27
1 A CIDADANIA DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA: DA SITUAÇÃO IRREGULAR À PROTEÇÃO INTEGRAL. Maria Guiomar da Cunha Frota A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA), aprovados pelo Congresso Nacional em junho de 1990, são os primeiros documentos jurídicos legais brasileiros onde crianças e adolescentes são considerados sujeitos de direitos. A Constituição Federal, no artigo 227, determina que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito , à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.(BRASIL, Constituição Federal, 1988) No Estatuto crianças e adolescentes são definidos simultaneamente como “pessoas em condição peculiar de desenvolvimento- justificando desse modo a necessidade da proteção integral e prioritária de seus direitos por parte da família, da sociedade e do Estado - e como sujeitos de direitos- significando que não podem mais ser tratados como objetos passivos de controle por parte da família, do Estado e da sociedade . O objetivo deste texto é analisar o significado deste Estatuto que define, no plano legal, uma nova visão da criança e do adolescente, no Brasil. Na primeira parte é

A CIDADANIA DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA: DA SITUAÇÃO ...professor.pucgoias.edu.br/SiteDocente/admin/arquivosUpload/17973... · definidos como sujeitos de direitos e não há

  • Upload
    vunga

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

1

A CIDADANIA DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA:

DA SITUAÇÃO IRREGULAR À PROTEÇÃO INTEGRAL.

Maria Guiomar da Cunha Frota

A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA),

aprovados pelo Congresso Nacional em junho de 1990, são os primeiros documentos

jurídicos legais brasileiros onde crianças e adolescentes são considerados sujeitos de

direitos. A Constituição Federal, no artigo 227, determina que:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com

absoluta prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,

à cultura, à dignidade, ao respeito , à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de

colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,

crueldade e opressão.(BRASIL, Constituição Federal, 1988)

No Estatuto crianças e adolescentes são definidos simultaneamente como

“pessoas em condição peculiar de desenvolvimento”- justificando desse modo a

necessidade da proteção integral e prioritária de seus direitos por parte da família, da

sociedade e do Estado - e como “sujeitos de direitos”- significando que não podem

mais ser tratados como objetos passivos de controle por parte da família, do Estado e da

sociedade .

O objetivo deste texto é analisar o significado deste Estatuto que define, no

plano legal, uma nova visão da criança e do adolescente, no Brasil. Na primeira parte é

2

apresentada a doutrina da situação irregular na qual todas as leis anteriores ao Estatuto

se basearam. Na segunda parte, apresentam-se as principais inovações trazidas pelo

Estatuto: a doutrina da proteção integral e os direitos previstos, a política de

atendimento e as funções das principais instituições encarregadas desta política. E

finalmente, na terceira parte, realizou-se um balanço do processo de implementação do

ECA em seus dos dez anos de vigência.

1- A DOUTRINA DA SITUAÇÃO IRREGULAR E AS PRIMEIRAS LEGISLAÇÕES

As primeiras legislações e instituições específicas destinadas à infância e à

adolescência surgiram, em diversos países europeus e americanos, em fins do século

XIX e nas primeiras décadas do século XX. As novas leis e instituições foram baseadas

na doutrina da situação irregular que tinha como eixo a idéia de controle social dos

“menores” infratores e daqueles considerados abandonados moral ou materialmente por

seus familiares. Em nome da proteção da criança e da sociedade, as novas leis davam

aos juizes especialmente o poder de intervir na vida das famílias pobres, consideradas

desagregadas e de determinar o destino de suas crianças e jovens.

Os tribunais de menores foram criados primeiramente em Illinois, nos E.U.A.,

em 1899 e sucessivamente na Inglaterra (1905), Alemanha (1908), Hungria e Portugal

(1911), França(1912) , Japão ( 1922) , Espanha (1924) e no México (1927).

Essas instituições foram criadas sob a influência das instituições pioneiras norte

americanas e do Primeiro Congresso Internacional de Tribunais de Menores, realizado

em Paris em 1911, quando foi afirmada a idéia da intervenção estatal ilimitada para

supostamente proteger crianças e jovens abandonados e delinqüentes. As sugestões

apontadas pelo Congresso e incorporadas nas legislações de diversos países consistiam

3

basicamente em ampliar as funções do juiz e em atribuir um caráter familiar à justiça de

menores, anulando a figura da defesa e dando às sentenças um caráter ilimitado, o que

estenderia na prática o tempo em que os “menores abandonados- delinqüentes” estariam

sob o controle do sistema judicial. Neste congresso a maioria dos representantes

provinha dos países europeus e dos Estados Unidos; da América Latina estiveram

presentes: Cuba , El Salvador e Uruguai .

Na América Latina os tribunais de menores foram instituídos simultaneamente

aos europeus: na Argentina em 1921, no Brasil em 1923 e no Chile em 1928. Mas em

muitos países latino-americanos esses tribunais não foram efetivamente implantados,

permanecendo na prática o encarceramento junto com os adultos:

“a Argentina constitui-se num exemplo extremo neste sentido pois setenta anos depois de promulgada a lei, os tribunais não tinham sido instaurados ao nível nacional. Em outros países da região seu número reduzido os tornava meramente simbólicos.” (COSTA; MENDEZ,1994,P.37)

A legislação específica para crianças e adolescentes foi implantada, primeiro na

Argentina em 1919 e por último na Venezuela , em 1939.

1.1-O primeiro código brasileiro: o Código de Menores Mello Mattos de 1927

No Brasil, o primeiro código de menores, Código de Menores Mello Mattos, foi

instituído em 1927 e era destinado aos menores de 18 anos de idade, em situação

irregular ou seja aos delinqüentes e aos abandonados moral ou materialmente. Esta

última categoria incluía desde os que se encontrassem eventualmente sem habitação

certa , nem meios de subsistência devido a indigência, enfermidade, ausência ou prisão

4

dos pais e guardiães, até os que tinham pai, mãe ou guardião que se entregassem à

pratica de atos contrários à moral e aos bons costumes.

Definia-se como delinqüentes, os menores de 14 a 18 anos de idade que haviam

cometido algum ato infracional e esses eram “submetidos a um processo especial, com

responsabilidade penal atenuada e encaminhamento para prisões-escola (reformatórios)

ou, na ausência destas, para um estabelecimento anexo à penitenciária

adulta.”(JASMIN,1986, p.88)

O Código de Menores de 1927 delegava aos estados a execução do atendimento

que se caracterizou, no período de 1930 a 1945, pela intervenção ativa desses, no

controle da população carente. Em 1942, foi criado o Serviço de Assistência ao Menor

(SAM):

“orgão do Ministério da Justiça, caracterizado por uma orientação correcional repressiva, que funcionava como o equivalente do sistema penitenciário para a população menor de idade. O sistema de atendimento era constituído por internatos (reformatórios e casas de correção) para adolescentes autores de infração penal e por patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de

ofícios urbanos, para menores carentes e abandonados.”(COSTA,1994,P.124) Seguindo a tendência de manipular a idade da imputabilidade para ampliar a

população alvo de controle, o Código Penal de 1940 estendeu o limite de 14 para 18

anos de idade e esta alteração foi incorporada na legislação específica através do

Decreto 3.799 de 05/11/1941. O novo decreto substituiu a categoria delinqüente pela

de infrator. As medidas aplicáveis aos jovens ‘infratores’, entre 14 e 18 anos, foram

reorganizadas em função da determinação de sua periculosidade avaliada pelo juiz.

Caso esta fosse negativa, o juiz deixaria o menor com os responsáveis ou mandaria

interna-lo em estabelecimento profissional ou de reeducação. Caso fosse positiva , o

menor seria diretamente internado em ‘estabelecimento adequado’ que podia ser até

‘uma seção especial de estabelecimentos de adultos’. Quando declarada a suspensão da

periculosidade, o adolescente ficava sujeito à vigilância por tempo determinado pelo

5

juiz. Estes aspectos do decreto de 1941 reforçam a idéia de suspensão da legalidade e

dos direitos civis, para os menores de idade suspeitos de pratica de ato infracional,

pois os menores estavam sujeitos à vigilância mesmo sem terem cometido delito e

mesmo quando já não eram considerados perigosos .

O primeiro documento legal de âmbito internacional, concebendo a criança

como sujeito de direitos foi a Declaração Universal dos Direitos da Criança aprovada

em 1959, pela Assembléia Geral das Nações Unidas. Nesta declaração foram afirmados

o direito :

“à igualdade, a um nome e a nacionalidade, à alimentação, moradia e assistência médica adequadas para a criança e a mãe, ao amor e a compreensão por parte dos pais e da sociedade, à educação gratuita e ao lazer, a ser socorrido em primeiro lugar, a ser protegido contra o abandono e a exploração no trabalho e a crescer dentro de um espírito de solidariedade, compreensão, amizade e justiça entre os povos.”(ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos da Criança,1959) No Brasil, diferentes projetos de alteração do Código de Menores foram

elaborados nas décadas de 60 e 70. Esses projetos podem ser agrupados em duas

correntes uma favorável à inclusão dos dez princípios da Declaração dos Direitos da

Criança de 1959 na legislação específica brasileira e outra contrária à esta inclusão. No

Código de 1979 prevaleceu a posição contrária a inclusão.

1.2- O Código de Menores de 1979

A partir da implantação do regime autoritário, em 1964, a política de

atendimento à infância e adolescência passou a ser regulamentada por dois documentos

legais: a Política do Bem Estar do Menor (PNBEM, lei 4513/64) e posteriormente o

Código de Menores (Lei 6697/79). A PNBEM era definida por um órgão central, a

6

Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM) e executada nos estados pelas

fundações estaduais do bem estar do menor (FEBEM).

O Código de Menores de 1979 baseava-se na mesma doutrina da situação

irregular na qual se baseou o código anterior (Mello Mattos):

“ este código dispõe sobre assistência , proteção e vigilância a menores : I - até 18 anos de idade , que se encontrem em situação irregular ; II - entre 18 e 21 anos , nos casos expressos em lei; as medidas de caráter preventivo aplicam-se a todo menor de 18 anos, independente de sua situação (art.I).”(BRASIL, Código de menores,1979)

No Código não há distinção entre crianças e adolescentes, os mesmos não são

definidos como sujeitos de direitos e não há nenhuma menção a deveres do Estado e da

Sociedade ou de penalidades previstas para pessoas que cometem atos de violência

contra crianças e adolescentes. Há apenas alguns atos considerados como infrações

contra a “assistência, proteção e vigilância a menores” referentes à divulgação de

dados e da imagem, à freqüência em determinados ambientes e ao descumprimento dos

deveres inerentes ao pátrio poder por parte dos pais ou responsável .

O sistema de atendimento, norteado pelo Código de Menores e pela PNBEM, foi

caracterizado por Antônio Carlos Gomes da Costa, como sendo responsável pela

degradação pessoal e social de crianças e adolescentes, objetos do:

“círculo perverso da institucionalização compulsória: apreensão - o menino é apreendido nas ruas pelo policiamento ostensivo ou ronda do comissariado de menores; triagem e investigação : realizada em diversas fases que podem envolver a Delegacia de Menores, o Juizado de Menores e o Centro de Triagem da FEBEM (Fundação Estadual do Bem Estar do Menor) ; rotulação - como resultado do estudo social do caso, o menino é enquadrado em categorias sociais ( abandonado , carente, desassistido ) ou nas categoria legais previstas no Código de Menores; deportação- por decisão judicial , o menino é arrancado do seu continente afetivo ( família ou bando de rua ) e das vinculações sociais e culturais com sua comunidade de origem ; confinamento- ao fim deste ciclo , ocorre o seu confinamento em internato que, paradoxalmente , passa a ter a missão de ressocializa-lo .” (COSTA, 1994, p.130)

Conclui-se portanto que todos os documentos legais relativos a infância e

adolescência no Brasil, de 1927 a 1979, foram norteados pela doutrina da situação

irregular, que procurava legitimar uma intervenção estatal absoluta sob crianças e

7

adolescentes pobres, rotulados menores, sujeitos ao abandono e considerados

potencialmente delinqüentes.

O Código de Menores de 1979 e a PNBEM, foram revogados a partir da entrada

em vigor da nova Constituição Federal, em 1988 e do Estatuto da Criança e do

Adolescente, em outubro do 1990.

Inaugura-se desse modo, ao menos formalmente, o estado de direito para a infância e

adolescência no Brasil, com a indicação clara da relação direitos e deveres.

As diferenças básicas entre as doutrinas que norteiam o Código de Menores e

novo Estatuto podem ser observadas no QUADRO 1:

QUADRO 1 - O CÓDIGO DE MENORES DE 1979 E

O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

1-ESTATUTOS LEGAIS CÓDIGO DE MENORES ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

2-DOUTRINA JURÍDICA

Doutrina da situação irregular Doutrina da Proteção integral

3-DESTINATÁRIOS Menores entre zero e dezoito anos que se encontram em situação irregular (medidas de proteção)

Todas as crianças e adolescentes (livro I); crianças e adolescentes com direitos violados (livro II, título II-medidas de proteção) e adolescentes suspeitos de ato infracional(livro II, título III, medidas sócio-educativas e de proteção)

4-CONCEPÇÃO POLÍTICA SOCIAL IMPLICITA

Instrumento de controle social dos menores carentes, abandonados e infratores.

Instrumento de desenvolvimento social para as crianças e adolescentes e de proteção integral às crianças e adolescentes em situação de risco .

Fontes : Sinopse elaborada pela Pastoral do Menor da Arquidiocese de Belo Horizonte, Código de Menores e Estatuto da Criança e do Adolescente.

8

2-A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E O ESTATUTO DA CRIANÇA E

DO ADOLESCENTE:

O Estatuto da Criança e do Adolescente compõe-se de dois livros. O livro um

trata dos direitos sociais como saúde e educação e é dirigido a todas as crianças e

adolescentes, sem exclusão de qualquer natureza. O livro dois dirige-se às crianças e

adolescentes em situação de risco pessoal e social, “em razão de sua conduta ou da ação

ou omissão dos pais, da sociedade e do Estado” (QUADRO 2). Uma parte dos artigos

refere-se às medidas de proteção e a outra parte às medidas sócio-educativas destinadas

principalmente ao adolescente suspeito de ato infracional.

QUADRO 2- A ORGANIZAÇÃO DO ESTATUTO

CONTEÚDO DESTINATÁRIOS

LIVRO 1 Direitos sociais: educação, saúde,

convivência familiar e

comunitária, lazer

Todas as crianças e adolescentes

LIVRO 2 Política de atendimento: medidas

de proteção, medidas sócio-

educativas e medidas pertinentes

aos pais e responsáveis

Crianças e adolescentes em

situação de risco

9

No Estatuto, crianças e adolescentes são definidos como ‘pessoas em condição

peculiar de desenvolvimento’, ou seja que estão em idade de formação por isso

necessitam da proteção integral e prioritária de seus direitos por parte da família, da

sociedade e do Estado. Crianças e adolescentes são definidos também como ‘sujeitos de

direitos’- significando que não podem mais ser tratados como objetos passivos de

controle por parte da família, do Estado e da sociedade .

O Estatuto está embasado na doutrina jurídica da proteção integral, afirmada

pela Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança, adotada pela

Assembléia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989 e transformada em lei no Brasil

, pelo decreto 99.710/90 .

A doutrina da proteção integral, cuja essência consiste em afirmar o direito,

das crianças e adolescentes, a ter direitos, se faz presente ainda em três outros

documentos legais , além da Convenção: Regras Mínimas das Nações Unidas para a

Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing); Regras Mínimas das Nações

Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade e Diretrizes das Nações

Unidas Para A Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad).

Os princípios básicos de direito presentes nestes documentos legais foram

incorporados ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Os artigos 37 e 40 da

Convenção, referem-se à administração da justiça aos jovens suspeitos de praticar atos

infracionais e aos privados de liberdade e determinam medidas que assegurem a

afirmação plena dos direitos civis para esses jovens, especialmente o direito à defesa.

As Regras de Beijing, As Regras Mínimas das Nações Unidas Para Proteção dos Jovens

Privados de Liberdade e as Diretrizes de Riad , também versam sobre a administração

da justiça.

10

No livro II do Estatuto da Criança e do Adolescente, entitulado ‘Parte Especial’,

observa-se, na análise dos artigos, uma preocupação nítida, por parte dos legisladores,

em romper com a doutrina da situação irregular e em estabelecer uma política de

atendimento, para crianças e adolescentes em circunstâncias especialmente difíceis,

calcada na afirmação de direitos e não na suspensão dos mesmos. Esse enfoque pode

ser constatado especialmente no artigo 111 que trata das garantias processuais mediante

prática de ato infracional:

“são asseguradas ao adolescente , entre outras , as seguintes garantias : I- pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente; II- igualdade na relação processual , podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias a sua defesa ; III- defesa técnica por advogado ; IV- assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados na forma da lei; V- direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente ; VI- direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.”

2.1- As diretrizes e as linhas de ação da política de atendimento:

As linhas de ação e as diretrizes da política de atendimento são definidas nos

primeiros artigos do título I (do livro II)do ECA o que consiste numa inovação em

relação à legislação anterior, onde as diretrizes eram definidas pela PNBEM e as linhas

de ação (Título II - da aplicação da lei, do Código de Menores ) pelo contexto sócio-

cultural e estudo de caso do “menor em situação irregular”.

As novas diretrizes, prevêem :

• a municipalização do atendimento ;

• a criação de conselhos municipais, estaduais e nacional de defesa dos direitos com :

participação popular paritária , poder deliberativo e controlador de ações em todos os

níveis e fundos próprios

• e a integração dos órgãos destinados ao atendimento do adolescente autor de infração

penal .

11

As linhas de ação da política de atendimento firmadas são: políticas sociais básicas;

políticas e programas de assistência social em caráter supletivo; serviços especiais de

atendimento médico e psicossocial às vítimas de qualquer forma de violência; serviços

de identificação e proteção jurídico-social, por entidades de defesa dos direitos.

2.2-O sistema de atendimento: medidas previstas, instituições e principais atribuições

As medidas previstas no Estatuto são aplicadas quando os direitos da criança e

do adolescente forem ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade, do

Estado, dos pais ou em razão da conduta das próprias crianças e adolescentes(art.98).

Por exemplo quando uma criança não tem uma vaga garantida na escola pública, quando

seus pais deixam de matriculá-la na escola, quando a sociedade não denuncia a presença

de crianças fora da escola ou quando as próprias crianças e adolescentes deixam de

freqüentar as aulas, em todas estas situações o direito à educação está sendo ameaçado

ou descumprido.

A política atendimento inclui três tipos medidas (QUADRO 3):

• as medidas específicas de proteção- destinadas a crianças e adolescentes em situação

de risco e a crianças que cometeram algum tipo de infração, pois a elas não podem

ser atribuídas medidas sócio- educativas;

• as medidas sócio-educativas - destinadas ao adolescente suspeito de praticar ato

infracional e

• as medidas pertinentes aos pais e responsáveis - destinadas aos pais ou responsáveis

que não estão cumprindo seus deveres em relação aos direitos de suas crianças e

adolescentes.

12

QUADRO 3- MEDIDAS PREVISTAS NO ECA

MEDIDAS ESPECÍFICAS DE PROTEÇÃO ( art 101):

MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS (art 112):

MEDIDAS PERTINENTES AOS PAIS E RESPONSÁVEIS (art129):

I- encaminhamento aos pais ou responsáveis, mediante termo de responsabilidade . II- orientação, apoio e acompanhamento temporários. III- matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental . IV- inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente. V- requisição de tratamento médico ou psicológico . VI- inclusão em programa oficial de tratamento de alcoólatras ou toxicômanos . VII- abrigo em entidade. VIII- colocação em família substituta .

I- advertência . II- obrigação de reparar o dano. III- prestação de serviços à comunidade IV- liberdade assistida . V- inserção em regime de semi-liberdade . VI- internação em estabelecimento educacional . VII- qualquer uma das medidas de proteção .

I- encaminhamento a programa oficial ou comunitário de promoção à família II- inclusão em programas de orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos. III- encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico. IV- encaminhamento a cursos ou programas de orientação V- obrigação de matricular o filho e acompanhar sua freqüência escolar VI- obrigação de encaminhar a criança ou adolescente para tratamento especializado VII- advertência VIII, IX e X- perda da guarda, destituição da tutela, suspensão ou destituição do pátrio-poder

Na aplicação destas medidas deve-se preferir aquelas que visem o

fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, conforme indicado no artigo 99

do Estatuto.

As entidades de atendimento governamentais e não governamentais é que são

responsáveis pela execução de programas de proteção e sócio-educativos, onde serão

cumpridas as medidas estabelecidas pelos órgãos competentes. Essas entidades devem

ser registradas e fiscalizadas pelos Conselhos Municipais de Direitos e pelo Conselho

Tutelar.

O Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente é o

órgão responsável pela adaptação das regras gerais previstas no Estatuto à realidade de

cada município. Para garantir os direitos previstos no Estatuto, o Conselho Municipal

formula uma política de atendimento adequada ao município e fiscaliza as entidades

encarregadas de executar esta política. Os conselhos são compostos por representantes

13

governamentais, normalmente indicados pela prefeitura e por representantes não

governamentais, normalmente escolhidos pelas entidades de atendimento ou eleitos pela

sociedade civil organizada. As principais atribuições do conselho são as seguintes:

• elaborar um diagnóstico sobre a situação das crianças e adolescentes nos municípios

e sobre os serviços disponíveis para atendê-las: hospitais, escolas, creches, abrigos,

dentre outros;

• formular a política de atendimento à criança e ao adolescente, definindo: principais

carências e necessidades, formas de atender estas necessidades, recursos necessários

e instituições encarregadas do atendimento;

• controlar e acompanhar a implantação desta política no município;

• criar e gerir fundos onde se arrecadam recursos necessários a execução das políticas

de atendimento;

• registrar e fiscalizar entidades de atendimento;

• criar e implantar o Conselho Tutelar.

O Conselho Tutelar é o órgão responsável pelo atendimento aos casos de violação

dos direitos da criança e do adolescente no município. Este conselho deve ser composto

por pessoas, escolhidas pela sociedade civil, que conheçam bem a lei e que tenham

alguma experiência no atendimento à criança , ao adolescente e aos seus familiares. As

atribuições do Conselho Tutelar são as seguintes(QUADRO 4):

14

QUADRO 4- ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO TUTELAR

ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO TUTELAR EM RELAÇÃO À

CRIANÇA E AO

ADOLESCENTE

1)atender crianças e adolescentes que tenham tido seus direitos ameaçados ou violados, aplicando as medidas de proteção previstas no artigo 101 (parágrafos I ao VII); 2)atender crianças que tenham praticado ato infracional , aplicando medidas de proteção( previstas no artigo 101, I ao VII) 3)receber das escolas a comunicação dos seguintes casos: maus tratos, reiteração de faltas injustificadas, de evasão escolar e elevados níveis de repetência (art. 56) 3)requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência social, trabalho e segurança. 4)requisitar certidões de nascimento, de óbito quando necessário

EM RELAÇÃO AOS PAIS

E RESPONSÁVEIS 1)atender aos pais e responsáveis podendo aplicar as medidas previstas no artigo 129( parágrafos I ao VII)

EM RELAÇÃO AS

ENTIDADES DE

ATENDIMENTO

1)receber do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolecscente comunicação sobre registro de entidades, bem como inscrições e alterações; 2) fiscalizar entidades de atendimento governamentais e não governamentais; 3)iniciar procedimento de apuração de irregularidades em entidades

EM RELAÇÃO AO

MINISTÉRIO PÚBLICO 1)encaminhar relatório de fatos que se referem a infração administrativa ou penal contra os direitos da criança e do adolescente. 2)representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no artigo 220 da Constituição Federal. 3)representar ao Ministério Público ,para efeito das ações de perda e suspensão do pátrio poder

EM RELAÇÃO A

AUTORIDADE

JUDICIÁRIA

1)encaminhar aa autoridade judiciária os casos de sua competência ( ver parágrafo relativo a justiça da infância e juventude) 2)providenciar as seguintes medidas, estabelecidas pela autoridade judiciária para o adolescente autor de ato infracional: medidas de proteção previstas no art 101, parágrafo I ao VI. 3)representar à justiça: para efeito de procedimento sobre imposição de penalidades administrativas por infração as normas de proteção da criança,em caso de descumprimento injustificado de suas deliberações.

EM RELAÇÃO AO PODER

EXECUTIVO 1)assessorar o poder executivo local na elaboração de propostas orçamentárias para planos e programas de atendimento aos direitos da criança e do adolescente.

Fontes: FUNJOB (Quadro - funções do Conselho Tutelar), mimeo. Estatuto da Criança e do adolescente,1990

O Juizado da Infância e da Juventude é encarregado principalmente das medidas

referentes ao adolescente infrator e da aplicação de penalidades administrativas nos

casos de infrações, cometidas por pessoas ou entidades de atendimento, contra norma de

proteção à criança e ao adolescente . As principais funções do juizado são:

• fiscalizar o cumprimento das leis relativas aos direitos da criança e do adolescente;

15

• receber as denúncias de casos de descumprimento das leis relativas aos direitos da

criança e do adolescente, definindo as medidas para cada situação;

• receber denuncias sobre adolescentes que infringiram as leis, determinando o tipo de

medida (sócio- educativa ou de proteção ) que deve ser atribuída em cada situação;

• conceder a remissão que é suspensão ou extinção do processo antes de iniciado o

procedimento judicial ;

• conhecer as ações decorrentes de irregularidades em entidades de atendimento,

aplicando penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de

proteção a criança e ao adolescente;

• receber os casos encaminhados pelo Conselho Tutelar , aplicando as medidas

cabíveis;

• disciplinar e autorizar a entrada de crianças e adolescentes em diversos

estabelecimentos e a participação em espetáculos públicos e seus ensaios.

Quando se tratar de crianças ou adolescentes com direitos violados(art,98):

• receber pedidos de guarda e tutela, ações de destituição do pátrio poder e ações de

alimentos e definir o que deve ser feito;

• conceder a emancipação para o adolescente;

• designar curador especial em casos de apresentação de queixa ou de outros

procedimentos judiciais ou extrajudiciais, em que haja interesses de criança ou

adolescente;

• determinar o cancelamento, a retificação e o suprimento dos registros de nascimento

e óbito.

O Ministério Público atua em nome da sociedade com órgão defensor e promotor

dos direitos da criança e do adolescente. Atua em todos os processos judiciais onde

16

houverem interesses das crianças e adolescentes envolvidos. Também tem como função

importante propor ações civis públicas em defesa dos interesses coletivos de crianças e

adolescentes. O promotor público é o representante da sociedade e deve acompanhar e

se posicionar diante de todos casos que envolvam direitos da criança e do adolescente.

As atribuições do Ministério Público, previstas no Estatuto (artigo 201) são as

seguintes:

• conhecer a remissão;

• promover e acompanhar os procedimentos relativos às infrações atribuídas a

adolescentes;

• promover e acompanhar as ações de alimentos(pensões e os procedimentos de

suspensão e destituição do pátrio-poder;

• instaurar sindicâncias , para apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção

à infância e à juventude;

• zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais , promovendo as medidas

judiciais e extrajudiciais cabíveis;

• inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento;

• requisitar força policial , bem como a colaboração de outros profissionais.

Em relação às funções das instituições, observa-se que os Conselhos Tutelares ficam

responsáveis principalmente pela aplicação das medidas específicas de proteção, com

exceção da colocação em família substituta, a cargo do juizado. O Ministério Público

tem suas atribuições ampliadas, podendo inclusive conceder a remissão, instaurar

sindicâncias e requisitar força policial e serviços de outros profissionais e, finalmente, o

Juizado fica encarregado principalmente das medidas referentes ao adolescente infrator

e da aplicação de penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de

17

proteção à criança e ao adolescente. No caso do Juizado, não houve uma retração das

funções, mas uma adequação e uma divisão de responsabilidades e de poder com os

Conselhos Tutelares no âmbito das medidas de proteção, e com o Ministério Público,

no âmbito das medidas sócio-educativas .

Do ponto de vista organizacional, nota-se que o Estatuto tem como finalidade

central articular instâncias governamentais e não governamentais com funções de

natureza distinta e complementar “nas áreas das políticas sociais básicas, dos serviços

de prevenção e de assistência social , de proteção jurídico social e de defesa dos

direitos”(MORA,s.d,p.241) Toda a ‘arquitetura’ do documento legal concorre para o

estabelecimento de uma lógica de cooperação entre os órgãos, o que não impede que, na

prática, se estabeleça uma lógica de concorrência de recursos, de espaço, de poder e de

prestígio .

Mediante a análise do Estatuto, pode-se concluir que a principal inovação em

relação às legislações anteriores é a ênfase nas garantias, sendo crianças e adolescentes

concebidos como sujeitos de direito.

3- CONSIDERAÇÕES FINAIS: DEZ ANOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE

Passados dez anos da promulgação do ECA ainda não foi realizada uma

pesquisa, ampla e sistemática, avaliando a situação dos direitos da criança e do

adolescente no Brasil. Mas existem alguns dados que podem fornecer indícios, tanto

conquistas como dos retrocessos, ocorridos. No quadro a seguir são reproduzidos

alguns destes dados, extraídos de diversas fontes(QUADRO 5):

18

QUADRO 5- DIRETOS CONQUISTADOS E DIREITOS VIOLADOS AVANÇOS- DIREITOS CONQUISTADOS

RETROCESSOS –DIREITOS AMEAÇADOS OU VIOLADOS

A taxa de mortalidade infantil reduziu de 47,8 mortes para cada mil crianças, em 1990, para 36,1 por mil em 1998. A proporção de crianças de 7 a 14 anos de idade que não estavam na escola situava-se em 16,2% em 1989. De 1995 para 1999 este indicador baixou de 9,8% para 4,3%.

Em 1996, cerca de 1 milhão de crianças não foram registradas no primeiro ano de vida. Em 30,5% das famílias brasileiras com crianças de 0 a 6 anos a renda per capita é igual ou inferior a meio salário mínimo. A Organização Internacional do Trabalho estima que 16% da população infantil brasileira, cerca de cinco milhões de crianças entre 5 e 14 anos de idade , estejam trabalhando.

Fontes: UNICEF. Situação da infância no Brasil. 2001. CONANDA. Programa de reinserção social do adolescente em conflito com a lei. IBGE/PNAD, 1999.Destaques. IPAD. Site dados/notícias (www.instadolescente.com.br.).

Nas áreas de saúde e de educação, conforme dados do quadro anterior,

ocorreram alguns avanços, mas é preciso considerar as seguintes ressalvas:1) embora a

taxa de mortalidade tenha reduzido, esta é alta se comparada a de países mais pobres

que o Brasil- na Venezuela a taxa é de 21 por mil, no Panamá é de 18 por mil e em Cuba

7 por mil (UNICEF,2001); 2) a proporção de crianças no ensino fundamental aumentou,

mas sabe-se que as taxas de evasão ainda são muito altas. Alguns programas, como o

bolsa escola, tem sido introduzidos por iniciativa de governos municipais e do governo

federal, no sentido de reduzir esta taxa de evasão, mas esses ainda são localizados e

seletivos sendo incapazes de resolver o problema no país A saúde e a educação são áreas

básicas para o desenvolvimento infanto-juvenil assim é necessário que os governos

introduzam políticas mais universalistas, com ampla cobertura, capazes de atingir toda

população infanto-juvenil.

O processo de implementação da nova política de atendimento - criação das

instituições necessárias ao cumprimento das medidas previstas, atuação dos agentes de

entidades de atendimento, dentre outros aspectos- também não passou ainda por uma

avaliação sistemática ou seja, não há um balanço nacional sobre a implementação da

19

política de atendimento. Mas existem dados e pesquisas, circunscritas a regiões e

temas específicos que podem fornecer uma visão do referido processo de

implementação.

A implantação dos conselhos municipais de direitos e dos conselhos tutelares

ocorreu respectivamente em 58% e em 46 % dos municípios brasileiros, conforme o

quadro a seguir(QUADRO 6):

QUADRO 6-CONSELHOS MUNICIPAIS E CONSELHOS TUTELARES POR ESTADO

ESTADOS Nº DE MUNICÍPIOS* CMDCA CT 1. ACRE – AC 22 16 10 2. ALAGOAS – AL 101 59 43 3. AMAZONAS – AM 62 22 08 4. AMAPÁ – AP 16 08 08 5. BAHIA – BA 415 187 67 6. CEARÁ – CE 184 176 111 7. DISTRITO FEDERAL – DF 01 01 08 8. ESPÍRITO SANTO – ES 77 67 67 9. GOIÁS – GO 242 161 125 10. MARANHÃO – MA 217 15 15 11. MINAS GERAIS – MG 853 343 222 12. MATO GROSSO DO SUL – MS 77 73 66 13. MATO GROSSO – MT 126 88 101 14. PARÁ – PA 143 72 57 15. PARAÍBA – PB 223 33 26 16. PERNAMBUCO – PE 185 73 27 17. PIAUÍ – PI 221 12 12 18. PARANÁ – PR 399 387 391 19. RIO DE JANEIRO – RJ 91 82 62 20. RIO GRANDE DO NORTE –RN 166 69 23 21. RONDÔNIA – RO 52 39 26 22. RORAIMA – RR 15 07 04 23. RIO GRANDE DO SUL – RS 467 345 302 24. SANTA CATARINA – SC 293 216 219 25. SERGIPE – SE 75 58 47 26. SÃO PAULO – SP 645 529 444 27. TOCANTINS – TO 139 44 28 TOTAL 5507(100%) 3182(58%) 2.519(46%)

*Fonte: IBGE / julho 1999 CMDCA = Conselhos Municipais pelos Direitos da Criança e do Adolescente CT = Conselhos Tutelares

Cerca da metade dos municípios brasileiros não possui conselhos, instituições

fundamentais para assegurar o cumprimento dos direitos constitucionais previstos,

20

como se indicou anteriormente neste capítulo. Quanto aos aspectos qualitativos,

relativos à atuação e composição dos conselhos, identificou-se três pesquisas realizadas

no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Norte e em Minas Gerais (ISER, 1996;

OLIVEIRA, 1998; FROTA,2000) que chegaram as seguintes conclusões( QUADRO 7):

QUADRO 7- COMPOSIÇÃO E ATUAÇÃO CONSELHOS

QUANTIDADE

E TIPO DE

CONSELHOS

PESQUISADOS/ LOCAL

PRINCIPAIS CONSTATAÇÕES E CONCLUSÕES

10 Conselhos Tutelares da cidade do Rio de Janeiro

I)Formação, conhecimento e atribuições dos conselhos tutelares: a)Perfil do conselheiro: Existe um embate em relação ao perfil do conselheiro tutelar, se o critério preponderante deve ser a representatividade do conselheiro, junto à uma determinada base, ou sua formação e capacidade para intervir. A pesquisa indica que o primeiro critério prevaleceu entre os CT, durante a primeira gestão, mas na segunda gestão firmou-se a necessidade de incluir algumas critérios de comprovação se não a competência técnica, pelo menos da experiência comprovada de trabalho em instituições de atendimento por pelo menos 2 anos. b)O estatuto jurídico do conselheiro: o cargo é considerado serviço público mas o conselheiro não é funcionário público. Esta contradição gera problemas tanto relativos ao poder do conselheiro no sentido de garantir que suas decisões sejam efetivamente acatadas, quanto para sua situação profissional: os conselheiros tutelares são remunerados mas não possuem vínculos empregatícios pois não são funcionários públicos. II)Estrutura, organização e funcionamento dos conselhos: a)organização e rotina: não há regularidade na realização das reuniões plenárias; há reconhecimento apenas formal, por parte dos conselheiros, da necessidade atuação coletiva, na prática prevalece a ação individualizada, b)conflitos internos: em alguns conselhos falta unidade interna e há conflitos gerados pela disputa pela hegemonia e pela centralização do poder, c)infra-estrutura precária: falta de sede adequada para o atendimento e falta de infra-estrutura, especialmente de viaturas para atendimentos externos: visitas, fiscalização, d)tensão e desgaste da relação do CT com a maquina burocrática pública, especialmente com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social , devido ao não atendimento das necessidades básicas dos conselhos. e)fluxo do atendimento: o fluxo de demanda ultrapassa a capacidade de atendimento dos CTs. Os CTs não conseguem acompanhar todos os casos atendimentos e encaminhados pois tem de atender a novos casos diariamente. Os conselhos tem dificuldade de aplicar as medidas que estabelecem pois a rede de atendimento é precária e insuficiente.

302 Conselhos Municipais de (direitos da criança e adolescente, saúde, assistência social e

Nesta pesquisa os conselhos foram classificados, em termos de: a)aspectos jurídicos formais - forma de criação do conselho e de escolha dos representantes da sociedade civil, existência de nomeação e posse dos conselheiros, a forma de escolha do presidente, a existência de regimento interno, mecanismos de organização interna, disponibilidade de recursos para o funcionamento, existência de fundo municipal e disponibilidade de recursos do fundo entre insuficiente, b) dinâmica de funcionamento- número de reuniões, periodicidade, forma de convocação das reuniões, de definição da pauta e de tomada de decisões, o momento de acesso dos conselheiros à pauta e aos documentos objeto de

21

educação) do Estado do Rio Grande do Norte

discussão nas reuniões do conselho e c) eficácia- assuntos discutidos, existência de plano municipal participação do conselheiro na elaboração e aprovação do plano, forma de participação, momento que o plano foi discutido em relação a aprovação do orçamento municipal na câmara, a realização da confer6encia municipal, o número de conferências realizadas e a participação do conselho na sua realização, a fiscalização dos recursos do fundo municipal e a forma como é feita esta fiscalização, a melhoria dos serviços prestados a população e o tipo de melhoria. A classificação incluiu as seguintes categorias: inexistente, inexpressivo, insuficiente, satisfatório e excelente. As categorias de classificação predominantes foram: a)nos aspectos jurídicos formais: insuficiente(48%) e satisfatório(30%). b)na dinâmica de funcionamento/institucionalização: insuficiente(35%) e satisfatório(32%). c)na eficácia : insuficiente(29%) e inexpressivo (20%). O Índice geral predominante ( somatório dos anteriores) foi insuficiente, para 46% dos conselhos pesquisados. A pesquisa constatou ainda que: em cerca de metade dos conselhos não há qualquer divulgação de ações; a articulação entre conselhos e entre conselheiros da sociedade civil é incipiente e que as principais dificuldades enfrentadas pelos conselheiros são a falta de capacitação técnica, política e teórica, para intervir no processo de formulação e implementação de políticas públicas e a falta de acesso às informações e documentos necessários à sua atuação.

114 Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente do Estado de Minas Gerais

No que se refere à composição, constatou-se que a grande maioria dos conselhos: a)são paritários- 91 possuem o mesmo número de representantes não governamentais e governamentais, b)são democráticos quanto à forma de escolha dos membros - a forma mais usual de escolha dos representantes governamentais é a indicação pelo Prefeito (83,3% dos conselhos) e dos não governamentais é a indicação ou eleição pelas entidades de atendimento à criança e ao adolescente existentes no município (97,1%)- c)são representativos quanto à origem dos membros- os representantes de instituições não governamentais provem em sua maioria de instituições diretamente ligadas ao atendimento à criança e ao adolescente(35,8%); de associações profissionais ou comunitárias(19,9%) e de organizações religiosas(18,6%). Mas em relação à atuação percebe-se que os conselhos não tem exercido as funções essenciais para as quais foram criados: a)da elaboração de diagnósticos sobre a situação da infância e da adolescência no município, encarregaram-se 42 conselhos(40%) ou seja, menos da metade dos conselhos analisados, o que compromete a possibilidade de formular políticas sociais e de atendimento mais condizentes com a realidade e as necessidades da população infanto-juvenil. b)o número de conselhos que elaboram diretrizes para as políticas de atendimento relativas as medidas de proteção e relativas as medidas sócio – educativas é bem reduzido, assim como o número de conselhos que formularam programas para o atendimento das políticas sociais básicas nas áreas de educação, saúde e cultura. c)em relação as atividades realizadas junto as entidades de atendimento constatou-se que por um lado, o controle e o conhecimento sobre a rede são significativos, 50 conselhos registram e cadastraram entidades de atendimento e 44 realizam atividades de fiscalização, por outro lado, as atividades que podem significar acompanhamento e apoio continuado são mais escassas: dos 111 conselhos apenas 36 realizam reuniões periódicas com as entidades e 20 atividades de coordenação do trabalho das entidades. d)conselhos com mais tempo de existência não são mais atuantes que conselhos com pouco tempo de existência, a única atividade que aumenta sua freqüência em conselhos com mais tempo de existência é o cadastro de entidades.

22

Em relação à aplicação das medidas previstas no ECA, dados disponibilizados

pelo Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente

(CONANDA) indicam que, no primeiro trimestre de 2000, 22.845 adolescentes estavam

cumprindo medida sócio- educativa (QUADRO 8):

QUADRO 8- ADOLESCENTES CUMPRINDO MEDIDA SÓCIO- EDUCATIVA

TIPO DE MEDIDA SÓCIO- EDUCATIVA NÚMERO DE ADOLESCENTES Liberdade assistida 12.540 (54,9%) Internação 7.498 (32,8%) Prestação de serviço à comunidade 1.756 (7,7%) Semi- liberdade 1.051 (4,6%) Total 22.845 (100%) Fonte: CONANDA ( 1º trimestre de 2000)

Constata-se que a medida mais utilizada é a liberdade assistida (54,9%) seguida

da internação (32,8%). Quando consideradas as diferentes regiões do país esta tendência

também se manteve ou seja, a medida que aparece em primeiro lugar em todas as

regiões foi a liberdade assistida. Em segundo lugar, aparece a prestação de serviço à

comunidade, nas regiões norte e sul e a internação, nas regiões centro- oeste, sudeste e

nordeste. Assim constata-se que, embora a medida de liberdade assistida tenha superado

a internação, esta última ainda aparece como a segunda medida mais utilizada, em três

das cinco regiões do país. Este é um dado importante pois o Estatuto prevê que a

medida de internação deve ser adotada apenas como ultimo recurso. Estudos relativos à

política de atendimento têm mostrado que a medida liberdade assistida, se corretamente

aplicada, possibilita uma integração maior do adolescente à sociedade, facilita seu

processo de reinserção social e pode consequentemente reduzir a possibilidade de

reincidência.

Um outro dado significativo é que o número de adolescentes cumprindo medida

sócio- educativa (22.845) é bastante reduzido se comparado ao total da população de 0 a

23

18 anos (68.464.429)- corresponde a 0,03% do total. Este número também é reduzido se

comparado ao número de adultos infratores(QUADRO 9):

QUADRO 9:COMPARAÇÃO ENTRE POPULAÇÃO CARCERÁRIA ADULTA E POPULAÇÃO DE ADOLESCENTES CUMPRINDO

MEDIDA SÓCIO- EDUCATIVA

População carcerária adulta 200.662(89,78%) População de adolescentes em medida sócio-educativa 22.845 (10,22%) Total de infratores( adultos + adolescentes) 223.507 (100%) Fonte: CONANDA ( 1º trimestre de 2000)

Estes dados mostram que o problema do adolescente infrator tem sido muitas

vezes super- dimensionado pelos meios de comunicação e pela sociedade. E isto tem

reflexos importantes no campo das políticas de atendimento, ou seja, é preciso saber

dimensionar os problemas para intervir do modo adequado. Neste sentido, é importante

ressaltar que o número de adolescentes e crianças vítimas de infração (25.248) é muito

maior que o número de adolescentes que cometem infrações (16.349), conforme dados

de 1999 disponibilizados pelo CONANDA.

Cabe ressaltar que os dados do CONANDA não indicam como as medidas são

aplicadas, em quais instituições ou entidades, se as entidades são adequadas e se existe

pessoal qualificado ou seja não há uma avaliação qualitativa para saber se realmente

está se realizando um processo sócio-educativo e não apenas punitivo. Este tipo de

avaliação é fundamental, pois sabe-se que várias instituições, especialmente as

encarregadas da medida de internação, continuam a atuar apenas como estabelecimentos

prisionais, restritos ao exercício de funções punitivas. Isso pode ser constatado pelas

rebeliões recentes, ocorridas na FEBEM de São Paulo e pela inclusão desta instituição

em relatório da anistia internacional, pelos casos de tortura e maus tratos, conforme

24

declaração do UNICEF à Folha da São Paulo, em 09/06/2000. O caráter inadequado e

precário do sistema de atendimento destinado ao jovem privado de liberdade é constado

por dois importantes especialistas que atuam nesta área há vários anos:

“Em que pese a Carta Política, a Convenção e o Estatuto- adolescentes infratores, em muitos casos, continuam sendo tratados com mais rigor do que, em iguais circunstâncias os jovens adultos penalmente imputáveis, não se lhes reconhecendo, por exemplo, o direito à prescrição. Hipóteses em que adultos não seriam internados, como nos delitos de bagatela ou de menor potencial ofensivo, adolescentes resultam muitas vezes privados de liberdade (Antônio Fernando do Amaral e Silva, Tribunal de Justiça de Santa Catarina).” (BRASIL Ministério da Justiça, DCA, 1998)

“A fragilidade das propostas, a inconsistência técnica das equipes, a qualidade do pessoal recrutado, tudo conspira para que o modelo correcional-repressivo, amenizado aqui e ali por práticas assistencialistas e revestido de uma camada finíssima de discurso educativo seja a realidade predominante em nosso sistema de atendimento ao adolescente privado de liberdade (Antônio Carlos Gomes da Costa, Modus Faciendi).” (BRASIL Ministério da Justiça, DCA, 1998)

A falta de prioridade na destinação de recursos federais é apontada pelo UNICEF

como um dos principais fatores que prejudicam a aplicação adequada das medidas

previstas no ECA:

“o presidente do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Infância e da Adolescência), Claudio Augusto Vieira, afirma que o orçamento do Fundo Nacional da Infância, destinado a construção de unidades para adolescentes infratores, foi reduzido de 18 milhões no ano passado para 3,4 milhões neste ano. A situação é ainda pior segundo Silva porque, o orçamento não é executado. Em 1999 só R$1,00 de cada R$5,00 previsto no orçamento foi efetivamente

liberado.”(FSP, 09/06/2000)

Apesar de todas as limitações constatadas, há uma avanço importante que precisa

ser ressaltado: a partir do Estatuto, as questões relativas às crianças e aos adolescentes,

em situação de risco, vêm deixando de ser tratadas apenas como um problema de

controle social, restrito ao campo jurídico e policial e passam a ser vinculadas às

questões sociais mais amplas, pertencentes ao campo dos direitos de cidadania. Isto não

se restringe ao plano dos debates, cresceram o número de organizações não-

25

governamentais que vêm realizando práticas inovadoras que contribuem para assegurar

os direitos da criança e do adolescente.

Em que pese a ação da sociedade civil organizada, cabe principalmente aos

governos federal, estadual e municipal reverter o quadro exposto, implementando as

políticas necessárias ao cumprimento dos direitos constitucionais, nos diferentes níveis.

A efetivação desses direitos, por sua vez, pode atuar de modo a ampliar as

possibilidades de desenvolvimento das crianças e dos jovens e desse modo reduzir as

pressões que podem conduzi-los às situações de risco. Finalmente, resta indicar que para

os casos de omissão ou de violações de direitos, por parte das instituições encarregadas

da implementação das referidas políticas que asseguram os direitos constitucionais, a

Constituição e o Estatuto estabelecem uma série de institutos jurídicos aos quais todo

cidadão deve e pode recorrer.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Ministério da Justiça. DCA. Políticas públicas e estratégias de atendimento sócio-educativo ao adolescente em conflito com a lei.(Coleção garantia de direitos, série subsídios, tomo II). Brasília: Ministério da Justiça.,1998. COSTA, A.C. e MENDEZ, E. Das necessidades aos direitos. São Paulo: Malheiros, 1994. COSTA , Antônio Carlos Gomes. “Infância , juventude e política social” Brasil, criança urgente São Paulo: Columbus, 1989. DRAIBE, Sônia M.. As políticas sociais brasileiras: diagnósticos e perspectivas. In: IPEA\IPLAN. Para a década de 90: prioridades e perspectivas de políticas públicas. Brasília : IPEA\IPLAN,1990. FROTA, Maria G. da C. Do Código Filipino ao Estatuto da Criança e do Adolescente : processos de regulamentação e de institucionalização da infância e da adolescência no Brasil. 1995. Dissertação (Mestrado em Sociologia) FAFICH,UFMG, Belo Horizonte.

26

FROTA, M.G.C.(Coordenadora). Informação, direitos e política pública: o papel dos conselhos municipais de direitos da criança e do adolescente no Estado de Minas Gerais. Relatório Final. Belo Horizonte: UFMG, 2000 ( mimeogr.) FUNJOB. Orientação básica sobre Conselho de Direitos e Conselho Tutelar(mimeogr). ISER. Na linha de Frente da questão da infância e da juventude. Uma análise da atuação dos conselhos tutelares no município do Rio de Janeiro 1996-1998.Comunicações do ISER., v.18, n. 51, 1999. JASMIN, Marcelo Gantus ,1986. “Para uma história de legislação sobre o menor”. Revista de Psicologia , Fortaleza , v.4,n.2,p.81-103,jul./dez.1986. MARSHALL, T.H.. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. MORA , LUÍZ .Da política de atendimento . s\d, s\e . OLIVEIRA, I. M. de. (Coordenadora). Perfil dos conselhos municipais de gestão participativa do RN nas áreas de saúde, educação, assistência social e criança e adolescente. Relatório de pesquisa. Natal, 1998. ( mimeogr.) PAIXÃO, Antônio Luiz e SOUZA, Vera Lúcia. Experiências na área de crianças em circunstâncias especialmente difíceis. Belo Horizonte, 1991 (mimeogr). PEREIRA ,Tânia (Org.). Estatuto da Criança e do Adolescente: estudos sócio-jurídicos. Rio de Janeiro : Renovar,1992. PRIORI , Mary.(Org.) História da Criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 1992. SANTOS,B. “ A cidadania de crianças e adolescentes”. s\e. , 1993 (mimeogr). UNICEF. Situação da Infância Brasileira.Brasília, 2001. Documentos jurídicos e leis : ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos da Criança, 20\11\ 1959. ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção das Nações Unidas sobre os direitos da criança , 20/11/89. ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude. Regras de Beijing. 29\11\1985. ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil. Diretrizes de Riad .

27

ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade . ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS Declaração Mundial sobre a Sobrevivência , a Proteção e o Desenvolvimento da Criança nos anos 90, 28 e 29 de setembro de 1990. BRASIL. Código de Menores ,1979. Lei 6.679 10/ 10/1979. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990. Lei 8.069 13/07/1990. Sites consultados: www.amencar.org.br www.abmp.org.br www.rebidia.org.br www.unicef.org/brazil www2.uol.com.br/andi www.mj.gov.br/sndh/conanda www.mnmmr.org.br