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1 A BIOGRAFIA COMO ESTUDO DA HISTÓRIA POLÍTICA MARINÊS DORS Doutoranda Unisinos- Bolsista Capes Profa. Rede Municipal de Ensino de Passo Fundo [email protected] Nesta reflexão pretende-se indicar possibilidades que tendem a ser frutíferas para a tese de doutorado que será redigida sobre o médico e líder político rio-grandense Nicolau Araújo Vergueiro (1882-1956). A proposta inicial delineava a composição de uma biografia da personagem, partindo de seu convívio e relações sociais com as elites, procurando reconstituir suas redes de sociabilidades. A partir das formulações de Pierre Rosanvallon (2010) sobre a história do político, no entanto, iniciou-se um processo de apreensão do que seria a história política numa perspectiva renovada, conforme assinalou anteriormente Rémond (2003), e das aproximações da mesma com o projeto elaborado para biografar Vergueiro. As biografias constam como temas abarcados pela história política, que inclui, ainda: eleições, partidos, associações políticas, mídia, opinião pública, entre outros (ROSANVALLON, 2010). Devido a singular trajetória da personagem e a abertura da história política para a multidisciplinaridade, faremos considerações sobre os desdobramentos de sua trajetória política e as fontes de pesquisa relacionando-as as propostas dos autores. Nicolau Araújo Vergueiro estudou na Faculdade de Medicina de Porto Alegre, retornando a sua cidade natal, Passo Fundo, no ano de 1906. Versando sobre esse assunto inicia sua narrativa memorialística, na qual afirma que esperou um mês para realizar o primeiro atendimento. Estreando como clínico, assevera que os outros médicos desejavam testar o seu conhecimento, pois julgavam o paciente acometido de grave angina diplitérica, como "defunto fresco". Após a aplicação do soro de Roux, o Dr. Vergueiro comenta o reestabelecimento do paciente e menciona seu sucesso: “Na

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A BIOGRAFIA COMO ESTUDO DA HISTÓRIA POLÍTICA

MARINÊS DORS

Doutoranda Unisinos- Bolsista Capes

Profa. Rede Municipal de Ensino de Passo Fundo

[email protected]

Nesta reflexão pretende-se indicar possibilidades que tendem a ser frutíferas

para a tese de doutorado que será redigida sobre o médico e líder político rio-grandense

Nicolau Araújo Vergueiro (1882-1956). A proposta inicial delineava a composição de

uma biografia da personagem, partindo de seu convívio e relações sociais com as elites,

procurando reconstituir suas redes de sociabilidades.

A partir das formulações de Pierre Rosanvallon (2010) sobre a história do

político, no entanto, iniciou-se um processo de apreensão do que seria a história política

numa perspectiva renovada, conforme assinalou anteriormente Rémond (2003), e das

aproximações da mesma com o projeto elaborado para biografar Vergueiro. As

biografias constam como temas abarcados pela história política, que inclui, ainda:

eleições, partidos, associações políticas, mídia, opinião pública, entre outros

(ROSANVALLON, 2010).

Devido a singular trajetória da personagem e a abertura da história política para

a multidisciplinaridade, faremos considerações sobre os desdobramentos de sua

trajetória política e as fontes de pesquisa relacionando-as as propostas dos autores.

Nicolau Araújo Vergueiro estudou na Faculdade de Medicina de Porto Alegre,

retornando a sua cidade natal, Passo Fundo, no ano de 1906. Versando sobre esse

assunto inicia sua narrativa memorialística, na qual afirma que esperou um mês para

realizar o primeiro atendimento. Estreando como clínico, assevera que os outros

médicos desejavam testar o seu conhecimento, pois julgavam o paciente acometido de

grave angina diplitérica, como "defunto fresco". Após a aplicação do soro de Roux, o

Dr. Vergueiro comenta o reestabelecimento do paciente e menciona seu sucesso: “Na

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pequena cidade só se falava nesse assunto. Desde então tomei conta de clínica, quase

por completo.”1 (VERGUEIRO, 1935, V.1)

De modo díspar, o ingresso na política não é comentado por Vergueiro. Mas é

possível ajuizar sobre essa escolha, tendo em vista que sua família possuía tradição na

política brasileira desde o período Imperial, fato que nos leva de imediato a associar este

indivíduo a seu ascendente português, estabelecido em São Paulo. Não há engano em

supor parentesco entre o personagem e o renomado Senador Nicolau Pereira de Campos

Vergueiro (1778-1859). Trata-se de um bisneto do mesmo2.

Nesse sentido, entendemos que o Dr. Vergueiro aceita ser herdeiro do

patrimônio político familiar, reconhecendo sua “vocação política”. Isso não significa

que o mesmo acreditasse ser um predestinado, mas apenas que havia disposição de sua

parte para investir no jogo político e, que a mesma demandou avaliação quanto ao

ingresso no partido, tanto por parte da personagem, quanto da agremiação. Pressupõe-se

que, seu pertencimento a elite, ou seja, o reconhecimento de seu status social, do título

de doutor, bem como de suas características pessoais como carisma e liderança foram

analisadas e, posteriormente, mostrar-se-iam eficientes no plano das disputas eleitorais

(GRILL, 2006).

Ao desenvolver uma análise sobre o recrutamento da elite médica no Rio Grande

do Sul, Coradini (1997) assegura-nos que o exercício da profissão médica no Estado

não conferia recursos sociais capazes de garantir notabilidade aos membros da mesma,

o que advinha, geralmente, da militância político partidária ou ainda do desempenho de

cargos públicos burocráticos, da participação em instituições culturais ou literárias, do

reconhecimento alcançado no exercício da clínica, etc. Dados estes que identificamos na

trajetória em pauta, embora não haja menção direta a tradição familiar no fragmento que

segue:

O jornal O Gaúcho, que durante muitos anos se publicou nesta cidade,

lançou, em 3 de Abril de 1909, em seu número 9, o seguinte artigo,

epigrafado "Dr. Vergueiro"

1 Informamos que foi realizamos a digitação dos manuscritos e procedemos a atualização da ortografia.

Os relatos estão disponíveis no site www.projetopassofundo.com.br 2 O segundo filho do ilustre político, Luis Pereira de Campos Vergueiro, casou-se com Balbina da Silva

Machado. Deste casamento foi gerado João de Campos Vergueiro que, quando adulto, casou-se com

Carolina de Araújo Vergueiro, fixando residência em Passo Fundo. Ambos geraram três filhos, a saber:

Emília, que faleceu aos cinco anos; Nicolau, personagem a quem nos reportamos; e Izaura.

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"A eleição do dia 29, para deputados à Assembleia dos Representantes do

Estado, trouxe, à tona da política riograndense, entre outros nomes de

distintos moços, que ora aparecem com investidura popular, o do nosso

prezado conterrâneo Dr. Nicolau Araújo Vergueiro.

Não é um desconhecido na política o distinto médico de Passo Fundo, se bem

que muito jovem ainda.

Tão cheio de merecimento e talento, quanto modesto e abnegado, o nosso

esforçado companheiro de lida e preclaro amigo, em poucos anos, fez um

nome invejável como clínico, e uma reputação exemplar como político, o que

lhe tem valido as justas considerações e o prestígio de que goza em nosso

meio.

Presidente do Conselho Municipal, que conta em seu seio respeitáveis

venerandos; presidente re-eleito por aclamação do Clube Pinheiro Machado;

recusante insistente do cargo de intendente do município e companheiro

político sempre ouvido com proveito pelo seu seguro critério, são provas

inequívocas dos merecimentos políticos do novo deputado pelo 2° círculo.

S. Ex., aceitando a apresentação da sua candidatura, o fez unicamente em

obediência ao seu ilustre chefe e amigo Sr. Coronel Gervásio, e às injunções

do dever cívico.

Avesso por temperamento a qualquer espécie de destaque; moço; casado com

uma distintíssima porto-alegrense de primorosa educação e excelsas virtudes;

residindo no seu elegante palacete; dispondo de avultada fortuna patrimonial

e de rendosa clínica; apreciado na sua roda de amigos que se compõe de

todos os que com S. Ex. mantém relações de amizade sem restrições

partidárias, o nosso abnegado amigo sacrifica todas as suas comodidades e

vantagens, para servir o seu partido com essa dedicação que o torna digno de

ocupar a sua cadeira de representante do povo entre os veteranos da honrosa

investidura.

Apresentando o novo deputado à imprensa política do partido, fazemos com

segurança de que o modesto filho da região serrana é digno da sua simpatia,

como um dos que bem merecem da Pátria Riograndense pelos seus serviços e

pelos seus merecimentos pessoais. (VERGUEIRO, 1936, V.6)

A nota do Jornal “O Gaúcho”, selecionada por Vergueiro e reproduzida nas

memórias, ressalta a trajetória inicialmente percorrida pelo mesmo. Todavia, cabe

mencionar que o personagem destacou-se em âmbito municipal, estadual e nacional,

devido a sua atuação como representante da intendência municipal, da Assembleia

Legislativa e da Câmara dos Deputados. Nos quadros do Partido Republicano Rio-

grandense (PRR), Vergueiro iniciou sua trajetória política ao assumir o cargo de

Conselheiro municipal, em 1908, tornando-se presidente local da agremiação política

em 1920.

No ano de 1909, ele foi eleito para atuar na Assembleia de Representantes do

Rio Grande do Sul, reelegendo-se por mais quatro legislaturas, quando, novamente,

galgou posição e passou a ocupar assento na Câmara dos Deputados, sendo reeleito em

1935. Em 1920, Vergueiro foi eleito intendente municipal, concomitantemente a sua

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participação na Assembleia. Esse resultado do pleito repetiu-se em 1928. Vergueiro foi

duramente criticado pela oposição por acumular, simultaneamente, cargos públicos,

conforme verificou Rouston (2012) ao pesquisar sobre a atuação da bancada federalista

na Assembleia dos Representantes.

Ao estudar a trajetória política de Vergueiro, Prates (2001, p. 7) afirmou que sua

figura foi fundamental no processo histórico-social do município de Passo Fundo e

região, bem como nas articulações com o governo estadual e federal. Tal atuação

parlamentar, contudo, se apresentava de acordo com o observado a partir da leitura e

análise dos Anais da Assembleia Legislativa, principalmente na articulação política,

sobretudo organizando e tecendo redes de sociabilidade. Embora participasse das

sessões frequentemente, raramente fez discursos ou apartes, no entanto sempre foi eleito

membro de diversas comissões entre as quais ressaltamos Exame de Despesas, Petições

e Reclamações, Constituição e Poderes, Orçamento e Redação.

Na atuação do parlamentar verifica-se o conhecimento perito do clínico, que em

1936, integrou a Comissão de Saúde Pública da Câmara dos Deputados Federais.

Coube-lhe a tarefa de apresentar um projeto de lei, regulando o art. 145 da Constituição

de 16 de Julho de 1934, que estabelecia o exame medico pré-nupcial. O ideal da

educação eugênica e a higiene da raça motivaram o Deputado a reivindicar espaço na

tribuna outras vezes para argumentar em sua defesa. Propagador das ideias de Renato

Kehl, Vergueiro buscou a mídia para converter a opinião pública a favor de seu projeto

de lei. Refere-se a essa estratégia no sétimo e oitavo volume de suas memórias, ao

reproduzir os artigos que publicou no Jornal “Diário da Manhã”, durante o ano de 1936

abordando temáticas relacionadas a eugenia: tuberculose, sífilis, lepra, alcoolismo,

educação e saúde, etc.

Concomitante a laconismo de discursos inscritos em Anais da Assembleia dos

Representantes, notamos que as “Notas íntimas” – título que o líder político confere as

escritas auto referenciais – incluem expressivo registro de discursos pronunciados por

seu autor em homenagens prestadas a outras lideranças políticas, ao compor diretorias

de associações e instituições, ou ser convidado como paraninfo. Contudo, enfatizamos a

sua atividade política na região ao discursar para os correligionários, em várias

situações, tais como após o falecimento de Gervásio Lucas Annes, no lançamento das

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candidaturas, em piqueniques e jantares, nas posses como intendente municipal, em

manifestos políticos, e também no seu retorno do exílio.

Os acontecimentos da Revolução Constitucionalista de 1932 refletiram-se na

trajetória de Vergueiro. O mesmo foi preso duas vezes e rumou para o exílio na

Argentina. Mas, seu retorno ocorreu após ser eleito para a Assembleia Constituinte de

1934. Em suas reminiscências, Vergueiro lista nominalmente os companheiros de exílio

os quais destacamos a presença de João Neves da Fontoura, Victor Graeff, Aníbal

Loureiro, João Baptista Luzardo, Ibrahim Nobre, José Carlos Pereira, Firmino Paim,

Waldemar Rippol, João Gonçalves Viana, Manoel Ferreira, Raul Pilla, Lindolfo Collor,

Austragésilo de Athayde, Clarimundo Flores, Ulysses Machado, João Lagomarsino,

Gasbypo Chagas Pereira, Octacílio Fernandes, Brasilio Taborda, totalizando um grupo

de 54 refugiados entre cidades da Argentina e do Uruguai.

Vergueiro optou pela República da Argentina e hospedou-se em Los Libres e

Buenos Aires. Esteve na capital durante quatro meses, retornando a cidade fronteiriça,

onde aguardaria a Promulgação da Constituição a fim de retornar em segurança.

Todavia seu regresso ao Brasil foi antecipado devido as prisões que estavam sendo

decretadas para os brasileiros exilados, conforme esclarece:

[...] Fiquei então só no hotel, e foram, por certo, os piores dias do meu exílio.

Li e escrevi muito... tout casse, tout passe et tout lasse...

Lembrei-me, nessa ocasião, que Victor Hugo fala dos que vão sozinhos pelos

campos e assobiam para fazer companhia a si mesmos, e tentei assobiar

pedaços de velha óperas e de antigas operetas tantas vezes ouvidas; de valsas,

da minha mocidade, já distante, e tantas vezes dançadas, mas - sempre o

complicado mas - apesar de muito gostar de música, e sentir a doçura e

suavidade inebriantes de suas melodias, tive sempre um mau ouvido, incapaz

de guardar e reproduzir, mesmo o mais popular dos tangos, La cumparsita.

Comecei a perder o meu bom humor, e a me tornar, hora a hora, irrequieto,

impertinente, percebendo que estava às portas da neurastenia, irritado ainda

mais por uma estúpida e brutal insônia.

Além disso, Libres, cidade arenosa e à margem direita do Uruguai é, sem

favor algum, o lugar de mais calor por onde hei estado, agravado por uma

quantidade de mosquitos pernilongos, como nunca vi e nunca supus.

Apesar de tudo, estava firmemente resolvido a ali permanecer até a volta da

Lei Magna ao Brasil, mas - outra vez o mas - o homem põe e Deus dispõe.

Lagomarsino chegara, a 28, da capital portenha.

Vindo, à 31, da Igreja, às 11 horas da manhã, soube, por pessoa fidedigna

que, de Buenos Aires, o governo indagará se eu permanecia em Libres, e

quais ainda os exilados brasileiros que aí estavam.

Por quê?

Octacílio Fernandes fora, naqueles dias, preso na Capital argentina,

conseguindo, pitorescamente e habilmente, fugir.

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Jovelino Saldanha passara, um ou dois dias antes, escoltado de São Tomé

para Buenos Aires.

Procuravam, com ordem de prisão, a Gasbypo e Sylvio.

Nessa emergência, para evitar uma violência inexplicável, porque não

tramávamos contra a ditadura, por absoluta falta de recursos e de meios,

senão por falta de vontade, preferi arriscar a ser preso na minha própria

Pátria, e, naquele mesmo dia, às 3 da tarde, juntamente com Lagomarsino,

em confortável lancha à gasolina, cedida gentilmente por Pedroso, vim para

Uruguaiana, de onde, depois de passar alguns dias no Hotel Paris, de Santich,

segui, por Bagé, diretamente ao Rio Grande, embarcando, no Itapagé, a 2 de

Março, para o Rio, onde cheguei a 6 do mesmo mês.

Aí, na casa do meu cunhado Dionysio Cabeda Silveira, em Copacabana,

permaneci alguns dias, mas como estava sendo muito vigiado pela policia da

ditadura, viajei para São Paulo, onde me encontro e aguardarei a

promulgação da Constituição, a fim de, no dia imediato, regressar ao meu

querido Passo Fundo. Em São Paulo, sempre tive a mais ampla liberdade.

Na conjuntura de 1945, Nicolau Araújo Vergueiro participou da fundação do

Partido Social Democrático (PSD), elegendo-se Deputado Federal. Nessa agremiação, o

personagem, continuou exercendo sua liderança, já consolidada no meio político e

social. Assumindo, a partir de 1947, a presidência do diretório local. No pleito de 1950,

Vergueiro também se candidatou ao cargo, todavia, não foi eleito.

Atualmente, poucas informações estão disponíveis aos pesquisadores sobre o

período da vida de Vergueiro posterior a 1938. Os volumes de memórias doados pela

família Vergueiro para o Arquivo Histórico Regional (AHR) de Passo Fundo foram

redigidos entre 1935 e 1937. Para aproximarmo-nos do período a seguir, temos de

buscar os debates políticos na mídia, as entrevistas, e podemos recorrer, inclusive aos

cadernos de produção de si. Trata-se de três volumes que arrecadam anotações, colagens

de recortes de jornais, correspondências, fotografias, cartões, feitas por Vergueiro,

seguindo ordem cronológica, embora imprecisa. Após o falecimento do autor em 1956,

a guardiã do acervo – Maria Canfield Malheiros – deu continuidade a produção fixando

artigos publicados na imprensa referentes ao político que continuou frequentemente

sendo citado.

Também foram preservados alguns discursos da década de 1950. Como

comentamos, os discursos elaborados e pronunciados nas mais diversas ocasiões

constituem material valioso para a escrita da história política. A partir desse conjunto

podemos conhecer as ideias de Vergueiro, sua cosmovisão e ainda temos acesso as suas

leituras e interpretações dos pensadores. Contudo, é instigante, nesta análise do

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conteúdo dos discursos, perceber a democracia como um problema, tal como sentiam os

homens que viveram naquele contexto.

Situa-se nesse ponto a originalidade da abordagem interativa dessa nova história

política, ao propor a análise do modo pelo qual uma cultura política, suas instituições e

eventos interagem para estabelecer formas políticas; e ao mapear sobreposições,

divergências, distorções, convergências e lacunas que caracterizam a formação de

modelos políticos, determinam o que é equívoco ou ambíguo neles ou em suas

realizações. A análise dessas diferentes temporalidades torna possível perceber a

dinâmica de uma sociedade, bem como tensões e negações presentes na vida

democrática que são expressas, também nas culturas políticas. Percebe-se que a história

política e o conceito de cultura política têm em comum sua origem na discussão sobre a

democracia, de acordo com Rosanvallon (2010) e Castro (2008).

Evidencia-se nos estudos de história política, a multidisciplinaridade. Como

exemplo afirmativo dessa assertiva, cita-se o já referido conceito de cultura política,

empregado inicialmente em estudos da ciência política – na década de 1960, nas

formulações de Almond e Verba – que foi estigmatizado naquela área e, atualmente, é

incorporado à pesquisa histórica. Segundo Berstein (1998, p. 362-363) o interesse dos

historiadores na identificação da cultura política é duplo, pois:

Permite em primeiro lugar pelo discurso, o argumentário, o gestual, descobrir

as raízes e as filiações dos indivíduos, restituí-las a coerência dos seus

comportamentos graças à descoberta das suas motivações, em resumo,

estabelecer uma lógica a partir de uma reunião de parâmetros solidários que

respeitem o homem por uma adesão profunda, no que a explicação pela

sociologia, pelo interesse, pela adesão racional a um programa que se revela

insuficiente, porque parcial, determinista e, portanto, superficial. Mas em

segundo lugar, passando da dimensão individual à dimensão coletiva da

cultura política, esta fornece uma chave que permite compreender a coesão

de grupos organizados a volta de uma cultura. Factor [sic] de comunhão dos

seus membros, ela fá-los tomar parte colectivamente [sic] numa visão comum

do mundo, numa leitura partilhada do passado, de uma perspectiva idêntica

de futuro, em normas, crenças, valores que constituem um património [sic]

indiviso, fornecendo-lhes, para exprimir tudo isso, um vocabulário, símbolos,

gestos até canções que constituem um verdadeiro ritual.

Sobre as culturas políticas, especificamente daquelas presentes na sociedade

brasileira e rio-grandense da primeira metade do século XX (republicanismo,

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castilhismo, trabalhismo, comunismo, etc.) cabe empreender uma pesquisa de modo a

delineá-las. A cultura política, para Gomes (2005, p. 41), tem caráter plural e “é

marcada pela diversidade, pela competitividade e pelo movimento”. Portanto, a autora

reafirma a legitimidade de discutir este conceito, ao mesmo tempo em que sugere que o

mesmo “é também muito produtivo para se trabalhar com mitos, tradições e ideologias

políticas”. Segundo Motta (1996, p. 95) o conceito de cultura política “[...] pode ser

caracterizado como conjunto de normas, valores, atitudes, crenças, linguagens e

imaginário, partilhados por determinado grupo, e tendo como objeto fenômenos

políticos”.

Se no passado as questões de poder já norteavam a escrita da história política,

hoje continuam sendo centrais. De acordo com a nova perspectiva, o trabalho dos

pesquisadores não consiste apenas em descrever ações de sujeitos, mas buscar explicá-

las e, através da análise, atribuir-lhes sentidos ou compreensões. Deixam de ser citados

nomes e datas apenas, passa-se a pensar mais na racionalidade desses sujeitos, em suas

relações sociais, em sua liberdade e até mesmo no campo de possibilidades que tinham

para tomar suas decisões e agir. Como no exemplo em que citamos, quando Vergueiro

narra como decidiu retornar do exílio.

Prosseguindo cabe apontarmos como fontes privilegiadas, acerca da percepção

sobre a racionalidade da personagem eleita, a composição de seu arquivo pessoal. Trata-

se do que os historiadores denominam como “produção de si”, prática cultural na qual

os indivíduos modernos encontram a possibilidade de constituir uma identidade para si,

mas com base nos documentos. O conjunto de Vergueiro é bastante vasto, ultrapassa as

memórias e cadernos de produção de si que citamos, é composto por: fotos,

correspondências, livros contendo recortes de jornais relacionados, objetos de uso

pessoal, móveis, etc. que se dividem entre um acervo que foi doado ao AHR e outro,

familiar.

Entendemos que ao empregar essas fontes, nas palavras de Foucault (1992, p.

137), “trata-se não de perseguir o indizível, não de revelar o que está oculto, mas, pelo

contrário, de captar o já dito, reunir aquilo que se pôde ouvir ou ler, e isto com uma

finalidade que não é nada menos que a constituição de si”.

Conforme a compreensão de Gomes (2004, p. 11-12), “o indivíduo se torna

moderno justamente quando postula uma identidade para si no interior do todo social,

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afirmando-se como valor distinto e constitutivo desse todo”. Note-se que, quanto ao uso

das fontes conhecidas como “escritas de si”, o que predomina no relato é a verdade do

autor, pois a subjetividade dele integra-se à linguagem. Assim, o historiador não

procurará a verdade dos fatos porque esta não é a finalidade do registro3.

O que passa a importar para o historiador é exatamente a ótica assumida pelo

registro e como seu autor a expressa. Isto é, o documento não trata de dizer o

que houve, mas de dizer o que o autor diz que viu, sentiu e experimentou,

retrospectivamente, em relação a um acontecimento (GOMES, 2004, p. 15).

Para Schmidt (2004, p. 27) é tarefa do historiador4, como biógrafo, “desconstruir

essas fontes”, o que não significa “desqualificá-las como ‘falsas’”, mas construir a

narrativa a partir de pressupostos, como “a multiplicidade, a diversidade de caminhos e

possibilidades e a liberdade de escolha, em um campo de possibilidades historicamente

determinadas, onde os ‘sentidos’ são construídos durante o itinerário e não

previamente”.

Tal ponderação de Schmidt (2004) está em consonância com a exposição de

Rosanvallon (2010, p. 34). Para ele, a trabalho do historiador consiste em tentar restituir

ao passado sua dimensão de presente, isto é, de indeterminação, o que se dá através do

resgate da experiência política dos atores, seus sistemas de ação, representação e

contradição. De certo modo, há uma equivalência sobre a importância desse aspecto,

que em biografias históricas é posto como contexto, como será especificado a seguir.

O papel que deve ocupar o “contexto” na elaboração de narrativas de caráter

biográfico, é tema de discussão entre os autores que trabalham com este gênero de

escrita. Levi (2005), por exemplo, esclarece que tais narrativas devem levar em conta a

3 Nessa mesma perspectiva de análise Arfuch (2010, p. 73) justifica que “não é tanto o ‘conteúdo’ do

relato por si mesmo – a coleção de acontecimentos, momentos, atitudes –, mas precisamente as

estratégias – ficcionais – de autorepresentação o que importa. Não tanto a ‘verdade’ do ocorrido, mas

sua construção narrativa, os modelos de (se) nomear no relato, o vaivém da vivência ou da lembrança, o

ponto do olhar, o que deixa na sombra; em última instância, que história (qual delas) alguém conta de si

mesmo ou de outro eu”. 4 Esse é o título do artigo de Sabina Loriga que tem como temática a obra La memória, la historia, el

olvido, de Ricoeur. Loriga (2009, p. 25) pondera que: “De início, para Ricoeur, o historiador deve deixar

de tratar os vestígios da memória como resíduos arcaicos ou como uma ficção da qual se deve desconfiar.

Mais do que isso, deve deixar de reduzir a memória a um objeto entre outros – como fez às vezes a

história das representações. Em compensação, deve reconhecer sua profunda dependência da memória,

aceitar que ela seja matriz, seu solo de enraizamento.”

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importância das relações sociais, da racionalidade individual e dos sistemas normativos.

Ele evoca ainda o alerta de Bourdieu (2005), sobre os riscos implicados em uma “ilusão

biográfica”, e afirma ser tarefa indispensável daqueles que operam com este gênero de

escrita, a reconstrução do contexto, isto é, da “superfície social” em que age cada

indivíduo, numa pluralidade de campos a todo instante (LEVI, 2005, p. 169).

Entre as diversas formas de conceber o contexto, sugeridas por esses teóricos,

destaca-se, alternativamente, seu entendimento como um campo de possibilidades, no

qual os indivíduos têm certo grau de liberdade e fazem escolhas, opções, tomam

decisões de forma mais ou menos racional, o que ocorre também devido aos projetos

individuais5. Na mesma perspectiva Rosanvallon (2010, p.58) assevera que, “para além

de ideologias e preconceitos, há representações positivas organizando o campo

intelectual no qual existe um determinado conjunto de possibilidades em dado momento

histórico” que devem ser consideradas com seriedade, visto que integram “reais e

poderosas infraestruturas sociais”. Para este teórico devemos dar relevo as

“representações passivas” e “ativas que moldam a ação, encerram o campo de

possibilidades a respeito do que é possível pensar e determinam as questões do

momento.

Para finalizar essa reflexão é preciso estabelecer que um personagem não pode

ser compreendido isoladamente, mas apenas a partir de suas relações sociais. Assim

como suas atividades e ações dependem do espaço em que se encontra inserido. Guerra

(1993, p.241), afirma que: “[...] las atitudes de los actores no son solo uma consecuencia

de su própria identidad, sino también, del lugar que ocupan em um marco geográfico o

político determinado”.

Entendemos que uma série de eventos levou Vergueiro a liderança do PRR em

Passo Fundo, inicialmente o fato de ser natural dali, acrescido de suas características

pessoais, da erudição e formação superior, do atendimento médico prestado e da

tradição familiar. Sem o apoio dos membros do Partido e a aceitação do grupo de

eleitores, o mesmo não teria conseguido alcançar e manter seu prestígio político ao

longo de meio século.

5 As noções de campo de possibilidades e de projetos foram propostas pelo antropólogo Gilberto Velho

(2003). Schmidt (2004, 2009) vem ressaltando a possibilidade de incorporá-las nas reflexões sobre escrita

biográfica.

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A leitura das memórias de Vergueiro, redigidas quando o mesmo contava com

aproximadamente 53 anos, evocam constantemente os outros, isto é, familiares,

pacientes, adversários políticos, colegas de profissão, correligionários, permitindo-nos

vislumbrar que a memória é um elemento constituinte da identidade postulada pelo

autor. Considerando que a memória é uma evocação do passado, a mesma tem uma

dimensão seletiva em função das necessidades e da posição que o indivíduo ocupa no

presente. Ao redigir as “Notas íntimas” Vergueiro reviu sua trajetória, contando sua

história. Considerando as disputas políticas nas quais esteve envolvido, é possível que,

ao deixar seu registro, isto é sua versão, ele buscasse legitimidade política, assegurando

que sua verdade fosse perpetuada e conhecida pelas futuras gerações.

Fontes

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Manuscrito. Volume 1: iniciado em 11/07/1935, encerrado em 6/8/1935, no Rio de

Janeiro. p. 200.

Volume 2: iniciado em 07/08/1935, encerrado em 04/09/1935, no Rio de Janeiro.

Volume 3: 05/09/1935, encerrado em 19/10/1935, redigido no Rio de Janeiro e em

Passo Fundo.

Volume 4: 20/10/1935, encerrado em 06/11/1935, em Passo Fundo.

Volume 5: 07/11/1935, encerrado em 08/12/1935 em Passo Fundo.

Volume 6: 09/12/1935, encerrado em 05/03/1936, em Passo Fundo.

Volume 7: 07/03/1936, encerrado em 20/11/1936, em Passo Fundo.

Volume 8: 21/11/1936, encerrado em 31/11/1937, em Passo Fundo.

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