A Atuacao Internacional Subnacional Brasileira - Perspectivas Teoricas e Juridicas Do Caso Brasileiro-libre

Embed Size (px)

Citation preview

  • A ATUAO INTERNACIONAL SUBNACIONAL BRASILEIRA:

    PERSPECTIVAS TERICAS E JURDICAS DO CASO BRASILEIRO

    Thiago de Oliveira Meireles1

    RESUMO: O fim do sculo XX foi marcado por profundas transformaes polticas no Sistema Internacional, como o aprofundamento das relaes internacionais dos governos no centrais. Com o crescimento da dimenso subnacional, surgem questionamentos acerca das possibilidades polticas e jurdicas dessa atuao. Nesse sentido, a busca por uma perspectiva brasileira do tema se pauta na reviso terica, bem como na anlise do ordenamento jurdico interno e questes do direito internacional pblico. A partir dessas reflexes, percebeu-se a complexidade das questes envolvidas nessa discusso, tanto na perspectiva poltica quanto na perspectiva jurdica. Em meio a isso, ocorreram o questionamento do conceito de paradiplomacia, bem como da legitimidade jurdica dessa atuao no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Poltica Internacional; paradiplomacia; governos no centrais. INTRODUO

    O desenvolvimento da globalizao e dos regimes transnacionais,

    especialmente aqueles ligados ao comrcio regional, tem como caracterstica a perda

    de autonomia e capacidade dos governos centrais, levando especulao acerca do

    fim da soberania dos Estados. Associada a esse fenmeno, observa-se a diviso

    crescente de responsabilidade entre o governo central e os governos no centrais,

    fenmeno decorrente da cada vez maior diluio entre as questes domsticas e

    internacionais. Concomitantemente, a emerso de um novo modelo econmico que

    valoriza os fatores locais e regionais em detrimento das polticas estatais insere as

    regies em uma nova competio neomercantilista em busca de vantagens dentro dos

    mercados globais e continentais. Paralelamente, novas formas de nacionalismo e

    regionalismo, que agora se relacionam melhor com o livre-comrcio e a integrao

    regional, encontram espao para sua ascenso e auxiliam no entendimento da busca

    de governos no centrais pelo plano internacional (KEATING, 2004).

    Nesse cenrio, em que as fronteiras deixam de simbolizar a separao dos

    Estados westfalianos e assumem cada vez mais o carter de integrao, a ascenso

    1 Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP) Campus Marlia, [email protected], graduado em Relaes Internacionais.

  • dos atores subnacionais2 no cenrio internacional se evidencia. Em meio a essas

    questes, o futuro do Estado colocado em xeque e aumentam as dvidas acerca do

    produto dos processos de integrao regional, do nvel de interdependncia criado por

    Estados e unidades federativas na esfera internacional, bem como um questionamento

    acerca das funes dos diferentes nveis de governo de um Estado e suas funes

    dentro das relaes exteriores. fato que, ainda que especule-se acerca do fim da

    soberania, como observa-se em Keating (2004), o Estado-Nao ainda se coloca

    como principal fora nas relaes internacionais, de forma que O Estado nacional em

    seu modelo westfaliano, absorveu o monoplio legal e real da poltica externa.

    Podemos afirmar que este papel no est questionado mesmo agora, no incio do

    sculo XXI. (VIGEVANI, 2006).

    Da mesma forma, ainda que no se constitua em um fenmeno recente, a

    atuao internacional dos governos no centrais passou por um processo se

    intensificao, de forma que cada vez maior o nmero de atuantes no cenrio

    internacional, bem como percebe-se um salto qualitativo e dimensional dessas aes

    (SOLDATOS, 1990). O fenmeno, usualmente denominado como paradiplomacia,

    ganhou maior relevncia a partir da dcada de 1980, quando observado em Estados

    federais desenvolvidos ou em Estados unitrios com razovel grau de

    descentralizao. J nos pases perifricos notou-se uma intensificao a partir da

    dcada de 1990, ainda que no Brasil seja possvel observar o pioneirismo dos estados

    do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul na dcada de 1980 ao institurem rgos

    especficos para a atuao internacional (NUNES, 2005).

    Ainda que seja evidente o crescimento do fenmeno no Brasil ao longo das

    dcadas de 1990 e 2000, a questo ainda carece de um debate terico consolidado,

    ainda que a reflexo venha se aprofundando recentemente. Devido prpria formao

    do Estado brasileiro, o Ministrio das Relaes Exteriores, rgo responsvel pelas

    Relaes Internacionais no governo brasileiro, possui uma tradio centralizadora.

    Observando as constituies republicanas brasileiras, nota-se, a princpio, a comum

    exclusividade de atuao internacional reservada Unio. Ainda assim no existe

    clareza sobre as possibilidades legais acerca da atuao internacional dos estados e

    municpios brasileiros, os entes federativos se projetam internacionalmente de forma

    cada vez mais frequente. Em meio a esse contexto contraditrio, o desafio de criar

    interesses convergentes para a formulao de uma poltica que conjugue o mximo de

    interesses e minimize os conflitos se coloca para o Ministrio das Relaes Exteriores 2 Cabe aqui a observao de Tatiana L. Prazeres (2004, p. 283), segundo a qual a expresso mais correta seria subestatal e no subnacional para respeitar-se a distino entre Estado e nao. Mas, como ela mesma aponta, subnacional j constitui uma expresso consagrada na literatura especfica.

  • e os governos no centrais. Dessa forma, o governo central criaria condies de

    demonstrar uma unidade de interesse e os governos no centrais minimizariam as

    possibilidades de questionamento sobre sua atuao internacional.

    Entre tantos questionamentos, o presente trabalho se props a tratar de

    questes que compem todo o cenrio da internacionalizao dos governos no

    centrais. Inicialmente, uma realizar-se- uma breve apresentao das transformaes

    ao redor do globo no final do perodo da Guerra Fria levaram intensificao do

    fenmeno da atuao internacional subnacional sob a perspectiva da Teoria da

    Interdependncia, de Keohane e Nye. A partir disso, atentou-se aos questionamentos

    acerca do fenmeno em si, buscando entender conceitos desenvolvidos, motivaes e

    aspiraes que levam os governos no centrais ao internacional, bem como algumas

    consideraes em uma aproximao ao caso brasileiro. Por fim, deu-se uma ateno

    especial s questes jurdicas, analisando questes do Direito Internacional Pblico,

    do Direito Constitucional e retomando o debate acerca da PEC da Paradiplomacia,

    apresentada pelo Deputado Andr Costa ao Congresso Nacional em 2005.

    1. O MUNDO INTERDEPENTENTE E A ASCENSO DE NOVOS ATORES

    INTERNACIONAIS

    Aspectos econmicos e polticos atingiram um nvel de converso nunca visto

    em detrimento da tradicional necessidade de uma ideologia prpria e de um relativo

    poder militar para uma atuao efetiva no Sistema Internacional. Em meio a essas

    transformaes e novidades, novas possibilidades se abriram para atores antes

    considerados internos ao Estado. Ainda que sejam encontradas algumas limitaes,

    principalmente de carter constitucional, as unidades subnacionais e a sociedade civil

    assumem uma relevncia sem precedentes. Associados a essas questes, os

    processos de integrao regional acentuam essa nova atuao de atores antes

    limitados a aspectos locais.

    Em um cenrio internacional pautado pela interdependncia dos Estados,

    decorrente das alteraes dos padres de tecnologia e comunicao, atores antes

    locais vislumbram a possibilidade de se lanarem internacionalmente. Ao mesmo

    tempo, existe a expectativa do desenvolvimento de polticas para coordenao dessas

    aes pelo governo central, buscando maior qualidade das mesmas. Ademais, a

    diluio das questes domsticas e internacionais forma um novo cenrio de diviso

    de responsabilidades entre o governo central e os governos no centrais.

    Sustentando essas tendncias, existem dois desenvolvimentos que refletem e ajudam a explica-las: a agenda cada vez mais ampla da

  • poltica exterior e as distines cada vez menores entre poltica interna e poltica externa. No s as mudanas econmicas e tecnolgicas ampliaram o espectro das questes que envolvem poltica internacional, mas tambm as tradicionais distines entre alta e baixa poltica, alm do pressuposto de que a primeira representada exclusivamente por questes militares. (HOCKING, 2004, p. 83)

    Em meio a essa nova dinmica, suscitada a especulao acerca do fim da

    soberania estatal em decorrncia da perda de autonomia e capacidade dos Estados

    derivada dos processos de globalizao e regimes transnacionais. A insero das

    regies em uma competio neomercantilista, oriunda da busca por vantagens nos

    mercados globais e continentais, vem acompanhada da reinveno do territrio como

    requisito funcional e princpio poltico da nova ordem mundial. Da mesma forma,

    ascende um novo modelo econmico pautado na valorizao dos fatores locais e

    regionais em detrimento das polticas de Estado, direcionando a uma tendncia de

    crescimento dessa atividade pelos entes subnacionais.

    Tendo o Sistema Internacional como anrquico e conflitivo, a teoria da

    interdependncia trabalha sempre com a possibilidade da soluo de conlitos de

    interesses culminar em conflito armado, uma vez que, diferentemente de um Estado,

    no h fora policial ou Poder Judicirio para coibir aes fora de conduta. No entanto,

    como presume a prpria nomenclatura, interdependncia constitui-se na dependncia

    recproca entre duas ou mais partes. perceptvel o aumento do grau de dependncia

    interestatal com o desenvolvimento dos meios de transporte e de comunicao, bem

    como pelo desenvolvimento atual do processo de globalizao:

    In common parlance, dependence means a state of being determine d or significantly affected by external forces. Interdependence, most simply defined, means mutual dependence. Interdependence in world politics refers to situations characterized by reciprocal effects among countries or among actors in different countries. (KEOHANE e NYE, 2001, p.07)

    Ainda que aparente um mundo baseado em relaes de cooperao em que a

    manuteno da paz ocorreria de forma natural, devido dependncia recproca entre

    os Estados, tem-se que medida que as redes mundiais se tornam mais complexas,

    existem mais ligaes entre problemas que podem criar atrito (NYE, 2009). Essa

    situao derivada das assimetrias existentes nas relaes entre os Estados, uma

    vez que existem diferenas em vrios aspectos entre esses atores, como o nvel de

    desenvolvimento econmico, recursos naturais e fora militar.

    As interdependncias assimtricas devem ser consideradas uma forma de

    poder na anlise da poltica internacional e, como expem Keohane e Nye (2001),

  • asseguram a possibilidade de conflito ao possibilitar a utilizao de diferentes formas

    de poder, bem como da formao de diferentes blocos de coalizo. Mesmo que sem a

    utilizao da fora militar, os pases desenvolvidos conseguem, na maioria das vezes,

    a imposio de seus interesses aos pases que possuam desvantagens no processo

    de independncia, principalmente se relacionando s questes do soft power.

    Mesmo com o enfraquecimento e as presses exercidas pelo processo de

    globalizao(KEATING, 2004), o Estado-Nao ainda possui papel de alta relevncia,

    no sendo possvel subestim-lo. Ainda que se observe o crescimento da atuao

    internacional de outros atores, o Estado exerce grande influncia sobre as esferas

    subnacionais e, por mais que aparente ausncia em alguns momentos, os demais

    atores dependem dele para a defesa de seus interesses, por mais poderosos que

    sejam esses atores.

    (...) o territrio deixa de ter fronteiras rgidas, o que leva ao enfraquecimento e a mudana da natureza dos Estados Nacionais.(...) No que o Estado se ausente ou se torne menor. Ele apenas se omite quanto ao interesse das populaes e se torna mais forte, mais gil, mais presente, ao servio da economia dominante. (...) a contradio entre o externo e o interno aumentou. Todavia o Estado nacional, em ltima anlise, que detm o monoplio das normas, sem as quais os poderosos fatores externos perdem eficcia. (SANTOS, 2000, p.66 e 76-77)

    Os tericos da interdependncia completa ensejam no entendimento dessa

    forma de atuao no cenrio internacional, sendo a diviso do sistema internacional

    nos nveis de estrutura e processos, realizada por Keohane e Nye (2001), enfatiza as

    dinmicas de distribuio do poder entre unidades similares e das relaes entre os

    diversos atores s redes de interao e s redes de barganha desenvolvidas tanto

    pelos governos centrais quanto pelos governos no centrais (NUNES, 2005). O fato

    dos Estados no se constiturem como nicos e principais atores da cena internacional

    direciona para as principais novidades na explicao da funcionalidade das relaes

    internacionais, uma vez que a fora no mais o principal instrumento poltico e de

    que a segurana no mais o objeto principal da poltica internacional, sendo o bem

    estar e o desenvolvimento sustentvel pautas emergentes (DI SENA JUNIOR, 2002).

    A no existncia de uma diviso clara entre o externo e o interno dentro de um

    Estado nacional, sendo que ambos mbitos se influenciam, alcana tanto atores

    governamentais como no governamentais. Nesse sentido, Kenneth Waltz (1979)

    coloca que A distino entre os aspectos polticos internacionais e nacionais no se

    encontra na utilizao ou no da fora, mas em suas diferentes estrururas (traduo

    livre), divergindo da concepo clssica realista, para a qual a possibilidade de guerra

  • e o uso da fora so responsveis pela distino entre poltica interna e poltica

    internacional.

    No se deve entender que a teoria da interdependncia ignora a existncia do

    Estado, mas que, apenas, atribui uma outra importncia s diversas formas de relao

    existentes no atual cenrio internacional, colocando o Estado em uma nova posio

    dentro da hierarquia das relaes internacionais (DI SENA JUNIOR, 2002). Dentre as

    principais contribuies da teoria, est a incluso de atores no estatais na seara

    internacional, bem como a atribuio de uma maior importncia s diferentes formas

    de poder, que no a militar.

    A forma com que o sistema internacional tratado como anrquico e

    conflitivo o coloca sempre como instvel e como gerador de desconfiana entre os

    Estados. Com praticamente toda poltica internacional baseada no equilbrio de poder

    norteado, principalmente, pelos elementos de high power durante parte do sculo XX e

    pelos de soft power a partir, especialmente, da segunda metade do sculo XX at o

    presente, mesmo que em algumas oportunidades seja recorrente a primeira forma.

    Nesse cenrio, cada Estado deve buscar a defesa de seus interesses independente

    da forma que utilizar, considerando seu poder relativo frente quele com quem vai

    estabelecer determinada forma de relao. Mesmo com a criao da Organizao das

    Naes Unidas, o clima de hostilidade nas relaes entre os Estados permanece,

    ainda que sejam utilizadas sanes mais relacionadas ao soft power.

    Com a ascenso de outros atores na seara internacional ao longo das ltimas

    dcadas como as organizaes intragovernamentais, organizaes no

    governamentais, empresas transnacionais, bem como as unidades federativas no

    h como pensar as relaes internacionais buscando a identificao dos principais

    atores, mas com a compreenso de que todos esses atores as influenciam em maior

    ou menor intensidade, no sendo possvel mais t-los como irrelevantes. Mesmo com

    a clara concepo realista do Estado como ator mais relevante e que as relaes

    internacionais devam ser pensadas e executadas por ele visando a defesa de seus

    interesses, a teoria da interdependncia apresenta novos e importantes atores

    constituintes do Sistema Internacional, ainda que no renegue o protagonismo dos

    Estados, bem como apresenta novas formas de poder, ainda que diferentes daquelas

    baseadas principalmente no poder militar.

    2. A PARADIPLOMACIA E A ATUAO INTERNACIONAL SUBNACIONAL

    O fenmeno usualmente conhecido por paradiplomacia vem tornando-se

    recorrente nos estudos de relaes internacionais. Esse conjunto das aes

  • internacionais desenvolvidas por governos no soberanos (BARRETO, 2005) tem

    buscado e conquistado uma legitimidade poltica cada vez maior. Embora sua

    existncia seja mais comum em Estados democrticos e federativos, os quais

    possuem maiores possibilidades de desenvolvimento, sua existncia em Estados

    unitrios no pode ser descartada. Segundo Duchacek (1990) external activities of

    subnational governments are observable and significant primarily in the case of the

    territorial components of democratic federal or descentralized systems.

    As principais publicaes sobre o tema debatem essa forma de atuao na

    Amrica do Norte e na Europa. Entre o fim da dcada de 1980 e incio da dcada de

    1990, surgem as primeiras publicaes sobre o tema no meio das Relaes

    Internacionais. Ivo Duchacek, Brian Hocking, Panayotis Soldatos, Michael Keating,

    No Cornago e Hans Michelmann so alguns dos principais pesquisadores a

    abordarem o tema. Sendo que, inclusive, Soldatos cunhou o termo paradiplomacia,

    amplamente utilizado dentro da literatura.

    The term paradiplomacy used in specialized literature refers to direct international activity by subnational actors (federetaed units, regions, urban communities, cities) supporting, complementing, correcting, duplicating, or challenging the nation-statess diplomacy, the prefix para indicates the use of diplomacy outside of the traditional nation-state framework. (SOLDATOS, 1993, p. 46)

    Classificando a paradiplomacia como uma diplomacia atuante fora dos quadros

    da diplomacia estatal tradicional, Soldatos indica que constitui uma atividade

    internacional dos atores subnacionais que pode funcionar como suporte,

    complementar, corrigir, duplicar ou mesmo competir com a diplomacia estatal. Porm

    Cornago, que posteriormente apresenta uma definio mais abrangente para o termo,

    apresenta a paradiplomacia como o engajamento de governos no centrais nas

    relaes internacionais com o estabelecimento de contatos permanentes ou ad hoc

    com entidades pblicas ou privadas de outros Estados. Nesse sentido, trataria de

    assuntos para os quais possuam competncia constitucional, como socioeconmicos,

    culturais ou de qualquer outro que respeite esses limites:

    (...) paradiplomacy can be defined as subnational governmental involvement in international relations, through the establishment of formal and informal permanent or ad hoc contacts, with foreign public or private entities, with the aim to promote socioeconomic or political issues, as well as any other foreign dimension of their own constitutional competences. (CORNAGO, 2000, p. 2)

  • Ainda que com perspectivas diferentes, ambas definies auxiliam no

    entendimento da atuao internacional subnacional. A primeira, de Soldatos,

    apresenta os atores e de que formas essa atuao pode impactar sobre as polticas

    exteriores dos governos centrais. J a de Cornago se relaciona mais diretamente com

    a forma de atuao das entidades subnacionais, bem como apresenta alguns temas e

    limitaes existentes. Em conjunto, trazem alguns pontos base para o melhor

    entendimento do fenmeno. Antes de aprofundar nas formas de atuao e motivaes

    para que busquem o internacional e quais os objetivos dessas empreitadas, deve-se

    entender quem so esses atores:

    (...) governos no centrais (GNC). Esse termo utilizado para referir-se a governos de coletividades territoriais subnacionais que fazem parte de Estados unitrios, como os Departamentos uruguaios, as Regies italianas e as Provcas chinesas, ou de Estados federais, como os Estados brasileiros, as Provncias argentinas e os Cantes suos. (NUNES, 2005, p. 13)

    Conhecendo quem so atores e em que consiste sua atuao internacional, o

    prximo ponto est relacionado s questes que levam esses atores a se projetarem

    externamente. Quais so as motivaes para investir recursos (humanos, financeiros e

    polticos) em uma empreitada internacional? A resposta difere entre os casos de

    membros subnacionais que buscaram a atuao internacional, porm possvel traar

    certa linearidade sobre as principais aspiraes nessa atividade.

    Embora no seja possvel determinar uma motivao geral para que os atores

    subnacionais busquem o exterior, alguns pontos podem ser traados formando uma

    linha ampla de aspiraes que incitam a empreitada. Para um breve entendimento,

    duas concepes se mostram como teis. A primeira, apresentada por Soldatos

    (1993), trata dos nveis de processos que levam os governos no centrais a atuao

    internacional, podendo ser motivaes nos nveis de unidade federada, de Estado-

    Nao ou de Interdependncia Complexa. J na percepo de Michael Keating (2004),

    existem trs grandes blocos de motivao para essa atuao internacional:

    econmicas, polticas e culturais. Ademais, como aponta Hocking (2004), esses atores

    podem buscar seus interesses internacionais atravs da influncia sobre seus

    governos nacionais, cobrando a projeo dos interesses locais, ou utilizando de

    recursos prprios para agir diretamente no cenrio internacional.

    Quando se pensa nessa projeo poltica apontada por Keating, em especial

    quando ligada a regies nacionalistas, ela tambm pode ser utilizada com fins

    separatistas. Dessa forma, necessrio realizar a diferenciao dessa forma de

    atuao. Esses so os casos da chamada protodiplomacia, a qual representa uma

  • ligao direta com governos nacionais estrangeiros, (X), mas suas demandas e seus

    objetivos so polticos (separatistas) em apoio futura independncia estatal (1990,

    traduo livre). A protodiplomacia, enquanto forma de atuao internacional

    subnacional, apresenta-se como nociva ao prprio Estado, uma vez que defende

    interesses separatistas.

    Alm da protodiplomacia, Duchacek (1990) aplica sua classificao quanto

    forma de atuao, variando conforme os atores e objetivos envolvidos. Alm da

    protodiplomacia, fala em macrodiplomacia, paradiplomacia global, paradiplomacia

    transregional e paradiplomacia regional transfronteiria. A macrodiplomacia constitui

    na diplomacia tradicional, realizada entre os governos centrais. A paradiplomacia

    regional transfronteiria se relaciona com os contatos informais e formais entre

    governos no centrais que possuam proximidade fronteiria. J a transregional se

    aplica a uma poltica mais ampla, expandindo seu alcance a governos no centrais

    mais distantes, mas ainda em pases vizinhos, sem, no entanto, possurem fronteiras

    territoriais. Por fim, global denota a ligao entre governos no centrais com outros

    entes subnacionais ou mesmo governos centrais com o fim de influenciar o comrcio,

    investimentos e outras polticas e aes.

    Sobre a relao entre governos no centrais e governos centrais, Soldatos

    (1990) afirma que essas atividades podem ser cooperativas ou paralelas. As primeiras

    podem ser coordenadas pelo governo central ou articuladas entre o governo central e

    os governos no centrais. J as paralelas podem ser harmnicas com o governo

    central, com ou sem monitoramento, ou desarmnicas gerando conflito entre o

    governo central e os governos no centrais. De forma direta ou pela utilizao de

    canais, a atuao internacional subnacional uma realidade. fato, tambm, que de

    ambas as formas esses atores acabam por influenciar as polticas externas nacionais

    e o desenho poltico do Estado no exterior. Esses atores podem:

    (...) representar tanto o papel de atores internacionais principais, buscando seus prprios interesses e o de seus clientes por meio de uma atuao internacional direta, como o de atores mediadores, usando caminhos nacionais para atingir seus propsitos. (...) as autoridades regionais so atores hbridos que possuem algumas das qualidades associadas a Estados-Nao, bem como atores de fora do contexto estadual. (HOCKING, 2004, p. 89)

    Em meio a essa discusso, a contestao que o conceito paradiplomacia sofre

    no pode ser desconsiderada. Sendo derivada de uma ideia de turbulncia na sua

    relao com a diplomacia tradicional, pode transmitir uma percepo de uma

    autonomia de ao. Algumas outras definies se apresentam mais abrangentes,

  • como constituent diplomacy de Kincaid e multilayered diplomacy de Hocking, as quais

    tendem a enfatizar dimenses consensuais dessa ao de possvel carter

    controverso. Cornago (2010) atribui o conceito de diplomacia subestatal como mais

    adequado para essa nova realidade poltica local e regional, cada vez mais aceita pelo

    sistema diplomtico.

    O questionamento tambm ocorre nos estudos brasileiros, a qual possui uma

    realidade distante daquelas observadas na poca da concepo do conceito. Salomn

    (2010) aponta a constante confuso entre diplomacia e poltica externa, visto que a

    primeira apenas um dos aspectos da segunda. Observa, tambm, que o prefixo

    para conota a ideia de uma diplomacia paralela, sendo dessa forma subordinada e

    inferior poltica externa nacional que no captura muitos dos aspectos dessa atuao

    e, assim, vai ao encontro do pensamento de Hocking (1999) no sentido da

    paradiplomacia, assim como a protodiplomacia, ser colocada em um segundo plano

    como uma imitao frouxa da diplomacia real. Da mesma forma, explana sobre a

    reduo da extenso do fenmeno pela utilizao inapropriada do termo, a qual reduz

    a extenso do fenmeno, muito mais amplo do que tal definio presume.

    No entanto, existem definies que ultrapassam a relao com o conceito de

    diplomacia, seja em sua concepo tradicional ou mesmo como uma nova diplomacia

    exercida de forma autnoma por esses atores. Autores como Rodrigues (2006)

    utilizam a poltica externa como parmetro de comparao, utilizando o conceito de

    poltica externa federativa, a qual constitui a estratgia prpria de um Estado ou

    Municpio, desenvolvida no mbito de sua autonomia, visando sua atuao

    internacional, de forma individual ou coletiva.

    O termo atuao internacional subnacional busca abranger o fenmeno de

    forma mais ampla e tentando absorver a discusso apresentada nos termos j citados.

    A utilizao de insero internacional subnacional tambm passvel de

    questionamento, pois, ao transmitir uma ideia de continuidade, pode contradizer a

    experincia que apresenta uma atuao pautada na lgica do stop and go3. Da

    mesma forma, a poltica externa federativa pode causar confuso com a poltica

    externa estatal e, tambm, por representar a excluso do fenmeno em Estados

    unitrios. Nesse sentido, cabe a observao de Rodrigues (2008), segundo o qual a

    terminologia variada indica uma viso prpria do fenmeno, de acordo com a

    compreenso que cada ator reserva para ele.

    3 A lgica do stop and go marcada pela descontinuidade e pela falta de estratgias definidas, sofrendo limitaes, principalmente por interesses polticos dos governantes, como tambm algumas constitucionais.

  • 3. VIABILIDADE JURDICA DA ATUAO INTERNACIONAL SUBNACIONAL

    BRASILEIRA

    O crescimento da atuao internacional subnacional ao redor do mundo tem

    levantado questionamentos sobre sua viabilidade jurdica. O fato de que A

    experincia de outras federaes existentes hoje ilustra que este problema no se

    circunscreve apenas ao Brasil (PRAZERES, 2004) fala por si s. Diversos estudos

    foram realizados por todo globo sobre o fenmeno e a validade dessas aes

    internacionais dos governos no centrais.

    Aproximando a questo ao caso brasileiro, vale ressaltar que o caso de um

    Estado federado, de forma que os governos no centrais so governos que so

    sujeitos de Direito Pblico Interno, mas no de Direito Internacional Pblico4 (NUNES,

    2005, p. 14). Trata-se, ento, dos governos estaduais, distrito federal e municpios

    brasileiros. No entanto, por mais que no possuam o status de sujeito do Direito

    Internacional Pblico, podem ser considerados atores no sentido amplo das Relaes

    Internacionais, pois mantm vnculos de diferentes formas, promovendo seus

    interesses via intercmbios recprocos que geram efeitos, aproximam diferentes

    sociedades e institucionalizam formas inovadoras de cooperao (COLACRAI;

    ZUBELZ, 2004).

    Pesquisadores, sob diferentes perspectivas, j abordaram a questo brasileira.

    Limitando-se s imposies constitucionais (trabalhando tambm com direito

    comparado) ou adotando uma posio predominante do prisma do Direito

    Internacional, necessrio apresentar o federalismo e os impactos mtuos causados

    na ordem jurdica local, nacional e internacional. Boga (2002) apresenta o

    federalismo tratando o termo federal, o qual:

    (...) provm do latim foedus, que a traduo na vulgata latina da palavra hebraica brit, que significa aliana, pacto, contrato, tratado. Em sua essncia, baseia-se o sistema federal na organizao dos assuntos humanos por meio de alianas, de pactos de acordo recproco, de contratos moralmente bem fundados, que asseguram um compromisso entre as partes para que estabeleam e mantenham no apenas determinadas relaes, como tambm as estruturas necessrias a seu desenvolvimento.

    Como Prazeres (2004) indica, apesar da distino realizada entre federao e

    confederao baseada no grau de centralizao poltica, existe a dificuldade na

    4 Em alguns casos essa definio no se aplica, pois constitucionalmente esses governos tm a possibilidade de atuar internacionalmente com respaldo jurdico do Governo Central. Mais adiante, ao debatermos os aspectos jurdicos da atuao internacional subnacional brasileira, esses casos sero retomados.

  • conceituao do federalismo. As questes de soberania e monoplio da poltica

    externa so tradicionalmente ligados e utilizados para mensurar o grau de

    concentrao poltica, de forma que somente o Estado possui tais atribuies em um

    sistema federativo. Dessa forma, uma unidade subnacional no poderia assumir

    compromissos internacionais, visto que o monoplio das relaes exteriores uma

    prerrogativa da soberania estatal.

    Derivando de um Estado centralizador, a centralizao da atuao

    internacional no caso brasileiro constitui-se como caracterstica marcante. Como

    afirma Prazeres (2004): A tendncia centralizadora (...) disps de maior destaque na

    correlao de foras que marcou o federalismo no pas. (...) seguindo o caminho do

    Estado unitrio ao Estado federal (...), de forma que:

    Apesar dos avanos jurdicos de 1988, impera no Brasil a viso dmod, mas suficientemente cristalizada nas elites nacionais, de que a nica voz vlida a voz unitria do Estado. (...) Esse senso comum vem, no entanto, enfrentando invulgar resistncia daqueles que, operando em um ambiente internacional cada vez mais confuso e complexo, provocam o abalo do paradigma tradicional da voz unitria do Estado-nao. (SARAIVA, 2004, p. 136-137)

    A partir dessa percepo, se faz necessrio, a priori, o entendimento acerca

    das limitaes jurdicas impostas atuao internacional dos entes federados tanto na

    esfera do Direito Internacional Pblico quanto na Constitucional. Nesse caminho,

    deve-se buscar a garantia legal para o fenmeno e garantir legitimidade para a

    atuao poltica, eliminando barreiras que possam emergir durante o processo de

    construo dessa atuao.

    Na literatura acerca do Direito Internacional Pblico, a discusso se d no

    cerne da capacidade desses atores de celebrarem tratados. A Conveno de Viena

    sobre o Direito dos Tratados que, apesar de se materializar em 1969, entrou em vigor

    apenas em 1980 rege os tratados internacionais celebrados entre Estados. Como

    apresenta na alna a do pargrafo 1 do Artigo 2, tratado significa um acordo

    internacional concludo por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional,

    quer conste de um instrumento nico, quer de dois ou mais instrumentos conexos,

    qualquer que seja sua denominao especfica.

    Nesse sentido, Celso D. de Albuquerque Mello aponta que a capacidade de

    concluir tratados reconhecida aos Estados soberanos, s organizaes

    internacionais, aos beligerantes, Santa S e a outros entes internacionais (2000).

    Entretanto, explica que, em casos especiais, os Estados dependentes ou membros de

  • uma federao tambm o podem, uma vez que o Direito Interno, atravs da

    constituio, pode atribuir esse direito aos estados federados.

    Segundo Jos Francisco Rezek (2000), a Comisso de Direito Internacional da

    Organizao das Naes Unidas procurou inserir no texto da Conveno, no pargrafo

    2 do Artigo 5, um dispositivo que garantisse a possibilidade de unidades federadas

    celebrarem tratados. O artigo seria concebido como Estados membros de uma unio

    federal podem possuir capacidade para concluir tratados se tal capacidade for

    admitida pela constituio federal, e dentro dos limites nela indicados (2000)5.

    Para Boga Filho (2002), o direito internacional permite a atuao internacional

    direta dos membros da federao, inclusive com a possibilidade de celebrao de

    tratados sem a chancela dos governos centrais, apesar de ressalvar que para alguns

    internacionalistas este poder deve ser garantido pelas constituies federais. Como o

    direito internacional no exclui a possibilidade dos governos no centrais em

    assumirem direitos e obrigaes na ordem internacional. Caberia, em ltima instncia,

    ao direito interno definir a amplitude dessa atuao. Argumentando que:

    (...) o direito internacional tambm parece refutar a distino entre federao e confederao feita pela cincia poltica, a partir da competncia sobre poltica externa. Ou seja, segundo os ensinamentos de direito internacional, uma unidade federativa de um Estado federal pode atuar diretamente no cenrio internacional e nem por isso o Estado a que pertence deixar de ser uma federao e passar a uma confederao, como indicariam os estudiosos em cincia poltica. (BOGA FILHO, 2002, p. 23)

    Dessa forma, no haveria impedimentos para a atuao internacional dos

    entes federais. Partindo disso, buscar-se- o entendimento das limitaes

    constitucionais impostas aos governos no centrais brasileiros para sua atuao

    internacional, pois como Boga mesmo coloca, cabe em ltima instncia ao direito

    interno brasileiro definir a amplitude de atuao de seus membros federados.

    A Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, tem em seu Artigo

    1 que A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados

    e Municpios e do Distrito Federal (...). Dessa forma, o pacto federativo atribui aos

    estados, distrito federal e municpios autonomia poltico-administrativa limitada

    constitucionalmente. Da mesma forma, deve-se destacar a impossibilidade de 5 Tal dispositivo derivou da capacidade contratual concebida nas constituies de alguns Estados federados, como Alemanha e Rssia, de seus membros atuarem internacionalmente com, inclusive, a capacidade de celebrar acordos internacionais. Apesar de argumentar que esse dispositivo traria maior segurana aos acordos internacionais, dois outros pontos debatidos acabaram por vetar sua insero. As alegaes eram de que seria necessrio interpretar as constituies dos Estados estrangeiros verificando a possibilidade dessas unidades e, em se tratando de uma questo de direito interno, no caberia ao direito internacional garantir a possibilidade dos entes federados celebrarem tratados.

  • desligamento de alguma das unidades federadas brasileiras se desligar da federao

    por se tratar de um vnculo indissolvel a partir do pacto federativo, de forma que

    traduzida em clusula ptrea da Constituio de 1988:

    Art. 60 (...) 4 - No ser objeto de deliberao a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; (...).

    Como colocam Brito e Carvalho (2010), o dispositivo alm de proteger a

    existncia formal do federalismo, busca evitar o enfraquecimento das competncias

    necessrias para sua manuteno, assim como da autonomia dos governos no

    centrais. Essa autonomia, que possibilita a distribuio das competncias entre o

    poder central e os descentralizados, provm do modelo de cooperao federal. Essa

    ideia, de federalismo por cooperao, est assentada na descentralizao de poderes.

    Fato constatado atravs do Artigo 18, segundo o qual A organizao poltico-

    administrativa da Repblica Federativa do Brasil compreende a Unio, os Estados, o

    Distrito Federal e os Municpios, todos autnomos, nos termos desta Constituio.

    Entendendo a funcionalidade, baseada na descentralizao federal brasileira, o

    tema relaes internacionais na Constituio emerge como discusso. Boga Filho

    (2002, p. 49) levanta alguns pontos importantes da Constituio de 1988 relacionados

    ao debate:

    - o artigo 21, inciso I, determina que compete Unio manter relaes com Estados estrangeiros e participar de organizaes internacionais; - o artigo 84, em seus incisos VII e VIII, em consonncia com a prerrogativa da Unio anunciada no artigo 21, diz que compete privativamente ao Presidente da Repblica manter relaes com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomticos e tambm celebrar tratados, convenes e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; e, - o artigo 25, pargrafo 1, confere aos Estados as competncias que no lhes sejam vedadas pela presente Constituio.

    E aponta esses dispositivos como chave para a anlise do federalismo e das

    relaes externas, formam, em consequncia, a base para a delimitao do campo da

    atuao externa dos entes federativos (ibdem). Com esses dispositivos

    constitucionais, nota-se que somente a Repblica Federativa do Brasil tem capacidade

    jurdica para celebrar tratados, sujeitos ao crivo do Congresso Federal.

    O que no est distante do que apresenta Boga Filho (2002), j que aponta o

    no conhecimento dos efeitos desses acordos j celebrados para adoo de medidas

    disciplinadoras na matria das relaes internacionais dos entes subnacionais. Da

  • mesma forma em que anteviu que o aumento da demanda desses atores na esfera

    internacional que poderia levar hiptese de uma emenda constitucional, como de

    fato ocorreu trs anos depois, quando o Deputado Federal Andr Costa (PDT-RJ)

    realizou a Proposta de Emenda Constitucional N 475/2005. A chamada PEC da

    paradiplomacia acrescentaria um segundo pargrafo ao artigo 23 da Constituio

    Federal, a fim de permitir que os estados, Distrito Federal e municpios pudessem

    promover atos e celebrar acordos ou convnios com entes subnacionais estrangeiros:

    2 Os Estados, Distrito Federal e Municpios, no mbito de suas respectivas competncias, podero promover atos e celebrar acordos ou convnios com entes de subnacionais estrangeiros, mediante prvia autorizao da Unio, observado o artigo 49, e na forma da lei.

    No entanto, a Comisso de Constituio e Justia e de Cidadania (CCJC) da

    Cmara, em relatrio do Deputado Ney Lopes (PFL-RN), opinou pela inadmissibilidade

    da PEC por promover a subverso da ordem federativa ao restringir a autonomia

    estatal prevista no artigo 18 da Constituio da Repblica. De fato, a proposio traz

    limitaes para a atuao dos entes federativos brasileiros, na medida em que limita

    as relaes com outros entes subnacionais. Ainda sobre as limitaes que seriam

    impostas, se torna necessria a autorizao da Unio, atravs da aprovao pelo

    Senado, de todos os atos dos mesmos, o que, alm de limitar a atuao por possveis

    vetos, tambm imporia uma nova etapa para sua execuo. Brito e Carvalho (2010)

    chamam a ateno para o nus que esses atos trariam sob essa nova regra, uma vez

    que na prtica no geram compromissos ou encargos gravosos ao Estado,

    estabelecendo uma confuso entre a atuao dos entes federados com a poltica

    externa brasileira, esta a cargo do Ministrio das Relaes Exteriores. vlido,

    tambm, ressaltar, como faz o Deputado Ney Lopes, que no se mostra clara a

    ligao entre a proposta e o Artigo 49 da Constituio Federal.

    Um dos aspectos mais interessantes no relatrio apresentado pelo Deputado

    Ney Lopes a defesa da constitucionalidade j existente da atividade internacional

    subnacional. Segundo o relator no existe dispositivo algum que vete a celebrao de

    atos internacionais por municpios, estados e Distrito Federal, expondo que:

    A liberdade de celebrar atos decorrente da autonomia declarada no artigo 18 da Constituio da Repblica e explicitada em outros artigos, como o 30. Sua liberdade ampla e submissvel a apenas dois limites: a) em casos onde o legislador constituinte deliberou restringi-la (vide artigo 52, inciso V); b) o prprio conjunto de competncias atribudas aos entes estatais pela Constituio da Repblica.

  • Ainda segundo o relator, a esses entes estatais possvel celebrar atos

    internacionais, sim, mas, naturalmente, dentro da esfera da respectiva competncia.

    Dessa forma, a possibilidade de atuao internacional subnacional est posta, sendo

    limitada constitucionalmente a questes que no lhe so vedadas, aquelas atribudas

    com exclusividade ao Governo Central. Lopes utiliza exemplos, nacionalidade e

    moeda, de temas que no estariam na competncia desses entes j que estariam

    ligados s questes de soberania nacional. Outro fato que se mostra importante o

    parecer quanto a possibilidade de celebrar tais atos com quaisquer pessoas

    estrangeiras, sejam elas dotadas ou no de personalidade jurdica de direito

    internacional presente no texto do relator.

    importante destacar que as limitaes constitucionais brasileiras para a

    atuao internacional subnacional esto relacionadas a assuntos ligados soberania

    estatal, de forma que assuntos que no estejam relacionados ao tema podem vir

    pauta dos entes federados. Da mesma forma, o Estado brasileiro no possuiu

    responsabilidade jurdica sobre os atos de seus municpios, estados e Distrito Federal,

    uma vez que na perspectiva do Direito, como aponta Lessa (2002), os documentos

    firmados no podero ser descritos sob a terminologia dos tratados internacionais se

    no estiverem amparados pelos ordenamentos jurdicos dos Estados e, dessa forma

    trata-se de compromissos polticos ou, de modo genrico, acordos informais

    convencionando denomin-los acordos ou atos informais.

    Convergindo com esse pensamento, o Deputado Ney Lopes opinou pela

    inadmissibilidade da PEC da Paradiplomacia ao considerar que, diferentemente da

    esperada garantia constitucional para atuao internacional subnacional, observava-se

    a promoo da subverso da ordem federativa ao restringir a autonomia estatal

    prevista no artigo 18 da Constituio da Repblica na proposta do Deputado Andr

    Costa. Dessa forma, assinalou-se que no existe impedimento constitucional para a

    atuao internacional subnacional brasileira, uma vez que a inadmissibilidade da PEC

    apresenta como possvel a celebrao de atos com quaisquer pessoas estrangeiras,

    mesmo aquelas que no possuem personalidade jurdica de direito internacional.

    CONSIDERAES FINAIS

    No final do sculo XX, novas possibilidades de se fazer poltica internacional

    surgiram devido aos processos de globalizao, estabelecimento dos regimes

    transnacionais e integrao regional, sendo que as barreiras impostas pelos limites

    estatais no mais inviabilizam a atuao internacional de atores antes dedicados ao

  • plano nacional. O mundo interdependente, no qual as questes nacionais e

    internacionais no mais possuem uma diferenciao clara, possibilita que esses novos

    atores se lancem em empreitadas internacionais. Nesse sentido, ocorre uma

    valorizao dos aspectos locais e regionais, fomentando a atuao internacional de

    novos atores governamentais e no governamentais. Os governos no centrais, nesse

    cenrio, possuem a oportunidade de buscar novos horizontes na seara internacional,

    de forma que essa atuao possui grande potencial de desenvolvimento.

    Mesmo em um cenrio de maior autonomia dos governos subnacionais nas

    relaes internacionais, o Estado ainda se constitui como principal ator da poltica

    internacional e exerce sua influncia sobre a esfera subnacional. Nesse cenrio, mais

    do que identificar quem possui protagonismo, deve-se identificar quem pode atuar e de

    que forma pode se inserir nas redes de barganha do Sistema Internacional. O poder

    militar no mais se constitui na nica forma de buscar os interesses nacionais,

    propiciando que novas pautas influenciem as tomadas de deciso no plano

    internacional. E, com a percepo de oportunidades, os entes subnacionais tm a

    possibilidade de se lanar ao internacional e buscar vantagens para a realidade local.

    Fato que, com uma poltica coordenada de atuao internacional subnacional, o

    Estado pode se beneficiar dessa internacionalizao das localidades.

    A maior legitimidade poltica da atuao internacional subnacional tem se

    tornado cada vez mais recorrente, especialmente em Estados democrticos e

    federativos. No entanto, apesar da maior participao desses atores, no se deve

    fazer relao com as formas tradicionais de atuao dos governos centrais. Mesmo

    que possam exercer alguma influncia nas polticas externas nacionais, sua forma de

    atuao difere desta de acordo com os atores e objetivos envolvidos. Nas motivaes,

    pode-se entender como motivaes relacionadas esfera poltica, como a nvel de

    unidade federada, Estado ou Interdependncia Complexa, o quanto ao carter da

    atuao, como econmicas, polticas ou culturais. Da mesma forma, podem atuar de

    forma cooperativa ou paralela ao governo central, sendo, no segundo caso,

    harmnicas ou desarmnicas com os governos centrais.

    Apesar de entender que o Brasil constitui o caso de um Estado federado e que

    esses atores no possuem se constituem como sujeitos de Direito Internacional

    Pblico, pode-se considerar os atores subnacionais no sentido mais amplo das

    Relaes Internacionais por promoverem seus interesses e manterem seus vnculos

    de diferentes formas. Quanto ao debate conceitual, o trabalho considera o termo

    atuao internacional subnacional mais adequado por atender, de forma mais ampla,

    as aspiraes internacionais dessa forma de poltica internacional exercida pelos

    governos no centrais, evitando, tambm, possveis confuses geradas pela utilizao

  • de outros termos e considerando a no linearidade das aes, pautadas pela lgica do

    stop and go.

    Sendo o Brasil uma federao institucional, ou seja, originada de uma

    constituio que estabelece essa unio poltica. No caso, j possuam unio poltica e

    autonomia administrativa, garantindo autonomia poltica com o advento do

    federalismo. Surgindo de um estado unitrio, a viso cristalizada de que o Estado a

    nica voz no cenrio internacional vem enfrentado questionamentos daqueles que

    entendem o ambiente internacional como cada vez mais complexo. Na busca pela

    garantia legal da atuao internacional subnacional, a fim de garantir legitimidade

    poltica para sua atuao, so necessrios entender dois aspectos, um de Direito

    Internacional Pblico e outro de Direito Constitucional. No Direito Internacional Pblico

    discutiu-se acerca da capacidade desses atores celebrarem tratados e, observando as

    questes levantadas no debate de formulao da Conveno de Viena, entendeu-se

    que a atuao internacional dos membros da federao permitida, desde que conte

    com a chancela do governo central, especialmente se garantido constitucionalmente,

    estabelecendo os limites dessa atuao.

    Vista a questo do Direito Internacional Pblico, segundo o qual no haveria

    impedimentos para que os entes subnacionais se projetassem externamente, buscou-

    se observar se no Direito Interno existia alguma limitao. Mesmo com o entendimento

    de que somente a Repblica Federativa do Brasil possui personalidade jurdica para

    celebrao de tratados internacionais, observa-se que a Constituio no impede a

    atuao internacional subnacional. Ao terem conferidas competncias que no sejam

    vedadas pela Constituio, os entes federativos brasileiros possuem legitimidade

    constitucional para atuarem internacionalmente, entretanto somente em questes que

    no sejam de exclusividade da Unio, especificamente aquelas ligadas soberania

    Estatal. Nesse sentido a PEC da Paradiplomacia, embora buscasse explicitar tal

    legitimao, acabava por limitar a atuao internacional subnacional brasileira, bem

    como dificultar a legitimao ao tornar obrigatria a aprovao pelo Senado, como

    ocorre com os tratados firmados pelo Estado brasileiro.

    REFERNCIAS

    BARRETO, M. I. A insero internacional das cidades enquanto estratgia de fortalecimento da capacidade de gesto dos governos locais. In X Congreso Internacional del CLAD sobre la reforma del Estado y de la Administracin Pblica. Santiago (Chile), 2005, p. 18- 21. BOGA FILHO, A. A. M. A diplomacia federativa: do papel internacional e das atividades externas das unidades federativas nos Estados nacionais. Tese de Altos

  • Estudos do Instituto Rio Branco do Ministrio das Relaes Exteriores, MRE, 2001. BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. 05 de outubro de 1988. BRITO, S. R. U. e CARVALHO, F. dos S. As possibilidades de atuao internacional dos municpios de acordo com o ordenamento jurdico Brasileiro (originais dos autores). In SALA, Jos (org.). O Municpio e as Relaes Internacionais: Aspectos Jurdicos. So Paulo: EDUC, 2010. CMARA DOS DEPUTADOS DO BRASIL. Relatrio do Projeto de Emenda Constituio N 475, de 2005. Acesso em: 20 de junho de 2010. ______. PEC 475/2005. Disponvel em: . Acesso em: 20 de junho de 2010. COLACRAI, M. e ZUBELZ, G. Las vinculaciones externas y la capacidad de gestin internacional desplegadas por las provincias argentinas en la ultima dcada. Una lectura desde las relaciones internacionales. In VIGEVANI, T.; WANDERLEY, L. E.; BARRETO, M. I. e MARIANO, M. P. (orgs.). A dimenso subnacional e as relaes internacionais. So Paulo: EDUC, Editora UNESP, EDUSC, FAPESP, p. 313-344, 2004. CORNAGO, N. Exploring the global dimensions of paradiplomacy Functional and normative dynamics in the global spreading of subnational involvement in international affairs. In: Workshop on constituent units in international affairs. Hanover, Germany, October, 2000. ______. On the normalization of Sub-State Diplomacy. The Hague Journal of Diplomacy, Leiden, 5, p. 11-36, 2010. ______. O outro lado do novo regionalismo ps-sovitico e da sia-Pacfico: a diplomacia federativa alm das fronteiras do mundo Ocidental. In VIGEVANI, T.; WANDERLEY, L. E.; BARRETO, M. I. e MARIANO, M. P. (orgs.). A dimenso subnacional e as relaes internacionais. So Paulo: EDUC, Editora UNESP, EDUSC, FAPESP, 251-282, 2004. DI SENA, R. J. Poder e interdependncia: Novas perspectivas de anlise das relaes internacionais. Cena Internacional, Braslia, n. 4, p.19-42, dezembro de 2002. DUCHACEK, I. Perforated sovereignties: toward a typology of new actors in international relations. In MICHELMANN, H. J. and SOLDATOS, P. Federalism and international relations. New York: Oxford University Press, p. 1-33, 1990. HOCKING, B. Foreign Ministries: Change and Adaptation. St. Martin's Press, 1999. ______. Regionalismo: uma perspectiva as relaes internacionais. In: VIGEVANI, T.; WANDERLEY, L. E.; BARRETO, M. I. e MARIANO, M. P. (orgs.). A dimenso subnacional e as relaes internacionais. So Paulo: EDUC, Editora UNESP, EDUSC, FAPESP, p. 77-108, 2004. KEATING, M. Regiones y asuntos internacionales: motivos, oportunidades y estrategias. In VIGEVANI, T.; WANDERLEY, L. E.; BARRETO, M. I. e MARIANO, M.

  • P. (orgs.). A dimenso subnacional e as relaes internacionais. So Paulo: EDUC, Editora UNESP, EDUSC, FAPESP, p. 49-76, 2004. KEOHANE, R. O. e NYE, J. S. Power and interdependence. New York: Longman, 2001. LESSA, J. V. da S. A paradiplomacia e os aspectos legais dos compromissos internacionais celebrados por governos no centrais. Tese de Altos Estudos do Instituto Rio Branco do Ministrio das Relaes Exteriores, MRE, 2002. MELLO, C. D. de A. Curso de Direito Internacional Pblico. Rio de Janeiro, Renovar, 2000. NUNES, C. J. S. A paradiplomacia no Brasil: o caso do Rio Grande do Sul. Dissertao de Mestrado, UFRGS, 2005. NYE, J. S. Cooperao e conflito nas relaes internacionais. So Paulo: Editora Gente, 2009. PRAZERES, T. L. Por uma atuao constitucionalmente vivel das unidades federadas brasileiras. In VIGEVANI, T.; WANDERLEY, L. E.; BARRETO, M. I. e MARIANO, M. P. (orgs.). A dimenso subnacional e as relaes internacionais. So Paulo: EDUC, Editora UNESP, EDUSC, FAPESP, p. 283-312, 2004. REZEK, J. F. Direito Internacional Pblico: curso elementar. So Paulo: Saraiva, 2000. RODRIGUES, G. A. M. Paradiplomacia e Direito Internacional no Brasil. In XV Encontro preparatrio do CONPEDI. Recife, 2006. ______. Relaes Internacionais Federativas no Brasil. DADOS - Revista de Cincias Sociais, Rio de Janeiro, 4, p. 1015-1034, 2008. SALOMN, M. Paradiplomacy in the developing world: The case of Brazil (originais da autora). In: Amen, Mark et al (orgs.). Cities and global governance. Ashgate, 2010. SANTOS, M. Por uma outra globalizao: do pensamento nico conscincia universal. Rio de Janeiro e So Paulo: Record, 2000. SARAIVA, J. F. S. A busca por um novo paradigma: poltica exterior, comrcio externo e federalismo no Brasil. Revista Brasileira de Poltica Internacional, n. 47, 2004, p. 131-162. SOLDATOS, P. No explanatory framework for the study of federated states as foreign-policy actors. In MICHELMANN, H. J. e SOLDATOS, P. Federalism and international relations. New York: Oxford University Press, p. 34- 53, 1990. ______. Cascading subnational paradiplomacy in an interdependent and transnational world. In: BROWN, D.; FRY, E. (orgs.). States and Provinces in the International Economy. California: Institute of Governmental Studies Press, University of California, p. 45-64, 1993. VIGEVANI, T. Problemas para a atividade Internacional das unidades subnacionais: Estados e municpios brasileiros. Revista Brasileira de Cincias Sociais, So Paulo, v. 21, n. 62, outubro 2006. WALTZ, K. N. Theory of international politics. New York: McGraw-Hill, 1979.