei,

quando falavam de seu próprio oficio, e, depois, veio a freqüentar os provimentos

legislativos do século XVIII, ora para referir-se a um magistrado específico,

incumbido do poder-dever de exercitá-lo, ora, enfim, para dizer respeito ao

conjunto de agentes que exerciam esse ofício.

O Conceito de Ministério Público no Brasil vem esboçado no

art. 127 da Constituição vigente, que declama: “o Ministério Público é instituição

permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa

da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis”.

Analisando etimologicamente, observa-se que por

ministério34, entende-se a função, a profissão, ou o lapso de tempo durante o qual

se exerce tal função, etc.

33 MAZZILI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.

37. 34 “Ministério” provém do vocábulo latino ministerium, e este de minister (em oposição a magister),

servidor ou exercente de função servil. Daí também provêm os derivados ministrar, ministro,

15

Juridicamente, é um ofício, cargo ou função35. Ao passo que,

o vocábulo público significa tudo aquilo que pertence ou se refere ou se destina à

coletividade, sob o domínio do estado.

Ministério Público: a magistratura que, junto dos tribunais,

vela pela execução das leis.36

Assim, a expressão “Ministério Público” tem o sentido de

“um ofício pertencente a essência do Estado37”, com inúmeras atribuições, dentre

as quais a principal é de promover a defesa da sociedade, representar seus

direitos e interesses, de fato.

Sustenta o dicionarista De Plácido e Silva, “Ministério

Público é a designação dada à magistratura ou corpo de magistrados, colocado

junto aos Juízes e Tribunais, com função de defender e zelar pelos interesses da

sociedade e daqueles que, por incapacidade ou impossibilidade, não se possam

defender, velando pelo fiel cumprimento das leis...”.

Semelhante é o conceito de Leite38, para quem o Ministério

Público, na Constituição do Brasil de 1988, tem a natureza de "(...) um órgão

especial não subordinado a nenhum dos Poderes, mas de natureza estatal, cujo

fim precípuo repousa na defesa dos interesses mais relevantes do cidadão e da

sociedade, ainda que a violação a tais interesses provenha dos representantes

dos Poderes (Executivo, Legislativo ou Judiciário) da República".

Na compreensão de Sérgio Gilberto Porto, em sua obra

Sobre o Ministério Público no processo não criminal, “O Ministério Público não se

encontra vinculado a qualquer dos Poderes do Estado...não se encontra vinculado

a qualquer dos Poderes, exatamente porque a concepção da organização política

administrar etc.. Identifica-se a idéia inicial de executor de uma tarefa ou de uma atividade. 35 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo:

Editora Nova Fronteira, 2004 36 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 37 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, São Paulo, RT, Tomo IV, p.

323/5. 38 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho doutrina, jurisprudência,

prática. São Paulo: LTr, 1998. p. 63-64.

16

do Estado Mudou. Não existe mais, em realidade, o Estado descrito por

Montesquieu, em seu festejado estudo intitulado O Espírito das Leis. Esta

concepção se encontra absolutamente esclerosada e não mais atende às funções

que a sociedade hodierna reclama do Estado moderno”.

Mazzilli39 ainda acrescenta que o Ministério Público é um

órgão do Estado (não do governo, nem do Poder Executivo), dotado de especiais

garantias, ao qual a Constituição e as leis cometem algumas funções ativas ou

interventivas, em juízo ou fora dele, para a defesa de interesses da coletividade,

principalmente os indisponíveis e os de larga abrangência social.

Diante do exposto, é cediço afirmar que o Ministério público

“traduz um ofício integrante da essência do Estado, exercendo parcela da

soberania, imprescindível à própria sobrevivência da sociedade, dada a sua

tamanha importância no atual momento histórico”40.

Portanto, entende-se por Ministério Público o ofício, cargo ou

função, cujos titulares exercem a defesa dos mais fundamentais interesses da

coletividade.

1.3 ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Constituição vigente alterou substancialmente a natureza

jurídica do Ministério Público, dando-lhe um novo feitio institucional.

Na reflexão de Arthur Pinto Filho: “Não se tratou de

simplesmente alterar uma instituição, mas de lhe traçar uma natureza

completamente diferente daquela oriunda da Carta de 1969”41.

Em face do todas as transmutações de nosso sistema

jurídico, emerge, então, o Ministério Público como Instituição legitimada a

sublevar-se para garantia do governo democrático, do cumprimento da

39 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. p. 38. 40 GONÇALVES, Edílson Santana. O Ministério Público no Estado Democrático de Direito. p. 74. 41 PINTO FILHO, Arthur. Ministério Público – Instituição e Processo. p. 69.

17

Constituição e das leis, da prevalência do interesse público e da moralidade

pública, dos direitos sociais e fundamentais do ser humano, da defesa dos direitos

difusos e coletivos, sem vinculação com quaisquer dos Poderes constituídos, até

mesmo, com o encargo de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos, bem

como dos serviços de eminência pública e de todos os direitos resguardados na

Constituição.

Com efeito, a Carta Magna de 1988 confiou ao Ministério

Público a incumbência de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis42.

Relativamente às funções da instituição, salienta

Moraes

A Constituição Federal de 1988 ampliou sobremaneira as funções do Ministério Público, transformando-o em um verdadeiro defensor da sociedade, tanto no campo penal com a titularidade exclusiva da ação penal pública [...] quanto no campo cível como fiscal dos demais Poderes Públicos e defensor da legalidade e moralidade administrativa, inclusive com a titularidade do inquérito civil e da ação civil pública. 43

Assim, pontifica Tavares:

O Procurador-Geral da República é nomeado diretamente pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal, para um mandato de dois anos, permitida a recondução sucessiva e indefinida. Exige-se apenas que seja maior de trinta e cinco anos de idade e integre regularmente a carreira da instituição. O Procurador-Geral de Justiça é indicado pelo respectivo governador, dentre nomes indicados por uma lista tríplice, de integrantes da carreira. O mandato é de dois anos e permite-se apenas uma recondução. 44

Conquanto faça parte do Ministério Público da União, o

Procurador-Geral do Distrito Federal e dos Territórios possui uma autonomia

42 Artigo 127, caput, da Constituição Federal. 43 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 584. 44 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. rev. atual. São Paulo:

Saraiva, 2006. p. 1153-1154.

18

perante o Procurador-Geral da República, uma vez que depende do Congresso

Nacional para indicar e exonerar seus superiores.

Nasce, a partir de então, um Ministério Público incumbido de

preservar os valores mais importantes para a sustentação do equilíbrio, da ordem

e da paz social.

O art. 129 da Lei Maior discrimina as principais atribuições

as quais destina-se o Ministério Público, enunciando-as da seguinte forma:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

19

Observa-se, portanto, que essa Instituição tem largo campo

de atuação, desempenhando atualmente funções da mais alta relevância,

indispensável aos vários segmentos, fins e interesses da sociedade, de forma

que, aciona, provoca, fiscaliza, bem como orienta, concilia e intercede os anseios

da coletividade junto ao Estado.

Desta feita, não restam dúvidas de que é o Ministério

Público, hoje, instituição de caráter permanente e essencial, o qual garante um

governo democrático, bem como o cumprimento da Constituição e das leis,

resguardando sempre o interesse público e a defesa dos direitos difusos e

coletivos e fundamentais da pessoa humana.

1.4 MINISTÉRIO PÚBLICO E A JUSTIÇA CRIMINAL

O ordenamento jurídico brasileiro é constituído por um

complexo sistema normativo, ou melhor, micro-sistemas, sendo que cada um

deles encontra-se voltado a disciplinar determinado campo de atuação social.

Ao conjunto de preceitos impostos de forma coercitiva pelo

Estado com o intuito de manter a paz social, capitulando crimes e estabelecendo

sanções ou medidas de segurança, denomina-se Direito Penal.

Por sua vez, o Ministério Público é a instituição pertencente

à União, no âmbito da administração da justiça, essencial à prestação

jurisdicional, possuidora da titularidade da promoção da ação penal pública, ex vi

do art. 129, I da Carta Magna. E no decorrer de toda a persecutio criminis

(instrução criminal), compreendendo desde a fase inicial da investigação até o

término da instrução criminal, sem exceção, do primeiro ao último ato jurisdicional

afeto ao Parquet - ab initio, ad unum-, em face das atribuições legais de dominus

litis da damanda e proprietário do ius persequendi e ius puniendi estatal, continua

como titular privativo da ação penal.

20

Como bem anota Nigro Mazzili45, foi com o advento do

Código de Processo Penal, vindo à lume em 3.10.1941, que o Ministério Público

conquistou o poder de requisição de inquérito policial e diligências, nos

procedimentos de apuração de ilícitos, passando a ser regra a sua titularidade na

promoção da ação penal pública, ganhando ainda a tarefa de promover e

fiscalizar a execução da lei.

Ao desenvolver esse raciocínio, Mazzilli46 ensina que a

Constituição traz como primeira das atribuições do promotor de justiça a

promoção da ação penal pública.47 Ainda prevê a expedição de notificações e a

direção de procedimentos administrativos de sua competência; a requisição de

informações e documentos, na forma da lei complementar;48 o controle externo

sobre a atividade policial, na forma da mesma lei; 49 a requisição de diligências

investigatórias e de instauração de inquérito policial, podendo acompanhá-los.50

Ainda, na justiça criminal, com a finalidade de proteger os

interesses da coletividade, o Ministério Público poderá: exercer a fiscalização dos

estabelecimentos prisionais51; comunicar ao Ministério da Justiça a condenação

de estrangeiro52; investigar diretamente as infrações penais; promover em juízo a

apuração dos delitos e a penalização de seus autores; intervir nas ações penais

de cunho privado, fiscalizando o correto cumprimento da lei; promover e fiscalizar

a execução da pena, bem como efetuar a transação penal nas infrações de menor

potencial ofensivo.

No processo penal, o Ministério Público, basicamente, ou é

autor (ação penal pública) ou interveniente (ação penal privada).

45 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério público. 46 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. p. 259. 47 Artigo 129, inciso I, da Constituição Federal. 48 Artigo 129, inciso VI, da Constituição Federal. 49 Artigo 129, inciso VII, da Constituição Federal. 50 Artigo 129, inciso VIII, da Constituição Federal. 51 LONMP, art. 25, VI. 52 Artigo 68 da Lei nº 6.815/80 e o art. 101 do Decreto nº 86.715/81.

21

Não está o Ministério Público limitado à apuração dos fatos

pela autoridade policial, podendo, sempre que achar necessário, requisitar

documentos, certidões e diligências, na forma da lei, assim como efetuar

notificações para comparecimento de pessoas, podendo ou até mesmo devendo

propor diretamente a ação penal, se dispuser de indícios suficientes para formar-

lhe um juízo de convicção.

Tendo em vista ser o Ministério Público detentor exclusivo

da titularidade da ação penal, é certo e legítimo afirmar que os já mencionados ius

persequendi e o ius puniendi pertencem ao Ministério Público, fazendo parte de

sua missão institucional e do encargo estatal no sistema de justiça criminal.

A Constituição exige que a ação penal seja sempre

intentada por iniciativa da parte. Aboliu-se, portanto, a teratologia do

procedimento penal de ofício, pelo qual poderia o réu ser julgado pelo mesmo juiz

que o acusara, posto assim, concentrava-se nas mãos de um só órgão do estado

as tarefas inquisitivas e decisórias, com quebra do equilíbrio do contraditório.53

Fora instituído então o princípio acusatório puro.

É faculdade exclusiva do Ministério Público, a quem cabe

promover privativamente a ação penal, não podendo o juiz da causa substituir-se

a este.54

Ao se revelar a correta função institucional do Ministério

Público, torna-se inadmissível ainda sustentar a idéia retrógrada de ter esta

Instituição a única e mera função acusatória. No campo criminal ao contrário do

que muitos entendem, não é o parquet obrigado a acusar, detendo plena

autonomia de convicção e atuação.

Não havendo prova para condenar nos termos da exordial

acusatória, deve o Ministério Público deliberar pelo trancamento da ação penal,

53 Restaram derrogadas as normas do Código de Processo penal e da Lei nº 4.611/65 que

admitiam o procedimento penal ex officio. 54 STF - HC nº 75343-4

22

não sendo necessário o julgamento do mérito nos termos definidos no inciso vi,

do artigo 386 do Código penal, pela insuficiência de provas.

O parquet, portanto, não só pode como deve pedir a

absolvição ou recorrer em favor do acusado, caso se convença de sua

inocência.55

A partir da apresentação da configuração do Ministério

público, revisitando a história deste instituto no mundo e sua evolução dentro do

sistema jurídico nacional, no próximo capítulo aborda-se a Lei nº 9.099/95, que

institui os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

55 RT, 547:441; RJTJSP, 112:509; JESUS, Damásio E. de. Código de Processo Penal anotado.

São Paulo: Saraiva, 1990, art. 593.

CAPÍTULO 2

DA LEI Nº 9.099 DE 26 DE SETEMBRO DE 1995

Vencida a primeira etapa onde se demonstrou a evolução e

significativa importância que o Ministério Público vêm apresentando no sistema

jurídico brasileiro, o presente capítulo trata da Lei nº 9.099 de 26 de setembro de

1995, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Lei esta que

estabeleceu um marco crucial no direito, ante seu caráter despenalizador e busca

da solução efetiva, célere e consensual de seus conflitos.

2.1 TENDÊNCIAS DE UM DIREITO PENAL MÍNIMO

A justiça tardia, ronceira, sonolenta, sempre foi o maior

tormento da sociedade, aflita na incessante busca da manifestação jurisdicional.56

De há muito o Brasil vem se ressentindo de uma justiça mais

rápida e, sobretudo, descomplicada para que se dê atendimento às camadas

mais humildes da população.57

Em decorrência dessa morosidade, Tourinho Filho, realiza

as seguintes ponderações:

Os constituintes de 1988, impressionados com o número astronômico de infrações de pouca monta a emperrar a máquina judiciária sem nenhum resultado prático, uma vez que, regra geral, quando da prolação da sentença, os réus eram beneficiados pela prescrição retroativa, ou absolvidos em virtude da dificuldade de se fazer a prova, e principalmente considerando a tendência do mundo moderno de adotar um Direito Penam mínimo, procuraram

56 CARVALHO, Roldão Oliveira de; CARVALHO NETO, Algomiro. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais. Comentários à Lei nº 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. 3 ed. São Paulo: Bestbook, 2002. p.26.

57 CARVALHO, Roldão Oliveira de; CARVALHO NETO, Algomiro. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. p. 33.

24

medidas alternativas que pudessem agilizar o processo, possibilitando uma resposta rápida do Estado à pequena criminalidade, sem o estigma do processo, à semelhança do que ocorria com a legislação de outros países”.58

Para Tourinho Filho, outro fator que impressionou e motivou

os constituintes desta época a buscarem uma solução para o processo e

julgamento das infrações de menor potencial ofensivo, foi a desproporção entre o

número de encarcerados e o número de celas, o que ocasionava constantes

rebeliões nas penitenciárias e casas de detenção, bem como as novidades

introduzidas nos ordenamentos europeus e os excelentes resultados que o

Juizado Especial de Pequenas Causas vinha apresentando no cível desde 1984.59

Já era adotado no Brasil o Juizados de Pequenas Causas

Cíveis, instituído pela Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984, que vinha

apresentando excelentes resultados, em razão dos critérios da oralidade,

informalidade, economia processual e celeridade.

Por outro lado, várias legislações, como a francesa e a

alemã, de há muito vinham, paulatinamente, substituindo o rígido princípio da

obrigatoriedade pelo da oportunidade da ação penal, concedendo ao órgão do

Ministério Público o poder de julgar da conveniência ou inconveniência da ação

penal, quando ”insignificantes as conseqüências do fato” ou quando “não

houvesse interesse público na persecução”.60

Todavia, o legislador buscava uma solução célere e efetiva à

Justiça, sem, contudo, despenalizar as infrações de pouca monta. E o simples

arquivamento não supria a essas expectativas.

Grinover esclarece:

58 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais

Criminais. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1. 59 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. p.

1. 60 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. p.

2.

25

Há muito tempo o jurista brasileiro preocupa-se com um processo penal de melhor qualidade, propondo alterações ao vetusto Código de 1940, com o intuito de alcançar um “processo de resultados”, ou seja, um processo que disponha de instrumentos adequados à tutela de todos os direitos, com o objetivo de assegurar praticamente a utilidade das decisões.(...)Paralelamente, havia-se percebido que a solução das controvérsias penais em certas infrações, principalmente quando de pequena monta, poderia ser atingida pelo método consensual. Outro lado a ser levado em conta consistia nas vantagens do procedimento oral, quando praticado em sua verdadeira essência: a concentração, a imediação, a identidade física do juiz conduzem à melhor apreciação das provas e à formação de um convencimento efetivamente baseado no material probatório colhido e nas argumentações das partes. Percebeu-se também que a celeridade acompanha a oralidade, levando à desburocratização e simplificação da Justiça.(...) Tudo isso, em última análise, inseria-se nas poderosas tendências rumo à deformalização do processo – tornando-o mais simples, mais rápido, mais eficiente, mais democrático, mais próximo da sociedade(...).61

O “Direito penal mínimo” (ou de intervenção mínima), no

conceito de Renato Marcão, por outro vértice, enxergando o Direito Penal como

ultima ratio, defende acertadamente a intervenção penal tão-só onde outros

ramos do Direito não apresentam soluções eficazes para os problemas que lhes

são afetos. Somente quando a resolução não for possível de ser alcançada dentro

da própria área de Direito, com as medidas a ela pertinentes, é que a questão

ingressaria no campo do Direito Penal em busca de solução através da imposição

de pena criminal, obviamente pressupondo o devido processo legal com todas as

garantias constitucionais.62

Dentro de todo esse contexto, do caos do sistema

penitenciário brasileiro, e da crescente corrente estrangeira que já adotava a

61 GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. 5. ed. rev., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 35. 62 MARCÃO, Renato. Apontamentos sobre influências deletérias dos Poderes Legislativo e

Executivo em matéria penal. (www. jus2.uol.com.br/doutrina/texto. asp%3Fid% 3D3602+tend%C3%AAncia+de+um+direito+penal+m%C3%ADnimo, acessado em 20.05.2008, às 02hs21min.)

26

tendência de um direito penal mínimo para a solução dos conflitos de pouca

repercussão na sociedade, é que os nossos constituintes se atentaram a

necessidade de uma revolução na prestação jurisdicional do país.

2.2 JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

Com os olhos voltados não só para os excelentes resultados

que os Juizados de Pequenas Causas vinham oferecendo, os constituintes, no

capítulo destinado ao Poder Judiciário, instituíram, por meio da norma contida no

art. 98, inciso I, da Constituição de 1988, os Juizados Especiais Criminais

Criminais.63

“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.”

Dentro dos princípios que orientam os Juizados Especiais

Criminais, os objetivos visados pela lei são a reparação dos danos sofridos pela

vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.64

2.2.1 Critérios

O art. 2º da Lei nº 9.099/95 disciplina que o processo

orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, simplicidade, economia

processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a

transação. Estes são princípios fundamentais que buscam garantir o amplo e fácil

acesso ao Judiciário, assim como buscam, sempre que possível, a conciliação

63 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. p.

6. 64 GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. p. 157.

27

entre as partes, sem, contudo, violar as garantias constitucionais do contraditório

e da ampla defesa.

Conforme explica Chimenti65 o art. 2º da Lei n. 9.099/95

utiliza a palavra critérios, que, contudo, são autênticos princípios que constituem

as bases do novo procedimento e as diretrizes que norteiam toda a interpretação

das normas a ele aplicáveis. São eles: a oralidade, a simplicidade, a

informalidade, a economia processual e a celeridade, com busca da conciliação e

da transação. As formas tradicionais de condução do processo devem ser sempre

afastadas, cedendo lugar à obediência aos princípios que regem o procedimento

especial. E eventuais decretações de nulidade devem ser precedidas da

comprovação de existência de prejuízo para a parte.

2.2.2 Composição

Dispõe a seção II desta Lei especial que o Juizado Especial

Criminal será provido por Juízes togados ou togados e Leigos. Os Juízes Leigos,

bem como os Conciliadores não exercem atividade jurisdicional, sendo

considerados auxiliares da Justiça, como expressamente determina o parágrafo

único do artigo 73 desta Lei.

Os Conciliadores são recrutados, preferentemente, entre

bacharéis em Direito, enquanto que os Juízes Leigos, entre advogados com mais

de cinco anos de experiência, é o que preceitua o art. 7º desta lei especial.

2.2.3 Competência

A competência do Juizado Especial Criminal é ratione

materiae e ratione loci. Concernente à primeira, ratione materiae, o artigo 61

dispõe que compete aos Juizados Especiais Criminais, nas infrações da sua

alçada, a conciliação, o processo, o julgamento e a execução e, quanto à

territorial, diz respeito ao lugar onde a infração foi praticada.

65 CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreia dos. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais Federais e estaduais. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 45.

28

2.2.3.1 Infrações Penais de Competência do Juizado Especial Criminal

Assim dispõe o artigo 98 da Carta Magna vigente, o qual

assegura que os Juizados Especiais Criminais, providos por juízes togados, ou

togados e leigos, são competente para a conciliação, o julgamento e a execução

pertinentes às infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os

procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a

transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

Chimenti66, ao falar da definição das infrações penais de

menor potencial ofensivo, explica que esta está estabelecida nos arts. 61 da Lei

nº 9.099/95 e 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259 de 12 de junho de 2001, que

institui os Juizados Especiais Criminais no âmbito da Justiça Federal, ou seja, são

infrações penais de menor potencial ofensivo as contravenções penais (qualquer

que seja a pena e ainda que previsto procedimento especial para o seu

processamento) e os crimes (previstos no Código Penal ou nas leis

extravagantes) a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos (pena

de reclusão ou de detenção), ou multa.

Em suma, são consideradas de menor potencialidade

ofensiva, para fim de fixação de competência dos Juizados, as infrações

sancionadas exclusivamente com pena de multa ou as privativas de liberdade que

não excedam dois anos.

2.2.3.2 Competência em razão do lugar

Dispõe o artigo 63 desta lei que a competência dos Juizados

Especiais Criminais será determinada pelo lugar em que foi praticada a infração

penal. Desta feita, observa-se que o legislador adotou o mesmo critério de

competência, em regra, da legislação processual penal, em seu art. 69, inciso I,

do Código de Processo Penal.

Eis a lição de Roldão de Oliveira Carvalho acerca do

assunto:

66 CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreia dos. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais Federais e estaduais. p. 252.

29

Entenda-se, quando a lei faz alusão ao “lugar em que foi praticada a infração penal”, como o local de sua consumação, ou seja, determina-se a competência pelo local em que foi consumada a infração penal. Não prevê a lei nenhum outro critério determinante da competência, a não ser o do lugar da infração penal.

Segundo o dicionário Aurélio, praticar é levar a efeito, fazer,

realizar, cometer, executar. Logo, esclarece Tourinho Filho67 que “infração

praticada” traduz a idéia de uma infração realizada, executada, ou, em linguagem

jurídico-penal, “consumada”. Consoando-se, desta feita, com a regra genérica do

Processo Penal fixada no art. 70.

Segundo a Conclusão de nº 5 do IX Encontro dos Juízes dos

Tribunais de Alçada do Brasil, estes entendem que “a competência no Juizado

especial Criminal pode ser fixada, tanto pelo local da ação, como pelo do

resultado”.

Contudo, doutrina e jurisprudência estão pacificadas no

sentido de que o entendimento de que “praticada” tem o sentido de executada,

consumada.

Todavia, no caso de não ser conhecido o local em que foi

consumada a infração penal, há que se valer, subsidiariamente, do Código de

Processo Penal, a fim de que se determine a competência para conciliação,

julgamento e execução dos processos de alçada dos Juizados Especiais

Criminais, no que não for incompatível com esta Lei, conforme dispõe o seu artigo

92 68.

Somente, então, quando não for conhecido o local da

infração, é que será determinada a competência pelo domicilio ou residência do

réu, nos termos do que dispõe o artigo 72 do Código de Processo Penal.

67 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. p.

63. 68 Art. 92. Aplicam-se subsidiariamente as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal,

no que não forem incompatíveis com esta Lei.

30

Algomiro Carvalho Neto69 ainda acrescenta que a

competência também é determinada pela prerrogativa de função, ou seja, as

pessoas que possuem foro privilegiado, serão processadas e julgadas pelos

órgãos jurisdicionais competentes, segundo disposição constitucional que, por

obviedade, não poderia ter sido modificada por lei infraconstitucional. Permanece,

pois, a competência originária dos Tribunais, mesmo que em outro local tenha

sido praticada a infração.

Outrossim, vale ressaltar que mesmo tratando-se de

exclusiva ação penal privada, o querelante não poderá optar pelo foro de domicilio

ou da residência do réu, mesmo quando conhecido o locus comissi delicti, nos

termos do artigo 73 do Código de Processo Penal. Isto ocorre, primeiro, porque a

lei 9.099/95 não conferiu tal prerrogativa à vítima/querelante, tornando-se inviável

e contraditória aos princípios que regem os Juizados Especiais Criminais e,

segundo, justifica-se a negativa, eis que o artigo 63 da Lei nº 9.099/95 é especial

e, por essa razão, deve prevalecer sobre o artigo 73 do Código de Processo

Penal, que é geral/genérico.

2.2.3.3 Exclusão da Competência do Juizado Especial Criminal

É importante ressaltar que não há elevação nem

rebaixamento de pena provenientes das agravantes e atenuantes previstas nos

arts. 61/62 e 65/66 do Código Penal, respectivamente, além dos parâmetros

legalmente previstos no tipo legal, ou seja, da pena cominada em abstrato. Desta

feita, não interferem na determinação da competência dos Juizados Especiais

Criminais.

Outrossim, as causas de aumento e diminuição (majorantes

e minorantes), bem como a tentativa e o arrependimento posterior, tipificados nos

arts. 14 e 16 do Código penal, admitem que a pena cominada seja abstratamente

calculada em prazo superior ou inferior ao máximo ou ao mínimo.

69 CARVALHO, Roldão Oliveira de; CARVALHO NETO, Algomiro. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais. Comentários à Lei nº 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. p.132.

31

De acordo com Tourinho Filho70, se a causa de especial

aumento resultar na ultrapassagem do limite quantitativo da pena (não pode

exceder a dois anos), a hipótese não pode ser levada ao Juizado Especial,

mesmo porque outro é o delito. Evidente que as circunstancias agravantes e

atenuantes não devem ser invocadas.

Sendo caso de concurso formal, material ou mesmo de

crime continuado (arts. 69 a 71 do Código Penal), os benefícios das Leis nº

9.099/95 e 10.259/01 somente devem ser aplicados caso a somatória da pena

não ultrapasse dois anos, eis que a soma ou a exasperação da reprimenda tem

como alicerce o maior potencial lesivo da atividade delituosa.

Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e

Luiz Flávio Gomes71 manifestam-se nos sentido de que “em nenhuma hipótese de

concurso de crimes deve ser levada em conta a soma das penas ou o aumento

decorrente do concurso”.

Nesse mesmo aspecto, o Enunciado 11 do FONAJE dita

que: “Não devem ser levados em consideração os acréscimos do concurso formal

e do crime continuado para efeito de aplicação da Lei nº 9.099/95”.

Assim, ao não considerar o acréscimo resultante da

continuidade delitiva ou do concurso formal, nem as somas da pena no concurso

material, observa-se que o legislador preocupou-se com a gravidade da infração

em si.

A Procuradoria de Justiça do Ministério Público do Estado de

São Paulo estabeleceu na Súmula 4/96 que “no concurso de crimes, as penas

cominadas serão consideradas isoladamente, para os fins, dos arts. 61 e 89 da

Lei nº 9.099/95”.

70 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. p.

61. 71 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; GOMES, Luiz Flávio.

Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09. p. 381.

32

Posteriormente, no IV Encontro Nacional de Coordenadoria

de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, de novembro de 1998, bem como no VI

Encontro Nacional da mesma Coordenadoria, em novembro de 1999, tal preceito

foi modificado, a fim de se excluir o concurso material.

A nova redação dada ao artigo 60 da Lei 9.099/95 e a

introdução de um parágrafo único determina a observância das regras de

conexão e continência. Assim estabelecendo:

Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006). Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis. (Incluído pela Lei nº 11.313, de 2006).

Isso implica dizer que, se havendo uma relação de

conexidade entre uma infração de menor potencial ofensivo e outra que não o

seja serão observadas as regras de conexão e continência, sem prejuízo dos

institutos da composição civil e da transação quanto à infração mirim, a fortiori

(com maior razão) na hipótese de as infrações conexas serem de menor potencial

ofensivo, sustenta Tourinho Filho 72.

Chimenti73 explica que verificada a prática de uma infração

penal de menor potencial ofensivo com outra de maior potencialidade ofensiva,

excluída da competência do Juizado Especial Criminal, prevalece a competencia

mais ampla do Juízo penal comum, da Justiça comum, que julgará as duas

infrações. Aplica-se, portanto, a regra de conexão prevista no artigo 78, incisso II,

do Código de Processo Penal.

72 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Criminais. p.

61. 73 CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreia dos. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais Federais e estaduais. p. 262.

33

Acerca do exposto, ensina Grinover74 que, “ficam também

excluídas do Juizado as infrações de menor potencial ofensivo que, em face de

conexão ou continência, devam ser processadas com outra infração estranha à

sua competência”.

Desta forma, ocorrendo um aparente conflito de

competência entre a Justiça Comum e o Juizado Especial Criminal este deve ser

dirimido pela aplicação das regras relativas à conexão de crimes. Vejamos:

Ocorrendo conexão ou continência entre a competência do Juizado e a do Juízo Comum, por força do disposto no artigo 79 do CPP, prevalecerá a competência deste último. O juízo de maior amplitude açambarca o de menor. É a aplicação do princípio da vis attractiva.75

E ainda:

Não podem ser apreciados pelo Juizado Especial os crimes de menor potencial ofensivo quando praticados em concurso com crimes que estão excluídos de tal competência . Impossibilitado o Juizado de apreciar o crime conexo, por incompetência absoluta, impõe-se à exclusão também da infração penal de menor potencial ofensivo, já que esta exige um processo e julgamento único, salvo quando se trata de separação obrigatória de processos, como no caso de concurso de crime da Justiça Ordinária e da Justiça Militar76.

Nesse sentido o Enunciado 10 do FONAJE, nos seguintes

termos: “Havendo conexão entre crimes da competência do Juizado Especial e do

Juízo Comum, prevalece à competência deste último”.

A exclusão da competência do Juizado Especial Criminal

também poderá ocorrer em face da não localização do acusado para ser citado,

eis que é inadmissível a citação editalícia no Juizado Especial.

74 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; GOMES, Luiz Flávio.

Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09. p. 71. 75 TOURINHO NETO Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais

Cíveis e Criminais. Comentários à Lei 10.259, de 10.7.2001. p. 511. 76 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099/95. Op. Cit.

p. 34.

34

Cabe transcrever o art. 66, parágrafo único da Lei nº

9.099/95 que dispõe sobre a matéria:

Art. 66 A citação será pessoal e far-se-á no próprio Juizado, sempre que possível, ou por mandado.

Parágrafo único. Não encontrado o acusado para ser citado, o Juiz encaminhará as peças existentes ao Juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei.

Convém destacar que caso encontrado o acusado

posteriormente a remessa das peças ao Juízo comum, a competência não é

restabelecida ao Juizado Especial Criminal.

Nesse sentido, são os termos do Enunciado 51 do FONAJE,

“’a remessa dos autos à Justiça Comum, na hipóteses do art. 66, parágrafo único,

da Lei nº 9.099/95 (enunciado 12)77, exaure a competência do juizado Especial

Criminal, que não se restabelecerá com localização do acusado”.

Por derradeiro, a exclusão da competência do Juizado

especial Criminal poderá se dar devido à complexidade da ocorrência ou

circunstância diversa que não possibilite o imediato oferecimento da denúncia.

Chimenti explica que caso o juiz, de ofício ou a requerimento

de alguma das partes, conclua que em razão de sua complexidade ou outras

circunstâncias o caso deve ser apreciado pela Justiça comum, para ela

encaminhará as peças disponíveis78.

Acerca do assunto, o Enunciado 18 do FONAJE, do seguinte

teor:

77 O Enunciado 12 do FONAJE foi substituído pelo Enunciado 64, do seguinte teor: “O processo

será remetido ao Juízo Comum após a denúncia, havendo impossibilidade de citação pessoal no Juizado especial Criminal, com base em certidão negativa do Oficial de Justiça, ainda que anterior à denúncia”.

78 CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreia dos. Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais e estaduais. p. 264.

35

Na hipótese de fato complexo, as peças de informação deverão ser encaminhadas à Delegacia Policial para as diligências necessárias. Retornando ao Juizado e sendo caso do art. 77, § 2º, da Lei nº 9.099/95, será encaminhado ao Juízo Penal Comum.

Conforme explica Roldão Oliveira de Carvalho, hipóteses de

complexidade do caso dá-se na necessidade, p. e., de realização de exames

imprescindíveis, perícias, concursos de crimes. Em qualquer destes casos,

mesmo na necessidade de exame complementar, as peças devem ser

encaminhadas ao Juízo Comum, para adoção do procedimento previsto em lei79.

Portanto, se dada à complexidade do caso, sendo

necessárias novas diligências, não for possível a formulação da denúncia, o

procedimento correto é o encaminhamento da denúncia.

2.2.4 Procedimento

A Lei nº 9.099/95, em seu Capítulo III, Seção III, introduz e

disciplina como sendo procedimento especial das infrações penais de menor

potencial ofensivo dos Juizados Especiais Criminais, o procedimento

sumaríssimo, o qual terá início já na audiência preliminar, desde que não tenha

ocorrido a transação penal, com aplicação de pena restritiva de direitos e multa.

Verificada a impossibilidade de transação penal e, tratando-

se de ação penal pública, a denúncia deverá ser oferecida de imediato pelo

Promotor de Justiça, de forma oral, a qual será reduzida a escrito.

Para Grinover 80 o procedimento sumaríssimo trata-se,

entretanto, de procedimento cuja aplicação aos casos concretos dependerá da

possibilidade de citação pessoal do acusado (art. 66, parágrafo único), bem como

da possibilidade de formulação oral da denúncia ou queixa, diante da pouca

complexidade e das circunstâncias do fato (art. 77, §§ 1º e 2º); do contrário, como

determinam as disposições mencionadas, as peças existentes serão

79 CARVALHO, Roldão Oliveira de; CARVALHO NETO, Algomiro. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais. Comentários à Lei nº 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. p. 159. 80 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; GOMES, Luiz Flávio.

Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. p 174.

36

encaminhadas ao juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei

(sumário dos crimes ou das contravenções).

Tourinho Filho acrescenta que se o autor de uma dessas

infrações de menor potencial ofensivo não comparecer à audiência preliminar, a

que se referem os artigos 72 (audiência conciliatória)81 e 76 (transação) desta lei,

ou se, por qualquer circunstância, não for possível a transação, e desde que não

haja complexidade nem exigência de maiores esclarecimentos, observar-se-á o

procedimento sumaríssimo. Observa ainda que, se a critério do Ministério Público,

o Termo Circunstanciado ou outra peça que o substitua, não contiver os

elementos imprescindíveis ao oferecimento da denúncia, deve o parquet requer

ao Juiz sua devolução à Delegacia de origem para a realização das diligências

necessárias, e quando conclusas devem retornar ao Juizado. 82

Chimenti esclarece acerca do autor do fato ausente aos atos

processuais:

O acusado que não comparecer à audiência preliminar será citado na forma dos arts. 66 e 68 da Lei n. 9.099/95, cientificado da data e horário da audiência de instrução e julgamento, bem como orientado sobre a apresentação de suas testemunhas, do prazo para eventual requerimento de suas intimações e da necessidade de seu comparecimento acompanhado de advogado. Na falta do advogado ou do advogado e do acusado, será nomeado um defensor dativo, prosseguindo-se normalmente com a audiência (arts. 68 e 81). Não encontrado o acusado para ser citado, o juiz encaminhará as peças existentes ao Juízo comum para adoção do procedimento previsto em lei (não cabe a citação por edital no Juizado Especial Criminal).83

81 Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato

e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidades da composição dos danos e da aceitação da proposta de apliacação imediata de pena não privativa de liberdade.

82 TOURINHO NETO Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Comentários à Lei 10.259, de 10.7.2001. p. 126-127.

83 CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreia dos. Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais e estaduais. p. 290/291.

37

O Enunciado 12 do FONAJE, acerca do assunto, esclarece

que: “O processo só será remetido ao juízo comum, após a denúncia e tentativa

de citação pessoal no Juizado Especial”.

Não estando presentes à audiência preliminar o ofendido ou

responsável civil, se for o caso, serão intimados a comparecerem à audiência de

instrução e julgamento, na forma do art. 67 desta Lei.84

Eis o disposto no artigo supra comentado:

Art. 67. A intimação far-se-á por correspondência, com aviso de recebimento pessoal ou, tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado, ou, sendo necessário, por oficial de justiça, independente de mandado ou carta precatória, ou ainda por qualquer meio idôneo de comunicação. Parágrafo Único. Dos atos praticados em audiência considerar-se-ão desde logo cientes as partes, os interessados e defensores.

Grinover85 comenta que apesar da informalidade que deve

dominar o processo perante os Juizados Especiais, é evidente que a peça

acusatória deve seguir os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal:

A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhal. Daí porque, a informalidade proclamada no art. 62 há de ser entendida à luz das garantias constitucionais. Segundo Chimenti86, quando oferecida a denúncia ou queixa

(já reduzida a termo), se possível entregar-se-á cópia ao acusado, que com ela

ficará citado e imediatamente cientificado da designação de dia e hora para a

audiência de instrução e julgamento, da qual também tomarão ciência o Ministério

84 CARVALHO, Roldão Oliveira de.; CARVALHO NETO, Algomiro. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais. Comentários à Lei nº 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. p. 161. 85 GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. p 178. 86 CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreia dos. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais Federais e estaduais. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 290.

38

público, o ofendido, o responsável civil e seus advogados. O acusado deverá sair

ciente de que poderá levar à audiência suas testemunhas ou apresentar

requerimento para intimação daquelas até cinco dias antes da data designada.

Todavia, observe-se, que o juiz, antes de receber a denúncia

ou queixa (art. 78 c/c o art. 81), designa dia e hora para a realização da audiência

de instrução e julgamento.

A cerca da audiência de instrução e julgamento, Roldão

Oliveira de Carvalho observa que:

Se na fase preliminar não houve possibilidade de conciliação ou de proposta pelo Ministério Público, como providência preliminar na audiência de instrução e julgamento, deve ser tentada a conciliação entre o acusado e o ofendido, dando-se oportunidade, por igual, de oferecimento de proposta pelo Ministério Público. (...) Mesmo que na audiência preliminar já se tenha tentado a conciliação e transação, embora sem êxito, nesta fase deve-se tentar novamente, passando-se para a instrução e julgamento somente após esta nova tentativa.87

É o artigo 79 da lei, nos seguintes termos, que dispõe sobre

a audiência de instrução e julgamento:

No dia e hora designados para a audiência de instrução e julgamento, se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação e de oferecimento de proposta pelo Ministério Público, proceder-se-á nos termos dos arts. 72, 73, 74 e 7588 desta Lei.

O autor do fato deverá apresentar requerimento para

intimação de suas testemunhas no mínimo cinco dias antes da realização da

audiência, sob pena de preclusão do seu direito.

87 CARVALHO, Roldão Oliveira de.; CARVALHO NETO, Algomiro. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais. Comentários à Lei nº 9.099/95, de 26 de setembro de 1995. p. 162. 88 Ao se referir ao art. 75 desta Lei, o legislador decaiu em erro, eis que pretendia se referir ao art.

76, do mesmo diploma legal.

39

Grinover89 lembra que é na denúncia oral que o promotor

deverá arrolar as testemunhas, normalmente aquelas mencionadas no Termo

Circunstanciado remetido pela autoridade policial ao Juizado Especial Criminal,

mas nada obsta que possa indicar outras, cuja existência e identidade tenham

sido referidas na audiência preliminar ou em outros elementos de informação

trazidos aos autos.

Embora não expresso em lei, o número de testemunhas a

serem arroladas admitidas no Juizado Especial Criminal é de até cinco em se

tratando de crime, e, de três, nas hipóteses de contravenções penais, para que

assim, não fira a finalidade do procedimento sumaríssimo.

Nesse sentido o Enunciado 28 do FONAJE, do seguinte

teor:

Em se tratando de contravenção as partes poderão arrolar até três testemunhas, e em se tratando de crime o número admitido é de cinco testemunhas, mesmo na hipótese de concurso de crimes.

O Enunciado 66 do FONAJE estabelece que “é direito do réu

assistir à inquirição das testemunhas, antes de seu interrogatório, ressalvado o

disposto no art. 217 do Código de Processo Penal 90. No caso excepcional de o

interrogatório ser realizado por precatória, ela deverá ser instruída com cópia de

todos os depoimentos, de que terá ciência o réu”.

Segundo Chimenti, na fase de instrução e julgamento,

quando imprescindível, o juiz pode determinar a condução coercitiva de quem

deva comparecer à audiência e não o fez voluntariamente. Ressaltando, também,

que a ausência injustificada do querelante devidamente intimado, contudo, implica

89 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; GOMES, Luiz Flávio.

Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. p. 178. 90 Código de Processo Penal, Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu, pela sua atitude,

poderá influir no ânimo da testemunha, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará retirá-lo, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor. Neste caso deverão constar do termo a ocorrência e os motivos que a determinaram.

40

perempção e não condução coercitiva, nos termos do art. 60 91, inciso III, do

Código de Processo Penal.92

O art. 80 da Lei nº 9.099/95 dispõe que “Nenhum ato será

adiado, determinando o Juiz, quando imprescindível, a condução coercitiva de

quem deva comparecer”.

Tourinho Filho, ao tratar do tema, realiza algumas

ponderações, nas quais explica que:

Se imprescindível, deverá o Juiz, zelando pelo princípio da celeridade e procurando evitar seu adiamento, determinar a condução coercitiva daquela cuja presença se impõe (testemunha, ofendido, acusado), isto é, o Juiz requisita reforço policial e o Oficial de Justiça, em companhia do Policial Militar, dirige-se ao local em que se encontre a testemunha, ofendido ou autor do fato, conduzindo-o ao Juizado. Claro: se essas pessoas estiverem na comarca e desde que o não-comparecimento não tenha sido justificado.93

Grinover94 também esclarece que quanto à condução

coercitiva do acusado, em razão de que este tem direito ao silêncio (art. 5º, LVIII,

CF)95, não se vê a possibilidade de tal medida para o interrogatório do réu; mas

91 Art. 60. Nos casos em que somente se procede mediante queixa, considerar-se-á perempta a

ação penal:

I - quando, iniciada esta, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias seguidos;

II - quando, falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo, para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36;

III - quando o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do processo a que deva estar presente, ou deixar de formular o pedido de condenação nas alegações finais;

IV - quando, sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor. 92 CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreia dos. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais Federais e estaduais. p. 291. 93 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais

Criminais. p. 133. 94 GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de

26.09.1995. p. 188. 95 Constituição da República Federativa do Brasil, Art. 5º, LVIII. O civilmente identificado não será

submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei.

41

se sua presença for absolutamente indispensável para o reconhecimento ou ato

diverso, a medida será cabível.

Todavia, o dispositivo acima comentado não deve ser

inflexível, adequando-se ao caso concreto, havendo um motivo justo para o não

comparecimento do réu, testemunha ou ofendido, ou em caso de força maior,

haverá adiamento. Isso em decorrência dos princípios constitucionais do

contraditório e da ampla defesa96. Com efeito, o art. 80 desta Lei visa que o

processo chegue a seu termo rapidamente, enfatizando, desta feita, a

característica de celeridade que devem ser regidos os Juizados Especiais

Criminais.

Conforme explica Grinover, visando a celeridade

procedimental, a Lei 9.099/95 inovou em relação à proposição da prova de

defesa. Como se sabe, no sistema do Código de Processo Penal a prova da

defesa deve ser indicada na defesa prévia, no tríduo após o interrogatório. No

procedimento sumaríssimo aqui tratado, a defesa prévia (resposta à acusação) é

feita no início da audiência de instrução e julgamento e o interrogatório constituirá

ato final da instrução probatória.97

Isso implica dizer que, não havendo a conciliação, será dada

a palavra ao defensor do acusado para responder à acusação, ato que,

corresponde a defesa prévia do procedimento comum.

96 Gustavo Arthur Coelho Lobo de Carvalho, leciona que: “Nossa Lei Maior situou os destacados

princípios conjuntamente em seu inciso LV, artigo 5º: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes”. (...)Vicente Greco Filho sintetiza o princípio do contraditório de maneira bem prática e simples: “O contraditório se efetiva assegurando-se os seguintes elementos: a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação; b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar pedido inicial; c) a oportunidade de produzir prova e se manifestar sobre a prova produzida pelo adversário; d) a oportunidade de estar presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; e) a oportunidade de recorrer da decisão desfavorável. (...)Nesse mesmo delineamento, insurge-se o princípio da ampla defesa, que traduz a liberdade inerente ao indivíduo (no âmbito do Estado Democrático) de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas”. Extraído de http://209.85.215.104/search?q=cache:otXCD7YC1nEJ:jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp%3Fid%3D2515+princ%C3%ADpio+contradit%C3%B3rio&hl=pt-BR&ctbr, em 14.05.2008

97 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. p. 184.

42

É o art. 81 desta lei que dispõe sobre a audiência de

instrução e julgamento, nos seguintes termos:

Art. 81. Aberta a audiência, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o que o Juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa; havendo recebimento, serão ouvidas a vítima e as testemunhas de acusação e defesa, interrogando-se a seguir o acusado, se presente, passando-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença. § 1º Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, podendo o juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias. § 2º De todo o ocorrido na audiência será lavrado termo, assinado pelo Juiz e pelas partes, contendo breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência e a sentença. § 3º A sentença, dispensado o relatório, mencionará os elementos de convicção do juiz. Aberta a audiência, se não obtida a conciliação, será dada a

palavra ao defensor para responder à acusação, após que o juiz receberá

(independentemente de fundamentação) ou rejeitará (em decisão fundamentada

sujeita à apelação – art. 82 da Lei nº 9.099/95) a denúncia ou a queixa.98

Com efeito, observa-se que há uma antecipação do

momento processual em relação a proposição das provas de defesa.

Oferecida, portanto, a defesa do acusado, o Juiz receberá,

ou não, a denúncia ou queixa.

Sobre os efeitos do recebimento da denúncia ou queixa, eis

a lição de Roldão Oliveira de Carvalho:

Sendo recebida a denúncia ou queixa, passa-se à instrução do feito, com o conseqüente julgamento final. Em primeiro lugar será ouvido o ofendido, após serão ouvidas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, pela ordem, e, finalmente, passa-se ao interrogatório do acusado.

98 CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreia dos. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais Federais e estaduais. p. 291.

43

Sobre a produção das provas a que se refere o § 1º do artigo

acima, explica Chimenti que, todas as provas serão produzidas na audiência de

instrução e julgamento, tendo o juiz ampla liberdade para limitar ou excluir as que

entender excessivas, impertinentes (que não dizem respeito aos fatos apurados)

ou protelatórias. E complementa, ao afirmar que, excessiva é a prova que serve

apenas para confirmar aquilo que de forma segura já está provado. Impertinente é

a prova que não diz respeito ao objeto da demanda. Protelatória é a prova

manifestamente inútil, cuja produção servirá tão-somente para adiar a solução do

processo.99

O termo de audiência conterá o breve resumo dos fatos

ocorridos em audiência como o dia, local e hora da audiência, as pessoas que

estiveram presentes, aludindo as provas nela colhidas, bem como as

manifestações das partes.

A sentença, por sua vez, contrariando o procedimento

comum , e respeitando o princípio da celeridade processual, dispensa o relatório,

contentando-se apenas com a fundamentação.

Rejeitada a denúncia ou queixa, o Juiz encerrará o

processo, determinando o seu arquivamento. Contra a decisão que rejeita a

denúncia ou a queixa será cabível o recurso de apelação, nos termos do art. 82,

caput, desta Lei:

Art. 82. Da decisão de rejeição da denúncia ou queixa e da sentença caberá apelação, que poderá ser julgada por turma composta de três juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado. § 1º A apelação será interposta no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença pelo Ministério Público, pelo réu e seu defensor, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente. § 2º O recorrido será intimado para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias.

99 CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreia dos. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais Federais e estaduais. p. 292.

44

§ 3º As partes poderão requerer a transcrição da gravação da fita magnética a que alude o § 3º do art. 65 desta Lei. § 4º As partes serão intimadas da data da sessão de julgamento pela imprensa. § 5º Se a sentença for confirmada pelo próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.

A Lei nº 9.099/95 reconhece o recurso de apelação, a qual

deverá ser interposta por petição escrita, e no prazo de dez dias, contados da

ciência da sentença pelas partes, em apenas três hipóteses: a) da sentença que

aplica a pena restritiva de direitos ou multa em decorrência da transação penal

ofertada pelo Ministério Público ao autor do fato, nos termos do § 5º do art. 76; b)

da sentença proferida no procedimento sumaríssimo de que trata o § 3º do art. 81;

e c) da decisão que rejeita a denúncia ou queixa.

Admitida a apelação, a resposta do ocorrido será oferecida

também por escrito, no prazo de dez dias após sua intimação. Referida intimação

será feita pessoalmente, se o destinatário for o Ministério Público ou o defensor

público ou, se se tratar de advogado constituído, pela imprensa, nos termos do

art. 370, § 2º, do Código de Processo Penal.100

A atribuição do julgamento desse recurso se dá por uma

turma de recurso, composta de três juízes em exercício no primeiro grau de

jurisdição da respectiva comarca, em consonância com o art. 98, I, da

Constituição Federal.

100 Código de Processo Penal, Art. 370. Nas intimações dos acusados, das testemunhas, e demais

pessoas que devam tomar conhecimento de qualquer ato, será observado, no que for aplicável, o disposto no Capítulo anterior.

§1 º A intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado.

§ 2º Caso não haja órgão de publicação dos atos judiciais na comarca, a intimação far-se-á diretamente pelo escrivão, por mandado ou via postal com comprovante de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo.

§ 3º A intimação pessoal, feita pelo escrivão, dispensará a aplicação a que alude o § 1º.

§ 4º A intimação do Ministério Público e do defensor nomeado será pessoal.

45

É evidente que o juiz que sentenciou a causa, ou proferiu

qualquer outra decisão no curso do procedimento, inclusive na fase preliminar,

estará impedido de participar do julgamento do recurso pela turma (art. 252, III,

CPP).101

Embora não expresso na Lei 9.099/95, é obrigatória a

manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça sobre a apelação (art. 610, caput,

CPP)102.

Roldão Oliveira de Carvalho, esclarece acerca da

obrigatoriedade da participação do Ministério Público, no julgamento dos recursos

de apelação, nos seguintes termos:

Na sessão de julgamento será admissível a sustentação oral, devendo a Procuradoria Geral de Justiça indicar um promotor de Justiça em exercício no primeiro grau de jurisdição para acompanhar o julgamento dos recursos. O Promotor de Justiça a ser indicado pela PGJ atuará junto às Turmas Julgadores em todos os julgamentos de recursos. Sendo a sentença confirmada por seus próprios fundamentos a súmula do julgamento servirá de acórdão.

Grinover, ao tratar do tema, realiza algumas ponderações,

nas quais explica que:

A motivação das decisões judiciais constitui exigência inscrita na própria Constituição (art. 98, I) e representa não somente um requisito de ordem técnica, permitindo o conhecimento do raciocínio do julgador, com vistas especialmente a uma possível impugnação, mas sobretudo exerce uma função de garantia, assegurado às partes a efetiva consideração de seus pedidos,

101 Código de Processo Penal, Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:

III – tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão.

102 Código de Processo Penal, Art. 610. Nos recursos em sentido estrito, com exceção do de habeas corpus, e nas apelações interpostas das sentenças em processo de contravenção ou de crime a que a lei comine pena de detenção, os autos irão imediatamente com vista ao procurador-geral pelo prazo de cinco dias, e, em seguida, passarão, por igual prazo, ao relator, que pedirá designação de dia para julgamento.

Parágrafo único. Anunciado o julgamento pelo presidente

46

provas e alegações e, igualmente à sociedade um controle sobre a forma pela qual é exercida a jurisdição. Certamente com o propósito de simplificar os julgamentos de segundo grau pelas turmas recursais, permitiu a Lei. 9.099/95 que a motivação, no caso de confirmação da sentença pelos próprios fundamentos, esteja resumida na própria súmula do julgamento. Trata-se de denominada motivação per relationem, na qual o julgador não emite expressamente as razões de sua decisão, mas faz remissão aos motivos expressos em outro pronunciamento.

Em ocorrendo caso de obscuridade, contradição, omissão

ou dúvida em sentença ou acórdão, poderão ser opostos os embargos de

declaração, nos termos do art. 83 desta Lei.103

Sustenta Tourinho Filho que os embargos declaratórios têm

natureza recursal, tendo como finalidade reparar o gravame produzido às partes

em decorrência de obscuridade, contradição, omissão ou dúvida existente na

decisão embragada. 104

E ainda complementa:

A Lei 9.099/95 introduziu uma inovação, talvez mesmo por ter adotado para o processo os critérios da simplicidade, informalidade e celeridade: os embargos podem ser opostos verbalmente, mas, nesse caso, por óbvio, devem ser reduzidos a termo, mesmo porque verba volant scripta manet.

Os embargos devem ser dirigidos ao Juiz que tiver atuado

no feito, ou, em caso de acórdão, ao Relator. A Lei 9.099/95 estabeleceu o prazo

para interposição dos embargos de declaração em 05 (cinco) dias, contados da

data em que a parte tomou ciência da decisão.

103 Art. 83. Caberão embargos de declaração quando, em sentença ou acórdão, houver

obscuridade, contradição, omissão ou dúvida.

§ 1º Os embargos de declaração serão opostos por escrito ou oralmente, no prazo de cinco dias, contados da ciência da decisão.

§ 2º Quando opostos contra sentença, os embargos de declaração suspenderão o prazo para o recurso.

§ 3º Os erros materiais podem ser corrigidos de ofício. 104 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais

Criminais. p. 173.

47

Quando os embargos forem opostos contra sentença,

suspendem o prazo para recurso. Os embargos apenas suspendem o prazo

voltando a fluir, após o seu julgamento, pelo que restava.105

Tourinho Filho106 lembra que o Ministério Público pode

entender que o fato é atípico, que não há respaldo probatório, que a infração é de

bagatela, e, nesse caso, requererá o arquivamento. Se o juiz acolher suas razões,

determina-lo-á. Caso seja diverso seu entendimento, aplicará o artigo 28 do

Código de Processo Penal.

O Código de Processo Penal delibera em seu artigo 28 que:

Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

Eis a lição de Grinover acerca do assunto:

Isso só indica, no entanto, a necessidade de um exame prima facie do que resulta do termo circunstanciado: assim, se houver falta de tipicidade, ocorrência de prescrição ou inimputabilidade, o Ministério Público deverá pedir o arquivamento.107

Em suma, o procedimento sumaríssimo adotado pelos

Juizados Especiais Criminais visa uma célere prestação jurisdicional com maior

efetividade, e tem como finalidade evitar que os crimes de menor potencial

ofensivo e as infrações penais, tidos como de pouca repercussão, venham a se

arrastar por vários anos e afogar ainda mais o sistema judiciário brasileiro.

105 CARVALHO, CARVALHO, Roldão Oliveira de.; CARVALHO NETO, Algomiro. Juizados

Especiais Cíveis e Criminais. p. 171. 106 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais

Criminais. p. 126. 107 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; GOMES, Luiz Flávio.

Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. p. 152.

CAPÍTULO 3

DA LEI Nº 9.099/95 E A FUNÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

No capítulo anterior, verificou-se que a atuação do Ministério

Público nos Juizados Especiais Criminais é bastante ativa, principalmente na sua

função de fiscal da Lei. Neste capítulo, se abordará a atuação do Ministério

Público de forma mais específica nos institutos da transação penal e suspensão

condicional do processo.

3.1 A ATUAÇÃO NO MINISTÉRIO PÚBLICO NA LEI Nº 9.099/95

No âmbito dos Juizados Especiais Criminais, a atuação do

Ministério Público decorre da competência territorial do órgão, conforme dispõe o

o art. 63 da Lei nº 9.099/95.

A presença do Ministério Público em todos os atos da Lei nº

9.099/95, seja na audiência de conciliação (art. 72), transação penal (art. 76) ou

suspensão condicional do processo (art. 89), tornou-se indispensável, pois cabe a

esta Instituição, ao parquet, velar pela legalidade dos atos, fiscalizar o respeito à

ordem jurídica, bem como requerer ao Juiz a correção de eventuais

irregularidades ou ingressar com as medidas judiciais cabíveis, quando

necessário.

3.2 O MINISTÉRIO PÚBLICO E A TRANSAÇÃO PENAL

Havendo representação por parte da vítima ou tratando-se

de crime de ação penal pública incondicionada, e depois de analisado, visto não

tratar-se de caso de arquivamento, o Ministério público poderá propor a transação

penal, que poderá consistir na a aplicação de pena restritiva de direitos ou multa,

especificando a proposta, é o entendimento do artigo 76 desta lei.

49

Frise-se, por oportuno, que, tanto para a ação pública

condicionada como para a ação de iniciativa do ofendido, a homologação do

acordo civil acarreta a renúncia tácita ao direito de representação ou queixa.

Assim, só na hipótese de não terem os partícipes se conciliado quanto aos danos

civis, com a correspondente homologação do acordo, a audiência de conciliação

prosseguirá, com a tentativa de transação penal.108

A Transação Penal está consagrada no art. 76 da Lei nº

9.099/95, o qual dispõe:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta. Sérgio Turra Sobrane define a transação penal como:

O ato jurídico através do qual o Ministério Público e o autor do fato, atendidos os requisitos legais, e na presença do magistrado, acordam em concessões recíprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela prática de fato típico, mediante o cumprimento de uma pena consensualmente ajustada.109

Damásio de Jesus diz tratar-se de um negócio entre o

Ministério Público e a defesa, possibilitando-se ao juiz, de imediato, aplicar uma

pena alternativa ao autuado, justa para a acusação e defesa.110

Acerca do que consiste a transação penal Dotti esclarece:

É medida alternativa que visa impedir a imposição de pena privativa de liberdade, mas não deixa de constituir sanção penal. Como o próprio dispositivo estabelece, claramente, a pena será aplicada de imediato, ou seja, antecipa-se a punição. E pena no sentido de imposição estatal, consistente em perda ou restrição de

108 GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099 de

26.09.1995. p. 151. 109 SOBRANE, Sérgio Turra. Transação Penal. São Paulo: Saraiva, 2001. 110 JESUS, Damásio Evangelista. Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada. São Paulo:

Saraiva, 1995. p. 62.

50

bens jurídicos do autor do fato, em retribuição à sua conduta e para prevenir novos ilícitos.111

A Transação Penal é, portanto, ato jurídico bilateral, através

do qual o representante do Ministério Público, que é titular privativo da ação penal

(art. 129, I, CF), propõe um acordo ao autor do fato, desde que presentes os

pressupostos objetivos e subjetivos previstos no dispositivo acima. Aceita a

proposta pela parte e seu defensor, é submetida à apreciação judicial para o

acolhimento (§§ 3º e 4º), se for o caso, e aplicação da pena restritiva de direitos

ou pena pecuniária (multa), nos exatos termos do dispositivo legal acima citado,

cabendo apelação dessa sentença (§ 5º do art. 76).

A tentativa de transação só deve ocorrer nos casos em que

não seja cabível o pedido de arquivamento. Cabe ao Ministério Público o poder-

dever de solicitar o arquivamento nos casos do art. 28 do Código de Processo

Penal, que se aplica integralmente às infrações de menor potencial ofensivo.

A proposta de transação penal não é alternativa ao pedido

de arquivamento, mas algo que pode ocorrer somente nas hipóteses em que o

Ministério público entenda deva o processo penal ser instaurado. Assim, se

houver falta de tipicidade, ocorrência de prescrição ou inimputabilidade, o

Ministério Público deverá pedir o arquivamento.112

Tourinho Filho realiza as seguintes ponderações a respeito

do assunto:

Tratando-se de infração subordinada à ação penal pública condicionada à representação ou incondicionada, bem poderá o Promotor de Justiça, antes de mais nada, se o fato for atípico, ou se se cuidar de infração de bagatela, por exemplo, requerer o arquivamento do Termo Circunstanciado ou de outras peças que venham a substituí-lo, cabendo ao Juiz, se discordar das razões

111 DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

p. 433. 112 GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099 de

26.09.1995. p.151.

51

invocadas, aplicar a regra do art. 28 do CPP, remetendo os autos à Procuradoria-Geral da República.113

Portanto, estando as partes presentes, não sendo requerido

o arquivamento e não ocorrendo nenhuma das hipóteses previstas nos itens I, II e

III do § 2º do artigo 76 da Lei nº 9.099/95114, o Ministério Público “poderá” propor a

aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou “multas”, a ser especificada na

proposta.115

Com efeito, o Ministério Público só poderá formular a

proposta de transação penal quando estiver convencido da necessidade de

instauração de ação penal.

Segundo ensinamentos de Grinover,

Embora a lei só se refira ao ministério público, como proponente da imediata aplicação de pena não privativa da liberdade, nada impede que a iniciativa da apresentação da proposta seja do próprio autuado, assistido por seu advogado. Esse entendimento não é apenas sufragado pelo princípio constitucional da isonomia, como ainda se coaduna com a técnica processual adotada pelo legislador, no tocante à informalidade da audiência de conciliação. (...) Não importa de quem é a iniciativa da proposta, o que

113 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais

Criminais. p. 103. 114 § 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado: I – ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva; II – ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo; III – não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção de medida. § 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz. § 4° Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas pra impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos. § 5º Da sentença prevista no parágrafo anterior caberá a apelação referida no art. 82 desta Lei. § 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeito civis, cabendo ao interessado propor ação cabível no juízo cível. 115 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais

Criminais. p. 104.

52

interessa é que seja discutida entre os protagonistas da audiência de conciliação, sob a orientação do juiz.116

O disposto no art. 76 da Lei nº 9.099/95 afirma que o

Ministério público e, por analogia, o querelante na queixa-crime das infrações

penais de menor potencial ofensivo “poderá propor a aplicação imediata de pena

restritiva de direitos ou multa”. Contudo, por deter apenas o Ministério Público da

legitimidade ativa á ação, ainda quando ocorra a substituição processual, deve o

parquet limitar-se a opinar.

É possível, pois, a transação nos delitos de alçada privada.

A propósito, também, o Enunciado nº 26 do VI Encontro Nacional de

Coordenadoria de Juizados Especiais Cíveis e Criminais: “Cabe transação e

suspensão condicional do processo também na ação penal privada”. No mesmo

sentido a 11ª conclusão da Comissão Nacional da Escola Superior de

Magistratura: “O disposto no art. 76 abrange os casos de ação penal privada”’.117

Roldão Oliveira de Carvalho, tece alguns breves

comentários acerca da expressão “poderá propor” encontrada no caput do art. 76

da Lei nº 9.099/95, nos quais explica que:

O Ministério Público, estando presentes todos os pressupostos para a proposta de transação, não pode recusar-se à transação e passar direto ao oferecimento da denúncia oral. O poder a ele conferido é um poder-dever, devendo ser interpretada a expressão “poderá” como “deverá”, caso estejam presentes todos os requisitos para a concessão do benefício. A transação, é antes de tudo, um direito subjetivo do autor do fato. Recusando-se o Ministério Público a tentar a transação sem motivo justo, pode o próprio autor do fato, seu defensor ou mesmo o Juiz, fazer a proposta, tentando dessa forma a aplicação da pena de multa ou restritiva de direitos. Presentes os pressupostos da transação, é obrigação do Ministério Público tentá-la(...).118

116 GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099 de

26.09.1995. p. 152. 117 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais

Criminais. p. 110. 118 CARVALHO, Roldão Oliveira de. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. p. 151.

53

Portanto, o “poderá” em questão não indica mera faculdade

concedida ao membro do Ministério Público, mas um poder-dever, a ser exercido

pelo acusador em todas os casos que não se configurem as condições do § 2º do

art. 76 da lei especial.

Tourinho Filho comenta que a transação é ato bilateral em

que cada uma das partes procura ceder até chegar a um denominador comum.

Entenda-se: esse acordo somente será possível se estiverem satisfeitos os

requisitos objetivos e subjetivos exigidos pela lei. Estando, o Ministério Público

pode propor a aplicação de multa ou de uma pena restritiva de direito dentre

aquelas no art. 43 do Código Penal: a) prestação pecuniária; b) perda de bens e

valores; c) prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; d)

interdição temporária de direitos; e) limitação de fim de semana. E ressalta, ainda,

que nada impede que o autor do fato sugira uma pena restritiva de direito diversa

da pretendida pelo órgão oficial da Acusação, ou, em contra-proposta, avente a

pena de multa.119

Para Roldão Oliveira de Carvalho, ainda, é possível,

conforme expressamente previsto no art. 5º, inciso XLVI, letra d, da Constituição

Federal, a aplicação de pena de prestação social alternativa, como no caso de

doação de cestas básicas, ajuda para entidades filantrópicas ou de caráter

público, entre outras. Comenta o autor que, tal iniciativa tem se mostrado de

grande utilidade e praticidade, beneficiando a própria comunidade onde é

praticada a infração, com a destinação da prestação social alternativa para

entidades filantrópicas ou públicas.120

Por não ser obrigatória a aceitação da proposta, Grinover

esclarece que, o autor do fato, seguro de sua inocência e devidamente orientado

por seu defensor técnico, poderá preferir responder ao processo para lograr

119 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais

Criminais. p. 42. 120 CARVALHO, Roldão Oliveira de. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. p. 150.

54

absolvição. Ou poderá não concordar com os termos da proposta formulada e,

considerando seus prós e contras, escolher a via jurisdicional.121

Outrossim, para que a proposta seja homologada pelo juiz,

deve ser necessária e expressamente aceita pelo autor do fato e por seu defensor

jurídico. Isso implica dizer que, sem aceitação do autor do fato não existe a

transação penal.

Havendo divergências entre o autor do fato e seu defensor

quanto à aceitação ou não da proposta de transação penal, prevalece a vontade

do autor do fato, conforme consta da 15º Conclusão da Comissão da Escola

Nacional de Magistratura122, nos seguintes termos:

“Quando entre o interessado e seu defensor ocorrer divergência quanto à aceitação de proposta de transação penal e suspensão condicional do processo, prevalecerá a vontade do primeiro”

Eis que a manifestação de vontade do autor do fato é

pessoalíssima, voluntária, absoluta, formal, vinculante e tecnicamente assistida.123

A aceitação da transação penal pelo autor do fato configura

submissão voluntária à pena não privativa de liberdade, mas não pressupõe

reconhecimento de culpabilidade penal. O que resta comprovado pela proibição

de registro criminal, salvo para impedir nova concessão de benefício da transação

penal no prazo de cinco anos (art. 76, §§ 4º e 5º, da Lei nº 9.099/95).

Se a pena se tratar de prestação pecuniária, a proposta

deverá especificar o valor da multa, e sendo ela a única aplicável, poderá o Juiz

reduzi-la até a metade, quando entendê-la injusta, não sendo o caso, deverá,

ainda, especificar a duração da pena restritiva de direitos.

Nesse sentido, Tourinho Filho:

121 GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099 de

26.09.1995. p. 163. 122 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais e Estaduais. p.

282. 123 GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099 de

26.09.1995. p. 163.

55

O Promotor, ao formular a sua proposta, deverá proceder de maneira a não gerar a menor dúvida. Ela deverá ser bem especificada. Se se tratar de multa, torna-se necessária a indicação do seu valor. Se medida restritiva de direito, dizer qual delas. Mesmo que a pena in abstracto à infração seja exclusivamente de liberdade, ainda assim a proposta não pode ser outra senão uma daquelas já indicadas: multa ou restritiva de direitos. Diga-se o mesmo se à infração for cominada tão-somente pena de multa. Ainda cabe ao juiz, a seu exclusivo critério, diminuí-la até a metade.124

Tampouco a transação penal implica no reconhecimento de

responsabilidade civil, já que não se trata de uma das hipóteses em que faz coisa

julgada no cível e não ter havido exercício do contraditório.

Caso o Ministério Público descumpra seu poder-dever de

formular a proposta de transação penal, não cabe a hipótese do juiz fazer a

proposta de ofício. Eis que, como Grinover salienta, configuraria, por certo,

atribuição ao juiz de poderes equivalentes aos da movimentação ex officio da

jurisdição, hoje proibida em nível constitucional para a ação penal pública (art.

129, I, CF) e banida pela própria Lei nº 9.099/95. Permitir que o juiz homologue

uma transação penal, que elimina ou suspende o processo, contra a vontade do

Ministério Público, significa retirar deste o exercício do direito de ação, de que é

titular exclusivo, em termos constitucionais.125

A recusa do representante do Ministério público em ofertar a

proposta de transação deve ser fundamentada, nos termos da Súmula 17 da

Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo sobre a Lei nº 9.099/95. Trata-se,

portanto, de um poder-dever do membro do Ministério Público.126

Considerando improcedente as razões invocadas pelo

parquet para a não propositura da transação penal, deve o Juiz, por aplicação

124 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais

Criminais. p. 114. 125 GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099 de

26.09.1995. p. 154. 126 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais e Estaduais. p.

280.

56

analógico, remeter ao Procurador-Geral de Justiça, nos termos do art. 28 do

Código de Processo Penal, o Termo Circunstanciado ou outras peças

informativas, com a devida manifestação ministerial, cabendo ao Procurador,

Chefe do Ministério Público, insistir na não formulação da proposta, ou designar

que outro Promotor de Justiça a faça127. Outrossim, nada impede que próprio

Procurador-Geral possa fazê-la.

Conforme dispõe o Enunciado 13 do FONAJE: “É cabível o

encaminhamento de proposta de transação através de carta precatória”. Contudo,

a homologação ou não do eventual acordo compete ao juiz deprecante.

As normas do art. 76 da lei especial, por terem natureza

preponderantemente penal, aplicam-se retroativamente, até o limite da coisa

julgada, colhendo todos os casos em andamento. Têm elas plena incidência a

Justiça Federal comum e na Justiça Eleitoral. 128

3.2.1.1 Constitucionalidade

A extraordinária discussão e divergência doutrinária e

jurisprudencial acerca da constitucionalidade do instituto da transação penal gira

em torno da culpabilidade do autor do fato, bem como da sua eficácia como

instrumento despenalizador.

Salutar se faz lembrar que a transação penal tem assento

constitucional, conforme está exposto no art. 98, inciso I da Constituição da

República de 1988. Todavia, foi a Lei nº 9.099/95 que especificou em quais

hipóteses e momentos esta seria aplicada.

Na transação penal o autor do fato aceita, espontaneamente

e com a ciência de seu defensor, a proposta do Ministério Público, com a

finalidade de evitar ser processado.

127 É vedado ao Promotor designado insistir na não-formulação da proposta de transação penal. 128 GRINOVER, Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099 de

26.09.1995. p. 173.

57

Porquanto, o que o autor do fato aceita é uma sanção, uma

medida a ser cumprida para que se evite um processo. Por não existir sequer

acusação, não se discute, nesse momento, a culpabilidade do autor do fato.

Portanto, o autor do fato, não tem violado nenhum dos princípios constitucionais

que orientam o processo penal, tais como o devido processo legal, ampla defesa

e contraditório.

Na lição de Julio Fabbrini Mirabete:

Não se viola o princípio do devido processo legal porque a própria constituição prevê o instituto, não obrigando a um processo formal, mas a um procedimento oral e sumaríssimo (art. 98, I, CF/88) para o Juizado Especial Criminal e, nos termos da lei, estão presentes as garantias constitucionais de assistência do advogado, de ampla defesa, consistente na obrigatoriedade do consenso e na possibilidade de não aceitação da transação. Trata-se da possibilidade de uma técnica de defesa concedida ao apontado como autor do fato.

Grinover comenta a respeito do reconhecimento da

culpabilidade:

Na técnica da lei, a natureza jurídica da aceitação da proposta é de submissão voluntária à sanção penal, mas não significa reconhecimento da culpabilidade penal, nem de responsabilidade civil. Com efeito, quanto à inexistência do reconhecimento da culpabilidade, deve-se notar que: a) a sanção é aplicada antes mesmo do oferecimento da denúncia, na audiência prévia de conciliação; b) a aplicação da sanção não importa em reincidência (§ 4º do art. 76) c) a imposição da sanção não constará de registros criminais, alvo

para efeito de impedir nova transação penal no prazo de cinco

anos, nem de certidão de antecedentes ( §§ 4º e 6º do art. 76).

Portanto, a aceitação da proposta, livre e tecnicamente

orientada, não importa em vulneração a qualquer garantia constitucional.129

129 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei

58

3.2.1.2 Homologação ou Controle Jurisdicional

Possível a formulação da proposta e uma vez aceita pelo

autor do fato e seu Defensor, será ela submetida à consideração do Juiz, para

que seja homologada.

Segundo Grinover, a proposta, devidamente aceita, é então

submetida ao controle jurisdicional. Fechando-se, assim, o círculo da

discricionariedade regrada adotada pela nova lei, balizada como é pela

regulamentação legal e sujeita à fiscalização do Poder Judiciário.130

Para Roldão Oliveira de Carvalho Neto, a atuação do Juiz,

por não ser mero expectador da atividade que se desenrola na audiência, será de

analisar a legalidade da transação efetuada e proceder à sua homologação, ou

não, aplicando a pena proposta.

Mirabete afirma que,

Não cabe ao Juiz avaliar o valor da proposta, se vantajosa para o Estado ou para o infrator, verificando apenas a legalidade da adoção da medida proposta, tratando-se, como se trata, de conciliação entre as partes em que se obedeceram aos requisitos legais. Se assim o fizer, interferindo na transação, o juiz estará ofendendo o princípio do devido processo legal e ferindo o princípio da imparcialidade e o sistema acusatório, em que há nítida separação entre as funções do Ministério Público e do Poder Judiciário.131

E acrescenta:

A decisão homologatória não implica atividade meramente chancelatória por parte do Juiz, ao qual incumbe o controle da legalidade da proposta. Verificando este que a transação é cabível, em tese, por se tratar de infração penal de menor potencial ofensivo, e que houve aceitação do autor do fato e de

9.099 de 26.09.1995. p. 165.

130 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei 9.099 de 26.09.1995. p. 166.

131 MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: Comentários, Jurisprudências, Legislação. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 149.

59

seu advogado, deve homologar a transação, impondo a pena acordada, podendo diminuí-la de metade quando se tratar de multa. Nesta fase, o Juiz deverá analisar a legalidade da proposta

efetuada pelo Ministério Público, bem como se houve aceitação

por parte do autor do fato e seu defensor. Destarte, o Juiz

verificará se estão presentes os requisitos legais, os pressupostos

para a efetuação da proposta e para a realização da transação.

Caso não estejam presentes, o Juiz não acolherá a proposta do

Ministério Público e conseqüentemente não homologará a

transação."132

Acolhendo a proposta que lhe é submetida, o juiz aplicará a

pena restritiva de direitos ou multa, sendo que da sentença caberá apelação. A

sentença, portanto, não está limitada à proposta encaminhada ao juiz.133

Assinala Chimenti que, a sentença, que impõe, em razão de

transação penal, pena de multa ou restritiva de direitos, não importará em

reincidência e não terá efeitos civis, sendo registrada apenas para impedir que o

mesmo benefício seja concedido nos cinco anos subseqüentes.134 A sentença

que homologa a transação penal não pode ser considerada nem absolutória, eis

que aplica uma sanção, nem condenatória, haja vista não existir nenhuma

acusação e, a aceitação não acarretar conseqüências criminais. Trata-se,

porquanto, de uma sentença meramente homologatória.

Na concepção de Grinover:

A conclusão só pode ser esta: a sentença que aplica a pena, em face do consenso dos interessados, não é absolutória nem condenatória. Trata-se simplesmente de sentença homologatória de transação, que não indica acolhimento nem desacolhimento do pedido do autor (que sequer foi formulado), mas que compõe a

132 MIRABETE, Julio Fabrini. Juizados Especiais Criminais: Comentários, Jurisprudências,

Legislação. p. 149-150. 133 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais e Estaduais.

p. 283. 134 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais e Estaduais. p.

283.

60

controvérsia de acordo com a vontade dos partícipes, constituindo título executivo judicial. São os próprios envolvidos no conflito a ditar a solução para sua pendência, observados os parâmetros da lei. (...) Mas é inquestionável que a homologação da transação configure sentença, passível de fazer coisa julgada material, dela derivando o título executivo penal. Por isso, se não houver cumprimento da obrigação assumida pelo autor do fato, nada se poderá fazer, a não ser executá-lo, nos expressos termos da lei.135

A rejeição da proposta pelo juiz, importa, evidentemente, em

imediata designação da audiência do art. 77 et seq., da lei.136

Grinover, ao tratar do tema, explica que,

Da decisão de indeferimento da homologação da transação penal não cabe apelação, não só porque a lei não a prevê expressamente, mas também por não enquadrar-se o caso nas “sentenças definitivas, ou com força de definitivas” contempladas no art. 593, II, CPC. A decisão, no caso em exame, é claramente interlocutória. (...) Embora interlocutória, a decisão não é atacável pela via do recurso em sentido estrito, cabível somente nas hipóteses taxativamente previstas no art. 581, CPP. Parece, então, que a referida decisão somente será impugnável por mandado de segurança contra ato jurisdicional, que poderá ser impetrado pelo Ministério Público e também pelo autuado, ou ainda por habeas corpus, pelo autuado ou pelo promotor em seu favor, na hipótese de o desenvolvimento do processo poder culminar na aplicação de uma pena privativa de liberdade.137

Fica a cargo do Juiz, portanto, a verificação da legalidade da

adoção da medida proposta e a análise de sua conveniência, de seu cabimento,

sempre levando em conta, logicamente, a vontade dos partícipes. De acordo com

a proposta de transação penal, o juiz passará a aplicar a pena restritiva de

direitos, ou multa.

135 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei

9.099 de 26.09.1995. p. 168. 136 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei

9.099 de 26.09.1995. p. 166. 137 GRINOVER, Ada Pellegrini. Ada Pellegrini. Juizados Especiais Criminais. Comentários à Lei

9.099 de 26.09.1995. p. 172-173.

61

3.2.1.3 Descumprimento do Acordo

É excepcional o dissídio jurisprudencial e doutrinário

existente acerca dos efeitos decorrentes do descumprimento do acordo

entabulado na transação penal.

A transação penal será homologada de imediato e poderá

conter cláusula de que, não cumprida, o procedimento penal prosseguirá, é o que

dispõe, nos exatos termos do Enunciado 57 do FONAJE.

Conforme já decidiu o TACrim, “a partir do momento em que

o autor da infração descumpre o seu acordo firmado com o Ministério Público, não

efetuando o pagamento de multa acordada, a homologação do acordo perde sua

eficácia e surge para o Ministério Público o dever de promover, ou continuar, a

ação penal pública, tornada insubsistente a transação que não foi honrada” (Ap.

1.262.507/3, j. em 30/7/2001, 12ª Câm., Rel. Luís Ganzerla, RJTACrim,

55/132).138

Contudo, o entendimento de alguns doutrinadores se dá no

sentido de que havendo descumprimento do acordo aceito na transação penal,

deve ocorrer a imediata conversão para pena privativa de liberdade.

Diverso, pois, é o entendimento de Marcelo Gonçalves

Saliba, o qual faz as seguintes considerações:

Sem o devido processo legal, ampla defesa, contraditório e sentença penal condenatória, entendemos incabível a conversão da transaçãoem pena privativa de liberdade. Fere-se, com a adoção do posicionamento, o próprio espírito que norteou o trabalho legislativo, qual seja, a despenalização, a aplicação de pena diversa do encarceramento.139

138 CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais e Estaduais. p.

287. 139 SALIBA, Marcelo Gonçalves. Descumprimento da Transação penal e Detração. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1117>, acessado em 27.05.2008, às 22:15hs.

62

No mesmo diapasão é o entendimento do então Ministro

Marco Aurélio de Mello, em decisão proferida� no HC 79.572-GO, no qual

sustentou que:

Não há como aplicar, à espécie, a menos que sejam colocados em plano secundário princípios constitucionais, o disposto no art. 45 do Código Penal. Está-se diante de incompatibilidade reveladora de não ser o preceito nele contido fonte subsidiária no processo submetido ao juizado especial. Essa conclusão decorre do fato de a conversão das penas restritivas de direitos em penas restritivas do exercício da liberdade, tal como prevista no artigo 45 do Código Penal, pressupor, sempre, o regular processo, a regular tramitação da ação penal, a persecução criminal, viabilizando o direito de defesa, e a prolação de sentença condenatória, vindo a ocorrer, ai sim, em passo seguinte, a conversão. Alias, o princípio da razoabilidade, a razão de ser das coisas, cuja força é insuplantável, direciona no sentido de a conversão pressupor algo já existente, e isso diz respeito à pena privativa do exercício da liberdade.

Em suma, sem os princípios constitucionais, tais como, o

devido processo legal, ampla defesa, contraditório e levando em consideração

que a sentença que homologa a transação penal não tem caráter condenatório,

torna-se inviável e incabível a conversão direta da sanção para uma pena

privativa de liberdade, restando ao Ministério Público retomar a ação penal

pública do exato momento onde foi proposta a transação penal.

3.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO E A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO

PROCESSO

Por força do art. 89 da Lei 9.099/95, nos crimes em que a

pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, o Ministério Público ao

oferecer a denúncia, pode propor a suspensão condicional do processo, desde

que o acusado preencha certos requisitos legais.

É o que dispõe o art. 89 desta Lei:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a 1 (um) ano, abrangidos ou não por essa Lei, o Ministério

63

Público, ao oferecer denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). § 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições: I – reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; II – proibição de freqüentar determinados lugares; III – proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; IV – comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. § 2º O juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão desde que adequadas ao fato e à situação do acusado. § 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano § 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta. § 5º Expirando o prazo sem revogação, o juiz declarará extinta a punibilidade. § 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo. § 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos.

Chimenti, ao tratar do tema, explica que:

No crimes (e também nas contravenções penais) em que a pena mínima cominada (prevista) for igual ou inferior a um ano (furto simples e furto privilegiado, estelionato simples e estelionato privilegiado, receptação simples, contrabando ou descaminho simples, receptação culposa e receptação privilegiada, homicídio culposo, condutas relacionadas com o uso próprio de entorpecentes etc.), abrangidos ou não pela Lei nº 9.099/95, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia (ou, excepcionalmente, em outro momento anterior à prolação da sentença), poderá

64

propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal140).141

O Ministério Público deve propor a suspensão do processo

ao oferecer a denúncia. Ao propor a suspensão, o representante do ministério

Público deverá especificar na proposta o prazo da suspensão, entre os limites de

dois a quatro anos, sempre motivadamente, claro. Nos processos que já se

encontram em andamento, deverá o Juiz abrir vista ao Ministério Público, a fim de

que se manifeste sobre a possibilidade de suspensão do processo.142

Roldão Oliveira de Carvalho observa que:

Este artigo 89 trouxe um novo tipo de sursis, que está sendo chamado de sursis processual. Presentes alguns requisitos, o Ministério Público poderá, ao oferecer a denúncia, propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos. Note-se que a expressão “poderá” possui o sentido de obrigatoriedade para o Ministério Público, quando presentes os requisitos ensejadores do benefício. Dessa forma, preenchendo o acusado todas as exigências para a suspensão do processo, não pode o Ministério Público deixar de propor a suspensão condicional do processo. Não oferecendo o Ministério Público a suspensão, poderá o próprio acusado propor a suspensão, através de seu defensor.143

A suspensão condicional do processo, comumente

denominada “sursis antecipado” ou “sursis processual”, é um instituto que permite

140 Código Penal, Art. 77. A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos,

poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:

I – o condenado não seja reincidente em crime doloso;

II – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;

III – não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código. 141 CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreia dos. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais Federais e estaduais. p. 296. 142 CARVALHO, Roldão Oliveira de.; CARVALHO NETO, Algomiro. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais. . p. 186. 143 CARVALHO, Roldão Oliveira de.; CARVALHO NETO, Algomiro. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais. p. 184.

65

a extinção da punibilidade sem a imposição de pena (desde que cumpridas as

condições). A transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95), ao contrário, tem por

pressuposto a aceitação de uma pena.144

O instituto da suspensão condicional do processo é ato

bilateral, eis que depende da aceitação da proposta feia pelo Ministério Público,

no momento da denúncia, por parte do acusado e seu defensor (art. 89, § 1º).

Nada impede que o acusado não aceite os termos da

proposta (algumas condições) e faça uma contraproposta. Considerando que a

suspensão do processo é fruto do princípio da oportunidade, a transação

processual é perfeitamente possível e tudo deve ser feito de modo informal e oral.

Exatamente porque tudo é oral (art. 2º), impões-se a presença do juiz

(imediação).145

Neste sentido, Roldão Oliveira de Carvalho traz em sua obra

alguns apontamentos:

Feita a proposta pelo Ministério Público, será a mesma submetida ao acusado e seu defensor, para aceitação ou não da suspensão do processo. Somente após a manifestação do acusado e seu defensor é que o Juiz aprecia a denúncia, recebendo-a ou rejeitando-a. A proposta deve ser submetida ao acusado e seu defensor. Havendo discordância entre ambos, deve prevalecer a vontade do primeiro. Recebendo a denúncia, o Juiz poderá ,ou não, suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, mediante a imposição de algumas condições. Também aqui a expressão “poderá” tem o sentido de obrigatoriedade, não podendo o Juiz deixar de suspender o processo quando presentes todos os requisitos exigíveis para o benefício. Caso o acusado não aceite a proposta, o processo tem seguimento normal. Aceitando a proposta, o acusado está admitindo, implicitamente, a autoria e culpa do fato que lhe está sendo imputado.

144 CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreira dos. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais Federais e estaduais. p. 296. 145 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; GOMES, Luiz Flávio.

Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. p. 256.

66

Quanto à admissibilidade de autoria e culpa, no caso de

aceitação da proposta de suspensão, comentada pelo autor acima citado, há

divergência doutrinária.

Vejamos, portanto, o entendimento de Grinover:

No que concerne a suspensão do processo, a questão central, relacionada com a presunção de inocência, seria: essa suspensão está em consonância com a Constituição? Como alguém pode entrar em período de prova sem ser declarado culpado? A resposta positiva (no sentido de que a suspensão não fere o princípio constitucional da presunção de inocência) não é difícil de ser sustentada: na suspensão do processo o acusado não é considerado culpado. De outro lado, não cumpre pena, senão condições. (...) É instituto, ademais, que deriva da autonomia da vontade do acusado, autonomia essa que, no caso, nada mais significa que estratégia da ampla defesa também constitucionalmente assegurada. O acusado pode aceitar ou não aceitar a suspensão. Não existe obrigação legal nem imposição.

Para Grinover, portanto, a aceitação da suspensão nada

mais significa que a expressão da “ampla defesa” constitucionalmente garantida

(art. 5º, inc. LV). Aceitar ou não a suspensão passa a ser estratégia da defesa. É

por isso que a lei exige que ambos (acusado e defensor) se manifestem. A

necessidade de defesa técnica no ato do consentimento expressa a preocupação

da comunidade com os direitos e garantias fundamentais.146

O revel ao pode ser beneficiado com a suspensão

condicional do processo, pois a aceitação da proposta é ato personalíssimo e

exige, dentre os requisitos subjetivos, conduta social e personalidade que

demonstrem senso de responsabilidade.147

São condições para admissibilidade da proposta de

suspensão: 1) a pena mínima cominada ao crime não pode ultrapassar um ano;

2) não pode haver em relação ao réu outro processo em curso; 3) inexistência de 146 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; GOMES, Luiz Flávio.

Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995. p. 262. 147 CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreira dos. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais Federais e estaduais. p. 298.

67

condenação anterior por outro crime; e 4) a culpabilidade, os antecedentes, a

conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as

circunstâncias, autorizem a concessão do benefício.148

Tourinho Filho salienta que quanto ao primeiro requisito, é

de observar que a pena mínima cominada ao crime pode ser inferior a um ano.

Não pode exceder. E que a suspensão abrange não só as infrações de menor

potencial ofensivo como, inclusive, as infrações de médio potencial ofensivo

sujeitas ou não a procedimento especial.149

Conforme explica Chimenti, quanto à ausência de

condenação por outro crime, há que se aplicar o art. 64, I, do Código penal, que

dispõe sobre a reincidência. Assim, sob pena de sanção anterior ganhar natureza

de perpetuidade, não deve ser considerada outra condenação se entre a data de

cumprimento ou extinção da pena a ela imposta e a infração posterior tiver

decorrido prazo superior a cinco anos. E acrescenta que, a condenação anterior a

multa não impede o sursis antecipado, devendo ser aplicadas as regras do art. 92

da Lei nº 9.099/95 e 77, § 1º, do Código Penal.150

Convém ressaltar que o acusado beneficiado pelo instituto

da transação penal pode se beneficiar com a suspensão condicional do processo

e vice-versa.

Grinover esclarece:

Lendo-se o art. 89, § 1º, da Lei nº 9.099, não pode subsistir nenhuma dúvida: a transação processual celebrada no sentido de suspensão do processo é mero ato de postulação, pois cabe ao juiz a última palavra. Ele “poderá” suspender o processo. É bem verdade que se trata de um poder-dever, de qualquer modo não se pode negar que a palavra final é do juiz. Ao Ministério público

148 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais

Criminais. p. 203. 149 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais

Criminais. p. 204. 150 CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreira dos. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais Federais e estaduais. p. 298.

68

cabe propor; ao acusado, aceitar; ao juiz, suspender. Há sempre controle judicial, inclusive do uso do princípio da oportunidade.

Grinover continua seu estudo afirmando que:

No que diz respeito aos fundamentos da suspensão condicional do processo, dentre outros, caberia destacar: o princípio da oportunidade (ou discricionariedade) regrada, o princípio da autonomia da vontade e o princípio da desnecessidade da prisão. Sem que o órgão acusatório tivesse a possibilidade de “dispor” da via persecutória normal não seria possível, evidentemente, a suspensão condicional do processo, que é instituto despenalizador indireto, isto é, pela via processual chega-se, depois de cumpridas certas condições, à extinção da pretensão punitiva estatal. A regra continua sendo o princípio da obrigatoriedade (que alguns impropriamente chamam de legalidade processual). Excepcionalmente, no entanto, em algumas hipóteses taxativamente previstas em lei (e mesmo assim sob controle judicial), pode o Ministério Público dispor da persecutio criminis para propor alguma medida alternativa. Isso se chama princípio da oportunidade regrada ou discricionariedade regulada ou controlada. Há quem fale também em legalidade mitigada.151

A fiscalização e o controle das condições fixadas no ato da

suspensão condicional do processo competem ao juízo processante, e não ao

juízo das execuções, haja vista ainda não ter transitado em julgado a sentença.

Na reflexão de Mirabete152, “o benefício da suspensão

condicional do processo não é aplicável em relação às infrações penais

cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva,

quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da

majorante, ultrapassar o limite de (01) um ano”. No mesmo sentido, concernente

ao sursis processual, é a Súmula 243 do C. STJ.

151 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; GOMES, Luiz Flávio.

Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995p. 259/260. 152 MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p.

124.

69

Dispõe a Súmula 243 do STJ que “o benefício da suspensão

do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em

concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena

mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante,

ultrapassar o limite de 1 (um) ano”.

A Súmula 723 do STF orienta que: “Não se admite a

suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena

mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a

um ano”.

Não se deve deslembrar que a Súmula 497 do STF dispõe

que, “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena

imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da

continuação”. Logo se a continuidade não deve ser levada em consideração na

contagem do prazo prescricional, mutatis mutandis, não deve ser considerada na

hipótese do art. 89 da Lei nº 9.099/95.153

Já no caso de concurso de pessoas (artigo 29 do Código

Penal154), é possível que somente parte dos acusados faça jus ao benefício.

Caso o Promotor de Justiça não faça a proposta de

suspensão não se deve aplicar o disposto no artigo 28 do CPP, devendo o Juiz

fazê-la de ofício, desde que preenchidos os requisitos legais.

O perdão judicial não deve ser considerado como causa

impeditiva da suspensão condicional do processo, é o que diz a Súmula do STJ,

153 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à Lei dos Juizados Especiais

Criminais. p. 206. 154 Código Penal, Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este

cominadas, na medida de sua culpabilidade.

§ 1º Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço.

§ 2º Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave.

70

nos seguintes termos: “A sentença concessiva de perdão judicial é declaratória da

extinção da punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”.

Grinover discorre ainda acerca das finalidades da suspensão

condicional do processo:

As finalidades da suspensão condicional do processo são múltiplas: evitar a aplicação da pena de curta duração, reparação dos danos, desburocratizar a justiça etc. De todas, a mais marcante é a seguinte: acima de tudo, o escopo da suspensão condicional do processo é evitar a estigmatização derivada do processo. Como conseqüência, acaba evitando também a estigmatização que traz a sentença condenatória. O processo em si já é penoso para o acusado. Participar dos seus rituais (a citação em sua casa, o interrogatório, a oitiva de testemunhas etc.) configura um gravame imensurável. A suspensão condicional, dentre outras, tem a virtude de evitar as denominadas cerimônias degradantes.155

No tocante a revogação do benefício da suspensão

condicional do processo, Chimenti lembra que, “a suspensão será

obrigatoriamente revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser

processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justo, a reparação do

dano. É possível, também, a revogação do benefício a pedido do próprio acusado.

Já a instauração (durante o período de prova) de processo pela prática de

contravenção penal, bem como o descumprimento de outras condições, são

causas facultativas de revogação do benefício”.156

Expirado o prazo sem revogação, o juiz declarará extinta a

punibilidade, consoante os termos do § 5º, do art. 89 desta lei especial.

Amplamente demonstrado, portanto, que o benefício da

suspensão condicional do processo, para ser proposto carece do preenchimento

de requisitos legais, é ato bilateral, não fere o princípio de presunção de

155 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; GOMES, Luiz Flávio.

Juizados Especiais Criminais: comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995 p. 263. 156 CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreira dos. Juizados Especiais Cíveis e

Criminais Federais e estaduais. p. 302/303.

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inocência, é consoante com o princípio da ampla defesa, e para alcançar seu fim

e resultar na sessão do processo e conseqüente extinção da punibilidade é

necessário o cumprimento de todas as suas condições, durante certo período de

prova.

Tendo esclarecido os principais aspectos, bem como a

ampla abrangência e os efeitos despenalizadores da Lei nº 9.099/95, tais como a

busca pela conciliação, composição civil, transação penal e suspensão

condicional do processo, no próximo capítulo passa-se para a análise específica

da função do Ministério Público no instituto da Transação Penal, tema principal

deste trabalho.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve por objetivo de estudo a atuação

do Ministério Público nos Juizados Especiais Criminais. A pesquisa fundamentou-

se na aplicabilidade da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, para através dos

benefícios da transação penal e da suspensão condicional do processo , buscar

soluções para a pequena criminalidade, aquela constituída das infrações de

menor potencial ofensivo e das contravenções penais.

O conceito de infrações penais de menor potencial

ofensivo,está estabelecido nos arts. 61 da Lei nº 9.099/95 e 2º, parágrafo único,

da Lei nº 10.259 de 12 de junho de 2001, que institui os Juizados Especiais

Criminais no âmbito da Justiça Federal.

Em 07 de novembro de 1984, foi instituída no Brasil a Lei nº

7.244, a qual regia os Juizados de Pequenas Causas Cíveis. Os constituintes de

1988, impressionados pelos excelentes resultados que estes vinham

apresentando e, impulsionados pela necessidade de buscarem uma solução mais

célere e efetiva para a prestação jurisdicional do Estado, frente a crescente

demanda de infrações de pouca monta que vinham a emperrar o Judiciário, além

da extraordinária desproporção entre o número de encarcerados e o número de

celas disponíveis, ocasionando um verdadeiro caos no sistema penitenciário

brasileiro, instituíram no Brasil, em 26 de setembro de 1995 a Lei nº 9.099.

Foi então, sob a ótica da necessidade de instauração de

uma justiça mais rápida e que apresentasse melhores resultados aos processos

de pequena criminalidade, principalmente, às camadas mais humildes da

população, sob a forte tendência de um direito penal mínimo, que evitasse a falta

de penalização dos réus, muitas vezes beneficiados pelas prescrições retroativas

ou de pretensão punitiva do Estado, que foram instaurados os Juizados Especiais

Criminais.

73

A Lei nº 9.099/95 revogou e substituiu, com ampla

abrangência, a Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984, que dispunha sobre o

Juizado Especial de Pequenas Causas.

Assim, os Juizados Especiais Criminais foram instituídos

pela Lei nº 9.099/95 e tem assento constitucional no art. 98, inciso I da

Constituição da República de 1988.

Estes Juizados são compostos por Juízes togados ou

togados e Leigos, e adotam como rito o procedimento sumaríssimo. Os principais

critérios que orientam os Juizados Especiais Criminais são a oralidade,

informalidade, simplicidade, economia processual e celeridade, e estão dispostos

no art. 2º da lei em comento, e buscam garantir o amplo e fácil acesso ao

Judiciário, tão almejado pela sociedade, para que se possa ter um resultado

efetivo do exercício do Poder Judiciário em prol dos direitos do povo, assim como

buscam sempre que possível a conciliação, a transação penal, e a suspensão

condicional do processo, sem, todavia, violar as garantias constitucionais do

contraditório e da ampla defesa. Sendo que as formas tradicionais de condução

do processo devem sempre ser afastadas, com o intuito de evitar a morosidade

do exercício da prestação jurisdicional que o Estado tem obrigação de prestar.

A Lei nº 9.099/95, portanto, em meio ao caos que se

encontrava a máquina Judiciária, afogada por processos de crimes de pouca

repercussão e sem conseguir oferecer uma solução concreta e satisfatória à

população, revolucionou o sistema jurisdicional do país, com a implantação de

institutos despenalizadores, como a conciliação, a transação penal e a suspensão

condicional do processo.

A transação penal consiste na substituição da pena privativa

de liberdade por pena de multa ou restritiva de direitos, e está consagrada no art.

76 da Lei nº 9.099/95.

Se presentes os requisitos legais, o Ministério Público e o

autor do fato, sendo necessária a assistência de um defensor jurídico, e na

presença do magistrado, acordam em concessões recíprocas, com o intuito de

74

evitar-se a instauração de uma ação penal. Ressalta-se que estando presentes

todos os pressupostos legais, o Ministério Público não poderá recusar-se a

formular a proposta, não se tratando de uma faculdade, mas de um poder-dever.

Observou-se, portanto, que a primeira hipótese restou

negativa, já que o Ministério Público é o titular da ação penal e apenas ele pode

dispor sobre ela.

A constitucionalidade do benefício da transação penal é

matéria de grande discussão e controvérsia entre doutrinadores e juristas,

havendo diversas correntes doutrinárias a respeito do tema. A principal discussão

gira em torno da culpabilidade do autor do fato, se a aceitação da proposta de

transação penal implica em assumir a culpa do fato. A corrente adotada no

presente trabalho, é que a transação penal não discute a culpabilidade do autor

do fato, tendo em vista que se trata de uma aceitação espontânea e com

assistência jurídica por parte do autor, para cumprir uma sanção, uma medida que

evite um processo, não existindo sequer acusação.

Salutar se faz lembrar que a transação penal tem assento

constitucional, conforme está exposto no art. 98, inciso I da Constituição da

República de 1988. Todavia, foi a Lei nº 9.099/95 que especificou em quais

hipóteses e momentos esta seria aplicada.

Contudo, não sendo caso de transação penal, o Ministério

Público ao oferecer a denúncia, pode propor a suspensão condicional do

processo, desde que o acusado preencha certos requisitos legais. No caso de

que o processo já se encontre em andamento, deverá o Juiz abrir vista ao

Ministério Público, a fim de que se manifeste sobre a possibilidade de suspensão

do processo.

A suspensão condicional do processo, assim como a

transação penal, é ato jurídico bilateral, eis que depende da aceitação da

proposta feia pelo Ministério Público, no momento da denúncia, por parte do

acusado e seu defensor.

75

É dever do parquet, ao propor a suspensão condicional do

processo, especificar nesta o prazo de suspensão, o qual deverá respeitar o limite

entre 2 (dois) a 4 (quatro) anos, sempre motivadamente, confirmando a segunda

hipótese levantada no início da realização deste trabalho.

A transação penal tem prioridade diante da suspensão do

processo. Somente quando não se realiza a transação é que se pode cogitar a

possibilidade de suspensão condicional do processo. O acusado beneficiado pelo

instituto da transação penal pode se beneficiar com a suspensão condicional do

processo e vice-versa.

Como se observou, a presença do Ministério Público nos

Juizados Especiais Criminais tornou-se não só essencial como indispensável, eis

que é o titular da ação penal pública, e é seu dever institucional velar pela

legalidade dos atos, fiscalizar o respeito à ordem jurídica, e, quando necessário,

requerer ao Juiz a correção de eventuais irregularidades ou ingressar com as

medidas judiciais cabíveis, entre outros, conforme dispõe o art. 129 da

Constituição Federal.

Assim, tendo em vista a busca da sociedade por uma

resposta efetiva do Estado, quanto à sua prestação jurisdicional e o cumprimento

de sua função social, tornou-se assim, o objetivo do presente trabalho, estudar a

atuação do Ministério Público frente à Lei nº 9.099/95, que tem como principais

objetivos a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não

privativa de liberdade.

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