A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    1/203

    Outubro de 2013

    Universidade do Minho

    Instituto de Cincias Sociais

    Mrio Bruno Carvalho Pastor

    A Casa da Moeda do Porto na Alfndega Velha

    Bases para uma proposta de interpretao patrimonial de um recurso

    turstico a desenvolver

    Tese de Mestrado

    Patrimnio e Turismo Cultural

    Trabalho efetuado sob orientao de

    Doutor Rui Manuel Lopes de Sousa Morais

    Dr Manuel Lus Real

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    2/203

    ii

    Anexo 3

    DECLARAO

    Nome

    Mrio Bruno Carvalho Pastor

    Endereo eletrnico: [email protected] Telefone: 916294258

    Nmero do Bilhete de Identidade: 10747583

    Ttulo dissertao /tese

    A Casa da Moeda do Porto na Alfndega Velha

    Bases para uma proposta de interpretao patrimonial de um recurso turstico a

    desenvolver

    Orientadores:

    Rui Manuel Lopes de Sousa Morais

    Lus Manuel Real Ano de concluso: 2013

    Designao do Mestrado ou do Ramo de Conhecimento do Doutoramento:

    Patrimnio e Turismo Cultural

    Nos exemplares das teses de doutoramento ou de mestrado ou de outros trabalhos entregues para

    prestao de provas pblicas nas universidades ou outros estabelecimentos de ensino, e dos quais

    obrigatoriamente enviado um exemplar para depsito legal na Biblioteca Nacional e, pelo menos outro para

    a biblioteca da universidade respetiva, deve constar uma das seguintes declaraes:

    1. AUTORIZADA A REPRODUO INTEGRAL DESTA TESE/TRABALHO APENAS PARA EFEITOS

    DE INVESTIGAO, MEDIANTE DECLARAO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SE

    COMPROMETE;

    2. AUTORIZADA A REPRODUO PARCIAL DESTA TESE/TRABALHO (indicar, caso tal seja

    necessrio, n. mximo de pginas, ilustraes, grficos, etc.), APENAS PARA EFEITOS DE

    INVESTIGAO, MEDIANTE DECLARAO ESCRITA DO INTERESSADO, QUE A TAL SECOMPROMETE;

    3. DE ACORDO COM A LEGISLAO EM VIGOR, NO PERMITIDA A REPRODUO DE

    QUALQUER PARTE DESTA TESE/TRABALHO

    Universidade do Minho, ___/___/______

    Assinatura: ________________________________________________

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    3/203

    iii

    Agradecimentos

    Agradecemos aos nossos orientadores e ao Dr. Antnio Manuel S. P. Silva, a quem

    dedicamos, em conjunto, este trabalho, por todo o apoio, disponibilidade e amizade que nos

    deram, e que tudo dispuseram para que este trabalho ganhasse forma, desde as preciosas

    informaes bibliogrficas fornecidas, s ricas conversas em grupo, passando por todo oconhecimento prtico e experincia que nos transmitiram e que to importantes foram para

    disciplinar o trabalho e melhor compreender o espao da Casa da Moeda, na Casa do Infante.

    Queremos agradecer tambm, de forma muito especial, ao Doutor Jos Manuel Cordeiro,

    da Universidade do Minho, pelo incentivo e sugestes para a escolha do tema desta tese;

    Dra. Sofia Alves, diretora do Departamento Municipal de Arquivos da Cmara Municipal do

    Porto, por ter autorizado o nosso estudo dos materiais da Casa do Infante; ao Dr. Filipe Teixeira,

    do Gabinete de Numismtica da Cmara Municipal do Porto, tambm pela sua disponibilidade,

    apoio e partilha. Ao Doutor Mrio Barroca, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto,tambm pelo seu apoio e ajuda na interpretao e identificao de alguns dos materiais que

    estudamos e Sociedade Portuguesa de Numismtica, na pessoa do seu presidente, o

    Doutor Rui Centeno, e aos seus funcionrios, que to gentilmente nos facilitaram o acesso total

    sua biblioteca.

    Agradecemos ainda Dra. Mercedes Jover Hernando, diretora do Museu de Navarra,

    que prontamente nos disponibilizou o material numismtico que requisitamos sua instituio e

    que nos parece to siginificativo para completar o estudo da Casa da Moeda do Porto.

    Ao Pedro Constantino, pintor, que com o seu talento e disciplina procurou recriar, em

    aguarela, o ambiente, os trabalhos e os homens da velha Casa da Moeda do Porto.

    Por fim, e naturalmente, um agradecimento tambm especial nossa famlia e Carina,

    pelo apoio e compreenso pelos tantos dias de ausncia a que o projeto nos obrigou.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    4/203

    iv

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    5/203

    v

    A Casa da Moeda do Porto na Alfndega Velha

    Bases para uma proposta de interpretao patrimonial de um recurso turstico a desenvolver

    Resumo

    A Casa da Moeda do Porto, na chamada Casa do Infante, instituio de charneira das

    polticas e projetos nacionais, sobretudo enquanto ferramenta de financiamento das empresas

    da coroa, desde as guerras, expanso ultramarina, foi, desde os finais do sculo XIV at

    incios do sculo XVII, e depois durante umas dcadas, entre 1688 e 1721, um centro de

    produo monetria e de afirmao do poder central, nico no norte do pas. Contudo, a sua

    importncia na cidade foi decaindo logo nos incios do sculo XVIII, at ao seu encerramento

    definitivo. Com o seu encerramento, a memria patrimonial da sua atividade, das suas

    instalaes, mas tambm dos seus trabalhadores e dos seus privilgios, foram, lentamente,

    caindo no esquecimento, no s dentro da cidade, como tambm no resto do pas.

    Este trabalho procura reabilitar essa memria, estudando as conjunturas sociais e

    polticas que fizeram parte da fundao e permanncia da Casa da Moeda, mas tambm

    procurando reinterpretar os materiais e os espaos da Casa do Infante, fazendo uma

    reconstituio dos processos, mtodos e contingncias associados fabricao das moedas,

    para criar assim uma base informativa de sntese que sirva para, numa abordagem de

    preservao do patrimnio, a criao de um ncleo interpretativo da Casa da Moeda do Porto.

    Como aplicao prtica de um programa interpretativo, no mbito da conservao edivulgao patrimonial, apresentamos, no final do trabalho, a ttulo de sugesto, um conjunto de

    medidas de dinamizao museolgica e promocional da Casa da Moeda que podero contribuir

    para o processo de divulgao e relanamento da Casa da Moeda do Porto junto dos

    portuenses e dos visitantes da cidade.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    6/203

    vi

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    7/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    8/203

    viii

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    9/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    10/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    11/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    12/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    13/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    14/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    15/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    16/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    17/203

    17

    sob a forma de moeda, a tal ponto que as nossas estruturas mentais j no concebem,

    normalmente, outra forma de representao de valor econmico que no seja a moeda.

    Vo longe os tempos em que as medidas de riqueza e poder eram contabilizadas em

    reas de propriedade, em gado ou mesmo em nmero de soldados disponveis. Curiosamente,

    a relao ancestral entre a moeda e os valores de troca direta esto ainda presentes em alguns

    vocbulos, como veremos mais adiante.

    Desta forma, pensamos que ser mais fcil entender melhor como que a moeda, pelo

    menos no mundo ocidental contemporneo, passou a representar a medida principal da riqueza.

    Fazemos a comparao de um bem com o outro, e a relao entre o seu custo e o nosso

    vencimento tendo como referncia uma unidade monetria ou moeda. Associamos moeda a

    dinheiro e este a riqueza, mas, como definir verdadeiramente a moeda?

    Para definirmos o conceito de moeda, teremos que abordar as diferentes dimenses que

    lhe esto associadas:

    a dimenso econmica;

    a dimenso material;

    a dimenso etimolgica;

    dimenso poltica e simblica.

    Do ponto de vista econmico, a moeda um meio que, sob a forma de valor, nos permite

    transacionar bens e efetuar pagamentos. Para que a moeda cumpra a sua funo de mercado,necessita de aceitao pblica, geralmente so as entidades de poder poltico econmico

    (nacionais ou internacionais, como o Banco Central Europeu) que determinam e procuram

    assegurar o valor da moeda. Entre essa determinao institucional e a nossa aceitao da

    moeda, existe aquilo que poderemos considerar como contrato social. Ou seja, em termos

    econmicos, a moeda tem por base no o seu valor intrnseco ou material, mas sim o seu valor

    fiducirio, que mais no que a sua credibilidade. Assim, aceitamos a moeda por uma questo

    de crena ou de f, a fides, e confiana depositada nela, no latim fiduciarius. A quantidade de

    moeda disponvel e aceite entendida como sendo liquidez financeira.

    Por sua vez, no mbito da cultura material, a moeda um objeto. algo de palpvel,

    um bemper se, fabricado a partir da transformao de matria-prima, que poder ser algum tipo

    de metal ou liga, mas poder tambm ser outro material qualquer, como o papel ou o plstico.

    Enquanto bem material ou mercadoria, a moeda tem um valor prprio, o seu valor intrnseco, o

    qual corresponder ao valor de mercado da sua matria-prima (ouro, prata, cobre). Esta

    natureza material da moeda permite-nos tambm fazer a sua classificao enquanto documento

    histrico e arqueolgico; a moeda , por assim, dizer um artefacto humano com propriedades

    hermenuticas, isto , pode ser interpretado, lido, estudado como fonte primria de informao.

    A cincia que observa as propriedades da moeda enquanto objeto a numismtica. a leitura e

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    18/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    19/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    20/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    21/203

    21

    Este tipo de utilizao simblica das moedas no distar muito do que nos contam

    tambm as memrias da expanso martima portuguesa, nomeadamente na costa ocidental

    africana, onde os marinheiros trocavam pequenas moedas de cobre, os ceitis16, por objetos

    ornamentais dos nativos:

    E ao domingo vieram obra de quarenta ou cinquenta deles [os nativos africanos]e ns,depois que jantmos, samos em terra e, com ceitis que levvamos, resgatmosconchas que eles traziam nas orelhas, que pareciam prateadas, e rabos de raposa, quetraziam metidos em uns paus, com que abanavam o rosto. Onde eu resgatei umabainha, que um deles trazia em sua natura, por um ceitil; pelo qual nos parecia que elesprezavam o cobre, porque eles mesmos traziam umas continhas dele nas orelhas.17

    Mesmo assumindo que os ceitis poderiam ser utilizados apenas para reaproveitamento

    do metal, como simples moedas objeto, no deixa de ser sugestivo o fascnio pelo valor

    simblico da moeda por parte de uma sociedade pr-comercial, disposta a utilizar a moeda

    como elemento decorativo e de prestgio. Numa situao um pouco semelhante,

    Vasco da Gama deu instrues para que fosse oferecido ao mouro Dauane de Cambaia, tido

    como amigo dos portugueses, um portugus de ouro18, e para que aquele usasse ao pescoo a

    grande moeda portuguesa para recordar o rei de Portugal19.

    So pois inmeras e variadas as formas de utilizao simblica e at ritual das moedas.

    Formas essas que ultrapassam a dimenso econmica e at mesmo poltica destes pequenos

    objetos. A moeda tem sido usada como amuleto curativo, como oferenda aos deuses, como

    objeto ritual nas cerimnias fnebres (o bolo de Caronte, por exemplo20), e at como elemento

    de prova da integridade das jovens noivas berberes e ciganas21, que poderiam ser submetidas,

    pela me do noivo, a um teste de virgindade que consistia na aposio de uma pequena moeda

    sobre o hmen da rapariga22.

    Em smula, podemos verificar que nos dias de hoje a moeda continua a observar a sua

    funo poltica, preservando os elementos simblicos do estado que a emite, e, para quem se

    depara ocasionalmente com moedas estrangeiras, as moedas distinguem-se umas das outras

    precisamente por ostentarem diferentes mensagens de propaganda. Mesmo algumas outras

    funes simblicas continuam a fazer parte da forma como nos relacionamos com as moedas,16

    Velho, lvaro (atribuio a) Relao da primeira viagem de Vasco da Gama (1497). Lisboa: Publicaes Alfa, S.A., 1989. B.3327, p. 11.17Idem, ibidem, p. 11.18

    Moeda de ouro portuguesa batida entre os finais do sculo XV e meados do sculo XVI, com cerca de 35,5 g debom ouro de 990 . Tinha o valor nominal de 10 cruzados ou 4000 reais. Foi, durante o mercantil sculo XVI, amoeda forte mundial, sendo vrias vezes imitada na Europa com a designao de portugalosers.19 Oliveira, Aurlio A Viagem do Gama nas Crnicas do Reino. Faculdade de Letras da Universidade do Porto,1999. ISBN 972-9350-25-6, pp. 121-22.20

    Matyszak, Philip Ancient Rome on Five Denarii a Day. London; Thames & Hudson, 2007. ISBN 978-0-500-05147-4, p. 2021

    Vidago, Joo A Moeda Virginal, in NVMMVS, 2. Srie, Vol. II. Porto: Sociedade Portuguesa de Numismtica,1979, pp. 49-59.22

    Este costume devassador poder estar na origem da expresso popular portuguesa perder os trs vintns, quesignifica perder a virgindade.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    22/203

    22

    as fontes e alguns chafarizes continuam cheias de pequenas moedas atuais, alguns de ns

    preservam moedas cuja era de cunhagem nos possa ser querida, como o ano do nosso

    aniversrio, o ano do casamento ou do nascimento de um filho. Quase todas as entidades

    produtoras e emissoras de moeda cunham anualmente milhares de moedas comemorativas,

    cuja funo assinalar na memria a recordao de um evento ou de uma personalidade.

    O surgimento da moedada pesagem e contagem de bens at contagem dedinheiro

    Enquanto objeto fsico, identificado como elemento de cultura material bem definido,

    com as caractersticas modernas que atualmente lhe reconhecemos, a moeda metlica,

    outorgada por um poder terreno poltico e/ou religioso e com uma definio econmica

    precisa do seu valor enquanto elemento de troca, tradicionalmente referida como sendo

    uma criao helnica, mais concretamente da Ldia23, no sculo VII a.C. Esta constatao

    verificada no s pelas provas arqueolgicas (nomeadamente pelas prprias moedas ldias

    em eletro24, ostentando a cabea de leo, smbolo da casa real ldia), mas tambm pelas

    referncias literrias clssicas25, nomeadamente de Xenofonte (cit. em Pollux IX, 94) e do

    prprio Herdoto (Hist. Lib. I, 94)26.

    O rpido desenvolvimento comercial do mundo mediterrnico na transio do sculo

    VII para o sculo VI a.C. ter permitido a difuso e o desenvolvimento do objeto moeda da

    sia Menor para a Hlade. Assim, em finais do sculo VII, em Egina27, surgem as primeiras

    moedas de prata, exibindo a tartaruga28 daquela ilha do Golfo Sarnico, agora j no um

    smbolo real, mas sim um smbolo cvico, o emblema da cidade. Logo no sculo seguinte,

    Creso cunhava tambm na Ldia, as primeiras moedas inteiramente em ouro29.

    Contudo, se estas so as primeiras moedas metlicas que, em termos gerais, so

    identificadas como tal, no poderemos deixar de indagar sobre as outras formas, porventura

    mais arcaicas, de representao do dinheiro. Para isso, teremos que reduzir o conceito de

    moeda, enquanto elemento material e econmico, sua expresso mais simples, a de

    mercadoria de substituio, ou elemento de troca indireta. Neste sentido, teremos que

    considerar primeiramente a verdadeira natureza da moeda, e no somente a suarepresentao convencional tradicional. Qual , portanto, a verdadeira natureza da moeda?

    23Morgan, E. VictorBreve Histria do Dinheiro. Lisboa: Ulisseia, p. 15, ou Rivoire, Jean, Ob. cit.,p. 10.

    24O eletro, do grego electron, uma liga natural de ouro e prata.

    25Morais, Rui Os primrdios da Talassocracia Grega o tema do mar nas moedas gregas da fundao Calouste

    Gulbenkian, trabalho indito.26Legrand, E.Hrodote, Histoires Livre I, 5eme tirage. Paris, Socit ddition Les Belles Lettres, 1970, p.94:Ils (les Lydiens) sont les premiers notre connaissance qui frapprent et mirent en usage la monnaie dor et

    dargent; les premiers aussi qui firent le commerce de dtail.27

    Parise, Nicola El origen de la moneda, Signos premonetarios y formas arcaicas del intercambio. Barcelona:Edicions Bellaterra, 2003. ISBN 84-7290-221-8, p.53.28

    Tourneur, VictorInitiation a la numismatique. Bruxelles, Anc. tabliss, J. Lebge & Cie., diteurs, 1945, p. 29.29

    Morgan, E. VictorOb. cit.,p. 15.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    23/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    24/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    25/203

    25

    em ilhas remotas do arquiplago, pelo que alm do trabalho de polimento necessrio

    para a produo do dinheiro de pedra, era tambm necessrio o seu transporte martimo

    at s Ilhas de Uap e Yap.

    No sendo, em termos gerais, fcil de transportar, o dinheiro de pedra poderia

    ser transacionado apenas atravs da troca de proprietrios e selado com um acordo

    formal, sem que com isso a moeda mudasse efetivamente de local34. Um exemplo

    flagrante desse respeito pelo direito de propriedade da moeda, mais do que na sua

    posse concreta, o caso de um dos homens mais ricos da ilha que, transportando na

    sua piroga uma grande moeda de pedra, sofreu o infortnio de naufragar entre uma ilha

    e outra. A sua riqueza foi, inevitavelmente, parar ao fundo do Pacfico, contudo, o seu

    estatuto de homem rico, bem como o seu poder de compra, no foi afetado pelo

    incidente. Todos na comunidade continuaram a respeitar a sua riqueza submarina, a

    ponto de fraes da sua riqueza passarem para outros proprietrios, atravs de relaes

    comerciais convencionais, sem que a inacessibilidade do seu dinheiro constitusse

    qualquer entrave circulao virtual da moeda.

    A curiosidade em torno deste caso, leva-nos a deambular um pouco por um certo

    tipo de exotismo antropolgico que assimilamos s vezes com algum sorriso nos lbios.

    No entanto, Friedman35 relata-nos esta situao para falar de uma outra, bem mais

    prxima de ns, da o paralelismo que pretendemos traar entre proto-moeda e moeda

    contempornea.

    Em 1933, a reserva de ouro norte-americana em Nova Iorque detinha aindavrios depsitos internacionais, nomeadamente ouro que a Frana tinha resguardado

    nos EUA durante a Grande Guerra. Nesse ano, a pedido do governo francs, os EUA

    devolveram Frana o ouro. Contudo, para no assumirem os riscos e as despesas do

    transporte dos valores, ambos os estados concordaram em manter as reservas nas

    caixas-fortes nova-iorquinas, mudando apenas o nome do titular. Ou seja, em termos

    reais, tal como a moeda de pedra no fundo do mar, o ouro manteve-se longe do governo

    francs, no entanto, aquela simples mudana de proprietrio, representada apenas

    burocraticamente atravs de uma troca de etiquetas no cofre, provocou de imediato umaoscilao do valor do franco face ao dlar, criando, nesse tempo ainda da

    Grande Depresso, um efeito mais recessivo na economia dos EUA36.

    Para a histria do dinheiro e da moeda propriamente dita, o caso de 1933 da

    entrega das reservas de Nova Iorque Frana no se distancia muito do princpio de

    34Durante a ocupao japonesa das ilhas, entre 1914 (a Sociedade das Naes reconheceu esta ocupao em 1920)e at ao final da Segunda Guerra Mundial, as autoridades imperiais do Japo confiscaram o dinheiro dos nativospintando simplesmente as pedras com marcas de arresto. A populao, para reaver o seu dinheiro de pedra,

    simplesmente entregou as propriedades aos ocupantes, que em seguida limpavam as marcas das pedras, como atosuficiente para a sua devoluo aos proprietrios.35

    Friedman, MiltonOb. cit.,pp. 15-1836

    Idem, ibidem, p. 18.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    26/203

    26

    valor e de propriedade virtual das proto-moedas em pedra do

    Arquiplago das Carolinas. Na verdade, a caracterstica fiduciria da moeda, a crena

    na garantia quase transcendental do seu valor, so elementos comuns entre a moeda

    contempornea e as proto-moedas exticas, que podero ajudar a explicar as bases de

    um certo comportamento errtico, muito mais psicossociolgico do que propriamente

    material ou produtivo, dos mercados financeiros dos nossos dias.

    A estas proto-moedas que estavam ainda em curso nas ilhas do Pacfico ainda

    em meados do sculo XX, podemos acrescentar as proto-moedas que, historicamente,

    se foram desenvolvendo medida que as primeiras civilizaes comearam a raiar,

    quando a diviso do trabalho, a agregao urbana e o desenvolvimento da agricultura,

    tanto no Prximo como no Extremo Oriente, comearam a despontar por volta do

    terceiro milnio a. C.. Assim, os povos das primeiras civilizaes comearam a adotar

    formas transao recorrendo a bens representativos de valor, os chamados bens

    transacionveis37, bens esses que eram valorizados por peso, ou por contagem. neste

    contexto que surgem os anis ou outros ornamentos de ouro egpcios, usados como

    unidade de troca, ou as proto-moedas de prata da Mesopotmia que corriam,

    curiosamente, em simultneo com a cevada38.

    Os prximos passos evolutivos destas proto-moedas ocorreram na China e na

    Anatlia, com a introduo, agora em meados do sculo XI a.C. (nos finais do segundo

    milnio) de peas metlicas produzidas em srie e em metais menos nobres, como o

    cobre, ou ligas de bronze. Estes espcimes de proto-moeda, nomeadamente oschineses, mimetizavam objetos quotidianos, como enxadas, machados, facas ou

    espadas. Por seu turno, este fenmeno parece corresponder aos anis de bronze e aos

    pequenos machados figurativos usados no Norte da Europa como proto-moedas39, ou

    moedas utenslio. No plano da arqueologia etimolgica, no deixa de ser curioso refletir

    que, agora no mundo mediterrnico, o termo grego obelos, que significa espeto de ferro,

    est na origem do termo bolo, a frao da dracma, permitindo traar, ou, pelo menos,

    sugerir, uma relao entre a moeda utenslio (ainda que o utenslio possa ser tambm

    uma oferenda religiosa, e no uma ferramenta efetiva) e a moeda efetiva grega40.Contudo, apesar das caractersticas j enunciadas (valor fiducirio, crena na

    garantia do seu valor), as proto-moedas afastam-se das moedas modernas por no

    terem um valor de conta pr-definido e organizado, isto , em princpio, as proto-moedas

    no tm nenhuma relao aritmtica complexa entre si. Ou seja, a sua contagem

    apenas cumulativa, por adio de unidade a unidade. No entanto, o caminho para a

    evoluo da proto-moeda para a moeda estava j em curso. Aquando da invaso hitita

    37

    Morgan, E. VictorOb. cit., p. 1438Rivoire, JeanOb. cit.,p. 939

    Morgan, E. VictorOb. cit.,p. 1440

    Parise, NicolaOb. cit.,pp. 37-39

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    27/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    28/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    29/203

    29

    Ao mesmo que tempo que o mundo grego difundia a pequena moeda de bronze

    e as suas dracmas de prata nos sculos IV e III, e Roma era ainda uma aldeia grande, a

    vertente pnica do Mediterrneo evolua num sentido econmico ainda mais sofisticado:

    Quando Roma comeou a cunhar moedas grosseiras de metal, j Cartago tinha

    notas de banco: umas tiras de couro, estampilhadas de maneira diferente, conforme oseu valor. Essas notas eram, em toda a bacia do Mediterrneo, aquilo que mais tarde

    viria a ser a libra esterlina e, mais tarde ainda, o dlar. O seu valor nominal era garantido

    pelo ouro que transbordava nos cofres do Estado.54

    No obstante este passo financeiro evolutivo na histria da moeda,

    protagonizado pelos herdeiros fencios, a moeda no metlica fiduciria, as notas ou,

    talvez mais rigorosamente, os papis de crdito, no tiveram continuidade na

    Antiguidade. A destruio de Cartago, e consequente triunfo romano na ltima

    Guerra Pnica, levou no s prosperidade de Roma, como expanso territorial da

    sua civilizao, onde se insere, naturalmente, o seu sistema monetrio.

    Ainda que inicialmente mais grosseiro, o sistema monetrio romano da Repblica

    apoiou-se ponderalmente na libra romana (c. 325 g). A libra dividia-se em 12 uncias (do

    latim unciaa dcima segunda parte), cada uncia dividia-se em 12 asses. O asse em

    cobre (do latim asscobre/bronze, em grego assarion55) era a unidade monetria.

    O sistema consolidou-se durante o decurso da Segunda Guerra Pnica, quando

    a reforma monetria posterior a 211 a.C.56introduziu o denrio de dez asses. O denrio

    era uma pequena moeda de prata com um peso inicial correspondente ao da dracma

    ateniense, isto , cerca de 4,36 g. O asse, por seu turno, subdividiu-se em dois

    semisses e em quatro quadrantes. Os seus mltiplos em prata eram o sestrcio primitivo

    de dois asses e meio, o quinrio, de cinco asses, e o denrio de 10 asses57.

    A rpida desvalorizao da moeda implicou, em 143 a.C., a reviso do valor do

    denrio para 16 asses. J no incio do Imprio, Augusto reformou e simplificou todo o

    sistema, mas preservou o valor do denrio. Sem grandes alteraes at ao final do

    sculo III, os cobres e bronzes romanos eram o quadrante (1/4 de asse), o semisse (1/2

    54Montanelli, Indro Histria de Roma, da fundao queda do Imprio. Lisboa: Edies 70, 1997. ISBN 972-44-

    1126-5, p. 83.55O assarioncorrespondia a 10 dracmas.56Sear, David Roman Coins and their values. London: Spink, 1988. ISBN 0-7134-7823-3, p. 9, citando a propostacronolgica de M. Crowford.57

    Durante o sculo II a.C., como se ver, o denrio foi reavaliado, comprometendo os valores das outras moedas,

    contudo, a etimologia da designao de cada pea preservou o seu valor inicial: sestertius semis tertiussignifica,literalmente, trs menos meio (2,5), surge vulgarmente representado como IIS (por vezes HS), conjugao que,quando sobreposta ou em anagrama, no deixa de sugerir o cifro ($) do real e do escudo portugus; por seu turno,o denrio de dez asses surge vrias vezes com a marcao X no anverso.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    30/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    31/203

    31

    Por fim, a contagem duodecimal em Portugal no se esgotou no final da

    Alta Idade Mdia, pelo contrrio, prevaleceu por toda a Baixa Idade Mdia e resistiu

    durante a Idade Moderna s primeiras tentativas de decimalizao da contagem66. Com

    efeito, a contagem de aferio das ligas metlicas do ouro e da prata seria feita sempre

    de acordo com as premissas de contagem em mltiplos (e submltiplos) de 12.

    Reparemos, mais adiante, que nos referiremos sempre s ligas da prata em dinheiros e

    s ligas de ouro em quilates, pelo que convm esclarecer desde j o que que estas

    expresses realmente significam: a pureza da prata era indicada em dinheiros, um todo

    de prata pura corresponderia a 12 dinheiros, assim, quando referimos, por exemplo, que

    determinada moeda era feita com a lei de 11dinheiros, significa que tinha 11 partes de

    prata em 12, isto , teria um toque de 916,6 , do mesmo modo, uma moeda de lei de

    seis dinheiros teria apenas 500 de metal precioso. O ouro, por sua vez, era aferido

    em quilates, sendo que 24 quilates corresponderiam ao ouro puro, 18 quilates

    indicariam, por exemplo, um toque de 750 milsimos67.

    O sistema de contagem duodecimal do dinheiro s sucumbiu entre ns,

    finalmente, com a introduo definitiva do sistema decimal em Portugal, em 1835, no

    rescaldo das reformas liberais. Ainda assim, aquando da criao do escudo, j na

    entrada do sculo XX, em 1911, foram cunhadas e emitidas moedas de 4 centavos68,

    que, no sendo divisores inteiros de 10, entendem-se como uma reminiscncia curiosa

    do sistema duodecimal.

    Em contrapartida, o sistema monetrio de contagem duodecimal s terminou noReino Unido em 197169, quando a libra esterlina, descendente direta da libra carolngia,

    deixou de se contar em 240pence ou 240 dinheiros, para se dividir em 100, revelando,

    de certo modo, que a ponte entre os primeiros lingotes marcados hititas e os sistemas

    monetrios mais prximos de ns, , apesar de longa, de certo modo contnua, como se

    o seu passadio fosse um caminho relativamente direto entre dois pontos distantes da

    histria da humanidade.

    66No incio do sculo XVI, D. Manuel I procurou introduzir um proto-sistema decimal na moeda portuguesa, mas s

    o conseguiu parcialmente.67

    Marques, Mrio GomesHistria da Moeda Medieval Portuguesa.Sintra: Instituto de Sintra, 1996, pp. 23-24.68At aos 10 centavos de prata, em 1911 foram definidas as fraes de 1, 2, 4 e 5 centavos, sendo que a nica queno divisvel por 10 a de 4 centavos.69

    Eeagleton, Catherine e Williams, JonathanOb. cit.,p 254.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    32/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    33/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    34/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    35/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    36/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    37/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    38/203

    38

    assim no comrcio internacional europeu, que drenou para a costa ocidental da Pennsula

    moeda estrangeira acreditada e em quantidade tal que dispensou cunhagens prprias, por parte

    dos soberanos portugueses, durante um sculo. Isto, numa poca em que, por toda a Europa, o

    renascimento econmico e o afluxo dos metais preciosos causavam o regresso ao bimetalismo

    e o aparecimento da boa moeda de ouro e de prata.102

    A poltica monetria de D. Dinis tirou partido da dinamizao econmica que seu pai,

    custa da desvalorizao da moeda, havia feito. Assim, ainda no final do sculo, em 1282,

    D. Dinis procedeu a uma srie de medidas que visaram o fortalecimento da moeda,

    concretamente diminuindo o preo do marco de prata103, permitindo levantar a permilagem deste

    metal nos dinheiros. Curiosamente, sendo dinheiros de bolho mais rico, os dinheiros do

    Lavrador passaram a ser designados por dinheiros velhos, numa referncia anacrnica aos

    dinheiros novos de seu prprio pai. A pujana econmica do reinado de D. Dinis e as

    preocupaes do monarca em assegurar uma contabilidade estvel e uma moeda forte no reinorefletem-se tambm na redao do primeiro regimento de moedeiros conhecido em Portugal 104.

    neste contexto, de valorizao da moeda e do padro prata, que se insere uma das mais

    polmicas moeda cunhada em Portugal no sculo XIV, o torns dionisino:

    De inspirao francesa, batido originalmente por Lus IX de Frana, o So Lus, em

    Tours, em 1266105, o torns a primeira moeda francesa de boa prata posterior generalizao

    dos dinheiros depauperados dos sculos XIII e XIV. Na numria nacional, o torns (de 72

    dinheiros, em liga fraca) uma pea central das reformas monetrias de D. Fernando, contudo,

    existem exemplares batidos com a legenda Dionisii (no genitivo, de Dinis), em prata de boa liga

    (916,6106) que tm sido, ao longo dos ltimos 275 anos107, tema de debate. Arago, na sua

    Descrio, hesita em atribuir a moeda ao reinado de D. Dinis, evocando caractersticas

    estilsticas menos consentneas com a produo monetria do incio do sculo XIV, e sugerindo

    que a moeda possa ter sido batida pelo pretendente ao trono, em 1385, o infante D. Dinis, filho

    de D. Pedro I e da malograda Castro, no entanto, Arago acaba por arrumar a moeda no

    reinado de D. Dinis I (1279-1325). Ferraro Vaz108, ainda que contextualizando a polmica em

    torno da datao e atribuio do torns, acaba tambm por o atribuir ao rei, e no ao infante

    meio-irmo do Mestre de Avis. Agostinho Ferreira Gambetta adiantou, contudo, a hiptese de

    D. Dinis ter mandado abrir os cunhos dos torneses (bem como de uma srie especfica de

    dinheiros de recorte mais fino) em Sevilha, tendo por base desta hiptese a comparao

    102Marques, A. H. de OliveiraOb. cit.,p. 204.

    103Idem, p. 207.

    104Ferraz, Francisco Manuel Teixeira A Casa da Moeda do Porto nos finais da Idade Mdia. Porto: Dissertao deMestrado em Histria Medieval, FLUP, 2008, p. 37.105

    Vaz, J. FerraroOb. cit.,Vol. I, pp. 36-37, nota 3.106

    Poiares, Antonino O Torns do Infante e no do Rei, in NVMMVS, II Srie, Vol. XXVII, Porto: Sociedade

    Portuguesa de Numismtica, 2004. ISSN 0871-2743, p. 211.107A primeira publicao e atribuio deste numisma a D. Dinis, rei de Portugal, foi feita em 1738, por Sousa, D.Antnio Caetano deHistoria Genealogica da Casa Real Portuguesa, Tomo IV, Livro V, p. 293.108

    Vaz, J. FerraroOb. cit.,Vol. II, p. 391.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    39/203

    39

    estilstica entre os reais sevilhanos do incio do sculo XIV e o torns dionisino 109. Mrio Gomes

    Marques tambm insere o torns numa tentativa do rei D. Dinis de adaptao aos novos

    padres europeus110. Contudo, a polmica preservou-se at aos nossos dias, Oliveira

    Marques111, ecoando o que j predissera Batalha Reis, considera duvidosa a atribuio do

    torns ao rei, remetendo-o, sem relevncia econmica, para uma amoedao propagandstica

    do infante D. Dinis. Mais recentemente, Antonino Poiares112 pretendeu encerrar a questo,

    atribuindo o torns ao filho de Ins de Castro, em virtude de uma anlise no estilstica e

    metrolgica, mas tambm de contextualizao scio-poltica.

    Talvez servindo para confirmar a improbabilidade de D. Dinis I ter batido torneses de boa

    prata, as amoedaes de seu filho, D. Afonso IV, basearam-se exclusivamente nos dinheiros,

    seguindo a tradio que j vinha desde os finais do sculo XIII, indicando-nos que, de facto, no

    parece ter havido espao para emisses de torneses em prata muito forte no intermdio. De

    referir, no entanto, que no consensual a ideia de D. Afonso IV ter batido sequer moeda,

    Gambetta considera que durante o reinado de o Bravo no se cunhou moeda em Portugal,

    tendo a Casa da Moeda de Lisboa se mantido praticamente sem laborar, sendo usada apenas

    para branquear os velhos dinheiros do tempo de seu de seu pai, e de D. Afonso III113. Na

    verdade, Gambetta invoca documentao da poca, bem como transcreve a sua leitura, onde,

    por vrias vezes, Afonso IV refere a situao de inatividade da sua moeda, e at a inscrio da

    Universidade em Lisboa (posteriormente em Coimbra), para o edifcio da Moeda 1338114. Ao

    mesmo tempo, o autor considera que os dinheiros tradicionalmente atribudos a D. Afonso IV, de

    legenda +A:REX:PORTVGL ou ALF:REX:PORTVGL, cuja talha e tipologia global bemsemelhante aos dinheiros de D. Afonso III, com legenda +ALFONSVS REX, so no fundo todos

    dinheiros de Afonso III, sendo que estes ltimos, mais antigos, sero cunhagens de Coimbra, e

    os primeiros, tradicionalmente atribudos a D. Afonso IV, so cunhagens de Lisboa de

    D. Afonso III.

    Das cunhagens de D. Pedro, conhecemos apenas tambm os dinheiros, com a letra P a

    abrir a legenda115. Ferno Lopes, no entanto, fala-nos das emisses de boa moeda de ouro, as

    dobras de quatro e de duas libras, bem como, em prata, os torneses e os meios torneses.

    109Gambetta, Agostinho Ferreira Histria da Moeda Histria da Moeda, Vol. I . Lisboa: Academia Portuguesa da

    Histria, MCMLXXVII, pp. 48-49.110

    Marques, Mrio GomesMoedas de D. Fernando. Lisboa: edio de autor, 1978, p. 9.111Marques, A. H. de OliveiraOb. cit.,p. 207.112Poiares, AntoninoOb. cit.,pp. 207-217.113

    Gambetta, Agostinho FerreiraOb. cit., p. 55 e pp. 257 e 258.114

    Idem, Ibidem, p. 259. Gambetta considera que esta situao s se justificaria se a Moeda estivesse inativa, pois

    no poderiam funcionar Universidade e oficinas monetrias em simultneo, no mesmo espao.115O P de Pedro e o D de Dinis na abertura das legendas dos dinheiros destes monarcas prestam-se a confusesregulares, Gambetta, Ob. cit., p. 258, considera que no houve cunhagens de D. Pedro I, sendo os dinheirosatribudos a este monarca todos de D. Dinis.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    40/203

    40

    Veo el-rrei dom Pedro, filho deste rei dom Affonsso, e nom mudou moeda por cobiia

    nem outro gaanho, mas feze-a mui boa douro e de prata, como dissemos; mas foi em pouca

    cantidade.116

    No se conhecem nenhum destes exemplares. O prprio Arago refere no ter tido

    conhecimento de nenhum, reproduzindo apenas a gravura de um pressuposto ensaio em cobrede uma dobra de D. Pedro I, alegadamente depositada no Gabinete Numismtico de

    Copenhaga, mas que o autor refuta como sendo falsa117. Ferraro Vaz cita Manuel Severim de

    Faria e as suas Notcias de Portugal (1655), em que o autor refere que possui uma dobra de

    D. Pedro I, desafortunadamente, a coleo de Severim de Faria ter desparecido 100 anos

    depois, no grande terramoto de Lisboa118. Nos fascculos do Dicionrio de Numismtica

    Portuguesa (1872-1884), Jos do Amaral Toro publicou uma gravura de uma outra dobra

    atribuda a D. Pedro I. Contudo, no h notcia de nenhum exemplar conhecido desde o sculo

    XVIII.Rematando as emisses portuguesas da primeira dinastia, est a profusa e diversificada

    numria de D. Fernando I (1367-1383), (anexos, pp. 119-124).

    Herdeiro de uma situao financeira desafogada, resultado da poltica de aforro e de

    neutralidade de D. Pedro face s guerras europeias, bem como do contexto do fim da Peste

    Negra, D. Fernando iniciou o seu reinado com os cofres do Estado bem providos:

    Este rrei dom Fernando comeou de rreinar o mais rrico rrei que em Purtugall foi ataa o

    seu tempo: ca elle achou grandes tesouros que seu padre e avoos guardarom, em guisa que

    soomente na torre do aver do castello de Lixboa forom achadas oitocentas mill peas douro e

    quatrocentos mill marcos de prata, afora moedas e outras cousas de grande vallor que hi

    estavom, e mais todo ho outro aver em grande cantidade que em certos logares pollo rreino era

    posto.119

    Esta situao financeira favorvel permitiu que as emisses monetrias do reinado de

    D. Fernando (anexos, figs. 1-10) tenham sido, logo desde o incio, uma das mais prolixas e

    fascinantes da histria das moedas portuguesas. No total, estamos a falar de dez tipos (com

    respetivos divisores na maior parte deles) monetrios distintos cunhados ao longo de todo oreinado, durante cinco momentos diferentes, que conseguimos organizar a partir das sugestes

    de Mrio Gomes Marques120:

    116Macchi, GiulianoCrnica de D. Fernando de Ferno Lopes. Edio crtica da Imprensa Naciona-Casa da Moeda,

    2. Ed., maio de 2004. ISBN 972-27-1252-7, Cap. LV:68-71, p. 189.117

    Arago, C. A. Teixeira de Ob. cit.,p. 175.118Vaz, J. FerraroOb. cit,.p. 84.119

    Macchi, GiulianoOb. cit.,Prlogo:64-72, p. 5.120

    Marques, Mrio GomesOb. cit.,pp. 211-227.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    41/203

    41

    I. Janeiro de 1367 e abril de 1369 (incio do reinado, at guerra com Henrique de

    Trastmara)

    II. Abril de 1369 e maro de 1371 (entre o incio da guerra e a Paz de Alcoutim)

    III. Maro de 1371 e meados de 1372 (entre a Paz de Alcoutim e a segunda guerra

    fernandina)

    IV. Meados de 1372 a maio de 1375 (incio da segunda guerra com o Trastmara e a

    promulgao da Lei das Sesmarias)

    V. Perodo indeterminado, posterior a 1375 at ao final do reinado (1383)

    Logo no incio do reinado, entre janeiro de 1367 e abril de 1369121, o monarca ter

    cunhado as suas primeiras dobras p terra122, as primeiras boas moedas de ouro portuguesas,

    com um toque de 897 , cunhadas depois dos morabitinos do sculo XIII. Ao mesmo tempo,

    durante esta primeira fase do seu reinado, anterior guerra, portanto, D. Fernando ter tambm

    emitido os seus reais de prata do tipo I (F coroado), em prata de boa qualidade.No segundo momento, durante o incio da guerra (1369), e at ao Tratado de Alcoutim,

    teramos uma fase de desvalorizao monetria, com as emisses dos gentis de ouro (em

    maro de 1370 havia j trs variedades destas moedas123), os torneses de cruz e de busto, em

    prata, os reais brancos, as barbudas e os graves em bolho.

    No terceiro momento, tero sido cunhadas as primeiras sries dos pilartes de bolho

    (com menos de 200 ). Os meios torneses atpicos de bolho fraco (apenas 250 ) sero

    talvez tambm dos primeiros meses de 1372.

    O quarto momento corresponder s emisses dos fortes e meios fortes em prata de

    900 .

    Por fim, na fase final do reinado, tero sido cunhados os primeiros reais de prata do tipo

    II (letras FR coroadas) e a continuao da cunhagem dos pilartes.

    Os dinheiros, com redues no assumidas da talha de lei, tero sido cunhados durante

    todo o reinado, ou pelo menos desde o incio at ao final do quarto momento.

    A morte de D. Fernando, e consequente crise sucessria, permitiu um momento muito

    particular de emisses monetrias portuguesas. Primeiro com as emisses da jovem rainha de

    jure, D. Beatriz, filha de D. Fernando, os seus reais de prata. Depois as moedas de Joo I de

    Castela, o marido de D. Beatriz, em que este usa o ttulo de rei de Portugal 124. As presumveis

    amoedaes do Infante D. Dinis, filho de D. Pedro I e de D. Ins de Castro, pretendente ao trono

    e, finalmente, as cunhagens de D. Joo, Mestre de Avis, ainda como Defensor e Regedor do

    Reino (anexos, p. 129).

    121Marques, Mrio GomesHistria da Moeda Medieval Portuguesa, p. 41.122

    Idem, ibidem.123

    IdemMoedas de D. Fernando, p. 215.124

    Pernas, Antonio Orol Acuacion de Juan I de Castilla como rey de Portugal, in NVMMVS, Vol. X-2. Porto:Sociedade Portuguesa de Numismtica, 1974, pp. 65-71 (ainda que essas moedas de Joo I de Castela, unscornados, tenham sido cunhados em Zamora, referimo-los aqui como amoedao portuguesa apenas pela titulaturaapresentada na legenda.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    42/203

    42

    A vitria de Aljubarrota e a aclamao das Cortes de Coimbra (1385) puseram um fim s

    contendas do interregno e lanaram o Mestre de Avis para o trono de Portugal, inaugurando

    assim uma nova dinastia.

    As emisses de D. Joo I comearam por seguir o sistema monetrio que vinha de

    D. Fernando. Contudo, tal como durante o reinado do irmo, a numria de D. Joo I uma das

    mais complexas em relao sua organizao. As sucessivas desvalorizaes, as despesas da

    guerra com Castela, com as obras pblicas e com as preparaes da expanso martima,

    levaram a sucessivas alteraes do sistema monetrio. Com efeito, D. Joo I ter sido o maior

    quebrador de moeda que em Portugal tem havido125. Durante o seu reinado no foi cunhado

    ouro, e a prpria prata praticamente inexistente, sendo o grosso das suas amoedaes

    composta por bolho fraco e at cobre, j no final do reinado.

    Em termos gerais, podemos dividir as emisses de D. Joo I em quatro sries distintas,

    cada uma correspondendo a um perodo cronolgico preciso:

    I. Primeira srie13851397

    II. Segunda srie13981406

    III. Terceira srie1406 e 1414

    IV. Quarta srie14151433

    Durante o primeiro momento do reinado, as amoedaes de D. Joo I comearam por se

    afirmar com os reais de dez soldos (anexos, pp. 130-131) em boa prata (quase bolho, segundo

    Ferraro Vaz126), cunhados no Porto, para rapidamente se desvalorizarem um pouco para os

    reais de dez soldos comuns, do Porto, Lisboa e vora (incluem-se aqui os submltiplos, os

    meios reais tpicos e atpicos e os quartos de real) (anexos, pp. 133-134).

    A segunda srie, correspondente a um novo momento de desvalorizao e quebra da

    moeda, composto pelas emisses do real de trs libras e meia, tambm em bolho127,

    possivelmente ainda de 1398.

    Na terceira srie temos os reais cruzados de 35 soldos, com a legenda

    +REPARATIO:REX PUBLICE. A explicao para esta curiosa legenda -nos dada nas Cortes

    de vora, de 1408:

    ... pera refazimento das fortalezas do reino que est mal repairadas; ElRey ouvesse e

    podesse em ellas mandar despender o que ficasse do emprestimo que lh feito em Santarem

    pera se desfazer a moeda de tres libras e mea, e se tornar em crusados de trinta e cinco

    soldos...128

    125Reis, Pedro Batalha - Moedas de Toro, estudo das moedas dEl-Rei D. Afonso V que tm as armas de Portugal,

    Castela e Leo.Lisboa, 1933, p. 44.126Vaz, J . Ferraro e Salgado, JavierOb. cit.,p. 97.127

    Ferro, Maria Jos PimentaEstudos de Histria Monetria Portuguesa (1383-1438). Lisboa, 1974, p. 28..128

    Das Cortes de vora (1408), colhido em Arago, A.C. Teixeira de Ob. cit.,tomo I, p. 208.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    43/203

    43

    Ainda na terceira srie, esto os reais de dez reais brancos (com a letra Y coroada,

    distintos dos antigos reais de dez soldos com a sigla IHNS coroada) e os seus submltiplos,

    nomeadamente o real branco. Estas moedas, cunhadas em 1414, tinham por fim o

    financiamento da expedio de Ceuta (anexos, p.132-133):

    Cerca de 1414, as oficinas monetrias entram de novo em laborao e, desta vez, oobjectivo a obteno de numerrio para fazer face s despesas para a conquista de Ceuta.129

    A quarta srie composta por numerrio muito desvalorizado, da srie dos reais de dez

    reais e pelos reais pretos em cobre (no fundo, so os velhos reais de trs libras e meia, mas j

    sem gota de prata)130.

    A poltica monetria dos sucessores de D. Joo comeou a afirmar-se mais fortemente

    com a proviso dos metais preciosos da expanso, primeiro da conquista africana, depois da

    navegao para Oriente. Os primeiros proveitos da expanso, logo no reinado de D. Duarte,

    tero permitido uma poltica monetria de saneamento e solidificao da moeda, procurando

    reforar o poder aquisitivo internacional do real portugus, afirmando-se pela emisso de boa

    prata (primeiro com os leais anexos, fig. 134) e de ouro (com os escudos). Por trs desta

    poltica de reforo das contas pblicas, estaria o Conde D. Pedro (ainda antes de ser regente),

    como irmo e conselheiro de D. Duarte131. O escudo de ouro eduardino representaria, neste

    contexto, o regresso da cunhagem de ouro em Portugal, suspensa desde os finais do reinado de

    D. Fernando. Contudo, apesar de bem referido na literatura, no se conhecem atualmente

    nenhum exemplar do escudo de D. Duarte132. A nica referncia que continua a ser utilizada a

    reproduo de uma gravura publicada ainda no sculo XVIII, por D. Antnio Caetano de

    Sousa133.

    A amoedao de cobre de D. Duarte, os reais pretos e os meios reais pretos, o que,

    segundo alguns autores134, so no fundo os mesmos reais pretos, cunhados num mdulo menor.

    Foi ainda o Eloquente o responsvel pelo abandono da libra como moeda de conta, que

    havia sido instituda, como vimos, por D. Afonso III, e a institucionalizao do real como nova

    moeda de conta135. Na verdade, o real (branco, no valor de um soldo) passaria a ser, desde

    ento, a unidade monetria em Portugal at ao final da monarquia, em 1910.

    129Ferro, Maria Jos PimentaOb. cit.,p. 29.

    130Marques, Mrio GomesHistria da Moeda Medieval Portuguesa, pp. 140-141.

    131Ferro, Maria Jos A Poltica Monetria do Regente D. Pedro (1439-1448), in NVMMVS, 2. Srie, Vol. II. Porto:

    Sociedade Portuguesa de Numismtica, 1979, pp. 15-17.132Marques, Mrio Gomes Histria da Moeda Medieval Portuguesa. Sintra, Instituto de Sintra, 1996. ISBN 972-9056-07-2, p. 48.133

    Sousa, D. Antnio Caetano Histria Genealgica da Casa Real Portuguesa , Tomo IV. Edio facsimiliada da

    Academia Portuguesa da Histria, a partir da edio revista de 1947. ISBN 978-989-554-300-7, prancheta D, gravura24.134

    Marques, Mrio GomesOb. cit.,p. 142.135

    Ferro, Maria Jos PimentaEstudos de Histria Monetria Portuguesa, p. 39 e p.50.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    44/203

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    45/203

    45

    a justificao no exterior de um acto poltico, havido cerca de um ano antes: as mortes dos

    duques de Bragana e de Viseu. Cremos poder ser esta uma leitura possvel da legenda

    (Justus ut palma florebit145) e do tipo desta moeda (a figura real no trono, com a espada

    erguida, smbolo da justia).146

    Por seu turno, as legendas do anverso dos justos de D. Joo II ostentam j a titulaturaexpansionista dos monarcas portugueses do final do sculo XV e de todo o sculo XVI: assim,

    rodeando as armas nacionais coroadas, j com os escudetes laterais na posio moderna

    vertical, a legenda surge-nos comummente147assim:+IOHANES:I.I. R. PORTVGALIAE: ET:A:

    D: GVINE, algo como: Joo II, rei de Portugal e Algarves e Senhor da Guin 148. Isto , o

    monarca portugus afirma o seu domnio comercial sobre a Guin, ou a costa ocidental africana.

    Pouco depois da cunhagem dos primeiros justos, Dias acabava por dobrar o Cabo da

    Boa Esperana, o Tormentoso, abrindo caminho para o ndico, para a vertente Oriental do

    mundo e do cobiado comrcio. D. Manuel I, herdeiro improvvel de tamanho projeto, acaba pordar continuidade ao que fora delineado, avanando, assim que pronto, para a ndia. Como

    expresso da ampliao dos seus domnios, o Venturoso cunha os clebres portugueses de

    ouro149, a maior moeda de ouro do seu tempo e, durante sculos, das maiores de todos os

    tempos150.

    O portugus, cunhado provavelmente depois de 1499151 e at 1538152 (anexos,

    pg. 145), ostenta a nova titulatura rgia, em duas legendas circulares em torno das armas reais

    coroadas: +I:EMANVEL:R:PORTVGALIE:AL:G:VL:IN:U:C CN:C.ETHIOPIE:ARABIE:PERSIE:IN,

    isto : Manuel I, rei de Portugal, dos Algarves, daqum e alm-mar em frica, senhor da Guin,

    da conquista, navegao e comrcio da Etipia, Arbia, Prsia e ndia153.

    Na prata, a introduo do cinquinho (cinco ris), do meio-vintm (10 ris), do vintm (20

    ris) e do tosto (100 ris), viriam a ser os primeiros esboos de reorganizao decimal do

    sistema monetrio portugus. O cobre, j sem qualquer vestgio de liga de prata, passou a ser

    assumido pela poltica monetria real, criando-se (ainda que efemeramente) as moedas de

    meio-real e de real, no reinado de D. Manuel154 (anexos, figs. 42 e 43). Simultaneamente, os

    145Do Salmo 92:12, O justo florescer como a palmeira, trad. de Joo Ferreira de Almeida, in A Bblia Sagrada,

    Edio revista da Sociedade Bblica. Lisboa: 1981, p. 611.146Ferro, Maria Jos PimentaOb. cit.,p. 26.147 Naturalmente, existem variaes da legenda, nomeadamente em termos das abreviaturas, dos sinaisseparadores, e mesmo do numeral do rei, o que veremos mais frente.148

    Gomes, Alberto e Trigueiros, Antnio Miguel Moedas Portuguesas na poca dos Descobrimentos (1385-1580).Lisboa: Edio de Autor, 1992. ISBN 972-95774-0-4, p. 85.149Idem, ibidem.150 Trigueiros, Antnio Miguel - Moedas dos Descobrimentos, Prestgio de Portugal no Mundo. Lisboa, Edio deAutor, 1983, p. 10.151

    Idem, ibidem, p. 14.152

    Idem - Numismtica e Medalhstica, inXVII Exposio Europeia de Arte, Cincia e Cultura, Separata do Catlogo.Lisboa: 1986, p. 14.153

    Gomes, Alberto e Trigueiros, Antnio MiguelOb. cit.,p. 108.154

    Arago, A. C. Teixeira de Ob. cit.,pp. 256-257.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    46/203

    46

    pequenos ceitis de cobre (agora rebaixados para 1/6 de real155). Tal como os restantes

    europeus, Portugal assumia o sistema de giro do bimetalismo moderno (baseado na cotao

    nominal do ouro e prata, mas usando numerrio fiducirio em cobre), caracterstico dos

    primeiros tempos da Idade Moderna e percursor dos sistemas contemporneos que, grosso

    modo, se aguentaram at 1918156.

    Os reinados seguintes, de D. Joo III e de D. Sebastio, deram continuidade ao sistema

    monetrio de D. Manuel I, introduzindo, porm, fraes em cobre de trs, cinco e dez reais,

    moedas que, apesar de terem sido produzidas apenas at meados do sculo XVI, durante a

    regncia de D. Henrique, na menoridade de D. Sebastio, tiveram um tempo de circulao muito

    longo, sendo usadas como numerrio dirio ainda no sculo XVII. So ainda nos reinados de

    D. Joo III e D. Sebastio que se introduz o So Vicente e respetivo mltiplo (anexos, figs. 46 e

    47), que, a par do portugus, foi a moeda emblemtica de ouro dos descobrimentos157, e o

    So Tom, emisso para a ndia, outra pea exemplar que se tornou incontornvel no universo

    do comrcio do ndico:

    A mesma carta rgia de 26 de Outubro de 1544 que criou os cruzados calvrios, na valia

    de 400 reais, determinou tambm o fabrico de uma nova moeda, do ouro que me veio da

    ndia, designada por escudo de So Tom e na valia de 1000 reais.158

    Juntamente com os So Vicente e com os cruzados de cruz do calvrio, os So Tom

    so, talvez, das moedas portuguesas de maior expressividade artstica, absolutamente

    integradas no universo do que melhor se gravava na Europa Renascentista de ento. A grande

    responsabilidade pelo cunho excecional dos So Tom do ourives Diogo lvares, que abriu os

    cunhos, e do artista Antnio de Holanda (1490-1558) que o desenhou159. Ser este autor o

    mesmo criador dos So Vicente e meios So Vicente, que continuara a ser batidos no reinado

    seguinte, agora segundo desenho do filho, Francisco de Holanda (1517-1584).

    Durante o reinado de D. Sebastio a amoedao nacional comeou por seguir os tipos

    determinados pelos alvars joaninos, dando continuidade aos espcimes que estavam em

    circulao, contudo, ainda durante a regncia de D. Henrique, uma srie de alteraes

    monetrias foram introduzidas no sistema. O cruzado de ouro suspenso e substitudo pelos

    500 reais de ouro. Ao mesmo tempo, as leis de 22 de outubro de 1566 e 3 de maro de 1568

    determinam o fim dos espcimes de cobre, o pataco de X reais, os V reais, os III reais, a

    moeda de real e o ceitil160. Com efeito, as amoedaes de cobre ficariam suspensas em

    155Magro, Franciso A. CostaOb. cit.,p. 15.156

    Rivoire, JeanOb. cit.,pp. 91-100.157

    Salgado, Javier SezDa Histria da Moeda em Portugal. Lisboa: ACJ, 2002. ISBN 972-611-802-6, pp. 58-59.158

    Gomes, Alberto e Trigueiros, Antnio Miguel Moedas Portuguesas na poca dos Descobrimentos (1385-1580).Lisboa: Edio de Autor, 1992. ISBN 972-95774-0-4, p. 156.159

    Trigueiros, Antnio MiguelNumismtica e Medalhstica, etc., 1986, p.14.160

    Arago, A.C. Teixeira de Ob. cit.,tomo I, pp. 286-287.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    47/203

    47

    Portugal durante os prximos 77 anos161(so se retomariam as cunhagens de cobre no reinado

    de D. Joo IV, por ordem de 24 de maro de 1645162.

    Depois do desastre de Alccer Quibir, D. Henrique e os Governadores do Reino

    continuaram a bater moeda segundo o sistema em vigor, nomeadamente os 500 reais em ouro e

    os tostes, meios tostes e vintns em prata163.

    No conturbado processo poltico do incio da dcada de 1580, surge um novo e

    interessante conjunto numismtico lavrado por D. Antnio, o Prior do Crato. Pretendente

    aclamado popularmente como rei, mas nunca reconhecido juridicamente por aclamao em

    cortes. As moedas de D. Antnio so exemplares escassos, cunhados em trs perodos distintos

    das suas desafortunadas tentativas de apropriao da coroa de Portugal. O primeiro momento,

    ainda em Lisboa, compreende as emisses que seguiram o sistema tradicional poca; o

    segundo momento so as emisses rebeldes de Angra do Herosmo e, por fim, as emisses no

    exlio, na Casa da Moeda de Gorcum, nos Pases Baixos, mimetizando as emisses francesas

    de Henrique III, mas tambm copiando os tipos tradicionais portugueses164.

    No muito estudadas atualmente, as moedas de D. Antnio foram exaustivamente

    analisadas e contextualizadas por Batalha Reis, a propsito das celebraes do duplo

    centenrio, na dcada de 1940:

    Assim, no Reino, onde cingira a coroa pelo curto espao de dois meses, a(D. Antnio,

    em Lisboa) lavra as suas primeiras moedas, acolhendo-se depois s ilhas dos Aores que o

    mantm como rei, perto de trs anos, e onde se do os mais importantes e caractersticos

    lavramentos do seu reinado, e finalmente refugia-se no Estrangeiro, onde tambm cunhada

    moeda em seu nome, no intuito de continuar a campanha para reaver a coroa perdida.165

    Naturalmente, Filipe II (I de Portugal) no poderia tolerar a audcia de uma usurpao do

    seu rgio e exclusivo poder de cunhagem, como tal, logo em fevereiro de 1581:

    Eu elrey fao saber aos que este alvar virem, que eu sou informado, que D. Antnio

    Prior do Crato no seu tempo, que se levantou usurpando nome de Rey, mandou lavrar moeda

    com seu nome, e com os cunhos de minhas armas reaes da cora destes reynos, de muito

    menos peso do que as leys, e ordenaes delles permittem: e porque a dita moeda no podianem devia correr, ainda que fora de justo peso, e valor, por ser mandada lavrar por pessoa, que

    161 No consideramos aqui as efmeras cunhagens perifricas de cobre, em Angra do Herosmo, por D. Antnio,

    visto que essas moedas nunca foram reconhecidas legalmente pelo cetro de Filipe II (I de Portugal).162 Arago, A.C. Teixeira de Ob. cit., tomo II, p. 25 e p. 273 Felicio Monteiro Pereira, thesoureiro da caza damoeda, faa lavrar a moeda de cobre...163

    Vaz, Ferraro e Salgado, Javier Livro das Moedas de Portugal. Braga, Barbosa e Xavier, Lda., MXMLXXXVII, pp.

    231-237.164Reis, Pedro Batalha - Numria de El-Rei D. Antnio, Dcimo oitavo rei de Portugal, o dolo do povo. Lisboa: Vol. XIdos Anais do Ciclo da Restaurao, Academia Portuguesa da Histria, 1947, pp. 315-318.165

    Idem, ibidem, p. 74.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    48/203

    48

    para isso no tinha poder, nem authoridade. Hey por bem, e mando, que da publicao deste

    alvar em diante, a dita moeda no corra mais em meus reynos e senhorios.166

    Apesar de tudo, durante a Unio Ibrica, a amoedao portuguesa, batida em nome dos

    Filipes, manteve no s a tradio do sistema monetrio portugus, como preservou a

    iconografia real tradicional, garantida, alis, pelas Cortes de Tomar, em abril de 1581:Cap. VIII Que o ouro e prata, que se lavrar em moedas nestes reinos se lavraro com

    os cunhos de armas de Portugal [...].167

    Carregada de grande intencionalidade poltica, esta disposio das Cortes de Coimbra foi

    sempre preservada at Restaurao, na verdade, ainda antes das cortes, em janeiro de 1581,

    uma proviso de Filipe II (I de Portugal), avisava j sobre a continuidade no lavramento do

    dinheiro portugus:

    Eu ellrey fao saber aos que este virem que eu ey por bem e meu seruio, que daqui en

    diante, em quanto o eu asi ouuer por bem e no mandar o contrayro, se laure na casa da moeda

    da cidade de lix. moeda douro e prata daquella ley, peso e valia que se lauraua na dita casa em

    tempo do sr Rey dom Sebastio, meu sobrinho, e do sr Rey dom Henrique, meu tio, que santa

    gloria ajo, por suas prouises, as quais se conpriro inteiramente como se de prata tero

    emcorpadas, e as moedas que se laurarem asi douro como de prata tero os mesmos crunhos,

    e letras das outras moedas, contehudas nas ditas prouisois, pomdose nellas o meu nome, como

    se custuma fazer[...].168

    Deste modo, as moedas portuguesas cunhadas com o nome dos reis de Espanha

    preservaram no s a coroa e escudos portugueses da tipologia geral, bem como seguiram o

    sistema em vigor desde o final do reinado de D. Sebastio. Os espcimes filipinos so pois os

    500 ris de ouro, o cruzado e seus mltiplos (dois e quatro cruzados), tambm em ouro, e o

    tosto de prata e submltiplos (meio tosto) e o vintm e mltiplos (XXXX e LXXX ris), tudo

    espcimes cunhados exclusivamente em Lisboa (excluindo, claro, as emisses ultramarinas na

    ndia)169.

    Depois de 1640 tambm no houve grandes alteraes no sistema monetrio. D. Joo IV

    manteve o sistema anterior, embora o esforo de guerra o tenha forado a reavaliar os valores

    do ouro e da prata, forando para isso a contramarcao das moedas com novos valores

    nominais, forando um aumento do preo da moeda face ao seu valor intrnseco em metal. Para

    poder no s financiar rapidamente as despesas de guerra, mas tambm para poder

    contramarcar rapidamente as moedas por todo o reino, D. Joo IV reabre, em 1642, as casas da

    moeda do Porto (agora no na Alfndega, mas sim nos Paos Municipais, na Casa dos Vinte e

    166

    Alvar de 4 de fevereiro de 1581, leitura de Arago, A.C. Teixeira de Ob. cit.,tomo I, p. 425.167Captulo VIII das Cortes de Tomar, 1581, cit., em Macedo, Newton de Histria de Portugal, Vol. IV. p. 102,168

    Arago, A.C. Teixeira de Ob. cit.,tomo I, p. 425, Alvar de Filipe I, de Elvas, 1 de fevereiro de 1581.169

    Gomes, AlbertoOb. cit.,pp. 536-552.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    49/203

    49

    Quatro, junto S170) e de vora. Ao mesmo tempo, distribuiu por todo o reino novas casas de

    contramarcao: Viana do Castelo, Miranda, Trancoso, Lamego, Castelo Branco, Coimbra,

    Tomar, vora, Beja e Tavira171.

    A reintroduo do processo de cunhagem de numerrio em cobre (real, real e meio, trs

    e cinco reais) outra das novidades, como vimos, do reinado de D. Joo IV172.

    A poltica monetria de D. Afonso VI, melhor dizendo, a poltica monetria do ministro do

    rei, o Conde de Castelo Melhor e, depois, do regente D. Pedro, mantm a mesma continuidade,

    contudo, apenas as oficinas monetrias de Lisboa e Porto se mantiveram abertas. Os

    espcimes principais continuam a ser os cruzados de ouro. Na prata, porm, assiste-se ao

    relanamento do cruzado de prata, uma moeda que viria a ser continuamente cunhada at

    meados do sculo XIX. Dizemos relanamento porque, como vimos, os primeiros cruzados de

    prata, ainda que efmeros e inusitados, foram lanados por D. Antnio. Ainda na prata, as sries

    dos tostes e dos vintns continuaram a ser batidas173.

    ainda destes primeiros anos depois da Restaurao que se enceta em Portugal a

    primeira cunhagem mecnica174, com um balanc importado de Frana, em 1649175. O balanc

    ter funcionado muito efemeramente, apenas para produzir a medalha da Conceio, primeiro

    com o ferro aberto em 1648 e depois com o de 1650. A Conceio, inicialmente produzida como

    medalha laudatria dos Braganas sua padroeira, acabou por ser decretada moeda com valor

    de curso de 12 mil ris, em 1651176. Atualmente, este um dos exemplares mais escassos de

    toda a numria portuguesa posterior Restaurao. O Gabinete de Numismtica da Cmara

    Municipal do Porto possuiu um dos poucos conhecidos.Apesar do engenho de 1649, a produo monetria portuguesa manteve-se na

    cunhagem manual at 1677, quando o Regente D. Pedro adquiriu, para a Moeda de Lisboa, um

    novo balanc que comeou, de imediato, a ser usado. No Porto, a reabertura da Casa da Moeda

    na Alfndega, em 1688 foi feita j com um balanc mecnico. De ora em diante, a cunhagem

    manual cessaria em Portugal.

    A lei de D. Pedro II, de 4 de agosto de 1688, viria a estabelecer o padro mais comum da

    moeda portuguesa no cruzado de prata de 480 ris177, que viria a ser cunhado continuadamente

    at decimalizao do sistema monetrio, em 1835, no contexto da renovao liberal.

    170Silva, Francisco Ribeiro da A Casa da Moeda do Porto Durante a Restaurao, in O Tripeiro, Srie Nova, AnoIX/N.3. Porto, 1986, p.68.171

    Idem, ibidem.172

    Arago, A. C. Teixeira de Ob. cit.,tomo II, pp. 24-25.173

    Vaz, Ferraro e Salgado, JavierOb. cit.,pp. 297-303.174De referir que em 1562, na Moeda de Lisboa, Joo Gonalves experimentou um processo de produo de moedaem srie no manual, atravs de fundio. O resultado dessa experincia foram os 500 reais denominados deengenhoso, em virtude da alcunha do seu autor. Os engenhososso a primeira moeda datada portuguesa, contudo,no sendo uma cunhagem, mas sim um produto fundido em molde, no o consideramos como parte da cunhagem

    mecnica.175Arago, A.C. Teixeira de Ob. cit.,tomo II, p. 17.176

    Idem, ibidem, p.18.177

    Arago, A.C. Teixeira de Ob. cit.,tomo II, p. 64.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    50/203

    50

    A descoberta do ouro do Brasil marcou as amoedaes portuguesas dos finais do sculo

    XVII e de praticamente todo o sculo XVIII. Ainda no reinado de D. Pedro II abrem as casas da

    moeda do Estado do Brasil, Baa (1694), Pernambuco (1698) e Rio de Janeiro (1700); j no

    reinado seguinte, D. Joo V abre a Casa da Moeda de Minas Gerais (1720)178. Ao mesmo

    tempo, o mesmo monarca encerraria a Moeda do Porto em 1721, centralizando todas as

    emisses da metrpole em Lisboa.

    Grosso modo, a moeda portuguesa, sobretudo em relao aos espcimes de ouro e

    prata, seguiu o tradicional padro bimetlico e manteve o mesmo padro tipolgico das dobras e

    dos cruzados at ao triunfo liberal, em 1834. O padro bimetlico ouro-prata ainda subsistiu uns

    anos, dentro do sistema decimal, entre 1849 e 1854, mas depois da lei de 29 de julho de 1854,

    de Fontes Pereira de Melo, o sistema monetrio monometalista de padro ouro passou a vigorar

    at ao final da monarquia, sendo o ouro a moeda principal, a prata moeda subsidiria 179 e o

    bronze moeda divisionria180.

    Os principais exemplares das moedas do final da monarquia so, portanto, em ouro, os

    10.000 ris (coroa), os 5.000 ris, os 2.000 ris e os 1.000 ris; na prata, os 500, 200, 100 e 50

    ris. Nos cobres, os valores amoedados eram os 20, dez, cinco e trs ris.

    No incio do sculo XX, em consequncia das graves crises de final de oitocentos, o real

    portugus encontrava-se bastante depreciado, no havendo j amoedaes em ouro. Como

    tentativa de sanear as despesas e relanar a moeda portuguesa, revalorizando-a, o ministrio

    da fazenda de Antnio Teixeira de Sousa e o seu sucessor Rodrigo Afonso Pequito, tentaram

    alterar a unidade monetria portuguesa para o Lusode ouro, no valor de 200 ris, integrado naUnio Latina181, o nico ensaio de moeda nica europeia. Esta proposta deu entrada na Cmara

    dos Deputados, a 5 de Outubro de 1904, mas nem sequer foi discutida 182. Meia dzia de anos

    depois, em maro de 1910, o ministro Joo Soares Branco apresentaria uma nova proposta de

    saneamento monetrio, apresentando uma nova moeda para o pas, o cruzado-ouro, dividido

    em 100 ceitis. O cruzado valeria 400 ris e teria um toque de 835183. A queda do governo, em

    26 de junho de 1910, acabaria por determinar o fim e o esquecimento do novo cruzado de ouro

    portugus. Mas ainda assim, o ltimo governo monrquico em Portugal iria apresentar uma

    derradeira proposta de renovao monetria para o reino, entre julho e setembro de 1910 184,

    178Vaz, J. FerraroA moeda de Portugal no mundo. Braga: ed. de autor, 1986, p. 38.179Este monometalismo efetivo, com a prata em lugar subsidirio (sem oscilaes de valor intrnseco) era chamadode bimetalismo coxo, ver Rivoire, JeanOb. cit.,p. 144.180

    Trigueiros, Antnio MiguelA Grande Histria do Escudo Portugus.Lisboa: Edies Col. Philae, 2003. ISBN 972-99013-0-9, p. 33.

    181A Unio Monetria Latina, fundada em 1865, estabeleceu uma paridade cambial entre as unidades monetrias(em prata) da Blgica, Sua, Itlia, Espanha e Romnia em relao ao franco francs. Assim, o franco belga, o francosuo, a lira italiana, a peseta espanhola e o leu romeno valiam exatamente um franco francs. Ver Rivoire, Jean, -

    Ob. cit.,p. 86.182Trigueiros, Antnio MiguelA Grande Histria do Escudo Portugus, p. 38.183

    Idem, ibidem, p. 40.184

    Idem, ibidem, p. 43.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    51/203

    51

    quando o Ministro da Fazenda, Anselmo Assis de Andrade, apresentou, no dia 3 de setembro,

    uma proposta Direo Geral da Tesouraria com vista a uniformizar a moeda de prata

    portuguesa numa lei de 835, e retirar de circulao todas as moedas anteriores, num prazo

    mximo de trs anos. Naturalmente que a histria segue rumos diferentes do que os ministros

    por vezes imaginam, e, cerca de um ms depois, estalava vitoriosa a Revoluo do

    5 de Outubro, finando definitivamente o real portugus.

    Seria precisamente o governo da Repblica Portuguesa a empreender a mais

    determinante reforma monetria no nosso pas do sculo XX, com a criao do escudo, pelo

    famoso Decreto de 22 de maio de 1911185. Necessitados de recriar a imagtica simblica de

    representao do pas, os primeiros governos republicanos entenderam reformular a moeda

    nacional, criando o escudo de ouro, no valor de 1.000 ris antigos. A par da renovao do rosto

    das emanaes representativas do Estado, o escudo foi tambm uma aposta de poltica

    monetria, no sentido de revalorizar a moeda nacional, criando uma unidade forte, de padro

    ouro, que pudesse equiparar-se s suas congneres europeias. Assim, o Decreto de 22 de maio

    procurou alinhar o escudo portugus (dividido em 100 centavos) com os toques das moedas de

    ouro e prata da Unio Latina, adotados desde 1878186.

    O decreto previa, pois ento, a emisso de moedas de 900 de ouro de 10$00, 5$00,

    2$00 e 1$00; e uma moeda de prata, tambm com o mesmo toque, de 1$00, e as outras com

    toque de 835 de 50, 20 e 10 centavos. O restante numerrio divisionrio seria em bronze e em

    nquel.

    As contingncias econmicas e polticas desfavorveis que assolaram a I RepblicaPortuguesa, comeando desde logo pela instabilidade social, e acabando com a participao na

    Grande Guerra, lograram parte do projeto de 1911, impedindo, por exemplo, a cunhagem efetiva

    de moeda de ouro, mas o restante numerrio foi emitido em grandes quantidades. A inflao

    galopante do ps-guerra, acentuada sobremaneira nos primeiros anos da dcada de 1920,

    acabaram por erodir o sonho da boa moeda em prata portuguesa, os primeiros escudos de prata

    desapareceram de circulao, para dar lugar a espcimes baratos de bronze-alumnio e alpaca.

    Entre 1928 e 1931, o novo Ministro das Finanas, delfim civil da ditadura militar, haveria de criar

    um novo padro monetrio, o novo escudo187, que em termos prticos indexou as novas moedasde 10$00 de prata aos valores do escudo de prata do decreto de 1911, isto , desvalorizando-o

    dez vezes, mas conseguindo lanar uma moeda forte em Portugal.

    Com mais ou menos desvalorizao, inevitvel no decurso das dcadas, o escudo

    portugus sobreviveu, como moeda efetiva, isto , sendo cunhada e transacionada no dia a dia,

    at introduo da nova moeda nacional, o euro, em 1 de janeiro de 2002. Os ltimos escudos

    portugueses foram cunhados na INCM em 2001, juntamente com os seus submltiplos: 5$00 e

    185

    Idem, ibidem, p. 44.186Idem, ibidem, p. 59.187

    Idem, ibidem, pp. 145-146. A designao novo escudoencontra-se nos decretos de Salazar, de 9 de junho de1931, mas na sua presentao pblica, a moeda nacional manteve apenas a designao simplificada de escudo.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    52/203

    52

    10$00 (em lato); 20$00 e 50$00 (em cupro-nquel) e 100$00 e 200$00 (moedas bimetlicas

    compostas com liga de lato e de nquel).

    Atualmente, e at ver, o euro, moeda comum europeia, continua a ser batido na

    Imprensa Nacional-Casa da Moeda188, com os seus submltiplos de 1, 2, 5, 10, 20 e 50

    cntimos, e o seu mltiplo de 2 euros.

    Oficinas monetrias portuguesas

    As primeiras casas da moeda portuguesas recuam at ao sculo XII e ao incio da

    nacionalidade. H alguma polmica em torno da localizao dessas oficinas primitivas, mas,

    em termos gerais, a listagem das casas da moeda que laboraram no territrio continental a

    seguinte189:

    I. Guimares do incio da nacionalidade, no conhecemos outrasreferncias a uma casa da moeda na sede do Condado Portucalense

    alm de indicaes bibliogrficas190.

    II. Braga oficina tambm de atribuio polmica. Francisco Magro191

    considera que h a possibilidade de pelo menos um, dos trs morabitinos

    com letra B conhecidos, seja genuno, e de emisso bracarense.

    III. Coimbraapontada como sendo, na verdade, a primeira casa da moedaportuguesa, nomeadamente no Mosteiro de Santa Cruz192; teria sido

    fundada por D. Sancho, no final do reinado de D. Afonso Henriques, e ter

    laborado at ao reinado de D. Afonso IV193.

    IV. Lisboater comeado a laborar em meados do sculo XIII194, durante a

    guerra entre D. Sancho II e o irmo D. Afonso (futuro Afonso III). No

    188As duas empresas pblicas fundiram-se numa s em 1977.

    189Ao contrrio da tradicional organizao geogrfica das casas da moeda, de norte para sul e de oeste para este,

    seguiremos uma organizao cronolgica.190Dordio, PauloMedieval and early modern portuguese mints: locations and buildings, in I Luoghi Della Moneta,Le Sedi Delle Zecche DallAntichit AllEt Moderna, Atti Del Convegno Internazionale22-23 Ottobre, 1999, Milano:Comune Di Milano Settore Cultura Musei e Mostre Civiche Raccolte Archeologiche, 2001, p. 127.191

    Magro, F. A., Guerra, M. Filomena e Gondonneau, Alexandra Numria de D. Afonso Henriques, in Atas do III

    Congresso Nacional de Numismtica, Sintra. Lisboa: Clube Numismtico de Portugal, 1985, p. 202.192Gambetta, Agostinho Ferreira, Histria da Moeda, Vol. I. Lisboa: Academia Portuguesa da Histria, 1978, p. 252.193

    Idem, ibidem.194

    Dordio, PauloOb. cit.,p. 116.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    53/203

    53

    reinado deste ltimo III195estaria j a funcionar como emissor principal do

    pas, at aos dias de hoje.

    V. Porto fundada por D. Fernando, por volta de 1370196, laborou

    continuamente na Alfndega Velha at 1607197 tendo sido reaberta

    provisoriamente nos Paos do Concelho, na Torre dos Vinte e Quatro,

    entre 1642-1644. Reabriu na Alfndega em 1688 e foi encerrada em 1721.

    Durante o Cerco do Porto, entre 1832 e 1833, abriu uma Moeda provisria

    no Convento dos Loios198, que bateu espcimes em nome da rainha.

    Cerca de 15 anos depois, em 1847, em plena Patuleia, foi tambm aberta

    uma oficina monetria provisria, no Convento de Monchique199, que

    bateu alguns exemplares de 40 ris (patacos).

    VI. Miranda do Douro Casa da Moeda militar, de D. Fernando. Ter

    laborado entre 1369 e 1372200(juntamente com outras oficinas de guerra,

    mas fora de fronteiras: Tui, Corunha, Quiroga, Samora201).

    VII. Santarm202 ter aberto efemeramente, em 1383, para cunhar moeda

    em nome de D. Beatriz203.

    VIII. vora o regimento de privilgios dos moedeiros desta cidade foi

    outorgado a 5 de fevereiro de 1386, contudo sabemos que j laborava em

    1385204, encerrando pouco anos depois, em 1398; segundo alguns

    autores foi reaberta durante o reinado de D. Afonso V205, mas no

    conhecemos qualquer espcime cunhado nessa cidade, nesse perodo.

    Reabriu efetivamente em 1642, tendo encerrado cerca de 15 anos depois,

    195Marques, Mrio GomesHistria da moeda medieval portuguesa, p. 219.

    196Dordio, PauloOb. cit.,pp. 116.

    197Reis, Pedro BatalhaCartilha da Numismtica Portuguesa. Lisboa, 1952, p. 212-213.198Barata, J. GamaMoedas Portuenses no Reinado de D. Maria II (1833 1847), inNVMMVS, 2. Srie, Vol. XI, pp.15-41, Porto, Sociedade Portuguesa de Numismtica, 1988.199

    Idem, ibidem.200

    Marques, Mrio GomesMoedas de D. Fernando, pp. 34 e 224-225.201Idem, ibidem, pp. 31-32.202Marques, Mrio GomesHistria da Moeda Medieval Portuguesa, p. 111203

    Outros autores, nomeadamente Arago Ob. cit.,Tomo I, p. 195, consideram que a letra monetria S cunhadanos raros exemplares de reais de D. Beatriz corresponde oficina monetria de Sevilha, em Espanha.204

    Ferro, Maria Jos PimentaOb. cit.,pp. 103-104.205Dordio, PauloMedieval and early modern portuguese mints: locations and buildings, in I Luoghi Della Moneta,Le Sedi Delle Zecche DallAntichit AllEt Moderna, Atti Del Convegno Internazionale22-23 Ottobre, 1999, Milano:Comune Di Milano Settore Cultura Musei e Mostre Civiche Raccolte Archeologiche, 2001, p. 117.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    54/203

    54

    j no reinado de D. Afonso VI206. No se conhece a localizao exata das

    oficinas monetrias de vora.

    IX. Beja oficina tambm de laborao pontual. Abriu aps

    concesso rgia emitida em 1525207, a Rui Lopes, vedor do rei, e ter

    suspendido atividade no mximo at 1555 (proibio da cunhagem de

    ceitis por privados, por D. Joo III208); cunhou apenas ceitis209. Uma das

    curiosidades associadas a esta casa monetria, a referncia

    instalao exclusiva de um martinete210, autorizado com exclusividade

    pelo prprio rei D. Joo III. Permanecem dvidas em relao ao

    significado preciso do termo martinete, sendo tradicionalmente associado

    a um martelo mecnico de laminao, ou de cravagem de estacas.

    Contudo, em termos genricos, ainda hoje em castelhano, martinete pode

    significar, em termos amplos, uma oficina onde esses martelos estariam

    instalados211. A Moeda de Beja foi localizada e escavada desde o vero

    de 2012, seria interessante verificar se h algum indcio de laminadoras

    mecnicas (com pequenos moinhos hidrulicos, ou de sangue, como o de

    Crdova, de 1661212).

    Durante a Guerra da Restaurao (1640-1668), o esforo de guerra obrigou a uma

    desvalorizao constante da moeda

    213

    . Essa desvalorizao era feita com recurso acontramarcas com novos valores faciais214. As casas de contramarcao da Restaurao, como

    vimos anteriormente, so variadas: Viana do Castelo, Miranda, Trancoso, Lamego, Castelo

    Branco, Coimbra, Tomar, vora, Beja e Tavira215, mas tambm na cidade do Porto, num

    momento em que a velha oficina monetria da Alfndega estava encerrada 216.

    206Arago, A. C. Teixeira de Ob. cit.,tomo I, p. 68.207

    Viterbo, Sousa Casa da Moeda em Beja Explorao de minas de cobre e azougue Cunhagem de ceitis notempo de D. Joo III, in O Archeologo Portuguez, Vol. II, janeiro de 1896, N. 1, pp. 49-53.208

    Arago, A. C. Teixeira de ibidem, p. 401.209 Santos, Francisco e Lemos, Artur A Propsito de Ceitis Cunhados em Beja, in Boletim da Associao CulturalAmigos do Porto, S.3., n. 24. Porto, 2006, pp. 103-107.210

    Viterbo, SousaOb. cit.,p. 53 e Gambetta, Agostinho FerreiraOb. cit.,p. 237.211

    C.f. Diccionario de la lengua Espaola, da Real Academia Espaola, entrada martinete, disponvel emhttp://www.rae.es/RAE/Noticias.nsf/Home?ReadForm (julho de 2013).212 Vega, Alberto Moreno y Glvez, M. Yolanda Lpez La Real Casa de La Moneda de Crdoba, una cecamecanizada del siglo XVII, in Molinum, Boletn Informativo y Divulgativo de ACEM, n.38, dezembro de 2012, pp. 28-36.213

    Arago, A. C. Teixeira de Ob. cit.,tomo II, pp. 14-15.214

    Idem, ibidem.215Silva, Francisco Ribeiro da A Casa da Moeda do Porto Durante a Restaurao , in O Tripeiro. Srie Nova, Ano IX,N. 3, Porto, 1990, p. 68.216

    Idem, ibidem.

    http://www.rae.es/RAE/Noticias.nsf/Home?ReadFormhttp://www.rae.es/RAE/Noticias.nsf/Home?ReadForm
  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    55/203

    55

    4. A Casa da Moeda do Porto

    Contextualizao histrica da produo monetria portuense

    O primeiro documento que especifica pela primeira vez a existncia de uma oficina

    monetria na cidade do Porto a Carta de Privilgios do alcaide, moedeiros e oficiais da Casada Moeda do Porto, que D. Fernando outorgou em maro de 1370217:

    D. Fernando pella graa de Deos Rey de portugal e do algarve. Aquantos esta carta

    virem fao saber que eu querendo fazer graa e meree ao meu Alcayde e moedeyros o

    offiiaaes da minha moeda da Cidade do Porto por mujto serujo que amym fezerom e fazem

    em essa minha moeda, lhes outorgo por priujlegio e franqueza, assy aos que hora som come os

    outros Alcaydes e moedeyros e offiiaaes que deps elles veherem pella guisa que adeante

    segue.218

    Logo da leitura deste protocolo, infere-se, a partir do recurso ao pretrito perfeito do

    indicativo (em fizeram), que a Casa da Moeda do Porto e o seu pessoal tcnico e administrativo

    j laboravam antes da outorga da carta de privilgios.

    Na verdade, as suspeitas de ter existido uma casa da moeda no Porto desde, pelo

    menos, o sculo XIII219, so levantadas desde h muito tempo. Manuel Severim de Faria, em

    meados do sculo XVII, refere que as primeiras moedas do Porto de que h memria tm trs

    torres e um rio por baixo220, apresentando na outra face as armas do reino. Naturalmente que

    estas moedas que Severim de Faria menciona, no so mais do que os ceitis dos sculos XV e

    XVI221. Ainda o mesmo autor seiscentista refere, sem fundamento, que identificara a letra

    monetria P em moedas de D. Sancho II. Ainda no sculo XX, em 1914, Firmino Pereira,

    ecoando sem grandes desconfianas os canhenhos do padre Severim de Faria, chegou a

    localizar uma primitiva casa da moeda do Porto (caracterizada at como sendo a mais antiga do

    reino), na esquina da Rua de Trs com o Largo dos Loios:

    217Lopes, Isabel Alexandra, Menndez, Jorge Argello, Dordio, Paulo e Teixeira, Ricardo Excavacionesarqueolgicas en la Casa de la Moneda de Oporto (sgs. XIV-XVI) in Arqueologia da Idade Mdia da Pennsula Ibrica,Atas do 3. Congresso de Arqueologia Peninsular, Coor. Mrio Barroca, Antonio Malpica Cuello, Manuel Real, Vol.VII. Porto: ADECAP, 2000. ISBN 972-98807-0-0, p. 58 e Ferraz, Francisco Manuel Teixeira, Ob. cit., p. 50.218

    Colhido in Pereira, Isabel Sousa e Real, Manuel Lus Moedas Portuguesas Cunhadas no Porto, na Coleo doGabinete de Numismtica. Porto: Casa Tait, Diviso de Museus da Cmara Municipal do Porto, 1989, p. 83.219 Referimo-nos, naturalmente, a amoedaes do Reino de Portugal e no anteriores, pois, como vimos, soconhecidos espcimes visigodos com marcas monetrias do Porto.220

    Citado in Ferraz, Francisco Manuel TeixeiraOb. cit.,p. 47.221

    A aluso, ainda que desconhecida, tipologia dos ceitis contm em si uma informao secundria muitointeressante, a nosso ver, a memria dos ceitis, moeda muito popular e cunhada abundantemente entre meados dosculo XV e meados do sculo XVI, estava j esquecida nos meados do sculo XVII, no sendo sequer reconhecidapor um erudito como o padre Manuel Severim de Faria.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    56/203

    56

    No largo dos Loios, esquina da rua de Traz, e pouco acima da albergaria de

    Rocamador, existiu a primeira Casa da Moeda que houve em Portugal, depois mudada para as

    proximidades da Ribeira.222

    Apesar de equivocado, no deixa de ser curiosos que Firmino Pereira localize esta

    presumvel casa da moeda no local onde, durante o cerco de 1832-33, D. Pedro IV cunharamoeda em nome da rainha e do movimento liberal. Talvez essa memria das moedas dos Loios,

    cunhadas durante a Guerra Civil, tenha interferido na perceo popular de incios do sculo XX

    sobre a tradio da moeda do Porto.

    No obstante, a historiografia e a numismtica modernas, a partir de Arago223, no

    corroboram a hiptese de ter existido casa da moeda no Porto anterior ao reinado de

    D. Fernando224.

    Com efeito, j Damio Peres apontava como data inicial de laborao da casa da moeda

    portuense, o incio da Primeira Guerra Fernandina, em 1369225

    , e Maria Jos Pimenta Ferroaponta somente o reinado de D. Fernando, como perodo de abertura da Moeda do Porto 226. O

    prprio Ferraro Vaz227no localiza nenhuma casa da moeda no Porto, reconhecendo, embora,

    que as emisses de dinheiros dos sculos XIII e XIV, anteriores a D. Fernando, tero sido

    itinerantes, acompanhando a fixao das cortes em diferentes cidades, mas dando predomnio a

    Coimbra e Lisboa.

    Mais recentemente, Ferraz, aponta logo para o incio do reinado de D. Fernando, em

    1367, o incio da preparao da Casa da Moeda do Porto228.

    Com efeito, a partir do reinado de D. Fernando em que, no s a documentao oficial

    explcita em relao laborao monetria no Porto, como tambm se comeam a usar as

    letras monetrias distintivas que assinalam a cidade emissora, no caso do Porto, o uso da letra

    P indubitvel229.

    Para melhor compreender a fixao de uma casa da moeda na cidade do Porto,

    necessrio compreender o contexto poltico e econmico do final da dcada de 1360.

    222Pereira, FirminoO Porto DOutros TemposNotas Historicas, Memorias, Recordaes. Porto: Livraria Chardron,

    1914, p. 176.223

    Arago, C. A. Teixeira de Ob. cit.,pp. 53-55.224 De referir, contudo, que Batalha Reis no refuta totalmente essa hiptese, embora reconhea que, dada aausncia de fontes documentais, tambm no a poderia confirmar.225

    Peres, DamioO Sculo XV, Uma Repblica Urbana, in Histria da Cidade do Porto, Vol. 2, dir. Damio Peres eAntnio Cruz. Porto: Livraria Civilizao, 1963, p. 130.226

    Ferro, Maria Jos PimentaEstudos de Histria Monetria Portuguesa (1383-1438). Lisboa, pp. 102.227Vaz, J. FerraroOb. cit.,pp. 88-89.228

    Ferraz, Francisco Manuel TeixeiraOb. cit.,pp. 56-57.229

    Marques, Mrio GomesMoedas de D. Fernando, p. 29.

  • 7/26/2019 A Casa Da Moeda Do Porto - Bases Para Uma Proposta de Interp

    57/203

    57

    D. Fernando sucedera a seu pai, D. Pedro I, num contexto pujana financeira230e de paz.

    Herdara o reluzente tesouro da coroa portuguesa, aparentemente avaliado em 800 000 peas

    de ouro e 400 000 marcos de prata231.

    Contudo, Portugal fora dizimado pela Peste Negra e estava rodeado pela guerra, no s

    a Guerra dos Cem Anos, mas sobretudo pela instabilidade poltica que opunha os sucessores de

    Afonso XI de Castela (1312-1350), Pedro I, o Cruel (1350-1366 e 1367-1369) e o seu meio-

    irmo, Henrique de Trastmara (1366-1367 e 1369-1379).

    Se, por um lado, D. Pedro I de