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Óscar A. Alfonso R. A Cidade Segmentada Teoria econômica institucional urbana e reconstrução histórico-social da estruturação residencial de uma metrópole latino-americana, Bogotá 1950 - 2008 Instituto de Pesquisa y Planeamiento Urbano y Regional Universidad Federal de Río de Janeiro Rio de Janeiro, 2009

A Cidade Segmentada

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Óscar A. Alfonso R.

A Cidade Segmentada Teoria econômica institucional urbana e reconstrução

histórico-social da estruturação residencial de uma metrópole latino-americana, Bogotá 1950 - 2008

Instituto de Pesquisa y Planeamiento Urbano y Regional Universidad Federal de Río de Janeiro

Rio de Janeiro, 2009

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2

Oscar A. Alfonso R.

A Cidade Segmentada Teoria econômica institucional urbana e reconstrução histórico-

social da estruturação residencial de uma metrópole latino-americana, Bogotá 1950 - 2008

Trabalho de grau apresentado ao Curso de Doutorado do Programa de Detrás-grau em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal de Rio de Janeiro - UFRJ-, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional

Orientador: Prof. Dr. Pedro Abramo Doutor em Economia

Rio de Janeiro 2009

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3

Oscar A. Alfonso R.

A Cidade Segmentada Teoria econômica institucional urbana e reconstrução histórico-

social da estruturação residencial de uma metrópole latino-americana,

Bogotá 1950 - 2008 Trabalho de grau submetido ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal de Rio de Janeiro - UFRJ -, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Doutor em Planejamento Urbano e Regional Aprovado por: __________________________________ Prof. Dr. Pedro Abramo – Orientador Instituo de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - IPPUR Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano y Regional - UFRJ __________________________________ Prof. Dra. Ana Clara Torres Ribeiro Instituo de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - IPPUR Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano y Regional - UFRJ _________________________________ Prof. Dr. Rainer Randolph Instituo de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - IPPUR Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano y Regional - UFRJ __________________________________ Prof. Dra. Fernanda Furtado Escola da Arquitetura e Urbanismo - EAU Universidade Federal Fluminense - UFF

__________________________________ Prof. Dr. Giussepe Mario Cocco Escola de Serviço Social - ESS Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ

Page 4: A Cidade Segmentada

4

Dedico este trabalho a os economistas

que, cuidadosos de sua vigilância

intelectual e sem amedrontar-se com o

esquecimento ou a censura que se lhes

possa impor, atrevem-se a pensar os

problemas da América Latina de maneira

original. Tenho a certeza de que nesse

esforço estão os alicerces do pensamento

transformador que nossa disciplina

contribuirá para a construção de uma

sociedade mais rica, justa e eqüitativa.

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5

Agradecimentos

Desejo expressar minha gratidão e avaliação a todas as pessoas que me brindaram sua amizade, apoio e estímulo nesta etapa de minha vida e em especial: Ao Brasil, Rio do Janeiro e Flamengo e suas gentes que me acolheram com calor; Ao Mauricio Pérez Salazar, decano da Faculdade da Universidad Externado de

Colombia, por seu indeclinável compromisso com o livre exame e por seu estímulo as minhas buscas intelectuais;

Ao Pedro Abramo, orientador da minha tese, por seu convite a viver em nosso querido Rio do Janeiro, por seu incansável estímulo para a realização de meu trabalho e por sua generosidade intelectual;

Ao Hernando Parra Neto, Secretário Geral da Universidad Externado de Colombia, e ao doutor Fernando Hinestrosa, Reitor da Universidad Externado de Colombia, por seu calado e sempre eficaz apoio a mim trabalho;

Ao Ledilson Lopes e a Betânia Alfonsín, caros amigos, e neles aos meus colegas de promoção por me haver acolhido e facilitado um intercâmbio intelectual criativo;

Ao Samuel Jaramillo e ao Luís Mauricio Cuervo por sua amizade e apoio acadêmico; Ao Rainer, Ana Clara, Luiz Cessar e demais professores do IPPUR, por seus

inesquecíveis ensinos; Ao Alfonso Ariza, Noriko Hataya, Pacho Giraldo, Edna Sastoque, Rafael Barrera,

César Velásquez, Johann Julio, Roberto Angulo, Carlos Alonso, Lilian Buitrago, Isaac Beltrán, Carolina Hernández, Adriana Osorio, Carolina Esguerra, Consuelo Onofre, Óscar Fresneda e Homero Cuevas por sua amena e sempre estimulante solidariedade;

Ao Martim O. Smolka e ao Programa para a América Latina do Lincoln Institute of Land Policy por seu oportuno apoio financeiro;

Ao pessoal das Secretarias Acadêmicas do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal de Rio do Janeiro e da Faculdade de Economia da Universidad Externado de Colombia por tudo o que têm feito para me facilitar a vida;

A meus seres queridos, Melba e Nana, por sua calorosa compreensão. A todas as pessoas que, de uma ou outra forma, souberam me brindar seu estímulo

e apoio e que, pela debilidade de minha memória, não posso as anotar nesta página como tampouco as poderei apagar no meu coração.

Page 6: A Cidade Segmentada

6

Resumo Alfonso, Oscar. A Cidade Segmentada: Teoria econômica institucional urbana e reconstrução histórico-social da estruturação residencial de uma metrópole latino-americana, Bogotá 1950 - 2008. Trabalho de grau, Doutorado em Planejamento Urbano e Regional - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal de Rio do Janeiro, 2009.

A estruturação residencial urbana é um processo de transferência de riquezas

(Abramo 2001a, p. 211) que se evidencia, com especial singularidade, nas

metrópoles das sociedades que avançam para sua urbanização completa (Lefebvre

2004, p. 15). Compreender este pressuposto desde dois pontos de vista originais, o

teórico e o histórico-social, é o objetivo principal desta investigação, pontos de vista

que se tenta reconstruir a partir da reflexão sobre a metrópole latino-americana e,

em particular, sobre Bogotá. À medida que a particularidade dos homens e suas

representações materiais e simbólicas no espaço urbano se foram configurando

como objeto de investigação nas ciências sociais, se feito latente sua tensa

convivência com as dificuldades epistemológicas que significa a abordagem

pluridisciplinar (De Bruyne et al. 1977, p. 45-48) da cidade, desafio epistemológico

que não aconteceu inadvertido pois na atualidade existem várias tentativas de

análise a respeito.

Page 7: A Cidade Segmentada

7

Resumen

Alfonso, Oscar. A Cidade Segmentada: Teoria econômica institucional urbana e reconstrução histórico-social da estruturação residencial de uma metrópole latino-americana, Bogotá 1950 - 2008. Trabalho de grau, Doutorado em Planejamento Urbano e Regional - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal de Rio do Janeiro, 2009.

La estructuración residencial urbana es un proceso de transferencia de riquezas

(Abramo, 2001a:211) que se evidencia, con especial singularidad, en las metrópolis

de las sociedades que avanzan hacia su urbanización completa (Lefebvre, 2004:15).

Comprender este presupuesto desde dos puntos de vista originales, el teórico y el

histórico-social, es el objetivo principal de esta investigación, puntos de vista que se

intenta reconstruir a partir de la reflexión sobre la metrópoli latinoamericana y, en

particular, sobre Bogotá. A medida que la particularidad de los hombres y sus

representaciones materiales y simbólicas en el espacio urbano se han ido

configurando como objeto de investigación en las ciencias sociales, se ha hecho

latente su tensa convivencia con las dificultades epistemológicas que significa el

abordaje pluridisciplinar (De Bruyne et al. 1977, 45-48) de la ciudad, desafío

epistemológico que no ha pasado inadvertido pues en la actualidad existen varias

tentativas de análisis al respecto.

Page 8: A Cidade Segmentada

8

Lista de Ilustrações

Lista de Figuras

Figura 2.1

Relações entre agentes a uma distância r do Distrito Central de Negócios

99

Figura 2.2 Mudanças na função de leilão de renda e tamanho do terreno: (a) por incrementos na distância r, e (b) com respeito à utilidade u

115 Figura 2.3 Determinação da localização de equilíbrio 117 Figura 2.4 Configuração do equilíbrio no uso do solo com três tipos

de lares

124 Figura 2.5 Curva do excedente ),,( Nuδ� e custos fixos K 129 Figura 2.6 A disposição dos bens públicos supra-vizinhança 138 Figura 2.7 Margem hipotética sobre o preço do solo urbano em

relação com o nível das cessões urbanísticas

145 Figura 2.8 Trajetória temporária da formação do preço do solo urbano 155 Figura 2.9 Uma aproximação normativa da apropriação do espaço

para edificações para uso residencial

162 Figura 2.10 A produção do espaço para edificações ou a Cidade

Segmentada: a subversão da norma e as antecipações

170 Figura 3.1 Esquema ilustrativo da intervenção urbanística estatal em

acessibilidade urbana, Bogotá 1917-1947

183 Figura 4.1 Velocidade do crescimento da dívida pública e dos ganhos

tributários, Bogotá 1950-1972 (Diferença dos logaritmos)

205 Figura 4.2 Extensão e diâmetro da rede matriz de aqueduto, Bogotá

1950-2005

208 Figura 4.3 Área total licenciada para usos residenciais e tamanho

médio da licença, Bogotá 1952-1972

213 Figura 4.4 Estrutura da produção residencial formal por tipo de

residência, Bogotá 1950-1972

214 Figura 5.1 Despachos de cimento às cidades e urbanização da

população, Colômbia 1970-2005

224 Figura 5.2 Taxas anuais de inflação e DTF, Colômbia 1986-2004 231 Figura 5.3 Áreas licenciadas e despachos de cimento, Colômbia

1986-2003

240 Figura 5.4 Variação (%) anual observada e máxima do valor da

UPAC, Colombia 1974-1993

244 Figura 5.5 Velocidade do crescimento do saldo da dívida pública e

dos ganhos tributários, Bogotá 1950-1991 (Diferença dos logaritmos)

247 Figura 5.6 Estrutura da produção residencial formal por tipo de

residência, Bogotá 1952-1991

257 Figura 5.7 Área total licenciada para usos residenciais e tamanho

médio da licença, Bogotá 1952-1992

258 Figura 5.8 Estrutura da produção de solo, Bogotá 1972-1991 259 Figura 6.1 Acumulado de aprovações de crédito hipotecário no UPAC

não entregues aos construtores e às famílias, Colômbia 1992 – 1998

279

Page 9: A Cidade Segmentada

9

Figura 6.2 Taxa de desemprego trimestre em sete áreas metropolitanas, Colômbia 1984-2004

281

Figura 6.3 Variação anual (%) do valor da Unidade de Poder aquisitivo Constante (UPAC) 1993-1999 de acordo com a vigência das Resoluções da Junta Diretiva do Banco da República e da Unidade de Valor Real (UVR) 2001-2004

Figura 6.4 Participação (%) dos créditos hipotecários para moradia de interesse social no mercado do crédito hipotecário, Colômbia 1995-2004

301 Figura 6.5 Índice (1999=100%) da carteira hipotecária dos sistemas

UPAC (1995-1999) e UVR (2000-2005*): Colômbia e 15 cidades

303 Figura 6.6 Acumulado de aprovações de crédito hipotecário no UPAC

não entregues aos construtores e às famílias, Colômbia 1999 – 2005

305 Figura 6.7 Montante médio dos créditos hipotecários individuais sub-

rogados para aquisição de moradia nova e usados: Colômbia 1999-2005 (Milhões do $ Correntes)

306 Figura 6.8 Mobilidade cotidiana e desemprego, Bogotá 1971-2004 310 Figura 6.9 Velocidade do crescimento do saldo da dívida pública e

dos ganhos tributários, Bogotá 1950-2004 (Diferença dos logaritmos)

311 Figura 6.10 Área total licenciada para usos residenciais e tamanho

médio da licença, Bogotá 1952-2008

318 Figura 6.11 Estrutura da produção residencial formal por tipo de

residência, Bogotá 1952-2005

319 Figura 6.12 Retrospectiva do “preço teto” dos tipos da VIS e dos

custos de produção, Colômbia 1991-2008 (Índice VIS_I - 1991 = 100%)

328 Figura 6.13 Retrospectiva das áreas ofertadas por tipos da VIS,

Colômbia 1991-2008 (Índice VIS_I - 1991 = 100%)

330 Figura 6.14 Retrospectiva da margem de ganho dos produtores da VIS

Colômbia 1991-2008

331 Figura 6.15 Efeito hipotético da nova política de subsídio a VIS/VIP

sobre o peso das cotas de amortização no ingresso familiar, Colômbia 2008

333 Figura 6.16 Viabilidade e inviabilidade da VIP em mercados do solo de

10 cidades colombianas na conjuntura 2007/2008

335

Page 10: A Cidade Segmentada

10

Lista de Tabelas

Tabela 1.1 Tipos de vizinhanças configuradas pelas disposições dos participantes no mercado formal

39

Tabela 1.2 Modalidades de mercados imobiliários residenciais 55 Tabela 4.1 Crescimento populacional urbano por grupos de municípios,

Colômbia 1950-1972

193 Tabela 4.2 Iniciativas de Reforma Urbana, Colômbia 1950-1972 200 Tabela 5.1 Crescimento populacional urbano por grupos de municípios,

Colômbia 1973-1991

219 Tabela 5.2 Modificações à metodologia de cálculo do valor da Unidade

de Poder Aquisitivo Constante - UPAC-, Colômbia 1972-1992

225 Tabela 5.3 Iniciativas de Reforma Urbana, Colômbia 1973-1991 226 Tabela 5.4 Limites administrativos à variação da Unidade de Poder

aquisitivo Constante - UPAC-, Colômbia 1974-1993

227 Tabela 5.5 Dez cidades com a maior participação nas áreas licenciadas

para a construção de bens residenciais e não residenciais, Colômbia 1986-1991

241 Tabela 6.1 Crescimento da população urbano por grupos de municípios,

Colômbia 1992-2005

264 Tabela 6.2 Dez cidades com a maior participação nas áreas licenciadas

para a construção de bens residenciais e não residenciais, Colômbia 1992-1995

267 Tabela 6.3 Decisões da Junta Diretiva do Banco da República sobre a

correção monetária e o valor da Unidade de Poder aquisitivo Constante (UPAC), 1993-1995

269 Tabela 6.4 Dez cidades com a maior participação nas áreas licenciadas

para a construção de bens residenciais e não residenciais, Colômbia 1996-1999

278 Tabela 6.5 Decisões da Junta Diretiva do Banco da República sobre a

correção monetária, valor da Unidade de Poder aquisitivo Constante em 1999

283 Tabela 6.6 Decisões da Corte Constitucional sobre a correção

monetária, valor da Unidade de Poder aquisitivo Constante (UPAC) e da Unidade de Valor Real (UVR), Colômbia 1999-2000

291 Tabela 6.7 Adoção dos acordos locais de ordenamento territorial por

modalidade, Colômbia 1998-2006

291 Tabela 6.8 Dez cidades com a maior participação nas áreas licenciadas

para a construção de bens residenciais e não residenciais, Colômbia 2000-2003

292 Tabela 6.9 Número, valor e margem bruta de negociação das moradias

recebidas em entrega em pago pelos Bancos Hipotecários: Colômbia 2000-2005

293 Tabela 6.10 Índices de construtibilidade (I. C.) em tratamentos de

desenvolvimento, Bogotá 2003

Tabela 6.11 Condições do tipo da moradia, valor da moradia e do subsídio, até a entrada em vigência do Decreto 4466 de 2007

327

Tabela 6.12 Valor do subsídio de moradia urbana a partir de 2008 332

Page 11: A Cidade Segmentada

11

Lista de Esquemas

Esquema 1.0 Classificação de lares segundo o parentesco 35 Esquema 1.1 A intervenção urbanística estatal 54 Esquema 1.2 Os bens públicos como elementos constitutivos da estrutura

residencial urbana

58 Esquema 1.3 Interação complexa e antecipações entre os agentes da

estruturação residencial urbana

84 Esquema 1.4 O circuito institucional do laissezferismo impuro 89 Esquema 6.1 Os instrumentos da Ação Coletiva Urbana introduzidos pela

Lei 388 de 1997

272

Page 12: A Cidade Segmentada

12

Lista de Mapas

Mapa 3.1 Estrutura urbana e localização das bacias hidrográficas próximas à cidade, Bogotá 1951

186

Mapa 3.2 Estrutura urbana e parcelamentos clandestinos, Bogotá 1950 189 Mapa 3.3 Inventário de destroços a reconstruir no Centro de Bogotá

1949

190 Mapa 4.1 Participação das cidades no crescimento da população

urbana, Colômbia 1951-1964

195 Mapa 4.2 Participação das cidades no crescimento da população

urbana, Colômbia 1964-1973

198 Mapa 4.3 Condicões de accessibilidade urbana, Bogotá 1969 207 Mapa 4.4 Produção de bens públicos urbanos e lançamentos

residenciais, Bogotá 1950 – 1972

216 Mapa 5.1 Participação das cidades no crescimento da população

urbana, Colômbia 1973 – 1985

221 Mapa 5.2 Participação das cidades no crescimento da população

urbana, Colômbia 1985 – 1993

230 Mapa 5.3 Accessibilidade urbana emergente e estrutura de Bogotá em

1970

248 Mapa 5.4 Produção de bens públicos urbanos e lançamentos

residenciais, Bogotá 1973-1991

260 Mapa 6.1 Produção de bens públicos urbanos e lançamentos

residenciais, Bogotá 1992-2005

321 Mapa RF-1 Produção de bens públicos urbanos e lançamentos

residenciais, Bogotá 1950-2005

338

Page 13: A Cidade Segmentada

13

Sumário

Apresentação 16

Primeira Parte. Para uma Teoria Econômica Institucional Urbana: Os agentes, os mercados imobiliários e a produção de uma ordem residencial

23

CAPÍTULO I. Os agentes da estruturação residencial urbana, suas formas de interação e seus resultados territoriais

24

1.1 O Estado na democracia liberal, a organização do poder tripartido e a intervenção urbanística

25

1.1.1 Autoritarismo, poder tripartido e o controle jurisdicional 29 1.2 A intervenção urbanística estatal 31 1.3 Os agentes elementares da estruturação residencial urbana 33 1.3.1 Lares familiares e não familiares 34 1.3.2 Os estruturadores urbanos formais e informais 42 1.3.3 Os bancos hipotecários 48 1.4 Os agentes da regulação urbana e financeira e da produção

dos bens públicos e residenciais

51 1.4.1 O governo local como agente da intervenção urbanística

estatal

52 1.4.2 A organização dos mercados imobiliários pelas instituições

urbanísticas

52 1.4.3 Os bens públicos urbanos e suas funções 56 1.4.3.1 A função pública de acessibilidade 58 1.4.3.2 A função pública de habitabilidade 60 1.4.3.3 A função pública de sociabilidade 64 1.4.4 A Ação Coletiva Urbana 67 1.4.4.1 O planejamento urbano 69 1.4.4.2 A gestão urbanística 70 1.4.4.3 A regulação urbanística 71 1.4.4.4 O financiamento do capital público urbano 73 1.4.5 Uma nota sobre as novas formas do laissezferismo impuro 74 1.5 A banca central 75 1.6 Interação complexa dos agentes para a produção de uma

ordem urbana e o laissezferismo impuro como determinante da segmentação residencial e a segregação sócio espacial urbana

77 1.6.1 Interação dos agentes e estrutura residencial urbana 78 1.7 O laissezferismo impuro, a segmentação dos mercados

imobiliários residenciais e a segregação sócio espacial urbana

87

CAPÍTULO II. O mercado do solo urbano e a produção de uma ordem residencial urbana

94

2.1 O bem solo urbano e a noção da renda 94 2.2 O pensamento liberal sobre a propriedade do solo 100

Page 14: A Cidade Segmentada

14

2.3 Persistência dos elementos do debate colocados pela Nova Sociologia Urbana Francesa

104

2.4 Crítica à “ordem residencial” proposta pela Síntese Espacial Neoclássica, suporte teórico do laissezferismo impuro contemporâneo

107 2.4.1 As razões da existência das cidades 108 2.4.2 Pobres e ricos, cada um em seu lugar 112 2.4.3 Os bens públicos no laizzesferismo urbano 125 2.5 O solo urbano como bem composto e a indivisibilidade de seus

componentes

140 2.5.1 Nem filantropia, nem expropriação, nem reciprocidade:

alienação onerosa

141 2.5.2 O solo urbano, as cargas urbanísticas e o solo urbano como

bem composto

146 2.5.3 O solo urbano como resultado de uma economia de

antecipações

149 2.5.3.1 O bem solo urbano e o preço de antecipação 150 2.6 Do direito de propriedade à função social da propriedade 158 2.7 Para uma explicação institucionalista da ordem urbana: a

Cidade Segmentada e Segregada

160 2.7.1 A produção do espaço urbano e a Cidade Segmentada: a

norma e as antecipações

161 2.8 A produção do espaço urbano e a Cidade Segmentada: a

subversão da norma e as antecipações

169

SEGUNDA PARTE. Reconstrução histórico-social da estruturação residencial urbana de uma metrópole latino-americana, Bogotá 1950-2008

174

CAPÍTULO III. BOGOTÁ antes de 1950: Gênese do laissezferismo impuro 175

3.1 Colômbia diante as crises mundiais 175 3.2 O quarto centenário de Bogotá e a antecipação da ordem

residencial urbana

179 3.2.1 Bens públicos urbanos 180 3.2.1.1 Acessibilidade urbana 181 3.2.1.2 Habitabilidade urbana 184 3.2.2 Ação coletiva 186 3.2.2 Estrutura residencial emergente por volta de 1950 188

CAPÍTULO IV. BOGOTÁ 1950-1972: Consolidação do laissezferismo impuro 192

4.1 Aceleração do crescimento populacional urbano, industrialização e ambiente inflacionário na Colômbia

192

4.2 O laissezferismo impuro e a segmentação do espaço residencial em Bogotá, base do esquema geral de segregação residencial

203 4.2.1 Bens públicos urbanos 205 4.2.1.1 Acessibilidade 206 4.2.1.2 Habitabilidade 208 4.2.2 Ação coletiva urbana 210

Page 15: A Cidade Segmentada

15

4.2.3 Estrutura residencial urbana

211

CAPÍTULO V. BOGOTÁ 1973-1991: Maturidade do laissezferismo impuro 218

5.1 Moderação da primazia bogotana, instrumentos de financiamento da moradia ao longo prazo e proliferação de iniciativas parlamentar de regulação urbana, Colômbia 1973-1991

219

5.1.1 Concreção da ação coletiva urbana e reação do capital imobiliário

227

5.1.2 Estancamento da atividade construtiva e gênese da ação coletiva urbana

231

5.2 O laissezferismo impuro e a permissividade urbanística em Bogotá

245

5.2.1 Bens públicos urbanos 246 5.2.1.1 Acessibilidade 247 5.2.1.2 Habitabilidade 249 5.2.2 Ação coletiva urbana 251 5.2.3 Estrutura residencial urbana 256

CAPITULO VI. BOGOTÁ 1992-2008: O trânsito para o planejamento urbano 262

6.1 Condições macroeconômicas adversas, auge da atividade construtiva e advento de uma nova Ação Coletiva Urbana, Colômbia 1992-2008

263 6.2 Contração da atividade construtiva e primeiras tentativas de

aperfeiçoamento da nova Ação Coletiva Urbana, Colômbia 1996-1999

271 6.3 Aperfeiçoamento da Ação Coletiva Urbana, recomposição do

capital imobiliária e primeira sinais de recuperação da construção civil, Colômbia 2000-2008

290 6.4 O trânsito ao planejamento urbano em Bogotá, crise da política

nacional de moradia de interesse social na Capital da República e primazia do discurso sob mobilidade urbana

308 6.4.1 Bens públicos urbanos 311 6.4.1.1 Acessibilidade 312 6.4.1.2 Habitabilidade 316 6.4.2 Estrutura residencial urbana 317 6.4.2.1 Especiais considerações sobre a inoperância do subsídio

nacional no segmento da moradia de interesse social e prioritária em Bogotá

326

Reflexões finais 337 Linhas posteriores de investigação 342 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 344

Page 16: A Cidade Segmentada

16

Apresentação

A estruturação residencial urbana é um processo de transferência de riquezas (Abramo 2001a, p. 211) que se evidencia, com especial singularidade, nas metrópoles das sociedades que avançam para sua urbanização completa (Lefebvre 2004, p. 15). Compreender este pressuposto desde dois pontos de vista originais, o teórico e o histórico-social, é o objetivo principal desta investigação, pontos de vista que se tenta reconstruir a partir da reflexão sobre a metrópole latino-americana e, em particular, sobre Bogotá. À medida que a particularidade dos homens e suas representações materiais e simbólicas no espaço urbano se foram configurando como objeto de investigação nas ciências sociais, se feito latente sua tensa convivência com as dificuldades epistemológicas que significa a abordagem pluridisciplinar (Do Bruyne et al. 1977, p. 45-48) da cidade. Esse desafio epistemológico não aconteceu inadvertido, pois, na atualidade existem várias tentativas de análise a respeito.

Na Primeira Parte do trabalho se ataca o primeiro ponto de vista. Os dois capítulos que a compõem se ocupam da compreensão dos processos de antecipação que os agentes que participam da estruturação residencial urbana realizam sobre as decisões de outros e que lhe conferem seu caráter dinâmico. A investigação teórica tem três dimensões: a compreensão da teoria dominante, a crítica e um intento por formular uma teoria alternativa. A teoria dominante é o pensamento espacial neoclássico que, como corrente principal do pensamento em economia, ocupa-se de mostrar as condições em que surge o equilíbrio de mercado e, seguidamente, que esse equilíbrio é ótimo em termos paretianos e, além disso, é estável e eficiente. Os desenvolvimentos da teoria neoclássica em economia seguem um atalho lakatiano; isto é, que há um conjunto de investigações que se ocupam de fortalecer o núcleo duro da teoria -seus axiomas básicos sobre o comportamento humano como, por exemplo, a racionalidade paramétrica- e outro conjunto que se encarrega de engrossar a banda protetora através de hipótese não-degenerativas que corroborem o já dito. Ao ser seu método o hipotético- redutivo – deduzi dor e ao suportar-se em uma visão atomística da sociedade que põe seu acento na capacidade do mercado de coordenar os desejos egoístas dos indivíduos, a teoria neoclássica desvaloriza a análise econômica dos processos histórico-sociais. No mesmo sentido, as dimensões não parametrizáveis do comportamento humano que permitam superar o ceteris paribus tão caro a esse pensamento.

Outro tanto ocorre com as regulacionistas que promovem uma ordem diferente ao que supostamente se alcançaria com o laissez faire urbano. Isto é o que nos deu a conhecer como o enfoque normativo da ciência econômica ou ortodoxia,

Page 17: A Cidade Segmentada

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aquele conhecimento que defende o pensamento único e que fala uma só linguagem, o do equilíbrio de mercado e que, como tal, configurou-se na “ciência normal” (Kuhn 2001) cuja utilidade é a de servir para o surgimento de outros paradigmas mais sofisticados do pensamento humano.

Compreendido isto é possível avançar na crítica teórica e conceptual à corrente dominante. Essa crítica, estrategicamente, não é pertinente fazê-la às investigações que se localizam na banda protetora porque, entre outras coisas, é um intento que naufragaria no oceano bibliográfico que acumularam os economistas espaciais neoclássicos. Os esforços teóricos que se valorizam são os que se ocuparam de atacar o núcleo duro de tal pensamento, ou seja, os que se ocupam de mostrar e de demonstrar as lassidões do ceteris paribus e as insatisfatórias respostas às grandes questões como, em este caso, a capacidade do mercado de coordenar as decisões descentralizadas dos agentes da estruturação residencial urbana, tarefa de considerável envergadura intelectual se se reconhecer que nela se recorre, mais que a evidências empíricas, a uma demonstração semelhante, ou seja, teórica, do anterior. As obras do Abramo (1998) e do Bourdieu (2003) são dois dos trabalhos mais emblemáticos elaborados nesta direção. Neles se pôs em evidência que ao levantar a pesada rocha que é o ceteris paribus e as estilizações drásticas da realidade às que recorre a Síntese Espacial Neoclássica, encontram-se na verdade os grandes desafios intelectuais. Isto é, que tudo o que os neoclássicos desvalorizam seria o mais importante a revelar. Não sobra antecipar que uma das reduções mais flagrantes do pensamento espacial neoclássico é a consideração de um latifundiário ausente, isto é, a neutralização de um indivíduo que é capaz de impor preços à demanda, pois, do contrário, é impossível pensar em um equilíbrio espacial ótimo, estável e eficiente.

Compreendido o sentido da crítica se procurou enriquecê-la com enfoques teóricos que permitam acompanhar a discussão da primeira parte de e que estão emoldurados no que usualmente se denominou como as correntes heterodoxas do pensamento espacial. De uma parte, o trabalho sobre a teoria da renda do solo urbano realizado pelo Samuel Jaramillo e Martim Smolka, foi o primeiro que se consultou: se a renda do solo urbano for o pagamento puro que lhe faz ao latifundiário urbano e sua capitalização a uma determinada taxa de juro dá como resultado os preços do solo urbano, a questão central a indagar é como surge à renda e quem a apropria? A renda diferencial de tipo I surge das condições imodificáveis de solo urbano tais como sua capacidade andadura -edificabilidade- e sua localização, de maneira que a renda neste caso é apropriada plenamente pelo latifundiário. A renda diferencial de tipo II surge como conseqüência das maiores adicione de capital ao solo, não só porque com elas se pode melhorar a capacidade

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andadura dos terrenos e, por tanto, pode melhorar seu edificabilidade, mas também porque tais adições de capital modificam de maneira substancial a inserção dos terrenos na estrutura urbana da cidade. Por conseguinte, a renda diferencial de tipo II é resultado da ação do capitalista urbano e não do latifundiário; portanto, é o primeiro deles o que se apropria desta modalidade da renda. Diferentes modalidades de renda se pode explicar a partir destes dois conceitos básicos da teoria da renda do solo urbano: a renda diferencial do comércio, a renda de segregação da moradia ou a renda de monopólio da indústria. Por enquanto, caberia dizer que na crítica que a esta teoria se levantou é o de seu caráter naturalizante.

Derivado de seu ataque ao núcleo duro do pensamento espacial neoclássico, Abramo (1998, 2001a, 2001b) se ocupou que demonstrar como as eleições de localização residenciais obedecem à busca de externalidades de vizinhança e, com isso, a ineficiência do mercado como mecanismo de coordenação das eleições descentralizadas em presença de antecipações cruzadas entre eles. Isso vai redundar em tal instabilidade dos segmentos do mercado imobiliário residencial que a coordenação resultante, a convenção urbana, encontra nas políticas urbanas um mecanismo mais eficaz de coordenação dos agentes da estruturação residencial urbana. A instabilidade dos mercados imobiliários residenciais urbanos radica em que os agentes estão em um permanente processo de antecipações, isto é, que as famílias que demandam uma localização residencial tentam antecipar as decisões das demais para obter vantagens de intrusão -externalidades de vizinhança- em ambientes de famílias mais enriquecidas. Por sua parte, os estruturadores urbanos tentarão antecipar essas decisões, mas contam ao seu dispor com melhor informação como, por exemplo, aonde localizarão o governo os bens públicos urbanos que provejam à acessibilidade e a habitabilidade do espaço urbano; por sua parte, o governo tentará antecipar as decisões de outros agentes tentando que o investimento em bens públicos urbanos se desloque ao começo do ciclo para garantir a universalidade de sua provisão. Há aí uma das principais fontes de segmentação da cidade.

A segunda parte está dedicada a desenvolver o segundo ponto de vista, o histórico social, e se abordou com o propósito de compreender os determinantes da estruturação residencial urbana em Bogotá e os mecanismos de coordenação das decisões de localização residenciais. Da exposição teórica e conceptual realizada se colige que a história do tempo presente da Bogotá se divide em três grandes períodos: o da preeminência do laissezferismo urbano impuro e o do trânsito para o planejamento urbano, o qual solo é possível discernir compreendendo a dinâmica imobiliária no marco do caminho percorrido pelo país para a urbanização completa, pois isso é o que permite controlar a análise a escala da cidade que, por outros, é a

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cidade sobressaída da rede colombiana de cidades. À escala país, o relevante foi analisar o suceder da sociedade em busca dos suportes constitucionais e jurisprudenciais de uma ação coletiva, isto é, de uma Reforma Urbana até que finalmente se conseguiu, mas, no entanto, e ainda depois de contar com a Reforma, implicaram às cidades da Colômbia assumir as cargas e ilegitimidades que supõem 37 anos de laissezferismo impuro galopante. Desde 1960 até 1989 quando a Colômbia contou com uma primeira versão da Reforma Urbana, ao menos dez intentos de reforma foram sufocados pelos estruturadores urbanos com o emprego dos recursos de suas economias de proximidade organizacionais. Quando isso já não foi possível e a Reforma Urbana foi um fato, também tiraram proveito disso: em meio das condições macroeconômicas mais adversas, geraram um boom imobiliário em seu afã de capturar antecipadamente os direitos de edificabilidade que a Reforma restituiria às cidades. É por isso que à escala cidade, a produção dos bens públicos urbanos -acessibilidade e habitabilidade- e a apropriação privada das rendas de antecipação que isso supõe, são um rasgo indefectível do laissezferismo impuro em que a permissividade e a cooptação aparecem como os mecanismos mais evidentes a disposição do grande capital estruturador.

Seguindo o enfoque circuitista proposto na ordem caleidoscópica (Abramo 1998), a criação monetária para financiar a provisão dos bens públicos urbanos não retornou de maneira que tal circuito foi interrompido em ausência de ação coletiva urbana que regulasse a patrimonialização dos benefícios do processo de estruturação residencial urbana. Quando aparece e começa a ser aperfeiçoado, a cidade se encontra envolta em um ambicioso programa de reestruturação das condições de acessibilidade e mobilidade que, com segurança, está modificando o esquema geral de segregação da cidade. A incerteza e o risco embargaram às famílias e aos estruturadores urbanos e, por isso, hoje se demandam novas e renovadas políticas urbanas.

É crucial reconhecer que, na atualidade, existem numerosas investigações sobre a cidade de Bogotá. Variado-los objetos destas investigações, as inclinações teóricas dos investigadores que delimitaram tanto o levantamento de suas problemáticas como as eleições metodológicas, e o alcance de seus objetivos, oferecem um copioso material bibliográfico que «põe em evidência o relativamente bom conhecimento que existe a respeito da problemática urbana de Bogotá» (Cuervo 1995, p. 118). É inoficioso entrar neste momento às enumerar, mas uma rápida constatação salta à vista: a maior densidade destas investigações, em tanto realizações temporárias como em profundidade das mesmas, produziu-se com o advento da terceira crise mundial do capitalismo, período ao que Topalov (1979, p.

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13) refere-se como uma junta histórica em que “em numerosos países a análise do fenômeno urbano conheceu uma profunda renovação”.

Com o risco de incorrer em uma simplificação muito incompleta, posso asseverar que essas investigações evidenciam diferentes tipos de interesse histórico. Os primeiros estudos, datados de meios da década dos anos sessenta, referem-se à atividade planejadora. Eles têm sua motivação no emprego da norma urbanística, instrumento herdado da tradição planejadora francesa, para a programação dos investimentos, isto é, um conjunto de normas de equipamento que definem as necessidades em términos de espaço. Essas normas se concretizam no plano urbanístico e os programas de dotação dos serviços públicos e coletivos e, de outra parte, o interesse por antecipar alguns efeitos físicos e sociais da aceleração do crescimento da população da cidade. Essas investigações foram promovidas especialmente por entidades estatais do nível nacional como distrital e, só em alguns casos, por universidades públicas. Por volta de meios da década dos anos setenta se conhecem os primeiros trabalhos sobre a história da cidade que se ocuparam, principalmente, da expansão física e do espaço urbano, e foram realizados por investigadores de diferentes universidades, majoritariamente públicas. Já a partir da década dos anos oitenta, as investigações sobre a produção do solo urbano e a moradia experimentam uma particular dinâmica promovida pelos estudos do Banco Mundial e as reações que no plano teórico estas suscitam. É um período decisivo para a investigação urbana sobre Bogotá posto que até os inícios da década dos anos noventa, as investigações setoriais sobre o transporte, os serviços públicos e coletivos domiciliários, em tanto suas formas de provisão como as carências da população, ocuparão um lugar de destaque em relação com a pobreza urbana. É esse um momento determinante como é o da profundização das políticas de privatização dos meios de consumo coletivo urbano.

Além das universidades e as entidades estatais, as investigações neste campo começam a ser promovidas por organizações não governamentais que acompanham as reivindicações das organizações populares urbanas. Embora todos estes interesses ainda estivessem presentes em muitas investigações, a etapa recente está marcada pela metropolização como expressão de um fenômeno que em Bogotá se inicia tardiamente em relação com outras formações sociais latino-americanas. A esse fenômeno se incorpora mais um - o migratório da população e dos processos produtivos para municípios circunvizinhos-, mas que se entende como um processo maior de reconfiguração e redefinição do espaço urbano para as atividades capitalistas.

Só recentemente começa a evidenciar um interesse por compreender o rol da atividade imobiliária residencial na estruturação sócio-espacial urbana de Bogotá.

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São esforços isolados que surgem em momentos em que a cidade experimenta um conjunto de transformações de fundo impregnado e de diversa ordem. De uma parte, o principal sistema de crédito hipotecário paralisou e conduziu à crise residencial a um considerável número de lares: a reforma financeira iniciada em 1991 que introduz o sistema multibanca, procurou eliminar os subsistemas de banca especializada como o que oferece crédito hipotecário. Com isso, o conflito competitivo entre as entidades de credito e entre essas e o capital estruturador se reverteu em reformas unilaterais ao contrato de hipoteca que fizeram que o custo do crédito se tornasse impagável para um grosso número de famílias devedoras do sistema hipotecário. Mas, de outra parte, a cidade entrou em uma etapa de reestruturação espacial a partir da redefinição do esquema de transporte maciço: com a abertura do sistema de logradouros e a monopolização do transporte coletivo, procura-se interconectar toda a cidade facilitando com isso as condições de acessibilidade e mobilidade da população. Por último, a administração da cidade incorpora em sua atividade planejadora os instrumentos com os que a Reforma Urbana de 1997 dota aos governos locais para racionalizar o processo de urbanização: é um período no que se recupera a função reguladora sobre os mercados imobiliários, particularmente sobre o solo, que se tinha perdido desde décadas atrás.

Estas últimas investigações têm quatro rasgos particulares: um primeiro grupo provém das agremiações dos agentes imobiliários especializados e seu interesse de oferecer informação sobre o comportamento dos preços do solo na cidade; nesta mesma direção há alguns esforços não sistemáticos por parte da administração da cidade. Um segundo grupo provém de centros de investigação universitários que, sem ter a cobertura espacial das anteriores, tenta reconstruir séries de longo prazo dos bens imobiliários tanto em venda como em aluguel para, através de modelos de economia imobiliária, explicar não só o comportamento dos preços como também a distribuição dos excedentes da atividade imobiliária. Um terceiro grupo de investigações procura explicarem o comportamento temporário e espacial da penúria de moradia e as formas em que a população pobre da cidade confronta tal precariedade. Por último, encontram-se as investigações que dão conta do déficit residencial, quantitativo e qualitativo, em relação com a pobreza urbana.

Sem pretender subtrair importância a estes trabalhos que com grande rigor acadêmico se adiantaram, poder-se-ia afirmar que eles dão conta de fragmentos de uma realidade que, como a urbanização, é «acima de tudo, uma multidão de processos privados de apropriação do espaço» (Topalov 1979, p. 20). Então, um primeiro inconformismo se pôs em evidência: a ausência de investigações que dêem conta, de maneira compreensiva, da cidade em sua integralidade (Cuervo

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1995, p.14). Esta é a primeira questão. Mas é pertinente esclarecer neste momento que são duas motivações adicionais as que suscitam o interesse por esta investigação: primeiro, contribuir à formação de mais e melhores economistas urbanos para que se integrem ao planejamento urbano e regional e, segundo, participar mais ativamente no suceder da política urbana e regional na Colômbia. O primeiro deles surge da constatação de que na Colômbia, como ocorre em muitos países da América Latina, emprestou-se pouca atenção à formação de economistas urbanos, dotados de bases conceituais e analíticas capazes de confrontar as provocações que o planejamento e a regulação urbana impõem. Esses espaços fundamentais para o avanço de nossas sociedades ficam em economistas que pegam de maneira pouco original e quase automaticamente os critérios da economia geral a um objeto cuja natureza é singular. O segundo surge da inconformidade com que a política urbana é tratada ao nível nacional em nossos países. Em seu desenvolvimento recente, evidencia-se novamente esse interesse por introduzir as experiências alheias em âmbitos diferenciados e que não reconhecem o contexto no que se desembrulham nossos principais problemas, além disso, do precário rigor acadêmico com que são realizadas as investigações que lhe dão suporte.

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PRIMEIRA PARTE

PARA UMA TEORIA ECONÔMICA INSTITUCIONAL URBANA: OS AGENTES, OS MERCADOS IMOBILIÁRIOS E A PRODUÇÃO DE UMA ORDEM

RESIDENCIAL

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I OS AGENTES DA ESTRUTURAÇÃO RESIDENCIAL URBANA, SUAS FORMAS DE

INTERAÇÃO E SEUS RESULTADOS TERRITORIAIS

A tendência ao isolamento dos fenômenos sociais, à maneira do experimento de laboratório no que se controlam as variáveis ambientais em que se realiza, sou pretexto de clarificar as relações causais que os vinculam, é um mecanismo tão reputado que dificilmente a multi-causalidade não formalizada poderá ser tão apreciada como deveria sê-lo. A análise da estruturação residencial urbana que abordamos da economia institucional pretende esclarecer esses vínculos multicausais em sua complexidade. Entendo por tal as transformações e mutações que experimentaram no tempo histórico e que deram lugar à reconsideração consuetudinária dos acordos sociais, da jurisprudência e dos mecanismos de interação dos agentes que participam do conflito pelas riquezas que se deriva de tal estruturação.

Este análise se realiza a dois níveis. No primeiro ocupo-me da apresentação dos agentes e no segundo de sua interação. Com a apresentação dos agentes procuro, além de nos familiarizar com a multicausalidade, indagar pelas transformações mais conspícuas que experimentaram ao calor do suceder dos avanços na urbanização da população. Investigações a profundidade sobre cada um deles se realizaram com o correr dos anos, revelando-se nelas o interesse por conhecer de maneira mais diáfana os determinantes de suas eleições e intervenções e seus efeitos sociais. Não é o propósito de este capítulo sequer entrar em criticar e menos a complementar tais investigações. Tampouco o são resumir seus achados. Pretendo, em troca, identificar aquelas transformações que suscitam novas formas de interatuar com o resto dos agentes que participam da estruturação residencial urbana e que são identificáveis no tempo histórico. De maneira que este é o preâmbulo inevitável para uma apresentação de sua interação complexa, segundo nível da análise no que à maneira de um circuito pretendo esclarecer a não neutralidade de tais transformações; quer dizer, que é ali aonde precisamos que a estruturação residencial é um processo ativo de transferência de riquezas (Abramo 2001a, 211 e 2007, p. 20).

O emprego deliberado da palavra agente provém da necessidade de controverter a de ator que, segundo meu critério, é seu par dialético. Um ator social é aquele que, seguindo a trama da vida, limita-se a cumprir algum rol que lhe foi atribuído, de maneira que seu comportamento é previsível, tornando-a interação com outros uma rotina cuja monotonia se inscreve no tempo com tal regularidade que o faz aparecer como um indivíduo a - histórico, isto é, que seu comportamento parecesse ter estado escrito desde antes, como agora e para sempre. Para nós, a

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noção do agente alude a um personagem com vontade própria que põe em jogo suas idéias do mundo assim como seus interesses, de forma que em seu comportamento é possível identificar eleições imprevistas com as que tenta antecipar as de outros, pois sabe que delas depende sua participação nas riquezas geradas pela urbanização. Por tanto, o momento histórico ao que se enfrentam cada agente é induzido se por acaso mesmo em sua interação com outros e, por conseguinte, por todos em conjunto de maneira que é sujeito e de uma vez protagonista da história.

Na perspectiva da análise institucional da estruturação residencial urbana das metrópoles à cabeça do processo de urbanização, optamos por organizar os agentes, só para efeitos da apresentação em três grupos: o básico composto pelas famílias, os estruturadores urbanos e os bancos hipotecários; o intermédio que o compõem os governos locais e o banco central; e, finalmente, o poder tripartido composto pelas cortes de última instância, o executivo e o legislativo. Neste último grupo vamos envolver a Junta Diretiva do Banco Central no entendido que suas decisões se assimilam a um quase-legislativo. Esta organização não é arbitrária, pois, como se verá quando analisar os circuitos urbanos da moeda é uma proposta metodológica que guarda estreita relação com o propósito da investigação, isto é, com a estruturação residencial urbana como lugar de criação e distribuição de riquezas. 1.1 O Estado na democracia liberal, organização do poder tripartido e a

intervenção urbanística O que é o Estado, como se conforma e o que faz? Para que serve? Estas questões, tão simples como decisivas para a vida das pessoas, deram lugar a seculares e incessantes discussões teóricas como a não poucas confrontações políticas. Imersos em visões a respeito da organização da sociedade, esses debates transcenderam até configurar escolas de pensamento político das que brotaram as mentes que a mantiveram polarizada. Logo o debate político que, por sua vez, desembrulha-se no espaço público, é consubstancial ao suceder da sociedade e de suas formas de organização. No momento que tal debate afastamento, esgote-se, ou seja, cerceado por mecanismos autoritários, a sociedade entrará em sua fase mais crítica de estancamento intelectual que, com segurança, afetará negativamente outros planos decisivos da vida como o social e o econômico.

A sociedade de mercado ou o socialismo, a intervenção ou o laissez-faire, e mais riqueza ou melhor distribuição, por exemplo, são pares dialéticos e não meramente alternativas sobre os que repousam o exercício da crítica intelectual e,

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ulteriormente, a polarização política da sociedade. E o fato de que ainda existam correntes de pensamento estruturalistas, laissez-feristas ou derivacionistas sobre o planeta, entre outras, revela uma questão central para o desenvolvimento intelectual: para que um pensamento se mova tem que existir ao menos um par dialético que se encontre na mesma tarefa. Quer dizer, que não é possível realizar uma análise do Estado se a visão em curso não é confrontada com outras, pois, em efeito, isso implicaria uma dês-naturalização de tal objeto de investigação.

A análise da intervenção urbanística estatal não pode realizar-se por fora da dialética do Estado, de suas contradições, como tampouco pode ser prolífico quando se filia a uma só visão do mundo. Não obstante, é necessário concentrar-se no suceder histórico-político da democracia liberal para compreender a gênese do laissez-ferismo impuro que promoveu as regras para produzir uma ordem urbana segmentada e segregada, o que implica fazer alguns sacrifícios intelectuais normativos, isto é, a alguma inclinação sobre uma ou outra forma do Estado. Esse tipo de ordem é só um de tantos que é possível obterem. Entendido como a manifestação da disputa mercantil pela localização residencial no marco da intervenção urbanística do Estado, isto é, de sua ação ou de sua omissão, a ordem residencial resume a ocupação preferencial de certas porções do solo urbano, e o acesso ou a privação dos citadinos aos bens públicos que estruturam a cidade. Por tanto, às possibilidades de bem-estar que dali se deriva. Em últimas, a ordem residencial urbana é um acumulo de riquezas criadas coletivamente para incrementar o desfrute pessoal e o nível de vida das pessoas. Este ponto de vista ético é indispensável ao momento de formar um julgamento sobre a ordem residencial prevalecente e o vindouro.

A justificação do Estado burguês das liberais do Século XVIII é um referente histórico político sem par para abordar a questão que se acaba de assinalar. O espírito da época era o da configuração de uma nova ordem social ao promovido pelo ”status-quo mercantilista, semifeudal e de domínio dos proprietários da terra” impulsionado pelas visões a respeito das bondades da economia de mercado e de um Estado que beneficia aos homens mediante a expedição de uma base legal que permite “maior liberdade ao livre mercado” (Carnoy 2004, p. 42). O paradoxo da necessidade de um Estado intervencionista que arrasasse a estrutura mercantilista para dar passo ao Estado burguês, indica a via pela que Adam Smith e seus correligionários da época promoviam uma nova ordem a partir de um Estado que ulteriormente se dedicasse a garantir os direitos de propriedade, princípio in-quebrável da doutrina liberal.

A trinta anos da publicação da Investigação sobre a natureza da Riqueza das Nações do Smith, vivia-se no Velho Mundo um ar de confrontação levantado

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pelos trabalhadores que se decidiram a enfrentar aquilo que acreditavam injusto, uma estrutura de direitos que lhe garantia o Estado só aos que eram proprietários e umas condições de trabalho em que a exigência da elevação da produtividade fabril tornava mais exigente a jornada trabalhista. Esse momento histórico suportou a uma contra-reação do pensamento liberal que, em cabeça do Bentham e Mill pai, concretizaria a essência do Estado burguês: aquele que faria todo o “necessário para proporcionar igualdade e segurança ao sistema de propriedade ilimitada e à empresa capitalista” (Carnoy 2004, p. 44). A ordem social requerida é pensada após pela doutrina liberal como uma sociedade coesa ao redor do princípio da utilidade:

A sociedade é um conjunto de indivíduos procurando incessantemente o poder, sem consideração e às costas uns dos outros. Para evitar que essa sociedade se rompa em pedaços, um ordenamento de leis, tão civis como criminais, era considerado necessário. Os diferentes ordenamentos jurídicos devem ser capazes de estabelecer a ordem necessária, mas, obviamente, de acordo com o princípio ético utilitarista, o melhor conjunto de leis, a melhor distribuição de direitos e deveres era o que resultaria da maior felicidade para o maior número de pessoas. Essa finalidade mais general das leis poderia, segundo Bentham, ser dividida em quatro finalidades subordinadas: subministrar à subsistência; produzir a abundância; favorecer a igualdade; e manter a segurança (McPherson 1977, p. 26-27 chamado pelo Carnoy 2004, p. 45).

As finalidades subordinadas do Estado, do enfoque benthamita, reduzem-se à manutenção da segurança da propriedade na medida em que o medo à fome e o desejo de acumular bens impulsionam ao regime capitalista em seu conjunto a produzir bens e serviços que provêem a subsistência e promovem a eficiência no uso dos recursos para enfrentar a escassez. No mesmo sentido, a igualdade na apropriação de riqueza é um resultado inevitável da contração da utilidade marginal da mesma, um pouco bastante duvidoso se acolher a hipótese de que a acumulação de riqueza é um instrumento que permite aos homens submeter à vontade de outros à própria, isto é, acumular poder que, por sua parte, é um desejo insaciável diferente à fome.

A desigualdade na percepção do ingresso e na acumulação de riqueza era incompatível com o desenvolvimento capitalista que idealizava J. S. Mill quem, ainda promovendo reformas do lado das causas dos trabalhadores, duvidou que eles pudessem empregar de maneira adequada o poder político. Eram as elites as que, segundo esta visão, deveriam monopolizar o Estado burguês no que estariam representados os diferentes grupos sociais. Essa visão da democracia política, entretanto, vai enfrentar uma grande dificuldade consistente na inclinação natural de um governo da maioria surto do sufrágio universal a alterar a desigualdade surta do sistema de mercado e, com ela, o advento da regulação. A forma de superar essa dificuldade segundo Carnoy (2004, p. 50-51) radicou na emergência de um “sistema

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de representação de interesses no quais as unidades constituintes são organizadas em um número não especificado de categorias múltiplas, voluntárias, competitivas, ordenadas não hierarquicamente e auto-determinadas” (Schmitter 1974, p. 96 chamado pelo Carnoy 2004, p. 53): o pluralismo.

Acaso as elites respondem efetivamente ao eleitorado? O otimismo das liberais na democracia política é respondido pelo J. Schumpeter para quem o eleitorado e o consumidor não são soberanos, pois seu estado natural é o do dês-informação e os desinteresses pelos problemas políticos generais. É por isso que os articuladores políticos se dedicam a fabricar opiniões sobre problemas com os que tentam ajudar ao cidadão a tomar suas decisões quando, na verdade, estão influindo nas eleições de um suposto consumidor autônomo. O segundo argumento é a interdependência dos políticos com suas unidades constituintes, o que implica que o Estado burguês é conformado por elites cujas decisões favorecem certos interesses que fazem impossível resolver as questões socioestructurais mais urgentes da sociedade.

Se o bem comum não for o objetivo das elites que, forçosamente, oferecem uma interpretação particular do mesmo aos consumidores que saída é plausível para um Estado débil ante uma possível tira de consciência do eleitorado? Para rebater o possível declínio da democracia liberal, emergiu a idéia de que a nova ordem social e política proviriam das organizações da sociedade civil que, atuando de maneira autônoma em suas áreas de influência, cooperaria entre si e assumiriam o controle de frações do aparelho do Estado com o propósito de manter uma primazia hierárquica funcional à unidade da sociedade: é o Estado corporativista o chamado a representar o bem comum:

É a cooperação de grupos que têm posições econômicas distintas e diferentes e que estão colocados frente a frente, e sua relação com o Estado poderoso, independente e legítimo que dão ao corporativismo suas características particulares como um sistema total… é visto também como substituto lógico para a democracia liberal em uma economia em que a indústria está altamente concentrada e o mercado livre não é mais a forma dominante da relação econômica… “sistema de intermediação de interesses” onde um número limitado de grupos não competitivos que o constituem são autorizados (ou criados) pelo Estado e exercem um monopólio dentro de suas respectivas categorias, em troca do controle de seleção de sua liderança e de suas demandas (Carnoy 2004, p. 56-58).

O Estado corporativista não é independente dos grupos cujo poder supostamente controlariam os especialistas do Estado. De fato, os sindicalizados podem acessar ao domínio de uma fração ou, ainda, suas lideranças serem cooptadas pelas organizações de indústrias. Como sugere Panitch, além de uma ideologia o corporativismo é um “meio de organização das relações entre empresários e trabalhadores na sociedade capitalista industrial” (1980, p. 73 chamado pelo Carnoy

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2004, p. 59). São as estruturas corporativas as que moldam a intervenção do Estado.

Em sua dimensão histórico-econômica, o suceder do Estado se mostrou pouco autônomo para deslocar o capital naquelas áreas de maior rendimento social. Portanto, sua dimensão histórico-social está assinada por intervenções orientadas a manter a desigualdade em níveis passíveis pelo eleitorado, enquanto que as transformações históricas e políticas sucedem das mudanças na economia nos que fica em jogo a soberania do consumidor e, por tanto, as mesmas noções em que repousa a ideologia liberal. Em meio da crise, o retorno à visão do Estado mínimo e ao livre mercado emergiu como a cara eficiente de uma organização que terá que ser renovada para que conduza a economia para o crescimento, com a duvidosa garantia de que a isso sobrevirá à redução da desigualdade política e na percepção do ingresso e da riqueza.

1.1.1 Autoritarismo, poder tripartito e o controle jurisdicional Se as ânsias de poder são insaciáveis, sua concentração é uma ameaça para os direitos civis dos cidadãos. Despotismo e autoritarismo foram as ameaças que se rodearam sobre a sociedade civil à medida que à concentração de poder lhe somou a prolongação no poder de líderes com inclinações totalitárias. Isto é assim porque, da tradição maquiavélica, o princípio de auto-conservação induz aos governantes a acumular cada vez mais poder de maneira que não reconheçam “nenhum superior legitimo, nenhuma lei obrigatória, nenhum julgamento externo sobre suas decisões” (Deutsch 1993, p. 89). A anteposição dos interesses dos governantes aos dos eleitores e da sociedade em geral implica, de um lado, que a moralidade, diligência e competência são valores que atribui aos segundos enquanto ao primeiro lhe corresponde decidir em que momento desviar-se de seu mandato e as condições em que o faria.

Os Estados modernos são aqueles que conseguiram que maneira simultânea garantir os direitos civis e promover a prosperidade da gente e da sociedade em seu conjunto. Na tradição da democracia liberal o primeiro propósito se conseguiria mediante duas premissas de ação do poder. De um lado com a promulgação de uma Constituição Política, norma de caráter superior a que se subordinam todas as demais, isto é, uns contratos de contratos no que repousam os direitos e deveres dos cidadãos, clarificam-se as órbitas funcionais dos poderes públicos e, em geral, instituem-se as regras de seu funcionamento:

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Para assegurar a consistência lógica global do ordenamento jurídico, é necessário ter uma norma com respeito à qual se possa definir a validez ou invalidez das demais e que permita resolver conflitos entre normas de menor hierarquia que a sua. Essa apresentação não é inconsistente com uma que concebe a Constituição como uma norma com, entre outras, três características: a) Só pode aprovar-se e modificar-se com maiorias classificadas ou com procedimentos

especiais que são mais onerosos que os que se utilizam para as demais normatiza. b) Estabelece as instituições e poderes públicos e suas competências para decretar e

aplicar as normas.

c) Define e delimita direitos individuais e coletivos (Pérez 2007, p. 3). Uma das teses do Estado pluralista é que a remoção das esferas do poder público dos funcionários é um direito inalienável dos eleitores e, com isso, tenta-se acautelar tanto a venalidade como as inclinações de prolongação dos autoritários no governo. A outra premissa de ação é a elevação à fila constitucional de um princípio ordenador das competências funcionais dos poderes públicos, o princípio de separação de poderes, com o que se pretende acautelar a concentração do poder e, com isso, a potencial transgressão autoritária dos direitos cidadãos.

Da deliberação emanam as leis e sua execução não deveria fazer parte dela. O poder executivo tampouco deveria agenciar a deliberação. O poder legislativo delibera para conceber o conteúdo das leis e promulgar-las subtraindo só a sanção do poder executivo, enquanto que o poder judicial delibera para proferir sentenças que ao poder executivo só fica acatar; por sua parte, o poder executivo toma suas decisões com independência dos órgãos deliberativos e com arrumo às leis. Com a independência e separação se persegue construir um sistema de controles que “limite as faculdades do governo e proteja os direitos dos indivíduos” (Deutsch 1976, p. 205).

O desconforto do poder executivo ante o acatamento de decisões legislativas ou judiciais aflora quando tais decisões limitam sua reprodução política, de maneira que para honrar o princípio de separação de poderes, o controle constitucional se sobrepõe às intenções de extrapolação das órbitas funcionais de outros poderes e é exercido pelos tribunais de última instância:

Se se proibisse legalmente aos tribunais a revisão da legislação, destruiria-se em grande parte o amparo constitucional dos direitos de propriedade, os direitos humanos e o «devido processo legal» em se mesmo (Deutsch 1976, p. 205).

As excepcionalidades são circunstâncias nas que o poder legislativo julga pertinente ceder parte de seu poder ao executivo mediante faculdades extraordinárias que só poderá usar temporalmente. O abuso de tais faculdades ou a reiteração de excepcionalidades é matéria do controle constitucional, pois, em efeito, constituem sintomas de abandono de poder, de um lado, e de concentração de poder, do outro. De fato, a declaratória injustificada de «estados de exceção» com o conseqüente

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declínio do poder legislativo a favor do executivo, cria um ambiente próximo ao totalitarismo:

…o Presidente pode acontecer por cima das leis ordinárias à luz de sua concepção pessoal de «segurança nacional», os poderes do Presidente se veriam aumentados grandemente, e na mesma medida se veriam reduzidos os do Congresso (Deutsch 1976, p. 207).

Os direitos civis se localizam em uma encruzilhada nesse momento, mas também quando um erro da interpretação legislativa conduz à confisco ou limitação de algum deles. A probabilidade de que isto ocorra, quando aparece como o ativismo judiciário (Pérez 2007, p. 13), tenta-se minimizar com a configuração de tribunais que deliberam e tomam decisões de maneira associada e profiram decisões unânimes. O salvamento de voto por parte de um ou mais juizes de última instância suporta que o tribunal decline a unanimidade adotando estratégias de maiorias para a tira de decisões, mas nunca declinará a deliberação, aspecto que é inexistente no âmbito do poder executivo.

Esse ativismo judiciário pode originar-se também em um enguiço do legislativo na previsão do curso da história que volta recorrente a intervenção dos tribunais de última instância. A prática do direito consuetudinário termina por produzir tal dispersão normativa que, à maneira da tradição anglo-saxôna, tais tribunais terminam convertendo-se em “uma maquinaria para a produção de «direito formulado pelos juizes», para complementar e corrigir ou equilibrar as leis elaboradas pelo Congresso, as legislaturas estatais e as dependências administrativas com faculdades legislativas” (Deutsch 1976, p. 210).

A Junta Diretiva do banco central, gozando de certa autonomia relativa do poder executivo, é uma de tais dependências, com segurança a de major influencia sobre a sociedade civil, na medida em que é um poder quase-legislativo que decide nada menos que sobre o curso da moeda.

1.2 A intervenção urbanística estatal A intervenção urbanística estatal consiste na provisão universal dos bens públicos urbanos e a regulação para ampliar a ação individual, apoiadas na criação, circulação e destruição da moeda. Seguindo a tradição da democracia liberal, enquanto que a provisão dos bens públicos urbanos se é inerente ao fornecimento da subsistência e à produção da abundância, a regulação favorece a igualdade e procura a segurança. A subsistência guarda relação com a provisão das funções de habitabilidade e de acessibilidade urbanas, enquanto que através da regulação urbanística é possível dissipar as tensões ex-post imanentes à distribuição territorial

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da riqueza assim gerada e à provisão da função de sociabilidade. A criação de riqueza social que entranha a provisão de bens públicos implica a mobilização de uma considerável quantidade de esforços coletivos que nenhuma outra instituição está em capacidade de realizar, reconhecidas as características do capital requerido para sua produção.

A magnitude dos esforços coletivos se materializa na massa de capital público disponível para a provisão de tais bens e a riqueza social em sua disposição territorial para que a cidade seja acessível e habitável e tenha um elevado potencial de sociabilidade. A assimilação da necessidade da realização dos esforços coletivos é lenta e impopular, enquanto que a apropriação privada de tais esforços é mais rápida e prestigiosa dês-balanço que o Estado tenta dirimir na configuração de seus pressupostos e com o apoio da moeda-crédito.

Quando todos os lugares da cidade são acessíveis e habitáveis, mas as famílias ocuparam o espaço urbano seguindo a ordem proposta pela Síntese Espacial Neoclássica - pobres e ricos cada um no seu lugar-, a cidade reproduz um esquema geral de segregação como o adotado nos Estados Unidos desde finais do século XIX até mediados do século XX. Ele emerge de uma doutrina proferida pela Corte Suprema de Justiça popularizada como «separados, mas iguais» e que deu lugar a escolas para meninos de diferentes cores, brancos e negros, mas com as mesmas dotações, professores e oportunidades educativas (Deutsch 1976, p. 210). Em uma ordem desta natureza, a mesma segregação é prejudicial para a população negra. Quanto à ordem residencial, quando é o utilitarismo convencional o que orienta a disposição territorial do capital público escasso, privilegiam-se com sua dotação a aqueles lugares que presumivelmente darão o maior rendimento econômico, os bairros das famílias, mas abastadas cujos membros são mais produtivos que os das famílias pobres. A segregação sócio-espacial se acrescenta, pois então a doutrina vira a de «separados e desiguais».

A intervenção urbanística estatal revela então sua cara elitista e não pode amparar-se em regulação distinta a de uma interpretação do Código Napoleônico que banaliza a noção da propriedade territorial coletiva a favor da valorização da propriedade imobiliária individual. Esse é o espírito da era do laissezferismo impuro.

O resultado sócio-espacial é o de um território desprovido de bens públicos urbanos no que as famílias assumem a auto-abastecimento de seus mínimos vitais urbanos sob a lógica da necessidade. Esse ordem suporta a adoção de técnicas alternativas de baixo custo para encarar as precariedades de capital público, mas a criatividade e o engenho de seus membros em não poucas ocasiões se acompanham de uma prolongação excessiva da jornada de trabalho. Por sua parte, os estruturadores urbanos não têm interesse em um território no que a

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omissão do Estado não criou riqueza nem permitiu o conseqüente incremento nos preços do solo quase-urbano onde moram os lares. Só tem interesse na medida em que se incorpore mais solo de baixa capacidade construtiva o nível geral de preços do solo da cidade tenderá a elevar-se. Isso a em razão a que, como é sabido, é o produto da terra de pior qualidade o que mobiliza os preços de mercado. De maneira que o incremento no preço de mercado dos ativos imobiliários residenciais acaba de excluir a essa fração do mercado que termina por denominar-se informal.

As políticas reativas do Estado, isto é, sua ação para remediar ex-post à ocupação de solo não urbanizado pelas famílias de ganhos baixos, é muito mais onerosa e suporta a mobilização de maiores esforços coletivos que sua ação ex ante a tal ocupação. Mais ainda, como o estruturador urbano que opera nos segmentos de mercado com demanda solvente não tem nenhum interesse nem incentivo para competir com os estruturadores urbanos irregulares, as famílias de baixos ganhos são submetidas a sua espoliação, de maneira que é o Estado através de sua intervenção urbanística o único agente que está em condições de competir com os irregulares.

A intervenção urbanística estatal se separa do laissezferismo impuro do mesmo momento em que sua omissão produz a polarização social encarnada nessa contradição suscitada pela apropriação desigual da riqueza produzida com o esforço coletivo, de um lado, e a ocupação irregular do território da cidade, do outro. A previsão da ordem futuro da cidade dá lugar ao planejamento urbano no que a omissão e o silêncio administrativo são deslocados pela ação antecipada do Estado, de forma que a provisão universal dos bens públicos urbanos se complementa com a ação coletiva urbana que libera e amplia a ação individual.

1.3 Os agentes elementares da estruturação residencial urbana A consideração inicial das famílias, os estruturadores urbanos e os bancos hipotecários vão-me permitir elucidar mais adiante o primeiro circuito urbano da moeda e as transformações que sofreu em diferentes momentos históricos. A família está imbuída em mutações de larga duração imanentes à transição demográfica e epidemiológica das sociedades em vias de urbanização e sua disposição espacial é apreciável além com a de seu suceder socioeconômico. Os estruturadores urbanos tentam prever essas mutações da família alcançando seu atual estádio como resultado do desenvolvimento da técnica e de sua capacidade para acumular capitais imobiliários. Eles estão dotados muitas vezes de simbolismos, com os que alguns competem com seus antigos sócios, os bancos hipotecários os que, por sua parte, tentam preservar a bancarização da produção e circulação residencial urbana

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mediante estratégias financeiras pouco eficazes. Esse é o momento presente do mercado formal que tentarei historiar ulteriormente. O rol histórico dos mercados informais se reforçou pela pressão exercida pela demanda insolvente marginada dos mercados formais e se erigiu, de uma vez, como o lugar no que as reservas de solidariedade da sociedade se ativaram para fazer mais suportável à penúria residencial de um crescente contingente de famílias que residem nas metrópoles. 1.3.1 Lares familiares e não familiares Família e lar são noções tão próximas que merecem ser esclarecidas a fim de contar com uma noção dúctil para minha análise. Os estatísticos lhes recenseie acostumam delimitar ao lar como o conjunto de pessoas que compartilhando regularmente um mesmo teto também o faz ao menos com uma das comidas diárias. Este critério pragmático é muito útil para as medições que de maneira consuetudinária se realizam com as estatísticas lhes recenseie e com as de operações semelhantes, tais como as medidas da pobreza ou as de distribuição do ingresso. É um critério construído para tal propósito. A noção da família que faz referência ao “conjunto de pessoas entre as que medeiam laços próximos de sangue, afinidade ou adoção, independentemente de sua proximidade física ou geográfica e de sua cercania física ou emocional” que implica o “não-olhar estatística” das famílias (Rubiano e Wartenberg, 1991 citadas pelo Ruiz et. al. 2006, p. 278).

Mas a família é também instituição social, pois é uma poderosa força instituíente não obstante seu caráter conservador. É também uma complexa unidade de decisão econômica composta por um número plural de pessoas que, ao alcançar certa soleira decisória dispõem de capacidade de veto, de maneira que os chefes de lar nas famílias amadurecidas vêem restringida sua capacidade para impor suas decisões ao resto dos membros do grupo familiar. Ao reconhecer que um membro de um lar não necessariamente faz parte de uma família, encontramo-nos de cara a uma das mutações mais inquietantes que vem ocorrendo do mesmo momento da decolagem da urbanização da população e é a incipiente embora persistente dissolução da família. Isto é, a emergência de sua equivalente, a não família unipessoal ou múltipla - ver o Esquema 1.0-. Embora a participação da família bi-parental continua sendo notável, o avanço das famílias mono-parental termina por complementar o avanço relativo da não família para reafirmar a descida da bi-parental. Advirta-se desde este momento os primeiros rasgos da heterogeneidade estrutural dos lares que nos distanciam do tipo de análise promovidas pela versão ortodoxa da análise espacial da economia, a qual supõe sua homogeneidade com o propósito de atribuir funções de utilidade semelhantes a todas as famílias.

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Esquema 1.0 Classificação de lares segundo o parentesco

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Fonte: Alfonso y Alonso (2008, p. 112) Quando Abramo (2007, p. 84) assume as externalidades de vizinhança como fator determinante na decisão de localização residencial, está pensando principalmente na família bi-parental ampla, e ainda em quão nuclear tem em perspectiva os filhos, formas dominantes nas estruturas familiares metropolitanas. E isto ocorre ainda com a família mono-parental nas que ao menos um filho reside com um dos pais. Mas a representação sócio-espacial das externalidades de vizinhança dos lares não familiares, em ausência relativa de capital social -isto é, de filhos- está pendente de esclarecer-se. Ocupar-me-ei disso mais adiante, mas, por agora, terá que precisar que a taxa de formação de lares avança mais rapidamente que a do crescimento da população urbana, o que implica um incessante crescimento das necessidades residenciais nas metrópoles em formação.

A magnitude da produção de solo urbano e de novas vizinhanças requeridas é inerente à formação de lares e não ao crescimento da população urbana. A explicação da demografia sobre o crescimento do número de lares gira em torno da contração da taxa de fecundidade. A casualidade entre uma e outra questão é evidente. Para a análise da estruturação residencial urbana, entretanto, é mais relevante à razão que indica que a taxa de chefia de lar é o inverso multiplicativo de seu tamanho, pois o incremento no número de soluções residenciais requeridas para atender as necessidades dos lares poderia atender-se com residenciais de menor capacidade. Mas a contração do tamanho interior da residência, entretanto, termina por ampliar a demanda por solo urbano.

A taxa de chefia masculina é superior à taxa de chefia feminina. Esta última aumenta rapidamente sem chegar a superar à primeira, em razão da viuvez, a separação ou o abandono unido às maiores probabilidades que lhe brinda o ciclo de

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vida ao homem para cercar um segundo lar, mas é a masculinidade do mercado de trabalho o principal contêiner do avanço da chefia feminina. A autoridade do chefe de lar reforçada por seu controle do orçamento familiar o vai conduzir a jogar um papel decisivo nas decisões de eleição residencial, qual é a de validar espacialmente a busca das externalidade de vizinhança. Quando elas foram consertadas dentro do grupo familiar, podendo alcançar o nível da imposição ou submissão dos membros a sua vontade, situação que se apresenta com maior regularidade nas sociedades conservadoras que ainda conservam rasgos tribais. A intensidade da masculinidade da chefia do lar contribui notavelmente a que persevere esta última situação.

À medida que aumenta a idade das pessoas à taxa de chefia também o faz, mas a chefia masculina surge mais cedo que a feminina, de maneira que sua intensidade é superior da mesma adolescência. O fato de que as taxas de chefia sejam superiores na idade adulta implica que a autonomia na eleição residencial se alcança com a maturidade dos filhos, sendo esse o momento no que as externalidades de vizinhança se renovam em outro lugar da cidade e o envelhecimento dos residentes das vizinhanças originais termina por torná-los mais estáveis. A externalidade de vizinhança se desvanece e, com isso, fica em evidência o caráter entrópico da estruturação residencial urbana.

Esse corolário da argumentação ao que cheguei como resultado da análise da heterogeneidade sócio-demográfica das famílias permite-me inferir que a família é uma estratégia intertemporal através da qual se promove a interação complexa de seus membros com os de outras famílias. Também que persegue a elevação do nível de vida do grupo, podendo-se aplicar isto também aos lares unipessoais e mono-parental.

A família se torna assim em uma unidade complexa de eleições de localização e de vizinhanças, de maneira que não é meramente aquela instituição da sociedade da tradição beckeriana cuja organização segue as pautas atemporais de comportamento de um indivíduo maximizador de utilidade que busca atribuir seus recursos de forma eficiente. Por sua parte, a chefia de lar implica, de maneira antagônica ao famulus do Engels, que a autoridade orçamentária se alcança com a submissão do chefe ao contrato de trabalho e, com isso, são seus dependentes familiares quem alcança mais liberdade. De fato, quando é a busca das externalidades de vizinhança a que motiva as eleições residenciais, o chefe de lar pode submeter-se inclusive a outra tirania que é a da distância, a que termina por embrulhar seus hábitos cotidianos de deslocamento e, com isso, a captura de uma porção de seu tempo potencial de ócio e pulverização.

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Mas esse caráter entrópico da estruturação residencial urbana está vinculado ao suceder do ciclo de vida das famílias que, por sua parte, é imanente à gênese, maturação, consolidação e dissolução das relações de parentesco. Note-se que estas quatro etapas descrevem estádios da história familiar em cujas inflexões à propensão a se deslocar é superior à estabilidade das localizações que inscreve as famílias em certas vizinhanças durante cada uma delas, propensão cujas probabilidades de realização em uma nova vizinhança estão correlacionadas positivamente com a solvência econômica das famílias.

A preservação do estado de celibato de um número crescente de pessoas que dá origem à modalidade do lar unipessoal escapa, na aparência, a esta explicação. As não-famílias conformadas por pessoas ausentes de vínculos de parentesco como os das outras modalidades, de laços familiares que os atem a estratégias intertemporais conjuntas de interação com outros, sugere uma contradição da transição demográfica no capitalismo. De uma parte, simboliza a defesa da individualidade e a liberdade que promove o sistema e, da outra, configura-se como o principal grupo regulador do crescimento da população consistente com as limitações da sociedade para garantir o pleno emprego da força de trabalho. Mas, de forma simultânea, sua crescente importância se configura paulatinamente como a principal fonte do envelhecimento da sociedade e limitação da reprodução das gerações.

Como o amor sexual não é a base a não ser o complemento dos casais, ainda em sua fase avançada que é a paixão, a ausência de interesse por cercar um projeto de vida conjunto, isto é, a hiper-valoração da liberdade pessoal diante da opção da criação de laços ou vínculos familiares, é igualmente uma estratégia intertemporal de longa duração. Ela é mediada, em muitas ocasiões, não meramente pela incapacidade para propiciar um projeto de vida conjunto a não ser em razão dos elevados esforços que exige o sistema para acumular riqueza, sendo os bens de fortuna imobiliários uma de suas manifestações mais conspícuas.

Mas as famílias unipessoais, conforme dissemos, também são resultado de estratégias intertemporais, pois, algumas delas, surgem a conseqüência de táticas fundadas em um excesso de otimismo sobre o futuro conjugal. São comuns as estratégias equivocadas que prolongam com exagero o desfrute da liberdade do celibato com o que se dificulta a união estável na idade amadurecida, como também os noivados prolongados que, conforme se conhece da tradição do Morgan e Engels, são a autentica escola preparatória para a infidelidade e, com ela, da vigilância afetiva.

Mas em uma sociedade cada vez mais polarizada, a estreiteza dos círculos nos que se pode conhecer a pessoa adequada conflui com a arrogância do

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residente na vizinhança nobre que o move a claudicar na busca de externalidades de vizinhança positivas para respirar a criação de famílias unipessoais. De fato, entre as famílias ricas é onde ainda persiste o acordo dos casais, mas à medida que se descende na escala de ganhos as pessoas se tornam paulatinamente mais livres para fazer a eleição do casal. Como resultado disto, a fase avançada das externalidades de vizinhança concerne a vizinhanças muito estáveis nos que os pais que se conheceram na vizinhança foram a alegria dos avós de quem se espera repliquem a história, isto é, que contraiam núpcias com alguém semelhante e que fortaleçam as barreiras à entrada de famílias diferentes.

A separação e o abandono detonam simultaneamente a família unipessoal e o mono-parental. O pleito do divórcio implica não só a distribuição da riqueza acumulada pela família, mas também a cessão de uma parte dela ao Estado sob a forma de custos de dissolução do vínculo, e outra ao mercado sob a forma da baixa valoração da fortuna imobiliária que se aliena ante a precipitação de tal dissolução. O lar mono parental é uma interrupção abrupta do ciclo de vida normal da família que, dependendo da etapa em que se presente, acelera o entropismo das famílias e de suas vizinhanças.

Os filhos, sem distinção de idade ou sexo, constituem unidades de gasto familiar e, portanto, as famílias mais numerosas tendem a acumular menos fortuna que as de menor tamanho, situação que se acrescenta quando as famílias mais numerosas som as chamadas a enfrentar as maiores privações e precariedades residenciais que as localizam no estádio de pobreza. Como unidades de investimento, os filhos possuem um duvidoso potencial de retorno financeiro aos progenitores. É por isso que a emancipação residencial dos filhos sobrevém na idade adulta, ocorrendo a persistência do lar nuclear extenso em razão a que, com o transcurso do tempo histórico, a taxa de absorção do emprego da economia é cada vez menor, fenômeno que se acompanha de uma queda secular na rentabilidade do investimento na educação. Há aqui a origem da autoridade do chefe do lar e da submissão temporária dos filhos a suas eleições de localização pois, como conhecedor do estrangulamento do mercado trabalhista, adota estratégias em busca de externalidades positivas em vizinhanças que facilitem o futuro a seus filhos, isto é, que lhes permitam maior liberdade. De maneira que a intensificação das chefias de lar em idades cada vez mais amadurecidas é correlativa ao estrangulamento do mercado trabalhista.

A instabilidade das vizinhanças, que se concreta na deterioração das relações de convivência dos membros das famílias e na aceleração da depreciação material das residências, promove o nomadismo. Enquanto isso, a estabilidade se manifesta no sedentarismo. Estas disposições sociais são o ponto de partida de uma

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reflexão que sintetizo na Tabela 1.1. A residência em alugo emerge como uma resposta ao nomadismo, que se vincula à instabilidade trabalhista dos chefes de família em razão da flexibilização do contrato de trabalho ou de sua inserção informal na economia da cidade. A residência em alugo se configura como um poderoso mercado que facilita a deslocação residencial a custos mais baixos que os que oferecem a residência em propriedade. A decisão de localização das famílias de baixos ganhos é crucial, pois afeta de maneira notória o orçamento familiar. Se, além disso, existem laços de solidariedade entre a família pluri-parental, a residência em alugo se erige como uma alternativa para que as famílias se sobreponham temporalmente à penúria econômica.

Tabela 1.1 Tipos de vizinhanças configuradas pelas disposições socioeconômicas dos

participantes no mercado formal

Empresários Schumpeterianos

Disposições socioeconômicas dos produtores e demandantes

Proprietários Arrendadores

Sedentários

Estáveis

Volúveis

Famílias Oportunistas

Nômades

Mutantes

Frágil

As famílias sedentárias que são proprietárias de suas residências, ou aquelas que aspiram a sê-lo, são “solidárias com uma visão conservadora do mundo” (Bourdieu 2003, p. 38), que se revela quando seus membros proclamam o repúdio à vagabundagem e ao desarraigo. Elas se aferram então a uma residência permanente, que nenhuma economia de vizinhança gerada em qualquer outro lugar da cidade será capaz de vulnerar, pois, de fato, a percepção da economia de vizinhança que já têm não incentiva a mudança: ninguém se move e tudo segue em seu lugar. Tal sedentarismo é igualmente consistente com a lealdade dos membros da família para a vizinhança, ou seja, com uma comunidade, e em especial, também com o meio cultural. Mas a constatação consuetudinária de que a residência auto-construída progressivamente com anos de trabalho e de sacrifícios econômicos da família não se valoriza no mercado da residência usada, faz que aflore o sentimento patrimonialista dos chefes da família que escolhem aferrar-se à vizinhança antes que dilapidar os esforços incorridos.

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Em qualquer caso, a dúvida sobre a eleição do sedentarismo aflora quando uma família cujos membros tinham convencionado em residir na vizinhança se despede de maneira inesperada; a decisão de emigrar da vizinhança, guardada em segredo até agora, traz consigo a notícia de que novas vizinhanças em formação oferecem variadas economias de vizinhança à família nômade, o que põe em evidência que a antiga residência estável já não oferece as mesmas possibilidades, só o fez por um lapso de tempo: muitas famílias se movem e as vizinhanças seguem em seu lugar. Essa ordem caleidoscópica (Abramo 2007, p. 118) gera medo às famílias sedentárias, que se origina no desconhecimento das qualidades e valores daquelas que substituirão aos nômades que se mudaram. A incerteza sobre a estabilidade das vizinhanças, até então estáveis, sobrevém como rasgo distintivo de uma ordem dinâmica no que a interação pacífica dos membros da maior parte das famílias tenta-se impor e é rebatida secularmente pelas inclinações autoritárias das famílias de maiores ganhos.

Quando as famílias nômades se mudam incorrem em grandes ônus monetários e não monetários, à espera que na nova localização possam as recuperar. Seu deslocamento residencial suporta, por exemplo, a ruptura com as redes sociais que lhes ajudavam a enfrentar a vida (Harvey 1990, p. 338), ao tempo que incorporam as novas redes na vizinhança receptora, redes que são mais transcendentes na vida das famílias de mais baixos ganhos. Por sua parte, as famílias proprietárias nômades são assíduas contribuintes do fisco e clientes dos cartórios e de registro da propriedade residencial, na medida em que são estas as entidades responsáveis por administrar os custos de transação que pesam sobre a alienação residencial.

Mas a condição de sedentarismo urbana não conduz necessariamente à posse da residência em propriedade; de fato, um considerável número de famílias em alugo se espraia por seu espaço residencial, muitas delas arraigadas em vizinhanças que seus arrendadores anteciparam para que elas habitem de maneira durável, minimizando o risco de que a residência passe por lapsos de lucro disponível.

As ínfimas remunerações à poupança que oferece o sistema financeiro se

convertem em estímulo para que as famílias com orçamentos superavitários optem

por adquirir residências para o aluguel. Por sua parte, as famílias demandantes do

estoque residencial em arrendamento, até podendo acessar a residência em

propriedade, escolhem viver em arrendo por haver-se liberado do atavismo da

propriedade, pela expectativa de deslocar-se a baixos custos ou por contar com uma

alternativa financeira que remunera melhor e expõe a menor risco suas economias

correntes, que a alternativa de imobilizá-los em uma residência em propriedade.

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Há famílias nômades que tampouco estão interessadas em acessar à

residência em propriedade, de maneira que perambulam pelo espaço residencial

urbano sem lhes interessar sua vinculação a alguma rede de apoio. Pelo contrário,

são famílias que optam por um modo de vida urbano assinado pelo aproveitamento

de economias relacionais que sucedem, não de uma proximidade geográfica, como

se de uma proximidade organizada (Rallet 2002, p. 67). Aprofundarei em seguida

esse argumento, mas por agora, é indispensável precisar que a decisão de

localização residencial concerne ao vínculo de proximidade que possam estabelecer

um ou mais membros da família com outros de famílias de ganhos maiores:

proximidades intelectuais, políticas ou carismáticas, por exemplo, que se criam pela

interação das pessoas nos estabelecimentos educativos, nos templos ou nos clubes.

Esse tipo de proximidades pode facilitar a vida dos filhos no futuro ou a dos

arrecadadores de ingresso no presente.

Para as famílias de ganhos baixos, como já anunciamos, a residência em arrendamento é uma alternativa flexível de baixo custo para confrontar a penúria econômica. Além disso, ao lado da discriminação pelo estabelecimento de formação e da discriminação por sexo, vem-se detectando a emergência do lugar de residência como critério de seleção trabalhista. Isto ocorre não por considerações de produtividade como pensaria, por exemplo, aquele que raciocina em términos dos tempos de deslocamento, a não ser em razão do preconceito do patrão sobre as relações que o potencial trabalhador pode estabelecer em sua vizinhança e que possam afetar sua empresa. Tal discriminação trabalhista pela vizinhança no que o trabalhador reside é mais notória nas metrópoles sobre as que pesam uma intensidade considerável do conflito urbano.

Por último, as famílias oportunistas estão em capacidade de realizar o cálculo dos custos da retenção e dos custos de absorção nas vizinhanças. Sua quantia não é desprezível. No primeiro caso, a família acumula certos capitais durante sua residência na vizinhança que jogam o papel de reter a seus membros ante seu potencial dilapidação com a mudança ou ante a necessidade de voltar a acumulá-los na vizinhança receptora. Tais custos estão representados em todas aquelas práticas de sociabilidade que os membros das famílias forjaram com outros vizinhos na perspectiva de fazer parte de alguma forma de proximidade organizada ou institucional. Esse capital não é removível à nova vizinhança, pois ali as pautas de sociabilidade têm que ser radicalmente diferentes às abandonadas. Por isso o lar deve dispor de umas somas para lhes fazer frente e que denominamos como os

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custos de absorção, podendo a indiferença da família ou a ausência destes recursos dilapidarem as externalidades de vizinhança que perseguiram com a mudança.

1.3.2 Os estruturadores urbanos formais e informais As qualidades entrópicas das famílias que acabamos de analisar são captadas no mercado imobiliário residencial pelos estruturadores urbanos. Originalmente a estruturação residencial urbana recai no governo local cuja responsabilidade é a produção das funções urbanas básicas de acessibilidade, habitabilidade e sociabilidade, e nos agentes privados quem, ao calor da subversão ou o seguimento da norma urbana, propiciam a criação de um hábitat para as famílias ao que denominamos vizinhança. A categoria estruturador urbana a atribui exclusivamente a tais agentes privados, pois com isso evito-me desnaturalizar ao governo que, além da produção de bens públicos urbanos promove ações coletivas de gestão, regulação e financiamento do solo urbano.

As teorias que se ocupam da estruturação residencial assumem a esse agente como o produtor do espaço edificado, sendo nomeado e renomeado em cada uma delas para captar aspectos cambiantes de sua natureza em relação com a noção do mercado do solo urbano que adote cada uma delas. A simultaneidade de algumas destas teorias não representa nenhum obstáculo para uma e outra, pois são resultado das visões do mundo de seus autores que se manifestam em diversidade de enfoques sobre o mesmo objeto, estádio muito preliminar do conhecimento prévio à unicidade das ciências sociais. É pertinente então analisar as noções afins a do estruturador urbano para revelar as diferenças e as condições cambiantes do agente de um enfoque histórico social.

A Síntese Espacial Neoclássica denomina como o desenvolvedor a quem, operando em uma cidade monocéntrica, “a uma distância r renda uma porção do solo em seu estado original ao latifundiário em um mercado de renda absoluta Rou(r). O desenvolvedor, por sua parte, investe certa quantidade k(r) na bem

vizinhança no solo. Depois o desenvolvedor rende o solo melhorado às famílias no mercado da renda residencial R(r) e arrecada �(r) de taxa de congestão de cada família ali localizada” (Fujita 1989, p. 206-207).

A elegante simplicidade do discurso da Síntese não se pode alcançar sem a adoção de alguns supostos adicionais que restringem a realidade ou o âmbito do possível, a um modelo matemático. A ausência de incerteza sobre o futuro é um deles, pois o indivíduo racional é além atemporal, pois, ao parecer, sua experiência do passado e suas expectativas sobre o futuro não jogam nenhum papel relevante em suas eleições. Isto é inteiramente coerente com um dos propósitos centrais da

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Síntese, que é a explicação do surgimento do equilíbrio espacial que lhe vai permitir lançar a idéia de uma ordem urbana estável e eficiente, uma ordem segmentada livre de ambigüidades no que o espaço urbano é apropriado pelas famílias ao calor de suas ofertas de renda: pobres e ricos cada um em seu lugar.

Note-se então o papel dominante da demanda de mercado sobre o rol do desenvolvedor e seu sócio mais próximo, o latifundiário ausente que se limita, à maneira do juiz esportivo, a validar as jogadas dos participantes (Abramo 2001a, p. 211). Essa forma de assumir os mercados imobiliários traduz a idéia da obtenção de lucros normais pelos produtores de espaço residencial, consistentes com uma visão homogeneizante dos agentes que realizam suas disputas mercantis em âmbitos perfeitamente competitivos. Mas o suposto da homogeneidade dos agentes é uma estilização drástica de um personagem que, ainda sem ter a capacidade teórica para incidir de maneira decidida no nível de preços do mercado, está interessado em diferenciar-se de outros competidores a fim de obter lucros adicionais desse empreendimento. O caráter asséptico do personagem da Síntese se reforça pela supressão drástica de algum comportamento estratégico dentro da racionalidade que o move à obtenção dos lucros imobiliários. É como se se tratasse de um indivíduo que é imune aos sinais do mercado que emanam da interação que realizam outros agentes entre eles e consigo mesmo. No entanto, é um indivíduo que opera em um âmbito sem instituições aonde as possíveis regras para a interação são as que escrevem a “mão invisível descontrolada” (Fujita et.al. 2000, p. 31).

Na Nova Sociologia Urbana Francesa, tradição teórica de base marxista, o personagem é denominado como o promotor imobiliário quem exerce um papel dominante nos mercados imobiliários residenciais, pois é o capital de promoção de sua propriedade o que está em capacidade de adequar o solo para edificá-lo e dali provêm seus sobre-lucros representados no preço do solo. Esse promotor interage com o proprietário do solo de maneira que a repartição do sobre-lucro entre o promotor e o proprietário vai ser o resultado dessa relação social entre o capital e a propriedade do solo chamada “o mercado do solo” (Topalov 1979, p. 170). Note-se que a separação entre o promotor e o latifundiário se emprega para revelar a tensão distributiva entre os lucros de promoção e o pagamento puro pelo uso do solo ao que se denomina renda. Quer dizer, a renda não é outra coisa que uma manifestação mais do ganho capitalista que é disputada por um agente passivo como o latifundiário a um agente ativo que é o promotor.

É factível que o promotor tenha acumulado certa quantidade de terrenos para edificá-los, mas a separação teórica com o latifundiário é consistente na Teoria da Renda do Solo Urbano por seu interesse de revelar o conflito distributivo pelos

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lucros imobiliários. De fato, são as rendas diferenciais de segundo grau as que entram em disputa como resultado do desenvolvimento imobiliário, sendo a renda de segregação da moradia uma de suas manifestações mais conspícuas (Jaramillo 1994, p. 167). Se as rendas diferenciais primárias surgirem das características irreprodutíveis do solo em tanto localização na estrutura urbana da cidade e capacidade andadura de ativos imobiliários, as rendas diferenciais de segundo tipo emergem como conseqüência das adições do capital ao solo para melhorar sua capacidade andadura e, portanto, incrementar sua edificabilidade.

O preço do solo urbano surge como resultado da capitalização da renda, entrando a taxa de juro de mercado a jogar um rol subsidiário em sua configuração. Sua magnitude é bastante próxima à taxa de ganho normal da economia, de maneira que os preços do solo urbano têm um componente cíclico e que afetam a todos os terrenos. Mas as adições de capital que dão lugar à renda diferencial secundária tão somente afetam aos terrenos receptores dos investimentos. Estas são as fontes dos movimentos gerais e particulares dos preços do solo (Jaramillo 1994, p. 183 e ss.).

Mas as possibilidades da promoção imobiliária são reguladas por mecanismos de mercado. A idéia de que essas adições de capital não são factíveis de realizar a não ser naqueles terrenos que suportem previamente certo nível de renda, é uma condição teórica indispensável para explicar o desenvolvimento histórico da construção em altura. O promotor imobiliário tem um conhecimento sócio-espacial da cidade que lhe permite identificar os lugares aonde são viáveis suas decisões e aonde não o são. Quando adota uma estratégia de verticalização dos ativos imobiliários residenciais, é como se estivesse criando mais solo, mas pelo mero feito de incrementar a intensidade de seu uso não quer dizer que seus lucros vão se mover automaticamente no mesmo sentido. Isto ocorre em razão a que a construção em altura exige mobilizar quantidades crescentes de capital para produzir estruturas antizímicas e antieólicas, mecanismos de mobilização vertical de pessoas, de água potável e de águas residuais e de desfeitos sólidos, por exemplo. Logo o cálculo econômico do promotor imobiliário é inseparável das pautas do mercado que lhe permitem empreender sua atividade construtiva, isto é, da regulação que o mercado imobiliário exerce sobre o nível de verticalização que propõe.

Mas o promotor imobiliário é um indivíduo que goza de uma capacidade cognitiva sócio-espacial que foi construída sobre a base da experiência do passado, como também das antecipações que tenta realizar sobre o futuro das atribuições de capital que os governos prevêem realizar sobre o solo urbano. Quer dizer, que na capitalização da renda existe um componente dessa antecipação ou, no mesmo

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sentido, que os preços do solo urbano se formam a partir das expectativas que o promotor imobiliário tem sobre as modificações na estrutura sócio-espacial urbana no futuro. Esta última característica do promotor imobiliário na Teoria da Renda do Solo questiona de passagem a inexperiência do desenvolvedor da Síntese Espacial Neoclássica ao envolver essa dimensão temporária das eleições que têm uma dimensão espacial.

Mas o processo de formação de expectativas, ou de antecipações do futuro da estrutura urbana, é captado por outra versão heterodoxa da economia urbana que propõe uma Ordem Caleidoscópica que emerge em um ambiente de incerteza, metáfora que sugere que a imobilidade espacial dos bens residenciais não deixa olhar a mobilidade das famílias em busca de novas localizações e vizinhanças. Nesta tradição se denomina como capitalista urbano a aquele produtor de bens residenciais sublinhando precisamente tal caráter, o de capitalista, no que “o espírito animal keynesiano, também pode escolher a via do empresário schumpeteriano: aquele que, ao introduzir inovações, altera as características habituais do mercado. No mercado capitalista da localização residencial, a figura do empresário schumpeteriano e do especulador profissional tendem, portanto, a confundir-se em um único personagem-ator deste mercado, cuja prática cognitiva consistiria em adiantar antecipações espaciais devido ao próprio desejo de promover mudanças inesperadas (inovações)” (Abramo 2007, p. 140).

A oferta residencial que realiza o capitalista urbano está caracterizada por estar exposta a um comprido período de depreciação física e a sua imobilidade espacial, características que confluem para explicar o caráter irreversível das decisões de localização e o paulatino estrangulamento da oferta. O esforço que o capitalista urbano realiza para produzir inovações e diferenciação espacial dos estoques residenciais é o determinante de seus lucros imobiliários, mas ao fazê-lo está promovendo a destruição fictícia dos estoques residenciais existente em certas vizinhanças cuja exposição a esta lógica vai concluir em trocas na ordem urbana prevalecente até a introdução das inovações e diferenciações. O capitalista urbano interage com as famílias em um mercado no que as decisões oportunistas de uma porção considerável delas que perseguem externalidades de vizinhança, facilitam-lhe a imposição de um mark up urbano.

Logo em um ambiente de incerteza, o capitalista urbano que capta os motivos residência e especulação das famílias, propõe novas vizinhanças cuja acolhida sucede de um processo de coordenação pelo mecanismo da convenção, no que as famílias seguem o comportamento dos agentes que acreditam melhor informados que elas ao momento de realizar a eleição residencial. A estabilidade das vizinhanças é correlativa à qualidade da convenção, da mesma maneira que sua

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defecção acelera o retorno à incerteza urbana. Advirta-se então o rol crucial que cumpre a oferta residencial em um ambiente de incerteza urbana, pois sua prevalência no mercado sobre a demanda contrasta com a desta sobre a oferta no ambiente estável e eficiente da Síntese Espacial Neoclássica. Em outras palavras, enquanto que as famílias através de suas ofertas de renda são os reis do mercado imobiliário residencial neoclássico, os capitalistas urbanos que inovam e impõem um mark up à demanda o são na ordem caleidoscópico.

Mas se a competência entre os capitalistas urbanos resolve-se em parte pela potência urbana de suas inovações e diferenciações que fazem mudar o perfil das vizinhanças e da cidade em seu conjunto, os espíritos animais keynesianos os conduzem a competir com outro tipo de agentes. Em seu desenvolvimento histórico o produtor dos ativos residenciais experimenta mutações de diversa ordem que terminam por situá-lo como o homo sapiens urbano, isto é, o agente mais evoluído que acumula capacidades para enfrentar mais eficazmente a outros e ainda para chegar a lhes disputar algumas de seus principais funcione. Isto ocorre, em especial, com algumas das funções do governo e dos bancos hipotecários, aspecto sobre o que voltarei mais adiante. por agora, essa evolução histórica é a que nos leva a denominá-lo, em seu estado atual, como o estruturador urbano por ser um agente que está em capacidade de operar simultaneamente como latifundiário urbano ou lhe é funcional a esse agente passivo que se enriquece diariamente sem justa causa mas, além disso, é um profissional da antecipação em termos keynesianos, ou seja, um agente que procurará que suas expectativas sobre a ordem espacial futuro, os usos potenciais do solo urbano e o conteúdo da regulação urbana, sejam as melhor formadas com o que alcançará o preço máximo do solo urbano mediante a imposição de uma margem de ganho às famílias dependendo de sua disponibilidade de pagamento. Mas, além disso, está em capacidade de assumir funções quase-fiduciárias do mesmo momento em que toma a decisão de produção de ativos residenciais.

A acumulação de capacidades é a que lhe permite ao estruturador urbano incidir de maneira decisiva na ordem futuro da cidade, as exercendo na coordenação e regulação das eleições de outros agentes, de maneira que seu potencial de estruturação de negócios é correlativo o seu grau de ingerência na estrutura residencial urbana.

Como profissional da antecipação, o estruturador urbano não se limita meramente a produzir espaço habitável, a edificar nos términos do desenvolvedor neoclássico, pois seus lucros não provêm dali. Elas se geram, de um lado, em sua capacidade cognitiva da ordem futuro da cidade que toma corpo em suas propostas de densidade/verticalização da cidade e, do outro, na inovação de produtos e

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processos construtivos residenciais. Mas essa acumulação de capacidades é desigual podendo-se estabelecer alguma hierarquia suscetível de ser organizada em taxonomias. A heterogeneidade estrutural dos estruturadores urbanos provém de seus desiguais ritmos de acumulação de capital imobiliário, financeiro e simbólico, facções que delimitam as possibilidades de antecipação mencionadas e, portanto, as da imposição de um mark up à demanda.

Se a competência entre esse tipo de agentes adota certos rasgos da concorrência monopólica, o mercado imobiliário residencial orientado pelos estruturadores urbanos melhor informados suporta alguma pauta convencional em tanto essa antecipação não está ao alcance de todos. Aquele que melhor consiga antecipar o futuro da estrutura residencial da cidade será seguido, à maneira que os corretores da bolsa seguem as eleições do homem da Wall Street keynesiano, por outros estruturadores. A eles são comum maiores riscos que aquele cuja personalidade blasé simboliza, não só sua ascendência a não ser sua investidura de confiança e certeza que se acrisolam em seu capital simbólico.

Esse simbolismo é socialmente compartilhado nos discursos que, ao igual aos mitos de vida dura e resistente do Poulantzas, entroniza-se nos imaginários coletivos nos que se cunha a idéia do mercado formal para representar a um conjunto de agentes respeitosos da norma urbanística, leais competidores e, como acontecem com freqüência, altruístas onipresentes em todos os lugares da cidade. Seu par dialético, o estruturador urbano informal, goza do desprestígio social enraizado na suposta deslealdade com que compete, quer dizer, subvertendo a norma urbanística, os acertos contratuais e, como ocorre em muitas ocasiões, a ordem urbana desejada pelos estruturadores urbanos formais.

Mas um e outro são estruturadores urbanos não só pela semelhança do tipo de intervenções que realizam sobre a cidade, mas sim por ter em comum a racionalidade com que o fazem e pela funcionalidade biunívoca que os liga. Quando um estruturador formal promove cessões de solo à cidade em quantidades como as exigidas pela norma e em ocasiões superiores a ela, por exemplo, faz-o prevendo aquela quantia que lhe permita intensificar o uso do solo restante, o solo útil, sabendo que o valor de tais cessões refluirá para o preço do solo útil. Por tanto, os valores das cessões constituem um ônus urbanístico que, dado o engenho do estruturador formal, é assumida já por esse coletivo ao que chamamos cidade ou já pelos usuários finais do espaço construído: as famílias. Quando o estruturador informal tenta fazer o mesmo vai se enfrentar à mesma lógica que, em seu caso, o vai sujeitar à imperiosa restrição de contrair as cessões urbanísticas ao ponto que o preço do solo útil não se incremente ao ponto que nem sequer as famílias pobres possam acessar a esse solo.

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Essa lógica e seu resultado mais evidente, que é o elevado índice de ocupação do solo nos mercados informais, é o primeiro atributo de uma ilegalidade que, unida às práticas de subversão do perímetro urbano e da cota dos serviços públicos domiciliários, configuram uma prática tolerada historicamente pela sociedade que, além disso, é funcional à estruturação formal. Isto é assim porque se, seguindo as tradições ricardianas e ainda as marxistas sobre a renda do solo, o produto das terras de menores aptidões urbanísticas e mais apartadas fisicamente dos centros de aglomeração urbana impõem os preços de mercado, os estruturadores formais obtêm lucros colaterais à medida que balança a urbanização informal. Quando o preço dos ativos residenciais formais se incrementa, a oferta imobiliária se estrangula paulatinamente de maneira que novas vizinhanças informais se farão necessários. Esta racionalidade/funcionalidade dos mercados formais e informais é a principal fonte da segregação sócio-espacial urbana que nos permitirá, além disso, apagar aquela grosa linha que separa o formal do informal nos discursos da cidade dual.

O estreitamento mimético das relações entre os estruturadores formais e informais, produto dessa regra de aço da vazante do valor das cessões urbanísticas ao preço do solo útil e da funcionalidade mecânica de uns e outros não implica, entretanto, que tenhamos avançado na direção da homogeneização deste tipo de agentes. Pelo contrário, um aspecto decisivo que os diferencia é a composição de seu capital em tanto origem das fontes de financiamento, na medida em que é a acumulação prévia de capitais imobiliários a que delimita, em princípio, o tamanho dos empreendimentos imobiliários, configurando-se então como a chave que abre o cofre do capital emprestado.

1.3.3 Os bancos hipotecários Afirmar que os bancos existem por que desde algum momento da história do capitalismo existem unidades econômicas superavitárias que requerem coordenar-se com outras deficitárias, equivale a dizer que a intermediação financeira está em capacidade de orientar a política monetária pois, finalmente, são os bancos os que gozam da capacidade de colocar dinheiro-crédito entre o público.

As visões a respeito da ausência de economia dos trabalhadores que tomam corpo em modelos formais sobre a neutralidade da moeda são outras estilizações drásticas da realidade animada pelo afã de mostrar o surgimento de um equilíbrio macroeconômico estável e eficiente. Pelo contrário, a existência social dos bancos se explica precisamente pela persistência de contextos econômicos e institucionais no que os agentes se desembrulham em ambientes de incerteza. Eles

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tomam decisões fundadas em expectativas e previsões que podem fracassar, de maneira que como a toda alienação subjaze alguma visão de futuro dos agentes que a realizam (Commons 2003, p. 199), a moeda cumpre a função de enlaçar essas decisões/previsões do presente com a realização/defecção das expectativas sobre o futuro.

As variações na margem de intermediação estão correlacionadas positivamente com o grau de incerteza latente entre os agentes interessados em prever o futuro, e as possíveis diferencia na margem nítida dos bancos que competem no mercado do crédito se originam na qualidade de sua posição patrimonial. A ampliação da margem de intermediação se alcança com uma baixa remuneração à economia do público e com a elevação do custo do dinheiro-empréstimo ou, em outras palavras, com a ampliação da margem existente entre a taxa passiva e a taxa ativa.

Como os agentes formam suas expectativas em diferentes horizontes de tempo, os margens de intermediação são igualmente diversos, sendo tais expectativas governadas pela natureza dos bens sobre os que a demanda realiza suas previsões e pela informação que disponham os agentes sobre seu suceder no mercado, quantidades e preços. A mesma diversidade na velocidade de rotação dos capitais financiados com o dinheiro-crédito, assim como seu destino, é inerente à formação de expectativas. Embora os bancos operem baixos esquemas do tipo multibanca, esta razão implica que essa modalidade é uma mera ilusão óptica detrás da que se ocultam os verdadeiros mercados do dinheiro-crédito. Em outras palavras, toda modalidade lhe homogeneízem dos bancos só é uma aparência detrás da qual operam departamentos de credito cuja compartimentalização reflete a heterogeneidade estrutural dos mercados de dinheiro-crédito, quer dizer, é um agrupamento meramente formal de muitas bancas especializadas.

Um bem de consumo cuja aquisição é possível com dinheiro-crédito não ocasionará perda de riqueza quando o ressarcimento da dívida esteja garantido de maneira suficiente com os ganhos correntes durante o período de pagamento. E essa regra é válida tanto para os assalariados que aceitam as taxas como para os investidores que impõem preços, sempre que uns e outros tentem honrar o contrato de empréstimo. Mas, de maneira semelhante à tradição do ajuste kaleckiano no que as margens de lucros dos investidores são os que permitem ajustar o emprego e o produto, isto é, que “os trabalhadores gastam o que ganham e os capitalistas ganham o que gastam”, parece óbvio que o tipo de relações que propõem os bancos se oriente de acordo ao fluxo de caixa de cada um dos participantes no mercado de dinheiro-crédito.

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Enquanto que um incremento nos custos de produção implica um crescimento no capital de trabalho requerido pelo investidor, a inflação representa uma perda no poder aquisitivo do salário que se compensa no prazo imediato com a contração da dieta familiar. É por isso que o rasgo mais evidente da demanda de dinheiro-crédito seja sua concentração, pois são esses incrementos incessantes na demanda por capital de trabalho os que suportam ao financiamento.

O financiamento em longo prazo da produção das moradias é um compartimento da multibanca que outrora transparecia como banca especializada hipotecária. As mudanças no volume de dinheiro-crédito em circulação se devem ao efeito estoque e ao efeito preço ocorridos no mercado imobiliário residencial. Um incremento nos preços imobiliários significa uma ampliação da demanda potencial por financiamento. Pelo contrario, o incremento no acervo de bens residenciais suporta o mesmo efeito, radicando a diferença em que só o segundo redunda na ampliação da riqueza assim como uma “perda de riqueza tem que dever-se a um excedente de consumo sobre seu ingresso e não a uma perda de capital por troco no valor de um bem de capital” (Keynes 2000, p. 81).

Quando o efeito preço é o de maior incidência na ampliação do dinheiro-crédito em circulação, quer dizer, no momento em que o acervo inicial de ativos residenciais requer de financiamento adicional para circular, esse é o início da inflação de ativos que pressagia as chamadas borbulhas imobiliárias. Note-se que primeiro ocorre o sinal da economia urbana a que sobrevém a ampliação do dinheiro-crédito em circulação, sendo esta casualidade irreversível, pois não por existir crédito hipotecário em abundância que os bancos podem colocá-lo automaticamente entre o público. Mas, além disso, o efeito preço pode anteceder e ainda emergir simultaneamente com o efeito estoque, suscitado este último por estruturadores urbanos que seguem as previsões dos que acreditam conhecer melhor que eles o futuro da estrutura residencial urbana da cidade. Esse efeito estoque confirma a regra segundo a qual “a economia total do primeiro indivíduo, somado ao de outros, deve ser igual, por força, ao montante dos novos investimentos correntes” (Keynes 2000, p. 81).

O efeito preço dos ativos residenciais é o sinal de que as garantias reais cobrirão os montantes insolúveis das dívidas hipotecárias ante possíveis defecções nos ganhos das famílias. Mas um anúncio em contrário implica que tais previsões falharam, o que suporta à contração abrupta do período de amortização combinado e à distribuição dos custos da má previsão das famílias que o banco financiou. É evidente então que os bancos carecem de mecanismos para rebater a deterioração generalizada das vizinhanças, mas, em troca, se poderia estrangular a oferta de dinheiro-crédito embora não tem maiores incentivos para eles posto que seu negócio

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é emprestar. Quer dizer que, embora o departamento de crédito residencial pudesse desenhar instrumentos de predição da economia urbana, estas dificilmente poderão substituir a credibilidade que o banco deposita nas eleições de seus demandantes de crédito.

A assimetria de informação, entretanto, é diversa dependendo da duração do período de amortização do financiamento e isso deriva no tipo de relações que estabelece o banco hipotecário com os demandantes de dinheiro-crédito. O fato de que a margem de intermediação hipotecária esteja correlacionada positivamente com a amplitude do ciclo de vida do crédito, implica que as relações com a reciprocidade bancária com os demandantes de dinheiro-crédito que “ganham o que gastam” se diluirão gradualmente à medida do avanço na hierarquia do fluxo de caixa daqueles que “gastam o que ganham” e se regerão, pelo contrário, por as condições quase-monopólicas dos bancos.

Se quando o banco hipotecário outorgar dinheiro-crédito está validando as eleições de localização das famílias (Abramo 2007, p. 232 e ss.), o ressarcimento da dívida com antecipação ao prazo combinado significa que os devedores acumularam mais riqueza, no sentido que suas previsões sobre o futuro de seus ganhos correntes melhoraram. Alternativamente, que a desconfiança na estabilidade das condições do contrato hipotecário pode modificar-se unilateralmente, caso no que o contrato de hipoteca reveste as características de um contrato incompleto que terminará por desequilibrar-se em detrimento de alguma das partes.

Essa desconfiança e não só a evolução da posição patrimonial do banco é a que conduzirá, unida a alguma exacerbação da imposição de condições quase-monopólicas à fração débil da demanda de dinheiro-crédito, é a que conduzirá paulatinamente a desbancarização dos mercados imobiliários residenciais. A velocidade com a que balança tal desbancarização depende do grau de profundização da desconfiança entre o público e da agudização da contradição imanente ao sistema hipotecário nascida do papel validante do dinheiro-crédito de eleições de localização que, quando entram em defecção, terminam validando um efeito preço negativo.

1.4 Os agentes da regulação urbana e financeira e da produção dos bens

públicos e residenciais

A cidade é a materialização das relações de produção, distribuição e consumo da

sociedade. É, portanto, um projeto coletivo para incrementar o bem-estar e o nível

de vida dos citadinos. A incomensurável diversidade de seus habitantes, de suas

visões do mundo e de seus interesses, faz da vida coletiva urbana algo enigmático

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em tanto sua unidade e coerência se mantém não obstante a persistência da

exclusão e a segregação urbana. Diferentes mecanismos de regulação da vida

urbana emergiram ao passo que a aglomeração metropolitana se alarga. No

presente parágrafo dedicarei atenção à regulação urbana e financeira exercida

através da intervenção urbanística que em nome do Estado realizam os governos

locais e à financeira que mediante o financiamento residencial em longo prazo

realizam os bancos hipotecários.

1.4.1 O governo local como agente da intervenção urbanística estatal

O governo local é uma extensão do nível central de governo, é seu agente no

território. O alcance de suas funções esteve sujeito à delegação que se realize do

nível central e, mais recentemente, ao grau de autonomia alcançado no marco do

processo de descentralização política, fiscal e administrativa. Os mercados, por sua

parte, operam em alguma escala territorial a que usualmente se denominou como

área de mercado que depende de que tão escasso é o bem ou serviço que ali se

transe e, portanto, de quanto o valorem os membros da sociedade. Os mercados

imobiliários residenciais se levantam sobre as regras que o Estado e seu agente no

território, o governo local, promovam através de alguma modalidade de intervenção

urbanística.

1.4.2 A organização dos mercados imobiliários pelas instituições urbanísticas

De forma complementar à Ação Coletiva Urbana, isto é, às instituições urbanas, a produção dos bens públicos urbanos configura a intervenção urbanística estatal. No Esquema 1.1 se apresenta uma sinopse desta noção. Embora a manifestação material dos bens públicos urbanos -a forma- é a parte conclusiva da taxonomia no Esquema 1.2, minha inclinação teórica conduzo-me a emprestar maior atenção a sua função na estruturação residencial urbana. É a partir dela que é possível a compreensão da diversidade das modalidades dos bens públicos urbanos, da incidência de suas manifestações materiais e da verificação de um ordenamento hierárquico em matéria de sua apreciação social. Com ela é possível conhecer a maneira como o capital imobiliário atua de cara às decisões públicas em matéria de sua produção (escala) e disposição espacial (localização). Sendo a tarefa fundamental do estruturador urbano a de complementar a estruturação residencial

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urbana através da produção das edificações privadas, em nosso caso as residências, e reconhecida sua dependência da produção dos bens públicos urbanos, é inerente a sua atividade a competência por antecipar melhor que outros participantes no mercado a intervenção urbanística estatal na matéria. Dessa prática se derivam uma parte de seus lucros extraordinários.

A ação coletiva urbana potência a individualidade antes que tentar acabar com ela. É verdade que a individualidade dos estruturadores urbanos pode regular-se, mais não necessariamente limitar-se, mas não terá que perder de vista do caráter minoritário deles embora sua influência monopólica sobre a estrutura residencial da cidade é inegável.

Em um ambiente laissezferista impuro sempre há “almoço grátis” para alguns estruturadores urbanos, pois, em efeito, o statu quo consiste em que os esforços coletivos realizados socialmente para a produção dos bens públicos urbanos, irremediavelmente são captados por alguns deles à maneira de sobre-lucros que emergem do incremento no preço do solo urbano que é objeto da intervenção urbanística estatal. É a omissão a forma complementar de intervenção do governo que subjaze a esse ambiente caracterizado pela permissividade que constrange a ação individual e que tomará corpo no enriquecimento sem justa causa dos que melhor antecipem suas decisões. A questão de quem decide a respeito, isto é, quando se configura o enriquecimento sem justa causa e quando não, é imanente a uma abordagem institucional da economia urbana, sendo muito difícil que outras versões ortodoxas e heterodoxas possam discernir a respeito com os instrumentos analíticos que propõem. No entanto a ação estatal é a outra forma de intervenção, a reforma urbana e suas regulações se desenham para controlar a astúcia desses agentes, de maneira que os benefícios e os ônus da urbanização se distribuam equitativamente. Mesmo para que o domínio sobre os bens imobiliários transcenda o atavismo da propriedade para erigir-se em função social e ecológica ao serviço da vida das pessoas, e que o interesse coletivo se imponha sobre o interesse particular para produzir uma cidade mais meritória e lhe incluam.

Não constitui paradoxo alguma que a ação coletiva urbana, desenhada para controlar e regular os comportamentos daqueles agentes que ao pôr em jogo sua vontade constrange a ação individual de outros, também seja objeto de antecipação por esses mesmos agentes, pois tal antecipação ocasiona, na maioria dos casos, um efeito semelhante ao da produção dos bens públicos urbanos -a elevação dos preços do solo urbano-, com a diferença radical que no primeiro caso são ocasionados pela produção coletiva de riqueza enquanto que no segundo é meramente um efeito de valorização de algum ativo imobiliário que já existia.

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Esquema 1.1

A intervenção urbanística estatal

Vejamos então de que maneira a intervenção urbanística estatal dá origem a quatro modalidades de mercados imobiliários residenciais. Da imbricação de alguma modalidade de regulação urbanística -a ação coletiva urbana ou o Código Napoleônico- com a responsabilidade -pública ou privada- na produção de acessibilidade e habitabilidade sobrevêm estas opções tal como se representa na Tabela 1.2. Do caráter ativo ou reativo da regulação urbanística se derivam várias implicações. No plano social, fica em jogo o suceder do modo de vida urbano; no econômico, a eqüidade e o crescimento urbanos e, no político, a igualdade de oportunidades e a legitimidade dos agentes que intervêm na reprodução dos sistemas.

A ação coletiva urbana se introduz então como par dialético da

permissividade e o privilégio para diferenciar a análise apoiada nos enfoques que

defendem a suposta liberdade dos atores do mercado da estruturação residencial

urbana, ou a ação de uma mão invisível descontrolada, da análise dos enfoques que

consideram que as transações em um mercado sem regras são inconcebíveis

(Commons 2003, p. 195-196). Desta última análise surge o institucionalismo radical

como opção teórica para estudar a maneira de liberar à pessoa e seus bens da

ameaça derivada do descontrole dos desejos humanos, que põe em perigo a

sobrevivência coletiva, o bem-estar geral e a unidade e a coerência da sociedade,

acautelando à cidade da usurpação do que lhe é mais caro, seus esforços coletivos,

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por formas modernas de pilhagem que o direito identifica como enriquecimento sem

justa causa dos particulares.

Tabela 1.2 Modalidades de mercados imobiliários residenciais

Responsabilidade na provisão de bens públicos urbanos Intervenção urbanística

governamental Pública Privada

Ação coletiva urbana

Planejamento urbano

Intervencionista radical Opções de

regulação urbanística Código

Napoleônico Laissezferista

impura Laissezferista

pura Fonte: Alfonso 2007

Entre as opções de regulação urbanística podem-se distinguir as que outorgam incentivos para o enriquecimento sem justa causa dos estruturadores urbanos, e as que propõem uma cidade mais virtuosa apoiada na partilha eqüitativa das cargas e benefícios do processo de urbanização. Dentro do primeiro tipo se encontram as que, inspiradas em uma deformação do Código Napoleônico, introduzem a noção dos direitos de propriedade do dono da terra, no mal entendido de que tanto o domínio como o direito de construir pertence-lhe. Por tanto, pareceria que ele está em liberdade de fazer e desfazer com o solo urbano o que tenha a bem, ou seja, usar e abusar do bem como sua vontade o indique; o laissezferismo impuro pertence a esta modalidade. A ação coletiva urbana é a outra modalidade de regulação urbanística a partir da noção de instituição que propõe Commons, que o distingue de outras correntes como o neoinstitucionalismo - até em sua versão funcionalista emergente (Chang 2006)-, para as que a noção de instituição é polissêmica, por não dizer ambígua (Nelson e Sampat 2001, p. 18):

Se nos empenharmos em encontrar uma circunstância universal, comum a todo o comportamento conhecido como institucional, podemos definir a uma instituição como ação coletiva que controla, libera e ampla a ação individual […]. A ação coletiva abrange toda aquela gama que vai do costume não organizado aos diversos interesses em marcha como a família, a corporação, a associação comercial, o sindicato, o sistema da reserva, o Estado. O princípio comum a todos eles é o major ou menor controle, liberação e ampliação da ação individual mediante a ação coletiva (Commons 2003, p. 191-192).

Para a economia urbana é cada vez mais difícil omitir esta dimensão crucial do desempenho econômico e social das cidades e dos agentes que operam nela. Até os economistas mais ortodoxos, aos que cabe chamar aceleracionistas, que consideram que o laissezferismo é o melhor caminho para melhorar o desempenho

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econômico, reconhecem que a demanda de instituições sobrevirá ex post, embora diferentes estudos tenham revelado os desacertos desta inclinação ideológica (Godoy e Stiglitz, 2004). Outros, a quem se denomina gradualistas, conferem à antecipação das normas e as regras o vigor para reconduzir o desempenho econômico por um atalho menos incerto. Em términos da discussão proposta, não é possível entender as interações dos agentes da estruturação residencial urbana sem a noção de instituição ou de regras de funcionamento na ação coletiva urbana mas, como se verá, o vigor e a astúcia de alguns estruturadores urbanos permitiram diferir tal modalidade de regulação até neutralizar a eficácia de grande parte de suas sanções.

As cidades de elevado crescimento urbano cuja regulação urbanística se inspira na aludida deformação dos privilégios, foram tiranizadas pela astúcia dos profissionais da antecipação, que se manifesta na grande magnitude das riquezas sem justa causa que recebem por suas transações com o solo urbano. E quando se alude à astúcia desses profissionais não se pretende menosprezar seus valores, sua capacidade para influir em outros para que atuem, evitem ou se abstenham (Commons 2003, p. 199). Essa é uma modalidade institucional de propriedade privada que repudiaram os economistas clássicos, como J. S. Mill, para quem era um meio para ceder aos profissionais da antecipação os frutos do trabalho e a abstinência de outros, rasgo indissolúvel do laissezferismo impuro. De maneira que o fim de seu par dialético, o planejamento urbano, é restaurar o controle da cidade para seus habitantes e assim garantir a igualdade de oportunidades de acessibilidade e habitabilidade a todos os cidadãos, e seu crescimento persistente. 1.4.3 Os bens públicos urbanos e suas funções No entanto a produção dos bens públicos urbanos enfrenta “o problema da coordenação das decisões descentralizadas de localização” (Abramo 2007, p. 108), o governo deve propor alguma ordem residencial futuro que seja compartilhado tanto pelos estruturadores urbanos como pelas famílias. Na medida em que tais bens têm um considerável valor individual e sua vida útil é bastante prolongada em relação com outro tipo de bens, a decisão sobre sua produção, que se concretizará no momento que fiquem imobilizados ao bem solo urbano, é crucial em tanto sua irreversibilidade.

Seguindo o enfoque da economia monetária de produção, o governo da cidade só poderá contar com a capacidade para realizar as distribuições de bens requeridas na medida em que recorra ao banco central que, por sua parte, terá que validar as antecipações sobre a futura ordem residencial urbana que garantem o

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pagamento do crédito. O crédito público adota essa forma como uma antecipação da participação da cidade nos maiores preços do solo que produzirá sua ação coletiva e dos impostos à propriedade atribuível à produção das condições básicas de acessibilidade e a habitabilidade urbanas. De maneira que um dês-balanço no pagamento do serviço da dívida que comprometa o orçamento público de outras necessidades sociais só pode originar-se no derrame de mais-valias urbanas fazia os proprietários do solo. Quando isto ocorre, a cidade laissezferista impura distribui “cargas e benefícios de maneira arbitrária” (Smolka 2003) e se converte em um poderoso instrumento de in-equidade.

A proposição de partida é que a cidade deve ser acessível para todos os cidadãos e os governos locais devem garantir sua disposição universal. A função de acessibilidade dos bens públicos urbanos é aquela que, como resultado da imobilização espacial e temporal de uma porção dos esforços coletivos dos residentes na cidade, potência a proximidade geográfica de diferentes lugares e com isso facilita a densificação da cidade e a interação sócio-espacial das pessoas. Mas a acessibilidade a todos os lugares da cidade não garante espontaneamente seu habitabilidade. Com tal propósito, a humanidade foi criando e satisfazendo novas necessidades a partir da inovação tecnológica: enquanto que a água potável não tem substitutos próximos nem longínquos e é indispensável para a preservação da vida humana, a energia elétrica começou a fazer-se necessária do mesmo momento em que ela foi inventada. A sua vez, o suceder do modo de vida urbano tem como condição a interação pacífica, ativa ou passiva, dos habitantes da cidade no espaço público urbano ao igual a seu acesso a outro tipo de bens que o distinguem do modo de vida rural: é o patrão de sociabilidade o que simboliza a superioridade cultural de seus moradores.

Como se aprecia na taxonomia sugerida no Esquema 1.2, as funções dos bens públicos urbanos que estruturam o espaço residencial urbano som, primeiro, a produção da acessibilidade e da habitabilidade e, posteriormente, as dos bens que promovem certo patrão de sociabilidade, cuja incidência sobre os diferentes lugares em que se dispõem é compreensível através do balanço de externalidades.

Tal incidência, que pode ser geral ou restrita, depende da escala e da localização-proximidade de tais bens no espaço urbano. Ela é compreensível mediante um balanço de externalidades. Quando é positivo, facilita a acessibilidade, promove a densificação e dota de equipamentos públicos a alguns lugares de tal ambiente e, quando é negativo, requer de uma quantia adicional de recursos públicos para a mitigação de seus impactos, a disposição universal dos bens públicos urbanos na cidade é condição inalienável para a instituição da cidadania. É

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por isso que a sociedade encarrega ao governo sua produção, sua disposição espacial e a custódia que os ampare de qualquer tentativa de apropriação privada.

Esquema 1.2

Os bens públicos urbanos como elementos constitutivos da estrutura residencial urbana

Não obstante que a disposição universal é imanente à noção de bem público, é crucial para esta argumentação reconhecer que a apreciação social das formas que assumam os bens públicos urbanos pode mudar com o transcorrer do tempo histórico. 1.4.3.1 A função pública de acessibilidade Em relação com o potencial de desenvolvimento do solo urbano e do valor que este alcança, seu principal determinante é a acessibilidade. A noção da acessibilidade se

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eleva à categoria de “princípio genérico de organização espacial” (Camagni 2005, p. 20) e, vinculado à mobilidade espacial de pessoas e recursos produtivos, permitiu levantar poderosos discursos sobre a competitividade urbana e regional. Mas é a leitura da acessibilidade como função a que me permite esclarecer a ambigüidade e a contradição em suas manifestações materiais, isto é, suas formas. A acessibilidade implica a superação das barreiras espaciais ao movimento das pessoas que, por sua vez, amplia o potencial de interação destas com as que habitam em outras vizinhanças e as possibilidades de desfrute dos equipamentos localizados nas vizinhanças próximas ou longínquas.

Lugares dificilmente acessíveis foram associados pela economia urbana ortodoxa a maiores custos de transporte e, por conseguinte, a dificuldades para a competência, enquanto que os mais acessíveis oferecem vantagens pelas que muitos agentes estão dispostos a competir, entre elas a de acessar a maior diversidade de bens que se conseguem no Distrito Central de Negócios. Da produção das redes viárias principais e complementares, de suas modificações e adequações, emanam rendas diferenciais do solo ocasionadas pela modificação da proximidade relativa entre diferentes lugares e, por conseguinte, destes na estrutura da cidade. Com isso, as famílias que demandam uma localização residencial podem encontrar vantagens ao situar-se em proximidade ao sistema viário principal, mas dela também derivarão efeitos indesejáveis como a poluição auditiva e visual, a congestão nas horas de alto fluxo de passageiros ou a maior probabilidade de envolver-se em eventos fortuitos indesejados de cidade. Essa é uma das razões pelas que o balanço de externalidades do bem público acessibilidade é decisivo na eleição de localização das famílias que, além disso, é factível de constatar verificando a correlação positiva existente entre tal balanço e o valor do solo.

Entretanto, também há uma forte inclinação das famílias de ganhos elevados a demandar vizinhanças com barreiras para o acesso que só algumas delas poderão franquear, pois isso lhes permite se localizar-se em proximidade a famílias de ganhos semelhantes o que, na aparência, garante-lhes o meio para a afirmação das identidades de seus membros em redutos para seu confinamento. A forma que facilita tal empreiteira é uma via confinante que, ainda sendo de escassa hierarquia na malha urbana, é indissolúvel dela. A partir de uma ordenação hierárquica das famílias pelo nível do ingresso que percebem regularmente e pela heterogeneidade na posse e uso de certos bens complementares, é possível inferir que o balanço de externalidades do bem público acessibilidade é afetado pela existência de bens complementares, pois, assim como técnicas de isolação permitem mitigar a poluição auditiva, um ou mais automotores particulares a disposição das famílias facilitam seu confinamento em outro tipo de vizinhanças.

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De maneira que se uma regra básica da operação do mercado do solo para usos residenciais é que a construção em altura é o resultado de uma decisão racional que é a de economizar esse recurso custoso (Levy 1997, p. 114), essa reflexão é um poderoso recurso para explicar a existência de um número crescente de vizinhanças nos que o balanço positivo de externalidades do bem público acessibilidade é muito elevado e, entretanto, a horizontalização do perfil residencial é seu rasgo distintivo do resto da paisagem urbana. Não terá que perder de vista que a produção da rede viária, ao igual à de outros bens públicos urbanos, requer de quantidades de solo de uso privado para mudar a solo de uso público para acolher essas estruturas. Essa mutação se realiza através de operações de mercado que, geralmente, mascaram-se sob a inadequada denominação de “cessões obrigatórias gratuitas”, gratuidades ou qualquer outra que aluda a uma atitude filantrópica dos proprietários do solo. A magnitude das cessões urbanísticas guarda relação com o patrão de sociabilidade que alcancem os residentes de uma cidade, logo a ação coletiva determina que elas sejam taxativas e daí sua obrigatoriedade.

1.4.3.2 A função pública de habitabilidade No momento no que a Ação Coletiva Urbana indica as diretrizes que orientarão o plano diretor de transporte e as quantidades de solo requeridas para construir as vias que garantam a produção da função pública acessibilidade, os preços do solo sofrem um incremento equivalente à capitalização das expectativas dos estruturadores urbanos sobre o potencial de desenvolvimento que tais decisões originaram. Mas é evidente que o novo potencial de desenvolvimento do solo não foi criado pela iniciativa nem pelo esforço dos estruturadores urbanos e que o incremento dos preços do solo se realizará no momento da edificação e venda dos ativos residenciais. A concreção desse potencial de desenvolvimento que se expressará em um determinado perfil ou silhueta das edificações residenciais requer de um esforço social adicional para que aqueles espaços agora acessíveis sejam habitáveis: a produção da bem maior água potável e ou saneamento básico. A provisão domiciliária de um bem imprescindível para a vida humana como a água potável que, além disso, não tem um substituto próximo ou longínquo, é a principal fonte do crescimento residencial e ainda comercial (Levy 1997, p. 115). Também as redes de saneamento básico - rede de esgoto pluvial e sanitário e coleta domiciliária de resíduos sólidos-. Outras necessidades que criou a sociedade foram resolvidas pela inovação tecnológica que chega aos domicílios através de sua conexão às redes de energia elétrica, telefonia fixa e inclusive tecnologias telemáticas e via satélites. Ao ser estendidas, estas redes vão contribuir a incrementar as

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possibilidades de densificação de certos espaços da cidade e proverão as condições para a realização do potencial de desenvolvimento do solo.

Por que um bem maior? É facilmente compreensível que existem notórias diferenças econômicas entre a água apta para o consumo humano que se conduz até os domicílios e a água que choveu. No entanto, entre uma e outra existam vínculos indissolúveis como o fato de que a água, em seu estado natural ao que se denomina água crua, é o consumo intermédio fundamental e insubstituível da água potável. E essas diferenças radicam precisamente em que é a mão do homem a que intervém sobre a natureza para prover da água potável às famílias em seus domicílios, intervenção que demanda a mobilização de quantidades crescentes de capital ao que a sociedade não pode, ulteriormente, dar usos alternativos. O capital que a sociedade atribui à provisão domiciliária da água potável vincula às famílias à bacia hidrográfica da que se abastecem da água crua e onde vertem a usada, vinculação onde se revelam um conjunto de tensões ambientais surtas da não convergência entre o ciclo natural da água e o ciclo do consumo humano da água. De um lado, a renovação da água crua é afetada quando não se realizam as tarefas básicas para a preservação das bacias hidrográficas. Do outro, a urbanização da população e a variedade de usos sobre a que gravita lhes impõe inexoravelmente majores pressione, de maneira que a preservação e a urbanização são os pares dialéticos em que resumo as tensões e contradições dos dois ciclos e cuja interação contribui a explicar parcialmente o suceder das cidades.

De maneira que a água potável é um bem desprovido das condições que o fariam um bem livre e, além disso, o apelativo de meritório o recentemente inteligível à luz do processo de urbanização da população. É outro tipo de bem que, segundo o exposto até o momento, possui uma dimensão ambiental associada à inquebrável regra da preservação da bacia ou do sistema hídrico: se a cidade que captar em algum lugar da bacia a água relativamente pura a verte sem tratar à bacia, depois dos diversos usos urbanos a que é submetida, essa carrega poluente que o sistema não está em condições de degradar vai constranger o aproveitamento da bacia por outras populações. Essa razão é pela que o lugar que ocupa sorte população na bacia faz da localização da boca toma uma decisão radical, em razão a que a água possui uma elevada relação peso/volumem que faz de seu transporte um lance muito custoso do ciclo de consumo humano.

O serviço público domiciliário da água potável - assim como seu complemento natural, a rede de esgoto sanitário - produz poderosas externalidades positivas para a população. Em primeiro lugar, a complexização das atividades humanas correlativa ao inesgotável processo de urbanização da população e a dilatação do espaço urbano com a conseqüente proliferação de domicílios,

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promoveu a difusão espacial das técnicas de distribuição domiciliária da água potável. O fluido permanente e apto para o consumo humano da água que se dispõe nos domicílios, assim como os caudais máximos suportáveis pela rede, são um poderoso sinal para que os estruturadores urbanos proponham novas vizinhanças e antecipem a intervenção urbanística governamental. Uma maior densidade originada na produção da habitabilidade modifica o preço do solo urbano convertendo-o em uma considerável sobre - lucro para o capital imobiliário. No entanto, a casa camponesa como os condomínios suburbanos que servem de segunda residência a algumas famílias citadinas também são acessíveis e habitáveis e, entretanto, não são parte da cidade, pois não revestem a característica da aglomeração que é simbiôntica ao projeto coletivo. Ao invés, na cidade também encontramos lugares dificilmente acessíveis e escassamente habitáveis que, não obstante, detêm densidades populacionais superiores às de outros lugares, produto da ausência de intervenção urbanística estatal que faz do projeto coletivo um poderoso instrumento para gerar iniqüidade e desigualdade.

Por possuir as propriedades de rivalidade e de exclusão no consumo, isto é que, assim como uma pessoa “não se banha no mesmo rio duas vezes”, o mesmo litro de água potável não pode ser ingerido por mais de uma pessoa, o serviço coletivo domiciliário reveste as características de um bem privado. Ainda seja disposto no domicílio do usuário residencial, este pode ser excluído a baixo custo pelo emprestador em caso de esquecer os pactos contratuais, mas, especialmente, o do pagamento periódico da fatura. Para prover do serviço ao usuário em sua residência, o emprestador tem que contar com a rede subterrânea que reveste as características de um bem público impuro, em tanto sua forma como o caudal que por ela transita são indivisíveis. Além disso, em princípio, não é congestionável a não ser que um usuário de certa vizinhança efetue um consumo excessivo que implique o racionamento das demais famílias ou, mais usualmente, que os estruturadores urbanos realizem um uso exacerbado do espaço construído superando as densidades suportáveis pelas redes principais e secundárias do aqueduto. Um uso comercial que consuma intensivamente água e que esteja inserido em uma vizinhança pode derivar no colapso da rede quando sua espessura foi pensada só para o uso residencial.

Note-se que a maneira como conduzi a reflexão permitiu-nos situar frente a uma dimensão transcendental do serviço público de aqueduto e de rede de esgoto sanitário, qual é sua insubstituível função produtora do bem público urbano habitabilidade. De maneira complementar com a acessibilidade, a habitabilidade transforma o solo em seu estado original a solo urbano, capaz de ser edificado para suportar as atividades humanas imanentes ao projeto coletivo para a elevação do

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nível de vida ao que denominamos cidade. A complementaridade dos bens públicos urbanos acessibilidade e habitabilidade é facilmente compreensível, pois, como já se disse, não basta com que uma rede viária permita o acesso cotidiano das pessoas a algum lugar para que possa ser habitado pois a provisão da água e o saneamento são ineludível em vista de tal propósito. Convém fazer a precisão de que não basta com que à vizinhança esteja vinculada à rede matriz da cidade e que as residências contem com a conexão domiciliária, pois isso não garante que a água potável este disponível para o consumo das famílias.

A produção do bem público habitabilidade se efetua sobre a base do aproveitamento das economias de escala inerentes à extensão da rede primária e secundária pela que flui a água tratada assim como a da rede de esgoto sanitário pela que se evacuam as águas residuais, sendo sua magnitude correlativa a aglomeração/densidade que proponham os governos locais nos diferentes lugares que conformam a estrutura espacial urbana da cidade. O transporte da água tratada supõe o aproveitamento da energia cinética da água quando a planta de tratamento se localiza por cima da cota média da cidade. Pelo contrario, a que se produz empregando a água crua das fontes que se encontram por debaixo dela e, de maneira notória, as metrôs, implicam maiores ônus operacionais representados no maior consumo de energia para o bombeamento do líquido. Mas a água tratada e apta para o consumo humano também pode ser conduzida até lugares dispersos afastados das aglomerações residenciais, ou localizados por cima da cota média da cidade, tanto para famílias de ganhos baixos cuja precariedade econômica não lhes permite acessarem a outro segmento de mercado do solo urbano como para o desfrute das famílias de maiores ganhos que estão em disposição de cobrir o sobre-lucro que lhe impõem os estruturadores residenciais urbanos, de maneira que os maiores gastos que desta opção se desprendem estão à disposição de todas as famílias, mas seus efeitos espaciais são diferentes.

A magnitude absoluta do crescimento do número de lares é o sinal fundamental da dilatação ou contração dos mercados locais dos serviços coletivos domiciliários e do aproveitamento de novas economias de escala pelos produtores da habitabilidade. Algumas especificidades como o tamanho do lar e a taxa a que se formam constituem uma pauta para determinar as características volumétricas do estoque residencial. No caso da água potável “as tecnologias até economiza desenvolvidas outorgam vantagens aos produtores de grandes volumeis e tende a excluir aos operadores pequenos” (Cuervo 1997, p. 138), razão pela que estas possibilidades estão reservadas só para aquelas cabeceiras municipais cuja variação populacional é positiva e de alguma magnitude, pois, em efeito, a volatilidade da população das formações sociais que avançam para a urbanização

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completa se vai diluindo à medida que os incrementos populacionais se concentram em cada vez menos lugares da rede de cidades. Neste estado da discussão já é plenamente compreensível à noção econômica da água potável como bem maior:

A prestação deste serviço tem repercussões sobre os mais variados campos da economia e da vida social, estendendo seu âmbito às condições básicas de desenvolvimento da produtividade social, da igualdade de oportunidades e do equilíbrio nas relações natureza-sociedade (Cuervo 1997, p. 158).

A consideração da água potável como bem major não só tem uma pretensão acadêmica. É transcendente para o desenho das políticas nacionais, regionais e locais orientadas a garantir sua adequada provisão, pois, em primeiro lugar, adverte que as noções de bem livre e meritório correspondem a um sentido comum insuficiente para dar conta cabalmente da natureza de um bem com maiores conotações socioeconômicas; em segundo lugar, sugere que tal insuficiência também aplica para a noção da eficiência microeconômica como mecanismo para avaliar o comportamento dos agentes envoltos em sua provisão sem esquecer, é obvio que a responsabilidade constitucional de sua provisão é inerente às finalidades sociais do Estado; e, por último, é uma categoria analítica que convida ao estudo cuidadoso da maneira como operam os mecanismos sociais escolhidos para a provisão da bem maior água potável e os que lhe permitem advertir aos usuários e aos emprestadores sobre a deterioração absoluta ou relativa nas condições de prestação do serviço. 1.4.3.3 A função pública de sociabilidade A sociologia sustenta que a sociabilidade se constrói dentro da malha das relações sociais. Por sua parte, elas são um acumulado histórico que expressa as opções assumidas por uma sociedade para manter algum grau de coesão, de maneira que é uma noção bastante próxima de a de coletividade a que, por sua parte, é inerente à órbita social do Estado. As mutações nessas relações acostumam detonar a incerteza social sobrevindo então brote de hostilidade que no meio urbano se tornam pandemias ante a omissão do Estado. A persistente perda do potencial de interação cidadã é correlativa ao incremento do a hostilidade cotidiana.

A materialidade disposta pelos governos para a interação da população urbana joga um papel decisivo na busca de um elevado patrão de sociabilidade. Alguns lugares da cidade seduzem os seus visitantes por sua qualidade urbanística que é perceptível pela existência, em primeiro lugar, dos elementos constitutivos do espaço público urbano e, seguidamente, de outro tipo de facilidades para a vida urbana. A apreciação social destes elementos muda no tempo e entre tipos de

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família. Um parque ou uma alameda podem ser referidos como o lugar de encontro para a interação passiva de pretensiosos indivíduos que, preocupados com ostentar sua capacidade de compra, adquire os bens simbólicos que ali se oferecem; mas um parque com características físicas semelhantes, com disposições urbanísticas da mesma índole, tende a ser menosprezado contemporaneamente pelos residentes dos bairros de famílias de menores ganhos ao ser referidos como o lugar de encontro para a interação ativa de desocupados que ali se organizam para delinqüir. Mas, com independência de sua apreciação social a qual pode ser modificada por uma ação de governabilidade, a existência dos elementos constitutivos do espaço público urbano é condição inalienável tanto para a estruturação residencial da cidade como para o desenvolvimento da cidadania.

Na compreensão da estruturação residencial urbana dediquei nossa atenção, até o momento, ao papel decisivo que nela desempenham as funções públicas de acessibilidade e habitabilidade. Recapitulando, são duas as razões que conduziram a isso: a primeira, é que são esses dois bens públicos os que lhe dão o caráter de urbano ao solo e, segundo, porque o agente que os produz, o Estado, tenta coordenar sua ação com os desejos dos estruturadores e das famílias tentando antecipar suas eleições e sendo também objeto das antecipações destes.

A provisão da função pública de sociabilidade não define nem a habitabilidade nem a acessibilidade urbanas e corresponde dentro desse processo de estruturação, a uma tensão ex-post entre a política urbana e a política social em que o estruturador urbano, pelo general, atua discretamente ainda quando em ocasiões se veja forçado a contribuir em sua produção. Em términos de uma economia de proximidades, “uma vez realizada no espaço a coordenação entre agentes, eles são levados a resolver dificuldades particulares” (Rallet 2002, p. 65). Quer dizer, o governo geralmente não interage com outros agentes da estruturação residencial urbana com uma oferta de bens que promovam a sociabilidade tal qual a sugerimos na taxonomia do Esquema 1.1. Quando o tentou fazer sem resolver seus desafios originais, acessibilidade e habitabilidade, seduzido pela imagem de uma espécie de enclaves urbanos a Tiebout, o resultado de sua ação foi a obra faraônica com transcendentais impactos negativos já seja em términos fiscais ou já na tiranização da distância social.

A proximidade de uma família a algum equipamento da vizinhança supõe, em princípio, um triunfo para todos os agentes da estruturação residencial urbana pois isso significa um no - custo de transporte que facilita a interação dos membros da família com os de outras que concorrem na demanda de sociabilidade. Mas resolver a dificuldade particular que significa a produção pública de algum tipo de equipamento da vizinhança implica outro desafio de coordenação dos agentes da

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estruturação residencial urbana que não é exclusivamente discernível através do mecanismo de preços. Se o balanço de externalidades das amenidades não se realiza meramente na esfera das externalidades pecuniárias, o mecanismo de mercado (o preço) é um instrumento precário para a coordenação dos agentes. É pertinente precisar, neste momento, que estamos abordando a noção de proximidade desde este último ponto de vista, o da coordenação dos agentes, e não em seu enfoque convencional como fator de competitividade territorial que, sendo de transcendência para outro tipo de análise, na nossa seria uma limitação pois reduziria a proximidade a “uma característica intrínseca do território” (Rallet 2002, p. 60). Por isso é que realizamos nossa aproximação ao balanço de externalidades de um bem sociabilidade desde seu significado para a coordenação dos membros das famílias em términos de sua proximidade organizada:

A proximidade geográfica é uma condição permissiva das interações entre agentes. Ela facilita seu estabelecimento e realização, mas não as transforma em interações reais, em coordenação efetiva, a não ser por meio do trânsito a uma “proximidade organizada”, embora mínima (sociabilidade de vizinhança, “efeito cafeteria” dos tecnopolos, etc.). Na maioria das vezes, essa transformação se opera graças a relações mais organizadas, tais como as que se estabelecem em um clube, em uma assinatura local, em instituições de educação, científicas, industriais, etc. Sem essas relações a proximidade geográfica permaneceria inativa (como o caso dos dois vizinhos de corredor ou de empregados de uma mesma assina situados em pisos diferentes que não se conhecem) (Rallet 2002, p. 68).

De maneira que se a proximidade geográfica favorece a interação espacial das famílias e, entretanto, isso não significa necessariamente interações reais, os novos elementos de coordenação espacial não podem escapar à necessidade de distinguir a gênese e as mutações que ocorrem nas relações induzidas pela dependência dos membros da família a uma organização, por seu alinhamento com uma determinada visão do mundo (ideologia) ou, em geral, pela “adesão de agentes a um mesmo espaço comum de representações, de regras de ação e de modelos de pensamento” (Kirat e Lung 1995, p. 212 citados pelo Rallet 2002, p. 68) e, com isso, estamos de cara a um marco analítico mais prolífico para a compreensão das interações sociais urbanas, o da proximidade institucional, relacional ou organizada. Ficou claro que a dificuldade particular que significa produzir os bens sociabilidade está longe de ser empregada como uma alusão pejorativa, pois, como se viu, é uma noção que empregada para sublinhar sua importância como elemento de coordenação espacial das famílias ex-post à produção das condições de acessibilidade e habitabilidade.

Propus uma leitura dos bens sociabilidade como conquista social em términos da massificação e democratização dos centros educativos e culturais de caráter público, da ampliação das possibilidades de acessar aos serviços de saúde

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fundamentais através de mecanismos não mercantes e, ainda, de uma forma de aproximação dos serviços do governo ao cidadão. Mas a emergência dos bens clube conota simbolismos que preconizam certa superioridade organizativa ou intelectual dos lugares que os albergam e da população que os usa e que detêm uma elevada disposição a pagar por eles.

É por isso que, em términos da economia de proximidades, a ação do governo, assim conte com instrumentos para excluir a algum tipo de cidadão do acesso a essas dotações, não se pode orientar por essa regra, pois, em situações nas que a dotação signifique algum tipo de interação, pode ser desejável a presença de free riders; mas é precisamente nessas situações nas que práticas organizativas automóvel-excludentes ficam de presente para propor os bens clube. Não basta, por exemplo, contar com a garantia de uma educação básica ou superior pública de qualidade para que famílias enriquecidas adotem um comportamento interesseiro ao matricular os seus filhos nessas escolas. Em efeito, os estabelecimentos educativos privados oferecem vantagens adicionais para elas como a interação de seu capital social -seus filhos- com os de famílias de ganhos semelhantes. No entanto, a criação e consolidação de certos valores distintivos do resto da cidade e o fortalecimento de proximidades lhes relacionem com as que são possíveis antecipar seu acesso e permanência nos lugares crave da tira de decisões públicas e/ou privadas que se conhecem como o “efeito lanchonete”.

A densidade de população é, aparentemente, a variável fundamental que se consulta para tomar a decisão sobre a provisão das dotações da vizinhança, pois, em efeito, certa racionalidade indica que dessa maneira se alcançam economias de escala e de alcance com o que o mapa das dotações locais é correlativo ao da distribuição da população no espaço. Mas, algo que não é tão evidente, é a modalidade dessas amenidades assim como sua escala. Elas guardam uma relação ainda mais estreita com o tipo de famílias da vizinhança, o que é totalmente coerente com a natureza das proximidades que lhe interessam à vizinhança e é a razão para que as vizinhanças se mostrem reticentes a acolher certo tipo de dotações. Esse raciocínio aplica igualmente a aqueles bens públicos urbanos cuja incidência é identificável como portadora de um balanço negativo de externalidades. 1.4.4 A Ação Coletiva Urbana A existência social de um agente como o Estado se deriva da indeclinável necessidade social de produzir as funções públicas de acessibilidade e habitabilidade urbanas e, ulteriormente, dos bens que promovam diversas formas de sociabilidade. O capital requerido, por sua natureza, é inalcançável por qualquer

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agente privado, pois sua lenta rotação, além das consideráveis magnitudes requeridas e da ausência de um uso alternativo que permita discernir com superioridade sua eficiência econômica, faz desse capital um valor que só se pode mobilizar com a realização de esforços coletivos que o Estado é o chamado a coordenar. Há mais de uma possibilidade de ação coletiva, pois ela é motivada por imaginários coletivos que podem originar-se nos movimentos sociais, no popular mimético e obviamente no político organizado. Entretanto, para guardar coerência com a esfera do público na provisão das condições básicas -os bens públicos- para a construção de uma ordem urbana, aqui se enfatiza na ação coletiva urbana inerente às formas de intervenção urbanística do Estado.

Em um ambiente laissezferista impuro a riqueza resultante desses esforços coletivos, neste caso, a geração de solo urbano com algum potencial para ser construído, é apropriada pelos estruturadores urbanos de maneira particular sem mediar ressarcimento econômico ou social algum ao executor de tais esforços coletivos, o Estado em nome da sociedade. A desigualdade na apropriação das riquezas geradas socialmente dá lugar à exclusão urbana sendo a segregação sócio-espacial a estampagem indelével de uma época em que o enriquecimento sem justa causa se materializou nas sobre - lucros de alguns agentes, ao passo que o empobrecimento urbano assume a forma das precariedades residenciais. Seguindo a reflexão espacial da sociologia bourdiana, a ausência de riqueza ata às pessoas a um lugar, de maneira que liberar às pessoas dessas ataduras exige de uma intervenção deliberada ao que os agentes imbuídos no ambiente laissezferista impuro se opõem. A instituição urbana, seguindo ao Commons, é a ação coletiva que controla e regula aos estruturadores urbanos profissionais da antecipação e a quem os segue, e cujo fim é a ampliação da ação individual dos residentes na cidade.

Nessa ação coletiva urbana se imbrica o planejamento urbano com os instrumentos de gestão urbana, de regulação em se mesma e de financiamento para garantir a universalização das funções públicas urbanas de acessibilidade, habitabilidade e sociabilidade, com as que são possíveis alcançar melhores resultados sociais que com a mera intervenção da mão invisível descontrolada do ambiente laissezferista impuro.

A natureza de cada conjunto de instrumentos de intervenção assim como a engenharia institucional inerente a cada um deles, tal como se ilustra na taxonomia do Esquema 1.3, é compreensível em sua disputa teórica com os mecanismos do laissezferismo assim como na eficácia social de seus resultados.

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1.4.4.1 O planejamento urbano O planejamento foi assumido como uma disciplina nascida da necessidade de atuar, isto é, de encarar problemas associados inicialmente ao desenvolvimento. Em seu suceder, apareceram substanciais preocupações “tais como a legitimidade, inclusão, dominação e qualidade da argumentação” (Mantysalo 2005, p. 317). Como questões centrais inerentes ao planejamento a escala global se acostumam discutir suas relações com a economia em suas diferentes escalas - global, nacional, regional, urbana e intraurbana-, com a preservação do meio ambiente e com o processo de tomada de decisões (Stiftel e Watson 2005, p. 25-26). No campo do urbano, uma das ênfases é o dos usos do solo e as tentativas para o planejamento das cidades com usos mistos e densidades de ocupação (Grant 2005, p. 30-35).

A diferença de outras noções como a planeação ou a planificação, a do planejamento envolve uma dimensão temporária e uma dimensão anticipativa do Estado às ações de outros agentes que intervêm na produção de uma ordem sócio-espacial urbano. A planeação é um exercício de programação de algum tipo de intervenção que, quando é propiciada pela iniciativa privada, implica a identificação de uma visão de futuro que orienta as ações e omissões dos participantes. O planejamento é um exercício de caráter preventivo através do que se identificam localizações indesejáveis em razão do risco que implica para a população ou da fragilidade de algum componente da estrutura ecológica principal que é desejável preservar. Com o planejamento urbano se alcançam outros fins diferentes em tanto as intervenções do Estado -ações ou omissões- não são inócuas, neutrais ou assépticas.

A produção de bens públicos produz riquezas enquanto que a regulação produz valorizações de ativos imobiliários já existentes. Posto que essas riquezas e essas valorizações não sejam possíveis a não ser mediante a intervenção urbanística estatal, a participação do Estado em uma proporção do que gerou é absolutamente legítima. A ordem socioeconômica e espacial proposta é, desde esta perspectiva, um processo ativo de transferência de riquezas.

Ao planejamento urbano lhe são indissociáveis os instrumentos de gestão, de regulação e de financiamento. Os planos diretores das cidades ou planos de ordenamento territorial urbano integram este conjunto de instrumentos para propiciar uma ordem convencionada de forma um tanto mais participativa que o da imposição de regras quase-monopólicas privadas, de maneira que ditadura espacial é superada pelo acordo dos objetivos e diretrizes para alcançar uma ordem urbana.

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1.4.4.2 A gestão urbanística A gestão urbana é uma ação urbanística governamental que permite obter melhores resultados que a ação individual dos estruturadores urbanos a três níveis: a escala, a clarificação de direitos e a supressão das barreiras que impedem o desenvolvimento. É, além disso, uma prática rotineira de acompanhamento e de manejo que os urbanistas do Estado realizam para enfrentar os desafios operativos que lhes assinalam as políticas urbanas. Em tanto a escala da intervenção, a que propõem os estruturadores urbanos de forma individual sempre serão de menor capacidade que as que se alcançam com os instrumentos de gestão. Esta desvantagem das intervenções individuais dos desenvolvedores urbanos foi reconhecida pelos teóricos da economia espacial neoclássica (Fujita et.al. 2000) que, entretanto, teimam em promover uma ordem segregada a partir da ditadura espacial das bid function rent (Fujita 1989, p. 14-15).

O estruturador urbano é um agente interessado em realizar as obras de adequação dos terrenos e a edificação dos ativos residenciais em um prazo tão efêmero como a velocidade de rotação de seu capital imobiliário o permita. A escala do terreno ao que opera geralmente é tão baixa, pois se abstém de realizar adequações maiores em tanto sabe que a ampliação da escala conota maiores riscos. Inclusive aqueles estruturadores que conseguiram antecipar a intervenção urbanística governamental acumulando grandes extensões de terrenos urbanizáveis, adéquam e edificam por etapas até que saturam tais terrenos com ativos residenciais.

Aos planos parciais de desenvolvimento, como aos planos locais e às unidades de atuação urbanística lhe são inerentes maiores riscos, pois a escala das operações é maior que as de quão terrenos aspiram a adequar e construir os estruturadores urbanos, o qual é suportável, pois a maximização do ganho adota a forma dos maiores beneficios sociais que se materializam, por exemplo, em menores custos unitários por metro quadrado da cimentação e urbanização dos terrenos.

Quando as pessoas que exercem o domínio sobre terrenos envoltos na operação resistem a participar, são conscientes de que a propriedade é uma barreira para o desenvolvimento da cidade, pois estão convencidos que como direito a mesma não reveste obrigações. Este é outro rasgo distintivo do laissezferismo impuro. Mas como a propriedade é uma função social e ecológica, eles terão que declarar-se satisfeitos com os lucros normais, a costa de submeterem-se a se mesmos e à cidade ao penoso julgamento de expropriação por via administrativa. A alienação forçosa, e ainda a alienação voluntária, são instrumentos que permitem superar a menor custo essa dificuldade que constrange a ação individual de quem

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aspira a um ativo residencial nessa vizinhança. Mas ainda, a cooperação entre partícipes é um mecanismo mais democrático, pois é o interesse da maioria o que prima sobre o interesse particular o de quem exerce o domínio sobre o 49% ou menos da extensão da superfície e se opõem a seu desenvolvimento em busca de lucros especulativos.

A clarificação dos direitos de propriedade é uma função que geralmente atribui às instituições que precedem à configuração dos mercados. Quando é a partilha eqüitativa das cargas e benefícios da urbanização o que fica em jogo, a gestão urbanística é mais dúctil que o mecanismo microeconômico dos preços, pois, em presença de assimetrias de informação, a atribuição resultante pode ser perversa. Não é por acaso que o reajuste de terras e a integração imobiliária tenham sido utilizados com regularidade e aperfeiçoados em um país no que o solo urbano que é escasso, física e economicamente, é submetido a uma persistente pressão populacional e, além disso, à dissolução das fronteiras da propriedade territorial urbana em razão das seqüenciais devastações a que foi submetido: o Japão. A produção de terrenos de reserva com cujo valor é possível cobrir as cargas urbanísticas no reajuste de terras, é a expressão material das riquezas geradas coletivamente que, no caso da integração imobiliária, adotam a forma de um maior índice de edificabilidade.

1.4.4.3 A regulação urbanística Tratando-se dos monopólios naturais, a regulação desses mercados persegue desculpar de algum jeito sua ineficiência econômica estrutural para propiciar um ajuste por quantidades. Quer dizer, que através de seus instrumentos é possível simular uma situação de mercado semelhante à de competência perfeita para que a que a oferta dos monopólios, de maneira simultânea, racione seu excedente para que se incremente o do consumidor. Mas a regulação cumpre outras funções como a de evitar o abuso da posição dominante que podem exercer certos monopolistas quando seu poder de mercado lhes permite praticar preços de exclusão, quer dizer, preços que não permitem cobrir os custos das assinaturas potencialmente competidoras e, com isso, ampliar as possibilidades de impor um maior mark up à demanda.

A regulação urbanística propõe o alcance de padrões urbanísticos que propiciem uma cidade com um elevado patrão de qualidade de vida que, de outra maneira, dificilmente poderia obter-se, pois a mão invisível descontrolada o é precisamente porque não conhece regulações distintas às que impõe o mesmo mercado mediante o mecanismo dos preços. A questão é que diferenças na

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asignação surgem entre a ação de um estatuto urbano ou o de certo regime de preços? Certamente que umas áreas protegidas pela regulação urbanística seriam desenvolvidas pelo mercado imobiliário, que um edifício com valor patrimonial seja ereto em uma torre de apartamentos ou que as cessões urbanísticas à cidade sejam de tão má qualidade que se constituam em uma carga adicional para ela. Em sentido contrário, a modificação de certos usos do solo a outros mais rentáveis é algo desejável, sempre que se moderem as externalidades negativas das novas atividades.

Se desenvolver um bem com elevado valor ambiental para os cidadãos é privilégio de alguma facção do capital imobiliário, seu amparo para o desfrute coletivo é um direito inalienável sob a tutela e o controle do Estado. A regulação urbanística, neste caso, é preventiva como são as regulações que por regra general promovem uma ordem diferente ao da mão invisível descontrolada, de maneira que com isso se evitam os privilégios e o risco moral a que suporta a regulação casuística, usualmente conhecida como a captura do regulador. Se esta última opção ficou enclausurada por tratar-se de uma regulação indicativa e não intrusiva, aos agentes que operam nos mercados imobiliários urbanos solo fica a opção de antecipar a ação coletiva urbana a que nos referimos como instituição, se seu interesse for não perder as sobre - lucros que captaram durante o laissezferismo impuro.

A interdependência dos estruturadores urbanos tem implicações variadas que provêm de operar em um ambiente de incerteza e de sua capacidade de antecipar o conteúdo da regulação urbanística. Tal capacidade não emerge da sofisticação de métodos de predição, como se de sua capacidade de mobilizar o capital imobiliário para o solo urbano com antecedência a que ocorra a norma, isto é, a produzir riquezas como se ainda operasse em um ambiente laissezferista impuro.

As normas urbanísticas estruturais que acautelam sobre o solo urbano e seus usos, a produção de solo público, o amparo de bens ambientais e de valor histórico para a cidade, são normas quase-estaturarias urbanas que posteriormente são desenvolvidas por normas urbanísticas de caráter geral e de caráter complementar. As normas urbanísticas generais criam direitos assim como também impõem obrigações, na medida em que os bens residenciais privados que se edificam na cidade se erigem com apóie na existência de bens públicos. As normas urbanísticas complementares se dirigem para aqueles bens privados que tentam escapar ao princípio da função social e ecológica da propriedade como também para os que revestem alguma meritoriedade urbana, isto é, que sua produção e circulação social são desejáveis a costa de algum esforço coletivo.

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1.4.4.4 O financiamento do capital público urbano O laissezferismo impuro é uma forma de operação dos mercados imobiliários no que os agentes que ali participam promovem cotidianamente a desvalorização do capital público sob modalidades como sua provisão a fundo perdida. Tal modalidade é uma forma perversa de impedir a reprodução de um capital que, como qualquer outro, tem que circular em função da criação de uma cidade com um elevado patrão de sociabilidade, isto é, em que os rasgos da segregação sócio-espacial não sejam tão evidentes como os perseverantes. A contradição é evidente. Enquanto o capital público não se reproduza, a produção de bens públicos urbanos se constrangerá ao ponto de estrangular a oferta de bens imobiliários residenciais pela escassez física e econômica de solo urbano. O enriquecimento sem justa causa dos agentes mais ávidos de sobre - lucros equivalerá às perdas sociais urbanas que tomam corpo na exclusão e na segregação sócio-espacial urbana.

Quando a circulação do capital público urbano tomado à forma de tributos ao maior valor dos ativos imobiliários originados na intervenção pública, pode surgir a tentação de querer restaurar para o governo a totalidade do maior valor não produzido pelos privados. Entretanto, esses tributos estão sujeitos a regras da fiscalidade como qualquer um, em especial, à regra da elasticidade da cobrança que implica que um tributo à margem tem uma elevada probabilidade de que não seja pago, ocasionando isso sua ulterior dês-moralização. Tal incidência, que pode ser geral ou restrita, depende da escala e da localização-proximidade de tais bens no espaço urbano.

No planejamento urbano os quadros da fazenda pública local são quem emprega os instrumentos de financiamento da intervenção urbanística para antecipar a ação anticipativa dos agentes privados e, com isso, contribuem a garantir a reprodução do capital público urbano. Quando omitem fazê-lo, como no ambiente laissezferista impuro, criam privilégios a particulares.

Assim tenha que circular como corresponde a outros tipos de capital, o capital público urbano não lhe é atribuível nenhum ganho, razão pela qual sua desvalorização o distingue de outras modalidades. Esse capital desvalorizado se expõe, como nenhum outro, ao risco de uma depreciação física que não guarda a mesma relação com a vida útil como se pode ocorrer com o capital produtivo privado. Depois de fixar-se ao solo, o capital público urbano carece de um uso alternativo, de maneira que as regras da eficiência, pelo menos desde esse instante, tampouco operam como se pode ocorrer com o capital privado. Estas razões fazem do financiamento do capital público urbano uma tarefa impopular para os governantes que, em altares da reprodução de seu capital político, tendem a

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incrementar sua desvalorização como se operassem em um ambiente laissezferista impuro, quer dizer, assumindo a deterioração real dos tributos à valorização não ganha do solo a costa da redução na oferta de bens públicos urbanos.

Enquanto que a contribuição de valorização é um mecanismo de financiamento dos bens públicos urbanos que equivale a um pagamento antecipado dos incrementos no valor de mercado dos ativos imobiliários que eles originam, a mais-valia urbana é uma participação do Estado ex-post a sua intervenção urbanística. Os enguiços do Estado aparecem no primeiro caso quando não se produzem os bens públicos objeto da contribuição e, no segundo, quando se havendo realizado a intervenção urbanística o Estado não participa dos incrementos que ela ocasionou nos preços do solo urbano. Outro enguiço pode ocorrer quando esses tributos já tiveram lugar e, ulteriormente, as famílias têm que voltar a ressarcir ao Estado por mecanismos como as tarifas do serviço de aqueduto e rede de esgoto nas que, de fato, solo poderia incorporá-los cargos de reposição das redes.

Incentivos como as compensações urbanísticas, os direitos especiais de construção e as notas promissórias da reforma não são uns privilégios a privados a não ser um não imposto que deve retribuir-se à cidade na conservação do patrimônio histórico material ou na renovação de um parque imobiliário de elevado valor simbólico.

1.4.5 Uma nota sobre as novas formas do laissezferismo impuro Variadas e persistentes transformações vêm ocorrendo na ordem sócio-espacial que suportam as cidades. Este trabalho pretende contribuir um marco analítico alternativo para compreendê-las. Ao concluir seu estudo se pôde coligir que, ao menos na matéria que se tratou dificilmente um mercado imobiliário residencial está em capacidade de substituir, assim seja parcialmente, à intervenção urbanística estatal. Nos términos do Keating (2003, p. 65-66), “os mercados se por acaso solos não podem substituir ao governo”. Mais ainda, a intervenção urbanística estatal precede à formação de tais negociados.

Isso ocorre ao passo que novas formas de gestão urbana vêm aparecendo com ímpeto, à maioria delas amparadas no discurso monofônico da competitividade urbana. Se a vantagem comparativa, por exemplo, surgiu da verificação da mesquinharia da natureza ao distribuir abundância e escassez de maneira irregular por todo o planeta, a vantagem competitiva lhe aconteceu ao incorporar o homem sua capacidade criativa e de inovação ao processo econômico; mas a vantagem colaborativa (Font 1997 chamado pelo Abramo e Rodríguez 2005, p. 31) é a forma contemporânea com a que capitais privados em busca de valorização se associam

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com capitais públicos sob a forma de convênios público-privados para produzir, por regra general, bens clube urbanos.

Enquanto que a entidade pública está obrigada a prestar contas ao público, seu sócio privado não o está e enquanto que o privado pretende a valorização de seu capital ao capital público lhe está vedada tal opção. De maneira que estes convênios luzem desequilibrados desde seu início e estão expostos à incerteza e, portanto, a assumir a forma de um contrato incompleto, logo a regra para assiná-los é a obtenção do maior rendimento social do capital público mobilizado. A vantagem colaborativa implica alcançar consensos sobre o destino dos investimentos público-privados orientadas pelo critério da competitividade. A intervenção urbanística estatal os persegue igualmente mas a respeito de uma questão mais transcendente: uma ordem socioeconômica e espacial. De maneira que as tensões em matéria da atribuição do capital público urbano aparecem hoje em dia como cortina de fundo da disputa mercantil por uma estrutura urbana em mutação. A forma em que se dirime tal disputa e, por conseguinte, a dissolução das tensões recai, indevidamente, no esclarecimento dos objetivos da intervenção urbanística estatal.

1.5 A banca central A incorporação das formas de circulação da moeda ao campo da estruturação residencial e da produção de uma ordem urbana implica o levantamento de um ceteris paribus que vai ocasionar a ampliação do horizonte analítico da economia urbana a um campo evitado pela Síntese Espacial Neoclássica: o da capacidade de a política monetária de incidir na intervenção urbanística estatal, isto é, de propiciar um ajuste ativo em variáveis que afetam a distribuição da riqueza urbana.

Ao Banco Central lhe atribuiu tradicionalmente a função de servir de banco ao governo e aos bancos privados, em nosso caso, aos hipotecários. Com a quebra de onda mundial que impulsionou a idéia da conveniência da separação da direção política da moeda da direção da política fiscal, isto é, com a emergência dos bancos central independente, deu-se a entender que os déficits do governo já não seriam bancados com emissões monetárias. Com isso, o controle monetário facilitaria o controle da inflação e, de forma subseqüente, honrava-se a função de preservação do poder aquisitivo da moeda nacional. Mas tal preservação concerne às mudanças significativas e persistentes no nível geral de preços da economia que, por sua parte, refere-se a aquela cesta de consumo de bens perecíveis, semiduráveis e duráveis nos que não se conta a residência, a não ser os gastos atribuíveis à mesma e o cânon de arrendamento.

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Acaso uma elevação do preço de mercado dos ativos residenciais poderia considerar-se como inflação? Isto é está em capacidade a política monetária de propiciar um movimento geral nos preços dos ativos residenciais? E, de ser afirmativa a resposta é isto transcendente quanto à transferência de riquezas da estruturação residencial urbana? Se qualquer tipo de estimativa que considere a oferta monetária ampliada como variável explicativa dos movimentos dos preços dos ativos residenciais goza da potência explicativa e da suficiência estatística dos parâmetros estimados, isso não é mais que um indício mais do papel da moeda nos movimentos dos preços dos ativos imobiliários residenciais.

A leitura do papel do Banco Central na estruturação residencial urbana provém da noção do circuito urbano da moeda proposta pelo Abramo (2007, p. 266) que, por sua parte, inspira-se nas tese dos circuitistas a respeito da criação e destruição da moeda. A existência de dois circuitos urbanos da moeda provém da articulação da moeda ao tipo de riqueza produzida e a sua forma de circulação. O desembolso do crédito externo contratado pelo governo para o financiamento da produção dos bens públicos urbanos é a abertura do primeiro circuito, enquanto que a amortização e o pagamento do serviço da dívida é o fechamento.

A contratação do crédito externo se justifica quando a envergadura da intervenção urbanística o exija e não existam mecanismos internos para financiá-la. Mercados de capitais nativos com algum grau de desenvolvimento oferecem maior governabilidade interna às políticas de retenção de riquezas. Quando não existem, produzir riqueza devendo é uma excelente opção sempre que uma porção dela permita fechar o circuito, o que se consegue com a imposição de tributos não confiscantes ao maior valor do solo urbano e a outros ativos residenciais beneficiados com a intervenção urbanística estatal tais como as melhoras na acessibilidade e habitabilidade urbanas. Portanto, o nível do encargo não poderá ser inferior à taxa de juro a que o governo contrate o crédito.

Esse circuito urbano da moeda bem poderia denominar-se como o circuito da riqueza, em contraste com aquele que logo que ocasiona um incremento espúrio nos preços dos ativos imobiliários residenciais ao que denominamos como o circuito especular. O da riqueza sempre antecede ao especular, ainda no pensamento dos agentes interessados na antecipação da intervenção urbanística estatal. Se os bancos hipotecários validarem as eleições de localização das famílias, suas operações de redesconto com o Banco Central são a materializações da validação de suas validações. Note-se que o Banco Central não valida eleições de localização residencial no primeiro circuito, mas se as que realizam o governo local concernentes à fixação do capital público ao solo.

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Um dos rasgos distintivos do laissezferismo impuro é a prolongação no tempo da abertura do circuito da riqueza em razão das limitações dos governos locais para arrecadar os recursos requeridos para seu fechamento; isto é, que as somas apropriadas de seus ganhos correntes para o pagamento do serviço da dívida, originadas na permissividade ou omissão estatal, constrangem o orçamento de investimento para a produção de bens públicos urbanos na mesma quantia do enriquecimento sem justa causa dos particulares. Por sua parte, o circuito especular ajusta o ingresso individual das famílias oportunistas, mas não a riqueza individual ou social, pois sempre se alienarão ativos residenciais produzidos previamente só que a um maior preço.

1.6 Interação complexa dos agentes para a produção de uma ordem urbana e

o laissezferismo impuro como determinante da segmentação residencial e a segregação sócio-espacial urbana

Que os lares com chefia feminina têm mais probabilidades de ser pobres que aqueles cujos chefes de lar são homens e que a deficiência das capacidades individuais para confrontar o mundo do trabalho são os consensos mais divulgados a respeito das causas da pobreza. Em relação com uma de suas manifestações mais conspícuas, a segregação sócio-espacial urbana, me propondrei agora em demonstrar que a autentica causa da pobreza urbana é a persistência do laissezferismo impuro como instituição ao calor da que interagem os agentes para distribuir de forma desigual às riquezas produzidas coletivamente.

Uma superficial análise da evolução histórica da provisão domiciliária do serviço de aqueduto permite identificar um mito de vida dura e resistente que, à maneira do Poulantzas, revela-se contra as explicações do sentido comum às que se denomina consenso como às mencionadas inicialmente. Tal mito, em seu sentido fundamental, consiste em que, com o suceder do tempo histórico, as mulheres solucionam de maneira substancialmente mais eficaz as precariedades em matéria de acesso ao bem maior água potável que os homens. Provavelmente isto se deva à pressão da necessidade pois é bem sabido que o maior consumo de água pelas mulheres suporta à adoção de mínimos infranqueáveis que os homens se podem ultrapassar.

Novamente o bem major aparece sublinhado para enfatizar que, de ser isto assim como efetivamente o é, a maior parte das mulheres têm melhores possibilidades de confrontar os desafios que lhe impõe a sociedade que aqueles homens cujo desenvolvimento psicomotriz fora perfurado da infância pelo consumo de água não apta para o consumo humano. Mais ainda, esse consumo de água

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determina o desenvolvimento psicomotriz da pessoa que, por sua parte, precede ao desenvolvimento das capacidades individuais das pessoas.

De maneira que a pobreza quando há chefia feminina ou em precárias capacidades individuais é uma manifestação conjuntural de um problema estrutural qual é a persistência de um marco institucional que promove a exclusão dos benefícios do crescimento de grandes massas de citadinos e a desigualdade na distribuição da riqueza produzida coletivamente: o laissezferismo impuro.

1.6.1 Interação dos agentes e estrutura residencial urbana A estruturação residencial urbana é produto da interação complexa do conjunto de agentes cujas motivações e interesses diversos devem coordenar-se para que as tensões próprias de sua convivência em um projeto coletivo se resolvam de maneira pacífica. E o campo mais adequado para abordar tal desafio intelectual é o da economia institucional urbana em que os agentes que intervêm na estruturação residencial urbana fazem eleições pondo em jogo sua própria vontade e sua capacidade de discernimento. Esse enfoque se diferença de uma em que os atores se comportam como autômatos seguindo o guia da trama da vida que foi atribuída em algum modelo, mas, além disso, o critério de recorrência dos intercâmbios entre agentes implica sua satisfação ao calor de umas regras instituídas que o precedem. De maneira que são as regras as que instituem os mercados.

A intervenção dos agentes da estruturação residencial urbana se desembrulha no Tempo e fica sobrecarregada no espaço (Lefebvre 2004, p. 44-45). Durante o transcurso do tempo histórico, a cidade cresce de forma paralela à geração de riqueza da sociedade (Simmel 1976, p. 20). Sua estrutura espacial revela não só as desigualdades na apropriação dessa riqueza como também a compactação de certos lugares e a difusão desigual das inovações imobiliárias residenciais com que ela se levanta movimento a - sincrônico ao que Pedro Abramo se refere com a metáfora da cidade “com-fusa”. Quando a destruição criativa (Schumpeter 1997, p. 77-214) do capital imobiliário destrói ativos residenciais em desuso e, ainda, com parte do estoque em boas condições de habitabilidade, a cidade se renova só parcialmente como quando algumas páginas de um texto antigo se reescrevem para o desfrute das gerações vindouras: é a cidade palimpsesto. Mas a estampagem da ação desses agentes e que é virtualmente imutável dentro do cambiante, é a segmentação material e social a que submetem à cidade, rasgo singular que permite inferir a respeito da virtuosidade da regulação urbanística: é a Cidade Segregada.

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A economia institucional urbana propõe que aos agentes é imanente uma personalidade que “consiste em todas as diferenças entre indivíduos em seu poder de indução e em sua resposta aos estímulos e as sanções” (Commons 2003, p. 199), critério que encaminha o pensamento sobre a cidade para uma reflexão radical a respeito da maneira de como a vontade de algum agente se impõe sobre a de outros, interação conflitiva que se tenta explicar a partir da compreensão do presente histórico no que se cobrem as antecipações feitas por esses agentes no passado e as que se realizam sobre o futuro, justificação que, por sua parte, desembaraça a possível ambigüidade na noção de instituição que se acolhe e que a concebe como “ação coletiva que controla, libera e amplia a ação individual”:

Portanto, a ação coletiva é mais que o controle da ação individual: é, pelo mesmo ato de controle, como indicam os verbos auxiliares mencionados, uma liberação da ação individual da coerção, a coação, a discriminação ou a competência desleal de outros indivíduos (Commons 2003, p. 195).

O postulado segundo o qual a produção do potencial construtivo é resultado exclusivamente dos esforços coletivos, tem a capacidade de orientar o início da reflexão sobre tal interação com a idéia de que são as instituições as que criam os mercados (Keating 2004, p. 65-66). Duas razões explicam a no sustituibilidade: a primeira é que “o desenho de novas instituições e o fomento da participação democrática” são tarefas incompatíveis com uma visão do desenvolvimento obstinada a uma visão residual do público. A segunda, é que é no âmbito estatal onde se concreta a produção de bens públicos urbanos indispensáveis para tal desenvolvimento. Em efeito, suas exigências quanto aos montantes globais a ser investidos, sua considerável duração e, conseqüentemente, o prolongado período de rotação do capital investido em relação com o de outras atividades produtivas, são condições infranqueáveis para o capital privado individual. Estas são, segundo nosso entender, as funções básicas que o governo cumpre para manter a unidade e coerência das sociedades em via de “urbanização completa” (Lefebvre 2004, p. 15). E essa unidade e coerência se alcançam ao redor do projeto coletivo que denominei como cidade na medida em que as diferenças individuais não se traduzam em protuberantes desigualdades sociais. A primeira função toma corpo no que denominamos como a ação coletiva urbana e a segunda na produção de bens públicos urbanos como a acessibilidade, a habitabilidade e a sociabilidade que, em conjunto, configuram a intervenção urbanística estatal. Seja que o governo o faça por ação ou por omissão, tal intervenção dá lugar à formulação das regras gerais para o funcionamento do mercado originário residencial: o do solo urbano.

Os mercados locais de capitais na América Latina apresentam limitações para atender a considerável magnitude e as particulares condições de rotação do

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capital requerido para a produção dos bens públicos urbanos em suas metrópoles. É por isso que os governos locais têm que recorrer aos bancos multilaterais com a garantia da Nação que, através do Banco Central, desembolsa o crédito externo ao governo (cria moeda) e recebe o serviço periódico da dívida (destrói moeda), surgindo desta maneira o circuito urbano primário da moeda ao que denomina como o da criação de riqueza. O crédito externo requerido para a produção dos bens públicos urbanos opera como um fluxo antecipado da participação do Estado nos incrementos nos preços do solo suscitados exclusivamente por sua intervenção urbanística que, de não cobrar-se, implica que a cidade está subsidiando aos estruturadores urbanos e que está comprometendo um fluxo de ganhos fiscais necessários para a política social.

Ao decidir sobre a disposição espacial dos bens públicos urbanos o governo cria as condições de acessibilidade e habitabilidade para novas vizinhanças ou, o que é igual, produziu uns direitos de edificabilidade que lhe pertencem. A maneira como esses direitos se entregarão aos produtores dos ativos imobiliários residenciais implica que ex ante se instituíram os mecanismos necessários para evitar os impactos regressivos que sua omissão suporta para os propósitos de crescimento urbano eqüitativo. A esses produtores os denominei como os estruturadores urbanos. A Nova Sociologia Urbana Francesa adiantou bastante na caracterização deste agente quando formulou uma teoria do “promotor imobiliário” (Topalov 1979, p. 110). A demonstração da inexistência de uma função de oferta de solo urbano foi o núcleo sobre o que girou a crítica que, dez anos depois, a Síntese Espacial Neoclássica, suporte teórico do laissezferismo urbano, tentou responder com uma estilização ainda mais drástica da realidade que as que lhe precederam: a consideração de um “latifundiário ausente” (Fujita 1989, p. 54) cujo papel é servir meramente de “secretário do mercado” (Abramo 2001a, p. 76-87) que válida as ofertas de renda dos demandantes de solo. De maneira que a teoria do promotor imobiliário vai concentrar a explicação de seu papel na formação dos preços de demanda do solo urbano inseparáveis do ganho capitalista que move ao promotor a mobilizar o capital.

Com o suceder para a urbanização completa da sociedade sobrevêm a concentração e a polarização do crescimento da população urbano como suas propriedades básicas. É este o meio no que é possível discernir sobre a natureza desse agente ao que denominamos como estruturador urbano. É um agente cujas propostas vão além das do simples promotor, isto é, superam as de propor um preço máximo do solo urbano à demanda solvente que o sugeriu. Seu papel é o de propor uma determinada composição dos ativos residenciais da que derivará seus benefícios e que, de concretizar-se, vai modificar a estrutura residencial

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prevalecente. Para isso, esse estruturador incorpora em sua proposta não só o ganho normal da atividade construtiva como a sobre - lucro que resulta de propor uma nova vizinhança antecipando as condições de acessibilidade e habitabilidade que, por sua parte, propôs o governo.

Se incorporasse só o ganho normal, certamente que iria com seu capital ao encontro de atividades produtivas cuja rentabilidade seja menos incerta. É essa sobre - lucro a que, concebida em um ambiente especular (Abramo 2007, p. 213 e ss.) sobre as transformações na estrutura residencial urbana, se gesta ao calor da antecipação como forma predileta de gestão do medo e a dúvida que configuram a incerteza. Para a formação desse sobre - lucro corresponde-lhe ao estruturador urbano antecipar as decisões do governo quanto ao conteúdo de sua Ação Coletiva Urbana assim como sua proposta de acessibilidade-habitabilidade e, se o consegue fazer com êxito, enriquecer-se-á sem ter abordado ainda a atividade construtiva: é a mais-valia urbana.

Mas o rol do estruturador urbano se clarifica definitivamente quando realiza sua proposta de verticalização-densificação da cidade, da que dependem tanto as sobre - lucros localizados como a possibilidade de impor uma margem de ganho à demanda dos bens residenciais que propõe produzir. Mas ele também está na cidade para apreciar, processar e concretizar em uma determinada proposta de composição dos bens residenciais as intenções de localização-vizinhança das famílias. Quer dizer, que nosso agente é um estruturador urbano na medida em que sua capacidade de antecipação lhe permite “configurar externalidades” (Abramo 2007, p. 61) De que tipo são essas externalidades? Do tipo que demandem as famílias interessadas numa vizinhança (Abramo 2007, p. 224 e ss.) e, por tal razão, ali aonde o preço do solo urbano é elevado não necessariamente se verticaliza a cidade como se se estabelecem barreiras para a entrada de outras famílias menos enriquecidas, abrindo-se passado uma das representações mais evidentes da cidade qual é a segmentação do espaço residencial.

O tempo presente é um interlúdio decisivo da sociedade em que é possível discernir a respeito das características futuras das famílias quanto a sua composição e a sua diferenciação. À análise da tendência secular de redução no número de filhos atribuível a um estádio cultural mais avançado, terá que somar hoje em dia um fenômeno de crucial importância para nossas sociedades: a crescente importância que estão cobrando as famílias unipessoais. Quanto à diferenciação, recorde-se que essa é uma condição para a afirmação dos membros da família no modo de vida urbano e que, contemporaneamente, encontra-se mediada pela flexibilização e/ou ausência do contrato de trabalho dos arrecadadores de ingresso e pela irrupção dos meios telemáticos de transporte e armazenamento de informação.

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Não obstante essas transformações, para os membros da família a eleição de localização da residência ainda continua sendo uma decisão crucial. De um lado, a tendência a que o setor dos serviços se converta no principal fornecedor de postos de trabalho, reconhecidas tanto a desaceleração no crescimento do emprego industrial como a profundização da flexibilização do contrato de trabalho, redunda em que um número cada vez major de arrecadadores de ingresso vejam incrementada sua instabilidade trabalhista, de maneira que devem estar disponíveis para realizar outro tipo de tarefa em qualquer lugar da cidade. Essa instabilidade, que se expressa também na irregularidade na percepção do ingresso, é uma dos determinantes para não possuir moradia própria na localização desejada. Se, além disso, tomamos em consideração que a competência tem uma dimensão espacial e que essa é uma das principais determinantes da configuração de centros nas cidades, a cidade policéntrica resulta em uma organização da atividade econômica que pode reportar mais oportunidades sociais que uma cidade monocéntrica.

À medida que o número de membros da família aumenta, os hábitos cotidianos de deslocamento se complexizam ao ponto de fazer da localização residencial a decisão coletiva mais importante da história de vida da maior parte das famílias. As que contam com um ingresso médio ou baixo vão ter em conta as funções de sociabilidade para realizar essa eleição, pois sua existência lhes vai permitir alcançar proximidades com os membros de outras famílias e, além disso, permitir-lhes-á reduzir o custo pleno de seus deslocamentos. Tratando-se das famílias com um nível de ingresso superior, elas estão em capacidade de realizar gastos complementares em transporte que lhes facilitam o acesso a lugares de aglomeração urbana distantes de sua residência, de maneira que seus hábitos cotidianos de deslocamento vão depender inteiramente da disponibilidade a pagar por meios particulares de transporte para acessar preferentemente a bens clube urbanos.

É por estas razões, principalmente, pelas que diferentes tradições da análise espacial convergem em que o preço do solo urbano “que está disposto a pagar o consumidor depende inteiramente da localização” (Jaramillo 2004a, p. 4). Mas as famílias anseiam também certo tipo de vizinhança que ofereça os seus membros uma possibilidade razoável de estabelecer vínculos de interação com os de outras famílias com ganhos semelhantes ou superiores, enquanto que as famílias de ganhos superiores geralmente não consideram a possibilidade de residir em uma vizinhança de famílias de ganhos mais baixos. Conscientes de que dessa interação podem extrair benefícios monetários que se conhecem como economias lhes relacione, as famílias se dedicam a antecipar as decisões de localização-vizinhança de outras mais enriquecidas e a tentar que suas intenções não sejam antecipadas

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pelas de ganhos inferiores ao próprio. De maneira que a estrutura residencial urbana se configura em um ambiente de antecipações cruzadas assinadas pela busca de externalidades de vizinhança de que emerge a convenção urbana como mecanismo de coordenação das eleições simultâneas de localização residencial das famílias interessadas nessas externalidades de vizinhança (Abramo 2007, p. 224).

Se a externalidade de vizinhança reporta lucros monetários às famílias oportunistas, elas devem realizar algum tipo de esforço para alcançá-lo e, além disso, para procurar que se incremente de forma paulatina, começando pelos custos de absorção cuja quantia se encarregará posteriormente de erigir-se como um poderoso mecanismo de retenção das famílias na vizinhança. Em princípio, o governo propõe que a área nítida de solo para construir se acompanhe de um nível de cessões obrigatórias para a configuração não só do acervo público de solo como sim para adequá-lo para a interação dos membros de diferentes famílias: é o espaço público urbano. É nesse espaço onde a dança dos bens simbólicos que consomem as pessoas vai permitir um reconhecimento simples da capacidade de pagamento das famílias. Ele pode ser aplainado por famílias intrusas, sem perder de vista que o espaço privado residencial é produzido para a interação simples dos membros da família que, em qualquer caso, tentarão defender sua intimidade de qualquer intento de intromissão dos vizinhos.

Para que a cotidianidade e regularidade dos encontros dos membros de famílias não sejam tão superficiais como a de um vão encontro na rua, o acesso ao bem clube urbano tem que ser discriminatório. Obviamente que a produção de tais bens não compete ao governo, pois, de fato, seria uma contra-indicação possível de seu papel como promotor da unidade e coerência da sociedade. Mas o governo pode e deve atuar para regular as intenções legítimas desses grupos de famílias de produzir bens complementares à residência que segmentem o mercado residencial. Uma de suas formas de ação é a produção de bens urbanos que permitam a socialização de seu acesso a que denomino como os bens de sociabilidade e, a outra, é sua capacidade regulatória contida na Ação Coletiva Urbana. Se o governo tiver êxito, terá antecipado a produção dos bens clube e dado um passo importante na eliminação dos comportamentos racistas na cidade. É por esta razão que as famílias mais enriquecidas se oporão à localização em sua vizinhança de tais equipamentos e, de forma conseqüente, proporão cotidianamente alternativas de apropriação privada do espaço público urbano ou de algum de seus elementos constitutivos.

No Esquema 1.3 se representa de maneira um tanto simples a argumentação adiantada até o momento e a que segue. Quando a envergadura dos empreendimentos excede à acumulação prévia dos estruturadores urbanos, assim

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como quando as famílias só detêm uma porção do preço de aquisição residencial, uns e outros recorrem aos bancos hipotecários em procura de financiamento de médio e curto prazo, respectivamente. Ali se ativam os circuitos urbanos da moeda que, em certos interlúdios, é alavancado pelo Banco Central mediante operações de redesconto.

Esquema 1.3

Interação complexa e antecipações cruzadas entre os agentes da estruturação residencial urbana

A interação dos estruturadores urbanos e das famílias com os bancos hipotecários é radicalmente diferente. De um lado, as famílias suportam relações quase-monopólicas com os bancos hipotecários enquanto que o custo do crédito hipotecário aos estruturadores urbanos se fixa, geralmente, por acordo de reciprocidade bancária. O papel do Banco Central, durante os interlúdios aludidos, é o de estabilizar os dês-balanços temporários entre a oferta e demanda de financiamento largo com o que intervém em salvaguarda da margem de intermediação dos bancos hipotecários.

Ao outorgar o crédito ao estruturador urbano, no banco hipotecário são vigilantes que a vizinhança que propõe vai ser procurada por famílias que, por sua parte, dispõem de uns ganhos cujo montante e estabilidade lhes permite suportar a cota periódica de amortização dentro do orçamento familiar. Mas, em caso de que o orçamento familiar se contraia durante o prolongado horizonte de amortização do crédito hipotecário, o banco dispõe da hipoteca da residência como garantia real de

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pagamento dos saldos insolúveis endividados pelas famílias afetadas pela penúria econômica. Essa é a razão pela que os bancos têm interesse em que as convenções urbanas sobre as que se constroem as vizinhanças permaneçam estáveis no tempo para que os estoques imobiliários residenciais não se depreciem virtualmente. De maneira que, seguindo ao Abramo, na decisão de outorga do financiamento residencial largo se encobre a validação da eleição pelos bancos hipotecários da localização-vizinhança que realizam as famílias.

Note-se que o vetor que simboliza a interação entre os bancos hipotecários e os estruturadores urbanos é de dobro sentido, com o que se representa a aludida reciprocidade bancária. Mas esse vetor se dilui ao passo que o que simboliza a interação dos estruturadores urbanos com as famílias se robustece. Esse é um fenômeno surto, de um lado, da contradição entre o interesse dos bancos hipotecários de ampliar simultaneamente sua margem de intermediação e suas colocações em crédito hipotecário, pretendendo perpetuar as relações quase-monopólicas com as famílias e, do outro, da desconfiança das famílias a respeito da estabilidade das condições pactuadas no contrato de hipoteca ante uma potencial irrupção do quase-legislativo.

Este fenômeno de no - bancarização da atividade imobiliária residencial formal ocasiona uma profunda transformação na estrutura residencial urbana que se inicia com uma mutação do antigo promotor capitalista ou desenvolvedor capitalista, conforme vimos, a uma fase avançada como a de estruturador urbano. Agora é um agente que não requer do banco hipotecário para desculpar seus requerimentos de capital em empréstimo, pois são as famílias as que o localizaram para que, com suas economias, desculpe tais deficiências e ainda para que possa propor empreendimentos de major envergadura. Enquanto que com o banco hipotecário as famílias só interagiam passivamente assumindo uma taxa de juro hipotecária fixada unilateralmente, com a aquisição residencial mediante mecanismos como a preventa ou venda sobre planos desfruta de compartilhar a expectativa do estruturador urbano de que a nova vizinhança vai se consolidar, isto é, que as externalidades de vizinhança perseguidas se materializarão ali.

Pode que isso não aconteça. Isto é, que a defecção sobrevenha ocasionando uma contração do preço de mercado do ativo residencial, mas em nenhum caso do preço combinado, mas isso é menos provável que quando as validações das eleições de localização residencial repousavam nos departamentos de crédito do banco hipotecário, de maneira que a regulação do preço dos ativos residenciais recai agora na capacidade das famílias de mobilizar sua economia prévia para os empreendimentos propostos pelos estruturadores urbanos, eleição que é facilitada pela teimosia dos bancos de oferecer uma precária remuneração à

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economia familiar. O estruturador urbano se erige então como um agente quase-fiduciario que capta economia sem nenhum custo, mas que está disposto a compartilhar com as famílias o êxito ou a defecção de seu empreendimento residencial.

Não obstante, a heterogeneidade socioeconômica das famílias, a instabilidade das convenções urbanas e as periódicas contrações do orçamento das famílias exigem ainda de uma política de financiamento residencial largo, cujo desenho é da mola da Autoridade Monetária e do Credito e sua implementação recai no Banco Central. É bem conhecido que a política financeira está sujeita pelos objetivos monetários da política econômica. Por tanto, a irrigação de liquidez à economia ou a contração da moeda circulante obedece mais a critérios restritos dos membros da autoridade monetária agarrados a um pensamento sobre a inflação e a margem de intermediação financeira que a uma política concernida aos determinantes dos mercados residenciais urbanos. De fundo, esta divergência é a que explica os periódicos desajustes no sistema de financiamento residencial largo que se verifica tanto nos balanços dos bancos hipotecários como no patrimônio das famílias e, em conjunto, em tênues, mas persistentes mutações na estrutura residencial urbana.

Na estruturação residencial urbana se colocam em jogo simultaneamente a credibilidade da política monetária, a margem de intermediação dos bancos hipotecária, o ganho dos estruturadores urbanos e o fundo de acumulação das famílias, tensões nas que, tendo os instrumentos para mediar de forma decisiva, o governo da cidade opta por se distanciar quando opera em um ambiente laissezferista impuro. Estas tensões vão se resolver com a intervenção do tripartido, cuja função é a de proferir decisões com as que, geralmente, muitos de nossos agentes ficam insatisfeitos. Se os Estados Modernos se caracterizarem por ter consignado em sua Constituição Política, instituição de instituições, os direitos fundamentais que promovem a unidade e coerência de uma sociedade diversa, aos corpos associados do poder jurisdicional compete então administrar justiça a seu tenor, o que lhe exige à sociedade realizar um esforço notável para erigir ao grau de magistrado aos membros das elites jurídicas para que confluam no tripartido em espera que suas decisões socráticas sejam tomadas por consenso.

Mas as decisões do tripartido não estão isentas de tensões posto que o Princípio de Separação de Poderes, característica do Estado Moderno complementar da anterior, levanta-se na voz de quem não se resigna a aceitar o conteúdo de suas decisões que, como sabemos, são inapeláveis, pois não existe outro tribunal de maior hierarquia ao que recorrer. Tal princípio lembre-se, foi enunciado com a intenção de proteger à sociedade civil de alguma modalidade de

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Estado que opte pela tirania e a opressão de seus membros. Por isso, a erradicação do despotismo é inerente a uma separação dos poderes do Estado no Parlamento a quem compete legislar ou proferir leis estatutárias, no Governo cuja órbita de funções se circunscreve às da execução e no Poder Judiciário composto por órgãos associados de diferente hierarquia que se encarregam de repartir justiça. Ou, de forma sintética, nos Estados Modernos quem julga é um corpo associado diferente de quem executa e de quem legisla.

Hoje por hoje é freqüente escutar premissas como que a iniciativa legislativa lhe corresponde ao executivo ou que em uma ou outra matéria tal ou qual magistrado salvou seu voto, assim como que com a declaratória dos Estados de Exceção certas potestades legislativas lhes são transferidas temporalmente ao poder executivo, por exemplo. A questão é se estas condutas representam alguma separação dos propósitos que perseguiam os políticos liberais que promoveram o princípio de separação de poderes ou se devem compreender-se meramente como algo transitivo.

Essa questão é de inegável transcendência para a ordem urbana acessível, mas é de natureza radicalmente diferente a que se suscitam quando o poder jurisdicional profere sentenças que procuram ajustar a direito as decisões de órgãos quase-legislativos. Elas se proferem ao calor da ausência de uma lei estatutária ou de uma errônea interpretação das que estão em vigência e que atente contra os direitos fundamentais de algum dos agentes.

1.7 O laissezferismo impuro, a segmentação dos mercados imobiliários

residenciais e a segregação sócio-espacial urbana Em uma economia de antecipações, os agentes que participam da estruturação da cidade se formam expectativas sobre o ordem futuro e realizam eleições de localização residencial imbuídos nas expectativas que outros também estão realizando. É o mundo das “expectativas cruzadas” e de uma ordem caleidoscópico caracterizado pela “dança das convenções urbanas” no que os ativos residenciais imóveis rodam entre famílias oportunistas (Abramo 2007, p. 224). A instabilidade das convenções precede à deterioração física das vizinhanças, sendo este o signo mais evidente da incapacidade dos mecanismos de mercado para coordenar as decisões descentralizadas de localização das famílias em um ambiente como o descrito. Essa defecção das convenções urbanas contrasta com a confiança imperante entre as famílias que residem em vizinhanças nobres nos que de maneira tácita erigiram poderosas barreiras a potenciais residentes de menor nível de ganhos.

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Por que razões existem famílias oportunistas? Existem porque a ordem estável e eficiente da Síntese Espacial Neoclássica não satisfaz a nenhum dos participantes no mercado imobiliário residencial, a não ser que esteja conformada por um coletivo de famílias resignadas a sua sorte, isto é, de acordo com essa ordem jus naturalista escrito desde antes e para sempre. Essa ordem tampouco satisfaz aos estruturadores urbanos que, de outra forma, não teriam chegado a ser o que são contemporaneamente, uns agentes quase-fiduciários que, além de estruturar o espaço residencial urbano, estão em capacidade até de substituir ao sistema financeiro em suas funções de captação da economia do público. E têm ainda a pretensão de suplantar ao Estado em sua função fornecedora de bens públicos urbanos. Isto não é mais que o resultado de grandes massas de capital imobiliário em busca de novas formas de valorização, capital que foi forjado no crisol de um esquema institucional permissivo que facilitou o enriquecimento sem causa de alguns agentes e que denominei como o laissezferismo impuro, cujo circuito se apresenta no Esquema 1.4.

O início deste circuito institucional são precisamente as antecipações da intervenção urbanística estatal. Isto é assim porque não pode ser a intervenção urbanística governamental a que precede às eleições dos estruturadores urbanos, pois estaríamos no mundo ingênuo das adaptações. Em outras palavras, estamos diante de uns agentes que realizam eleições com apóie em suas expectativas anticipativas do comportamento de outros.

Tal como se previu da apresentação do Esquema 1.1, essas antecipações têm por objeto a ação coletiva urbana ou a produção de bens públicos urbanos. E o resultado não pode ser o mesmo. Quando se antecipa uma norma não se redistribui riqueza, coisa que se ocorrer quando se antecipa a disposição espacial dos bens públicos urbanos.

A antecipação da ação coletiva urbana -isto é, das pautas de gestão, regulação e financiamento urbanas do Estado- só é possível quando o Estado intervém por omissão. A omissão administrativa outorga prerrogativas a aqueles agentes que, fazendo uso de sua capacidade anticipadora entronizada em seu capital simbólico imobiliário, são capazes de influenciar à burocracia cooptada para desempenhar-se no âmbito das decisões públicas.

Essa antecipação não está ao alcance de todos os agentes que operam no mercado imobiliário residencial pois está correlacionada positivamente com o volume de capital simbólico acumulado historicamente por cada estruturador urbano. O burocrata ingênuo acostuma reagir de maneira total com o sentimento de culpa próprio de quem acredita que em efeito faz parte de um projeto de Estado caracterizado pela corrupção e “a avidez do próprio governo” (Carnoy 2004, p. 45),

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enquanto que o ardiloso sabe que sua permanência na burocracia estatal é funcional ao grau de omissão a favor do livre mercado.

Esquema 1.4

O circuito institucional do laissezferismo impuro

Ao aspar a noção de livre mercado não se pretende dilapidar a teoria que o respalda, nem ao Código Napoleônico como seu melhor marco institucional como tampouco envilecer a idéia da liberdade de eleição dos agentes econômicos. Pelo contrário, quer assinalar precisamente que essa informação assimétrica entre os

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agentes da estruturação residencial urbana, cunhada com a estampagem do capital simbólico imobiliário, é uma barreira quase infranqueável para outros estruturadores ávidos das sobre - lucros que os primeiros detêm. O resultado não pode ser outro que a emergência de estruturas oligopôlicas capazes de produzir espaços residenciais com suas próprias regras e não com as socialmente desejáveis. Esta é a verdadeira natureza dos mercados segmentados e não precisamente as diferenças em uma estrutura de custos marginais tão efêmeras como o processo de edificação.

Convém então precisar a noção de mercado prévia à explicação de sua segmentação. Se algo não for um mercado é precisamente aquela noção do sentido comum da confluência das forças de oferta e de demanda que produz um equilíbrio, umas quantidades negociadas a um preço que desembaraça o mercado. Em primeiro lugar, as pessoas não confluem em uma transação atendendo meramente ao valor que outorguem a uma mercadoria, a seu poder para satisfazer uma necessidade vital ou de diferenciação social ou ao racionamento de seu pressuposto como efeitos visíveis da mão invisível, mas sim porque conhece as regras sociais estabelecidas para as alienações e que são acolhidas pelas partes.

A submissão a tais regras pelos participantes do mercado tem como propósito evitar o efeito matilha predatório da confiança entre desconhecidos e anônimos que o mercado se encarrega de pôr em contato. Em segundo lugar e como conseqüência da submissão às regras sociais das alienações, os agentes decidem participar de forma recorrente no mercado ou, o que é o mesmo, aqueles agentes que não resultem satisfeitos com as condições de alienação simplesmente deporão suas intenções de alienação até encontrar regras mais firmes para exercer sua opção ao risco que entranham os intercâmbios.

A idéia do mercado segmentado é inerente à heterogeneidade estrutural dos agentes que ali participam. Nenhuma assina pode ser igual a outra pois do contrário se desvaneceria todo interesse por competir, de maneira que da estrutura de seus custos, dos consumidores a quem tenta vender seus bens ou serviços e do tipo de embalagem no que os apresenta, as características intelectuais e de gênero de seu pessoal ocupado e até o tipo vinculo territorial que tenta estabelecer ao que lhe conhece como área de mercado, de maneira que no máximo se poderão estabelecer algumas semelhanças entre assinaturas com as que é possível as agrupar em segmentos que, por sua parte, atendem a consumidores igualmente heterogêneos em tanto seus orçamentos, seus gostos e preferências e suas visões do mundo.

A cidade segmentada foi levantada pelo laissezferismo impuro à medida das propostas dos estruturadores urbanos, propostas às que irremediavelmente se

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adaptam as famílias. Os desejos de localização dos membros das famílias, suas necessidades em matéria de reafirmação de uma personalidade urbana e a busca de externalidades de vizinhança, são formatados pelos desenhistas ao serviço dos estruturadores urbanos em residências produzidas em serie com apóie em um capital mobilizado que arrasta uma margem de ganho que as famílias assumem de acordo com o orçamento familiar. Quer dizer, que as diferenças no orçamento familiar destinado aos gastos residenciais cumprem o papel de filtrar as famílias às vizinhanças, quer dizer, de homogeneizá-los para que se diferenciem de outros. É por isso que a segmentação do mercado imobiliário residencial é funcional às estratégias dos empresários schumpeterianos com as que esperam obter lucros extraordinários a partir da densificação e verticalização que proponham às famílias.

Vizinhanças estáveis ou volúveis, mutantes ou frágeis, acolhem segmentações que se distinguem, desde sua exterioridade, pela quantidade de bem composto solo urbano que consomem e pelo grau de verticalização alcançado pelas edificações. A edificabilidade do solo urbano é a materialização do risco econômico assumido pelos estruturadores urbanos, pois se as intenções de localização e vizinhanças das famílias e a ação de outros estruturadores não permitem confirmar a vizinhança proposta, ficará quantidades excedentes de estoque imobiliário que não se poderão realizá-lo ao preço esperado. Essa sanção do mercado, a diferença do que ocorre em outras esferas da economia, é amortecida pelas sobre - lucros obtidos do solo urbano enquanto o marco institucional o permita, isto é, que o laissezferismo impuro permita a transferência de riquezas públicas à esfera da circulação privada de ativos residenciais.

O risco de não realização dos ativos residenciais no mercado ao preço esperado é paliado pelos bancos hipotecários no momento em que validam as eleições de localização das famílias mediante a aprovação do crédito hipotecário. A contradição emerge quando ao acreditar que estão fazendo bem sua tarefa, isto é, ao validar todas as eleições possíveis e desembolsar a moeda-crédito, a outra cara da sanção do mercado se revela para contrair o preço esperado em razão da realização das externalidades de vizinhança pelas famílias oportunistas. O medo de ter que reduzir ainda mais o preço de mercado dos ativos residenciais envoltos no jogo das antecipações cruzadas (Abramo 2007, p. 274) vai ocasionar desta maneira a defecção da convenção em curso que tomará corpo na depreciação virtual das vizinhanças e, por tanto, das garantias reais dos créditos hipotecários: as residências.

O estruturador urbano adquire esta nova condição como superação de seu estádio precedente, desenvolvedor capitalista ou promotor imobiliário, quando promove a institucionalização de novas formas de produção e circulação dos ativos

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residenciais que permitam supera o risco de não realização de quantidades e preços esperados. O cálculo ex ante, isto é, a vizinhança proposta, é socializado entre as famílias mediante estratégias de preventa dos ativos residenciais nas que as famílias se acotovelam com outras de economias semelhantes cuja característica é que não vão recorrer ao banco hipotecário em busca da validação de sua eleição nas mesmas condições que pactuavam na venta. O estoque calculado e socializado mediante a preventa será o mesmo estoque que circulará e o preço combinado será o mesmo preço esperado. Nestas circunstâncias a demanda de moeda-crédito tende a contrair-se e o intermediário hipotecário se dá à tarefa procurar novos mecanismos de valorização do capital financeiro.

O êxito da preventa radica em que os estruturadores urbanos possam socializar as novas condições que diferenciam aos ativos residenciais para reduzir e qualificar ainda mais os segmentos do mercado imobiliário residencial o que, por sua parte, facilita-lhes a imposição do mark up às famílias. O risco de não realização, que na tradição da Teoria do Trabalho Abstrato é denominado como o “salto perigoso” (Jaramillo 2004c, p. 6), adquire tal nível que o capital imobiliário promove mecanismos que de maneira recorrente lhe permitem confrontá-lo. O principal tem sido a incorporação à atividade edificadora das sobre - lucros gerados na esfera da intervenção urbanística estatal o que, em sua dimensão histórica social, configura-se como o principal determinante da segregação sócio-espacial urbana.

Iluminado o vínculo conector entre a segmentação do mercado imobiliário residencial, e a necessidade da transferência das riquezas produzidas coletivamente para confrontar o risco de não realização, com o rasgo mais conspícuo da urbanização contemporânea, a segregação sócio-espacial urbana, é possível avançar em sua dimensão espacial para explicar a estrutura residencial urbana prevalecente. O rasgo comum a qualquer forma de apropriação do solo urbano pelos estruturadores urbanos é a antecipação da intervenção urbanística estatal e das intenções de localização-vizinhança das famílias. O solo urbano com melhores condicione de acessibilidade e habitabilidade é o primeiro do que se apropria o capital imobiliário para estruturar vizinhanças nobres, isto é, que lhes brinda as melhores garantias de realização dos ativos residenciais e que, por conseguinte, será intervindo uma e outra vez para ser verticalizado ao menor risco de não realização.

Como a produção do capital público confronta igualmente uma série riscos econômicos aos que, adicionalmente, adicionam-se os não desprezíveis custos políticos de sua reprodução, sua escassez suporta a produção seletiva das condições de acessibilidade e habitabilidade que privilegia aqueles lances do território nos que o capital imobiliário confronta os maiores riscos de não realização.

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Se a acessibilidade e a habitabilidade urbanas são funções públicas

universais não há razão a discutir seus supostos efeitos de derrame como lhe atribui

a Síntese Espacial Neoclássica aos bens públicos urbanos, de maneira que uma

vizinhança segregada é aquele que não conta com estas funções públicas quando

seus residentes deveriam contar com elas. Quer dizer, que a Cidade Segmentada

existe a condição de que se gerem vizinhanças com tão sob patrão urbanístico como

para que emerjam outros de maior nível. A simbiose entre desiguais é uma Cidade

Segregada que opera como conjunto, suas gentes se mobilizam e interagem assim

seja de forma fortuita e passageira, e produz simbolismos tanto como

personalidades blasé que permitem a reafirmação da personalidade urbana. Mas a

unidade e coerência se encontram em conflito a cada dia, da mesma forma em que

se disputam as riquezas produzidas de maneira coletiva.

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II

O MERCADO DO SOLO URBANO E A PRODUÇÃO DE UMA ORDEM RESIDENCIAL URBANA

Até o momento analisei aos agentes que estruturam o espaço residencial urbano e esbocei as dificuldades de coordenação de suas eleições a partir de uma interpretação do suceder histórico de suas interações. Essa heterogeneidade estrutural dos agentes e sua participação na distribuição das riquezas produzidas coletivamente se analisam neste capítulo à luz da produção e ocupação do solo urbano com os ativos residenciais, da forma de operação dos diferentes segmentos de mercado e de sua forma de apropriação da que surge algum esquema de segregação sócio-espacial. A discussão teórica sobre o papel do solo nas formações sociais modernas e, em especial, a formação de seus preços, ocupa um lugar proeminente entre aqueles fenômenos que suscitaram as maiores polêmicas nas ciências sociais e, especialmente, na economia e no pensamento espacial que difundem as diferentes correntes. A primeira parte deste capítulo se dedica a esse debate como preâmbulo a desvendação de uma característica irrenunciável do solo urbano que não foi analisada pelas teorias dominantes, a de tratar-se de um bem composto. As implicações na estruturação residencial urbana se encontram na base da explicação sobre a segmentação dos mercados imobiliários residenciais e sobre a mesma segregação sócio-espacial urbana. Esta característica, que se aborda na segunda parte, contribui a esclarecer a ordem residencial perseverante na era do laissezferismo impuro de que trata a parte final do capítulo. 2.1 O bem solo urbano e a noção da renda As versões mais difundidas sobre o solo urbano convergem em que é um bem singular em tanto suas características naturais que, em condições normais, são irreprodutíveis (Smolka 1987, p. 142; Jaramillo 1994, p. 17), de maneira que o preço se forma pelas características in situ sempre relativas a outros terrenos de melhores ou piores qualificações e por suas condições de localização-acessibilidade em relação com o conjunto da cidade em tão ambiente construído. O desafio teórico de explicar a atipicidade do mercado do solo urbano, ou sua singularidade, e a maneira como se forma seu preço por fora da esfera da produção foi assumido por quem, havendo-se liberado de qualquer preconceito, encontraram que uma explicação erudita só é possível elaborá-la da Teoria do Valor. Obviamente, também é de ali que se suscitam as principais controvérsias. Uma síntese desta aproximação é a seguinte:

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Da perspectiva econômica o fato de que a terra, tanto a rural como a urbana, tenha um preço constitui uma paradoxo. Em efeito, a conceitualização sobre o mercado explica a possibilidade do intercâmbio entre as mercadorias, porque elas condensam e são uma porção da energia produtiva da sociedade. A produção de cada mercadoria requer o esforço de seus produtores, e quando elas se confrontam no mercado através de transações monetárias, o que se compara e se contrasta é precisamente a quantidade que cada uma delas representa deste trabalho general. O preço monetário seria a manifestação deste substrato, que na linguagem da tradição clássica em economia se denomina Valor. Mas a terra em si mesmo não é um produto do esforço da sociedade. A terra não se produz, literalmente, mas sim aparece como um dom da natureza. E, entretanto na sociedade moderna, na sociedade capitalista, opera como uma mercadoria. Tem um preço monetário e se intercambia com as mercadorias verdadeiras. Como pode ter a terra um preço se não ter valor? (Jaramillo 2004, p. 4).

A resposta ao desafio exposto está na Teoria da Renda. A noção da renda faz

referência ao pagamento puro que lhe faz ao dono da terra pelo uso do terreno

sobre o qual exerce domínio. Na tradição clássica, os bens têm um preço porque

lhes incorporou valor e, portanto, em seu estado puro o solo não deveria ter um

preço. Os donos da terra estão então em capacidade de capturar para si uma

porção do valor gerado pelas atividades produtivas que requerem do solo para levar-

se a cabo. Essa renda (r) aparece como um pagamento periódico que o dono da

terra capitaliza a taxa de juro predominante (i), com o que o preço do solo () aparece

como um derivado da renda (cf., Topalov 1979; Smolka, 1987 e Jaramillo 1994), da

seguinte maneira:

���

r= (1)

De maneira que o preço que se paga pelo solo, desde esta perspectiva, é mas bem o preço que se paga pelo direito a ter uma renda periódica, com o que o acento se coloca nas formas e mecanismos que o dono da terra está em capacidade de operar para capturar essas porções de valor. Desde outra perspectiva, a natureza do bem terra em seu estado puro -como dom da natureza- e ainda com as transformações resultantes do esforço humano -fertilidade melhorada por um distrito de rega nas áreas rurais ou terra urbanizada, por exemplo-, e os preços resultantes das relações mercantis -o mercado do solo-, comportam singularidades diante do conjunto de bens que se negociam em outros negociados. Nesta aproximação, tais singularidades se concretizam da seguinte maneira:

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O preço do terreno comporta as seguintes qualificações: o terreno é um objeto singular já que seus atributos ou características são normalmente não-repetitivos. Estas características podem ser classificadas como: naturais-clima, fertilidade, por exemplo; criadas ou produzidas (em geral, associadas à expressão terra capital) terras drenadas, urbanizadas, etc.; acessibilidade em relação a outros itens do ambiente construído, o que faz com que, em qualquer transação de terrenos, adquira-se simultaneamente um lote com as características citadas e uma localização. Diz-se, então, que a terra constitui um meio de produção necessário não reprodutível, em oposição a outros que são produzidos como mercadorias industriais, inclusive para a reprodução da força de trabalho, quando utilizada para fins residenciais, é necessária, no sentido em que as atividades econômicas têm direção certa. Este aspecto é importante pois sugere, imediatamente, que o processo de formação de preço para terrenos se distingue de outros processos nos quais o trabalho entra como elemento constitutivo fundamental (Smolka 1987, p. 42).

O mercado com seus mecanismos operam em ambas as aproximações, mas, enquanto na primeira é condição para que emirja a renda, isto é, que ela não surge meramente da existência de um domínio sobre o solo, na segunda o mercado opera como o coordenador dessas transações de terrenos. O preço do solo é imanente ao ganho do “promotor imobiliário” (Topalov 1979, p. 171-174). Este é um agente ativo, pois contribui à criação do valor e tomada uma porção para si, contrário ao que ocorre com o proprietário do solo, pois o dono da terra é “passivo porque não contribui à criação do valor do qual se apropria” (Jaramillo 2004a, p. 6). Esta diferença está ligada à natureza do solo urbano e dela emana a ilegitimidade social do dono da terra. O solo urbano possui características dificilmente reprodutíveis tais como sua proximidade física às centralidades e aos bens simbólicos e ambientais da cidade enquanto que outras, como a capacidade andadura dos terrenos ou os desníveis e os pendentes, são suscetíveis de ser modificadas com a remoção de capas superficiais de solo, com o aprisionamento do mesmo ou com a construção de um aterro. Estas últimas opções requerem mobilizar uma quantidade de capital, às vezes em magnitudes consideráveis, que ulteriormente ficará imobilizado nos lugares aonde a mão do homem interveio para alterar a morfologia original do terreno com o propósito de fazê-lo construível, imobilização que expõe irremediavelmente essa modalidade de capital fixo urbano a sua desvalorização. Isto foi o que a Nova Sociologia Urbana Francesa denominou como os “custos de acondicionamento” (Topalov 1979, p. 110-114) dos terrenos que são realizados pelo promotor e dos quais deriva certa ganho.

A questão então é como se forma o preço do solo (Ps) da equação (1)?

Se, como mencionei no bem solo urbano não se comprometeu nenhum esforço produtivo, “o preço corresponde a acumulação de mais-valias ou incrementos de valor do solo do passado” (Smolka 2003, p. 370) e uma forma de representar formalmente este processo é:

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�=

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∆=Tt

ttsP

0)(�� (2)

Mas a sociedade se encaminhou para a urbanização completa (Lefebvre 2004, p. 15) e a soleira alcançada hoje ainda dista de ser o momento conclusivo de tal propósito. Por isso a estrutura residencial urbana da cidade é ainda incompleta, o que faz que o promotor tente que o preço do solo reflita de maneira antecipada futuras modificações ou, dito de outra maneira, “o preço do solo hoje corresponde ao valor presente de todas as mais-valias que se espera obter no futuro” (Smolka 2003, p. 371):

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∆=

t

Ttt

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i

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Aonde i é a taxa de juro a que se capitalizam as mais-valias esperadas para formar o preço do solo hoje. Se isto for assim, o estruturador urbano opera simultaneamente como latifundiário urbano é funcional a esse agente passivo que se enriquece diariamente sem justa causa e, além disso, é um profissional da antecipação. Ou seja, é um agente que procurará que suas expectativas sobre a ordem espaciais futuro e os usos potenciais do solo urbano sejam os melhor formados com o que alcançará o preço máximo fruto da capitalização dessas mais-valias esperadas.

Na outra borda do caudal do pensamento econômico espacial se encontra a Síntese Espacial Neoclássica1, a versão mais ortodoxa fundada em um enfoque utilitarista do comportamento dos agentes e em uma metodologia hipotético-dedutiva. Sua abordagem se circunscreve à explicação da eleição residencial e da estruturação de uma ordem a partir da racionalidade dos atores que constroem a cidade. Sendo o suporte explicativo da Síntese o uso ótimo do solo urbano em sua condição de bem imóvel, isto é, que cada porção de solo se encontra associada a uma única localização no espaço geográfico, supõe que o preço monetário do solo (p) e a renda do solo por unidade de solo (r) em cada localização é uma constante que permanece no tempo, intervindo a taxa de juro (i) como a taxa de desconto temporário da renda que é comum a todos os participantes no mercado (Fujita 1989, p. 5):

1 Este termo se emprega para referir-se aos esforços dos economistas neoclássicos por apresentar de maneira unificada os resultados da teoria espacial. Em relação com tais resultados, Abramo (2001a, 170) afirma que “estamos aqui, portanto, diante de um “totem” intelectual, graças ao quais os homens podem compreender as forças do mercado”.

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No seu propósito de apresentar a teoria de maneira unificada, a Síntese recorre a uma representação peculiar da renda do solo (r) - uma função de leilão de rendas (bid function rent) - cujo transfundo é a liberdade de eleição das famílias e o papel passivo que cumprem os latifundiários urbanos como facção do mercado submetida à vontade de vos demandantes. O modelo básico com o que idealiza o mercado do solo centra-se na alternativa entre acessibilidade e consumo de espaço que enfrentam os lares na eleição de localização, sujeita a uma restrição orçamentária, e a área urbana reveste três características: a cidade é monocéntrica, as oportunidades de trabalho se concentram no Distrito Central de Negócios - o centro da cidade é um espaço denso livre de congestão e os movimentos cotidianos de deslocamento dos trabalhadores se estabelecem unicamente entre a residência e o lugar de trabalho - e esse espaço é isotrópico no sentido de que todas as parcelas de terreno são idênticas e se encontram disponíveis para o uso residencial em ausência de externalidades positivas ou negativas.

As relações entre os atores da Síntese que se representam na Figura 2.1 partem de supor que os governos se comportam ao igual aos desenvolvedores, como maximizadores de benefício, suposto que opera tanto a escala da cidade como à escala vizinhança, de maneira que a competência sempre vai garantir a disposição eficiente do bem público. A distância ao Distrito Central de Negócios reporta vantagens, de maneira que a estruturação urbana se converte em um problema de eleição dos agentes localizados a uma determinada distância r desse centro.

O desenvolvedor incorre em uns custos para a produção dos bens públicos na vizinhança que melhoram o solo que o latifundiário lhe entregou em seu estado original em troca de uma renda como a de um mercado competitivo, algo assim como a renda absoluta urbana; a produção desse bem público na vizinhança pode originar migrações de novos residentes que vão reduzir marginalmente os benefícios que as famílias previamente instaladas reportavam do consumo desse bem, o que induzirá ao desenvolvedor a impor uma taxa de congestão que supera o efeito free rider. A renda residencial é uma renda adicional, algo assim como uma renda diferencial, a que lhe adiciona essa taxa de congestão e se o abate o custo do bem produzido pelo desenvolvedor, dando como resultado uma quantia de benefícios monetários que o desenvolvedor tentará maximizar:

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Figura 2.1 Relações entre agentes a uma distância r do Distrito Central de Negócios

Fonte: Fujita (1989, p. 207)

O desenvolvedor a uma distância r renda uma porção do solo em seu estado original ao latifundiário em um mercado de renda absoluta Rou(r). O desenvolvedor, por sua

parte, investe certa quantidade k(r) na bem vizinhança no solo. Depois o desenvolvedor rende o solo melhorado às famílias no mercado da renda residencial R(r) e arrecada �(r) de taxa de congestão de cada família ali localizada (Fujita 1989, p. 206-207).

Esse raciocínio é o fundamento do laissezferismo puro no que o desenvolvedor privado produz os bens públicos e capta uma renda e uma taxa de congestão que as famílias estão dispostas a pagar em um ambiente no que a proporcionalidade dos esforços -capital- é remuneradas ao amparado de um estatuto que assim o prescreve: o Código Napoleônico.

É possível então inferir que a imobilidade do solo assim como sua não reprodutibilidade, nas aproximações que se apresentaram, tem em comum a localização a que reporta uma utilidade e que dali provém seu valor. Quando esse espaço é conquistado pelo capital imobiliário, a renda aparece como o mecanismo de coordenação onipresente, assim o promotor imobiliário ou o dono da terra não elaborem nenhum discurso que incorpore essa noção. Pelo contrário, a linguagem corrente é o dos preços do solo. A potência do enfoque da renda é compreensível desde esse ponto de vista, quer dizer, que como mecanismo de coordenação imanente às decisões de atribuição de recursos do estruturador urbano em sua competência com as famílias e com outros estruturadores, a renda tem a possibilidade de dissolver as diferenças dos agentes em uma ordem mercantil complexo:

Esse mecanismo, não obstante, só elimina as diferenças espaciais em términos estritamente econômicos quando a determinação do uso do solo está submetida a um processo de competência espacial. Mas também recorre a um agente não econômico que é uma espécie de árbitro do jogo da competência espacial urbana: o proprietário ausente. As forças “neutras” do mercado seriam, pois, suficientes para eliminar as

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disparidades naturais do mercado da localização residencial. Ao nos remeter à imagem dos economistas, digamos que as diferenças que Deus introduziu no ato de criação (a natureza) seriam corrigidas aqui por sua “mão invisível” (o mercado) (Abramo 2001a, 203).

Se se recuperar neste momento a natureza dos agentes da estruturação residencial urbana que se esboçaram no capítulo precedente, é possível verificar uma diferença radical com a noção do ator cuja racionalidade o leva a atuar seguindo o guia que lhe atribuiu e que o remete a essa visão naturalista da renda do solo. Se a localização não for quão única reporta uma utilidade mas sim, seguindo o discurso da Ordem Caleidoscópico, as famílias procuram benefícios monetários de uma externalidade de vizinhança, é necessário tentar oferecer uma explicação diferente da formação dos preços do solo consistente com o comportamento dos agentes que estruturam o espaço residencial do cidade. Mas, antes disso, é relevante assegurar a compreensão dos enfoques em disputa até o momento e a identificação crítica de algumas de suas estilizações mais relevantes. 2.2 O pensamento liberal sobre a propriedade do solo A origem da polêmica intelectual sobre a propriedade, nos términos sugeridos, data do mesmo surgimento do capitalismo. No começo girou, fundamentalmente, em torno da noção da instituição da propriedade privada como suporte ideológico sobre o que gravita seu predomínio como forma escolhida para a organização da sociedade e, portanto, não é estranho que a defesa de um discurso sobre a sociedade de proprietários tenha esperneado secularmente ao pensamento liberal. Em relação com o solo urbano, essa ideologia foi submetida a hipóteses degenerativas desde sua ideologia mãe em que os mesmos precursores do pensamento liberal concordaram com a necessidade das reformas territoriais para inibir práticas que deslegitimaram socialmente a propriedade privada no capitalismo. A influência do pensamento liberal de León Walras e do Frederich vön Hayek no pensamento econômico é notável, mas suas inclinações reformistas sobre a questão da propriedade territorial foram quase esquecidas por suas contribuições às teorias do equilíbrio e, em geral, das bondades do livre mercado. Mas estas idéias liberais contemporâneas não são muito originais. Baste revisando rapidamente o pensamento e o papel que neste plano desenvolveu um de seus representantes mais notáveis John Stuart Mill. Por volta de 1848, quando o mundo conheceu sua obra Princípios de Economia Política, em que sentou as bases da filosofia social liberal para a instituição da propriedade privada, Mill ressaltou que:

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Sempre que se defende a propriedade privada se supõe que esta significa o meio de garantir aos indivíduos os frutos de seu próprio trabalho e abstinência. A garantia dos frutos do trabalho e a abstinência de outros, que se transmitem a eles sem nenhum mérito e esforço próprios, não é a essência da instituição, a não ser uma mera conseqüência acidental que, quando alcança certa altura, não secunda os fins que fazem legitima a propriedade privada, mas sim choca com eles. Para julgar o destino final da instituição da propriedade temos que supor retificado todo aquilo que a faz atuar em uma forma oposta ao princípio eqüitativo da proporcionalidade entre a remuneração fundada do mesmo (Mill 2006).

A consideração anterior de que, a partir do princípio eqüitativo da proporcionalidade, os produtores têm direito a reclamar para se mesmos uma porção do que produziram ou, no mesmo sentido, que as recompensas têm que equivaler aos valores econômicos produzidos (Harris 1956, p. 83), suscita o interrogante do por que o solo que, em seu estádio virgem, não foi produzido ou transformado a vontade do homem, não lhe incorporou alguma quantidade de trabalho nem foi objeto da inovação, resulta no capitalismo com um preço que, obviamente, não revela nenhum esforço produtivo. A postura do Mill de que a terra, como herança original de toda a espécie, tem um rendimento que surge da Natureza ou da incrementada demanda por bens agrícolas ou de terrenos para as construções entranha um valor não ganho. Esse valor fomenta um parasitismo institucionalizado que o Estado tem que abolir, foi questionado pelos filósofos neoliberais que lhe atribuem uma confusão em suas noções de monopólio natural territorial ligada a restrições institucionais e as surtas de circunstâncias naturais. Para estes, Mill desconhecia instrumentos analíticos como o da produtividade marginal dos fatores para determinar as retribuições por contribuições ao produto e que, fruto da competência, os valores não ganhos são uma situação transitiva, pois ainda em condições de monopólio ela faz que as rendas tendam a igualar-se no tempo e a revelar o custo real de produção (Harris 1956, p. 88). Mas transcorreu muito tempo, talvez mais do necessário, para comprovar que isso não ocorre com o solo e, então, a história que se tem que contar não é precisamente a da tendência à convergência das rendas do solo.

Mas o convencimento do Mill sobre a imperiosa necessidade de impor corretivos à propriedade territorial o levou a atuar decididamente nessa direção mais à frente do campo intelectual da reflexão teórica e da filosofia. Em cooperação com dirigentes operários, promoveu uma reforma à propriedade territorial na Inglaterra que tomou corpo no The Land Tenure Reform Association, inspirada em seu desejo de afiançar a felicidade da sociedade e na aceleração da reconversão dos jornaleiros para sua independência e autodomínio (Harris 1956, p. 91). Paradoxalmente, ali explicitou sua opção por uma intervenção decidida do Estado nesse plano. Sendo um defensor dos princípios liberais da associação voluntária e a

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expressão livre, em sua exposição sobre o laissez faire expressou sua postura sobre a inconveniência da interferência do Estado na economia como pratica geral, pois julgava que qualquer separação dela entranhava um prejuízo seguro para a sociedade por seu significado quanto à perda de liberdade individual; no mesmo sentido, solo a justificava quando o proveito social fora igualmente importante. Segundo Mill, a ação do Estado se devia sujeitar a um conjunto de funções necessárias como à cobrança de rendas publica por meio da tributação, a definição dos direitos de propriedade e construir obras e serviços públicos, e de funções discrecionais que poderiam ser autoritárias ou não autoritárias. Em matéria da cobrança de rendas públicas, Mill assinalou em referência aos incrementos no preço do solo:

Mas qualquer que seja a opinião que se tenha a respeito da legitimidade de fazer ao Estado co-participante em todos os aumentos futuros da renda por causas naturais, não deve considerar-se como um imposto o que cascalho atualmente a terra (que em nosso país é por desgraça muito pequeno), mas sim como uma espécie de participação na renda a favor do público; uma parte da renda, que desde o começo se reservou o Estado, que nunca pertenceu aos latifundiários, nem formou parte de seus ganhos e que, por conseguinte, não deve considerar-se como parte dos impostos que pagam, aos efeitos de eximir os da parte que em justiça lhes corresponde em cada um de outros impostos.

Em relação com os tributos sobre a terra, Sir W. J. Ashley, quem construiu o apêndice bibliográfico aos Princípios de Economia Política do Mill, expôs que:

No projeto de lei que está agora (1909) ante o parlamento, propõe-se sobrecarregar com um imposto de: 1) 20 por cento de todo o aumento do valor imerecido da terra não dedicada à agricultura; 2) do meio pinique por libra do capital valor da terra que permanece em seu estado natural. A proposta isenção de impostos sobre a terra cultivada, quando se compara com o suposto do Mill segundo o qual era provável que a mesma aumentasse constantemente de valor devido à elevação do preço dos produtos agrícolas como conseqüência do crescimento da população, indica o efeito sobre a opinião pública da depressão agrícola das duas últimas décadas do século XIX. Sobre a questão geral da lotação e os impostos especiais sobre os valores das terras, veja-se Report of the Royal Comission on Local Taxation (1901); Fox, The Rating of Land Avalie (1906), e o livro azul sobre o Taxation of Land in Foreign Countries (1909).

Não havia na Inglaterra, desde épocas tão tempranas do capitalismo e da mudança técnica associada, nenhum indício de dúvida sobre a legitimidade de que o Estado, como fiador dos interesses coletivos, capturasse para a sociedade uma porção dos incrementos nos preços do solo que não tinham resultado do esforço humano. Mais ainda, que impor um encargo sobre aquelas terras que devendo ser incorporadas à produção permaneciam incultas.

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A versão laissezferista mais elaborada sobre a forma de operação do mercado do solo urbano põe sua “ênfase nos processos de uma «mão invisível descontrolada»” (Fujita et.al. 2000, p. 31), isto é, naquelas formas de produção do espaço para construir em que a ação espontânea dos loteadores, guiada por seu instinto egoísta, encarregar-se-ia de produzir uma ordem espacial urbano -pobres e ricos, cada um em seu lugar-, visão da sociedade em que as decisões dos indivíduos são independentes e seus desejos são coordenados mediante a disputa de mercado. Tal descontrole só pode funcionar em um regime amparado por um código no que a noção da propriedade dos economistas liberais clássicos como Mill, fundada no ressarcimento eqüitativo do esforço próprio, seja degenerada. E que isso aconteça ate o ponto que os indivíduos egoístas descontrolados pela maximização de seu lucro individual, estejam autorizados pelo direito de usar e abusar a dispor livremente do bem solo sobre o que exercem domínio. Mas sobre o que não realizaram nenhuma tarefa para dotar o das condições de acessibilidade e habitabilidade urbanas. O pluralismo aparece então como parte essencial de um discurso sobre a liberdade e a democracia que não conhece limites, nem sequer os que uma sociedade civil urbana legitimamente queira impor. É por essa razão, que o direito de propriedade napoleônico é funcional à necessidade do laissezferismo impuro de encobrir as relações fundamentais dos indivíduos frente a se mesmos, frente a outros e frente às coisas.

A noção do equilíbrio espacial que tenta explicar a Síntese Espacial Neoclássica2 é construído a partir de um modelo básico, de uma idealização da realidade em que os lares, ao decidir se localizar enfrenta uma alternativa na eleição entre acessibilidade e consumo de espaço, sujeita a uma restrição orçamentária. O equilíbrio surge dos pregões que as famílias fazem e que se expressam em uma função de leilão de rendas (bid function rent) que repousa em um suposto thuneniano conveniente para sua pretensão unificadora: o de uma terra urbana que é possuída por um latifundiário ausente cujo papel é de servir não de secretário do mercado como aduziria a tradição walrasiana, mas sim como uma espécie de “juiz” (Abramo 2001a, p. 50) que decide sobre a compatibilização da oferta de renda dos demandantes do solo e a conseqüente atribuição dos direitos de uso às famílias. De maneira que o leiloeiro walrasiano tem pouco que dizer no mercado do solo, pois, ao emudecerem-se sob a figura do latifundiário ausente, seus pregões e suas intenções de meço se neutralizam gerando problemas axiomáticos. A solução que oferece a Síntese corresponde a uma estilização drástica que, conforme mencionei concerne à existência de um proprietário ausente que tampouco apregoa preço algum. Mas ele

2 Para uma leitura a profundidade ver Fujita (1989) e para sua crítica Abramo (2001a) e Alfonso (2005a)

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sim se encarrega de ratificar, como os juizes no esporte, os resultados dos conflitos competitivos entre os jogadores do lado da demanda e que põem em jogo suas ofertas de renda para assegurar o consumo do binômio espaço-localização como o mecanismo único de coordenação espacial (Abramo 2001a, p. 79). 2.3 Persistência dos elementos do debate colocados pela Nova Sociologia

Urbana Francesa A tradição da Nova Sociologia Urbana Francesa que, desde finais da década dos sessenta, assumiu o desafio de superar o caráter residual de seu objeto atribuído pela tradição marginalista da economia (Topalov 1979, p. 17-18), vai começar suas rupturas com a tradição precedente reconsiderando à cidade como o resultado de processos de urbanização capitalista, enfoque do qual o suceder das relações sociais de produção e o desenvolvimento das forças produtivas se explicam da perspectiva da luta de classes. Em sua visão althusseriana do Estado, esse ente está longe de garantir uma ordem urbana justa e racional, pois é concebido como um conjunto de aparelhos ao serviço da fração dominante do capitalismo monopolista, ou seja, como o “guichê dos negócios da oligarquia financeira”. As contradições da urbanização capitalista surgem do mesmo momento em que a propriedade privada sobre o solo se converte como a barreira primitiva para a acumulação capitalista nas atividades imobiliárias:

Mas a produção imobiliária é o único setor para o qual cada processo produtivo implica o uso de um novo solo: ao terminar cada obra, a empresa construtora deve dispor de um novo terreno, o capital industrial de edificação encontra uma das condições da produção, o solo, como um obstáculo recorrente que reaparece ao começo de cada ciclo de produção (Topalov 1979, p. 117-118).

A visão laissezferista do discurso espacial neoclássico sobre a propriedade do solo, isto é, que ante o obstáculo que ela significa para explicar a emergência do equilíbrio espacial o mais fácil é lhe atribuir ao latifundiário o papel de juiz das disputas de localização, conduz seu raciocínio indevidamente para uma concepção do consumidor como o todo-poderoso do mercado do solo. A natureza do solo como obstáculo para a produção residencial capitalista se aborda desde suas limitações particulares para ser objeto da reprodução como qualquer outro bem resultado das tensões entre o capital e o trabalho. Por tanto, a produção imobiliária, ao depender de um bem que não é reprodutível na esfera de valorização de seu capital, confronta o desafio de transformar em mercadoria algo que não tem substância de valor-trabalho:

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Pelo contrário, o solo, suporte da produção, não é reprodutível pelo capital. Não é o produto do trabalho, ou ao menos não é o produto do trabalho privado, quer dizer, do capital. O solo não é, então, de partida, uma mercadoria. Este caráter não reprodutível de uma das condições de produção pode ser obstáculo para a mesma (Topalov 1979, p. 117).

Mas não terá que perder de vista que para a Síntese Espacial Neoclássica o que está em jogo é uma ordem urbana, uma estruturação residencial do espaço da cidade, enquanto que para a Nova Sociologia Urbana Francesa é a configuração do excedente na atividade imobiliária e sua forma de distribuição. Sem perder de vista que o capital é o veículo para o ganho, é possível inferir que na atividade imobiliária é o capital de promoção o que está em capacidade de adequar o solo para ser edificado e dali provêm seus lucros extraordinários representadas no preço do solo. Aparece então um conflito distributivo ao redor desse sobre - lucro entre o promotor imobiliário e quem exerce o domínio sobre o terreno para o que ele dirigirá o capital produtivo:

A repartição da sobre - lucro entre o promotor e o proprietário vai ser o resultado dessa relação social entre o capital e a propriedade do solo chamada “o mercado do solo” (Topalov 1979, p. 170).

Desenvolvimentos recentes deste enfoque se ocuparam de propor soluções teóricas a esse conflito distributivo, sugerindo que a densidade construtiva é modulada por mecanismos de mercado nos que a técnica construtiva disponível vai incidir na formação dessa sobre - lucro, ceteris paribus a taxa média de ganho do capital produtivo (Jaramillo 2004a, p. 7). Se a ação de fixação de preços do proprietário do terreno é modulada por mecanismos de mercado, quer dizer, que não está em capacidade de fixar os preços do solo de maneira autônoma, é factível pensar que a densidade construtiva da cidade é então o resultado desse conflito distributivo. E isto é consistente com a casualidade formulada pelo Topalov (1979, p. 170) no sentido de que é o ganho a que determina a renda do solo e não ao contrário, pois o mercado do solo é exatamente isso, ou seja, um capital que enfrenta o desafio de reproduzir-se sobre um bem não reprodutível como o solo. Mas a forma de resolução do conflito continua latente: o proprietário do terreno não pode elevar o preço do solo de maneira incessante, pois o promotor vai se encarregar de lhe informar a disponibilidade a pagar das famílias da que deriva os preços máximos formados do lado da demanda. O dono da terra tentará exigir esses preços máximos com o que o promotor certamente concordará, pois, em última instância, isso não põe em jogo seu ganho, o que não impede que um promotor mais audaz que o médio possa capturar uma porção da sobre - lucro para si mesmo Como? Comprando terra troca para vendê-la mais cara.

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Uma das reflexões teóricas persistentes na aproximação da Nova Sociologia Urbana Francesa tem que ver com o obstáculo que para a valorização do capital imobiliário representa a existência da propriedade não capitalista do solo. Em efeito, é possível achar-se de cara com proprietários do solo que resistem a vender suas parcelas ao preço máximo da demanda urbana, o que representa uma barreira que os promotores tentarão derrubar. A resposta da teoria marginalista foi que esses proprietários são irracionais, isto é, que é um enguiço do mercado, pois não entendem que da venda de seus terrenos podem derivar um lucro. A crítica da Nova Sociologia Urbana Francesa à explicação marginalista é que esses proprietários pensam em formas mercantis simples não orientadas pela busca de ganho. Dessa maneira, administram seu patrimônio, pois, em efeito, a parcela não só lhes representa o bem de que derivam seu sustento e o de sua família, mas sim, além disso, aparece como a possibilidade de cobrar independência do capital; quer dizer, de não proletarização (Topalov 1979, p. 177). Por sua parte, quão proprietários operam sob lógicas capitalistas podem incorrer em acordos para extrair benefícios extraordinários de suas práticas de especulação, mas, para esse tipo de agentes, o tempo opera em seu contrário e finalmente terão que ceder seu domínio ao preço máximo da demanda, pois, em efeito, o solo deles opera sob as regras de um capital fictício.

O verdadeiro obstáculo para os promotores imobiliários são os agentes mercantis simples que, atuando sob a lógica não capitalista que mencionei, trocam terra somente por outra terra. Esse obstáculo se magnífica quando o estoque de terras que circula sob a forma mercantil simples se encontra mais próximo ao perímetro da cidade. É factível que o promotor se infiltre nessas práticas mercantis simples, mas com isso dificilmente poderá superar essa barreira. Como foi possível então dobrar a resistência desses agentes mercantis simples? Mediante as inflexões da economia agrícola suscitadas ao calor das inovações tecnológicas e a liberalização do comércio de bens primários. Quando isto ocorre, o camponês minifundiario e o pequeno proprietário encontram que sua parcela já não lhes permite sequer acessar a cesta básica de consumo para sua família, ou seja, que com o produto não alcançam a saciar a fome, enquanto que o fluxo de caixa das medianas e grandes explorações começa a arrojar saldos negativos de maneira persistente. Enquanto que estes últimos estão em capacidade de segmentar parte de seus terrenos para incorporá-los ao mercado do solo suburbano ou urbano ou, com um esforço adicional, podem mudar-se para cultivos agroindustriais, aos primeiros não fica a não ser uma alternativa: ingressar no desvalorizado mundo da informalidade urbana.

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Ao tempo que o promotor imobiliário converte a parcela em um condomínio de segundas residências para certas famílias da cidade, o produto da venda só lhe permitirá ao camponês suportar os gastos correntes da família por uma curta temporada. E se as condições de acessibilidade melhoram ulteriormente, o promotor imobiliário terá obtido o maior prêmio a sua paciente espera: uma nova sobre - lucro localizado no âmbito suburbano.

2.4 Crítica à ordem residencial proposta pela Síntese Espacial Neoclássica,

suporte teórico do laissezferismo impuro contemporâneo O pensamento espacial neoclássico alcançou os primeiros resultados de um esforço de Síntese ou exposição estruturada de uma teoria da cidade e dos fatos cruciais urbanos: uso do solo urbano, decisões de localização residencial e tamanho da cidade. Na atualidade, a Síntese propõe uma explicação microeconômica da localização residencial das famílias, sugere um modelo de equilíbrio de uso ótimo do solo residencial e anuncia a extensão da teoria a um marco de equilíbrio geral dinâmico que incorporará a determinação simultânea da localização das assinaturas e os lares no espaço urbano, com o que alcançaria seu ponto culminante: a explicação da estrutura da cidade, seu tamanho e o uso ótimo do solo. Para isso, a Síntese, em seu estado atual que é uma teoria do solo urbano, combinar-se-á com a teoria do capital para oferecer uma explicação da cidade como conjunto de bens duráveis. Ao alcançar tal explicação, o programa neoclássico terá superado o campo da estática comparativa e seus resultados serão compreensíveis em um marco de equilíbrio geral dinâmico.

Como se chega a esta Síntese? Mais importante ainda, por que esse discurso seduz a tantos acadêmicos, governantes, empresas e a não poucas comunidades? A estampagem lakatiana da economia neoclássica, segundo nosso entender, revela-se em um oceano editorial que difunde os resultados do programa de investigação espacial neoclássica e as variações sobre alguns temas básicos: “de um lado, temos as proposições de análise em términos de equilíbrios parciais no âmbito do 'cinturão protetor' do programa de investigação; de outro, o desenvolvimento axiomático do 'núcleo duro' walrasiano” (Abramo 2001a, p. 64), quer dizer, das hipóteses sobre as que se elaborou a gramática comum do equilíbrio espacial resultante da espontaneidade dos processos da mão invisível descontrolada que dão origem às cidades. Em segundo lugar, a Síntese sobreviveu à morte que lhe pressagiavam algumas correntes críticas, sobre tudo a sociologia urbana marxista que, tomando distância do enfoque normativo da atribuição eficiente de recursos escassos em um marco de competência perfeita, abordou um tipo de

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análise que enfatizou no predomínio do capital monopolista sobre outras estruturas de mercado. Mas a força do discurso da Síntese reside em grande medida em sua capacidade para oferecer uma imagem da organização espacial urbana (do equilíbrio espacial) acorde com uma visão da sociedade em que os indivíduos são independentes, e cujos desejos são coordenados mediante a disputa de mercado:

Aí está toda a força do resultado do equilíbrio individual eficiente ortodoxo, uma vez que é possível conceber a emergência de uma sociedade (de mercado) a partir das decisões autônomas e descentralizadas dos indivíduos. Além disso, essas decisões são motivadas pelo desejo estrito de maximizar a satisfação individual, resultando da somatória dessas eleições, até segundo a “linha dura” do discurso neoclássico, uma atribuição “eficiente” dos recursos disponíveis que garante simultaneamente a liberdade de ação (eleição) e a satisfação individual e o bem-estar coletivo. Percebe-se, desta maneira, que um dos “paradoxos” da vida em sociedade (o interesse dos indivíduos em oposição aos interesses da coletividade) é resolvido aparentemente pelo discurso neoclássico (Abramo 2001a, p. 56-57 e 169).

Não obstante essa força discursiva e essa imagem coerente, apoiadas em um enfoque utilitarista obstinado ao individualismo metodológico, a lógica da Síntese adoece de limitações explicativas transcendentes na medida em que estilizações drásticas da realidade como a consideração de um latifundiário ausente e o emprego de categorias metafísicas como a da reversibilidade do tempo, inseparável vinculo teórico com a física mecânica, deixam enxergar a prevalência da elegância do modelo sobre qualquer intenção de ruptura (cf. Bourdieu et. al., 2000) com a ciência normal (Kuhn 2001, p. 33-79). 2.4.1 As razões da existência das cidades A tradição neoclássica da economia espacial percorreu um árduo e difícil caminho para explicar a existência das cidades e dos determinantes da estrutura espacial urbana. Uma apresentação destas buscas, a maneira de resumo, foi apresentada pelo Aydalot (1985) e Richardson (1986), entre as mais destacadas:

Se os recursos fossem ubíquos e os rendimentos a escala na produção fossem constantes, a população estaria uniformemente distribuída, porque cada unidade familiar produziria todos os bens necessários para satisfazer suas necessidades com uma escala de produção mínima. Este mundo hipotético estaria formado por unidades familiares uniformemente distribuídas e autárquicas. O fato de que não se dê qualquer destes supostos (ubiqüidade de recursos e rendimentos constantes) é uma justificação suficiente para a aparição das cidades (Richardson 1986, p. 208).

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A Síntese (Fujita 1989, p. 134) considera à cidade -a aglomeração urbana- como o resultado das “combinações apropriadas” de três razões básicas: os recursos e as vantagens do transporte, a indivisibilidade e as economias de escala na produção e o consumo e, finalmente, as externalidades e as interações não mercantes; um quarto fator, a preferência pela variedade no consumo e, portanto, na produção, é considerado como o fator amplificador que explica o tamanho das cidades, enquanto que qualquer dos três primeiros, ou a combinação deles, pode dar lugar a uma cidade. A existência de vantagens comparativas, isto é, de recursos localizados que não são ubíquos, como a fertilidade da terra no hinterland, jazidas de minerais de alto valor econômico ou, inclusive, características geográficas como as que detêm as cidades porto, são engrandecidas neste enfoque para explicar a base econômica do intercâmbio externo sobre a que, eventualmente, pode-se explicar o desenvolvimento da cidade. O trabalho é considerado como o fator com maior mobilidade espacial e a localização in situ da cidade se considera eficiente ao prover vantagens que se concretizarão nas economias de escala nas tecnologias de transporte.

A noção de indivisibilidade é retomada do Koopmans (Fujita 1989, p. 170), para quem “sem reconhecer [as] indivisibilidades -em humanos, em moradias, novelo, equipamentos, e no transporte- os problemas de localização urbana, inclusive os de pequenas cidades, não podem ser entendidos”. O humano indivisível é entendido como uma pessoa com tal nível de especialização que só poderá ser empregada em grande escala com a existência de certa classe de equipamentos. A coordenação eficiente do trabalho especializado, dos processos produtivos e os equipamentos de alguma escala, radica no fundamental, na localização contígua. Se, além disso, o patrão tecnológico dos processos produtivos das grandes assina requer de bens manufaturados por outras assinaturas, estas poderão experimentar vantagens pela redução em seus custos ao situar-se em proximidade, com o que as vinculações industriais supõem uma característica geográfica enunciada de tempo atrás pelo Hotelling em sua cidade praia: a aglomeração. No mesmo sentido, a produção de certos bens e equipamentos públicos -como as escolas, os hospitais, os serviços públicos e as auto-estradas- exibe economias de escala. A terceira razão concerne aos efeitos da interação de dois ou mais agentes do mercado sobre terceiros -as externalidades- e que não se distribuem pelo mecanismo de preços. O ponto de vista neoclássico da formação das cidades lhe confere especial importância às externalidades tecnológicas e, em particular, às derivadas da provisão dos bens públicos locais que são consumidos por muitos e variados agentes na cidade e que, segundo este enfoque, representam a maior causa das cidades (Fujita 1989, p. 13).

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Por sua parte, o tamanho das cidades é uma renovada preocupação desta corrente de pensamento. Suas implicações resultaram em uma sorte de cepticismo entre quão neoclássicos coloca ao planejamento urbano no centro da análise pois, de fato, ao aludir a esta preocupação como “o jogo do tamanho ótimo” terminam reconhecendo que este esforço “é entretido apesar de que não leva a nenhuma parte” (Richardson 1986, p. 246). Os primeiros trabalhos nesta direção se elaboraram a começos dos anos setenta sendo os mais conhecidos os do W. Alonso e L. Wingo. Se o tamanho da cidade se pode medir sob o critério do tamanho da população, as curvas de custos e benefícios marginais da aglomeração populacional definem hipoteticamente tamanhos ótimos e sub-ótimos da cidade. A Síntese (Fujita 1989, p. 135-136) coloca sua ênfase na preferência pela variedade na produção e no consumo, isto é, assinaturas e consumidores que experimentam maiores possibilidades de interação que derivam em incrementos de produtividade para as primeiras e em melhorias no ingresso real para os segundos. Hoje por hoje esta preocupação se deixou de apresentar como um jogo e mudou para um quebra-cabeça temporário, isto é, a uma espécie de enigma a ser desvendado (Fujita et. al. 2000, p. 223 e 337), que se desembrulha na interação das forças centrípetas -as “vinculações, os mercados densos e os conhecimentos indiretos e outras economias externas puras”- com as centrifuga -“os fatores imóveis, o aluguel [a renda] do solo/deslocamentos e a congestão e outras dês-economias puras”- com o que se adverte o afastamento da Síntese espacial neoclássica da tradição walrasiana do equilíbrio geral competitivo para dar passo a um reverdecer da tradição marshalliana dos equilíbrios parciais, através da que se abordará o futuro comum dos mercados urbanos, os oligopólios ou a competência monopólica.

Como corolário, a Síntese supõe uma cidade eficiente na forma monocéntrica, implicando que se os custos de transporte se incrementam mais rapidamente do crescimento da população citadina, a função objetivo urbana é a obtenção das vantagens tecnológicas - cujas fontes descrevemos-. Em teoria, deveriam superar os aumentos nos custos de transporte, sendo os mecanismos de coordenação descentralizados os encarregados de que isto ocorra3.

A Síntese localiza para finais da década dos cinqüenta a erupção dos grandes problemas urbanos (Fujita 1989, p. 1) do mundo capitalista, precedidos por décadas inteiras de aceleração da urbanização da população e, ao mesmo tempo, o interesse de vários cientistas pelo campo do urbano; no caso da economia, o

3 Tentativas de explicação da aparição de subcentros chegando inclusive até a configuração da cidade policéntrica, como os realizados pelo K. Beavon, colocam sua ênfase na competência espacial intraurbana e a conseqüente especialização espacial como rasgo distintivo da cidade contemporânea. Entretanto, esforços desta natureza são pouco reconhecidos ainda pela corrente espacial neoclássica.

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nascimento de um novo campo, o da economia urbana4. Segundo Fujita, a cidade é uma das criações humanas mais complexas e, ao mesmo tempo, uma das menos compreendidas. Vickrey, por exemplo, precisa que as disparidades entre preços e custos marginais decrescentes só se encontram nas cidades, nas que se combinam duas forças em conflito: as economias de escala que se derivam das vantagens de aglomeração e os custos de transporte que se incrementam simultaneamente (González 2004, p. 71). Os incrementos nos valores da terra devidos ao crescimento e às melhorias urbanas, vão ser capturados pelos latifundiários urbanos, por isso são eles quem deve assegurar os recursos para assegurar uma cidade para todos. E isto ocorre em ambientes onde opera o laissez faire urbano, ou seja, esse ambiente da mão invisível descontrolada no que interage a vontade os agentes imobiliários maximizadores de lucros que estruturam a cidade e a comunidade ávida de maximizar os benefícios de seu consumo.

Os supostos da economia ortodoxa de que os custos da migração dos indivíduos para outro lugar para instalar-se em sua residência permanente são baixos e que há rendimentos constantes a escala da cidade, são notoriamente restritivos. Mas, enquanto o primeiro suposto segue incólume, o segundo se levantou para dar passo à incorporação dos rendimentos crescentes5 nos modelos espaciais da Síntese. A importância e as implicações deste desenvolvimento teórico são variadas e ricas. No metodológico, assim os truques de modelação - em especial os da apropriação do modelo de competência monopólica do Dixit-Stiglitz com o apoio de instrumentos computacionais - sejam, como eles reconhecem, “pouco realistas” ou “artificiais” (Fujita et al. 2000, p. 53-68), eles lhe permitiram superar algumas das limitações teóricas que os constrangeu aos modelos de competência perfeita expôs e que se acreditavam inabordáveis; mas, ao fazê-lo, a Síntese vai se proporcionar com a existência e singularidade de equilíbrios múltiplos que põe em questão a compatibilidade das decisões independentes dos lares e as assinaturas e a capacidade do equilíbrio de mercado para impor ordem ao caos potencial, quer dizer, a eficiência do mercado como mecanismo de coordenação. Expõem-se a seguir os elementos centrais do programa de maximização microeconômico da Síntese espacial neoclássica e os principais problemas que confronta para oferecer uma imagem coerente de sua cidade segmentada.

4 Alguns dos trabalhos mais importantes conhecidos naquela época, desde a tradição neoclássica, são os de Alonso (1964), Friedmann (1975), Greenhut (1956), Isard (1956), Lösch (1954) e Christaller (1966). 5 Para uma apresentação a profundidade desta “rutura”, ver Krugman (1991, 1999).

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2.4.2 Pobres e ricos, cada um em seu lugar Em termos da ordem residencial urbana, a proposição fundamental da Síntese é que “a função de utilidade das famílias se assume como independente da localização” (Fujita 1989, p. 179). A implicação teórica transcendental de tal proposição é que as famílias não derivam nenhum tipo de riqueza de suas decisões de localização residencial e, portanto, a estruturação residencial urbana é um processo sem relevância em términos da redistribuição da mesma. Ao incorporar a racionalidade paramétrica como paradigma forte da eleição individual, a Síntese supõe umas famílias que têm um ingresso fixo (y) por unidade de tempo que é consumido totalmente pelos gastos em bens compostos (z), em custos do transporte T(r) e no terreno (s), onde R(r) representa a renda por unidade de solo. Previamente se ocupou que introduzir os fundamentos de sua teoria de eleição individual de localização. Para chegar a ela, a Síntese recorreu à exposição original da competência pelos usos do solo agrícola do Von Thünen e sua versão urbana introduzida pelo Alonso (1964), com arrumo aos desenvolvimentos da microeconomia moderna apreendidos do Solow. Isto significa a transição de uma função de renda, apoiada nos custos de transporte como função da distância, a uma apoiada no ingresso nítido e o nível de utilidade fixa no Solow (Fujita 1989, p. 51-52). Mas essa nova função repousa em um suposto thuneniano conveniente para sua pretensão unificadora. O de uma terra urbana que é possuída por um latifundiário ausente, cujo papel é como o do secretário do mercado (Abramo 2001a, p. 50) que vai decidir sobre a compatibilização da oferta de renda dos demandantes do solo com os do mercado e a conseqüente atribuição dos direitos de uso às famílias.

Esse leilão de rendas do solo descreve a capacidade das famílias para pagar por uma terra localizada, com o convencimento de que o nível de utilidade que lhes proporciona é fixo; quer dizer, que tal função se pode representar como um mapa de curvas de indiferença do espaço urbano que recolhem a localização e a renda do solo e, dali, que tal função também se pode representar como a inversa da função indireta de utilidade do Solow. No marco do modelo básico, a expressão matemática da função é:

���

��� =−−=ψ u)s,z(U

sz)r(TY

max)u,r(s,z

(15)

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Operando o programa de maximização com a restrição apontada na equação (17), e obtendo a equação da curva de indiferença da 6a, a função se pode redefinir da forma:

s)u,s(Z)r(TY

max)u,r(s

−−=ψ (16)

E a restrição orçamentária dos lares se representa como:

( ) Rs)r(TYz −−= (17)

Quando resolve o problema de maximização exposto nas equações (16) e (17), obtém-se o tamanho ótimo do terreno S(r,u) (bid-max lot size) e, posto que as curvas

de indiferença são estritamente convexas, essa solução é única (Fujita 1989, p. 15 e 44). Examinam-se agora, de forma mais detida, os postulados da Síntese sobre as relações de indiferença. No programa de maximização microeconômica da função de utilidade, os lares vão escolher entre as possíveis combinações de uma cesta composta por três bens - a quantidade de espaço residencial (s), os bens compostos não residenciais (z) e a distância do domicílio ao centro da cidade (t) -, implica que é o centro da cidade o lugar no que se concentra a oferta de bens compostos. Por conseguinte, as possibilidades de trabalho dos membros do lar. Enquanto que o incremento no consumo de bens compostos e de espaço residencial reporta ao indivíduo maior utilidade, o consumo de distância tem signo contrário, com o que à eleição racional lhe indicará que pode alcançar um maior nível de satisfação vivendo perto ao centro da cidade. Ao estabelecer as relações de indiferença entre o consumo de espaço e a distância, mantendo constante o consumo de bens compostos, o aumento desta última vai significar uma redução da utilidade -perda de acessibilidade ao centro- que deverá ser compensada por um consumo maior de espaço. Outro tanto ocorre quando se risca uma curva de indiferença entre a distância e o consumo de bens compostos, caso constante o espaço consumido, pois para manter o mesmo nível de utilidade o indivíduo compensará a perda de acessibilidade com um consumo incrementado de bens compostos.

A Síntese utiliza relações de indiferença que não correspondem às usualmente tratadas na teoria neoclássica do consumidor, e isso se deve à natureza do bem distancia que lhe reporta uma desutilidade aos membros do lar na medida em que aumentam seu consumo. Para continuar com o programa de maximização microeconômica, é imperativo neutralizar o efeito do consumo do bem distancia a fim de restaurar o perfil convencional das curvas de indiferença dos bens normais da cidade, o espaço e os bens compostos. Com isso, a relação de indiferença entre

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estes dois bens vai supor que o consumo do terceiro bem da cesta vai permanecer constante.

As propriedades das curvas parecem então consistentes, embora algumas resultam de estilizações drásticas. Na base deste raciocínio se encontra a noção de informação perfeita em que se suporta o princípio de pre-ordem -que permite a ordinalidade das preferências pelos lares- que indica sua capacidade para fazer eleições intertemporais sem que isso represente nenhum obstáculo “quanto a previsibilidade dos acontecimentos futuros”. A continuidade -uma função de utilidade que é contínua e crescente para todo consumo de bens compostos e espaço- assim como a coerência dos lares em suas eleições racionais -a transitividade das preferências- e sua preferência pela mescla de bens no consumo -a convexidade de suas curvas de indiferença- a incorporação dos custos de transporte contínuos e crescentes e a restrição orçamentária dos lares, integram-se no arsenal teórico da Síntese para explicar o espaço de consumo urbano e a eleição residencial em um marco utilitarista thuneniano (Abramo 2001a, p. 31-32).

Por sua parte, as propriedades do tamanho ótimo do terreno e do leilão de rendas são analisadas a dois níveis. Na Figura 2.2a se analisam suas mudanças quando ocorre uma modificação na distância ao centro da cidade: como o ingresso nítido dos lares se reduz pelos maiores gastos nos custos plenos do transporte derivados de uma localização mais distante do centro da cidade, o nível de utilidade se preserva só com uma diminuição na renda. Logo se evidencia, graficamente, o efeito substituição que indica que os lares vão intensificar o consumo de solo em detrimento do bem composto e a taxa de mudança da renda com respeito à distância se calcula empregando o teorema da envolvente6 na equação (18):

0)u,r(S

)r('Tr

)u,r( <−=∆

ψ∆ (18)

6 O teorema da envolvente (envelope theorem) é empregado pela Síntese para demonstrar que esse efeito indireto é muito pequeno comparado com o efeito direto e pode ser omitido no cálculo do impacto da mudança marginal no parâmetro na função objetivo (Fujita, 1989, 310-314).

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Figura 2.2

Mudanças na função de leilão de renda e tamanho do terreno: (a) por incrementos na distância r, e (b) com respeito à utilidade u

Fonte: Fujita (1989, p. 19-21)

A questão agora é como vão trocar as rendas e o tamanho do lote quando o nível de utilidade troca? Caso que o efeito ingresso na demanda de solo é positivo e a distância é fixa, o critério de ordinalidade das preferências indica a inclinação dos lares por uma curva de utilidade superior - ver Figura 2.2b. A taxa de mudança na renda com respeito à utilidade se pode calcular seguindo o anterior procedimento, com o que a solução ao programa de maximização da equação (18) seria agora:

0u

)u,s(Z)u,r(S

1u

)u,r( <∆

∆−=∆

ψ∆ (19)

A restrição orçamentária parte em ambos os casos do mesmo nível de ganho líquido e a renda que permite um nível de utilidade maior ou2 é menor que a associada a ou1, com o que o espaço consumido é major em B2 que em B1. O efeito total sobre o consumo de espaço - de S(r,u1) a S(r,u2)- decompõe-se no efeito rendimento ER e o efeito substituição ES. No primeiro caso, ao modificá-la renda se modificaram os

r1< r2

Y - T(r1)

Y - T(r2)

S(r1,U)

S(r2,U)

ψ(r1,u)

ψ(r2,u)

S S(r1,U)

S(r2,U)

Y - T(r)

Z Z

u1< u2

ψ(r,u1)

ψ(r,u2)

B1

B2

B*2

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preços de relativos com o que os lares seriam agora relativamente mais ricos com o que poderão consumir mais espaço -B1 a B2*-. Mas, pelas propriedades já

mencionadas, a modificação nos preços relativos originada na redução da renda vai ocasionar um aumento no consumo do bem composto: o efeito substituição -B2* a B2 - está descrevendo um dos pilares da estruturação espacial neoclássica, ou seja,

elevadas densidades residenciais que vão decrescendo de maneira gradativa com o incremento na distância, o que se poderá verificar graficamente juntando todas as rendas propostas em função das distâncias ao centro da cidade (Abramo 2001a, p. 40).

A diferença do que ocorre com o raciocínio sobre as curvas de preferência, as famílias, a fim de manter seu ingresso líquido e aumentar simultaneamente seu nível de utilidade, inclinar-se-ão por escolher a curva de renda mais próxima à origem. Mas, em ausência de fenômenos de interação, tal parâmetro - o ingresso, determinado exogenamente vai cumprir o papel de moderador dos desejos de consumo dos lares, com a que a restrição de localização se circunscreve ao preço de mercado que os lares deverão leiloar pelo lugar no que desejam viver. Isso se expressará graficamente na curva de renda de mercado que é tangente a curva de renda do lar, com o que o equilíbrio residencial associado à localização ótima se encontra precisamente nesse ponto ao que os lares são conduzidos por força da competência espacial. Esta é a primeira regra de tal equilíbrio. Na Figura 2.3, R(r) é a curva de renda de mercado, ou* é a utilidade de equilíbrio dos lares e r* é a localização ótima sim e só sim se satisfaz à condição:

)u,r()r(R *** ψ= e )u,r()r(R *ψ≥ , para tudo r (20)

Esta condição, ou regra de equilíbrio de localização individual, é a que vai garantir a unicidade do equilíbrio, pois, se a curva de renda de mercado chegasse a ser menos convexa que as curvas de renda individuais, haveria dois pontos de localização ótima o que, do discurso da Síntese, interpretar-se-ia como um enguiço de mercado (Abramo 2001a, p. 50). Mas outra via foi explorada pela Síntese para chegar ao equilíbrio de localização individual. É a que considera, em uma visão mais realista, o que poderíamos denominar como um custo pleno de transporte e que omite a função de leilão de renda na representação da função de utilidade dos lares. Enquanto que na primeira versão do equilíbrio, a residência se assimila ao solo, nesta se assume como um fluxo mistura de serviços do solo e do construído nele. Os custos de transporte não só se estabelecem em função da distância ao centro, mas também em relação ao ingresso do lar, ou seja, que os recursos lhes pressuponha dos lares incidem nos tempos de deslocamento de seus membros.

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Figura 2.3

Determinação da localização de equilíbrio

Fonte: Fujita (1989, p. 22)

Esse resultado da localização de equilíbrio, conhecido como a condição do Muth, é apresentado pela Síntese (Fujita 1989, p. 25) como:

)u,r(S)r('R)r('T **** −= (21)

O apóstrofo indica as variações marginais, isto é, que se o custo marginal do transporte for superior à economia marginal, o lar terá um incentivo para escolher uma residência em proximidades ao centro com o que aumentaria seu ingresso líquido. A poupança alcançada com a redução dos custos de deslocamento será superior ao custo dos serviços da moradia que assumirá na nova localização. Mas, no mesmo sentido, pode ocorrer que se os lares decidirem residirem afastados do centro, a redução nos custos dos serviços residenciais será superior aos incrementos nos custos de deslocamento. Nos dois casos, o lar ganhará no incrementar seu rendimento líquido e com isso às possibilidades de acessar a um nível de utilidade superior, com o que o equilíbrio marshalliano vai expressar uma situação de eleição ótima de localização em que, seja qual for seu movimento, este

u1 < u*< u2

R

r ψ(r,u2) ψ(r,u*)

ψ(r,u1)

R(r)

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já não lhe proverá nenhuma melhoria ou deterioração em seu ingresso líquido. Neste ponto do programa de maximização da Síntese, já é possível esclarecer que a dimensão espacial foi reduzida à distância ao centro, posto que as ofertas de renda entre os competidores de localização resultam das economias que os lares façam em seus custos de deslocamento, e essas ofertas de renda thunenianas vão se incorporar nas possibilidades de consumo dos lares conformadas pelos bens compostos e o espaço, com o que o consumidor utilitarista perseguirá minimizar as dificuldades e os ônus de seus deslocamentos cotidianos e, de uma vez, maximizar sua utilidade no consumo de bens compostos e espaço.

Mas a liberdade de eleição individual assim preconizada pela Síntese -a oferta de renda- é uma mera ilusão. Ceteris paribus os axiomas neoclássicos do critério da racionalidade paramétrica, esse preço de equilíbrio permutado pela variável distancia ao centro na oferta de rendas, encontra-se intervindo pela dimensão física da cidade e pela tecnologia prevalecente do transporte. Essas variáveis exógenas fazem que a ordem espacial se encontre predeterminadas pela dimensão estrutural da teoria da renda, com o que os determinantes paramétricos da decisão de localização se encontrariam por fora das relações de mercado. Há aqui uma grande ambigüidade do discurso ortodoxo. Não obstante, a Síntese propõe uma ordem residencial suportada na configuração do equilíbrio e na distribuição espacial dos lares, a verticalidade -construção residencial em altura- e a densidade de ocupação do espaço, que são os principais elementos de sua estrutura (cf. Abramo 2001a). Se ao redor dessa distribuição espacial é possível constatar alguma regularidade que não for um resultado aleatório, isto será suficiente indício para corroborar a existência de mecanismos de coordenação de caráter econômico que garantem a ordem sugerida; se tal corroboração conduzir a que essa ordem seja resultada das decisões de localização descentralizadas, só ficaria por verificar que essa ordem agregada e coordenado pelo mercado é estável e eficiente.

A ordem espacial proposta pelo Alonso convém na existência de três tipos de consumidores que competem por espaço-localização, cujas funções a maximizar diferem quanto à natureza dos usuários. Enquanto nos lares, conforme se viu a função se articula em torno da noção da utilidade no consumo, a das empresas comerciais7 e a dos agricultores se apóia na maximização do ganho. Os agricultores

7 Neste modelo não se considera a empresa industrial, que transforma as matérias primas, pois sua localização ótima é inerente à natureza do processo produtivo. Segundo Alfred Weber, pode-se constatar a existência de processos produtivos poupadores de “valor peso” das mercadorias finais como na produção de ferro e aço, que incrementam o valor peso, ou processos produtivos neutros como as confecções. Embora a função objetivo seja a mesma, isto é, minimizar os custos de transporte, o índice material que indica a natureza do processo produtivo indicaria a inclinação da assinatura industrial a localizar-se perto do mercado do insumo principal no primeiro caso, ou perto do mercado do bem final como nos outros dois casos. A Síntese omite este tipo de assinatura pela maior complexidade de modelar este tipo atividade econômica.

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se enfrentam, do enfoque da renda de von Thünen, a uma situação em que os custos unitários de produção e de transporte são fixos, podendo ser parametrizados, enquanto que os preços de mercado dos bens agrícolas são fixados pelo mercado, de onde se supõe que esses preços vão configurar um mapa de oferta de rendas e a organização espacial da produção. Neste caso, o lugar influi em términos de custo, os que assumem o agricultor e que faz que sua oferta de renda seja igual ao custo economizado de transporte do bem ao mercado. Este raciocínio se pode cobrir parcialmente ao caso das empresas, pois sua localização reveste maior complexidade, pois uma melhor localização lida como a proximidade ou sua instalação justamente no centro, redunda em um maior volume de operações e, portanto, em um maior nível de ganho. Mas o incremento do nível de operações leva a um incremento nos custos operacionais e, em particular, a uma maior demanda de espaço que suporte esse maior nível de transações; como o requerido para o armazenamento dos inventários de mercadorias e o que se deve habilitar para sua carga e descarga. Caso um nível de ganho constante, a oferta de renda da empresa resultará então de descontar o maior nível de custos operacionais ao incremento no volume de transações originado em sua proximidade ao centro, de onde se derivam as curvas de isoganancia que representam a indiferença de localização das assinaturas a tal nível de ganho.

Os três tipos de consumidores de espaço-localização, cada qual dotado de sua função objetivo a maximizar, encontram-se em uma competência espacial por quanto as características de cada lugar são irreprodutíveis em outro e, então, certa quantidade de espaço-localização não pode ser consumida por duas atividades simultaneamente. A importância social do uso do solo se torna irrelevante, em tanto seu uso para a satisfação de necessidades vitais ou para a realização de um ganho; o importante é que a oferta de renda, resultado da submissão do solo a um intercâmbio, vai se traduzir em um pregão monetário -os preços do solo- subjacente ao mecanismo de coordenação dos agentes. Mas, se pelo lado da demanda, esses pregões dos três tipos de agentes são característicos de um mercado de competência perfeita, a no - reprodutibilidade espacial do bem localização é um sinal que do lado da oferta nos encontramos em um mercado racionado, isto é, uma curva de oferta inelástica ao preço que assinala a possibilidade certa de que os proprietários de direitos sobre o solo imponham um preço de monopólio aos três tipos de demandantes.

Este é um inconveniente transcendental para a Síntese, pois esta busca apresentar seus resultados no marco do “modelo mais completo de comportamento econômico que existe” (Weintraub 1974, p. 73): o do equilíbrio geral competitivo. O leiloeiro walrasiano tem pouco que dizer em tal situação. Ao emudecerem-se, seus

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pregões e suas intenções de meço se neutralizam gerando problemas axiomáticos. A solução que oferece a Síntese corresponde a uma estilização drástica que, segundo já mencionamos, concerne à existência de um proprietário ausente, que tampouco apregoa preço algum, mas sim se encarrega de ratificar, como os juizes no esporte, os resultados dos conflitos competitivos entre os jogadores do lado da demanda e que põem em jogo suas ofertas de renda para assegurar o consumo do binômio espaço-localização como o mecanismo único de coordenação espacial (Abramo 2001a, p. 79).

Retornando ao modelo básico, a Síntese se ocupa de estendê-lo a três situações não tratadas até agora. A primeira se refere à análise do custo do tempo nos deslocamentos da residência ao trabalho, para analisar como a localização dos lares se afeta pelo ingresso salarial e os ganhos não salariais. O tempo disponível dos lares se gasta em ócio, trabalho e os deslocamentos entre os lugares de residência e trabalho. Além disso, se “os lares podem escolher livremente entre tempo de ócio e tempo de trabalho”, a taxa de salário vai representar o preço ao que os lares vendem o tempo disponível -nítido de deslocamentos- aos empregadores, quando decidem não desfrutar do ócio. A grande conclusão é que se os custos de transporte são independentes do nível de ingresso, o centro da cidade e sua periferia estão disponíveis para os lares mais e menos prósperos. A elasticidade do ingresso potencial nítido do lar ao tamanho do lote e a elasticidade cruzada do tamanho do lote ao tempo de ócio, no discurso da Síntese (Fujita 1989, p. 35-38) sustenta que em um regime de salários altos e custos elevados de transporte, que são usualmente ajudados pelos empregadores os lares mais enriquecidos tendem a se localizar no centro das cidades. Não ocorre o mesmo quando tais custos não são insignificantes, como nos Estados Unidos, de maneira que a dinâmica do desenvolvimento suburbano contrastará com o paulatino abandono e deterioração do centro das cidades, fenômeno conhecido como o modelo donnut da cidade norte-americana.

A segunda situação corresponde à análise da estrutura familiar. Se o número total de membros do lar h subdividemse nos que trabalham n e o número dos que são dependentes d, tais parâmetros se incorporarão para definir a nova função de utilidade da seguinte maneira:

)n,d;t,s,z(Umax 1

t,t,s,z,r w1 (22)

Sujeito a:

wN nWtYnars)r(Rz +=++ , e tbrtt w1 =++ (23)

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O bem composto z como o solo s é consumido de maneira adicionada pelos membros do lar e é o tempo disponível de cada trabalhador do lar, t1 o tempo de ócio, tw o tempo de trabalho e br o tempo de deslocamento entre a residência e o

trabalho. A primeira parte é a restrição orçamentária, em que ar é o custo pecuniário do transporte que se supõe semelhante para cada trabalhador do lar, igual à taxa de salário W. Logo depois de fazer as transformações logarítmicas (Fujita 1989, p. 40), a Síntese sugere que se o número de dependentes se incrementa, o peso relativo do tamanho do lote na função de utilidade aumenta na mesma direção que o faria um incremento do tempo de ócio dos trabalhadores. A partir desse modelo, propõe que: “i) à medida que aumenta o número de dependentes no lar, a localização de equilíbrio se afasta do centro da cidade; ii) quando os lares estão compostos de assalariados, as localizações dos lares podem ser classificadas pela proporção n/h, tempo de deslocamento-tamanho do lar; para uma proporção pequena, a localização se aproximará do centro da cidade; e, iii) quando, além de ser assalariados, nos lares não há dependentes, a localização é independente do tamanho do lar”.

Essas proposições entranham um posicionamento transcendental dos defensores dos mecanismos mercantis de coordenação espacial, pois, como se pode analisar, de uma parte apresentam de maneira sutil a heterogeneidade dos agentes do mercado imobiliário, até fazê-los aparecer como quase-homogêneos. Essa estratégia expositiva tem conotações importantes em términos da ordem apregoada pela Síntese espacial neoclássica, pois, de fato, a anarquia espacial que reinaria por causa das diferenciações dos lares se apresenta como uma ordem no que o mercado imobiliário se encarregou de coordenar aos tomadores de decisão de localização, ricos ou pobres, a partir de uma regra única de coordenação: a racionalidade paramétrica que consulta a restrição orçamentária dos lares. Este esforço da Síntese se traduz em uma argumentação sólida no intento de explicar a segmentação da cidade:

Parece-nos importante, por dois motivos pelo menos, indicar o procedimento teórico de construção da cidade segmentada seguido pelo discurso neoclássico que, por um lado, raciocina a partir da hipótese de homogeneidade dos agentes e, por outro, propõe uma imagem de uma ordem espacial composta por diferentes “tipos” de família. O primeiro motivo é que convém relativizar certo “monopólio” indicado por alguns trabalhos que pertencem à tradição clássico-marxista, referentes à diferenciação sócio espacial. Como se aprecia também os neoclássicos tentará explicar a maneira com que as diferenças socioeconômicas (para o caso, a partir do parâmetro do rendimento familiar) manifestam-se em términos de estrutura residencial urbana. O segundo motivo -e, neste caso, o discurso neoclássico constrói realmente uma argumentação sólida- tem que ver com a constatação de que os ortodoxos conseguiram explicar o ordenamento espacial dos diferentes tipos de agente sem rechaçar o princípio de homogeneidade dos agentes econômicos (Abramo 2001a, p. 110).

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Mas, no momento, tal esforço ainda se encontra inconcluso. O modelo básico é estendido a uma terceira situação que, aparentemente, confere à Síntese de um tom mais realista. Esta consiste em introduzir um novo agente -a indústria da moradia- que se encarrega de oferecer um produto básico agregado denominado serviços residenciais que, lembremos no modelo básico se encontravam incorporados no consumo dos bens compostos. Assina-a que provê tais serviços transforma um input -o capital- em um output -as moradias tipo apartamento- obtendo retornos constantes a escala. Com isso, a Síntese vai introduzir de novo a noção de homogeneidade dos agentes, agora do lado da oferta, por isso as assinaturas vão operar como um agente neutro na estruturação residencial intra-urbana, quer dizer, que tal assina jogará um papel semelhante ao do latifundiário ausente. A partir desta nova estilização drástica da realidade, a Síntese consolidará sua visão da cidade segmentada a partir do critério de substituição marshalliano de solo e capital. O trajeto que segue é o de estabelecer as condições em que surge o equilíbrio e o uso ótimo do solo para um só tipo de lar e, ulteriormente, para vários tipos de lares.

O equilíbrio no uso do solo expressa uma situação em que a estrutura espacial urbana não se encontra exposta à mudança. As perseverantes condições ideais de um mercado do solo competitivo, isto é, informação perfeita a respeito das rendas do solo ao longo da cidade e ausência de poder monopólico de qualquer dos agentes, fazem com que se alcance um estado estacionário. Por sua parte, o uso ótimo do solo depende da especificação da função objetivo. Por motivos de “conveniência” (Fujita 1989, p. 63-64), a Síntese vai recorrer ao modelo Herbert-Stevens, cujo objetivo é maximizar o excedente sujeito a um leque de níveis de utilidade predeterminado no que a solução é sempre eficiente. Antes de realizar essa eleição por conveniência, fica clara a intenção da Síntese de não aproximar-se muito à realidade ao renunciar a introduzir modelos nos que se trate desigualmente a iguais como o caso da função de bem-estar social Benthamite introduzida pelo J. A. Mirrlees, e que resulta em uma atribuição de diferentes níveis de utilidade para lares idênticos em diferentes localizações.

Recorrendo ao modelo do Muth, a Síntese propõe uma imagem da cidade em que em seu centro se verificam as maiores intensidades de capital aplicadas ao solo urbano, as quais decrescerão à medida que aumenta a distância ao mesmo. A racionalidade das assinaturas as levará a maximizar os benefícios na produção das moradias -os apartamentos- mas, em um marco de competência perfeita, qualquer localização lhes é indiferente para alcançar tal propósito. Ao encontrar-se com que as maiores atribuições de capital ao solo se encontram no centro da cidade, constatarão também que é ali aonde os movimentos positivos dos preços do solo

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são mais notórios. As assinaturas que operam ali farão um uso mais intensivo dos fatores não solo, quer dizer, de capital e trabalho, com o que essa maior intensidade se refletirá em um crescente grau de verticalização ou maior altura dos prédios residenciais. Portanto, a razão capital/solo ou, o que é idêntico, a razão input não solo/input solo vai ser lido como um indicador da não aleatoriedade do processo de coordenação, sinônimo também do grau de verticalização dos edifícios de moradias:

Desde esse ponto de vista, a competência espacial coordenada pelo mercado obtém, simultaneamente, a configuração residencial mais eficiente possível, isto é, uma distribuição espacial dos diferentes “tipos” de família, do consumo de espaço (densidade) e de intensidade de construção (verticalidade) residencial que maximizaria a utilização do espaço urbano e os benefícios pessoais dos participantes nos mercados da localização residencial, respeitando, ao mesmo tempo, a “liberdade” de eleição individual (Abramo 2001a, p. 141).

Para comprovar a existência, unicidade e eficiência do equilíbrio, em estática comparativa, quando se consideram múltiplos tipos de lares -três no caso da Figura 2.4-, a Síntese (Fujita 1989, p. 104-106) introduz o conceito de curvas de renda de fronteira, recurso analítico que lhe permite demonstrar a existência de um solo par (ri*, oui*), para todo valor de i que satisfaça as condições de equilíbrio, com o que a

Síntese espacial neoclássica replicou secularmente os critérios do Von Thünen. Os margens urbanos externos e as zonas internas se deslocarão ao vaivém da evolução do nível e a distribuição do ingresso: se o ingresso das classes ricas sofre um forte incremento enquanto que o ingresso da classe pobre permanece inalterado, a margem urbana se poderá expandir e a utilidade de equilíbrio das classes ricas será maior; se incrementar o ingresso dos pobres enquanto que o dos ricos não se altera, as zonas interiores ocupadas pelos pobres poder-se-ão expandir, seu nível de utilidade será maior e as zonas externas ocupadas pelos ricos se poderão expandir ainda mais.

O caráter ético da dualidade rico-pobre não está aqui em questão. Os termos rico e pobre se empregam como categorias centrais nos intentos de explicação do fenômeno mais evidente das cidades contemporâneas: a segregação socio-espacial urbana. Na tradição neoclássica, a racionalidade paramétrica imanente ao homus economicus se encontra ao alcance de todos, ricos ou pobres, com o que a regra de coordenação de mercado é a mesma para todos e as soluções oferecidas dão conta da harmonia espacial que reinaria nestes ambientes, por oposição às soluções conflitivas do tipo todos contra todos que sugere Harvey. Na argumentação da Síntese a proposição de neutralidade do espaço joga um papel central (Abramo 2001a, p. 147). Ela é surta de um ambiente em que o império da informação perfeita faz que os agentes se comportem como não agentes. Quer

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dizer, se comportem de maneira míope ao não lhe interessar algum comportamento antecipatório, algum tipo de previsão sobre o comportamento dos outros, o processo de tira de decisão de localização fica circunscrito a um presente que o destino já lhe tinha atribuído pela via da racionalidade paramétrica.

Figura 2.4 Configuração do equilíbrio no uso do solo com três tipos de lares

Fonte: Fujita (1989, p. 105)

Mas em caso de algum enguiço do princípio da informação perfeita, no

caso bastante provável de que a dúvida respeito ao futuro da localização se instaure nos tomadores de decisão e que eles tomem consciência de que sua decisão está coberta por um manto de irreversibilidade, certamente que o espaço entrará em jogar um papel ativo. Em tal processo, a eleição de localização já não estará assinada pela indiferença. Da mesma maneira, pode ocorrer que o comportamento interessado de lares oportunistas guiados pela busca de externalidades de vizinhança conduza a uma situação de equilíbrio sub-ótimo. Com isso, a eficácia do mecanismo de coordenação se debilita, pois o otimismo neoclássico é subvertido pela incerteza e, no plano microeconômico, o comportamento míope do indivíduo

R

ψ1(r,u*1)

ψ2(r,u*2)

ψ3(r,u*3)

RA

r*2 r*

3 r*1

CBD

HTipo1

HTipo2

HTipo3

Agricultura

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que realiza eleições só a partir de sua racionalidade paramétrica o é por uma economia das antecipações urbanas. 2.4.3 Os bens públicos no laizzesferismo urbano A proposição fundamental da Síntese em términos da provisão dos bens públicos é que os benefícios de seu consumo verificam-se principalmente sob a forma de externalidades e, portanto, no seu consumo maciço, e a competência entre desenvolvedores urbanos ou entre cidades que se comportam como maximizadores de benefícios é o mecanismo que garante sua provisão eficiente. Quando isso ocorre, os resultados em términos da organização eficiente do sistema de cidades são idênticos. Ao introduzir as externalidades, o modelo básico se generaliza da forma:

( )( )xEszUuzx

,,max,,

(24)

Aonde “z representa a quantidade de bem composto e s é o tamanho do lote para a moradia”. E(x) é um vetor que representa a qualidade ambiental em cada localização x ou, em outros términos, um numerário que reflete conjuntamente as variações espaciais tanto do meio ambiente natural como do artificial. Se o meio ambiente natural for semelhante em todos os lugares, isto é, que a natureza não foi mesquinha com nenhuma localização, E(x) reflete as “externalidades causadas por agentes econômicos ou bens públicos” (Fujita 1989, p. 180), de maneira que o programa de maximização se sujeita agora a que:

( ) ( ) ( )xTxGYsxRz −−=+ 0 (25)

Aonde E0 é o ingresso da família antes das taxas e G(x) são as taxas únicas que recaem sobre a família em cada localização. A Síntese introduz a hipótese de que E(x) é um valor positivo e finito, ou seja, que assume que as externalidades são sempre positivas, pois, solo dessa maneira, é possível estabelecer uma correlação positiva entre as variações da utilidade e da externalidade. Contraste-se neste momento que, a despeito de nossa noção do balanço de externalidades, a Síntese a descarta como suposto mais próxima à realidade, pois isso lhe significaria sacrificar a elegância, a parcimônia e o rigor formal do modelo. Para levar adiante o programa de maximização, a Síntese assume primeiro, que a função de utilidade é contínua e crescente para todo valor positivo de z, s e E satisfaz as regras gerais das curvas de indiferença; segundo, que os custos de transporte são positivos e lhes incremente

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com a distância; e, terceiro, que sob cada valor fixo de E positivo, o efeito ingresso da demanda marshaliana é positivo. Contraste-se agora, adicionalmente, que o papel dos custos de transporte concerne à forma convencional como a geografia econômica trata a distância em seus modelos explicativos, visão pouco abrangente da proximidade, pois não incorpora nenhum suposto sobre as economias lhes relacione que garantem a interação efetiva dos membros das famílias. A função de leilão de rendas do solo das famílias da equação (15) transforma-se com a introdução das externalidades a:

( ) ( ) ( )s

xEusZxTxGYux

s

),,(max),(

0 −−−=ψ (26)

Na função Z se assume a essencialidade de todos os bens e, portanto, a utilidade é uma função contínua e incremental para todos os valores de s, z e E, os custos de transportes se incrementam com a distância e o solo se comporta como um bem normal, de maneira que contém todos os critérios de indiferença das localizações. A resolução do programa de maximização conduz a estabelecer o tamanho ótimo do lote S(x,u), de onde se derivam as seguintes identidades (Fujita 1989, p. 182):

( ) ( ) ( )( )xEuxTxGYux ,,),( 0 −−≡ψψ (27)

( ) ( ) ( )( )xEuxTxGYsuxS ,,),( 0 −−≡ (28)

De maneira paradoxal, se houver substituibilidade perfeita entre s e E e se mantém constante o nível de utilidade, resulta que nos melhores bairros o tamanho dos lotes de terreno tendem a ser pequenos (Fujita 1989, p. 184). Em relação com a proposição fundamental da eleição residencial, a Síntese lança a hipótese de que a universalidade da provisão dos bens públicos se resolveu ex ante, pois “isso implica que o entorno residenciais é semelhante em qualquer lugar da cidade” (Fujita 1989, p. 179). Não obstante, entra em explicar as variações das localizações pelas amenidades do entorno partindo de assumir as dificuldades para a provisão eficiente de bens públicos de escala nacional por mecanismos de mercado, enunciada pelo Samuelson, e os problemas do tipo free-rider derivados da revelação das preferências pelos indivíduos racionais. Logo introduz a solução do Tiebout para sua provisão eficiente a escala local, isto é, que essas famílias escolhem viver naquela cidade cuja oferta de bens públicos satisfaz com amplitude suas preferências, com o que os governos locais se inundam em uma espécie de eficiência comparativa espacial na produção dos bens públicos.

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A Síntese aborda uma taxonomia dos bens públicos com a que se busca ressaltar suas características espaciais. O bem nacional é aquele cuja disponibilidade é virtualmente constante para toda uma nação. Os bens puros cidade são aqueles cujos benefícios e sua disponibilidade no varia só para seus habitantes e, além disso, em seu consumo não se registra efeito congestão, situação que caracteriza outra modalidade de bens denominados como bens cidade congestionáveis que, em altares de facilitar sua compreensão, denominarei como bens impuros cidade. A partir desta taxonomia introduzem dois tipos de bens, os bens vizinhança e os que denominam como bens super - vizinhança, que se distinguem pelo fato de que, assim seus benefícios se confinem para os habitantes da cidade, sua disponibilidade pode variar ou não entre as diferentes vizinhanças que a compõem, de maneira que no consumo destes bens pode que não exista rivalidade, que os custos de exclusão sejam elevados e, além disso, ausência de efeito congestão; mas também é plausível a existência de bens que não detenham alguma destas características com o que estaríamos em presença de bens públicos impuros.

Como os custos fixos per-cápita são grandemente elevados a um tamanho de população relativamente pequeno, sua construção se constitui em um forte incentivo para a estruturação da cidade. Seguindo a proposição do Tiebout, a Síntese concebe uma cidade maximizadora de benefícios, em que os indivíduos são livres de migrar, tanto a seu interior como entre cidades. Por tanto, os custos de um eventual deslocamento são virtualmente nulos, proposição a que se chegou, recordemos, com os supostos da cidade monocéntrica, de uma função de produção urbana com rendimentos constantes a escala e com os preços da produção para exportar determinados exogenamente. Mas a introdução desses custos fixos coloca à Síntese de cara a um problema teórico transcendental -a formação dos preços do solo- cuja solução é suplantada pelo suposto do latifundiário ausente.

A Síntese convém em um primeiro tipo de organização da cidade que repousa, segundo nosso entender, nos supostos do laissezferismo impuro. A cidade conduz com os ônus que supõe a produção dos bens públicos urbanos, de maneira que “os custos fixos K são ulteriormente confiscados sob a forma de renda diferencial que inicialmente pertence aos latifundiários ausentes” (Fujita 1989, p. 152), enquanto que o resto de elementos da organização da cidade é determinado em mercados competitivos8. Segundo a Síntese, se se havendo alcançado as condições de otimalidade –�, o salário que é igual a sua produtividade marginal do

8 O qualificativo impuro obedece ao feito de que o esforço global que requer a organização da cidade não foi substituído ainda pelo esforço privado e, conseqüentemente, a confisco das rendas pelo latifundiário ausente é um enriquecimento sem causa que concerne à degeneração da noção da propriedade privada das liberais clássicas.

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trabalho; u, o nível de utilidade; e, N a população- a curva de excedente l mostra um umbral de população de equilíbrio como na situação a da Figura 2.5, no que como a renda diferencial total excede os custos fixos K, a cidade poderia financiar tais custos confiscando uma parte dessas rendas ao latifundiário ausente. Obviamente, o quando excedente nítido é negativo não haverá lugar ao desenvolvimento da cidade. Não terá que perder de vista que, segundo este enfoque, o desenvolvedor urbano -o agente imobiliário- cujo objetivo é a maximização dos benefícios de sua atividade construtiva, processa em suas decisões produtivas e em suas eleições de localização uma renda do solo semelhante a da agricultura, isto é, a renda do solo mais baixa a seu alcance, ou seja, que a saída para desafio teórico é uma redução drástica da realidade que desemboca indevidamente na existência de um mercado do solo urbano com as características da competência perfeita.

O segundo tipo de organização da cidade é precisamente o que é resultado da ação de um desenvolvedor maximizador de benefícios que pagamento essa renda da agricultura ao latifundiário ausente e que pode escolher entre planejar e administrar todos os aspectos concernentes à formação da cidade9 ou fazê-lo através de mercados competitivos10. A Síntese opõe os dois tipos de organização para sublinhar os melhores resultados que, em términos da eficiência alocativa, alcançam-se com a competência. Como os benefícios que reporta a cidade estão positivamente correlacionados com o nível de serviço ou disponibilidade dos bens públicos, a decisão de mobilizar uma quantidade K de recursos é um poderoso instrumento de que dispõe o desenvolvedor urbano para induzir às famílias a viver na cidade que, por sua parte, também conhecem o nível meio da utilidade u disponível no sistema de cidades. Quando o desenvolvedor escolhe um nível de população como N na Figura 2.5, está perseguindo maximizar seu benefício líquido que, na medida em que K é fixo, unicamente poderá alcançá-lo em a, isto é, que unicamente a esse nível operará o desenvolvedor pois é ali que o ganho surto da renda diferencial total menos os custos fixos é máxima.

9 Advirta-se que este tipo de organização da cidade alude a uma sorte de “totalitarismo” ao que denominamos como o intervencionismo radical e que, como a Síntese o adverte “envolve uma proibição considerável de ações” (Fujita 1989, 154) que, segundo meu entender, caracteriza as fases stalinistas da planeação da atividade econômica. 10 De forma complementar, esta opção corresponderia ao que denominamos como o laissezferismo puro no que o racionalismo maximizador de benefícios coordena as ações dos desenvolvedores públicos ou privados.

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Figura 2.5 Curva do excedente e custos fixos K

Fonte: Fujita (1989, p. 154)

Ao considerar uma cidade maximizadora de utilidade, em que certo número de lares concordou em urbanizá-la de maneira que o nível comum de utilidade seja o máximo acessível com a produção de K para certo tamanho de população N, as condições de otimalidad obtidas com o lagrangiano na Figura 2.5 expressam então a restrição orçamentária que enfrenta o governo para tal propósito; quer dizer, que o problema se limita a alcançar esse nível máximo de utilidade com um nível apropriado de população e sujeito a uma restrição orçamentária. Esse objetivo só é alcançado quando a curva do excedente é tangente a dos custos fixos de abaixo e, além disso, a utilidade alcançada é igual ou superior à utilidade média da nação, pois, do contrário, a cidade não é viável. Quando o diferencial entre a utilidade assim alcançada e o da nação é suficientemente considerável, este se converte em um forte estímulo para que novas famílias queiram residir na cidade, enquanto que as residentes com antecedência têm outro tanto para fechar a cidade ao nível ótimo N. A Síntese lança então a proposição de que é esse estimulo o que leva às famílias originalmente instaladas na cidade a organizar um governo cuja única tarefa é manter fechada a cidade para qualquer família que transgrida o nível N e, de uma vez, deixar que ela seja determinada em negociados competitivos (Fujita 1989, p. 156).

),( uN δ

a

b'b

γ

N

K

),,( Nuδ�

TDR=�

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O resultado é evidente. Como a renda diferencial total no modelo da cidade aberta coincide com a solução de equilíbrio no modelo da cidade fechada, os esforços que representa a produção dos custos fixos a um nível ótimo de população são equivalentes à renda diferencial total, esses gastos podem ser cobertos plenamente com uma taxa confiscatória da renda diferencial. Essa é a regra de ouro das finanças públicas conhecida como o Teorema do Henry George (Fujita 1989, p. 157). Nestes términos, tanto os desenvolvedores como os governos locais se enfrentam ao objetivo de maximizar a diferença entre a renda diferencial do solo, originada nas atribuições discrecionais de capital, e as somas mobilizadas para tal propósito, que são denominadas como custos fixos para sublinhar as economias de escala que subjazem a sua produção. O tamanho populacional da cidade incide diretamente no nível de benefício que cada família obtém da oferta de bens públicos, ou seja, que com uma oferta de bens públicos cidade relativamente inelástica às variações populacionais, a chegada de uma nova família à cidade vai reduzir marginalmente o bem-estar das já instaladas em razão ao incremento na congestão que ela gera. O desenvolvedor não tem interesse em que a congestão ocorra, pois sabe que isso pode incidir negativamente em seu propósito maximizador. Isso vai conduzi-lo a impor um imposto à congestão a cada família que se adicionará à renda diferencial do solo urbano enquanto que os custos fixos não se modificam e, ao competir com outros desenvolvedores na provisão dos bens públicos, a competência resulta ser o mecanismo mais eficiente para isso.

Desde essa lógica, aparentemente as escalas espaciais são inócuas. Para a Síntese não existe nenhuma outra racionalidade que a paramétrica, quer dizer, é um pensamento único o que guia à cidade e à vizinhança, ao governo e ao empreendedor, para que a competência possa realizar sua tarefa eficientemente a qualquer escala, pois a “cidade consiste em muitas pequenas vizinhanças” (Fujita 1989, p. 179). Há aí o potencial segmentador da competência mercantil. Não obstante, essa solução não é facilmente replicável quando se trata dos bens super-vizinhança, isto é, aqueles bens dos que as famílias derivam benefícios simultaneamente com outras que residem em outras vizinhanças, de maneira que a cidade não se pode desagregar em tantas regiões de maneira que os benefícios de tais bens se possam internalizar pois, ainda se isso se pudesse fazer levantando o critério de indivisibilidade de tais bens, apresentar-se-iam efeitos de alastramento entre jurisdições, o que é uma notável barreira para a provisão eficiente de este tipo de bens por mecanismos de mercado.

Mas a Síntese se encarrega precisamente de contar uma história da provisão eficiente dos bens públicos e da maneira como se obtém o ótimo populacional através de “mercados competitivos” (Fujita 1989, p. 192) e, portanto, a

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que corresponde aos bens puros cidade não tem porque ser substancialmente diferente a já mencionada. O modelo de custos fixos atribuíveis aos bens puros cidade repousa nos mesmos supostos já assinalados, a não ser porque o nível de K corresponde a uma decisão de política do governo da cidade ou do desenvolvedor que representa simultaneamente tanto o custo do fornecimento como o nível do serviço, de forma que o nível da qualidade do entorno da cidade é uma função de K e, em ausência de efeito congestão, E(K) é independente da localização com o que a eleição residencial de cada família se representa agora como:

( )( )KEszU

szr,,max

,,, sujeito a ( ) ( ) ( )rTrGYsrRz −−=+ 0 (29)

O excedente máximo fatível pelo desenvolvimento da cidade resulta de subtrair ao produto marginal do trabalho, em términos adicionados, o custo residencial mínimo acessível para um nível de utilidade ou de N famílias a um nível de K conhecido. Se os desenvolvedores seguirem a regra da maximização de benefícios se obterá um sistema de cidades que dispõe à população de maneira eficiente, resultado idêntico ao dos municípios que competem entre si e que se regem pelo critério de maximização da utilidade. O desenvolvedor maximizador de benefício parametriza o nível de utilidade nacional ou e optimaliza as eleições das famílias que conformam a população da cidade N e o nível do serviço K do bem público cidade para maximizar seu benefício líquido π:

( ) KKNuKN

−≡Π>>

,,,max0,0

δϑ (30)

Com tal propósito, o desenvolvedor pode resolver “seu problema” (Fujita 1989, p. 186-188) em duas etapas: na primeira pode escolher o tamanho ótimo de população N a cada nível de K posto que, quando o solo se rege pelas regras de um mercado competitivo de renda, isto é, que em competência a renda do solo tem para a renda da agricultura e, além disso, os custos da migração entre a cidade e o resto da economia não são significativos, o excedente máximo é igual à renda diferencial total TDR ou, em outros términos, é nessa modalidade da renda que se personificam os benefícios para a cidade; na segunda etapa, o desenvolvedor escolhe o nível ótimo do serviço K do bem cidade no entendido que qualquer incremento no nível de fornecimento aumenta o prestígio da cidade e, com isso, o tamanho da população e do benefício líquido. Quando a soma dos benefícios marginais sobre todos os lares na cidade se equipasse ao custo marginal do bem público se cumpre à condição do Samuelson, sempre e quando a informação seja perfeita, e a regra que orienta a

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decisão do desenvolvedor de aumentar o nível de serviço do bem público é a possibilidade de capturar os incrementos na renda diferencial. No caso da cidade que se enfrenta a sua restrição orçamentária no intento por maximizar o nível comum de utilidade, seu governo deve escolher a população N a que subministrará o bem público K:

uKN 0,0

max>>

, sujeito a ( ) KKNu ≥,,,δϑ (31)

De maneira semelhante a como a Síntese sugeriu a solução ao problema do desenvolvedor, a cidade vai resolver, em um primeiro passo, o problema da maximização do excedente escolhendo uma combinação do nível do bem público K e de utilidade ou que garantam uma população N ótima para, no segundo passo, escolher nesse nível de K do bem público cidade concernente ao mais elevado nível de utilidade ou. Posto que qualquer dos dois atores segue o guia da racionalidade paramétrica, a competência entre eles resulta em um sistema de cidades eficiente, isto é, Pareto - ótimo.

A substância da história dos bens impuros cidade não troca, pois, finalmente, a solução ao problema da congestão que os caracteriza de cara a sua provisão eficiente é a mesma: a competência entre maximizadores, já seja entre os desenvolvedores ou entre as cidades. O efeito congestão surge de um decréscimo no benefício potencial que o indivíduo pode derivar do consumo do bem público e que se origina no incremento do número de usuários. Como os lares que se decidem a migrar para certa cidade consideram exclusivamente os benefícios que lhe reporta, sua chegada vai incrementar o nível de congestão que se apresenta no consumo do bem público, o que vai afetar negativamente às famílias previamente instaladas. Se o objetivo é contar com um tamanho ótimo de cidade, os desenvolvedores -ou os governos- estão em capacidade de impor uma taxa de congestão a todas as famílias na cidade, de maneira que o excedente do desenvolvedor vai se personificar na somatória das rendas diferenciais da cidade adicionadas com a cobrança dessas taxas, que será a nova função a maximizar. O nível do serviço E(K,N) do bem público na cidade se acompanha agora do número de famílias N para denotar o efeito congestão associado, e se assume que se crescente em K e decrescente em N, por quanto a equação (29) transforma-se agora em:

( )( )NKEszU

szr,,,max

,,, sujeito a ( ) ( ) ( )rTrGYsrRz −−=+ 0 (32)

Posto que o nível de utilidade u da nação é conhecido e suscetível de parametrizar, o problema do desenvolvedor ao escolher uma população N e um nível do serviço K

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é que se submete a uma regra de maximização como a da equação (30) que, ao incorporar o efeito congestão se transforma em:

( )( ) KNKENuKN

−≡Π≥≥

,,,,max0,0

δϑ (33)

Para resolver tal problema, o primeiro passo consiste em atribuir, para cada valor dado do nível do bem público K, um tamanho de população N, de onde a condição de primeira ordem para o ótimo de população concerne a que o produto marginal do trabalho � é igual a duma do custo marginal da população. Ao resolver o sistema de equações resultantes, é possível dar o segundo passo que é o de obter o nível do bem público K que maximize o benefício líquido π (Fujita 1989, p. 194). Caso que o nível do bem público E(K,N) assume a forma:

( )

��

�= λN

KfNKE , (34)

Onde f é uma função incremental em que o parâmetro = representa os graus de congestão do bem público, isto é, que quando assume o valor de zero estamos em presença de um bem puro cidade e quando é a unidade se trata de um bem impuro cidade (Fujita 1989, p. 197), de maneira que a taxa de congestão G se obtém de:

��

�=NK

Gλ (35)

A regra para determinar o valor ótimo da taxa de congestão é que ela não pode determinar-se exogenamente, isto é, sem levar em conta em seu cálculo a capacidade ótima de K e o tamanho ótimo de população N, de maneira que o problema do desenvolvedor pode ser replantado como:

( ) ( ) KGKuGNKuGTDRKG

−−+−=Π>

,,,,max0,

δδ (36)

Quer dizer, que o desenvolvedor escolhe a taxa de congestão G e a capacidade do bem público K concernente à maximização do benefício líquido resultante de subtrair à renda diferencial total TDR mais a taxa de congestão G o custo do bem público; ou seja, que a maximização do benefício é consistente com a minimização do custo do bem público (Fujita 1989, p. 198). Isto sugere que em um sistema de cidades habitadas por famílias homogêneas, mais ainda, idênticas, e resultado da competência entre desenvolvedores -ou governos- maximizadores de benefícios, os

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custos de provisão dos bens públicos podem ser plenamente cobertas pelas rendas diferenciais e as taxas de congestão:

KKTDRKNGTDR =+∴=+ λ ou ( )KTDR λ−= 1 (37)

A equação anterior significa que se o grau de congestão da cidade se incrementa, o custo adicional requerido para reduzi-lo é talher pela taxa de congestão e, de qualquer maneira, o sistema de cidades é eficiente seja que operem desenvolvedores ou governos sempre que eles se comportem como maximizadores de benefícios em competência. Em razão a que a maioria dos bens públicos tem uma localização fixa e a que as famílias derivam os benefícios de seu consumo ao residir em contigüidade, tais benefícios variam no espaço urbano. A Síntese sugere então duas categorias de bens públicos nos que é comum a congestão e que são diferenciáveis razão do confinamento dos benefícios de seu consumo às famílias de um bairro ou sua extensão às de mais de um: são os bens vizinhança e os bens super-vizinhança, respectivamente. Os bens vizinhança se assumem como facilidades públicas densamente localizadas em bairros habitados por famílias às que se reservam os benefícios de seu consumo. Assumindo que cada pequena vizinhança é desenvolvida por um desenvolvedor maximizador de benefício e, a diferença dos bens públicos cidade, cada vizinhança se encontra localizado a diferente distancia r do distrito central de negócios, aonde é mais abundante o bem composto z, isto é, que sua cercania outorga vantagens econômicas, os mecanismos descentralizados de provisão resultam na disposição eficiente da bem vizinhança (Fujita 1989, p. 201).

A entrada em cena dos bens vizinhança deforma o plano isotrópico com o que a Síntese levantou a hipótese da disposição eficiente dos bens cidade a partir da ausência de efeitos de derramamento, de delimitação da área de mercado, quer dizer, ausência de superposições na fronteira do perímetro e, além disso, a prevalência da renda da agricultura como proxy de um mercado competitivo do solo ou de um latifundiário ausente. Agora, os desenvolvedores das vizinhanças vão competir pelas vantagens de localização que distorcem a distribuição uniforme da renda da agricultura. A competência permite à aparição de uma renda absoluta que pagam os desenvolvedores aos donos da terra em cada localização, de maneira essa renda diferencial de cada localização surge de subtrair a renda absoluta à residencial que é a que pagam as famílias aos desenvolvedores. Em equilíbrio, a Síntese “garante que todos os desenvolvedores na cidade vão obter um benefício zero” (Fujita 1989, p. 202), resultado iniludível de um mercado de competência perfeita. Tal deformação se encontra em uma distribuição espacial da bem

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vizinhança que é “simétrica com respeito ao distrito central de negócios”, em que r é a distância ao distrito central de negócios e k(r) é a densidade da bem vizinhança por unidade de área a uma distância r, cuja capacidade é mensurável pelos custos de provisão. No entanto n(r) representa o número de famílias e L(r) a quantidade de terra localizada a essa distância, de maneira que a densidade de população em r se representa por:

( ) ( )( )rLrn

r ≡ρ (38)

Nestas condições, o nível de serviço E(r) da bem vizinhança a uma distância r é função do custo e a densidade, crescente com o custo e decrescente com a densidade:

( ) ( ) ( )( )rrkErE ρ,= e ( ) 0, >∂∂ kkE ρ , ( ) 0, ≤∂∂ ρρkE (39)

De novo, a bem vizinhança é pura em ausência de congestão () e é impuro em sua presença (). Sendo a situação mais comum a do bem público impuro e, além disso, as relações que apresentei na Figura 2.1 no que a Síntese resumiu sua colocação sobre a estruturação urbana como um problema de agentes localizados em vizinhanças situadas a uma distância r do DCN, o desenvolvedor vai tentar os benefícios que lhe reporta sua atividade ao operar tal distância:

( ) ( ) ( )( ) ( ) ( ) ( )rkrrrRrRr −+−= ρτπ 0 (40)

No primeiro lance da função de benefícios do desenvolvedor, a renda diferencial é captada como a diferença entre a que pagou ao latifundiário pelo solo em seu estado original e a renda residencial que se conformou ao produzir a bem vizinhança. Embora não tem nenhuma ingerência sobre a renda do solo original por quanto é determinada pela competência entre desenvolvedores, a renda residencial se forma no fundamental por suas eleições sobre o custo do bem público k(r) e a taxa de congestão �(r). A Síntese conclui que para qualquer taxa de crescimento populacional g dada, se cada desenvolvedor escolhe uma, o nível do bem publico k(r) e a taxa de congestão �(r) tais que maximizem a renda diferencial e a taxa de congestão menos o custo do bem público. O uso eficiente do solo se obtém em condições de equilíbrio, situação em que os mecanismos descentralizados se encarregam de que o desenvolvedor obtenha um benefício zero, com o que o custo da bem vizinhança é talher com os ganhos da renda diferencial e a taxa de congestão a cada distância r (Fujita 1989, p. 208):

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( ) ( )( ) ( ) ( ) ( ) frrrkrrrRrR ≤=+− ,0 ρτ (41)

Onde rf é a distância máxima ao Distrito Central de Negócios ou distância de

fronteira. Esse equilíbrio se alcança em uma situação competitiva ou, alternativamente, por mecanismos compensatórios, isto é, com as variações convenientes no nível de utilidade das famílias ante uma mudança na taxa de crescimento populacional, mas, em qualquer circunstância em que opere a competência, a Síntese garante que a disposição do bem público alcançada cumprirá os requisitos de otimalidade e eficiência.

Tratando-se dos bens super-vizinhança, e a diferença dos bens cidade e dos bens vizinhança nos que é possível confinar os benefícios que as famílias derivam de seu consumo para todas as que residem na cidade ou na vizinhança, respectivamente, não é possível confinar tais benefícios, pois eles se encontram a disposição das famílias de mais de uma vizinhança e, além disso, o critério de indivisibilidade da cidade em regiões nas que isso pudesse ocorrer, é uma barreira notável para a coordenação da produção destes bens por mecanismos descentralizados, ao igual a para a coordenação das famílias que escolhem uma localização na medida em que dependendo dela vão captar diferentes utilidades de seu consumo.

As famílias podem escolher por consumir a facilidade que lhe produza o maior benefício como, por exemplo, um colégio de educação básica para seus filhos -equação 39- ou pela soma total do benefício de dois bens diferentes - equação 40-, museu e parque, por exemplo:

( ) ( ) ( ) ( ) ( )}{ 2211 ,max yxgKfyxgKfxE −−= (42)

( ) ( ) ( ) ( ) ( )2211 yxgKfyxgKfxE −+−= (43)

A Síntese centra sua atenção no segundo caso, pois é o que expõe as maiores dificuldades para a provisão e coordenação dos atores por mecanismos descentralizados (Fujita 1989, p. 211), de forma que a equação (43) é submetida a uma transformação logarítmica em que o coeficiente � é umas taxa de descontinuidade espacial atribuível à localização do bem super-vizinhança e que tem a propriedade de que, quando tende a zero, reflete a presença de um bem público puro:

( ) ( ) ( ) 2121

yxyx eKfeKfxE −−−− += ωω (44)

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Com o que a função de utilidade de cada família está dada agora por uma função logarítmica linear como:

( )( ) ( )xEszxEszU logloglog,, γβα ++= (45)

Em que �, � e � são coeficientes positivos e � + � = 1. A análise da localização ótima dos dois bens públicos se circunscreve a uma situação em que o nível de seus benefícios correlativo aos custos é semelhante, ou seja, uma situação do tipo K1 = K2 que concerne à conjetura de que estes estarão dispostos de maneira simétrica

ao redor do DCN como se apresenta na Figura 2.6b. Mas, como a Síntese adverte, “esta conjetura, entretanto, ainda não foi provada” (Fujita 1989, p. 224). A Síntese procede então a obter as condições de otimalidade mediante o emprego da Progressão do Lagrange cujos resultados são interpretados como as condições representativas do equilíbrio compensatório obtido com uma taxa de magnitude semelhante ao crescimento populacional.

A configuração espacial ótima obtida a través do equilíbrio compensatório apresentasse na Figura 2.6a, na que R(x) denota a renda do solo a cada distância x e que tem dois picos (y, -y) que, deliberadamente, aparecem simétricos ao centro porque são induzidos pelas facilidades que se situam ali. Seguidamente a Síntese analisa o efeito de uma mudança em y sobre as condições de otimalidade obtidas com o lagrangiano, concluindo que tal efeito está inteiramente personificado na mudança na renda total do solo. Três situações são analisadas a partir destes resultados: quando � = �, ao igual que quando � < �, a solução para qualquer valor de y compreendido entre zero y rf –ver Figura 2.6a- indica que os resultados do lagrangiano, isto é, as condições de otimalidade, maximizam-se quando as duas facilidades públicas se localizam no centro. Mas quando � > � a análise terá que supor que a magnitude do � não é muito pequena com respeito à do � já que se o quociente �/� for pequeno, comparado com a taxa de descontinuidade espacial, a localização ótima dessas facilidades públicas não é o centro.

As três situações são sintetizadas na proposição de que se o bem super-vizinhanza for relativamente mais apreciado pelas famílias que o solo urbano, isto é, quando o quociente �/� é suficientemente grande, sua localização ótima está no DCN. Quando é suficientemente grande, é mais eficiente que as famílias sacrifiquem o consumo de solo em miras de produzir bens super-vizinhanza para mais famílias que possam incrementar seu nível de serviço no centro. Se tal “proposição é verdadeira, quando os bens super-vizinhanza são providos em dois lugares não centrais, e a distribuição dos lares é mais dispersa isso ocasiona o consumo de mais

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solo” (Fujita 1989, p. 217). A Síntese sugere então que este resultado dificilmente se alcançará por mecanismos descentralizados e introduz o problema jurisdicional.

Figura 2.6 A disposição dos bens públicos supervizinhanza

Fonte: Fujita (1989, p. 212-215)

Caso uma cidade organizada em duas jurisdições, uma à direita e a outra à esquerda do centro, e que escolhem independentemente uma da outra a localização ótima de um bem super-vizinhanza dentro de sua jurisdição, elas não podem ocorrer no centro da cidade, isto é, na fronteira que separa a ambas as jurisdições pois, ao igual a no raciocínio hottelliano, só a metade dos residentes de cada jurisdição poderão desfrutar dos benefícios potenciais do bem, de maneira que

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a localização ótima dos bens super-vizinhanza requer de adequados mecanismos de coordenação entre os dos governos locais.

Quando a cidade se subdivide em três jurisdições -o centro, à direita e a esquerda- e os dois bens super-vizinhança são providos pelo governo da jurisdição central, a localização ótima se alcança, mas seus efeitos são diversos, pois enquanto que os residentes em dita jurisdição captam os benefícios de ambas as facilidades públicas, os das outras duas percebem só os efeitos de alastramento destes e, além disso, isso exige um financiamento sofisticado das três jurisdições para determinar um volume do bem ou serviço adequado ao tamanho ótimo da cidade. Esta análise conduz à Síntese a uma proposição final um tanto surpreendente, em términos da ação da mão invisível descontrolada é obvio, pois sugere que a “provisão eficiente dos bens super-vizinhança (com efeitos de alastramento) requer do planejamento do tamanho da cidade pelo governo local ou de apropriados mecanismos de coordenação entre jurisdições”.

Dizemos surpreendentes não meramente porque a Síntese se proporcionou com uma situação em que a localização ótima não se alcança necessariamente pelos mecanismos de coordenação que provê o mercado e, com isso, tem aberto uma comporta para a introdução da ação governamental como fornecedora de mecanismos de coordenação com resultados mais eficientes. Se o tamanho ótimo da cidade deixou de ser um quebra-cabeça na medida em que é correlativa a maximização da renda diferencial total mais as taxas de congestão, esses mecanismos de mercado também podem fracassar ficando então como alternativa a competência inter-jurisdição como em Tiebout.

Quando tal competência aconteça os resultados que se podem esperar tampouco são ótimos em tanto eficiência social. Se fazendo ceteris paribus das condições de escala espacial substituímos na proposição neoclássica a noção de jurisdição pela de município ou cidade, o qual em âmbitos metropolitanos não seria um exagero, a Síntese alude a um potencial resultado ineficiente constatável em um sistema de cidades produzido ao arbítrio dos desenvolvedores maximizadores de benefícios (Fujita 1989, p. 219). Entretanto, a Síntese faz o salvamento teórico de que a provisão eficiente deste tipo de bens públicos é um fenômeno inexplorado, tópico que vem sendo adiantado como parte do segundo livro (Fujita 1989, p. 225) que, por desgraça, ainda não conhecemos.

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2.5 O solo urbano como bem composto e a indivisibilidade de seus componentes

A idéia de que nem os bens ambientais como tampouco o solo público tem preço de mercado influenciou as análise econômicas do solo urbano. No primeiro caso, o hedonismo que reporta sua proximidade foi tratado como uma externalidade ambiental que incrementa 1su valor, enquanto que o tratamento do solo público suportou a separação espacial daquelas porções de terreno que são adequadas pelos promotores ou desenvolvedores para serem edificadas. Quer dizer, que o solo útil é o que é objeto da disputa mercantil e para sua produção e formas de circulação se enfocaram a maior quantidade de esforços intelectuais como os que se esboçaram no parágrafo anterior.

A ausência de um enfoque institucional foi o causador de um esquecimento de transcendência para a formação dos preços do solo urbano e, em geral, para a estruturação residencial da cidade e a ordem sócio - espacial que alberga pois, em efeito, há uma porção do preço do solo útil que se forma na esfera da intervenção urbanística estatal e que corresponde ao valor das cessões urbanísticas que é transferido ao preço do solo construtivo. A existência de um estoque de solo não construtivo acumulado a partir de tais cessões guarda uma correlação positiva com o patrão de sociabilidade da cidade cujo valor se representa no maior preço do solo construtivo, pois, em efeito, as cessões não onerosas ou gratuitas de solo à cidade são só uma falácia criada ao redor das inclinações filantrópicas de um altruísta ausente.

A ausência das cessões urbanísticas está fortemente correlacionada com a hiperdensificação de algumas vizinhanças da cidade, e se evidencia na contração do solo necessário para a produção pública das funções urbanas de acessibilidade e habitabilidade. Seu efeito macro social é a insuficiência de espaços para que nessas zonas da cidade se adiantem rotinas cotidianas de interação complexa, por isso seu habitante tende a converter-se cada vez mais em um indivíduo conservador, relegado a realizar práticas de interação simples com quem habita em sua residência.

A discussão acadêmica como a jurisprudencial do papel das cessões urbanísticas na estruturação da cidade provoca um novo desafio intelectual abordado por agora da economia institucional urbana. Essa discussão alcança repercussões em matéria política, espaço público no que resolvem à justiça e a eqüidade social. As precariedades de muitas vizinhanças em cessões urbanísticas contrastam com sua abundância em outros, forma de segregação sócio-espacial urbana que, no concernente à produção do espaço construtivo, expõe à política

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urbana a provocação de remover ex ante a atividade propriamente construtiva este determinante da exclusão urbana.

As cidades latino-americanas se submetem periodicamente à ação urbanística estatal com o fim de produzir mais solo urbano para acolher aos membros de uma sociedade que avança para a urbanização completa, ação encaminhada, além disso, a fazer mais eqüitativo a partilha das cargas e os benefícios que a urbanização comporta. É nesse marco que as cessões urbanísticas se tornam decisivas para a estruturação residencial urbana na medida em que ali tem lugar uma disputa pela transferência de riquezas que, quando se desembrulha sem mediação alguma, origina dês-balanços sociais indesejados, sendo o mais pernicioso o da desigualdade urbana.

Quando os estruturadores urbanos, especialmente os que operam nos setores populares, impõem à demanda suas condições sem que medeie a ação coletiva que controle e regule tal comportamento, é de esperar que a segregação residencial urbana se reforce ao calor da acumulação das sobre - lucros indevidos destes agentes, de maneira que as deficiências de liberdade de ação e de interação sócio-espacial que caracterizam ao hábitat precário ao que foram relegadas as famílias de menores ganhos refletem as iniqüidades sobre as que intervêm a regulação urbana. Portanto, é socialmente indesejável deixar a livre imposição dos estruturadores urbanos o que é socialmente desejável, isto é, as atribuições do bem composto estão acostumadas a requeridas por um projeto coletivo de cidade no excludente.

2.5.1 Nem filantropia, nem expropriação, nem reciprocidade: alienação onerosa A maneira como o solo é transformado em solo urbano por efeito dos ônus urbanísticos incorridos, é o marco geral de uma reflexão que não pode evitar o fato de que as cargas gerais da urbanização começam, indevidamente, com as cessões urbanísticas. A maneira como o valor das cessões urbanísticas reflui para o preço do solo útil se apóia na hipótese de maximização do ingresso do proprietário do domínio sobre o solo que permite esclarecer a noção básica da expectativa e o preço de antecipação. A suposta limitação à propriedade territorial urbana que representa a obrigatoriedade das cessões urbanísticas se desvanece com a consideração de configurar-se como um poderoso instrumento de gestão do solo para produzir uma cidade menos segregada. Do momento em que a propriedade deixa de ser tratada como um direito para ser acolhida como uma função social, o ordenamento jurídico se expõe a um grande número de demandas motivadas pela

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crença de que a nova noção afeta as regras de igualdade e liberdade sobre a propriedade sobre as que se erigiram os Estados modernos.

Por não mediar na cessão do solo à cidade um contrato entre partes diferente ao de um plano de ordenamento ou um plano diretor que estabelece a porção de solo requerida para a provisão da acessibilidade e a habitabilidade urbanas, emerge a crença de que tais cessões obedecem a uma inclinação filantrópica dos proprietários do domínio sobre o solo. Mas a filantropia requer, além de um espírito bonacheirão do latifundiário urbano, a existência de um agente aflito por alguma penúria a qual termina por comover ao filantropo que se desprende de uma porção de riqueza sem esperar contraprestação econômica alguma. Esse é o circuito inalienável da gratuidade que, em efeito, não corresponde ao ato obrigatório de ceder à cidade uma porção do solo sobre o que se exerce algum domínio.

Mas quando o ordenamento jurídico estabelece a obrigatoriedade das cessões urbanísticas, emerge outra crença sobre esse ato administrativo e que é uma inclinação totalitária de um Estado para confiscar, pela via da expropriação, a propriedade que ao latifundiário urbano foi legada ou que adquiriu e espera legar, por exemplo, ou da que emerge a renda periódica que engrossa seu ingresso corrente. A expropriação procede quando o latifundiário urbano não realiza com sua propriedade o que a função social e ecológica indica que deve fazer com ela, isto é, explorá-la pacificamente para que com seu produto a sociedade veja superada em parte a escassez. As cessões urbanísticas é o preâmbulo à criação da riqueza coletiva e, por tanto, às condições para o usufruto do solo útil, de maneira que não pode considerar-se como expropriação aquilo que não ainda não foi criado para tais fins.

De outra parte, e para evitar a dificuldade intelectual que significa compreender a maneira como se retribuem as cessões urbanísticas, os juristas deram por feito que elas se retribuem com as dotações de bens públicos que o Estado realiza nelas. Esse argumento parece ainda mais convincente quando a intervenção urbanística estatal vincula a materialização dos bens públicos urbanos à existência das cessões urbanísticas. Mas o capital público que se espraia no espaço urbano não é mais que outro ônus urbanístico necessário para fazer construtivo o solo urbano, de maneira que constituem uma fonte de valor adicional do solo útil e, em nenhum caso, retribuição ao dono da terra pela cessão urbanística.

Se as cessões urbanísticas não for resultado de uma suposta filantropia, nem corresponde a uma expropriação como tampouco os bens públicos são as formas como o Estado lhe retribui ao latifundiário, então o que são e como têm que tratar-se? As cessões urbanísticas são uns ônus urbanísticos cujo valor reflui ao preço do solo construtivo, de maneira que deve tratar-se como uma alienação

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onerosa que assume a cidade ou o consumidor final do espaço residencial -as famílias- mas, em nenhum caso, o estruturador urbano. Tal alienação onerosa se analisa a seguir de um princípio reitor da economia, o da maximização do ingresso total por parte do proprietário para, seguidamente, estudar seu efeito na transformação do solo em solo urbano.

Imagine uma situação hipotética como a da equação 1, em que o latifundiário urbano assume que não deve realizar nenhuma cessão obrigatória à cidade e que seu desejo é maximizar o ingresso total resultante da alienação voluntária de St metros quadrados de solo a um preço Pt

11.

ttt SPY = (1)

Mas o latifundiário urbano -que não passa por incauto- sabe que esse solo, em suas condições originais, volta irrealizável seu objetivo maximizador da equação 1. Tal objetivo se alcança no mesmo momento no que o Estado assume a responsabilidade de fazer acessível e habitável o solo e, com tal propósito, exige umas quantidades do mesmo que tornarão públicas e que empregará como suporte material das redes viarias e das redes matrizes de água potável e saneamento básico. Além disso, dos bens constitutivos do espaço público urbano. No afã indeclinável de maximização de seu ingresso total, o latifundiário urbano compreende a necessidade de ceder essas quantidades de solo à cidade (Sc) para

que o empregue na provisão dos bens públicos de acessibilidade e habitabilidade que voltarão ao solo restante (Su) útil para a produção de espaço edificado com

bens imobiliários com destino aos demandantes de diferentes usos.

uct SSS += (2)

Seja qual for à porção de solo exigida pela cidade, o latifundiário não tem impedimentos para modificar sua intenção original. Por tanto, o ingresso máximo no período presente é, realmente, que se deriva do preço antecipado do momento no que se realizam as cessões (Pt+1), e que é atribuível de maneira exclusiva às áreas de terreno útil (Su) para o mercado, como na equação 3:

utt SPY 1+= (3)

11 De fato, é uma péssima hipótese se se considerar que se está sugerindo um agente econômico bastante estranho que tentará realizar seu desejo maximizador alheio ao tempo e à cidade em que se localiza o bem revisto sobre o que exerce um domínio.

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Ou, em términos da proporção das áreas cedidas (Sc/St):

���

�−= +

t

cttt S

SSPY 11 (4)

Ao comparar as equações 1 e 4 é possível esclarecer os dois elementos a priori aludidos nesta reflexão: o tempo e o espaço. Embora o objetivo maximizador do ingresso total segue imutável, as variáveis envoltas são diferentes até tratando-se, na aparência, do mesmo bem: o solo presto para serem construído. Para facilitar a reflexão Pt pode ser considerado como o preço do terreno em suas condições originais ou, se se quiserem pré-urbanas, enquanto que Pt+1 é o preço de alienação

do solo urbano para edificar, que não é mais que uma representação simples do “princípio universal da visão de futuro” (Commons 2003, p. 198) que rege qualquer negociação de alienação. A questão então é como se forma Pt+1? A resposta é que

seu nível é imanente e correlativo à decisão adotada em matéria de cessões urbanísticas. Se as quantidades úteis de solo urbano Su resultam de subtrair às quantidades brutas St uma porção que expressa em términos percentuais as

cessões obrigatórias que estabeleceu a cidade, o preço antecipado do solo que satisfaz a maximização do ingresso total nas condições da equação 4 é facilmente operável de maneira que:

t

c

tt

SS

PP

−=+

11

(5)

Assim, o ingresso total do latifundiário é o resultado de um preço antecipado que vai se realizar em algum segmento de mercado12 do solo urbano aonde ele opere. Convém advertir que se está assumindo a um agente que conhece razoavelmente o segmento de mercado em que opera, isto é, as condições da demanda e as instituições que o regem, para impor sua margem de ganho.

12 Estes mercados se caracterizam, de um lado, pela heterogeneidade das famílias que demandam o solo urbano e, em segundo lugar, pelas diversas qualidades do solo em tanto composição e localização, sem perder de vista que quando se alude à composição se está fazendo referência ao solo urbano como bem composto por uma porção construtivo e outra que não o é.

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Figura 2.7 Margem hipotética sobre o preço do solo urbano em relação com o nível das

cessões urbanísticas

Note-se que a solução da equação 5 é bastante similar em sua derivação a do multiplicador keynesiano simples do investimento, mas grandemente diferente em seu significado econômico. O preço antecipado Pt+1,, em relação com a proporção das cessões urbanísticas Sc/St, assume a forma de uma função exponencial como na Figura 2.7 e pode alcançar níveis na aparência estrambóticos que, como é óbvio, são regulados pelas forças que operam nos diferentes segmentos do mercado imobiliário residencial e pelo risco imanente de cada operação. Quer dizer, que em determinado segmento de mercado a demanda pode suportar certa margem de ganho que, de chegar a elevar-se, moverá ao latifundiário a outro segmento de mercado no que o solo urbano que ali se negocia seja de melhores qualificações que aquele sobre o que exerce seu domínio com o que, evidentemente, a transação de negociação se tornará irrealizável.

Agora bem, esse caráter estrambótico do preço antecipado tem uma dupla função nesta argumentação, e é a de contribuir a explicar por que, em não poucas ocasiões, as cidades adquirem solo a preços exorbitantes e, além disso, por que o nível de cessões na urbanização popular, constatável nas flagrantes deficiências em espaço público urbano, é tão precário. No primeiro caso, é bastante discente o fato de que a ação coletiva que determina que as indenizações se realizem a preços de mercado seja impugnada pelos latifundiários que sabem que podem obter algo mais dessa transação, momento no que esse enriquecimento sem justa causa se paga com mais esforços coletivos. Pode ocorrer também que as pretensões sobre o preço

5% 11% 25% 43% 67% 100%150%

233%

400%

900%

1.900%

5% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 95%�"�&"%$��"��!"��"�/"��!"��'#'

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do solo útil se exacerbem, e os latifundiários prefiram esperar a que com o transcurso do tempo apareçam novas opções que as cristalizem; aqui a função social da propriedade operaria para incorporar esse solo forçosamente ao mercado e, com isso, ampliar-se-ia a liberdade de ação e as oportunidades de interação das famílias e seu acesso a novas vizinhanças.

No caso da urbanização popular, o latifundiário opera com a mesma lógica da equação 5 mas a níveis muito baixos de cessões urbanísticas Sc/Sesta T. é uma

das razões pelas que, de maneira equivocada, levantam-se discursos a respeito de como os pobres invadem a terra pública. O preço antecipado do solo nos segmentos de mercado populares alcança um elevado nível pelas expectativas que capitaliza o latifundiário sobre a suposta proximidade das políticas urbanas reativas tais como a regularização, a desmarginalização ou o melhoramento integral das vizinhanças. Ao incrementar ainda mais o preço do solo para fazer menos infame o segmento de cidade que está negociando certamente lhe impedirá de realizar o ingresso total esperado, devido a que a precariedade econômica dos pobres aparece como uma restrição infranqueável. O resultado, bastante conhecido, é que quando as políticas reativas aparecem para desculpar a precária provisão da acessibilidade, a habitabilidade e as demais dotações urbanas, o solo requerido para alojar as infra-estruturas que o garantam se encontra edificado, e as famílias pobres que o habitam são estigmatizadas como invasoras do espaço público urbano.

2.5.2 O solo urbano, as cargas urbanísticas e o solo urbano como bem

composto Se existisse algum mecanismo social para forçar a algum agente a ceder sem contraprestação algum direito criado pela sociedade para que seja utilizado de maneira coletiva e, além disso, tal agente tivesse a possibilidade de escolher a porção que alienará, provavelmente escavaria entre seus estoques para escolher os bens de pior qualidade em seu terá que cederia sem solicito para honrar o mandato. É uma inclinação racional ceder o de pior qualidade quando a sociedade promove a doação de alguma porção de seu valor criado, mas tal cessão não ocorre de maneira gratuita. Isso é só uma aparência. Nesta operação o que em realidade está ocorrendo é uma negociação da que o cessionário obtém parte de seus lucros. Esta reflexão se deriva do inconformismo com as frágeis bases teóricas sobre as que se levantam os discursos da responsabilidade social de alguns proprietários, e que se orienta a ressaltar suas ações filantrópicas que são sem dúvida algumas transações de alienação e, portanto, assim devem ser tratadas.

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Ao realizar-se desta forma a alienação, o receptor do cedido, o coletivo, que não está em capacidade de escolher entre alternativas como sim o pôde fazer o cessionário, incorrerá em custos mais que proporcionais para adequar o bem que foi cedido a fim de satisfazer as necessidades coletivas. O efeito da circulação destes bens cedidos, de má qualidade e a elevados custos de administração, não é mais que o de incrementar o valor daqueles reservados para o cessionário, com o que o mercado se encarregou de premiar seu altruísmo com um maior ingresso que, em algumas ocasione, supera o que obteria de sua negociação direta. Em outras palavras, o latifundiário convém nas cessões urbanísticas por seu afã de ganhar dinheiro e não pelo amor que lhe professe à cidade ou a seus semelhantes.

O anterior se associa em ocasiões ao critério contável e administrativista da gestão das diminuições dos inventários que, dependendo do tipo de bem, tal como ocorre com os perecíveis ou os expostos ao vaivém da moda, levam a que um empresário obtenha lucros normais sobre seu capital ao alienar as estoque mais antigas e renovar dessa maneira os bens disponíveis para atender a demanda futura. As principais diferenças entre um e outro critério provêm das motivações dos agentes para a eleição de alternativas e, sobre tudo, da natureza dos bens que circulam em ambas as opções. A semente que se preserva para semear a terra agrícola circula de maneira diferente a como o fazem os inventários do vestuário pois a primeira é condição para a colheita, coisa que não ocorre com as confecções. Mas tal natureza tem que ver com a durabilidade do bem, pois aqueles que circulam com mais lentidão se encontram expostos a um crescente risco econômico que se expressa, usualmente, em sua depreciação fictícia.

Fazendo abstração de tal natureza, é óbvio que este tipo de reflexões sejam objeto de agudas críticas fundadas em uma suposta ameaça ao princípio da propriedade. Pelo contrário, interessa demonstrar que é tal princípio, elevado há muito tempo a fila constitucional, que fica em jogo quando os direitos urbanos criados pelo coletivo, como o de edificabilidad do solo, transferem-se sem contraprestação a agentes que incrementam sua riqueza sem ter realizado nenhum esforço produtivo e sem assumir nenhum risco econômico. Se isto for assim, a sociedade, através de sua ação coletiva, terá que rebater tal anomalia para, além disso, lhe dar um tratamento eqüitativo a aqueles que sim incorrem no esforço e no risco econômico.

Pela mesma natureza do produto das cessões urbanísticas - o solo urbano-, tais cessões são uma das expressões mais conspícuas da primeira opção, isto é, de uma transação de negociação mimetizada sob a forma de uma gratuidade. As cessões obrigatórias de solo urbanizável são as principais fontes para a configuração do acervo de solo de uso público e, no ordenamento jurídico, lhes

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qualifica erroneamente como gratuitas. O efeito de tal equívoco tem uma grande transcendência no plano jurídico-econômico, pois cria a ilusão de que o suposto altruísmo ao que se vêem obrigados os possuidores de um domínio sobre o solo faz que eles assumam a carga equivalente que derivaria na apropriação de benefícios pela coletividade quando, em efeito, tal carga se translada por mecanismos de mercado já seja ao governo local ou ao usuário final dos ativos imobiliários.

O solo urbanizável é aquele que, ao ser intervindo pelo governo da cidade, dá como resultado o solo urbano. Tais intervenções são monetárias quando a produção do solo urbano representa um custo que é ressarcido bem seja pelo consumidor final dos bens imobiliários ou pela cidade. E são intervenções não monetárias aquelas que se derivam da existência ou ausência de norma urbanística. As intervenções monetárias se conhecem usualmente como as cargas urbanísticas; nas não monetárias, como a ampliação do perímetro urbano ou da cota de serviços, uma mudança da norma de uso ou um de intensidade de aproveitamento ocasiona uma modificação em seu preço. As cessões obrigatórias fazem parte das intervenções monetárias e são, por conseguinte, uma carga urbanística. Tais cessões de solo urbanizável são condições infranqueáveis para a produção de solo urbano, isto é, um solo que possa ser qualificado simultaneamente de acessível e habitável. Por conseguinte, o solo urbano é um bem composto por uma porção que é construtiva e outra que não o é e, além disso, estas duas porções são inseparáveis tanto em términos materiais como em suas considerações econômicas.

Na medida em que as sociedades são mais ricas contam com maiores possibilidades para produzir solo urbano, isto é, estão em melhores condicione para mobilizar maior quantidade de capital a fim de melhorar as condições de acessibilidade e habitabilidade da cidade. O custo de produção do solo urbano é, por regra general, inferior ao preço ao que circula, de maneira que o incremento em seus preços é apenas uma expressão de tal riqueza, mas, sem dúvida, não é sua causa (Ricardo 1985 [1817], p. 71). Em troca, as formas de apropriação do solo urbano são as expressões mais evidentes da desigual transferência de riquezas. As cessões de solo à cidade possuem um invaluável contido social e político embora careçam de algum valor de mudança na medida em que não se podem negociar no mercado: por exemplo, a existência da cidade adquire sentido com a da cidadania, e uma cidade sem espaço público urbano é abominável; portanto, a cidadania institui o espaço público urbano e é instituída ali mesmo. De um ponto de vista econômico, a existência do espaço público urbano incide a maioria das vezes de forma positiva, na formação do preço do solo de uso privado, por essa mesma razão, sua insuficiência é um poderoso indício do grau de desigualdade prevalecente entre os habitantes da cidade.

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2.5.3 O solo urbano como resultado de uma economia de antecipações Na medida em que a história da expansão física da cidade deve ser contada simultaneamente com a de uns produtores agrícolas de diversas escalas entrados em desgraça, e não meramente como a de uns indivíduos racionais dedicados a obter lucros especulativos, é plausível pensar esse componente do crescimento urbano como um jogo de soma zero no que as perdas de uns agentes vão estar representadas em outro lugar como lucros, assim como a história da estruturação urbana residencial igualmente deve ser contada integralmente com a de uns agentes desigualmente dotados para intervir nela. Essa desigualdade, em términos das grandezas econômicas, confere maiores possibilidades de lucro aos melhor informados e a quem está em capacidade de mobilizar as maiores quantidades de capital, próprio ou alheio, à edificação residencial. A heterogeneidade dos agentes da estruturação residencial urbana provém inequivocamente destas duas características. Em relação com a primeira o agente melhor informado é um investidor profissional que está disposto a pagar um preço por saber com antecipação a outros a ação planejada do Estado em matéria da produção dos bens públicos urbanos e da regulação. Esse preço pode assumir diversas formas mas, além disso, a eficácia do processo de antecipação só será discernível no âmbito da apropriação privada do direito de construir sobre o solo urbano. De maneira que, assim na tradição do direito urbano que se está construindo se encontrem separados nocional e juridicamente o direito de propriedade e o direito de construir, entre os dois há uma relação simbiótica. Os preços de antecipação recolhem tal relação:

Uma das características mais pertinentes dos mercados de terras é sua dimensão dinâmica. As rendas não têm magnitudes fixas, mas sim pelo contrário trocam continuamente. Como vamos ver nos mercados de terra urbana isto é especialmente acentuado e existem movimentos de distinta natureza. Isto é importante, porque o mecanismo da capitalização da renda envolve nestas circunstâncias um novo elemento: a expectativa… Efetivamente, até aqui afirmamos que o preço do solo se constrói mediante o desconto ou capitalização de uma renda que está fluindo de maneira periódica. Mas se um latifundiário sabe que as rendas que está recebendo na atualidade vão se ver incrementadas no futuro (e que portanto o preço do solo também vai crescer) não vende seus terrenos pela capitalização da renda que está percebendo no presente, mas sim tentará fazê-lo por um preço um pouco maior que “antecipe” estes incrementos futuros. A isto lhe denomina “preço de antecipação” e é um elemento que distorce a relação quantitativa que tínhamos estabelecido entre renda “atual” e o preço do solo. Sua magnitude depende não só da magnitude esperável dos incrementos futuros da renda (ou do preço do solo), mas sim da informação e as expectativas dos agentes concernidos. Mas é um fenômeno crucial para entender a formação

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do preço e particularmente as ações tendentes a recuperar os incrementos nos preços dos terrenos (Jaramillo 2004a, p. 24).

Recorde-se que meu interesse é a compreensão da estruturação residencial urbana. Por essa só razão, é que a relação que se sublinha é a concernente ao direito de construir embora, sem dúvida, as mudanças de destino do solo para a construção de outros bens privados são relevantes por quanto o solo urbano permanece cativo do uso original até que outro mais rentável lhe sobreponha (Smolka 1987, p. 45-46).

Estas aproximações são pertinentes para a argumentação em tanto convergem em que o caráter dinâmico dos preços do solo urbano envolve indissoluvelmente a expectativa, noção que, por sua parte, tem uma dimensão temporária, assim como a solução oferecida: a antecipação. Mas a argumentação que se desenvolvesse é que realmente o preço do solo é o que é o resultado da antecipação que o estruturador urbano realiza sobre as propostas de acessibilidade-habitabilidade do governo e as eleições das famílias em matéria de localização-vizinhança.

2.5.3.1 O bem solo urbano e o preço de antecipação O solo em seu estado natural tem como características essenciais sua localização e sua fertilidade. O caráter de urbano o adquire o solo do momento em que, por causa da intervenção urbanística estatal, é incorporado ao perímetro da cidade e lhe atribui um uso diferente ao precedente, o agrícola, para logo intervir-lho com o propósito de suplantar algumas de suas características prévias por outras que o façam acessível e habitável; em última instância, para que esse novo bem ao que denominasse solo urbano seja construtivo com bens que sirvam de residência às famílias. Dito desta maneira é possível discernir que do instante em que o governo referendou a decisão de incorporação do solo ao perímetro da cidade adquiriu o compromisso de fazê-lo construtivo, propósito que implicará a realização de um conjunto de esforços coletivos para a mobilização do capital requerido para sua produção. Note-se que esses esforços coletivos são quão únicos estão em capacidade de tornar o solo em seu estado original em solo urbano pois, evidentemente, as possibilidades que tem o capital individual de produzir os bens públicos acessibilidade e habitabilidade são virtualmente nulas.

O proprietário do solo urbano só possui o domínio sobre um segmento do terreno sobre o que se levanta o espaço residencial. Esse domínio, nas condições prévias à incorporação ao perímetro da cidade, derivou na obtenção de certo nível de benefícios monetários quando o trabalho incorporado lhe permitiu explorá-lo produtivamente; no mesmo sentido, uma parte desses benefícios se pode

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reconhecer nas condições de edificabilidade originais, geralmente bastante precárias. Logo o único direito de propriedade que detém o dono do terreno é esse domínio que herdou das condições prévias à incorporação, pois as novas condições de edificabilidade são produzidas inteiramente pelos esforços coletivos envoltos na produção dos bens públicos urbanos, acessibilidade e habitabilidade. Ainda nas modalidades da ação coletiva urbana inspirada nos códigos napoleônicos que derivam em uma noção de liberdade individual que se concreta no direito de usar e abusar do solo, é evidente que tal direito só o pode exercer o proprietário sobre seu domínio. Se o potencial construtivo for o resultado da ação urbanística do Estado, é este o que em nome da sociedade pode e deve exigir que o direito de construir que lhe pertence seja separado do domínio do dono da terra, pois, quando se confundem, ocorre a degradação da noção da propriedade que já se argumentou. Logo a ação planejada do governo, em defesa dos esforços coletivos e para propiciar uma distribuição justa e eqüitativa das cargas e os benefícios atribuíveis ao processo de urbanização, tem necessariamente que incorporar a cessão onerosa do direito de construir aos agentes que estejam interessados em fazê-lo. Quando omite fazê-lo se encarrega de promover a degradação da noção de propriedade ao facilitar a apropriação dos esforços coletivos por indivíduos alheios ao mesmo.

A geografia física do meio construível urbano influi sobre o potencial construível do solo e, por conseguinte, é uma fonte de segmentação do mercado residencial. Diferentes investigações sobre sua influência na estruturação residencial urbana se adiantaram das aproximações ricardianas da renda do solo. Em um meio com fraturas geográficas importantes, com solo de diferentes relevos e capacidades andaduras, os esforços coletivos são mais exigentes que no caso de geografias isomórficas plainas. Por isso, é fácil verificar que as maiores densidades de ocupação do solo urbano se encontram nas zonas plainas e com terrenos com elevada capacidade de carga. Mas, paulatinamente, as zonas de pendente de nossas cidades foram cobrando maior valor por um dobro movimento: de uma parte, a escassez física e econômica do solo nessas zonas plainas e, de outra, pelo interesse de confinamento de algumas famílias. Nos prazeres contemplativos que lhe reporta a paisagem às famílias, enriquecida ou não, que habitam em residências localizadas nas cotas mais elevadas da cidade não devem existir desigualdades relevantes. Mas se nas condições de acessibilidade e habitabilidade. Posto que o solo urbano localizado em zonas plainas é o que tem a maior propensão a ser ocupado, as famílias de menores ganhos são forçadas a residir nas zonas periféricas da cidade. Isto tem uma implicação relevante na estruturação urbana residencial pois os custos complementares de acessibilidade são proporcionalmente maiores para estas famílias que para o resto da sociedade. Por sua parte, as

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famílias mais enriquecidas contam com meios de locomoção mais versáteis que as menos enriquecidas as que lhes permite solucionar, de maneira mais eficaz, as dificuldades de acessibilidade que supõe um pendente e, com isso, acessar a uma vizinhança confinada a famílias de ganhos elevados semelhantes.

Se a geografia física da cidade é uma fonte de sua segmentação, isso não quer dizer que seja a única nem a mais relevante. Em contraste com zonas de ladeira facilmente acessíveis para seus moradores, há zonas plainas da cidade que apresentam dificuldades de acesso em razão a hiperdensificação a que foram submetidas. Note-se que aqui não se alude às hipótese da congestão urbana como resultado da proliferação do veículo particular, mas se às desigualdades nas condições de edificabilidad das diferentes zonas da cidade, que são um rasgo inequívoco do tipo de atuação com o que o capital imobiliário deixou sua estampagem no espaço urbano. Em relação com o solo urbano, esse capital não tem outro interesse que o de desenvolvê-lo até onde a acumulação prévia e a astúcia do estruturador urbano o permitam. Em ausência de um contrato social urbano no que se separe o domino do direito de construir ou, alternativamente, em presença de um de corte napoleônico, essa astúcia do estruturador urbano se traduzirá na contração das quantidades de solo requeridas para a produção dos bens públicos urbanos.

Ao conduzir a reflexão desta maneira é possível identificar duas característica do solo urbano transcendentais para a compreensão do processo de estruturação residencial urbana como para a formação de seu preço, e é que é um bem composto por uma porção que é construtivo e outra que não o é e, além disso, que elas são inseparáveis. Se a hiperdensificação tiver como condição a contração do solo necessário para a produção pública de algumas das condições de edificabilidade, o efeito macro social disso é a ausência dos espaços suficientes para que na cidade se adiantem rotinas cotidianas de interação complexa. Por isso o cidadão se revestirá cada vez mais das características de um indivíduo conservador que foi relegado a realizar práticas de interação simples, geralmente, com quem habita em sua residência. No plano macroeconômico da cidade, a existência do solo não construtivo significa que seu valor vai se representar no maior preço do solo construtivo, pois, em efeito, as cessões não onerosas ou gratuitas de solo à cidade são sozinho tabu criado ao redor das inclinações filantrópicas de um altruísta ausente. Isto se demonstrará no seguinte parágrafo.

Os preços do bem solo urbano requerem de Tempo para formar-se. Na tradição keynesiana, o tempo econômico se incorpora no processo de formação de expectativas sobre os rendimentos esperados do investimento. As duas primeiras considerações do efeito do tempo sobre os agentes econômicos, que já se

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destacaram se referem a aqueles fatos que se pode dar por conhecidos com mais ou menos certeza, em particular, aos estoques de certos bens de capital e a dinamismo da demanda por bens industriais; a terceira consideração alude aos acontecimentos futuros que só podem prever-se com relativa segurança”, isto é, às mudanças qualitativas e nos estoques dos bens de capital, nos gostos e preferências dos consumidores, nas expectativas sobre o comportamento esperado da demanda efetiva e às modificações na unidade de salário. Em referência aos processos de antecipação Keynes advertiu primeiro, que é um aspecto central para dinâmica econômica ao que, entretanto, não lhe emprestou a devida atenção; segundo, que é uma atividade que realizam agentes especializados -ou, em seus términos, o investidor profissional ou os profissionais peritos- aos que aqui se denominam como estruturadores urbanos; e, terceiro, que este processo não obedece a um cálculo preditivo do tipo eclipse como se à previsão das mudanças nas convenções com antecipação ao investidor médio ou ao público em geral, derivando dali um rendimento superior ao rendimento médio:

Mas há um rasgo distintivo que merece nossa atenção. Poderia haver-se suposto que a competência entre os profissionais peritos, que possuem mais julgamento e conhecimento que o investidor privado médio, corrigiria as extravagâncias do indivíduo ignorante abandonado a si mesmo. Acontece, entretanto, que as energias e a habilidade do investidor profissional e do especulador estão ocupadas em outra parte. Porque a maioria destas pessoas não está, de fato, dedicada em primeiro término, a realizar previsões superiores em longo prazo respeito ao rendimento provável de um investimento por todo o tempo que dure, a não ser a prever mudanças nas bases convencionais de avaliação com um pouco mais de antecipação que o público em geral. Não se ocupam do que realmente significa um valor de investimento para o homem que o compra “para sempre”, mas sim de em quanto o estimará o mercado dentro de três meses ou um ano, sob a influência da psicologia de massa. Mais ainda, esta conduta não é resultado de uma inclinação desatinada. É conseqüência inevitável de um mercado de investimento organizado de acordo com as normas descritas; porque não é sensato pagar 25 por um investimento cujo rendimento provável se acredita que justifica um valor de 30, se ao mesmo tempo se supõe que o mercado o estimará em 20 e três meses depois (Keynes 2000, p. 141).

Se o estruturador urbano se comportasse como um astrônomo que assume que a trajetória dos corpos celestes esteve escrita sempre e para sempre, certamente que aspirará a mensurar suas grandezas em equilíbrio no tempo. Mas esse é um comportamento bastante estranho, pois se essa trajetória estiver ao alcance do público em geral, nesta argumentação ao alcance do governo e das famílias, seu comportamento está exposto a ser antecipado por esses agentes que tentarão tirar proveito dessa informação. Logo o cálculo paramétrico ao que se dedica o indivíduo racional neoclássico, ao subestimar a capacidade anticipativa de outros participantes no processo de estruturação residencial urbana, pode-o conduzir a uma situação

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desastrosa semelhante ao conluio dos satélites. O estruturador urbano que, como se disse, tem consciência do Tempo, enfrenta-se instantes decisivos nos que deve realizar eleições, reage ante juntas imprevistas assim como emprega seu capital para acelerar ou atrasar a duração dos acontecimentos de seu interesse. Nessa estrutura do Tempo os esforços do estruturador urbano, improdutivos no presente mas decisivos para a produção imobiliária residencial no futuro, estão enfocados a antecipar as decisões governamentais em matéria da produção dos bens públicos urbanos e as eleições das famílias mediadas pelo lugar que ocupam na hierarquia da distribuição pessoal do ingresso urbano e interessadas em obter um lucro do binômio localização-vizinhança.

Mas o capital do estruturador urbano também lhe permite antecipar a ação coletiva urbana, aspecto crucial na formação do preço do solo urbano que se tratará mais adiante. por agora, é conveniente precisar que por esses esforços improdutivos o estruturador urbano reclama como prêmio um incremento nos preços do solo urbano.

Na Figura 2.8 se oferece uma representação da formação do preço urbano em um Tempo estruturado por instantes, juntas e durações, durante o que o solo adquire o caráter de urbano e o estruturador tenta prever o preço máximo (Pf) ao

que o mercado o loteará em um futuro. Esse preço máximo está correlacionado positivamente com o potencial construtivo criado pela intervenção urbanística estatal, norma urbana e bens públicos, que a sociedade lhe encarregou realizar. Terá que recalcar que sendo o propósito essencial de tal intervenção a provisão universal dos bens públicos urbanos, o capital público comprometido circula à maneira que os circuitistas (Abramo 2007, p. 213-241) pensaram uma economia monetária de produção, ou seja, que os esforços globais incrementados têm que ser recolocados ao começo do circuito urbano da moeda uma vez tenham sido incorporados como um maior valor na produção dos bens imobiliários residenciais.

O Tempo envolto na formação dos preços urbanos é irreversível e, por isso, a previsão que o estruturador urbano realiza sobre as bases convencionais que resolvem a interação complexa dos agentes que participam da conflito de riquezas tem um caráter inteiramente especular. Um instante decisivo na formação do preço do solo urbano é aquele no que pela ação governamental se configura um perímetro urbano e, como resultado, uma quantidade de solo agrícola é incorporada a um meio que o requer para usos residenciais. É no instante da adoção do novo perímetro em que os preços do solo recém incorporado se modificam: se, como geralmente ocorre, Pa é menor que Pc, isso se deve não só à previsão de que o rendimento

periódico do solo agrícola pode ser suplantado pelo uso residencial urbano que o manterá cativo por um lapso considerável de tempo, mas também à previsão que o

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estruturador urbano realiza sobre o tipo de vizinhança que vai propor contando com a ação urbanística estatal.

Figura 2.8

Trajetória temporária da formação do preço do solo urbano

T0 : Preços de incorporação; T1 : Preços de estruturação; T2 : Preços de urbanização; y (T0)T1 → T2 : Preços de antecipação.

É possível que Pc seja menor que Pa, como ocorre com certo tipo de

cultivos agroindustriais que produzem um rendimento anual que se configura como uma barreira para a localização de certo tipo de vizinhanças. Nos términos da explicação da Nova Sociologia Urbana Francesa, existam camponeses a quem o incentivo monetário Pc - Pa não é tão significativo para render-se à sedução do

mercado trabalhista urbano. Mas o caso que nos ocupa é o mais geral, o do estruturador urbano cujo êxito é narrado como o do mestre que acumulou sua fortuna só por manter intacto um senhorio sobre uns terrenos provavelmente incultos, até que a ação governamental os decidiu urbanizar.

Pode acontecer que este agente não possua domínio sobre algum terreno, como ocorre em algumas cidades latino-americanas nas que se introduziram novas modalidades de regulação da ação coletiva urbana que separam o domínio sobre o solo e o direito de construir. Quando este último é restituído a seu proprietário original -a cidade-, o estruturador urbano deixa de ter o estímulo fundamental para

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Preços do

Solo

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manter um acervo de terrenos em seu patrimônio. Mas isso não é óbice para sua tarefa, pois a sobre - lucro que deriva de sua função estruturadora se emprega como incentivo para que o dono do terreno o vincule à produção imobiliária residencial. Esse terreno recém incorporado adquire um maior preço que, entretanto, não modifica substancialmente o potencial construtivo que o precedeu. Esse potencial o denotamos com um índice de construtibilidade IC1, pois até esse instante não houve

uma ação urbanística governamental que modifique suas características originais ou, em outros términos, esse é o domínio que corresponde legitimamente ao proprietário do terreno.

Esse instante opera como chave do cofre em que se escondem as intenções de outros agentes da estruturação residencial urbana. O estruturador urbano prevê que o mercado pagará pelo solo -em suas novas condições urbanas- um preço Pd, pois o potencial construível se incrementou ao IC2, mas para isso terá

que tornar públicas certas quantidades de solo. A previsão do estruturador urbano conclui com um cálculo bastante simples sobre o instante em que a ação coletiva urbana determine o uso residencial mediante a zonificação e as cessões obrigatórias do solo incorporado, indispensáveis para a produção pública das condições de acessibilidade e habitabilidade.

Como se advertiu, o proprietário do domínio sobre o solo não é um filantropo reconhecido por suas ações altruístas e, por isso, computa essas cessões no ingresso total que lhe produziria um preço Pd, para que reflita o valor dos terrenos cedidos no preço do solo construtivo PE. As cessões de solo à cidade,

assim como as afetações do solo para produzir a acessibilidade, convertem-se em uma carga urbanística para a cidade e não para ele, como mascara o mito da gratuidade que normalmente acompanha ao discurso ingênuo do sentido comum que se diz ilustrado. Sua astúcia se concreta nesse singelo cálculo para situar o preço do solo em Pe, um poderoso sinal para a estruturação urbana residencial pois,

ao estar correlacionado positivamente com a quantidade de solo público, incide no incremento do potencial construível ao IC3.

T2 é o tempo de execução da urbanização propriamente dito e sua

duração depende da envergadura da intervenção que planejou o governo para produzir acessibilidade e habitabilidade. Ao início de T2 é possível inferir alguma

hierarquia na distribuição das famílias no espaço residencial urbano como resultado da qualidade e a proximidade temporária do cumprimento da promessa urbanística do governo. Essas promessas podem mobilizar grandes quantidades de dinheiro para acessar ao solo acessível-habitável até as que só podem adquirir o domínio de um terreno amparado com uma promessa de desmarginalização ou de urbanização social. Dada a proximidade ou lonjura do cumprimento da promessa do governo, o

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estruturador urbano conta com um lapso para que a demanda revele as intenções de localização-vizinhança e, com sua ajuda, tenta antecipar a disposição dessas famílias a pagar pela localização-vizinhança através de sua proposta imobiliária.

O estruturador urbano que opera no mercado das famílias com maior disposição a pagar que o médio assume, por regra general, as características do empresário schumpeteriano que compete no mercado imobiliário diferenciando os bens residenciais (Abramo 2007, p. 205-224), construídas a partir de certo tipo de inovações. As famílias mais enriquecidas intuem que podem recrear suas inclinações segregacionistas nessas inovações, isto é, que podem derivar benefícios monetários de sua concentração em alguma vizinhança gerando, portanto, barreiras físicas e econômicas que mantenham afastados aos intrusos potenciais. portanto, essas inovações-diferenciações dos ativos residenciais são funcionais à captação de benefícios monetários das externalidades de vizinhança derivadas desse tipo de comportamento, e seu êxito se concreta na imposição de um preço do solo urbano situado entre Pe e o preço máximo de mercado Pf, intervalo correlativo a um potencial construtivo como IC4. Quando esse potencial construtivo se aproveita

integralmente se transfere riqueza coletiva aos agentes privados da estruturação residencial urbana.

Pode acontecer que o comportamento racista dessas famílias as leve a prever que uma maior densidade de construção, como a que se derivaria do grau de verticalização IC4, é um convite à chegada de famílias intrusas no futuro. O preço

máximo pode ser compatível com uma densidade-verticalização inferior, quer dizer, com uma menor quantidade de ativos residenciais de silhueta mais horizontal construídos em zonas de alta acessibilidade-habitabilidade. Nesta última situação, a cidade confronta um enorme custo coletivo pela ineficiência dos mecanismos de coordenação do mercado do solo, ao não ter em conta os comportamentos racistas das famílias mais enriquecidas que lhe permitiu ao estruturador urbano conduzi-la a uma antecipação erro. Mas se esse comportamento racista, em términos do Rose-Ackerman, é inerente às famílias mais enriquecidas, o resto de famílias não tem que ser indiferente a suas intenções de localização e à configuração de uma vizinhança homogênea e exclusiva. Também desejam extrair algum benefício monetário dessa aglomeração e estão dispostas a pagar por isso e, por essa razão, as previsões sobre as modificações da distribuição pessoal do ingresso urbano jogam um papel determinante na estruturação residencial urbana: uma deterioração da distribuição pessoal do ingresso é compatível com propostas segregacionistas, enquanto que uma melhora da distribuição pode respirar as famílias intrusas a modificar suas expectativas sobre seu futuro residencial.

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2.6 Do direito de propriedade à função social da propriedade A questão sobre a origem e o suceder da propriedade privada está no centro do debate como pilar ideológico do capitalismo, e sua consideração como um direito dos indivíduos é um dos problemas centrais que ocuparam a não poucos intelectuais, acadêmicos e políticos, interessados no desenvolvimento da economia de mercado. Por quase dois séculos, economistas e juristas, principalmente, produziram uma variada literatura sobre os direitos de propriedade ou, mais precisamente, sobre o mercado dos direitos de propriedade e, hoje por hoje, boa parte desses debates ainda se encontra abertos, constatando-se ainda a relevância universal desta preocupação.

Se uma das mutações transcendentais que ocorre durante o transcurso das sociedades para a urbanização completa é que nas metrópoles a taxa de crescimento populacional urbana se explica cada vez mais pelo crescimento vegetativo da cidade ao tempo que a importância da taxa de migração nítida se reduz, as mudanças introduzidas nas regras para que operam os mercados urbanos não se apresentam de forma tão espontânea, como é apenas óbvio, pois eles se definem na esfera da política. Esse crescimento populacional se acompanha de uma dilatação do vínculo que liga as transformações demográficas e epidemiológicas ao processo de urbanização e à ocupação do espaço intra-urbano: a taxa de formação de lares. Em efeito, o crescimento de tal taxa é mais veloz que o da população e entranha outro movimento correlativo que singulariza a estrutura demográfica das metrópoles e é a tendência secular à redução do tamanho dos lares, de maneira que o menor número de membros contrasta com a ampliação coetânea das necessidades residenciais.

A vigência formal do estatuto no que se consignam as regras com que opera o mercado do solo em uma sociedade rural e que se aplica ao mercado do solo urbano se prolongou exageradamente, estando ainda em uso quando a urbanização se encontra bastante avançada. As sociedades que persistem nisso, isto é, que tratam o solo urbano com os arcaicos estatutos rurais, fazem-no de maneira inadequada e suas conseqüências são, por exemplo, a presença de crescentes iniqüidades na distribuição das cargas e benefícios do processo de urbanização, o reconhecimento ilegítimo de inexistentes direitos reais ou as crescentes dificuldades para produzir solo urbano público.

As ações coletivas urbanas modernas, além de emprestar atenção à orientação espacial da expansão da cidade e a suas características físicas e estéticas, também incorporam a dimensão ética de sua estruturação partindo de complementar à noção do direito de propriedade com o da função social da

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propriedade. Este complemento geralmente se tenta responder pela ideologia do laissezferismo impuro com a já rotineira manipulação da idéia de que a propriedade como função conduz uma perdida de liberdade individual e de riqueza da cidade pois, derivado de seu arraigo napoleônico, entende-se que como direito é possível o uso e do abuso que os proprietários dêem a seus bens. Pelo contrário, a imposição de deveres como o de edificar o solo que a cidade urbanizou ou o fará, de limite como o da verticalização - densidade que podem produzir os estruturadores urbanos em certas vizinhanças e de restrições como a subdivisão do solo e a zonificação, liberam à cidade da tirania das imperfeições de um mercado que arrasa o critério de proporcionalidade e promove uma apropriação iniquitativa de riquezas produzidas de maneira coletiva.

A tensão entre o interesse coletivo e o interesse individual aflora com a incorporação da função social da propriedade à ação coletiva urbana. Enquanto que no plano social são desejáveis cidades com um alto patrão de sociabilidade (Pinilla 2003, p. 259), propósito que de fato é inconsistente com o interesse maximizador da mão invisível descontrolada, isso não pode ser desculpa para “desvirtuar a instituição da propriedade” (Pinilla 2003, p. 258). Pelo contrário, o Estado no sistema econômico atual não se pode erigir como proprietário do solo urbano, como chegou a sugeri-lo Walras e outros expoentes da tradição francesa, como se do direito de construir que ele mesmo produziu, tanto física como normativamente, e dos incrementos no preço do solo que sua ação urbanística gerou pois, só através disso, evitará que se interrompa o circuito urbano da moeda e que isso limite sua capacidade fiscal para garantir a provisão universal dos bens públicos urbanos. De maneira que é com a expedição das normas urbanísticas, fase conclusiva do aperfeiçoamento da Ação Coletiva Urbana, que o estruturador urbano adquire as faculdades de gozo e disposição do solo para extrair seus lucros:

A configuração do direito de propriedade neste caso, como direta atribuição de sua função social, entra em definir a utilização possível de um bem e, em tal sentido, as condições que têm que cumprir-se para poder patrimonializar o aproveitamento urbanístico, que não é mais que as condições de uso e intensidade que é possível concretizar a um proprietário de terrenos. Assim, as faculdades para o aproveitamento dos bens não vêm dadas pelo fato de ser proprietário, mas sim pelas regras de atribuição de deveres e direitos que estabelece o mencionado Plano e que estão sempre coordenadas por objetivos de ordenamento e utilidade comum que transbordam os interesses particulares dos proprietários (Pinilla 2003, p. 261).

Note-se que na forma que se apresenta o conteúdo da noção da função social da propriedade dos bens imobiliários urbanos se incorporou, em princípio, a capacidade antecipatória do governo que fica em prática quando, através do exercício do

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planejamento, identifica os terrenos com vocação urbana sobre os que recairão “a exigência de cargas e deveres que harmonizem com as necessidades coletivas e de comportamento ou realizações positivas por parte dos proprietários do solo” (Pinilla 2003, p. 259) e, além disso, a premissa contemporânea da sostenibilidade13 na medida em que a riqueza das cidades emana de sua liberação das regras monopólicas que, como tal como se explicou ao início do capítulo, permitiram edificar aquela falsa premissa de que “quem controla o solo controla a cidade”. 2.7 Para uma explicação institucionalista da ordem urbana: a Cidade

Segmentada e Segregada A transferência de riquezas da estruturação residencial urbana se inicia com as antecipações que os estruturadores urbanos fazem tanto da disposição espacial dos bens públicos acessibilidade e habitabilidade como do aperfeiçoamento da ação coletiva urbana que regula o aproveitamento do solo urbano. Esse aproveitamento teria que ser feito através da entrega onerosa do direito de construir ou outra forma de participação da sociedade nos incrementos do preço do solo. A proposta de verticalização/densidade da que deriva seus lucros resulta dessa antecipação assim como da que realiza sobre as inclinações das famílias a demandar certa localização-vizinhança pela que estão dispostas a pagar um preço máximo.

O solo transformado em solo urbano pela ação urbanística estatal, exposto às antecipações do estruturador urbano, é a fonte primitiva da segmentação da cidade. Em ocasiões a morfologia física da cidade facilita tal segmentação.

As diferenciações no bem composto solo urbano provêm, em especial, das diferenças em sua composição orgânica, isto é, da maior ou menor proporção de cessões urbanísticas em relação com o solo potencialmente construtivo. Posto que no laissezferismo impuro o mercado se encarrega de transferir, conforme se comprovou, o valor do solo cedido ao preço do solo útil, a disponibilidade a pagar das famílias é antecipada pelos estruturadores urbanos antes de decidir-se a propor a nova vizinhança. Isto é válido, inclusive, naquelas zonas da cidade expostas a os processos de destruição criativa pelo capital imobiliário sob a estratégia de valorização conhecida como a renovação urbana.

A competência entre os estruturadores urbanos pelo solo residencial pode ser anulada por uma vigorosa antecipação de um ou alguns deles, constatável na

13 É difícil escapar da ambigüidade da palavra “sostenibilidade” suscitada contemporaneamente pelo relatório da Missão Brundland. Entretanto, e em direção do argumento que tentamos levantar, é pertinente citar aquela aproximação ecológica que afirma, categoricamente, que “as cidades são, por definição, insustentáveis… a sostenibilidade não é mais que a imputação de custos sociais e ambientais às ações econômicas, valorando em términos de economia de natureza e não em artificiais valores de mercado” (Ruiz, 2003:364).

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existência de vazios urbanos em zonas desenvolvidas da cidade. Esse solo se administra à espera que a ordem urbana antecipada se realize e permita então a monetização dos direitos de construir dos que o estruturador deriva uma porção considerável de seus lucros. A imbricação destas ações no tempo que dá lugar à segmentação do solo urbano promove simultaneamente a configuração de diferentes segmentos de mercado que, operando sob as regras gerais inerentes à opção laissezferista impura assumida na cidade, expressam fortes diferenciações. Elas, introduzidas pelos estruturadores urbanos, tem a missão de convencer às famílias que seus desejos de localização-vizinhança se concretizarão nesse lugar e, ao consegui-lo, os estruturadores estarão realizando sua antecipação do preço máximo.

Para compreender a heterogeneidade da silhueta da cidade latino-americana, isto é, a “grande diversidade em términos de densidade com a que se constrói e desenvolve as distintas seções do espaço urbano” (Jaramillo 2004c, p. 1), proponho uma relação fundamental que sintetiza no presente as antecipações do passado e antecipa as que sobrevirão. É a que existe entre as cessões obrigatórias de solo à cidade e o índice de construtibilidade do solo urbano. A potência explicativa de tal relação pode aparecer bastante estranha para o economista acostumado a lutar cotidianamente com os preços de uma variada gama de bens. Mas, tratando-se da singularidade da cidade como resultado do esforço coletivo a que corresponde uma análise institucionalista, esta relação não só tem a vantagem já advertida de introduzir a análise dos segmentos de mercado do solo urbano como também a de propiciar alternativas para a interação com outras disciplinas na busca de uma epistemologia geral sobre o urbano.

2.7.1 A produção do espaço urbano e a Cidade Segmentada: a norma e as

antecipações Essa relação entre a diversidade no índice de construtibilidade (IC) que experimentam as diferentes zonas da cidade e a variação com que se manifesta dentro delas a verticalidade (v) das vizinhanças com as cessões obrigatórias de solo urbano à cidade (d) representa-se na Figura 2.9. A ordenada corresponde ao índice de construtibilidade tal como se explicou na figura anterior, o qual se relaciona na abscissa com o bem composto “solo construtivo - solo não construtivo” com o que quer sublinhar o papel ativo que cumprem as cessões urbanísticas à cidade -d- na estruturação residencial urbana e na formação dos preços do solo construtivo. Na abscissa se supõe um valor ínfimo de tais cessões em d1, um valor crítico em d2 e um valor máximo em d3. Mas também, como acontecem geralmente, as

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diferenciações introduzidas pelos estruturadores ao bem solo urbano e imanente a cada segmento de mercado do solo construtivo, não admitem uma solução única quanto a seu preço, quer dizer, não existe unicidade no preço que desembaraça o mercado. O que se admitem é múltiplas soluções a diferentes níveis de cessões e diferentes dotações de bens públicos urbanos sobre elas.

Figura 2.9

Uma aproximação normativa da apropriação do espaço construtivo para uso residencial

A cidade se debate entre a opulência, a magnanimidade e a infâmia, qualificativos que não devem ser assumidos meramente como julgamentos de valor posto que se empregam para referir-se ao espaço urbano reservado para os triunfadores e para os perdedores na transferência de riquezas da estruturação residencial. As coordenadas (d1, IC1) correspondem ao solo urbano menos

apreciado, em cujos processos de ocupação ficam em evidência as práticas de certos estruturadores por exacerbar a densidade de ocupação, alterando muitas vezes a capacidade real do solo negociado, e burlando sub-repticiamente as cessões urbanísticas à cidade. As famílias que conformam a demanda por esse solo são estigmatizadas pelo fato de reclamar o domínio sobre terras que, de chegar as

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políticas urbanas reativas, vão ser pagas pelo Estado para convertê-las em terras públicas aptas para a extensão dos bens públicos acessibilidade e habitabilidade. O estruturador urbano que opera neste segmento de mercado sabe que, a diferença da prática de seu par que opera nos segmentos de mercado para famílias de maiores ganhos, a disponibilidade a pagar das famílias de menores ganhos pelo solo é grandemente menor. Isso se vai constituir em um estímulo para vender clandestinamente as terras que a norma urbana lhe obriga a ceder à cidade, pois, se tentasse que seu valor reflua para o solo útil, ultrapassará o preço máximo que a demanda de menores ganhos está disposta a pagar.

É possível denominar a este como solo urbano se não possuir as condições de acessibilidade e habitabilidade que o qualificam? Uma resposta afirmativa a tal interrogante corresponde ao campo da escassez econômica, pois na formação de seus preços opera, de maneira decisiva, a promessa do estruturador urbano de que as políticas reativas urbanas chegarão ao futuro próximo para quem demanda um lugar para construir aonde residir. O constrangimento das cessões de solo se configura em um sinal que indica à família o tipo de vizinhança ao que pertence e as possibilidades de seus membros de interagir com outros em um espaço público urbano muito denso, isto é, aonde o conflito entre os membros do lar assinará sua disputa. Esta é uma poderosa razão que, somada à incerteza sobre o cumprimento da promessa sobre a chegada das políticas de regularização ou desmarginalização que o estruturador realizou limita às famílias de baixos ganhos de destinar maiores esforços auto - construtivos para prover-se de mais espaço habitável e, portanto, são estas vizinhanças os que detêm o índice de construtibilidade mais desço da cidade. Com isso, as famílias de baixos ganhos que conformam os setores populares são condenadas a viver na cidade infame, a escala mais segregada da estrutura urbana da cidade e em que o suceder de seu capital humano -seus filhos- (Abramo 2007, p. 224-231) está assinado pelo estigma da ilegalidade que lhe legou sua derrota no conflito de riquezas.

Em síntese, esse mercado é o das promessas, o da capitalização de expectativas incertas que se vendem aos pobres sobre a iminência das políticas urbanas reativas de regularização, desmarginalização ou de melhoramento lamaçal, promessas que de cumprir-se propulsam a informalidade urbana. Essa é a dobro face das políticas reativas do Estado, pois, de um lado, são socialmente necessárias e, do outro, economicamente ineficazes no combate à informalidade urbana. A finitude do espaço construtivo para os setores populares da cidade, delimitado pelo mais precário nível de cessões da cidade e a ausência de dotações de bens públicos urbanos, se expressa em uma silhueta das edificações de nível baixo. Ou seja, com o índice de edificabilidade médio mais fraco da cidade que, por sua parte,

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denota as limitações que os setores populares enfrentam para subverter sensivelmente o espaço aéreo urbano. É o primeiro segmento da cidade sobre o que se edifica o ordem/desordem imanente a sua estruturação residencial e no que as conquistas em matéria dos bens públicos sobre os que se edifica a sociabilidade são bastante esporádicas. Além disso, a ação do agente que o vai estruturar é tolerada pela sociedade, pois é correlativa à deterioração fiscal ocasionada na interrupção do circuito da moeda acontecido com a captura do direito de construir pelos estruturadores urbanos que operam nos segmentos de mercado do solo para as famílias mais enriquecidas da cidade. Quer dizer, é o resultado mais verossímil da desigualdade na transferência das riquezas criadas coletivamente.

À direita de d1 e até d2 se figurou um segmento de mercado de solo

urbano para famílias de ganhos baixos supõe algum nível de acumulação prévia do lado da demanda como aquele que detém as famílias camponesas potencialmente incorporáveis ao mercado de trabalho urbano e que chegaram à cidade como conseqüência da precarização de suas condições de vida como minifundistas no campo. A quebra da agricultura tradicional é, em geral, seu principal detonante. Sua função histórica é a de prover o trabalho necessário para construir a cidade e, à medida que isso ocorre, alguns de seus membros se vão incorporando as atividades modernas de onde derivam um ingresso com o que acessam a um mercado do solo no que operam estruturadores urbanos. Eles não têm a capacidade material, intelectual e política de seus pares da cidade benévola, estruturam um segmento de mercado de solo urbanizado apto para a autoconstrução e o desenvolvimento progressivo. Essa propriedade o anterior não possui. O índice de construtibilidade IC2, embora precário, é superior ao da cidade infame e se alcança graças às

dotações de bens públicos urbanos que a cidade realiza a um nível capaz de servir para o sustento da força de trabalho. Posto que as famílias saibam que dificilmente suas residências serão incorporadas a negociados imobiliários dinâmicos como tampouco são catalogadas como uma boa garantia real do crédito hipotecário, elas demandam um solo urbano localizado em lugares no que automóvel construirão sua vizinhança para habitá-lo por várias gerações.

Uma porção do solo que se negocia nesse segmento do mercado do solo urbano, localizado na fronteira de d1, é submetida esporadicamente às políticas

reativas de melhoramento ou desmarginalização. Essa ação governamental que confere um incentivo para que as famílias incrementem a construtibilidade sobre teto próprio, sabendo que é o combate à aglomeração crítica o que as motiva. E, eventualmente, uma fonte de ganhos pela via do aluguel. Com a que as famílias fazem frente à penúria econômica. Essas famílias não pretendem alienar a posse de sua residência, pois é sua fonte de renda que dificilmente poderão readquirir, de

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maneira que pouco importa a valorização imobiliária induzida pelo programa governamental.

Por sua parte, o solo que se localiza na fronteira de d2 é submetido

regularmente às pressões de outros estruturadores urbanos que antecipam melhor que os que ali operam a ampliação nas dotações dos bens públicos acessibilidade e habitabilidade e, com isso, um maior índice de construtibilidade. Em um ambiente laissezferista impuro, a ação do estruturador urbano melhor informado vai permitir que uma porção de seu sobre - lucro se destine a impulsionar ao antigo proprietário do domínio sobre o solo a vincular-se passivamente ao novo projeto. Mais usualmente, a desalojar o terreno para que o estruturador cristalize sua proposta em troca de uma soma em moeda que o jamais conheceu em seu poder. A ilusão de liquidez da família de ganhos baixos é esgrimida no argumento do estruturador urbano para poder acessar à nova antecipação da que resultarão novas propostas de verticalização/densificação da cidade.

Sobre estes dois segmentos do mercado do solo urbano, quer dizer, de um índice de construtibilidade como IC2 e até o IC3 e com um nível de cessões obrigatórias de solo entre d1 e d2, representa-se uma ampla fração do solo urbano

para famílias de ganhos médios. Note-se, antes que nada, que ao nível de cessões ínfimo d1 e entre os dois índices de construtibilidade, representou-se com uma linha

dedilhada a descontinuidade física existente entre o solo urbano destinado para as famílias pobres e o apropriado para as de ganhos médios. É, em efeito, um lance de sutil segregação entre pobres. Note-se também que, nas proximidades de d1 e por cima do IC2, o solo urbano regularizado é submetido a uma maior intensidade de

uso. Quando ela é resultado dos esforços das famílias pobres previamente instaladas, seus efeitos representam uma conquista democrática das políticas urbanas que combatem a desigualdade, mas tais melhoras se constituem em um estímulo para que outros estruturadores aplainem a tranqüilidade da vizinhança pobre com propostas de densificação para capas meias. O conseqüente deslocamento dos pobres a lances ainda mais infames de cidade será a derrota das políticas urbanas e das fraquezas do contrato social urbano para enfrentar à «mão invisível descontrolada».

Precisamente desde esse nível se representou um segmento de mercado que se levanta pela ação de estruturadores urbanos que operam até um valor crítico de cessões urbanísticas como em d1, fila no que as paulatinas melhoras em

acessibilidade e habitabilidade se acompanham de aumentos parcimoniosos nas áreas livres dos bairros: as alamedas e os parques de bolso se complementam com alguns de maior envergadura - os de escala lamaçal e, em alguns casos, zonal-, seus moradores conquistaram uma transcendental dotação de públicos que lhes

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facilitam a sociabilidade e se reservaram algumas zonas para o estacionamento de veículos sobre a via pública, por exemplo.

Ao redor das coordenadas (IC2, d2) se desenvolve a construção por

encargo de residências com sob perfil construtivo e amplas zonas livres cujo valor se esgrimiu historicamente como a principal barreira urbanística para conter a irrupção de famílias oportunistas.

De ali em adiante o preço máximo pelo solo urbano que o estruturador urbano pode cobrar é indevidamente superior aos anteriores, pois, além das características já assinaladas, estas capas meias estão interessadas em acessar a uma residência produzida em série, isto é, que a autoconstrução não aparece como rasgo distintivo da residência destas famílias. De fato, as dês - economias de escala da produção em altura não habilitam projetos individuais. A disponibilidade a pagar destas famílias é superior às anteriores, pois, além de estar inscritas nas labores dos setores modernos urbanos, geralmente mais de um membro da família é arrecadador de ganhos com regularidade com o que, adicionalmente, são sujeitos do crédito hipotecário. As precariedades em matéria de provisão de bens públicos urbanos som menos notórias -de fato se eliminam- permitindo ao estruturador antecipar edificabilidades como no lance IC3, isto é, maiores dotações de

acessibilidade e habitabilidade que permitem superar as fronteiras do espaço urbano que experimenta o anterior segmento.

As técnicas de construção em altura se empregam com particular notoriedade neste segmento do mercado. Essa é a razão pela que os estruturadores urbanos que ali operam contam com uma acumulação prévia para mobilizá-la com o propósito de produzir uma diversidade de silhuetas nas vizinhanças. Seguindo as pautas de seus colegas que anteciparam melhor a ação urbanística estatal, essas silhuetas denotam a existência de um primeiro grupo de estruturadores urbanos foram os vitoriosos no conflito pela transferência de riquezas da estruturação residencial urbana.

O nível de cessões obrigatórias d2 é um nível crítico na cidade, pois em

suas imediações se começam a construir as fronteiras mais capitalistas entre os segmentos superiores de cidade. À medida que nos aproximamos dessa fronteira desde d1, é possível identificar diversos lances deste segmento do mercado do solo

urbano que se distinguem entre si por ter sido produzidos pela ação urbanística estatal a partir do momento em que os estruturadores urbanos foram introduzindo as técnicas de construção em altura. Eles conseguiram mobilizar quantidades crescentes de capital para adequar a morfologia física da cidade a suas propostas de vizinhança. É a conquista do espaço aéreo urbano e a conseqüente captura do direito de construir. Em ocasiões, é o mesmo governo o que, dotado de condições

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financeiras excepcionais, exerce o papel de estruturador urbano para produzir solo construtivo que usa na produção residencial em altura, ação que não ofusca ao estruturador urbano, pois, além de não significar competência alguma, representa-lhe mais riquezas ao ser induzidas um incremento nos preços do solo que já tinha antecipado. Quando o estruturador urbano privado se precaveu disto e o solo em domínio do governo necessário para realizar seus projetos residenciais escasseia, o privado cobra um preço superior ao preço máximo por esse solo, quer dizer, especula. Na prática, esse solo suporta uns direitos de construir que são produzidos pela ação urbanística estatal e que, apropriados ilegitimamente pelo estruturador privado ao calor do laissezferismo impuro, são vendidos novamente pelo governo.

Esta é uma das razões pelas que a compra antecipada de terrenos pelo governo é recomendada aos governos latino-americanos especialmente pelos urbanistas franceses. Entretanto, tal recomendação é um grave engano que se pagará com os maiores custos fiscais que lhe representa ao governo ter que administrar durante compridos períodos o solo urbano de seu domínio e privar-se de participar dos incrementos nos preços do solo urbano que sua intervenção urbanística gerou. A melhor recomendação é que o governo não decline na entrega onerosa do direito de construir ou no pagamento das mais-valias urbanas. Quando a regulação se aproxima do Código Napoleônico estabelecendo que o preço das desapropriações do solo urbano que o governo requer será o do mercado, isto é, aos preços máximos que antecipou o estruturador, paradoxalmente isso é impugnado pelos mesmos estruturadores urbanos, pois sabem que é um mecanismo para evitar a exacerbação do enriquecimento sem justa causa.

Mas essa fronteira levantada nas imediações de d2 mediante instrumentos

econômicos é indissolúvel à necessidade sociológica das famílias de acessar a um lugar no que a personalidade de seus membros possa afirmar-se no meio urbano. Para saciar essa necessidade das famílias mais enriquecidas, o capital estruturador está sempre disposto a modificar morfologias físicas ou qualquer outra barreira -ambiental, institucional ou ainda política -, que lhe permita antecipar as inclinações de localização-vizinhança delas. Se, pelo general, as zonas plainas da cidade são as mais densamente ocupadas, a ocupação das zonas de relevo reveste as contradições do laissezferismo impuro e é emblemática da apartheid social que assina à cidade: as famílias mais enriquecidas estão dispostas a pagar por um solo urbano em pendente para realizar sua afirmação urbana em meio do confinamento e os prazeres da contemplação das paisagens da altura. Ao outro extremo social da cidade as famílias acessam a este em precárias condições de acessibilidade e habitabilidade, condição e resultado da desigualdade urbana herdada do critério de

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eficiência que bloqueou qualquer intento de fazer justiça social urbana oportunamente.

Nas imediações à direita de d2 se figura precisamente esse solo urbano

que, dotado de semelhantes disposições de bens públicos acessibilidade e habitabilidade, conta com cessões urbanísticas e áreas livres mais generosas: é o da cidade magnânima, aquela ansiada por todos para viver. A maior disponibilidade a pagar das famílias de ganhos altos é a condição para isso, pois, em efeito, a carga que representa tais cessões para a cidade implica, simultaneamente, a maior intensidade de uso residencial do solo urbano útil. Os estruturadores urbanos que operam neste segmento do mercado do solo urbano se distinguem de outros por ostentar cotidianamente de seu notável influencia nos lugares crave do circuito urbano da moeda: o governo e os bancos hipotecários. Tal influência se acrisolou com a prática consuetudinária e idosa das economias lhes relacione ou de proximidade organizacional que os reveste da auréola do êxito empresarial, quer dizer, que por ser os melhor informados se situam à cabeça do rebanho que impulsivamente os seguirá. Essa auréola é a condição de entrada ao clube em que se agremiam e através do qual somam esforços chamados como seu capital social para desmoralizar os intentos de regulação do governo e estigmatizar os seus contraditores na cidade, pois, do contrário, a ilegitimidade de seus lucros se revelará com tal força que mudará velozmente para seu estado natural: o da ilegalidade.

Ao operar o fator de cessões urbanísticas d, o estruturador urbano configura uma porção considerável do preço máximo do solo urbano que pagarão as famílias que demandam a nobre localização-vizinhança da cidade que ele se encarrega de estruturar e, simultaneamente, engalana-se de benevolência e responsabilidade social com o solo urbano que gratuitamente cedeu à cidade. Esta forma de atuar não o diferencia em nada de seu colega que opera no mercado do solo urbano no que se produz a cidade infame, pois, conforme vemos, a principal diferencia radica no tipo de famílias às que satisfazem com suas propostas de verticalização/densificação: enquanto que o primeiro pode transferir essa carrega ao preço do solo útil o que, de fato, equivale a uma alienação de mercado, o outro banaliza as cessões urbanísticas para os pobres com a tolerância da sociedade. Quer dizer, que se tivesse que operar no segmento de mercado da infâmia certamente venderia o solo urbano requerido socialmente para a produção dos bens públicos urbanos, pois sua motivação é inteiramente egoísta e para nada tem que ver com a ética ou o altruísmo.

As melhores condições de acessibilidade potenciam a ulterior edificação do solo urbano com mescla de usos mais sofisticados que nos segmentos inferiores. O estruturador urbano sabe, adicionalmente, que a sociedade sobre valora o tempo

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dos membros das famílias de ganhos altos em relação com o de qualquer outra família. Por tal razão, uma parte importante da verticalização que lhes propõe se destina aos estacionamentos privados para o modo de transporte mais versátil -o veículo privado- através do que se transladam da intimidade de sua residência a de seu lugar de trabalho ou estudo. Por isso à residência para estas famílias que detêm maiores gastos suportáveis em seu orçamento familiar geralmente lhe aderem dois ou mais destes bens imobiliários complementares.

Mas quando as condições de habitabilidade são produzidas pela cidade para que o estruturador urbano cristalize sua proposta de densificação, sobrevêm às contradições de sua ação. A reação das famílias no topo mais elevado da distribuição pessoal do ingresso urbano vai ser a de desdenhar a elevada densidade proposta pelo estruturador, pois ela é percebida como uma ameaça para a afirmação de seus membros no meio urbano. Mas o estruturador está em capacidade de antecipar essas inclinações das famílias de ganhos muito altos e está disposto a subverter a norma para satisfazê-las.

2.8 A produção do espaço urbano e a Cidade Segmentada: a subversão da

norma e as antecipações Esta aproximação normativa, levantada sobre rasgos que dão conta do possível nos segmentos de mercado descritos, ainda enfrenta algumas limitações ao momento de tentar compreender a dinâmica dos segmentos de mercado do solo inerente às metrópoles que assinalam o atalho para a urbanização completa da sociedade na América Latina.

Para superar tal limitação se propõe que a aparente ordem que se capta na Figura 2.10, é subvertida de maneira paulatina, mas persistente por uma renovada ação anticipativa dos estruturadores urbanos que, através de suas propostas de localização-vizinhança, introduzem a desordem como condição e resultado de sua cobiça pelo ganho, fase superior do egoísmo empresarial imobiliário. A desordem urbana tem sua gênese no laissezferismo impuro, opção que, por sua parte, é incapaz de oferecer uma forma de resolução satisfatória, para não falar de ótima, das externalidades negativas que gera.

O solo urbano é submetido a uma gama de terapias que modificam a silhueta residencial da cidade ao passo que novas propostas de vizinhanças vão ser acolhidas pelas famílias que, favorecidas no secular conflito redistributivo do ingresso pessoal, estão à espera de novas opções de localização-vizinhança para sua reafirmação no meio urbano. O estruturador urbano reaparece na cena da estruturação residencial urbana -a cidade- com três tipos de propostas de

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verticalização/densificação. A primeira delas é uma proposta em que põe em jogo sua capacidade empresarial schumpeteriana para convencer à cidade que certas vizinhanças estão depreciadas e que sua existência é parte de um passado que será apagado do espaço por uma proposta de ocupação mais eficiente. É Φ na Figura 2.10 tal lugar, o da destruição de uma proposta de localização-vizinhança do passado para criar outra para famílias de ganhos médios - altos cuja disponibilidade a pagar modifica o preço máximo do solo urbano prevalecente nessa vizinhança.

Figura 2.10

A produção do espaço construtivo e a Cidade Segmentada: a subversão da norma e as antecipações

Dificilmente o governo poderá modificar a disposição do bem público acessibilidade, mas se o de habitabilidade e as economias de proximidade organizacional do estruturador urbano se empregam em procura do tal objetivo. Essas famílias estão interessadas, por efeito de assimilação urbana, por vizinhanças que revistam as características dos das famílias de maiores ganhos. Por isso, os estruturadores urbanos que operam nesse novo segmento do mercado vão reproduzir as propostas de verticalização/densificação de seus colegas melhor informados, proposta que terá lugar inicialmente em lugares próximos às vizinhanças

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nobres para logo difundir-se a outros lugares mais longínquos tanto físicos como socialmente. À medida que as novas vizinhanças se erigem ao calor da destruição criativa do capital estruturador urbano, os preços máximos do solo urbano se modificam ao mesmo ritmo com o que as novas propostas de verticalidade/densidade demarcam novos segmentos de mercado.

Por causa das limitações físicas e econômicas que o governo tem para modificar a disposição espacial do bem público acessibilidade nesses lugares, a congestão urbana vai aumentar ali e se difundirá irremediavelmente fazia o resto da cidade à maneira de um ambiente entrópico. As mesmas cessões urbanísticas se preservam para acolher agora vizinhanças mais verticais e densas, por isso seus moradores se vêem obrigados a deslocar-se cotidianamente para outros para interagir com outros cidadãos. Mas quando isso ocorre e, além disso, as silhuetas das vizinhanças emergentes começam a assemelhar-se a das famílias de maiores ganhos, o preço máximo de solo começa a homogeneizar-se e, com isso, uma das barreiras impostas à homogeneização das vizinhanças nobres começa a transgredir-se. A reação das famílias de altos ganhos, mediada pelo interesse de preservar sua peculiar forma de reafirmação no meio urbano, isto é, dificultar a interação de seus membros com os de outras famílias de ganhos mais baixos, é a de repudiar tal homogeneização. A impossibilidade do mercado para coordenar as eleições de localização-vizinhança das famílias terá aflorado no meio do laissezferismo impuro.

Em tal ambiente, a «mão invisível descontrolada» não conhece regras a não ser as da permissividade urbanística que explora o estruturador urbano. Com sua proposta de destruição criativa no Φ aonde conseguiu antecipar um novo preço máximo pelo solo urbano capaz de viabilizar sua proposta de verticalização/densificação com cessões urbanísticas prévias a sua proposta, também conseguiu ameaçar a ordem vigente nas vizinhanças das famílias de ganhos altos e muito altos. Mas, ao fazê-lo, estimulou uma nova segmentação nesses lugares fundada nos desejos de novas localizações/vizinhanças que sejam mais difíceis de aplainar pelas famílias emergentes. O estruturador urbano terá que modificar seu discurso sobre a eficiência na atribuição do solo urbano como pré-requisito para propor novas vizinhanças que, como no Φ', satisfazem os desejos de tais famílias e, simultaneamente, dá-se à tarefa de convencer às famílias de ganhos muito altos que o solo urbano necessário para satisfazer seus desejos de confinamento terão que pagar um preço máximo mais elevado.

Quando consegue tal proeza, o estruturador urbano terá criado outro segmento de mercado do solo urbano ao que são imanentes índices de construtibilidade como no IC4, mas que só se aproveitarão como no IC1, ao passo

que uma nova carga urbanística representada nos excessos de capacidade

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acessível e habitável requeridos nesses segmentos será transferida novamente ao governo. Adicionalmente, as cessões obrigatórias são as mais elevadas da cidade, isto é, que a nova vizinhança deterá muito baixos níveis de ocupação o que significa um dobro desafio para o estruturador urbano: o de antecipar um recôndito lugar no espaço urbano aonde possa realizar sua nova proposta que, logo depois de formalizada, deverá ser estruturada para evitar que tal lugar seja aplainado por intrusos indesejáveis. É a gênese da anti-cidade.

Como geralmente ocorre nas metrópoles que assinalam à sociedade o atalho para a urbanização completa, os vazios urbanos não são propícios para tais propostas. É por isso que as famílias mais ricas vão se transladar os lugares que, vinculados funcionalmente às condições de acessibilidade e habitabilidade da cidade mediante as redes parasitas produzidas pela ação do estruturador urbano - as ruas confinantes- vai arrasar as paisagens mais prometedoras das áreas protegidas da cidade. Logo vai circundá-los com imponentes muros, ameaçadores alambrados eletrificados e sofisticados mecanismos de monitoro do visitante.

Note-se agora que Φ e Φ' estão vinculadas figurativamente por um vetor bidirecional. Com ele simbolizo a segmentação capitalista da cidade que, segundo meu entender, resulta das tensões suscitadas entre as famílias de ganhos médios altos, altos e muito altos por captar riquezas do processo de estruturação residencial que se enfrentam a seu interesse por resguardar suas vizinhanças de famílias intrusas como condição para a afirmação da identidade de seus membros no meio urbano.

O estruturador urbano satisfaz tais desejos com suas propostas de

verticalização/densificação e, ao longo desse vetor, vai encontrar outras

possibilidades para realizar o terceiro tipo de propostas que lhe permitirão captar

mais riquezas como, por exemplo, nas vizinhanças pré-modernas próximas às

coordenadas (d2, IC2) que, ainda gozando de algum valor histórico que a cidade se

interessa em preservar, seus estoques residenciais enfrentam uma persistente

deterioração fruto das contradições do laissezferismo impuro, pois foram expostos a

inclemente depreciação virtual que lhes é imanente. Mas esses estoques, ainda

deteriorados e decadentes ante a grandiosidade da produção residencial em série,

contêm um intangível recreado pela pluma do historiador e regenerado pelo

imaginário coletivo, o de ser depositários de umas tidas saudades ascendência

extraviado dos começos da modernidade por umas famílias cujos senhorios foram

dobrados pelo embate cultural urbano. De maneira que esse solo urbano,

revitalizado pela chegada de famílias emergentes em busca de impostada linhagem,

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também é envolto em um jogo de antecipações cruzadas cujo resultado é a

expulsão dos antigos moradores para o segmento inferior da cidade. É a área da

cidade mais propícia para a proposta de gentrification.

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SEGUNDA PARTE

RECONSTRUÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL DA ESTRUTURAÇÃO RESIDENCIAL URBANA DE UMA METRÓPOLE LATINO-AMERICANA, BOGOTÁ 1950-2008

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III BOGOTÁ ANTES DE 1950

GÊNESE DO LAISSEZFERISMO IMPURO Dois eventos econômicos e políticos de transcendência planetária afetaram decididamente à formação colombiana durante a primeira metade do século XX: a crise da economia capitalista e o segundo conflito bélico mundial. Certamente ocorreram outros eventos igualmente catastróficos, mas da transcendência dos dois mencionados em relação com nosso objeto - a urbanização da população e o desenvolvimento imobiliário residencial-, muito poucos. 3.1 Colômbia diante as crises mundiais A crise que se iniciou por volta de 1873 teve seu principal determinante no trânsito de uma estrutura econômica competitiva a uma notoriamente concentrada, na medida em que a emergência e consolidação de grandes empresas com inusitado poder de mercado aceleraram a reestruturação tanto da divisão mundial do trabalho como das instituições que precediam aos novos mercados de bens e serviços. A crise iniciada em 1929 emergiu em meio de uma estrutura pouco competitiva em que grandes empresas exerciam sua posição dominante no mercado levantando barreiras à entrada de potenciais competidores ávidos dos lucros extraordinários que caracterizam a de competência imperfeita. Foram nesses mercados pouco competitivos, aqueles nos que os preços das mercadorias não se formam por interação da oferta e da demanda, nos que o exagerado otimismo dos investidores levou as empresas e à economia em geral a uma sobre-acumulação industrial produtiva.

A deterioração nas previsões sobre rentabilidade não demorou em aparecer e seus efeitos se difundiram pela cadeia industrial envolvendo as seus fornecedores de insumos assim como aos distribuidores dos bens finais. De maneira complementar, os garfos de ações das assinaturas assim como os corretores da bolsa, que de fato não tinham nenhum controle sobre a direção das empresas, viram-se abocados a confrontar crescentes perdas financeiras ocorridas em razão da contração dos preços das ações como dos dividendos esperados:

Vimos antes que a eficiência marginal do capital não depende só da abundância ou escassez existente de bens de capital e o custo corrente de produção dos mesmos, mas também das expectativas atuais respeito ao futuro rendimento dos bens de capital. No caso dos bens duráveis resulta natural e razoável, portanto, que as expectativas do futuro joguem um papel dominante na determinação da escala em que pareçam recomendáveis novos investimentos. Mas, como o vimos, as bases para fazer tais expectativas são muito precárias. Estando

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apoiadas em provas variáveis e inseguras, estão expostas em trocas violentas e repentinas (Keynes 2000, p. 280-281).

O desemprego urbano acentuou-se assim como as precariedades no acesso aos meios de consumo vitais para a população se incrementaram. Mas enquanto em países como o Brasil o desemprego maciço deixava perplexos a quem ainda pensava que a principal ameaça para seu desenvolvimento era a relativa escassez de braços que ocorreria com posterioridade à abolição da escravidão, os efeitos da crise mundial sobre a Colômbia foram catalisados de forma tal que, pelo contrário, alavancaram o crescimento industrial no país. A indústria, de fato, experimentou a partir de 1932 “uns dos mais altos na América Latina e talvez o mais elevado da história do país” (Mayor 1989, p. 335). A vida política do país sofreu uma profunda transformação como resultada do triunfo nas urnas eleitorais do candidato liberal que o erigiu como novo presidente dos colombianos, acabando com uma tradição de quase meio século de governos conservadores, fenômeno singular frente ao que ocorria por então na América Latina com a emergência de regimes autoritários:

No resto da América, e nesse ano de 1930, instala-se em República Dominicana Rafael Leonidas Trujillo; na Argentina é tombado Hipólito Irigoyen e o substitui um regime militar; no Brasil, Getulio Vargas, por meio de um golpe de estado, faz-se presidente; no Peru, um comandante, Sánchez Fecho, levanta-se em armas contra o governo da Leguía; no Chile, até no Chile, Marmaduke Grove, outro coronel, instaura uma efêmera república socialista; em El Salvador, o general Maximiliano Hernández derruba ao presidente e começa sua ditadura de treze anos, e na Guatemala Jorge me Localizo inicia a sua, que se prolongará até 1944 (Latorre 1989, p. 269).

Os dirigentes e ideólogos liberais recém instalados no poder recorreram,

de forma paradoxal, a medidas protecionistas e a drásticas medidas restritivas para proteger a formação dos emergentes capitais industriais nativos. O aludido crescimento industrial se enviesou fazia certos ramos da atividade no que posteriormente será conhecido como a liderança têxtil favorecida pelos crescentes investimentos que para este ramo se dirigiram por então e a mudança técnica a que se submeteram (Mayor 1989, p. 334). No entanto, os elos industriais da construção civil estavam mais expostos aos efeitos da crise mundial e suas desigualdades, como no caso da indústria do cimento e a siderurgia, constrangeram em princípio o desenvolvimento imobiliário residencial: o preço do cimento se contraiu notavelmente e, unido ao fechamento financeiro da época, produziu por volta de 1930 à paralisação da construção de Cimentos Samper que veio a reativar-se três anos depois em associo com capitais alemães; em 1934 também entraram em operação Cimentos Argos, de capitais antioqueños subsidiados pelo município do Medellín e a Ferrovia da Antioquia. Por sua parte, a siderurgia colombiana deveu

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produzir aço estrutural em forma de varinhas e pequenos perfis só por volta de 1939 com a estruturação de sociedades de capital como Simesa.

O caráter mono-exportador do país baseado em uma participação crescente da Colômbia no mercado mundial do café (Ocampo 1989, p. 235) não se afetou de forma severo com o advento da crise. De fato, a persistente bonança da economia cafeteira se configurou como o principal elemento retentor de população camponesa nos começos do crescimento da indústria nas cidades. Foi o departamento do Grande Caldas, além de Antioquia, Tolima, Cundinamarca e Valle del Cauca, principalmente, os envolvidos nesta dinâmica que facilitará a provisão das divisas necessárias para a importação de bens de capital e insumos melhorados para os nascentes ramos da produção industrial.

A decolagem da urbanização da população colombiana, segundo diversos autores (cf. Cuervo e González 1997), data precisamente desta época. Mas seus determinantes não são meramente industriais, pois, como sugeri, enquanto a dinâmica industrial era alavancada pela ação decidida do Estado e, em ocasiões, pela de governos locais e regionais. Além disso, a consolidação e paulatina ampliação das atividades terciárias privadas, tanto as dos insumos industriais como a de seus canais comerciais, assim como as estatais orientadas à provisão de serviços coletivos de caráter local, configuraram um ambiente favorável para as migrações do campo à cidade.

Mas a deflagração do segundo conflito bélico mundial por volta de setembro de 1939, que se prolongará até maio de 1945 e que lhe significou a perda da vida a mais de 36 milhões de pessoas, impactou a vida dos sobreviventes de maneira notável. As formações sociais em confrontação conformadas pelas nações democráticas aliadas e pelos “países totalitários do Eixo” foram as mais implicadas, seguindo por seus “países satélite” e terminando com o resto da humanidade. O tamanho das formações sociais, seu lugar na divisão internacional do trabalho e suas vantagens comparativas incidiram fortemente na entrada ao conflito, como ocorreu com o Brasil que depois da assinatura do Acordo de Washington se envolveu na guerra do lado dos aliados, lhe sendo atribuída a tarefa de produzir 100.000 toneladas adicionais de borracha. Por sua parte e sobre a base da liderança têxtil, os industriais colombianos aproveitaram o interlúdio bélico para captar consideráveis lucros derivadas de sua inserção favorável no meio do dês-abastecimento mundial de matérias primas.

Os emergentes fornecedores industriais de insumos para a construção vão experimentar um inusitado florescimento. É precisamente em 1939 quando começam a operar as recém criadas fabricas de cimento do Vale, Nare e Diamante que, ao lado das já em operação, atendiam a crescente demanda latino-americana

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de cimento a preços elevados (Mayor 1989, p. 339). Sua produção supria com acréscimo a demanda interna para a construção de ativos comerciais e de bens residenciais que, em razão das consideráveis lucros e salários pagos pela indústria e as atividades terciárias privadas e públicas, vai se concentrar de maneira seletiva em algumas cidades. Com a criação do Instituto de Fomento Industrial em 1940 se alavancou ao nascente processo de industrialização, entidade que se configurou, por quase quatro décadas, como o pilar da política industrial na Colômbia, sendo um de suas frentes de intervenção mais controvertida a da promoção do estado-empresário. As agências internacionais de cooperação e de crédito, ao igual os seus ideólogos, opunham-se abertamente a esse tipo de intervenções. Mas com isso não faziam mais que exacerbar os espíritos nacionalistas na Colômbia e no resto do subcontinente latino-americano, como ocorreu com a fundação da Empresa Siderúrgica Nacional de Paz do Rio, pensada originalmente como parte da recuperação da região oriental do país e, posteriormente, hasteada como bandeira do nacionalismo colombiano:

Entretanto, o conceito adverso a Paz do Rio apresentado em 1950 pela missão Currie, que em vez de uma siderúrgica integrada recomendava siderurgias médias a base de fornos elétricos, pareceu deter a empresa. A sensibilidade da opinião pública nacional, que vinha sendo preparada pela imprensa para a realização da obra, sentiu-se ferida no mais fundo. A controvérsia sobre Paz do Rio se converteu então em um problema nacional, e o país em geral entrou em respaldar a empresa como símbolo de soberania econômica e do direito à industrialização (…) As forças políticas nacionalistas se constituíram, deste modo, na parteira da nova sociedade que dava seu trânsito para a idade de ouro do aço (Mayor 1989, p. 345).

A chamada Era de Ouro do Capitalismo iniciada em 1945 se confunde na

história recente com a “Era do Aço” da Colômbia. Entretanto, esta última confrontou ao menos uma década de atrasos de instalação em razão da precária capacidade do operário siderúrgico para operar as novas tecnologias e aos novos âmbitos de trabalho, pois a maior parte do contingente provinha do lavro manual da terra e de outras atividades rurais. É uma era na que se suscitam, de maneira quase simultânea, dois fenômenos que vão dar impulso as migrações do campo à cidade: a mecanização das terras plainas aptas para os cultivos industriais e o advento de novos surtos de violência nos campos.

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3.2 O quarto centenário de Bogotá e a antecipação da ordem residencial urbana

Exposta, como tudo o território colombiano, ao suceder da crise mundial capitalista

iniciada em 1929, além dos efeitos econômicos e políticos de após do conflito bélico

mundial, os agentes da estruturação urbana, ainda em sua fase primitiva,

adaptaram-se com notável flexibilidade as exigências e também as oportunidades de

uma ou outra deflagração. Para eles a primeira metade do século XX representou

um árduo processo de antecipações sobre a ordem futuro da cidade. Essas

antecipações materializaram-se, para os melhor informados que eram, por cima de

qualquer outra condição, os que também se imbricavam no governo da cidade e no

planejamento local, na acumulação de um estoque de terrenos localizados sobre o

principal eixo de expansão de Bogotá, do centro e em direção norte e nor-oriental.

Como aconteceu na maioria das metrópoles latino-americanas, as idéias

da higiene influenciaram boa parte das intervenções urbanísticas do Estado. Os

legados do Louis Pasteur, falecido para finais do século XIX, deixaram uma

estampagem indelével na estratégia da burocracia do aparelho de Estado local e

que seguia as orientações de um capital imobiliário emergente em uma metrópole

em formação: a moradia operária representava a bandeira messiânica do

higienismo, ao passo que umas quantas parcelas inférteis eram adquiridas por

pessoas ao parecer pouco aptas para os negócios pois o sentido comum da época

era o do pessimismo, de maneira que a esse solo não lhe via maior potencial de

desenvolvimento. Mas o legado francês se estendeu mais à frente do higienismo. O

chamado urbanismo científico, ainda em seus começos, irradiou a figura

emblemática do Barão do Haussmann como a figura que mediante ao autoritarismo

impunha as novas regras da ordem urbana:

Os motivos que geraram as medidas urbanas tomadas em Paris em meados do século XIX se deram de forma análoga nas cidades latino-americanas trinta ou quarenta anos mais tarde: superpopulação, situações higiênicas precárias, escassez de moradia, especulação do solo, abastecimento insuficiente e capacidade de transporte exíguo (Hofer 2003, chamado no Atlas Histórico de Bogotá 2006, 489).

Note-se que o pouco singular diagnóstico da superpopulação de Paris comanda um enunciado dos males urbanos que se tinha que enfrentar. A ausência de

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determinismos geográficos e de singularidades urbanas é igualmente notável. Essas teses da superpopulação fizeram carreiros por muitos anos e, ainda, já entrados os anos setenta vão ser relançados por diferentes discursos, inclusive os da esquerda democrática que afiançados na ortodoxia marxista incorreram em enganos de diagnóstico por seu exagerado dogmatismo. Em Bogotá, a influência da tradição urbanística francesa se afiançou com a contratação por volta de 1949 do arquiteto urbanista Le Corbusier e de seus assessores norte-americanos pelo então prefeito Fernando Mazuera, estruturador urbano que exercerá uma grande hegemonia nos mercados imobiliários da capital dos inícios da segunda metade do século XX. 3.2.1 Bens públicos urbanos

É no intermezzo entre a crise e o detrás-conflito bélico mundiais, quando a cidade vai experimentar um choque planejado justificado pela necessidade do embelezamento de Bogotá para comemorar os quatro séculos de sua fundação ocorrida em 1536. Além das melhoras nas condições de habitabilidade urbanas providas pela ampliação dos sistemas de drenagem sanitária levantadas pelas correntes higienistas, a acessibilidade urbana se configurou no pilar da intervenção urbanística estatal como bem público urbano que orientou a acumulação de capital fixo.

Os projetos que se desenvolveram em torno do quarto centenário foram financiados pela administração municipal, e dentro destes projetos estavam doze urbanizações operárias, um novo estádio, a ampliação da Avenida Jiménez e a Caracas (Atlas Histórico de Bogotá 2006, 492).

O resultado das intervenções urbanísticas do Estado durante a primeira metade do século XX foi à consolidação do eixo centro-norte como principal vetor de expansão residencial para famílias de ganhos médios e altos. As precariedades da população pobre em matéria de bens públicos urbanos só serão atendidas depois de 1950 como resultado de políticas reativas que, na prática, não poderão mudar as práticas anticipativas dos estruturadores urbanos formais. Produto de tais intervenções em um ambiente laissezferista impuro, eles robusteceram seu capital próprio lançando e relançado projetos imobiliários residenciais de maneira reiterada sobre tal eixo. Essas dotações de capital público se configuraram também em um poderoso estímulo para inovações que do bairro San Diego se difundiram para o norte da cidade, começando pela construção em altura. Chapinero, depois, acolheu inovações horizontais sob o signo da casa uso inglês, geralmente em dois andares e um mezanino ou mansarda e, em ocasiões, de um muito pequeno balcão que simbolizava o poder e sua exclusividade para quem ali se alojasse.

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3.2.1.1 Acessibilidade urbana

Os traçados viários que orientaram as intervenções estatais para a provisão da

acessibilidade urbana permitiram a consolidação do eixo centro-norte como

segmento dominante da estrutura residencial urbana de Bogotá. Esse eixo acolhe,

após, as principais inovações verticais e horizontais em residências de altos perfis

para lares de ganhos médios altos e altos. Como se aprecia na Figura 15, erigiu-se

dois pólos de acessibilidade com a ampliação em 1917 da Avenida Colón (hoje Cale

13) no centro da cidade e a construção da Avenida Chile em 1920 no norte da

cidade. As fazendas foram parceladas para alojar desenvolvimentos sob a forma de

quintas, grandes casarões em ambientes quase-bucólicos que, com a posterior

instalação do bonde, vão terminar por ser desenvolvidos em contigüidade por

residências para os lares ricos.

Na ampliação da Avenida Colón apareceu, pela primeira vez, um discurso sobre o financiamento do capital público mediante a valorização dos ativos imobiliários. Das influentes hostes conservadoras se sugeriu comprar, a preços comerciais, os ativos imobiliários requeridos para a dilatação da via, mas, como os comerciantes desejariam ter seus locais sobre a Avenida alargada, o Estado deveria lhes vender o recorte urbano nas mesmas condições. Quer dizer, aos preços comerciais vigentes depois da intervenção com o que o erário terminaria sem ser afetado pela intervenção. A proposta gerou tal impacto na opinião que a imprensa dominante por então se encarregou de difundir o argumento da inconstitucionalidade da obra e de sua forma de financiamento, pois contrariava, segundo os mecenas da comunicação, o princípio da liberdade da propriedade privada. O alargamento finalmente se realizou a um grande custo fiscal para a cidade.

Entrados os anos trinta, a construção das Avenidas Jiménez e Caracas configurou-se na principal preocupação das administrações bogotanas. De um lado, a fronteira natural ao crescimento urbano da cidade na zona central, o Rio São Francisco, confrontava tal grau de poluição que se olhava como uma oportunidade para seu saneamento a intervenção em acessibilidade que, de outro lado, prolongará a Avenida Colombo para melhorar a acessibilidade ao centro de Bogotá. Por sua parte, a Avenida Caracas se vislumbrava como a via articuladora do centro com o norte da cidade que, além disso, permitiria desculpar os problemas originados pelos funis com que se construíram outras vias paralelas, como a Carreira 13, e que entorpeciam a acessibilidade ao centro da cidade.

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A Avenida Caracas, anteriormente denominada como Carreira 14, planejou-se com um largo de 40 metros, mas, desde certo lance no Chapinero, tal largo se contrai a 30 metros. As “avenidas funil” foram um dos rasgos característico da acessibilidade urbana de Bogotá, especialmente para o norte da cidade, de maneira que os acessos mais difíceis tornavam menos populares as vizinhanças circunvizinhas. Entre a Carreira 7ª e a Avenida Caracas, particularmente no bairro Chapinero, apresentou-se a maior densidade de ocupação por desenvolvimentos imobiliários formais. Por volta de 1945, a Avenida Caracas vai alojar um amplo trajeto do modo de transporte coletivo por impulso elétrico conhecido como o “Trolley ônibus” que articulava também a zona do Palermo e do Campín, modo que substituiu o bonde. Note-se que é por esta mesma época que se realiza uma pequena intervenção no bairro A Solidão, em proximidades a estes últimos, conhecida como o “Park Way” e que consiste em umas vias de bordado intermédio que tem como separador uma zona verde de um largo considerável em relação ainda com as de grande bordado como a Caracas. Essa via, circunscrita a certa vizinhança, dá a idéia de que por então a intervenção urbanística estatal promovia vizinhanças isoladas com esforços coletivos que tentava conectar com o resto da estrutura urbana de Bogotá.

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Figura 3.1 Esquema ilustrativo da intervenção urbanística estatal em acessibilidade urbana,

Bogotá 1917-1947

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O ano 1946 trouxe a novidade do desenho de um novo lance da acessibilidade urbana de Bogotá, diferente aos mencionados, pois implicava a abertura de via e não sua construção sobre lances herdados de épocas precedentes. Com a construção da Avenida das Américas, nomeada assim em comemoração a um continente cujos governantes se reuniram na IX Conferência Pan-americana em Bogotá, com um paramento de 114 metros e um desenho do tipo “Park Way”, pretendia-se reorientar o crescimento da cidade para o ocidente. Com isso, tentava-se evitar a crescente densificação popular da zona centro oriental da cidade que dia a dia recebia mais moradores na zona conhecida como o Passeio Bolívar. Para esse então, Fontibón e Bosa eram municípios contíguos que detinham alguma densidade de ocupação e uma interação com Bogotá de alguma relevância, mas, enquanto que o primeiro se conectava pelo modo férreo, Bosa tinha um grande potencial de desenvolvimento embora desligado da trama urbana da capital.

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3.2.1.2 Habitabilidade urbana Para começos do século XX o sistema de provisão do serviço de aqueduto estava encarregado a um particular que mantinha permanentes conflitos com a população que se queixava do despojo que a companhia do Ramón Jimeno de as “mercedes de uso” sobre certas fontes superficiais de água e, além disso, com a cidade em razão das freqüentes suspensões do serviço atribuídas à negligência do operador privado. Jimeno tinha conseguido em 1886 o contrato, prévia a definição da área de provisão sob sua responsabilidade, decisão que de fato constituiu a delimitação do primeiro perímetro urbano de Bogotá. O aqueduto retornou ao município em 1914 quando as pressões da demanda insatisfeita se tornavam em um grave problema de governabilidade para os mandatários locais, pois, em efeito, a velocidade do crescimento urbano transbordou as possibilidades econômicas da empresa do Jimeno quem, entretanto, alavancou com sua intervenção os desenvolvimentos em direção do centro norte da cidade:

Em 1908 a rede tinha 50 quilômetros de extensão e se prolongou o serviço ao bairro suburbano do Chapinero, uns cinco quilômetros ao norte, com uma rede independente que tomava águas de pequenas correntes próximas (quebrada-las La Vieja e Las Delícias). Entretanto tudo parece indicar que o principal problema que enfrentou a companhia foi sua dificuldade de seguir o ritmo de ampliação da demanda (Jaramillo e Alfonso 1990, p. 6).

A municipalização se realizou a um elevado custo -$300.000 da época- que o município conseguiu com o Banco Central Hipotecário. A conexão à rede da cidade do aqueduto do Chapinero e a elevação de sua avaliação com um tanque de 370 m3, foi à primeira intervenção do município a que lhe seguiram a renovação de redes e a instalação de medidores; seis anos mais tarde, em 1920, decide-se dar potabilidade a água mediante a aplicação do cloro de origem importada. A integração do aqueduto com a Empresa do Bonde em 1923 permitiu acessar a um crédito por US$10 com os que se conseguiu ampliar a rede em 88 km. no setor de São Cristóbal e a substituir outros 30 de tubos antigos em outros setores da cidade. Os problemas financeiros e técnicos que confrontava a empresa eram consideráveis e deram lugar a transformações administrativas e técnicas maiores:

A Câmara de Vereadores Municipal, através de sua comissão de águas, contratou um estudo que recomendou o empoce do rio Tunjuelo, ao sul da cidade, em uma extensão de 16.000 hectares e com uma capacidade de 6 milhões de metros cúbicos. O desenho final da represa que se chamaria O Regador, solo continha 4 milhões de metros cúbicos. Além disso, se desenhou uma planta de tratamento com capacidade de processamento de 95.000 m3 de água por dia, que se localizou no Alto da Vitelma, no que era o limite sul da

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cidade para a data e uma condução entre o depósito e a planta de 22 quilômetros (Jaramillo e Alfonso 1990, p. 8-9).

Essa obra só foi possível com a participação do governo nacional que realizou contribuições financeiras e de engenharia ao projeto, mas isso foi possível em 1933, pois a crise mundial impediu sua realização com antecedência. Sua realização e entrada em operação por volta de 1938 significaram avanços notáveis tanto na qualidade da água como em sua condução, fatores que desestimularam paulatinamente a auto-abastecimento dos usuários que, inclusive, suportaram um incremento considerável no custo do serviço. Mas um verdadeiro “tarifazo” sobreviria anos depois. As obras programadas para a comemoração do quarto centenário da fundação da cidade exigiam a mobilização de um caudal de recursos com os que à cidade não contava. Sendo a empresa do Aqueduto e do Bonde a que detinha as melhores possibilidades de endividamento, em tanto ativos em garantia e fluxo de caixa, o município optou por canalizar os créditos através desta. Embora as obras em matéria de habitabilidade urbana por melhoras na provisão do aqueduto eram mínimas, os usuários do serviço terminaram ajudando pela via da tarifa os custos das obras gerais e do endividamento incorrido. Por volta de 1951 a cidade conseguiu superar os problemas de fornecimento mediante enormes esforços coletivos realizados durante a primeira etapa após do conflito bélico mundial que se materializaram na construção de uma nova rede:

A expansão populacional da cidade continuou com um ritmo muito acentuado, e ao final da guerra, de novo se constatou que a represa de La Regadera evidenciava insuficiências em seu armazenamento para a demanda. Pensou-se realizar um segundo empoce, esta vez sobre o rio Chisacá, que alimentasse a mesma planta da Vitelma. Só até 1947 se conseguiram conseguir os recursos necessários para iniciar esta obra, que consistiram na autorização dada pela Câmara de vereadores Municipal de colocar, através de um banco semi-estatal (o Banco Central Hipotecário), bônus por 9 milhões de pesos (a parte correspondente ao aqueduto, pois a emissão foi mais ampla), a 20 anos de prazo.

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Mapa 3.1 Estrutura Urbana e localização das bacias hidrográficas próximas à cidade, Bogotá

1951

Fonte: Cuéllar y Mejía 2007 No Mapa 3.1 se representa a estrutura urbana da cidade por então e a localização das bacias hidrográficas mencionadas. Pelo resto, a produção da sociabilidade urbana é narrada como parte do embelezamento de uma cidade que, por então, aprecia-se de falar o melhor castelhano da América Latina. 3.2.2 Ação coletiva

Durante a primeira metade do século XX não houve intento algum de ação coletiva urbana no sentido preciso de uma intervenção orientada a ampliar a liberdade de localização das pessoas mediante o controle e a regulação dos mercados imobiliários emergentes. Em geral, os Acordos Municipais perseguiam propósitos estéticos e, em alguma medida, funcionais, especialmente no que concerne à acessibilidade urbana:

Em 1922 se encarregou ao diretor de Obras Públicas, engenheiro Uribe Ramírez, do levantamento, e só até 1925, mediante o Acordo 74 se “adotou finalmente o plano de Bogotá Futuro, no que se realiza uma proposta que ordena os novos traçados e as ampliações da malha existente, e adota uma tipologia de vias e uns modelos de perfis, que incorporavam um sistema de arborização”. Quanto ao traçado urbano, este pretende prolongar a retícula tradicional tanto para o norte como para o sul com maçãs de 100 metros de comprimento vinculando assim setores para então distantes como Chapinero e projetando um crescimento de quase quatro vezes seu tamanho (Cortês 1995, chamado no Atlas Histórico de Bogotá 2006, 488).

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À exceção da proposta do partido dominante no bloco no poder, o Conservador, em relação com a estratégia para o financiamento da ampliação da Avenida Colombo, não se conhecem maiores iniciativas no sentido de evitar o enriquecimento sem justa causa dos possuidores do domínio sobre o solo e outros ativos imobiliários. Promoveram-se proibições urbanísticas contidas no artigo 368 do Código de Polícia, enquanto que as relações de vizinhança o foram pelo Código Civil:

A intenção reguladora e de “higienização” da Colônia durante o século XVIII e em geral da época da fundação das populações e municípios, sobreviveu até a metade do século XIX. Logo se encontram algumas leis e regulamentos. É época do laissez-faire urbano, até 1910, presidida pelas relações entre indivíduos regrados no Código Civil e moderada pelas normas limitadas de urbanismo que contêm o mesmo Código e as leis e regulamentos de polícia dessa época (Rother 1990, p. 6).

Esse proibido fazer é um princípio imanente ao pensamento de dirigentes que antecipavam o conflito e a não convivência de vizinhos que, em uma cidade em estruturação, vêem-se forçados a residir em contigüidade e, portanto, a evitar que a personalidade e os desejos de outros se impor sobre os próprios. Essa novidadeira experiência da vizinhança, da contigüidade e das rotinas de encontro que gera, requer de certo tempo para maturar a sociabilidade em meio de um Estado que promovia a defesa da propriedade privada. É o Código de Polícia o chamado a controlar os desencontros entre vizinhos e o Código Civil o encarregado de preconizar a defesa da propriedade privada como também de suas exíguas limitações.

Há aqui a origem do laissezferismo impuro. Um Estado que intervém o território urbano mediante a provisão das condições de acessibilidade e habitabilidade urbanas mediante grandes esforços coletivos que, em ocasiões como as das obras do Quarto Centenário de Bogotá, são submetidos a socializar os ônus de uma urbanização da que vão se enriquecer uns poucos.

Mais ainda, quando isso acontece em um meio no que a ação coletiva urbana é inexistente, também se produzem poderosos incentivos para a antecipação da ordem futuro da cidade por parte de uns poucos estruturadores urbanos. Eles, orientados pela captura dos sobre-ganhos representados nos maiores preços do solo ocorridos com a intervenção estatal, encarregaram-se de sentar as bases da segregação residencial, mito de vida dura e resistente que se reforçará de maneira secular pelo resto da vida da cidade.

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3.2.2 Estrutura residencial emergente por volta de 1950 As curvas de nível no Mapa 3.2 ilustram os Cerros Orientais dos que se tutela a planície da Savana sobre a que se edifica Bogotá. São bem ambientais que contém o desenvolvimento da cidade cuja forma longitudinal centro norte adverte sobre as antecipações realizadas por quem as tem produzido, os estruturadores urbanos e o Estado, e a proliferação de parcelamentos clandestinos ocasionados pela ausência de ação coletiva urbana. O Centro Histórico da cidade, à maneira como o pensamento herdado dos espanhóis tinha impregnado o dos urbanistas crioulos, erige-se como a convenção mais estável de todas as prevalecentes após na cidade, a do poder:

É ao redor da Praça do Bolívar que se reunirão as funções cívicas relativas à religião, o governo, ao município e aos cidadãos. O espaço assim considerado ocupa um comprido de 200 metros e uma profundidade deste ao oeste de 600 metros. Esta superfície ocupa um plano inclinado descendendo da montanha. A Praça do Bolívar ocupa seu centro, o palácio presidencial o alto, o palácio dos ministérios, o palácio municipal e o dos sindicatos o baixo. Ligados intimamente a estas novas obras que serão construídas, aparecem a catedral, o Parlamento, o Teatro Colón e certo número de ruas e de edifícios históricos espanhóis. Sobre tudo se reunirá aqui o espírito da cidade, a escala humana, a diversidade e a unidade. Uma verdadeira sinfonia arquitetônica e paisagística se desenvolverá. A montanha servirá de fundo à composição (Rodríguez 2004 citando ao Plano Piloto de 1950, Atlas Histórico de Bogotá 2006, p. 497).

A simbologia é evidente. O plano baixo está reservado para o trabalho e o

panóptico para o poder executivo e, em seu contorno, outros poderes: o eclesiástico, o legislativo e o cultural. A poucos quarteirões ficou localizado o emblema do poder econômico, o da moeda, representado na sede do Banco Emissor que será acolhido depois do desalojamento de um velho hotel. Entre o trajeto da Ferrovia da Cundinamarca e a Avenida das Américas se configura uma porção territorial reservada para capas medeia e meio-baixa da população bogotana, espaço medianeiro entre o sul pobre e o norte rico.

Como mora a classe operária? “Fora de toda ordem preestabelecida” (Cuéllar e Mejía 2007, p. 108). Esses desenvolvimentos no sul e no nor-ocidente da cidade se localizam por fora do perímetro aprovado por então e, além disso, “nomeiam-se” (Cuéllar e Mejía 2007, p. 108), como se o clandestino, além disso, devesse permanecer anônimo.

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Mapa 3.2 Estrutura urbana e parcelamentos clandestinos, Bogotá 1950

Fonte: Cuéllar y Mejía 2007 Do século XIX se herdou um centro com evidentes mescla sociais. O Passeio Bolívar constituía a vizinhança mais popular, enquanto nas zonas próximas à convenção do poder se acolhiam desenvolvimentos residenciais neocoloniais para alojar às elites e à burguesia da capital. Mas durante a primeira metade do século XX essa mescla se dissolveu para dar lugar à outra ordem, um de notável segregação originado nas antecipações residenciais de emergentes estruturadores urbanos ao calor da ausência de ação coletiva urbana. Para o norte, o Chapinero ostentoso e para o sul e sul-ocidente uma paisagem de bairros operários. A competência espacial aflorou com rudeza, afiançada além em um perseverante discurso sobre a insegurança do centro, dando como resultado o florescimento do comércio para as elites no norte e o desvanecimento da energia do centro até convertê-lo no sítio do comércio popular, mono classista e desvalorizado de que emergirá seu estigmatização.

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Mapa 3.3 Inventário dos destroços a reconstruir no Centro de Bogotá 1949

Fonte: Cuéllar y Mejía 2007

O assassinato do Jorge Eliécer Gaitán em 1948 e as desordens e intentos de revolta que lhe aconteceram foram engrandecidos para explicar a fuga residencial das elites do centro para o norte da cidade. Um centro totalmente destruído em razão dos incêndios e os destroços nas edificações ocasionados pela turva sedenta de vingança se transmitiram por anos para representar a in-habitabilidade das vizinhanças como Santa Bárbara, perseverantes por então. Mas o certo é que a comissão para restaurar o centro da cidade elaborou um plano -ver Mapa 3.3- que denota a muito baixo incidência de tais destroços.

O que ocorreu então para que ocorresse tal disparada para o norte? De um lado, há indícios de que a mescla socioeconômica no centro se tornou insuportável para as famílias da elite que, igualmente, confluem com maior freqüência às centralidades do comércio no Chapinero. De outra parte, estima-se que a consolidação que alcançou o Passeio Bolívar dificilmente poderá ser

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transbordada pela intervenção do Estado, de maneira que uma vizinhança pobre de tal magnitude reforça o sentido de in-habitabilidade para as famílias de ganhos médios e altos. Mas, especialmente, os estruturadores urbanos incorporaram avanços técnicos de transcendência que prometem maior estabilidade socioeconômica a estas últimas. A verticalização da cidade começa da fronteira norte do centro de então, o bairro San Diego, aonde se anuncia “o primeiro arranha-céu” de 12 pisos de altura: as Residências Colombo. Essa proposta de novas vizinhanças com inovações verticais será ser o verdadeiro detonante da relocalização dos ricos no norte da cidade e, com ela, a emergência de segmentos do mercado imobiliário assinados pelo pouco risco que oferece a segregação residencial urbana em florações.

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IV BOGOTÁ 1950-1972

CONSOLIDAÇÃO DO LAISSEZFERISMO IMPURO A década dos cinqüenta se inaugura com uma renovada visão das relações entre os trabalhadores e os empresários em uma sociedade em pleno processo de urbanização. Essa visão é apoiada fundamentalmente pela difusão da idéia de que o desenvolvimento industrial exigia novas ações coletivas, isto é, instituições capazes de regular as relações industriais que alcançavam um insuspeitado nível de complexização consistente com o crescimento e diversificação do produto. Embora até então o salário industrial se empregasse para promover a produtividade trabalhista como também o interesse das empresas e dos empresários por manter sob seu controle aos operários, mediante o Código Essencial do Trabalho se instituiu o salário mínimo legal, a contratação coletiva, a segurança social e um novo regime prestacional. A dimensão do urbano começou a afiançar-se como resultado da imbricação das novas relações trabalhistas com as novas formas de produção do espaço construído, residencial e não residencial e, ainda, com o imaginário coletivo de onde se propagava à idéia da cidade e a aglomeração como simbióticas à insegurança física das pessoas. A disposição territorial dos bens públicos urbanos herdada do período precedente estimulou a consolidação de capitais imobiliários que anteciparam os novos empreendimentos públicos para erigir ao eixo centro-norte de Bogotá como o da principal dinâmica do desenvolvimento imobiliário formal. 4.1 Aceleração do crescimento populacional urbano, industrialização e

ambiente inflacionário na Colômbia Escapa aos propósitos deste capítulo estabelecer com precisão a influência das atividades industriais e não industriais ao crescimento populacional urbano. No entanto, pretende-se realizar uma aproximação a algumas de suas características gerais, começando por recordar que as funções e a localização das atividades econômicas são os principais determinantes de seu comportamento espacial e agregado. Embora seja certo que “as principais características da estrutura espacial que tem a Colômbia atualmente, manifestam-se a partir desta data, 1930” (Jaramillo e Cuervo 1987, p. 351), também o é que a partir de mediados do século passado à tendência concentrativa do crescimento populacional urbano se acompanhou de uma sensível redistribuição de tal crescimento entre as cidades do segundo nível da taxonomia da Tabela 4.1: durante o período 1950-1972 Bogotá experimentou a mais elevada participação dos últimos 55 anos enquanto que a das 83 cabeceiras

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restantes é a menor, mas, de conjunto, explicam o 85,6% do crescimento populacional urbano do país.

Tabela 4.1

Crescimento populacional urbano por grupos de municípios, Colômbia 1950-1972

Taxonomia Municipal

Tipo #

Incremento Populacional

Urbano

Taxa de Crescimento

Anual (%)

Participação

(%) Cidade Primada 1 2.137.981 6,8 23,6 Crescimento Notável 83 4.709.370 5,5 52,0 Crescimento Estável 575 1.584.106 4,3 17,5 Crescimento Moderado 149 97.989 2,7 1,1 Êxodo Moderado 243 193.590 2,7 2,1 Êxodo Persistente 52 186.962 3,7 2,1 Estancados 23 148.199 3,8 1,6 Total 1.126 9.058.197 5,2 100,0

Fonte: Cálculos do autor com base nos Censos de População, DANE.

Esse fenômeno, que envolve de maneira simultânea dois movimentos, concentração e desconcentração populacional, será a pauta sobre a que gravitará o crescimento populacional urbano na Colômbia. Sua explicação concerne à redistribuição da população na área de influência imediata das cidades de segundo nível hierárquico da rede colombiana de cidades, da modificação na tendência espacial das migrações e da distribuição intra-urbana do crescimento populacional urbano, em sua ordem, a metropolização, a consolidação de baixas migratórias e a polarização social urbana.

O duplo caráter corporativista e gremista do Estado colombiano durante esse período, assim como o auge do protesto originado tanto em movimentos sociais, especialmente os agrários, mas que de qualquer forma operavam nos centros urbanos, imprimiram a sua intervenção um dobro caráter espacial, o desconcentrativo e o contêiner das migrações em certas regiões; sua omissão, pelo contrário, propiciou deslocamentos maciços ante a intensificação da violência e o conflito armado.

Os investimentos na acessibilidade urbano-regional propiciaram a integração de uma porção do território colombiano, privilegiando a interconexão rodoviária das aglomerações andinas com as do Caribe e do Pacífico. O caráter desconcentrativo da acessibilidade conteve o crescimento da primazia populacional de Bogotá e incentivo a desconcentração do crescimento para as mencionadas 83 cabeceiras. Para então, a renda cafeeira se erigiu na principal fonte de divisas do país, permitindo ao grêmio cafeeiro intervir na orientação da política

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macroeconômica, especialmente no que concernia à fixação do preço do dólar para a reintegração cafeeira. No plano territorial, os investimentos do Fedecafé no ocidente colombiano e os intermitentes intentos de Reforma Agrária (Cuervo e González 1997, p. 318-319) contribuíram a conter as migrações da população camponesa.

A baixa concentração espacial do ramo das confecções se complementou com a produção de bens perecíveis que atendia a diversidade regional do consumo de bebidas e alimentos, mas a liderança têxtil concentrativa do processo de industrialização começou a ser disputado por ramos como a do papel e as editoriais, petróleo e carvão, metais básicos, borracha e maquinaria elétrica (Cuervo e González 1997, p. 431).

Embora as cidades potencialmente melhor dotadas para rebater o avanço da primazia bogotana não cumpriram seu papel histórico, não ocorreu o mesmo com outras que começaram a emergir no cenário urbano colombiano. Não obstante os incrementos em população urbana que significou para Bogotá a adesão autoritária de cinco municípios circunvizinhos ao calor da reforma política introduzida em 1954 que a constituíram como Distrito Especial na organização político-administrativa do país, as cidades de segundo nível na rede colombiana de cidades -Medellín, Cali e Barranquilla, em sua ordem- continuaram participando ativamente do crescimento populacional urbano. Esse crescimento se acompanhou de uma bifurcação para o oriente -Bucaramanga e Cúcuta- e do reforço urbano no Caribe com a Cartagena e Santa Marta.

Adicionalmente, e como se verifica no Mapa 4.1, o crescimento populacional urbano de terceiro nível se distribuiu dos municípios da Região Andina em direção do Caribe e o Pacífico. Excepcionalmente, alguns municípios do Piedemonte Llanero das planícies - os mais próximos a Bogotá-, integravam-se de maneira precária a esta escala da rede, pois a tendência mais acentuada nos municípios das regiões orinoquense e amazônica é ao despovoamento urbano produto da desarticulação funcional e às precárias condições de acessibilidade a que se submeteu a esta porção do território colombiano. Embora as migrações do campo à cidade, especialmente as inter-regionais, preponderavam neste período de consolidação da rede urbana colombiana, já é possível detectar migrações cidade - cidade. As mais notáveis são as que originaram o decréscimo de 72 cabeceiras municipais localizadas de maneira predominante na Amazônia, a Orinoquia e a savana interior caribenha.

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Mapa 4.1 Participação das cidades no crescimento da população urbana, Colômbia 1951-1964

Fonte: Cálculos do autor com apoio em estatísticas do DANE

O mecanismo do ajuste da renda cafeeira se debilitou a partir de 1966 quando o país adotou o regime de mini-devaluações, crawling peg, como mecanismo de reajuste do preço da divisa. O novo estatuto cambiário introduziu novas funções e medidas para consolidar o aparelho de Estado colombiano que, criado em 1923,

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encarregavam-se de ditar a política monetária e de exercer o controle e tutela sobre o sistema financeiro: a Junta Monetária, presidida pelo Ministro da Fazenda e Crédito Público, mas operando no Banco da República, e a Superintendência Bancária, adscrita a esse mesmo Ministério. Essa Superintendência exerceu também as funções de vigilância e controle do Estado sobre programas e projetos que envolvessem a produção de cinco ou mais unidades de moradia. Quatro anos atrás tinha começado a operar na Colômbia um regime trabalhista cujos acertos institucionais consignados no Código Essencial do Trabalho persistiram por quase três décadas e incidiram de maneira decisiva na configuração sócio-econômica e espacial das cidades à cabeça da rede primada colombiana. A estabilidade do contrato de trabalho e outras garantias trabalhistas como a retroatividade das reservas para afastamentos facilitaram o acesso à moradia às famílias de quem tinha contratos de trabalho a término indefinido.

Essas conquistas trabalhistas estimularam aos urbanistas colombianos de inspiração corbuseriana a relançar as idéias nas que se menosprezavam as funções do espaço público (Lefebvre 2004, p. 30) e que eventualmente tomariam corpo em grandes projetos imobiliários denominados genericamente como “as cidades dentro das cidades”. Isto é, que se projetavam simultaneamente como o lugar de trabalho, o lugar de habitação, o lugar de consumo, o da educação dos filhos e, enfim, o do acesso aos prazeres programados.

Os afastamentos e as primas salariais, mas, especialmente, a garantia de um pagamento periódico e estável, configurava ao trabalhador como um excepcional sujeito de crédito em tanto tivesse esse tipo de contrato, pois diminuía o risco financeiro de descumprimento e de mora no pagamento nas operações hipotecárias de financiamento da moradia em longo prazo. Sua moradia foi à garantia real exigida para amparar tal operação. Adicionalmente, introduziu-se a pára-fiscalidade com a que trabalhadores e empregadores, de maneira solidária, realizam os pagamentos periódicos com os que um conjunto de entidades se encarrega de prover serviços de profundo conteúdo social que, dadas as fortes restrições fiscais do país, não era possível prover de maneira regular e estável. Em adiante, o Instituto Colombiano do Bem-estar Familiar vai-se encarregar de atender demandas insatisfeitas que afetavam à família e ao menor de idade, o Serviço Nacional de Aprendizagem vai facilitar a formação profissional de adolescentes e maiores e, com isso, a retornar com acréscimo aos empregadores suas contribuições pela via da qualificação da mão de obra. As Caixas de Compensação Familiar diversificarão suas funções provendo um complemento aos arrecadadores dos salários mais baixos através do subsídio familiar, programas de educação e recreação para as famílias aportantes e, após de algum período, programas e subsídios para a aquisição de moradia.

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Ao mesmo tempo em que Bogotá reforçou sua primazia populacional urbana na Colômbia, cidades do Eixo Cafeeiro como Manizales e Pereira ao igual Armênia que, além disso, nunca sobressaiu por participação no crescimento urbano colombiano, descenderam na hierarquia de cidades ante a ascensão de outras que, paradoxalmente, jamais contaram com essa poderosa chave do desenvolvimento regional que era a renda cafeeira. As peculiaridades do desenvolvimento da região cafeeira são emblemáticas do conservadorismo histriônico que caracteriza a essa classe empresarial e a conseqüente relação simbiótica que estabeleceram com a propriedade territorial, de maneira que os bens solo adquirem para ela um apreciável valor simbólico em sua reprodução socioeconômica e política.

Sobre tal valor simbólico se erigiu o poder dos coronéis que, fazendo parte de alguma facção local do bipartidismo, encarregavam-se de construir territorialidades e de aglutinar terra que defendiam, a sangue e fogo, para consolidar a via latifundiária do desenvolvimento rural colombiano. Essa opção e os mecanismos violentos empregados para impô-la que detonou a organização de minifundistas e pequenos proprietários rurais desalojados ou desapropriados nas autodefesas camponesas. Essas organizações, que proclamavam um modo de vida rural com suporte na pequena propriedade, constituíram-se o antecedente mais próximo da guerrilha mais persistente da América Latina, as FARC, cujos caudilhos se encarregaram de gerar os mecanismos para que contingentes de resolvidos camponeses tomassem as armas.

Mas a partir da segunda metade da década dos 1960, a população colombiana e seus territórios vão ser submetidos a diversas terapias desarrolhistas que redundarão em um interlúdio hiperconcentrativo do crescimento populacional urbano, pois, como se aprecia no Mapa 4.2 só as primeiras dez cidades participarão de 59,2% de tal crescimento.

Essas terapias se forjaram em meio da conjuntura econômica e política de 1966-1967, momento decisivo na história da Colômbia, pois as orientações da Operação a Colômbia, acordo elaborado sob a direção do influente Lauchlin Currie14, assinalou as bases de uma política de urbanização da população e de industrialização. Segundo essas bases, as atividades modernas urbano-industriais se encarregariam de balizar o desenvolvimento agrário e propiciar o incremento da produtividade do solo rural e do trabalho a partir da mecanização que ocorreria fortemente ligada ao latifúndio, “em lugar de uma nação cheia de camponeses proprietários” (sic).

14 Economista canadense que trabalhou como assessor do governo norte-americano e que encabeçou a primeira missão do Banco Mundial a Colômbia, onde posteriormente contraiu núpcias e se radicou até seu falecimento em 1989. Seu trabalho na Colômbia foi decisivo no desenho das políticas de crescimento e urbanização contemporâneas.

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Mapa 4.2

Participação das cidades no crescimento da população urbana, Colômbia 1964-1973

Fonte: Cálculos do autor com apoio em estatísticas do DANE

A diversificação do aparelho industrial se apoiou em diferentes instrumentos de política de promoção das exportações de origem manufatureiro e industrial

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conteúdos no novo Estatuto Cambiário, Decreto-ley 444 de 1967, cuja adoção implicou, em seu momento, uma ruptura temporária das relações do país com a ordem mundial promovida pelo Fundo Monetário Internacional. Mas, por sua vez, contribuiu a deflagrar uma nova etapa do conflito armado colombiano, pois é nessa conjuntura que se fundaram as FARC como exército irregular engrossado por os camponeses que previamente se organizaram como autodefesas. Em adiante, promoverão pela via armada um modelo de sociedade rural antagônico ao proposto pelas burguesias urbano-industriais, dando início a uma prolongada e nefasta terapia violenta. Ao nível urbano, o pacto bipartidário do Frente Nacional operou com sigilo para pôr fim às políticas de erradicação de tugúrios praticadas com aguda intensidade até o governo do conservador Guillermo León Valência que finalizou precisamente em 1966. Em relação ao caso bogotano, Cuervo (1995) afirma que:

Apesar de sua escassez e isolamento, as lutas protagonizadas pelos bairros bogotanos em 1960 puseram em evidência as contradições que gerava o desenvolvimento urbano de nosso país e deram passo ao movimento popular urbano que vai caracterizar o período seguinte. Seu interesse comum por assegurar a permanência no bairro e o acesso aos serviços básicos, vai configurando a formação de uma incipiente identidade de classe. O auto-reconhecimento como "pobres" ou como povo, expressam uma subjetividade coletiva ou uma primitiva consciência de classe. De outro lado, estes protestos se constituíram em vozes de alerta ao Estado sobre a potencialidade do conflito e o levaram a assumir políticas para evitar seu agudização.

As cidades saudavam os novos contingentes de imigrantes que eram esperados para que cumprissem sua dobra missão histórica: manter uma pressão de demanda sobre o mercado de trabalho suficiente para manter os salários urbanos baixos e, além disso, para contribuir a levantar o espaço edificado. Em 1971, uma parada trabalhista secundada por estudantes e camponeses, em protesto pela elevação desmesurada do preço dos combustíveis e o transporte, tomou às principais cidades colombianas. Nesse mesmo ano e ao lado dos grandes e médios proprietários rurais, algumas famílias de capas meias e meias altas foram mobilizadas para arrolar-se em uma corrente de opinião que se opunha à Reforma Urbana, pois, com a ausência dos instrumentos de intervenção sobre o solo urbano, com uma população em franco processo de urbanização e em um ambiente inflacionário como o que vivia o país desde começos dos anos setenta, essas famílias encontraram na aquisição de solo urbano um excelente meio para preservar o poder aquisitivo de suas economias e ainda para valorizá-los já que o sistema financeiro não os remunerava adequadamente. O fechamento de espaços políticos não fazia daquele o momento mais oportuno para adiantar a proposta de Reforma Urbana, pois, além de ser o início de uma espiral inflacionária sem precedentes, os governos frente

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nacionalistas15 confrontavam também o descrédito de uma eleição presidencial fraudulenta e, entretanto, o Ministro do Desenvolvimento teimou em fazê-lo.

Tabela 4.2

Iniciativas de Reforma Urbana, Colômbia 1950-1972

Ano Conteúdo da iniciativa

1960 O MRL, fração dissidente do Partido Liberal, apresenta um projeto centrado no amparo aos arrendatários conhecido como Lei de Teto.

1964

Projeto da partida liberal para estimular a construção de moradia, ampliar o conceito de utilidade pública, castigar a moradia suntuosa e sugere mecanismos para que os arrendatários se convertessem em proprietários.

1969 Iniciativa bipartidário para impulsionar o desenvolvimento urbano a partir da moradia.

1970 Projeto conservador para melhorar as condições ambientais, desenvolver a planeação urbana e regional e dar máxima participação ao setor privado.

1971 A proposta de reforma urbana é assinalada de comunista e, posteriormente, o Ministro do Desenvolvimento é despedido por subversivo.

Fonte: Construída com base em Valencia Jaramillo (2003, p. 99-103), Jaramillo (2003, p. 129-136) y Jaramillo (1994, p. 304-339).

O processo de urbanização da população colombiana avançou com a conseqüente ampliação da demanda por solo urbano para produzir o espaço construível sobre o que se levantavam as residências para os novos moradores das cidades e outros ativos imobiliários para alojar as atividades econômicas de suporte da vida citadina. A construção civil, que já tinha assegurado em boa medida a provisão de insumos com o auge cemitério e o alavancamento estatal à siderurgia e, além disso, contava com uma demanda crescente por tais ativos imobiliários, confrontava o problema da insolvência de uma porção considerável dessa demanda. No caso dos bens residenciais, os estrangulamentos da demanda se resolviam parcialmente com o crédito patronal que algumas entidades outorgavam a seus empregados ou com o sistema que operava no Banco Central Hipotecário das Cédulas Hipotecárias do 14%. O BCH os colocava entre o público a uma taxa de juros levemente superior com a que cobria os gastos de administração do sistema e obtinha uma pequena margem de intermediação financeira. Mas os galopantes brotos inflacionários, próprios de uma economia em crescimento, que superavam essa taxa, anunciavam seu esgotamento e a urgência de um novo sistema de financiamento residencial em longo prazo.

15 O Frente Nacional foi um acordo político que efetuaram os partidos dominantes na Colômbia, a Liberal e o Conservador, para alternar-se no poder durante quatro períodos presidenciais.

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Os latifundiários urbanos, que em alguns casos atuavam como promotores imobiliários, desse então mantinham estreitos vínculos com os governos de volta e arremeteram contra o projeto de Reforma Urbana de 1970 sob a idéia de que tinha inspiração comunista e, por óbvias razões, teria que ter sido inspirada na mente de um subversivo. Essa Reforma, que “não era tão socialista - e que em certos aspectos parecia inclusive conservador-” (Valência 2003, 100), foi a que permitiu ao emergente grêmio latifundiário qualificar ao Ministro do Desenvolvimento como subversivo para forçar seu posterior renuncia ao cargo que se apresentou ante a opinião pública com o caráter de expulsão do governo. Com isso se pretendia, como se usava na época, gerar um fato simbólico o suficientemente notório para castigar a quem desafiava as regras do sistema. Em adiante, aquele que ousar dê os irresolutos direitos de propriedade sobre o solo urbano correrá o risco de ser qualificado como auxiliar da guerrilha, com todas as implicações que para sua vida e sobrevivência significa tal incriminação na Colômbia.

Não terá que esquecer que essa era uma prática internacionalmente deflagrada com o advento da Guerra Fria, mas o excepcional do caso colombiano é que, entrado o século XXI, ainda se empregue e surta seus propósitos. Mas antes que ocorresse tal expulsão e seguindo as orientações do Currie, esse mesmo Ministro se encarregou de promover a criação do mecanismo de apoio financeiro mais capitalista que tenha conhecido qualquer atividade capitalista na Colômbia: em 2 de maio de 1972 foi promulgado o Decreto 677 que deu origem ao sistema da Unidade de Poder Aquisitivo Constante -UPAC- com o que se institucionalizou a indexação e através do que se canalizará o maior volume da poupança privada para a construção civil. No 3º artigo de tal decreto se destacaram as regras do novo instrumento:

O fomento da economia para a construção se orientará sobre a base do princípio do valor constante de poupanças e empréstimos, determinado contratualmente. Para efeito de conservar o valor constante das economias e dos empréstimos a que se refere o presente Decreto, uns e outros se reajustarão periodicamente de acordo com as flutuações do poder aquisitivo da moeda no mercado interno, e os interesses pactuados se liquidarão sobre o valor principal reajustado. Parágrafo. Os reajustes periódicos previstos neste artigo se calcularão de acordo com a variação resultante do médio dos índices nacionais de preços ao consumidor, para empregados, de uma parte, e para operários, de outra, elaborados pelo DANE.

O Banco Central Hipotecário foi a entidade financeira de origem estatal sobre a qual gravitava a política de crédito hipotecário por então. O BCH captava as poupanças do público mediante um instrumento conhecido como as cédulas hipotecárias que rendiam ao dono o 14% anual sobre o valor nominal do título. As novas entidades

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criadas para operar o nascente sistema UPAC -as Corporações de Poupança e Moradia que se fundaram precisamente em meio de uma conjuntura inflacionária- entraram a monopolizar a captação dos depósitos à vista oferecendo ao poupador o corretivo monetário que outros estabelecimentos financeiros não ofereciam.

A inflação, que em 1971 foi precisamente de 14%, galopou até alcançar o 32% em 1974 ao passo que os donos dos depósitos em conta corrente e em formas de poupança semelhantes, transladavam suas economias às recém criadas Corporações. Elas, por sua parte, dirigiam o crédito para as famílias de ganhos méio-altos e altos, pois era essa condição a que permitia ao sistema UPAC que as demandas represadas de crédito dessas capas sociais fossem compatíveis com o serviço da dívida que contraíam.

A demanda por novas vizinhanças e novas localizações exigiu às cidades a produção de mais espaço urbano, com o que os incrementos do solo ocasionados pelos novos investimentos em capital fixo urbano promoveram processos especulativos sobre a terra urbanizada destinada à construção de moradia para estratos méios-altos e altos. Só em alguns casos isolados nos que o Estado participou destes incrementos através da contribuição de valorização, a maior porção da crescente massa de mais-valias foi apropriada pelos latifundiários urbanos que conseguiram antecipar a ação dos governos locais. Passarão sete anos do desgaste político a que foi submetida à Reforma Urbana em 1971, caracterizados pela ausência de iniciativas nesta matéria e pela persistente apropriação ilegítima de mais-valias urbanas, até que uma dissidência do bloco no poder reinstalou a discussão no âmbito político.

A produção residencial nas cidades à cabeça do crescimento populacional urbano do país era monótona e sem maiores desigualdades, dinâmica induzida pela incerteza que representava a escassa clarificação dos esquemas de segregação das cidades, a baixa acumulação do capital imobiliário e a incipiente incorporação de técnicas de engenharia ao processo construtivo. No primeiro caso, a homogeneização social das vizinhanças era ainda precária de maneira que as ambigüidades da geografia urbana afloravam como a principal barreira para o desenvolvimento residencial demandado pelas famílias de ganhos altos. No segundo e terceiro os agentes que operavam no mercado residencial realizavam operações de muito baixo escala, como a venda de lotes urbanizados para a posterior construção da residência por encomenda, forma manufatureira da organização da produção residencial em que os professores artesãos dos desenhos, dos componentes não estruturais e dos acabamentos residenciais, exerciam um considerável predomínio frente a outras técnicas.

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Por esses anos, os finais da década dos sessenta, o mundo capitalista se envolveu em uma nova crise, mas de diferente natureza e significado econômico e social que as duas que lhe precederam. A quebra de onda de inovações tecnológicas que se iniciaram com posterioridade à culminação da Segunda Guerra Mundial, resultante em boa medida da reconversão de novelo -outrora habilitadas para a produção bélica- para a de bens de consumo semiduráveis - veículos e eletrodomésticos, principalmente-, estender-se-á com posterioridade por volta do que hoje se conhece como as Tecnologias da Informação e a Comunicação - as TICs - que criarão novos mercados para a valorização de capitais a costa da destruição das formas precedentes. A financiarização da vida urbana, isto é, a ampliação das possibilidades de consumo mediante a irrigação do dinheiro de crédito, começou a emergir como rasgo dominante da era da globalização, coerente com a contração dos ciclos dos produtos novos originado na inusitada dinâmica inovadora de ramos como a microeletrônica. 4.2 O laissezferismo impuro e a segmentação do espaço residencial em

Bogotá, suporte do esquema geral de segregação residencial

Superados os embates econômicos da crise mundial capitalista e do segundo conflito bélico mundial, Bogotá foi cenária de uma revolta de fundo impregnado na vida política do país conhecida como O Bogotazo que, como se argumentou, serviu que pretexto ao senso comum para explicar a recomposição da ordem residencial prevalecente até então. A verdade é que as mesclas sociais no centro da cidade se acrisolavam com a expansão da ocupação popular do bordo das colinas orientais, o Passeio Bolívar, e se espraiavam até a parte nobre circundante aos simbolismos do poder invadindo as vizinhanças da burguesia como Santa Bárbara Central. O surgimento de outros bairros operários como As Cruzes e Egito terminaram franqueando popularmente o Centro Histórico de Bogotá.

A primazia política da cidade sobre o resto do país a tornará, novamente, no epicentro de outra comoção política consistente no advento da ditadura para meios de 1953 que, paradoxalmente, gozou do apoio popular. O país estava assolado pela violência enraizada no conflito bipartidário liberal-conservadora pelo poder. A polícia participava ativamente em política e arremetia contra os adversários políticos e simpatizantes da oposição de volta. A população civil era o branco de seus desmandos. A simpatia por essa ditadura provinha então do aparente caudilhismo bonasolo personalizado na figura do general Gustavo Rojas Pinilla que tinha arremetido contra alguns industriais recorrendo à tortura a fim de conseguir denúncias e confissões que desprestigiassem aos bandos conservadores opositores

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ao governo. Uma assembléia constituinte operava por então e a seu redor se levantava a promessa da brevidade da ditadura pelo que está captou também a simpatia de seus membros quem, contra toda razoabilidade política, optaram por extra limitar suas funções para estender a ditadura por quatro anos mais. Mas ela acabou por força do descontentamento nacional e a fragilidade política, por volta de maio de 1957.

Uma das atuações mais transcendentes para a formação social colombiana ocorrida durante o regime militar foi à reforma territorial e administrativa de Bogotá que, de qualquer forma, esteve revestida do autoritarismo imanente a essa forma de poder e que se materializou na adesão autoritária ao Distrito Especial dos municípios do Usme (Sul), Bosa (Surocidente), Fontibón (Ocidente), Suba (Norocidente) e Usaquén (Norte)” (Hataya et. al. 1994, p. 61). Tal adesão reforçou a primazia populacional bogotana sobre o país pois lhe somou perto de 10% adicional de residentes a Bogotá e, além disso, exigiu uma reorganização institucional pois Bogotá se erige como capital do país, da Cundinamarca e do mesmo Distrito Especial e o anterior esquema centralizado não permite atacar as novas funções que de tal caráter se derivam. Em adiante, o setor descentralizado conformado, no fundamental, pelas empresas prestadoras dos serviços públicos domiciliários, configuram um eixo dominante no orçamento distrital e na produção da estrutura urbana:

Durante este mesmo período surgiu a necessidade de modernizar a cidade, tanto em seu sistema administrativo como em sua dotação de infra-estrutura urbana. Nasceu assim a idéia de lhe criar um marco legal apropriado, para o qual se aprovou o Decreto 17 de 1954 com o qual Bogotá se converteu em Distrito Especial. Este novo estatuto lhe criou à Administração Distrital melhor condições para o desenvolvimento da cidade. Em efeito, integrou em um só ente territorial um conjunto de municípios que já estavam muito ligados ao crescimento de Bogotá em todos os planos do desenvolvimento urbano: moradia, transporte, serviços públicos domiciliários e emprego; exigindo um tratamento integral como único meio de lhe dar coerência e sentido à expansão da cidade (Hataya et. al. 1994, p. 20).

As empresas prestadoras dos serviços públicos domiciliários, dotadas de autonomia orçamentária e administrativa, configuraram-se depois da reforma como a fração hegemônica em matéria de produção de capital público urbano. Sob a modalidade de um sistema público comercial, a provisão das condições de habitabilidade urbanas se afiançou no pagamento da tarifa como principal fonte de alavancamento financeiro dos planos de expansão da cidade. O Banco Interamericano de Reconstrução e Fomento promoveu, além disso, esquemas de administração delegada da Empresa de Aqueduto e Rede de Esgoto de Bogotá a fim de evitar a politização da tarifa e, com isso, garantir o ressarcimento da dívida.

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4.2.1 Bens públicos urbanos O reforço na provisão das condições de acessibilidade e de habitabilidade urbanas da cidade atacado pela intervenção urbanística estatal, continuou sendo antecipado pelos estructuradores urbanos hegemônicos no mercado imobiliário residencial. De fato, eles conseguiram acessar ao comando da cidade por força da nomeação como prefeito maior do Fernando Mazuera Villegas para o começo do período quem, por sua parte, empregou o plano contratado ao Corbusier como respaldo intelectual à expansão em direção centro norte da cidade em que já contava com a maior porção de solo urbanizável de sua propriedade. Outros estructuradores dessa mesma hierarquia, Ospinas e Cia, por exemplo, estavam desenvolvendo bairros como Palermo e Marly nas vizinhanças do Teusaquillo, contíguos ao centro expandido de Bogotá.

Figura 4.1 Velocidade do crescimento da dívida pública e dos ganhos tributários, Bogotá 1950-

1972 (Diferença dos logaritmos)

-0,6

-0,4

-0,2

0,0

0,2

0,4

0,6

0,8

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1969

1970

1971

1972

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Fonte: Construída com apoio nas estatísticas da Secretaria da Fazenda Distrital

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A velocidade do crescimento da dívida pública de Bogotá é tal como se aprecia na Figura 4.1, superior a dos ganhos tributários. Note-se que tal tendência só se altera transitoriamente durante o interlúdio da ditadura. Também é evidente a maior erraticidade das tendências do endividamento que as dos ganhos tributários que só sofreu uma transitiva contração por volta de 1967. A erraticidade dos saldos da dívida é atribuível à periodicidade dos desembolsos da dívida pública externa, mas, em qualquer caso, o desigual nível e tendência dos dois fluxos refletem também a prolongação dos circuitos urbanos da moeda, isto é, a prolongação dos períodos de amortização reais ante um parcimonioso crescimento dos ganhos tributários. 4.2.1.1 Acessibilidade As condições de acessibilidade urbana da cidade se ampliaram em 131,6 quilômetros de redes viárias arteriais, secundárias e lamaçais. O 26,4% se realizou na zona sul da cidade, mas, como ficou em evidencia na época com o Mapa 4.3, a maior parte do inventário viário no sul da cidade tinha sido construído sem o cumprimento das especificações mínimas. As principais intervenções nesta zona foram a Avenida Circunvalar do Sul e um trecho da Avenida Cidade da Quito. Entretanto, o núcleo das atuações nesta matéria o constituiu a produção viária arterial da Rua 100 no norte da cidade que conectava com a Carreira 68 que, por sua parte, articulava-se à altura da Avenida 26 com o ocidente da cidade também dotado de intervenções como a Carreira 50 e a Avenida 68.

A diferença dos esforços estatais realizados desde começos do período para melhorar as condições de habitabilidade urbanas nos municípios recém anexados, a provisão da acessibilidade teve menor alcance espacial. A rede matriz do sistema de aqueduto se ampliou em 202,4 km., com diferentes diâmetros enquanto que, como já se disse a rede viária arterial o fez em 131,6 km. também com dissimiles especificações. A hiperconcentração da intervenção urbanística estatal em matéria de provisão da acessibilidade urbana no eixo centro norte e nororiental é evidente, de maneira que a riqueza pública e privada se concentra em tal direção. A cidade é submetida então a um processo de diferenciação estrutural caracterizado, essencialmente, pelas diferenças na acessibilidade urbana que vão permitir que grupos de famílias semelhantes de altos ganhos tentem com êxito localizar-se em contigüidade, enquanto que o resto da cidade é intervindo de maneira irregular.

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Mapa 4.3 Condições de acessibilidade urbana, Bogotá 1969

Fonte: Cuéllar y Mejía 2007, p. 133

A configuração das desigualdades notáveis na provisão das condições de acessibilidade urbana entre zonas da cidade erige-se então como um dos rasgos distintivos da segregação sócio-espacial urbana de Bogotá. O esquema geral de segregação adquire como menciona Samuel Jaramillo, uma maior nitidez. E essa nitidez vai se levantar, por sua parte, como um dos principais ativos intangíveis dos estructuradores urbanos, pois, em efeito, é tal ordem segregada o que lhes permite reduzir de maneira considerável os riscos socioeconômicos de lançamento de novos ativos imobiliários residenciais ao mercado: os ricos comprassem no norte, os pobres no sul e a classe média no ocidente.

Às desigualdades em acessibilidade urbana sobrevêm novas propostas de vizinhanças. O transporte coletivo de passageiros é intervindo além pela eliminação do bonde por volta de 1948, a criação da Empresa Distrital de Transporte Urbano -EDTU- por volta de 1959 que administrará o “Trolley Ônibus” e uma frota de ônibus que entrarão rapidamente em desuso. Por volta de 1970 o uso da “buseta” e o ônibus se popularizaram entre as famílias de ganhos baixos e médios e sobreveio a disputa pela atribuição de rotas e o veículo privado começou a configurar-se como rasgo distintivo das vizinhanças nobres do norte e nororiente da cidade.

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4.2.1.2 Habitabilidade A provisão das condições de habitabilidade urbana mediante a configuração da rede matriz do serviço de aqueduto experimentou um avanço notável na cidade durante este período. Como se deduz da Figura 4.2, tanto em extensão como no diâmetro da rede estendida para estruturar o espaço urbano bogotano, aquilo que foi realizado entre 1950 e 1972 é excepcionalmente superior aos lucros que se obterão nos anos vindouros. Mas isso não obedece nem a uma melhor capacidade de execução da época que nos anos recentes, como tampouco à visão dos administradores públicos da época. É, no fundamental, o resultado do comportamento exponencial na função de produção do serviço, e implica que ao incrementar o nível do serviço se torna cada vez mais lento seu crescimento. Isto é, que ocorre uma desaceleração na extensão das redes e nos lucros em coberturas domiciliárias do serviço em razão de que os déficits nas primeiras etapas estão relativamente contíguos enquanto que ao avançar a urbanização os déficits se fazem mais dispersos dificultando assim a intervenção do Estado na provisão da acessibilidade.

Figura 4.2

Extensão e diâmetro da rede matriz de aqueduto, Bogotá 1950-2005

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Mas essa mesma característica da função de produção torna crucial a intervenção do Estado nos começos da urbanização, pois, reconhecida tal dificuldade, as intervenções posteriores são mais custosas e menos eficazes. Por volta de 1961, a cidade optou com o critério de facilitar o acesso à residência operária, que para essas edificações o Aqueduto Distrital proveria a água pelo sistema de pilhas públicas, enquanto que para as zonas estritamente residenciais se exigia que tanto o aqueduto como a rede de esgoto estivesse conectada à rede pública. Por outra parte, essa idéia tomou corpo no notável impacto territorial do capital público destinado a melhorar as condições de habitabilidade dos municípios recém anexados cujos habitantes, por então, eram curvados pelas grandes precariedades da provisão domiciliária da água potável. A extensão da rede matriz do aqueduto para esses municípios teve um efeito colateral antecipado pelos estructuradores urbanos, que é a habilitação dos interstícios entre estes e a estrutura compacta existente para a edificação. É por isso que a anexação e ulterior provisão das condições de habitabilidade urbanas deveram ocasionar um incremento considerável nos preços do solo e, com isso, um estímulo a verticalização de algumas zonas da cidade.

O crescimento populacional nativo da cidade e as novas responsabilidades com a população anexada exigiram novos esforços na captação e o tratamento da água. Depois de uma pequena intervenção adicional para aproveitar melhor o caudal da bacia hidrográfica do Rio Teusacá, na EAAB se teve a convicção de que a atenção da demanda crescente em Bogotá tinha que repousar no aproveitamento das águas do rio Bogotá. Entretanto, a conflito institucional pelo aproveitamento do rio suscitada entre várias entidades estatais e a debilidade financeira da empresa que por então tinha atacado grandes planos de distribuição, entorpeceram a ampliação rápida do sistema. A competência pelo caudal do rio Bogotá se suscitou inicialmente entre os agricultores pelo emprego de este para a rega de suas plantações e a Empresa de Energia elétrica que com a regulação no Agregado (empoce do Sisga e Tominé) ao parecer tinha reduzido os caudais na zona central da Savana de Bogotá. A isto se somava a contaminação que Alcalis da Colômbia, empresa industrial da ordem nacional que operou no Zipaquirá, realizava com os vertimientos de soda da salmoura às águas do rio. Outros municípios cujos sistemas de aqueduto aproveitam suas águas também entraram a participar da disputa.

O executivo nacional mediu para que se organizasse um ente regulador da baxia do rio Bogotá, intervenção que se concretizou em 1958 com a criação da Comissão de Águas da Savana de Bogotá. Três anos mais tarde, essa Comissão mudaria à forma contemporânea do ente encarregado da regulação ambiental, a

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Corporação Autônoma Regional da Savana de Bogotá e dos vales do Ubaté e Chiquinquirá -CAR- que, além disso, começa a operar com recursos próprios originados em sua participação em “uma sobretaxa ao imposto predial dos imóveis localizados em sua jurisdição” (Jaramillo e Alfonso 1990, p. 13). A EAAB inaugurou em 1959 a planta do Tibitoc, localizada no município do Tocancipá e que capta o caudal da parte baixa do rio Bogotá, uma das menos poluídas e, com isso, amplia em 6 m3 por segundo o caudal de água tratada disponível. A rede matriz tem perto de 40 km. e conduz a água bombeada de ali e, por volta de 1966, é ampliada a 12 m3 por segundo. 4.2.2 Ação coletiva urbana Como se estudou ao começo do capítulo, o ambiente para a Reforma Urbana no âmbito nacional não era o mais propício, embora seja por 1960 que se detecta o primeiro intento frente nacionalista conhecido como a Lei de Teto. Mediante o uso das estratégias macartistas próprias do espírito da época, a Guerra Fria, silenciaram-se as vozes reformistas que terminaram por reorientar o interesse da intervenção urbanística estatal para outros propósitos diferentes aos que persegue a ação coletiva urbana. A delimitação do crescimento físico foi a primeira norma em afirmar-se e, com ela, a qualificação de ilegal a todo desenvolvimento urbano extra-perímetro e por cima da cota de prestação dos serviços públicos domiciliários, sendo seu interesse precisamente o controle das chamadas parcelamentos clandestinos:

A segunda norma urbana aplicada ao conjunto da cidade é a zonificação do uso da terra dentro do perímetro urbano. A zonificação de Bogotá delimita as áreas residenciais, as zonas de uso industrial e as de comércio. Na zonificação também se regulamenta o desenho e o tamanho mínimo do lote repartido. Por exemplo, a primeira zonificação de Bogotá que se fixou no ano 1944, dividiu a cidade em sete zonas segundo o uso do terreno, a atividade econômica que se permitia e o nível sócio-econômico de seus habitantes. As zonas residenciais se classificavam em dois tipos: zona estritamente residencial e zona para bairros operários. E, “para cada uma delas se fixaram um frente mínimo do lote sobre a rua e uma percentagem máxima da área do lote sobre o qual se pode construir” (Lozada e Gómez 1976). Entretanto, este tipo de requisitos não foi alcançado pela maior parte dos habitantes de Bogotá, o qual promoveu a formação de bairros piratas, fenômeno que contradizia a intenção original da zonificação. Esta zonificação do ano 1944 também foi modificando-se por Acordos sucessivos em 1951, 1961, 1967 e em 1974. Os requisitos de repartição de lotes se fizeram cada vez menos estritos e de forma mais realista, facilitaram o acesso à moradia ou à disponibilidade de terrenos para construção, para a classe social com menos recursos econômicos (Hataya et. al. 1994, p. 26-27)

A intervenção sobre a capacidade dos lotes e a ocupação máxima dos mesmos era uma tímida intenção de intervir sobre um fenômeno de mais profundo bordado, a

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segmentação da cidade originada na omissão administrativa, e cujo efeito mais notório foi à emergência de limitações para a eleição de localização residencial das famílias de menores ganhos. De fato, advirta-se que as zonas para bairros operários não se consideram de uso estritamente residencial; também o fracasso sucessivo da zonificação como instrumento de contenção do avanço da urbanização informal. Por volta de 1962 o sul da cidade e algumas zonas periféricas começam a ser o centro dos enfrentamentos entre a força pública que executava os ditados da política de erradicação de tugúrios e os habitantes em busca de solo habitável optavam pela ocupação de vazios urbanos. Um deles, o mais emblemático da época, foi o que deu lugar ao bairro Policarpa Salavarrieta, A Pola, agenciado pela Central Nacional Provivienda que, por sua parte, tinha sido promovida pelo Partido Comunista Colombiano.

Em matéria de produção de solo público, alguns trabalhos sugerem que “a percentagem de cessão de cada urbanização diferia segundo a categoria sócio-econômica dos residentes. Nesta regulamentação, lhes exigia ceder relativamente menos aos urbanizadores de bairros populares que a outros bairros residenciais, reconhecendo com isso a diferença de capacidade econômica” (Hataya et. al. 1994, p. 28-29). Entretanto, no artigo 52 do Acordo 30 de 1961, o que se adota é justamente o contrário. Quer dizer, a norma é muito mais exigente com as zonas residenciais operárias aonde se devem realizar cessões gerais entre 38,8 e 42,0% do solo bruto, enquanto que nas chamadas zonas estritamente residenciais essas cessões vão do 23,5 aos 28,6% e nas residenciais multifamiliares do 42,5 aos 48,6%. Quer dizer, que as cessões urbanísticas para as famílias pobres devem ser superiores às da ocupação multifamiliar - mais de 10% - que nas zonas para a produção por encomenda. Uma cidade com cessões urbanísticas generais de 38,8% de solo é socialmente desejável, mas o valor dessas cessões reflui para o preço do solo útil incrementando-o em 63,4%. As cessões gerais de 42,0% o incrementam em 72,4%. É evidente que uma quantia dessas não era sufragable pelos lares pobres, de maneira que a proliferação de parcelamentos clandestinos obedece em boa medida ao desacerto desta norma. E com isso sobrevém a incerteza urbana para a imensa maioria dos lares bogotanos. 4.2.3 Estrutura residencial urbana Bogotá experimenta a expansão residencial com desenvolvimentos que, de San Diego até o Chapinero, promoviam a verticalização temprana do norte da cidade. Entrados os anos sessenta e embora de maneira incipiente, técnicas para a produção residencial em série começaram a ser empregadas com o alavancamento

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de certos capitais de outros ramos da atividade econômica que transitoriamente se associam com o emergente capital imobiliário (Jaramillo 1994, p. 312). As atividades imobiliárias residenciais de mercado eram dominantes, mas os processos autoconstrutivos movidos pela lógica da necessidade cobravam mais e mais importância ao igual à intervenção estatal que tomou corpo, do nível central, na promoção, construção e financiamento residencial largo através do Instituto de Crédito Territorial. Um olhar ao ocorrido na Capital da República é ilustrativo do anterior:

Para ter um indício da escala relativa da produção deste organismo em Bogotá, digamos que no lapso entre 1951 e 1964 (que inclui o boom da Aliança para o Progresso entre 1959 e 1962), o ICT construiu o 20,9% das moradias que se produziram em Bogotá, o que significou ao redor de 12,6% da área construída e o 11,4% do investimento. Entre 1964 e 1973, a proporção das moradias construídas pelo ICT foi de 15%, a área construída o 11%, e seu investimento o 9% (Jaramillo 1994, p. 315).

E em relação com a lógica da necessidade:

Entretanto, uma proporção muito considerável da população de baixos recursos devia ir à autoconstrução espontânea para procurar-se moradia. Entre 1951 e 1964 esta forma de produção representou 26,2% do número de moradias construídas e 15,7% da área edificada, o qual, sendo uma proporção muito considerável, é sensivelmente menor, em términos relativos, que sua participação no período 1938-1951, durante o qual foi de 55% em términos de número de moradias. No período seguinte, 1964-1973, a autoconstrução retoma seu peso relativo, 50% em términos de moradia e 36,9% em términos de área construída, o que significa uma enorme multiplicação em términos absolutos (Jaramillo 1994, p. 317).

De maneira que no último sub-período o mercado produziu o 35% das moradias e perto de 53% da área construída, sendo a maneira como o tempo ficou gravado no espaço urbano (cf. Lefebvre 2004) sintomática do anterior: zonas das cidades com baixas densidades refletem as baixas taxas de acumulação de capital imobiliário da época, consistentes com técnicas de construção arcaicas nas que os professores artesãos e operários fabricavam unidades residenciais sobre terrenos adequados por loteadores. Em outras, muitas vezes contíguas, aparecem edificações de alguma altura promovidas por agentes que conseguiram acessar ao crédito e ao alavancamento de capitais de outras atividades não imobiliárias.

A lógica da necessidade que não foi atendida por esse tipo de agentes deu lugar a vizinhanças com notáveis precariedades espaciais nas que os mínimos urbanos foram cobertos por mecanismos de auto-provição que o Estado, ainda com sua intervenção direta, não conseguiu suprir:

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O uso residencial da terra da terra se intensifica à medida que se passa do centro à periferia. Sobre o eixo centro-norte se desenvolveram os bairros de classes altas, enquanto que sobre o eixo centro-sul e centro-suroccidental se consolidaram os bairros populares. As classes médias se estabeleceram sobre algumas zonas abandonadas pelas classes altas em seu deslocamento para a periferia norte da cidade, quão mesmo sobre os eixos centro-ocidental e centro-norocidental (Hataya et.al. 1994, p. 17).

Figura 4.3

Área total licenciada para usos residenciais e tamanho médio da licença, Bogotá

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A atividade construtiva residencial formal experimentou uma estabilidade monótona influenciada, em especial, pelo predomínio dos desenvolvimentos “lote a lote” que caracterizam ao modo de produção dominante por então, a moradia por encargo edificada em lotes urbanizados de pequena capacidade. Embora, como se verificou no capítulo anterior, o capital imobiliário capitalino já contava ao seu dispor com técnicas modernas para a construção em altura, a prática construtiva mais estendida é o lote urbanizado sobre o que se edificavam residências desenhadas com bastante folga para que ali residam famílias de altos ganhos. A Figura 4.3 mostra que até 1969 o tamanho médio licenciado se situou ao redor dos 204 m2, cifra que aumenta drasticamente ao começar os setenta quando tal médio alcança 369 m2. Esse incremento obedece à paulatina entrada em desuso da produção residencial

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por encargo que, a partir de 1963, começa a ser substituída pela produção residencial em série. Tal como se infere da Figura 4.4, a produção de casas com fachada à rua se torna transitoriamente dominante até que os edifícios com fachada à rua começam a deslocá-la para dar lugar a um crescente processo de verticalização do eixo centro-norte da cidade.

Figura 4.4 Estrutura da produção residencial formal por tipo de residência, Bogotá 1950-1972

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Fonte: Rubiano 2007

A silhueta dominante das vizinhanças construídas formalmente era de edificações de até quatro níveis. Em 1971 e sob o nome de Torres San Martín se lança ao mercado um edifício de apartamentos com fachada à rua de 16 andares localizado na 10ª Carreira com Rua 54 no Chapinero, por um estructurador urbano organizado sob a forma de uma sociedade de responsabilidade limitada. Essa inovação vai se difundir ulteriormente em direção nororiental, mas, em especial, é sintomática da capacidade técnica do capital imobiliário em formação e da necessidade do alavancamento financeiro que requer a verticalização da cidade e que se materializou na Unidade de Poder aquisitivo Constante -UPAC- que se desenhou por então.

Note-se então que a análise do surgimento do sistema indexado realizado na escala nacional se associou à necessidade de produzir crédito hipotecário de médio e curto prazo, em um ambiente inflacionário, na escala metrópole revela que

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tal alavancamento surge, de maneira ágil, quando o capital imobiliário difunde a verticalização para o nororiente da cidade. É ali onde as famílias de ganhos elevados contam com a disponibilidade a pagar por viver em altura, isto é, para pagar os custos incorridos pelos estructuradores urbanos nas dês-economías de escala. Logo a UPAC cumpre realmente esse papel, o do alavancamento financeiro de um conjunto de operações imobiliárias residenciais orientadas a incrementar o aproveitamento do solo urbano produzido com os esforços coletivos dos residentes em Bogotá.

É essa a consolidação do laissezferismo impuro que, em um ambiente notoriamente permissivo, vai implicar a transferência das riquezas coletivas para os estructuradores urbanos e a incipiente participação nelas do sistema financeiro hipotecário. O sistema de financiamento predominante estrangulava as possibilidades de um maior aproveitamento do solo urbano, pois, em efeito, orientou de maneira seletiva volumeis irrisórios de poupança prévia das famílias para alguns estructuradores urbanos que, por sua parte, encontraram na ausência de um fluxo robusto de fundos de crédito um frente mais de competência. É por essa razão que, quando se lança a UPAC, as relações de clientela que se erigem entre os bancos hipotecários e os estructuradores urbanos vão determinar o custo do crédito, algo que os economistas optaram por denominar como reciprocidade bancária. Quer dizer que entre major fora o fluxo de depósitos à vista dos estructuradores urbanos nos bancos hipotecários, menor era a taxa de juro que lhes era cobrada pelo crédito a construtor; e esse fluxo era major quanto mais elevado era o aproveitamento do solo urbano.

Alguns bancos hipotecários optaram por estender a prática da reciprocidade bancária às famílias às que lhes outorgavam o crédito quem, para contar com o desembolso, deviam assinar uma porção do mesmo em depósitos a término fixo na mesma entidade financeira, com o qual esta incrementava a oferta de recursos prestables, mas, de uma vez, encarecia o custo do crédito às famílias. O regime de segregação socioespacial urbana aparece ao finalizar o período muito mais nítido. As vizinhanças do sul da cidade se organizam em maçãs que em média têm uma longitude de 60 MT., de comprimento, com baixas cessões urbanísticas e, portanto, com padrões de acessibilidade e de habitabilidade inferiores aos do resto da cidade. Por sua parte, os do norte e nororiente da cidade, por força da planeação corbuserina têm uma longitude de 100 mt., contam com maiores cessões urbanísticas e com as melhores dotações de acessibilidade e habitabilidade urbanas. A construção da Avenida das Américas permitiu desenvolvimentos no suroccidente da cidade, assim como o fez a Avenida Circunvalar do Sul e a Avenida Cidade do Quito para o norocidente, mas, como se aprecia no Mapa 4.4, a maior

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densidade de intervenções imobiliárias residenciais tem lugar no eixo centro norte da cidade.

Mapa 4.4 Produção de bens públicos urbanos e lançamentos residenciais, Bogotá 1950-1972

Fonte: Construído com base em Rubiano 2007 y Hurtado y Moreno 2008.

Pode-se coligir, além disso, que as políticas reativas do Estado em matéria de provisão de bens públicos urbanos não conseguiram modificar o regime de apropriação do solo urbano em curso, pois, em efeito, as famílias de altos ganhos

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continuaram sua escalada do eixo centro norte e nororiental apesar das relativas melhoras ocorridas para o sul e para o surocidente da cidade. Ao calor dessa estrutura socioespacial segregada, novas vizinhanças formais foram propostos com diferenciações relevantes que dão lugar a uma crescente segmentação da cidade. É possível advertir, por exemplo, que no eixo de expansão centro norte da cidade e em áreas de até um km2 se realizou até 26 lançamentos residenciais novos, denotando isso certas convenções urbanas em formação e o interesse dos estructuradores urbanos de promover novas vizinhanças relativamente homogêneas.

É possível advertir no Mapa 4.4 um rasgo distintivo da segmentação da cidade e é a notória sincronia espaço-temporal das intervenções estatais na provisão das condições de acessibilidade e habitabilidade urbanas no eixo centro norte e nororiental da cidade, em parte para o norocidente, em menos para o ocidente e em nada para o sul pois, em efeito, a penúria nos bens públicos urbanos e, portanto, as dificuldades dos lares para o acesso ao solo urbano é atendida de maneira remedial e incompleta. É esta a forma espacial de distribuição de riqueza da intervenção urbanística estatal em um ambiente laissezferista impuro.

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V BOGOTÁ 1973-1991

MATURIDADE DO LAISSEZFERISMO IMPURO A inflexão na dinâmica construtiva residencial que experimentaram as metrópoles colombianas por volta de 1973 foi induzida pela entrada em operação do sistema UPAC e a conseqüente ampliação da oferta de recursos para o financiamento da construção e aquisição residencial em longo prazo. A indexação de tais recursos com apóie na inflação e os ajustes periódicos das cotas de amortização acreditaram, em princípio, desconfiança entre o público até que se compreendeu que o sistema casava com os ajustes salariais com o mesmo índice. Esse caudal de depósitos à vista transformada em financiamento residencial em longo prazo se dirigiu, como qualquer inovação que se introduzem no mercado, para os segmentos mais solventes da demanda, as famílias de altos ganhos que, por sua parte, demandavam novas vizinhanças com as inovações verticais em curso que propuseram os estructuradores urbanos. Os recursos para bancar a aquisição da moradia do sistema UPAC constituíram um alavancamento financeiro muito poderoso, possivelmente como nenhuma outra atividade econômica o teve na história da Colômbia, sem o que o capital imobiliário não teria podido desenvolver o solo urbano produzido pela intervenção urbanística estatal.

A concentração do crescimento populacional urbano se acentuou e com ela também se solidificou a primazia populacional de Bogotá sobre o resto do país. A necessidade de ação coletiva urbana, isto é, da Reforma Urbana, fez-se cada vez mais latente ante a crescente desigualdade na apropriação das riquezas geradas pela urbanização da população . Novas iniciativas partidistas se apresentaram ao Congresso da República sem que lhes desse curso, de maneira que o poder tripartido omitiu intervir fazendo da urbanização um evento bastante infeliz no que certos agentes captaram uma porção dominante de tais riquezas e, com isso, a desigualdade urbana e a limitação das poções para as eleições de localização residencial se tornaram mais evidentes. No laissezferismo impuro sobrevém modificações unilaterais ao contrato de hipoteca do sistema UPAC pelo quase legislativo que, depois de promulgada a Nova Constituição Política em 1991, vão maturar até produzir a derrota residencial de milhares de famílias colombianas que, em razão do descase do sistema originado nas desacertadas reformas, viram-se forçadas a entregar suas residências em entrega em pago pelos saldos endividados ao sistema financeiro. Uma mutação à estrutura residencial urbana entrou em curso.

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5.1 Moderação da primazia bogotana, instrumentos de financiamento da moradia em longo prazo e proliferação de iniciativas parlamentar de regulação urbana, Colômbia 1973-1991

Durante o período 1973-1991 a participação de Bogotá no crescimento populacional urbano do país se contraiu em 1,5% frente ao período precedente enquanto que a das 83 cabeceiras restantes se incrementou em 5,1%, de maneira que de conjunto a concentração desconcentrada avançou até alcançar uma participação de 79,2% no crescimento populacional registrado nas zonas urbanas do país - ver Tabela 5.1-. Em términos relativos, a urbanização da população se contraiu ao passar de 5,2% anual aos 3,1% mas isso se deve ao efeito denominador ou base de cálculo que é maior para esse período, sendo o mais significativo seu crescimento absoluto que, em média anual, subiu a 596.561 habitantes enquanto que para o período anterior tinha sido de 411.736. Essa medida do crescimento urbano, em términos absolutos, é transcendente em miras da proposição que é um crescimento que potência o aproveitamento das economias de escala latentes na provisão das condições de acessibilidade e habitabilidade urbanas e, com isso, tais economias se configuram como outro determinante não industrial da urbanização da população .

Tabela 5.1 Crescimento populacional urbano por grupos de municípios, Colômbia 1973-1991

Taxonomia Municipal

Tipo #

Incremento Populacional

Urbano

Taxa de Crescimento

Anual (%)

Participação (%)

Cidade Primada 1 2.375.178 3,3 22,1 Crescimento Notável 83 6.132.466 3,4 57,1 Crescimento Estável 575 1.697.589 2,7 15,8 Crescimento Moderado

149 76.099 1,6 0,7

Êxodo Moderado 243 92.209 1,0 0,9 Êxodo Persistente 52 160.703 2,1 1,5 Estancados 23 203.847 3,0 1,9 Total 1.126 10.738.091 3,1 100,0

Fonte: Cálculos do autor com base nos Censos de População, DANE

Mas são a Cidade Primada e as cabeceiras de Crescimento Notável e ainda as de Crescimento Estável em nossa taxonomia as que contam com as maiores possibilidades de aproveitar essas economias de escala potenciais, seja pela amplitude relativa dos mercados urbanos como pelo alavancamento financeiro que discrecionalmente recebiam do nível central de governo. Mas tal crescimento também representava um grande desafio para as cidades em matéria de produção

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residencial, de novas vizinhanças e da ampliação da demanda por bens públicos urbanos para acolher às entidades chamadas a suprir as necessidades populacionais de saúde e de educação.

A fragmentação dos terrenos urbanos aptos para produzir espaço construível favoreceu a consolidação dos esquemas de segregação sócio espacial das cidades em crescimento. Se outrora era a estrutura da propriedade rural que pesava sobre os terrenos propensos a ser incorporados na expansão urbana a que se erigia como uma barreira importante para conter o processo de suburbanização, especialmente o das capas de altos ganhos, dos começos deste período a segmentação dos terrenos intra-urbanos vai revelar suas duas caras: de uma parte, expôs algumas limitações para a extensão do capital fixo urbano e para a potencial recuperação dos incrementos no preço do solo que isto supõe, mas, do outro lado, facilitou pelo desenvolvimento prédio a prédio a construção de bens imobiliários residenciais que o setor formal não estava em capacidade de produzir em serie.

A cidade segmentada se consolidou como o rasgo distintivo ou a estampagem de uma época em que o Estado omitiu intervir sobre o mercado do solo e, quando interveio decididamente na estruturação intra-urbana das cidades, fê-lo mediante a criação seletiva de capital fixo urbano sobre a base do endividamento público. É uma época em que a ideologia do Estado-empresario que emergiu para meios dos sessenta e cuja ação política se combinava com a busca de retornos financeiros a seus investimentos, vai se difundir por toda a América Latina.

No caso urbano, algumas cidades recorreram de maneira intermitente à recuperação de uma parte dos incrementos no preço do solo derivados de sua ação através da contribuição de valorização, mas tal instrumento, introduzido desde 1921 na Colômbia, solo foi aplicável naquelas franjas solventes da demanda e, em outros episódios, empregou-se para desalojar moradores inoportunos para o desenvolvimento imobiliário formal. Acertos institucionais incompletos que deram lugar à criação de entidades como o Instituto de Crédito Territorial, entidade que propiciou e teve que conviver com aquilo que tinha que combater, encarregarão-se de induzir16 novos surtos de especulação sobre o solo urbano (cf. Jaramillo, 1994). No plano da distribuição espacial da população colombiana e depois de um lapso reconcentrativo do crescimento populacional urbano no que, de fato, acentuou-se a primazia bogotana, a urbanização da população colombiana voltou a apresentar alguns rasgos que advertiam a moderação de tal fenômeno embora com uma característica que o particulariza: é no período intercensal 1973-1985 no que ficam

16 As investigações do Samuel Jaramillo são bastante esclarecedoras de esse fenômeno; em particular, a ação estatal em matéria de produção de moradia popular por parte do Instituto de Crédito Territorial é emblemática ao momento de indagar sobre a sorte que o Estado enfrentou antes da Reforma Urbana e seus efeitos sobre a mobilização de capitais especulativos urbanos.

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221

em evidência os principais rasgos de conurbação -metropolização nas cidades primadas da rede colombiana de cidades.

Mapa 5.1 Participação das cidades no crescimento da população urbana, Colômbia 1973 -

1985

Fonte: Cálculos do autor com base em estatísticas do DANE

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Como se aprecia no Mapa 5.1, o município de Bello em proximidades ao Medellín, Soledad da Barranquilla e Floridablanca da Bucaramanga, experimentam um crescimento populacional urbano de alguma relevância, tanto que é superior ao da maioria das capitais departamentais do país. Por sua parte, Cartagena e Cúcuta, que já participavam ativamente da urbanização da população colombiana no penúltimo período intercensal, voltaram a participar de este ao lado do Ibagué, uma nova bifurcação populacional urbana para o sul ocidente do país. As migrações cidade-cidade se fizeram cada vez mais freqüentes durante esse período intercensal: um de seus rasgos mais visíveis, que envolveu a perto de 55.000 habitantes, foi à contração da população urbana de 209 cabeceiras municipais.

Ao final desse interlúdio, a cidade de Armero foi arrasada e algo mais de 18000 moradores urbanos perderam a vida pela avalanche que os sepultou, quando o apego da população a essa localização pôde mais que a ameaça que significava sua proximidade ao Vulcão Areias. Também que a probabilidade de que ocorresse o evento. No marco da análise das mudanças no patrão de industrialização e a primazia urbana na Colômbia ocorrida durante esse período, Cuervo e González afirmam que:

Depois de 55 anos de crescimento primacial crescente, posteriormente a 1973 esta velocidade é cada vez menor. Dois processos paralelos, mas de sentido contrário, caracterizam esta tendência ao menor crescimento da primazia urbana. Em primeiro lugar, há certa tendência à debilitação da quadricefalia urbana, pois se consolidou a preponderância da cidade maior, Bogotá. Paralelamente, Medellín e Cali tenderam a nivelar-se, enquanto aumenta sua distância com respeito à Barranquilla, cidade onde o retrocesso foi mais sensível. Em segundo lugar, há uma tendência a desconcentração do crescimento urbano presente não de forma indiscriminada a não ser seletiva, pois a modalidade predominante posteriormente a 1973 foi a de difusão do crescimento urbano dos centros maiores às populações circundantes, chamada metropolização ou desconcentração concentrada (Cuervo e González 1997, p. 452).

Além dos incipientes signos de metropolização, é igualmente perceptível que as cabeceiras municipais da Orinoquia e Amazônia contêm cada vez mais a sua população, mas isso não é resultado de uma política deliberada de integração funcional destes territórios à geografia econômica e política do país. Pelo contrário, a espontaneidade deste processo guarda estreita relação com o dinamismo de certas atividades extrativas que começam a proliferar na região e nas que muitos imigrantes encontram melhores possibilidades de inserção trabalhista. Tais migrações se originam nos prolongados ciclos recessivos de atividades como o café ou na ruína dos camponeses vinculados à agricultura tradicional.

O começo deste período foi decisivo para o suceder do capital imobiliário colombiano como para a estruturação intra-urbana das cidades que estavam

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crescendo pois a ausência de mecanismos de crédito hipotecário de longo prazo em um ambiente inflacionário anunciavam um período de crise para a indústria da construção , mas isto foi só uma ameaça que se dissipou velozmente pela entrada em operação do sistema UPAC que, somado à capacidade dos promotores imobiliários daquela época para realizar a façanha de ter conseguido quebrar finalmente a resistência das capas mais ricas a consumir apartamentos e casas padronizadas como ocorreu no caso bogotano (Jaramillo 1994, p. 326), conseguiu rebater tal evento.

Como se aprecia na Figura 5.1, em que se aprecia a tendência dos despachos de cimento17 às cidades como proxy da construção de ativos imobiliários, ao lado da urbanização da população , a ameaça de crise só durou um ano para, imediatamente, ser relançado o crescimento da produção imobiliária em uma espiral ascendente que se prolongou por duas décadas.

A maior parte das Corporações de Poupança e Moradia que configuraram os bancos hipotecários especializados para operar o sistema UPAC, foram constituídas como sociedades de capital a partir do segundo semestre de 1972. Nesse tempo, a recém criada Junta de Poupança e Moradia dava início a suas atividades indicando que a base de cálculo da UPAC seria o médio do índice de preços ao consumidor dos três meses anteriores à data de cálculo - ver Tabela 5.2-: no momento de sua entrada em 15 de setembro teve um equivalente de $100 e, ao finalizar 1972 se cotou em $103,96. O sistema indexado tinha entrado em operar. As CAV abonavam aos poupadores a correção monetária, o qual já era uma vantagem frente ao resto de depósitos à vista do sistema bancário, e uma taxa de juro pagável por trimestre vencido e que se liquidava sobre o saldo mínimo do período.

Para os assalariados isto não representava maior atrativo, pois dificilmente podiam imobilizar um saldo mínimo substancial como para que a remuneração fora considerável, enquanto que para as CAV esta forma de reconhecimento do rendimento financeiro das economias constituía a principal fonte de seus benefícios de intermediação. As modificações que a Junta de Poupança e Moradia introduziu ao cálculo do valor em pesos da UPAC e que estiveram vigentes até maio de 1984 se referiram indefetibelmente ao horizonte temporário do índice de preços ao consumidor que se empregou para a indexação. De maneira complementar, e depois das conjunturas inflacionárias dos setenta e da comoção social que isso gerou, sua ação reguladora se enfocou a limitar o crescimento do valor da UPAC até

17 Desde começos dos oitenta esta série pode estar distorcida pelo incremento na demanda de cimento que significou seu emprego como precursor do ácido de coca na produção da cocaína. Não disponho ainda de estatísticas para demonstrar algo em sentido contrário, mas acredito que isto não vai trocar substancialmente a análise no sentido que o estou propondo.

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em 1º de julho de 1976 quando foi suprimida e suas funções foram assumidas pela Junta Monetária - ver Tabela 5.2-.

Figura 5.1

Despachos de cimento às cidades e urbanização da população, Colômbia 1970-2005

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Fonte: Cálculos do autor com base em estatísticas do ICPC y Censos de População do

DANE

Os incrementos no preço internacional do café suscitados pelas consideráveis perdas nas colheitas cafeeiras brasileiras com ocasião das geladas a que se viram submetidas algumas de suas regiões, de um lado e, do outro, pelo baixo nível dos stocks para atender a demanda mundial, fizeram crescer notoriamente as reintegrações cafeeiros colombianos no que se conhecerá como a época da bonança cafeeira. Os efeitos monetários da balança de pagamentos internacionais não se esterilizaram e a inesperada liquidez da economia colombiana irrigou os cofres das burguesias compradoras e os de suas hostes, com o que a espiral inflacionária alcançou seu batente em 1974.

Um novo surto inflacionário detonou uma parada nacional trabalhista em setembro de 1977, cujas desordens cobraram dezenas de mortos, centenas de feridos e milhares de detidos que participavam do protesto nas cidades colombianas.

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Para conter a comoção social, o governo aceitou institucionalizar um acordo tripartita entre as centrais operárias, os grêmios econômicos e o próprio governo que se encarregará em adiante de determinar os ajustes anuais ao salário mínimo legal. Mas a segmentação da cidade se escorou pelas reforçadas inclinações das capas meias e meias altas a comprar lotes de engorda e dos estructuradores urbanos a antecipar as decisões de localização dos bens públicos urbanos resultado da intervenção urbanística dos governos locais.

Tabela 5.2 Modificações à metodologia de cálculo do valor da Unidade de Poder Aquisitivo

Constante - UPAC-, Colômbia 1972-1992 Período Decreto e

ano De Até Base de Cálculo

1229/72 18/07/72 24/05/73 IPC trimestre anterior 969/73 24/05/73 21/02/74 IPC ano anterior

269 b /74 21/02/74 15/01/76 IPC dois anos anteriores 58/76 15/01/76 16/05/84 IPC ano anterior

1131/84 16/05/84 07/07/88 IPC ano anterior mais 1.5% do quadrado da diferença entre o médio de variação do índice nacional de preços já mencionado e o rendimento médio efetivo ponderado dos certificados de depósito 90 dias

1319/88 07/07/88 29/05/90 40% do IPC ano anterior mais o 35% da taxa DTF mês anterior

1127/90 29/05/90 04/07/91 45% do IPC ano anterior mais o 35% da taxa DTF mês anterior

1730/91 04/07/91 21/04/92 45% do IPC ano anterior mais o 35% da taxa DTF mês anterior

678/92 21/04/92 01/05/93 20% do IPC ano anterior mais o 50% da taxa DTF dois meses anteriores

Fonte: Elaborada com base em informação do Banco da República

O Novo Liberalismo, uma nova dissidência do partido liberal, empunhou de maneira pacata as bandeiras da Reforma Urbana que, de fato, foi passada durante o período legislativo de 1978 e declarada inexeqüível pela Corte Suprema de Justiça em 1979. O triunfo eleitoral de um candidato populista à presidência para o período 1982-1986 abriu um leque de expectativas e possibilidades sobre o suceder das políticas urbanas, mas especialmente sobre as relacionadas com a moradia popular e o crédito hipotecário. Foi precisamente em 1982 que apresentou uma nova iniciativa de Reforma Urbana, mas com um conteúdo diferente das anteriores, pois procurava, com a declaratória de utilidade pública e interesse social, fazer menos onerosa para o erário a aquisição de bens imóveis pelo Estado. Esta iniciativa, como se pode

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coligir apoiava-se na crença de que ao decidir os latifundiários urbanos a sustração de seus terrenos do mercado, estariam induzindo um incremento global nos preços do solo que limitariam a eficácia das políticas de moradia do governo entrante. A iniciativa novamente fracassou, ao lado de outras estratégias relacionadas com a moradia urbana.

Tabela 5.3

Iniciativas de Reforma Urbana, Colômbia 1973-1991

Ano Conteúdo da iniciativa

1978

O Novo Liberalismo, nova dissidência da partida Liberal, apresenta um novo projeto que busca incorporar novas terras ao processo de urbanização, impulsionar projetos de renovação urbana, captar a mais-valia e melhorar os assentamentos urbanos. Foi considerado de oposição ao governo. “Retomou-se o projeto de 1970, “maquiado” e mutilado”, que dá lugar à Lei 61 de 1978.

1979 A Corte Suprema de Justiça declara a Lei 61 de 1978 inexequible.

1982 Iniciativa governamental para declarar de utilidade pública e interesse social a aquisição de imóveis.

1984/5 Voltam-se a apresentar os projetos de 1971 sem êxito.

1986 Apresentam-se cinco projetos pelo Executivo, o Novo Liberalismo, a União Patriótica, a Partida Conservadora e a Partida Liberal, mas nenhum culminou o trâmite parlamentário para sua aprovação .

1989 Sanciona-se a 9ª Lei, Lei de Reforma Urbana Fonte: Construída com base em Valencia Jaramillo (2003, p. 99-103), Jaramillo (2003, p. 129-136)

y Jaramillo (1994, p. 304-339).

Em matéria de crédito, por exemplo, colocaram-se metas às entidades que operavam o sistema indexado -as CAV- para que colocassem uma parte de sua carteira hipotecária entre os lares de menores ganhos e, a essas mesmas entidades, lhes obrigava a assinar bônus computáveis como encaixe a favor do Instituto de Crédito Territorial. Essa ultima entidade estatal encarregava-se da execução dos principais programas de moradia popular. O resultado foi que essas entidades realizaram, tacitamente, um bloqueio de crédito consistente em represar suas colocações com o que reduziam os montantes a assinar em bônus do ICT ao igual às metas em matéria de crédito popular impostas pelo governo.

Pela modificação à metodologia do cálculo da UPAC que introduziu em 1984 -ver Tabela 5.2- qualquer defasagem positiva ou negativa entre a inflação e a taxa de juro era convertido em um plus relativamente marginal à correção monetária e, conseqüentemente, à variação máxima da UPAC - ver Tabela 5.4-. Mas o transcendente é que com essa modificação se começou a introduzir a taxa de juro como variável de referência para a indexação. Esse interlúdio foi o ponto de quebra entre o modelo de acumulação de capital imobiliário privado suportado no crédito

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hipotecário indexado e a opção estatal de produção do espaço edificado que se definirá a favor do primeiro.

Tabela 5.4 Limite administrativos à variação da Unidade de Poder aquisitivo Constante -

UPAC-, Colômbia 1974-1993

Período Decreto e ano

De Até

Variação máxima da UPAC

1278/74 12/08/74 21/08/75 20% 1685/75 21/08/75 15/01/76 19% 58/76 15/01/76 01/04/79 18%

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Fonte: Elaborada com base na informação del Banco de la República

Empenhado em no processo de paz, o governo populista do Belisario Betancur realizou uma série de acordos políticos que se perceberam como um intento de ampliação da participação política na Colômbia. A União Patriótica, partido de esquerda emergente nesse surto de democracia cujos quadros políticos e muitos de seus simpatizantes foram assassinados com notável celeridade ao ser indicados publicamente como auxiliares da guerrilha, apresentou uma proposta em 1986 que desatou uma inusitada efervescência de iniciativas de Reforma Urbana. Foram apresentadas outras quatro propostas com origem nos partidos tradicionais, na dissidência liberal e no próprio executivo, com conteúdos e propósitos substancialmente diferentes, mas, em ausência de acordo política e programática, a nenhuma lhe dará curso o poder legislativo. Esse episódio foi precedido por dois ásperos intentos de resgatar a Reforma Urbana já que, tanto em 1984 como em 1985, apresentou-se novamente o conhecido e fracassado projeto socialista de 1971 com os resultados já conhecidos. Passaram outros quatro anos até que uma nova iniciativa de reforma foi apresentada, mas com melhor sorte que as anteriores. 5.1.1 Concreção da ação coletiva urbana e reação do capital imobiliário A conjuntura que se iniciou em 1986 foi transcendental para o suceder da construção civil na Colômbia. O que ocorreu com a atividade construtiva a partir desse interlúdio da urbanização colombiana? Para dar resposta a essa questão, sugiro uma micro-periodização de tal interlúdio conformado por quatro fases que, em

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diversas ocasiões, cobrem-se por causa da imbricação no tempo histórico das nascentes institucionalidades urbanas com as reações ideológicas às quais se submeteu o urbanismo. Para dar conta da dinâmica construtiva residencial e não residencial a escala do país, empregam-se de novo as entregas de cimento como seu reflexo, análise estatística que se correlaciona com o comportamento espacial e temporal das áreas licençadas.

Com tal micro-periodização se tenta revelar as continuidades e as mudanças experimentadas na estrutura da produção do espaço edificado formal na Colômbia não como se usa fazer, ou seja, como conseqüência das condições macroeconômicas e dos ciclos do comportamento agregado da economia. Esses estudos partem do orçamento da eficácia do mercado como mecanismo de coordenação das decisões descentralizadas dos agentes. Nesta pesquisa, tento demonstrar que a dinâmica de tal atividade guarda uma estreita relação com a incerteza que tais agentes experimentam frente às mudanças nos acertos formais tanto no ordenamento urbano como em matéria de financiamento da construção residencial os que, muito, foram especialmente prolíficos na Colômbia durante os últimos 20 anos. A sua vez, tal incerteza ativa diferentes mecanismos com os que o capital estructurador urbano opera para antecipar as decisões que em matéria institucional e de produção de bens públicos urbanos são exercidas pelo Estado, o que configura o ambiente especular urbano no que se dilui a eficácia do mercado como mecanismo de coordenação das decisões individuais.

Uma nova administração de um presidente liberal, engenheiro civil e ex-prefeito de Bogotá que promoveu a realização de grandes investimentos em capital fixo urbano na cidade, procuraram relaxar as relações herdadas do governo saliente com os bancos hipotecários e com os construtores. Adverte-se o início de um novo período de bonança externa para a economia colombiana originado, de um lado, em novas geadas no sul do continente que anunciam um novo boom cafeeiro. Do outro, o elevado preço que os consumidores das grandes urbes globais pagam pelas drogas psicoativas e os enervantes ocasionam uma bonança dos dinheiros do narcotráfico que procuram inserir-se na atividade edificadora. Tal intento se materializa em faustuosas propriedades mimetizadas em zonas rurais e suburbanas do país e, em poucas ocasiões, ficam em evidencia nas zonas urbanas como foi o caso de vários edifícios de apartamentos como o Montecarlo na vizinhança nobre chamada El Poblado no Medellín, pois, de fato, os narcotraficantes sabem que é uma péssima estratégia delatar seus capitais à vista das autoridades mas, especialmente, de seus inimigos.

A bonança cafeteira não foi da magnitude esperada, pois nessa ocasião os países signatários do Pacto Mundial Cafeeiro, especialmente o Brasil, contavam

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com abundantes inventários e, além disso, a colheita cafeeira brasileira não foi tão afetada como nos começos dos setenta. Por sua parte, a pressão da demanda mundial por enervantes fazia que por quarto ano consecutivo os preços do pó básico de coca seguissem elevando-se; entretanto, os dinheiros do narcotráfico começaram a ser reprimidos em sua circulação internacional e local dirigindo-se preferentemente para os paraísos fiscais do Caribe e Europa. As expectativas generalizadas sobre possíveis excessos de liquidez se foram dissipando e, pelo contrário, a seletividade na distribuição do ingresso que promoveu o governo Barco fez que os incrementos na capacidade de compra não estivessem ao alcance de todos como, de algum jeito, ocorreu durante os setenta.

Durante o período intercensal que se iniciou em 1985 e que se prolonga até 1993, data de realização do antepenúltimo Censo de População e Moradia, reafirmaram-se algumas tendências detectadas no período anterior. Uma delas é a descida na participação de Bogotá nos incrementos da população urbana colombiana e a substituição no segundo nível da hierarquia populacional urbana do Cali pelo Medellín, entre as mais evidentes. De forma simultânea as três capitais mais importantes do Caribe -Barranquilla, Cartagena e Santa Marta- ao igual às do oriente -Bucaramanga e Cúcuta - consolidar-se-ão como corredores urbano-regionais cuja dinâmica contribuiu à desaceleração da primazia populacional urbana de Bogotá.

Mas dois novos fenômenos irromperão durante este período. De um lado, a consolidação da Soacha no cenário da metropolização de Bogotá como a conurbação pobre e segregada do sul da cidade, assim como a continuidade do processo iniciado com antecedência nos casos de Bello no Medellín e Soledad na Barranquilla. Do outro, a aparição de Pasto como subcabecera da Região Sul do país que vai acompanhar o crescimento da outra subcabecera, Ibagué. Finalmente, Pereira reaparece no cenário privilegiado do crescimento urbano da Colômbia à cabeça do crescimento populacional urbano do Eixo Cafeeiro - ver Mapa 5.2-

As migrações cidade - cidade tornou-se cada vez mais freqüentes e a contração urbana afetou a 209 cabeceiras municipais localizadas principalmente nas fronteiras do sul do país e, de maneira mais persistente, nos vales interandinos. Mas, a diferença dos períodos intercensais precedentes nos que esse fenômeno já se evidenciou, as migrações inter-regionais foram perdendo importância diante das intra-regionais, signo da perda de volatilidade regional da população colombiana que caracteriza a esse período (cf. Jaramillo e Alfonso 2001). O fenômeno de concentração - desconcentrada da população urbana colombiana provavelmente obedeça a características inerciais da formação social colombiana, mas foi reforçado

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pelas políticas de diversificação industrial adotadas na Colômbia desde meios dos anos sessenta.

Mapa 5.2

Participação das cidades no crescimento da população urbana, Colômbia 1985 - 1993

Fonte: Cálculos do autor com base nas estatísticas do DANE

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5.1.2 Estancamento da atividade construtiva e gênese da ação coletiva urbana A espiral inflacionária que sofreu a economia colombiana durante o governo Barco -ver Figura 5.2- reportou-lhe quantiosos lucros financeiros aos proprietários das empresas que operavam em mercados com estruturas monopólicas e oligopólicas e derivou, conseqüentemente, em uma notável deterioração na distribuição pessoal do ingresso. Sob a orientação da ortodoxia fiscal e financeira que paulatinamente monopolizou os espaços da política econômica, o presidente Barco começou a trocar decididamente o acerto institucional da inflação como variável para ajustar o valor da UPAC: a reforma à metodologia de cálculo se efetuou para meios de 1988 - ver Tabela 5.2-. Com essa decisão, ele antecipou as medidas de política econômica que, com especial ênfase desde 1991, colocaram o controle da inflação como o eixo da política monetária e fiscal, de maneira que ao vincular à taxa de juro DTF (Diferencial dos Depósitos a Término Fixo), irremediavelmente superior à variação do índice de preços ao consumidor, ao cálculo da UPAC. Seu governo sentou as bases para a ampliação dos margens de intermediação financeira das Corporações de Poupança e Moradia.

Figura 5.2 Taxas anuais de inflação e DTF, Colômbia 1986-2004

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Para finais de 1988 uma iniciativa legislativa orientada a ditar normas sobre os planos de desenvolvimento municipais foi passada pelo Congresso e sancionada pelo Presidente da República, lei que se promulgou em 11 de janeiro de 1989 sob o título de Reforma Urbana.

Para o governo do presidente Virgilio Barco a decisão de sancionar a Reforma Urbana representava várias impasses políticos, pois lhe subtraía funcionalidade diante do grêmio construtor ao que tinha estado estreitamente vinculado. Além disso, dos latifundiários do norte do país que, com forte ingerência no Congresso, respaldavam a presença de um de seus quadros como Ministro do Desenvolvimento com quem, adicionalmente, deveria sancionar a Lei. O Ministro Marulanda era um reconhecido latifundiário que, posteriormente, foi vinculado pela justiça colombiana a um processo penal que tentava castigar aos culpados do assassinato de um grupo de camponeses que ocuparam uma porção de suas terras e demandavam sua expropriação. Marulanda aparece em tal processo como seu autor intelectual. Provavelmente julgaram que a eficácia fática da 9ª Lei de 1989 iria ser pouca, como em efeito ocorreu com a aplicação de alguns de seus instrumentos. Por isso no futuro só teriam que ocupar-se de desmoralizar sua eficácia simbólica com os recursos da Guerra Fria e por último, os advogados contratados pelos grêmios dos latifundiários e dos construtores se encarregariam de aniquilar seu conteúdo nas Cortes como já tinha ocorrido no passado.

Além de modificar substancialmente o Código de Regime Municipal vigente desde 1986, a Lei 9ª de 1989 incorporou um conjunto de medidas para intervir no mercado do solo urbano e na produção e financiamento do ambiente construído, nas que se sobressai um novo acerto institucional: o tratamento da propriedade como uma função social e não como um direito, o que supõe a obrigação de usar e explorar os solos urbanos e demais bens imobiliários de acordo com as normas de planeação do desenvolvimento local ou departamental. Outras medidas como a expropriação de imóveis urbanos e suburbanos e a participação do Estado nos incrementos do preço do solo originados no esforço social ou estatal inquietavam aos latifundiários e aos construtores quem, depois de analisar seu conteúdo, entenderam que, no caso da expropriação, a Lei poderia inclusive ser aproveitada em seu favor e, no caso da participação do Estado nas mais-valias, a detecção de certos enganos técnicos em sua redação poderia levá-la, como em efeito ocorreu, a seu inaplicabilidade. No 10º artigo da Reforma Urbana se lembrou que:

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Para efeitos de decretar sua expropriação e além dos motivos determinados em outras leis vigentes se declara à utilidade pública ou interesse social a aquisição de imóveis urbanos e suburbanos para destiná-los aos seguintes fins: a) Execução de Planos de Desenvolvimento e planos de desenvolvimento simplificado; b) Execução de planos de moradia de interesse social; c) Preservação do patrimônio cultural, incluídos o histórico e o arquitetônico em zonas urbanas e rurais; d) Constituição de zonas de reserva para o desenvolvimento e crescimento futuro das cidades; e) Constituição de zonas de reserva para o amparo do meio ambiente e dos recursos hídricos; f) Execução de projetos de construção de infra-estrutura social nos campos da saúde, educação, turismo, recreação, esporte, ornato e segurança; g) Execução de projetos de ampliação, abastecimento, distribuição, armazenamento e regulação de serviços públicos; h) Sistemas de transporte maciço de passageiros, incluídas as estações terminais e intermédios do sistema; i) Funcionamento das sedes administrativas das entidades às quais se refere o artigo 11 da presente lei, com exceção das empresas industriais e comerciais do Estado e as das sociedades de economia mista; j) Execução de obras públicas; k) Provisão de espaços públicos urbanos; l) Programas de armazenamento, processamento e distribuição de bens de consumo básico; ll) Legalização de títulos em urbanizações de fato ou ilegais; m) Recolocação de assentamentos humanos se localizados em setores de alto risco e reabilitação de inquilinatos; n) Execução de projetos de urbanização ou de construção prioritários nos términos previstos nos planos de desenvolvimento e planos de desenvolvimento simplificados, e o) Execução de projetos de integração ou reajustamento de terras. Parágrafo. Para os efeitos da presente lei, entende-se por área suburbana a franja de transição determinada pelo câmara de vereadores, o conselho intendencial ou a junta metropolitana, que rodeia as cidades e que se estende pelas vias de acesso, onde coexistam os modos de vida rural e urbano como uma prolongação da vida urbana no campo, definida por critérios de densidade e atividade econômica da população.

Mas o processo de expropriação só podia ter lugar quando se esgotou o

trâmite da aquisição direta por alienação voluntária e, em qualquer caso, previu-se na 9ª Lei que a entidade pública adquirente do bem devia indenizar aos proprietários com uma soma que cobriria o dano emergente, ou seja, o valor do bem expropriado, e o lucro disponível. O valor era fixado, inicialmente, pela autoridade cadastral, e a avaliação que ela determinasse com arrumo às disposições da 9ª Lei conformava o preço base da negociação em caso da alienação voluntária. Não obstante, no artigo 26 da 9ª Lei se determinou que, de chegar o processo de extinção às instâncias judiciais e o juiz decretasse a indenização, este poderia “separar do mesmo pelos motivos que indique baseado em outras avaliações praticadas por pessoas idôneas e especializadas na matéria”. Esta prática significou a esterilização dos efeitos

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sociais das avaliações cadastrais a favor das práticas comerciais dos avaliadores privados, normalmente ligados às Fatias de Propriedade Raiz.

No concernente à participação do Estado nos incrementos nos preços do solo urbano originados em sua ação urbanística, a mais-valia tomou a forma da Contribuição de Desenvolvimento Municipal. No entanto, como ficou estabelecido no artigo 106, seu pagamento era taxativo em 30 cidades que contavam com mais de 100.000 habitantes que, nesse momento, representavam o 66,7% da população urbana do país. Entendia-se, a partir de algum critério de eficácia da ação pública, que era nessas cidades nas que se apresentava uma dinâmica importante nos mercados do solo urbano e, pelo tanto, aonde se apresentariam com maior regularidade e transcendência os fatos geradores de tais incrementos.

Artigo 106. Estabeleça-a Contribuição de Desenvolvimento Municipal a cargo dos proprietários ou possuidores daqueles prédios ou imóveis urbanos ou suburbanos, cujo terreno adquira uma mais-valia como conseqüência do esforço social ou estatal. Dita contribuição tem caráter nacional, mas se cede em favor do município no qual esteja se localizada a totalidade ou a maior parte do imóvel. A contribuição de desenvolvimento municipal será obrigatória para todos os municípios com mais de 100.000 habitantes, mas nos municípios com menor número de habitantes, os Conselhos Municipais poderão autorizá-la em concordância com o disposto neste estatuto. Parágrafo. Estão isentos de pagamento da contribuição os proprietários ou possuidores de moradia de interesse social, os de prédios urbanos com área de lote mínimo, que para o efeito se entende de trezentos metros quadrados, e os que reabilitem imóveis existentes para aumentar a densidade residencial em projetos de renovação ou remodelação urbanas e reajuste ou reintegração de terras dos que trata a presente Lei. Os municípios poderão variar, segundo as condições locais, o limite da área de lote mínimo.

Com a Contribuição de Desenvolvimento Municipal se buscou complementar a ação do Estado, pois, como assinala Jaramillo (2003, p. 132-133), a novidade com respeito à Contribuição de Valorização que operava em muitas cidades da Colômbia desde 1921 com notáveis resultados em matéria de financiamento da provisão dos bens públicos urbanos e redistribuição mais eqüitativa das cargas da urbanização, era precisamente seu caráter complementar. Em efeito, considera-se legitimo que o Estado recupere para a sociedade não só o montante dos investimentos realizados que incrementam o valor dos imóveis, mas também um maior valor que resulta tanto dos investimentos em capital fixo urbano como de outras ações do Estado que modificam a inserção dos prédios na estrutura urbana da cidade. Os benefícios geradores se identificaram no artigo 107, mas, não obstante, sua forma de redação introduziu problemas práticos em sua aplicação, pois, de uma parte, argumentou-se acertadamente que a mais-valia não podia recair sobre o espaço edificado a não ser

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sobre o solo urbano e que, além disso, a maior edificabilidade não significava necessariamente um incremento proporcional no preço do solo.

Artigo 107. O benefício gerador da Contribuição de Desenvolvimento Municipal poderá ocasionar-se por um ou vários dos seguintes feitos ou autorizações que afetem ao prédio: a) A mudança de destino do imóvel; b) A mudança de uso do solo; c) O aumento de densidade residencial, área construída ou proporção ocupada

do prédio. d) Inclusão dentro do perímetro urbano ou o dos serviços públicos. e) Obras públicas de beneficio general quando assim o determinarem os

respectivos conselhos municipais. No procedimento para a liquidação da Contribuição se reconhecia, em primeiro lugar, as dificuldades que confrontavam os cadastros municipais em matéria de sua formação e atualização, de maneira que o proprietário ou possuidor podia recorrer à atualização da avaliação cadastral procurando com isso reduzir o maior valor que serviria de apóie para sua liquidação. Em segundo lugar, a decisão incorporada no artigo 109 quanto a que o Estado participaria só com uma terceira parte desse maior valor pretendiam, à luz do critério de elasticidade da cobrança, viabilizar a participação nas mais-valias antes que desmoralizar o instrumento com alguma pretensão maior que dificultasse seu pagamento:

Artigo 109. Para liquidar a Contribuição de Desenvolvimento Municipal, o maior valor real do terreno se estabelecerá pela diferença entre uma avaliação final e outro inicial. Como dedução lhe aplicará uma proporção da avaliação inicial igual a aquela em que se incrementou o índice nacional médio dos preços ao consumidor, ocorrido durante o período compreendido entre as duas avaliações. Quando existir a capacidade técnica poderá encomendá-la estimativa da mais-valia de que trata o presente artigo ao Instituto Geográfico Agustín Codazzi e aos escritórios de Cadastro de Bogotá, Cali, Medellín e Antioquia. Estas determinarão o maior valor por metro quadrado de terreno produzido pelos fatos geradores de mais-valia. Ao fazê-lo, terão em conta os custos históricos da terra e as condições gerais de mercado. Este valor se ajustará anualmente segundo os índices de preços e as condições do mercado imobiliário para as zonas valorizadas. O maior valor liquidado se dividirá por três (3) e a terceira parte resultante, será o montante da contribuição. Para estabelecer a soma por cobrar, do montante se descontarão os pagamentos efetuados durante o período compreendido entre a ocorrência do fato gerador e o momento da captação do benefício, por conceito do imposto predial e suas sobretaxas, da contribuição ordinária de valorização e do imposto de estratificação socioeconômica. Parágrafo 1o. Como avaliação inicial se terá o que figure para os terrenos na avaliação cadastral vigente no momento de produzir o fato valorizador. Entretanto, o proprietário ou possuidor poderá solicitar, dentro dos noventa dias seguintes a atualização da avaliação cadastral. Como avaliação final se terá o administrativo especial que pratique o Instituto Geográfico Agustín Codazzi ou a

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autoridade cadastral, em relação aos mesmos terrenos, na data da captação do benefício. Parágrafo 2o. Na atualização da avaliação inicial que figure no cadastro, a entidade competente não terá em conta o efeito de maior valor produzido pelo fato gerador da mais-valia. Parágrafo 3o. A liquidação poderá ser impugnada pelo contribuinte ou pelo personero, nos mesmos términos e procedimentos estabelecidos pelo artigo 9o. da Lei 14 de 1983.

Mas a medida mais controvertida que introduziu a Reforma Urbana foi à

extinção do domínio e, por seu transcendência para o desenvolvimento urbano das cidades, desencadeou dois efeitos: o de mais fundo impregnado, o de caráter estrutural, é que pôs no centro da discussão os supostos direitos de propriedade sobre o solo urbano que reclamavam os latifundiários e que, ulteriormente, será esclarecido com a Constituição Política de 1991. O de caráter conjuntural, motivado pela possibilidade de que o Estado começasse a empregar esse instrumento e iniciar processos de extinção de domínio, causou pânico entre alguns latifundiários e rapidamente contagiou os outros proprietários. A reação de alguns destes, os menos informados, foi tirar o mercado seus terrenos ainda cedendo a algumas de suas expectativas de valorização como contrapartida do novo fator de risco introduzido pela Reforma Urbana. Conforme se pode coligir para o caso de Bogotá, a quebra de onda de terrenos em venda que se desencadeou chegou num momento no que a queda nos preços reais do solo para capas de ganhos altos e médios já levava dois anos e que se prolongaria até 1991, ano de promulgação da Nova Constituição Política da Colômbia.

Embora não se dispõe de estatísticas precisas neste momento, há algumas evidencia de que uma porção significativa destes terrenos foi parar à mãos do capital estructurador urbano pois, de uma parte, era o que tinha a capacidade certa de demonstrar o início de sua urbanização , como também possuía o capital potencial para sua edificação e, com isso, podia entorpecer e até anular a declaratória de extinção de domínio. Mas, além disso, possuía também um acumulo de capital social capaz de ser mobilizado contra a extinção do domínio, já através das demandas jurídicas enxergadas nas altas Cortes ou já tentando desmoralizar à Reforma Urbana com a reedição das velhas práticas da Guerra Fria:

Em 1989, com o contribua dos diferentes proprietários de terras e construtores, e em representação do Fedelonjas, demandei a 9ª Lei no referente à extinção do domínio - contratando para o efeito a dois excelentes advogados, quem depois foi magistrados da Corte Constitucional-, mas perdemos. A Corte Suprema de Justiça - encarregada da guarda da Constituição naquele momento, já que a Corte Constitucional foi criada só na Constituição de 1991 - confirmou a extinção de domínio para assuntos urbanos, causando pânico entre os proprietários, que consideraram que tinha chegado o socialismo (Borrero 2003, p. 106).

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A declaratória da extinção de domínio na Reforma Urbana se vinculou à noção da função social de propriedade e a uma de suas representações sociais mais transcendentes que é a obrigatoriedade de urbanizar e construir o solo na cidade:

Artigo 79. Em desenvolvimento do princípio constitucional segundo o qual a propriedade tem uma função social que implica obrigações, todo proprietário de imóveis dentro do perímetro urbano das cidades está obrigado a usá-los e explorá-los econômica e socialmente de conformidade com as normas sobre usos e atendendo às prioridades de desenvolvimento físico, econômico e social contidas nos planos de desenvolvimento, ou nos planos simplificados, e em seu defeito, atendendo aos usos do solo que para estes fins estabeleça o Escritório do Planeação Departamental. Artigo 80. A partir da data de vigência desta lei, haverá lugar à iniciação do processo de extinção do direito de domínio sobre os seguintes imóveis que não cumprem com sua função social: a) Os imóveis urbanizáveis, mas não urbanizados, declarados pelo Câmara de vereadores, a Junta Metropolitana ou o Conselho Intendencial de São Andrés e Providência, mediante acordo, como de desenvolvimento prioritário em cumprimento do plano de desenvolvimento, e que não se urbanizem dentro dos dois (2) anos seguintes a sorte declaratória. b) Os imóveis urbanizados sem construir declarado pela Câmara de vereadores, a Junta Metropolitana, ou o Conselho Intendencial de São Andrés e Providência, mediante acordo como de construção prioritária em cumprimento do plano de desenvolvimento, e que não se construam dentro dos dois (2) anos seguintes à sorte declaratória.

Dentro dos instrumentos reativos da Reforma Urbana se incorporou, entre

outros, os Bancos de Terra, a integração imobiliária e o reajuste de terras. Para superar os problemas impostos ao desenvolvimento urbano das cidades pela fragmentação do solo, a lei determinou que com sua utilização se perseguisse “englobar diversos lotes de terreno para logo subdividi-los em forma mais adequada e dotar os de obras de infra-estrutura urbana básica, tais como logradouros, parques, redes de aqueduto, energia elétrica e telefones”. Embora a idéia de “subdividi-los em forma mais adequada” admite várias interpretações, muitas delas insustanciais, o que se estava claro é que as mencionadas segmentações entrababam a provisão dos bens públicos acessibilidade e habitabilidade e, colateralmente, a distribuição eqüitativa dos ônus e benefícios que isso representa.

O 2º artigo da Lei 9ª de 1989 obrigou a que nos planos de desenvolvimento municipal se incorporassem as cessões obrigatórias gratuitas que são as porções de solo urbano que os latifundiários e construtores imobiliários “têm o dever de ceder com destino à conformação do espaço público, os equipamentos e as vias que permitem dar efetivamente suporte urbano ao desenvolvimento imobiliário” (Pinilla 2003, p. 246). A ambivalência da noção foi aproveitada pelos latifundiários e construtores como argumento para tentar desmoralizar o instrumento:

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a gratuidade a assimilava a uma doação que naturalmente devia ser voluntária e não obrigatória, de maneira que qualquer cessão obrigatória e sem aparente contrapartida era interpretada por eles como uma expropriação encoberta sem indenização. Estas cessões foram objeto de uma das tantas demandas de inexequibilidade constitucional e/ou de ilegalidade a que foi submetida a Lei 9ª de 1989, agenciadas pelo bloco de latifundiários urbanos e de grandes estructuradores urbanos organizados na Federação de Lonjas de Propriedade Raiz e no Camacol. Nesse mesmo ano, a Sala Plena da Corte Suprema de Justiça, com inusitada claridade e celeridade, proferiram a falha que foi contrária às aspirações dos demandantes:

É de supor por outra parte, que o preço das bandagens ou porções de terreno objeto das “cessões obrigatórias gratuitas”, reflui ao final no preço do terreno restante que aumentará de valor por causa ou motivo das obras de urbanização a empreender-se pelo particular. Por isso, para o proprietário não resulta inteiramente gratuito na prática o ato de alienação que a norma acusada impõe exigência esta que se cimenta na faculdade de controle urbanístico do Estado, vasto campo ao que se vem estendendo a noção de ordem pública” (Pinilla 2003, p. 247).

Quer dizer que, em términos comparativos, por causa de tais cessões o

solo urbano remanescente para a edificação adquire um preço de mercado maior ao que potencialmente teria aquele aonde não se realizam, por isso esse maior valor é a compensação exigida como se se tratasse de um ato de alienação voluntária. Esta forma de compreender a natureza do solo urbano como um bem composto de forma inseparável pela porção construível e a porção pública é decisiva na estruturação intra-urbana das cidades e mais ainda, como o previu a Corte ao vincular sua decisão com a noção de ordem pública, é crucial no processo para instituir a cidadania. Mas, se as cessões são pagas como se se tratasse de uma alienação voluntária da que derivavam lucros extraordinários, o que motivava aos latifundiários, construtores e estructuradores a opor-se tão ferreamente a sua institucionalização? A resposta é que a institucionalização das cessões se constituiria como a principal barreira para a introdução no mercado de uma das inovações que reportará maiores lucros ao capital estructurador urbano e que tem como condição a apropriação privada das mesmas: a produção residencial em conjuntos fechados.

Com a promulgação da Lei 9ª de 1989 na Colômbia se começou a superar alguns dos escolhos que impediram às cidades colombianas contar oportunamente com os instrumentos de intervenção e com os acertos institucionais para fazer frente à flagrante ilegitimidade que acompanhou a acumulação de capitais imobiliários ao amparo do laissezferismo impuro.

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A diferença do ocorrido com antecedência quando algumas entidades estatais se encarregaram de induzir dinâmicas de especulação urbana como conseqüência de sua intervenção urbanística, no interlúdio que se inicia se conheceu dinâmicas de especulação pura surtas da espontaneidade do capital estructurador urbano para antecipar a participação do Estado nas mais-valias urbanas como à restituição do direito de construir às cidades. Embora alguns dos instrumentos da Reforma Urbana não foram adequadamente desenhados, pois, de fato, em alguns casos eram virtualmente inaplicáveis, com ela se abriu um espaço político para o debate sobre a natureza, o sentido e a necessidade dos mesmos. É o início de um período no que se começa a entender os impactos que, para a macroeconomia urbana, têm os lucros extraordinários captados pelos agentes imobiliários que se especializam na antecipação das decisões urbanísticas do Estado. É o preâmbulo de uma renovada discussão sobre o papel das políticas urbanas e a função social da propriedade sobre o solo urbano que terá lugar, em princípio, na Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça e, seguidamente, no marco da Assembléia Nacional Constituinte que promulgou a Nova Constituição Política de 1991.

São precisamente nesta última em que se elevam a um patamar constitucional os princípios que orientam a regulação do ordenamento territorial: a função social e ecológica da propriedade, a prevalência do interesse geral sobre o particular e a distribuição eqüitativa dos ônus e benefícios da urbanização, assim como também a participação do Estado nas mais-valias que gere sua ação urbanística.

As incertezas que gerava a maneira como as cortes resolveriam à avalanche de demandas que questionavam a constitucionalidade e/ou legalidade de 94 dos 127 artigos da 9ª Lei de 1989 (Pinilla 2003, p. 241) e que eram agenciadas pelos grandes latifundiários urbanos e pelos estructuradores urbanos ocasionou, que estes últimos contiveram suas decisões de construir à espera da resolução e clarificação dos novos acertos institucionais urbanos. Tais decisões conduziram à construção civil a uma fase de estancamento durante a qual a estrutura da produção do espaço edificado na Colômbia revelou, no primeiro nível da hierarquia de cidades, a tendência à concentração da atividade em Bogotá. Ela guarda uma estreita relação, segundo esta aproximação, com a amplitude do mercado imobiliário bogotano. Na Bogotá os riscos de demanda são menores que nas cidades de mais baixa hierarquia, pois, de fato, o volume médio de cada empreendimento imobiliário é notavelmente superior ao do resto de cidades, fatores inerciais que são retroalimentados pela confluência espacial de outros dois fatores decisivos para a

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dinâmica imobiliária: a desregulação urbana e um maior grau de maturidade que alcançavam os grandes capitais imobiliários.

Figura 5.3

Áreas licenciadas e entregas de cimento, Colômbia 1986-2003

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A um segundo nível em tal hierarquia, é evidente a substituição que em matéria de produção do ambiente construído começa a alcançar Cali diante do Medellín, fenômeno que já se evidenciou em matéria da urbanização da população. No entanto, a dinâmica e a especialização da configuração metropolitana no Vale do Aburrá é a mais clara do país: a já assinalada importância de Bello em matéria de crescimento populacional para a Colômbia se complementa com uma participação importante do Envigado na produção de bens residenciais e do Rionegro e Itagüí em bens não residenciais. As estatísticas da Tabela 5.5 exibem estes e outros rasgos que nos induzem a nos afastarem da hipótese da quadricefalia como são a consolidação da dinâmica imobiliária residencial na conurbação Bucaramanga-Floridablanca e a aparição de outras dinâmicas relevantes para o sul do país que, embora intermitentes, são sintomáticas da crescente importância que para essa região continuam cobrando Ibagué e Pasto. O estancamento da construção civil implicou uma contração nos preços do solo durante o quatriênio que, para o caso da

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residência de estratos altos nas grandes cidades, estimamos em perto de 12,9% em términos reais.

Tabela 5.5 Dez cidades com a maior participação nas áreas licenciadas para a construção de

bens residenciais e não residenciais, Colômbia 1986-1991

Bens Residenciais Bens Não Residenciais Cidade Área % Cidade Área %

Bogotá 15.415.776 36,7 Bogotá 3.408.713 26,5 Cali 5.733.101 13,6 Medellín 2.124.269 16,5 Medellín 4.012.432 9,6 Cali 1.354.672 10,5 Bucaramanga 966.758 2,3 Pereira 377.232 2,9 Pereira 873.311 2,1 Yumbo 376.822 2,9 Cartagena 802.639 1,9 Barranquilla 364.444 2,8 Ibagué 658.406 1,6 Bucaramanga 351.360 2,7 Barranquilla 653.652 1,6 Rionegro 340.504 2,6 Envigado 641.660 1,5 Itagüi 339.671 2,6 Manizales 603.374 1,4 Ibagué 283.640 2,2 Resto 11.651.384 27,7 Resto 3.541.837 27,5 Total 42.012.493 100,0 Total 12.863.164 100,0 Fonte: Cálculos do autor com base em estatísticas do DANE

A Corte Suprema de Justiça resolveu com notável celeridade a maior parte das demandas apresentadas contra a constitucionalidade da Lei 9ª de 1989 e boa parte das questões decisivas foram resolvidas pela Sala Constitucional e suas decisões foram referendadas em Sala Plena antes de finalizar 1989. A maneira de exemplo, a demanda contra a extinção de domínio resolveu por sentencia de 14 de setembro e a das cessões obrigatórias gratuitas em 9 de novembro, ambas negando as pretensões dos demandantes e declarando ajustado seu conteúdo à Constituição. Mas, entrado 1990, na Colômbia se experimentava uma grande agitação política motivada pela expectativa de modificação da centenária Constituição de 1886 que impulsionavam os promotores da “sétima papeleta” e que triunfaria nas urnas no mês de maio. A vitória do candidato liberal César Gaviria chegou junto com o mandato do povo de promover as eleições para a conformação da Assembléia Nacional Constituinte, cuja ulterior instalação implicou o fechamento temporário do Congresso da República.

É nesse lapso transcorrido entre a expedição da 9ª Lei e a promulgação da Constituição Política de 1991 no que as sentenças que proferiu a Corte Suprema de Justiça permitiram acumular uma rica jurisprudência em relação com a função social da propriedade do solo. Com elas a Reforma Urbana experimenta notáveis

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avanços chegando inclusive a afirmar-se que é nesse material que se encontra a origem do direito urbanístico colombiano com âmbito próprio de atuação jurídica e com especificidades diante de seu precursor, o direito administrativo (cf. Pinilla 2003). Por força do novo acerto constitucional, a extinção do domínio desapareceu do direito urbanístico colombiano, pois, segundo o artigo 58 da Constituição de 1991, em adiante se garantirá tanto a propriedade privada como os direitos adquiridos dos particulares, mas o interesse público sobressairá sobre o privado nos casos em que entrarem em conflitos tais direitos com os da sociedade; adicionalmente, se a propriedade for uma função social isto faz com que a propriedade derive também em obrigações.

Artigo 58. Garantem-se a propriedade privada e outros direitos adquiridos com arrumo às leis civis, os quais não podem ser desconhecidos nem vulnerados por leis posteriores. Quando da aplicação de uma lei expedida por motivos de utilidade pública ou interesse social, resultarem em conflito os direitos dos particulares com a necessidade por ela reconhecida, o interesse privado deverá ceder ao interesse público ou social. A propriedade é uma função social que implica obrigações. Como tal, é-lhe inerente uma função ecológica. O Estado protegerá e promoverá as formas associativas e solidárias de propriedade. Por motivos de utilidade pública ou de interesse social definidos pelo legislador, poderá haver expropriação mediante sentencia judicial e indenização prévia. Esta se fixará consultando os interesses da comunidade e do afetado. Nos casos que determine o legislador, dita expropriação poderá adiantar-se por via administrativa, sujeita a posterior ação litigioso-administrativa, inclusive em relação ao preço.

De forma complementar, elevou-se a fila constitucional a participação do

Estado nas mais-valias que gera sua ação urbanística, além da regulação do uso de solo e do espaço aéreo urbano que invadem as construções em altura:

Artigo 82. É dever estado velar pelo amparo da integridade do espaço público e por seu destino ao uso comum, o qual prevalece sobre o interesse particular. As entidades públicas participarão da mais-valia que gere sua ação urbanística e regularão a utilização do solo e do espaço aéreo urbano em defesa do interesse comum (Constituição Política da Colômbia, 1991).

Os construtores e latifundiários urbanos agremiados, que seguiam de

perto os debates ao interior da Assembléia, tiveram, além disso, a oportunidade de expressar sua opinião em contrário, sendo seu argumento central a existência de uma contradição lógica entre a noção da função social da propriedade e a do direito de propriedade que deveria resolver apregoando a Constituição esta última. A intenção do argumento minimalista pôs em evidência que os diretores de tais grêmios continuavam apegados às práticas da Guerra Fria. Em contraste com a

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escassa sofisticação argumental dos grêmios, os constituintes da Partida Conservadora aos que se somaram alguns liberais de direita recorreram às razões jus naturalistas - individualistas que, de qualquer forma, foram derrotadas pelas teses das facções progressistas da Partida Liberal. Renovada-a visão do acerto constitucional desatou uma nova etapa das práticas anticipativas do capital estructurador urbano, pois, depois de promulgado, só esperava a expedição da Lei que o desenvolvesse e que as cidades definissem o conteúdo econômico da propriedade, ou seja, que os Planos do Ordenamento Territorial estabelecessem os usos do solo e o direito de construir sobre este: os estruturadores urbanos organizados sabiam que tal direito de construir, desligado do direito de propriedade, retornaria a seu legítimo possuidor - a cidade - e só ficava por esclarecer o tempo em que isto se concretizaria.

No plano financeiro a administração Gaviria mostrou desde bem cedo seu desconforto com os mecanismos de regulação e controle financeiro existente e seu interesse por introduzir uma reforma liberalizadora. Antes que esta última ocorresse e com a benevolência da Superintendência Bancária, a regulação que operava sobre a variação máxima do valor da UPAC desde agosto de 1974 - ver Tabelas 5.2 e 5.4 - e que se violou só em uma ocasião -abril de 1975 -, passou a violar-se de maneira sistemática. Como se pode verificar na Figura 5.4, tal violação ocorreu entre novembro de 1990 e junho de 1992, alcançando diferenças consideráveis que se maximizaram em outubro de 1991, período durante o que introduziram as mais fortes modificações ao critério de indexação - ver Tabela 5.4-.

A permissividade e lassidão no controle financeiro que caracterizou esse lapso ocasionaram o incrementou ilegal do montante das dívidas hipotecárias e da margem de intermediação das CAV. Além de ficar em evidência que se tratava de um Estado que atuava por omissão, esta prática se constituiu no preâmbulo à reforma que debilitará a credibilidade do público no contrato de crédito hipotecário pelo sistema UPAC. O ambiente neoliberal da época favoreceu tal permissividade e lassidão. O Ministro da Fazenda, figura pragmática em que se idealizavam os princípios do Estado mínimo e a desregulação estatal, promoveu também o retiro voluntário da administração pública dos funcionários estatais e defendeu o modelo de Banca Central Independente. Não obstante, em uma conjuntura fiscal precária opto por endividar novamente ao nível central do governo para pagar a reforma o que implicava, na prática, renegar do Banco Central Independente ao recorrer à emissão primária para desculpar o déficit das finanças públicas.

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Figura 5.4 Variação (%) anual observada e máxima do valor da UPAC, Colômbia 1974-1993

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Como parte de sua reforma liberalizadora, a administração Gaviria introduziu importantes modificações às entidades estatais que orientaram a política de moradia de interesse social para adequá-las aos novos instrumentos: a outorga do subsídio direto à demanda e a exposição dos lares de ganhos baixos às vicissitudes do mercado do crédito hipotecário que se moravam. Sobre esse último aspecto, no 4º inciso da 9ª Lei de 1989 se desenhou um esquema cujas regras procuravam compatibilizar o comportamento do ingresso dos lares com o esforço financeiro que deviam realizar para adquirir a moradia:

Entende-se por sistema de financiamento de moradia de interesse social aquele cuja taxa de juro anual não exceda a percentagem do último reajuste do salário mínimo e seu incremento anual de cotas de amortização não supere cinqüenta por cento (50%) do mesmo índice de reajuste.

Esse acerto foi derrogado pela Lei 3ª de 1991 em que igualmente se criou o Subsídio Familiar de Moradia como uma soma em dinheiro ou em espécie com a que os lares pobres receberiam do Estado para facilitar a aquisição da moradia. Para o governo Gaviria essa decisão era “o desenvolvimento lógico de um processo

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que se gerava há quatro anos” com a que se procuraram novas regras para compatibilizar o sistema:

Se o contribua se utiliza para complementar a cota inicial das famílias, a operação permitiria, graças ao menor montante da dívida, diminuir a velocidade de crescimento das cotas de amortização ao tempo que arrojaria um menor risco às corporações pela drástica diminuição da relação divida/garantia. Desta forma, a combinação UPAC - Subsídio gera a harmonia entre o objetivo social e a racionalidade financeira necessária para que o esquema perdure. Assim se consegue adequar o sistema UPAC, às características de nível e estabilidade dos ganhos dos estratos populares (Documento Conpes do Programa Nacional de Moradia 1990-1994).

O sistema financeiro foi liberado de qualquer compromisso com os programas de moradia de interesse social, pois os créditos hipotecários em adiante ficariam sujeitos às regras com que operaria o opaco sistema indexado; posteriormente o sistema sofrerá um ajuste já que a conformação da cota inicial das famílias deverá ser administrada pelos bancos nas contas de economia programada. Ao finalizar os primeiros quatro anos do novo sistema, os resultados em matéria de cumprimento de metas eram julgados como positivo pelo governo entrante: da construção de 500.000 soluções de moradia prometidas às famílias necessitadas se teriam alcançado a construir o 61,6%, enquanto que o 42,2% se haveria beneficiado com o subsídio direto. Dentro das modalidades das moradias de interesse social às que se dirigiram os subsídios, a maior proporção (44%) correspondeu aos lotes com serviços, modalidade que exige a prolongação da jornada de trabalho ou a participação de mais membros da família ao mesmo para levantar a edificação. 5.2 O laissezferismo impuro e a permissividade urbanística em Bogotá

Faltado-los intentos de origem partidários para dotar às cidades colombianas dos instrumentos de planejamento, gestão, regulação e financiamento do desenvolvimento urbano, sumiram à urbanização da população colombiana em um processo mais infeliz que no passado. De fato, confluíram nos territórios metropolitanos as novas propostas de vizinhanças alavancadas com o caudal de recursos financeiros da UPAC e a conseqüente ampliação das necessidades de solo urbano surtas da pressão da demanda agora solvente com o dinheiro do crédito hipotecário. Neste marco, a primazia populacional de Bogotá está correlacionada positivamente com sua participação nos mercados imobiliários e hipotecários nacionais, que vai oscilar na fila compreendida entre 45 e o 50%, o que é reflexo do poder expansivo dos mercados que operam na metrópole. A nova demanda de solo urbano se supriu com maiores esforços coletivos que se captam no incremento

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incessante dos saldos da dívida pública da cidade, enquanto que as cobranças tributárias experimentam uma notável erraticidade.

No plano da ação coletiva urbana, Bogotá dá início durante esse período a um dês-acompasamento e em ocasiões autonomização das normas nacionais, erigindo-se quase em um enclave regulatório urbano, pois, enquanto que no país se celebra a promulgação da Reforma Urbana por volta de 1989 e as declaratórias de constitucionalidade por parte da Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça por volta de 1990, nesse mesmo ano se adota em Bogotá um estatuto de notória permissividade urbanística através do quais os estructuradores urbanos, no fundamental, vão se apropriarem sem maiores esforços dos índices de aproveitamento do solo urbano incrementados pela intervenção pública estatal fornecedora de bens públicos urbanos: é a maturidade do laissezferismo impuro. 5.2.1 Bens públicos urbanos A diferença do período precedente - 1950-1972 -, a erraticidade na cobrança dos tributos é maior que no período anterior e, de maneira coetânea, a que experimentava o saldo da dívida pública diminui de maneira sensível. Isso indica que os esforços coletivos para a provisão dos bens públicos urbanos se incrementaram sem que tenha ocorrido uma resposta semelhante nos tributos, particularmente os da propriedade, pois embora tenham experiente uma tendência crescente, tal como se ilustra na Figura 5.5, tais esforços deveriam ter contribuído notoriamente a contrair a erraticidade de seu comportamento. Analisado esse comportamento ao lado do saldo crescente da dívida pública, indica que durante o período a moeda crédito com a que se financiou a provisão dos bens públicos urbanos também alavancou a acumulação do capital estructurador urbano e, com isso, a consolidação do laissezferismo impuro.

Este foi um período de auge do endividamento externo. Enquanto que no anterior a dívida pública externa representou em média o 34,8% do saldo da dívida pública total da cidade, em este alcançou o 78,1%. As estratégias de colocação dos bancos multilaterais como pequenas doações aos entes territoriais, promoveram um surto de endividamento público externo que será cobrado nos oitenta com um incremento na taxa de juro, desvalorização e imposição de cláusulas exorbitantes como a das comissões de pré-pago do crédito. Muitos projetos bancados com crédito externo se estimaram superdimensionados para as necessidades da época e as vindouras e, em outros casos, esses mega-investimentos exigiam outras adicionais para sua adaptação urbana.

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Figura 5.5 Velocidade do crescimento do saldo da dívida pública e dos ganhos tributários,

Bogotá 1950-1991 (Diferença dos logaritmos)

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1987

1989

1991

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Fonte: Cálculos do autor com apoio nas estatísticas da Secretaria da Fazenda Distrital

5.2.1.1 Acessibilidade

A provisão das condições de acessibilidade urbana começou em este período com uma intervenção estatal de profundo conteúdo social que modificou de maneira substancial a estrutura residencial herdada do período anterior que se ilustra no Mapa 5.3. A aglomeração popular ao redor do Passeio Simón Bolívar na zona centro oriental da cidade que, como se analisou conduzia uma crescente mescla social no Centro Histórico de Bogotá foi intervinda em 1973 com a construção de uma rua cujo paramento se ampliou a 7,2 metros, o que implicou o desalojamento dos residentes em seu entorno e em uma longitude de 13 quilômetros. Isso aconteceu porque essa aglomeração gerava externalidades de vizinhança negativas que se julgavam inaceitáveis para as famílias de altos ganho coordenadas pela convenção do poder,

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Mapa 5.3 Acessibilidade urbana emergente e estrutura de Bogotá em 1970

Fonte: Cuéllar y Mejía 2007, p. 135

A zona sul da cidade acolhe por então algo mais de 30% da população residente na cidade e as ações urbanas curativas tornaram-se cada vez mais freqüentes. Quanto à acessibilidade urbana, a Avenida 1º de Maio constituiu o foco da intervenção estatal desde 1972 até 1984, com periódicas e interrompidas obras em trajetos que prometiam sua extensão e contigüidade até os extramuros no limite surocidental da cidade.

No entanto, o verdadeiro interesse se focalizou para a interconexão viária entre o surocidente e o norocidente da cidade, pois eram estas zonas, especialmente as do norte, as que tinham a maior quantidade de solo urbano sem urbanizar com potencialidade para atender as demandas residenciais surtas com a nova demanda solvente lançada ao mercado imobiliário residencial pela UPAC. As condições de habitabilidade já tinham sido providas no período anterior em razão da anexação dos municípios circunvizinhos, mas as de acessibilidade confrontavam sérias precariedades.

Duas intervenções se sobressaem em esse aspecto, a Avenida Boyacá e a Avenida Cidade da Quito. A primeira se começou a construir por volta de 1972

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com um trajeto compreendido entre a Rua 59, a Avenida Eldorado e a então Avenida Circunvalar do Sul para, posteriormente, estender-se para o norocidente de Bogotá até seus trajetos conclusivos à altura da Avenida Suba com Rua 170 e o trajeto da Ibéria que se terminou por volta de 1991. Por sua parte, a Avenida Cidade da Quito se começou a construir em 1972 com o trajeto localizado na Auto-estrada Norte em direção da Rua 68 para concluir por volta de 1976 na Avenida dos Comuneros com Rua 13 que complementou as obras realizadas à altura da Avenida das Américas e do Passeio dos Libertadores. De maneira complementar, a Avenida das Américas cuja construção data de 1947, se interconecto a essas novas vias facilitando os desenvolvimentos em Bandeiras e Ponte Aranda, principalmente.

Como se aprecia no Mapa 5.4, novas vizinhanças se fizeram possíveis e, entretanto, foram às obras do eixo centro nororiente da cidade as que continuaram sendo captadas pelos estructuradores urbanos como as de maior fonte de riqueza coletiva, pois, em efeito, as densidades de lançamentos assim o permitem verificar. Houve uma iniciativa para construir uma via de seis a oito sulcos e de paramento pronunciado na beira das colinas orientais do já intervindo Passeio Simón Bolívar até o nororiente da cidade e que se denominou como a Avenida dos Cerros. A reação inflamada da esquerda progressista agrupada em um movimento chamado Firmes foi decisiva para impedir sua realização que se julgava sobre estimada e desprovida de conteúdo social, a mais de seu elevado custo. Em troca, iniciou-se uma de menor paramento em 1981 conhecida como a Avenida Circunvalar, cujas obras concluíram dois anos depois que, de igual maneira, facilitou a intervenção dos estructuradores urbanos ao propiciar o lançamento de novas vizinhanças que terminaram por consolidar o eixo nobre da expansão residencial urbana bogotana. 5.2.1.1 Habitabilidade Duas grandes preocupações trazem o período em matéria de provisão das condições de habitabilidade urbana: a ampliação do caudal a distribuir ocasionado com a ampliação da demanda e, em segundo lugar, a convicção de que isto não se pode obter com a captação das águas do rio Bogotá:

De novo, a situação prevista do fornecimento de água apoiada fundamentalmente na Planta do Tibitoc e as considerações das dificuldades de seguir atendendo o incremento da demanda com as águas do rio Bogotá, determinaram que a empresa procurasse uma alternativa complementar, com características técnicas diferentes. Decidiu-se aproveitar águas de uma vertente vizinha, ao outro lado da cadeia de montanhas que delimitam a Savana de Bogotá, ao oriente, no que se conhece como o Aqueduto da Chingaza. Consiste em um grande empoce (Chuza), de 230 milhões de metros cúbicos, uma planta processadora (O Sapo), com uma capacidade inicial de tratamento de 14 metros cúbicos por segundo em

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sua primeira fase (sua capacidade final será de 22 m3/seg), e uma condução através da montanha que requer canais subterrâneos bastante custosos. As previsões são as de que esta obra permitirá atender o crescimento da demanda da cidade até o ano 2005 em sua primeira etapa (Jaramillo e Alfonso 1990, p. 14-15).

Essas previsões estiveram subestimadas, como ocorria em geral naquelas

obras que com respaldo no crédito externo se adiantavam pela época. O Banco Interamericano de Reconstrução e Fomento -o BIRF- foi muito eficaz na colocação dos recursos requeridos para o financiamento dos programas de expansão do sistema de aqueduto e rede de esgoto da cidade, ao passo que o discurso da sostenibilidade começou a difundir-se com representações técnicas e ingenierieis quase incontestáveis. As Nações Unidas, por exemplo, difunde um critério segundo o qual o risco de sostenibilidade das grandes aglomerações urbanas inerente à provisão da água potável deve ser atacado com obras que garantam uma dotação do dobro do caudal demandado. Esta é uma das razões pelas que as obras de adução, captação, tratamento e armazenamento da água para consumo humano são superdimensionadas e exigem um fluxo de financiamento externo mais abundante.

Por sua parte, as previsões não incorporam o efeito preço sobre o consumo dos lares que ocorre por incorporação à tarifa dos sobre custos do endividamento externo e que, irremediavelmente, vão ocasionar a moderação do consumo a costa de uma contração no orçamento familiar disponível para outros gastos. Quando isso ocorreu, o horizonte da previsão se ampliou implicando, além disso, um dês-balanço periódico nos fluxos de caixa da empresa. De forma paralela, os excessos de caudal tratado e armazenado requerem ser distribuídos e, com tal propósito, atacam-se novas obras de renovação e ampliação da rede matriz. Antes que isso ocorresse, apresentam-se alguns feitos que em ocasiões alcançam a magnitude do desastre quando a antiga rede não consegue resistir a pressão dos novos caudais nos que a energia cinética da água do Sistema Chingaza termina por fazer explorar a rede matriz, arrasando a vida dos passageiros dos veículos que transitavam por ali.

A rede matriz de aqueduto se ampliou em 136,5 quilômetros sendo o diâmetro ponderado de 34,4, algarismos menores aos alcançados no período anterior conforme se observa na Figura 4.1 fato que, além disso, indica a tendência descendente dos lucros que em adiante alcançará a gestão da Empresa de Aqueduto e Rede de Esgoto de Bogotá, consistentes com o caráter exponencial da função de produção da empresa. As obras de interconexão são comuns no sul da cidade e as de reforço da rede matriz o são no resto da cidade. As deficiências de conexões domiciliárias no sul da cidade se tornaram quase intoleráveis. Por isso,

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uma porção relevante da nova rede se orientou a desculpar esta fonte de segregação urbana, sem que isso tenha significado um desaprovisionamento relativo no resto da cidade, pois, como se aprecia no Mapa 5.4, o mencionado reforço cobriu tanto o centro da cidade como o ocidente, o nor-oriente e o nor-ocidente da cidade.

As maiores partes dessas intervenções no sul de Bogotá são de caráter reativo. A mais emblemática se realizou em 1987 e é conhecido como o Tanque do Céu localizado na zona de Jerusalém na Prefeitura Menor de Cidade Bolívar. “Essa “obra, construída por cima da cota de serviços da cidade, implicou estender 178,7 metros de tubos de sucção de 36”, 893,6 metros de tubos de impulsão de 30 e 642,6 metros de tubos de distribuição de 20” do Tanque Alto de Cidade Bolívar. A segmentação dos trajetos e a mesma localização desta intervenção em relação com a cota de serviços permitem inferir que os custos foram muito superiores aos da intervenção ativa e anticipadora do Estado, tais como o Tanque da Santa Ana no norte da cidade que, com uma extensão de 1.653,6 metros, permitiu o aproveitamento de economias de escala e, com isso, a diminuição dos custos da intervenção urbanística estatal. Outro tanto ocorreu em intervenções como Silencio-Casablanca (1987), a Linha O Tunal (1973), Silêncio - Vitelma (1986), a Linha a Suba (1986) e a Interconexão Rua 92 - Rua 129 (1973).

As novas dotações em matéria de condições de habitabilidade realizadas durante esse período pelo Estado, especialmente com as dotações de água potável para atender a demanda, transbordaram o horizonte do ano 2005 permitindo atender a um crescente número de lares que realizam um consumo racional do serviço de aqueduto em razão do alto nível alcançado pela tarifa, de maneira que se estimou seu alcance até perto do 2025, mas essa diferença de previsão de 20 anos se pagou com as restrições lhes pressuponha dos lares bogotanos, especialmente dos mais pobres a quem lhes restringiu o subsídio ao consumo entrados os anos noventa. 5.2.2 Ação coletiva urbana A ampliação das possibilidades de localização das famílias residentes em Bogotá tomou corpo no Acordo 7 de 1979, mediante o qual se formalizou a política de desenvolvimento da zona ocidental da cidade compreendida, como já se mencionou, entre o surocidente e o norocidente em um semicírculo cujo eixo continuou sendo o Centro da cidade que borda os Cerros Orientais. As intervenções urbanísticas em acessibilidade iniciadas sete anos atrás complementaram as já existentes em habitabilidade. Mas no Acordo 7 tomou corpo, pela primeira vez, o pacto de densificação e compactação da cidade ou, em outras palavras, a política de evitar a

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dispersão urbana ocasionada pelo crescimento horizontal que faz que a cidade se encareça para todos seus residentes:

As políticas urbanas do Plano estabelecidas no presente Acordo em seus aspectos físicos serão as seguintes:

o Estimular a utilização e densificação das áreas localizadas ao sul e ao ocidente da Cidade.

o Promover o incremento da densidade nas áreas desenvolvidas, assim como a densificação daquelas por desenvolver, a fim de obter por essa maneira um uso mais intenso do solo urbano e evitar a expansão horizontal da Cidade.

o Regulamentar o desenvolvimento urbanístico de áreas que possuam valor ambiental, ecológico, paisagístico ou agrológico.

o Estabelecer normas sobre usos de terreno e a intensidade destas, naquelas áreas que não possuam aptidão agropecuária ou florestal (artigo 10 do Acordo 7 de 1979).

A densificação das áreas desenvolvidas e por desenvolver

complementava normativamente a aspiração do desenvolvimento do rádio pendular que marcava o ocidente, sendo a zonificação de usos e a densidade de ocupação ali permitida os instrumentos da intervenção a ser empregados. Além de delimitar com exatidão o perímetro habitável e de incorporar a este os desenvolvimentos de moradia popular localizados na periferia da cidade, essa norma introduziu um padrão de habitabilidade relacionado com a área socialmente aceitável da moradia a que não poderia ter uma capacidade inferior aos 20 m2 de moradia por quarto. Essa premissa pretendia controlar o ajuste por quantidades de moradia que os construtores realizavam a fim de compatibilizar o orçamento familiar disponíveis para a moradia com os incrementos nos custos gerais, solo e materiais da construção, de sua produção.

Para meios de 1990 as políticas e normas sobre o uso da terra foram modificadas pelo Acordo 6 que, conformado por 547 artigos, contém o Estatuto para o Ordenamento Físico do Distrito Especial de Bogotá com o que se pretende orientar o ordenamento físico da cidade e de seu Espaço Público. São quinze as políticas de desenvolvimento urbano para Bogotá que contém o Acordo, sendo a que se refere à produção de solo construível a de maior transcendência, pois tenta incorporar a idéia de que daí se deriva riqueza com a que é possível fortalecer o capital público e que deriva, por óbvias razões, na regulação de sua apropriação pelo mercado imobiliário:

A incorporação como áreas urbanas dos setores das áreas de atividade agrológica que tenham perdido ou percam sua vocação como solos agrícolas e adquiram em troca vocação urbana, em virtude de sua acessibilidade, possibilidade de instalação e prestação de serviços públicos para o desenvolvimento de usos urbanos a custos razoáveis, cercania dos centros de trabalho, iminente integração com outras áreas urbanas e em geral, por causa de

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todos aqueles fatores que determinem que o uso urbano seja o mais indicado para satisfazer as necessidades sociais, acelerar a geração de riqueza, fortalecer e regular o mercado imobiliário e incrementar os ganhos fiscais do Distrito Especial de Bogotá (numeral 9, 8º artigo do Acordo 6 de 1990).

O Acordo perseguiu uma intervenção urbanística estatal ativa de maneira que a informalidade na ocupação do solo urbano que se tratava pela via da legalização não teria por que razão ser o mecanismo mais empregado, mas sim, pelo contrário, teria que ser em adiante a exceção. Essa idéia induz a acreditar que entre os planejadores da época já se tinha consciência de que os programas de legalização e similares não faziam mais que reproduzir e estimular a dinâmica da informalidade, assim estes programas sejam socialmente desejáveis. Em outras palavras, ficavam em jogo as políticas ativas para reduzir periodicamente as intervenções reativas. Não por acaso, o êxito dessas políticas lhe atribui à eficiência e à credibilidade do público nas entidades estatais encarregadas do controle urbanístico, pois, em efeito, os persistentes avanços na ocupação informal se atribuíam à omissão estatal:

Eficiência das instituições e organismos de controle e impulsão do desenvolvimento, assim como o fortalecimento ou recuperação da confiança pública nos mesmos, de maneira que se garanta uma ordenada transformação dos setores sem desenvolver, o amparo das áreas consolidadas, a utilização quieta e pacífica da propriedade imóvel com arrumo às normas sobre usos dos terrenos e edificações, ao plano de serviços públicos e de obras públicas e em geral, às regulamentações urbanísticas e o marchitamento paulatino da legalização como instrumento generalizado de definição do desenvolvimento, a fim de que se converta em instituição urbana de exceção (numeral 1, 10º artigo do Acordo 6 de 1990).

A necessidade de solo público se incorporou como um aspecto decisivo da nova normativa urbanística no Capítulo IX dedicado às cessões urbanísticas que, de novo, incorre na alusão à gratuidade como se em efeito fora um mecanismo de expropriação de solo sem retribuição alguma. Essa noção da gratuidade deu lugar a múltipla demanda de inconstitucionalidade ante o Tribunal Administrativo da Cundinamarca, o Conselho de Estado e a Corte Suprema de Justiça cuja Sala Constitucional, ao igual às outras instâncias judiciais, falharam em contra as pretensões dos demandantes levantados pelas Fatias de Propriedade Raiz e a Câmara Colombiana da Construção, criando com isso um precedente jurisprudencial de profundas repercussões para o ordenamento territorial:

Cessões obrigatórias gratuitas que formam parte do patrimônio dos bens de uso público no Distrito. Dentro das cessões obrigatórias gratuitas, destacam-se aquelas que estão destinadas a ingressar no patrimônio dos bens de uso público incluídos no espaço público da cidade. Serão cessões obrigatórias gratuitas com destino a incrementar o patrimônio de bens de uso público, as seguintes:

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1. Todas aquelas cessões ao espaço público que determinam a viabilidade de um projeto urbanístico específico, como são as vias locais, as cessões tipo A para zonas verdes e comunais e as áreas necessárias para a infra-estrutura de serviços públicos do projeto mesmo, independentemente de se existirem ou não zonas de reserva no prédio, das que tratam os capítulos anteriores.

2. Nos prédios afetados por vias do plano viário arterial são de cessão gratuita ao espaço público, além disso: A. As zonas de amparo ambiental das vias do plano viário arterial, não

incluída como parte da seção transversal da via, deduzida a porção delas computável como zona de cessão tipo A.

B. Uma proporção da área bruta do terreno a urbanizar, para o traçado da via artéria.

O montante das indenizações às que se refere o artigo 37 da Lei 9 de 1989, por causa das afetações viárias, deverá diminuir-se de maneira que ao estabelecê-lo se tenha em conta a cota de cessões obrigatórias gratuitas de que trata o presente Numeral, as quais não podem ser fontes de obrigações indenizatórias a cargo do Estado. As demais cessões para o uso público, ou para o espaço público de propriedade pública, serão objeto de negociação ou expropriação entre os particulares e as entidades públicas, seguindo os procedimentos estabelecidos pelo capítulo 3 da Lei 9 de 1989 (artigo 149 do Acordo 6 de 1990).

Para a conformação do sistema viário arterial se previu uma cessão de 7% da área bruta de terreno enquanto que o artigo 426 estabeleceu que tais cessões em tratamentos de desenvolvimento para uso residencial não seriam inferiores aos 17% nem superior aos 25% da área nítida urbanizável, cifras mais razoáveis que as proibitivas que se estabeleceram em 1961. Entretanto, as pretensões dos ideólogos do Acordo 6 de rebater pela via da ação coletiva o auge da ocupação informal ficaram apagadas com as pálidas medidas em matéria de produção de espaço edificável para usos residenciais das classes populares de Bogotá. Como fica em evidencia no terceiro parágrafo do artigo 170, introduziu-se a permissividade urbanística ao eliminar “o cumprimento de todos os pressupostos” o Acordo previa para o adequado funcionamento dos usos urbanos do solo. De maneira paradoxal e contraditória ao espírito das políticas pretendidas pelo Acordo 6, o último parágrafo do 170ª artigo lhe atribui um papel crucial aos programas de melhoramento que acontecem aos de legalização em matéria do lucro de maiores patrões urbanísticos e de sociabilidade nas zonas populares de Bogotá objeto destas intervenções:

pré-requisitos para o funcionamento dos usos urbanos. Os usos permitidos nas áreas de atividade e zonas dentro da área urbana do Distrito Especial de Bogotá não poderão funcionar a não ser quando se tiver concluído o processo de urbanização dos terrenos e a construção das edificações adequadas para os usos permitidos. Tais edificações deverão contar com serviços públicos instalados e em condições de ser emprestados, todo isso de conformidade com as licenças de urbanismo e construção regularmente expedidas, nas quais devem ficar estabelecidas as obrigações de proprietários, urbanizadores, construtores e demais interessados,

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de maneira que se garanta a viabilidade ou aptidão das estruturas e edificações para o funcionamento dos usos permitidos. excetua-se do anteriormente estabelecido, o funcionamento dos usos urbanos nos bairros, assentamentos ou desenvolvimentos que sejam objeto de legalização , caso no qual os usos urbanos poderão funcionar com arrumo aos atos administrativos mediante os quais se adote a regulamentação urbanística da zona, bairro, assentamento ou desenvolvimento legalizado, ainda sem o cumprimento de todos os orçamentos de que trata o presente artigo. A viabilidade das estruturas dos bairros, assentamentos ou desenvolvimentos legalizados se obterão paulatinamente através dos programas de habilitação e regularização que se adotem dentro do processo de melhoramento (artigo 170 do Acordo 6 de 1990).

Com esta medida os urbanizadores piratas receberam licença do Estado para imputar ao preço do solo para os lares pobres a promessa da chegada de sua ação remedial, pois os programas de habilitação e de regulação para o melhoramento lamaçal ficaram incorporados a uma ação coletiva urbana de caráter reativo e, com isso, os mercados informais se fortaleceram. Esse regime de exceções à urbanização dos terrenos não implica meramente a lassidão e a tolerância do Estado a não ser, além disso, sua omissão e ainda impulsiono ao emprego de mecanismos de espoliação das famílias de ganhos baixos da cidade: já em 1990 se detectaram 247 mil desenvolvimentos clandestinos que abrangiam 547 mil hectares (Hataya et. al. 1994, p. 35) e que, em adiante, expandiram-se a uma maior velocidade levantada pela permissividade urbana do Acordo 6. Mas a esse regime de exceções também se incorporou a norma específica do aproveitamento do solo que sugere a permissividade de alturas de exceção que, com origem na exposição de motivos dos estruturadores urbanos, permite um maior aproveitamento do solo com a edificação de outros volumeis (acessos e isolamentos) e de estacionamentos, além de outros paliativos como a proibição da interferência na visual para as Colinas Orientais, principalmente; quer dizer, para o eixo de expansão nobre da cidade. O pacto de densificação e compactação consignada no 10º Artigo assumiram a forma do aproveitamento de maiores direitos de edificabilidade pelos estructuradores urbanos sem entrega onerosa por parte do Estado que os criou:

Alturas. Sobre alturas se estabelecem as seguintes regras para os efeitos de adotar as normas específicas: Como princípio geral, os decretos de atribuição de tratamento estabelecerão as Alturas Básicas permitidas no setor objeto de regulamentação. Outras alturas permitidas, já sejam inferiores ou superiores às alturas básicas se denominam alturas de exceção, as quais também devem ser determinadas nas normas específicas, ao igual aos motivos de exceção que possam dar lugar a sua aprovação. 1. As alturas de exceção que solicitem os interessados poderão ser negadas

pelo Departamento Administrativo do Planeação Distrital, com fundamento em razões de inconveniência urbanística.

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2. A concessão de alturas máximas está sujeita à possibilidade de cumprimento das demais normatiza específicas, em particular as outras exigências de volumetria e os requisitos de estacionamentos.

3. No tratamento especial de preservação do sistema orográfico, as alturas não podem entorpecer a perspectiva visual das colinas da área urbana principal.

4. As alturas máximas permitidas em um setor se estabelecerão em função do largo das vias e em geral de todos os elementos de idoneidade do espaço público e das redes de serviços públicos, elementos que prevalecem sobre aqueles que caracterizam as edificações existentes na maçã.

Em setores para os quais se definiram limites de densidade, a maior altura permitida poderá estabelecer-se como alternativa volumétrica para uma mesma solução de densidade residencial, mediante o aumento das áreas mínimas de moradias permissíveis. As variações em altura dentro de um setor deverão manter a densidade permitida para o mesmo, mediante o manejo diferenciado das áreas mínimas permissíveis para a moradia em relação com as alternativas volumétricas (artigo 449 do Acordo 6 de 1990).

O árduo trabalho que significou configurar um exaustivo estatuto de 547 artigos terminou impulsionando dinâmicas ineqüitativas de distribuição da riqueza criada ao calor do processo de estruturação residencial urbana. Os estruturadores urbanos formais ficaram facultados para aproveitar alturas de exceção sem nenhuma retribuição alguma ao Estado, aos clandestinos o Acordo 6 limpou o mercado das promessas sobre a futura intervenção curativa do Estado e, com isso, terminou-se facilitando a espoliação dos lares pobres. 5.2.3 Estrutura residencial urbana Em matéria do tipo de bem residencial produzido formalmente, a forma dominante no período anterior, o lote urbanizado sobre o que os estruturadores urbanos levantavam residências encarregadas pelas famílias de ganhos médios altos e altos, entrou virtualmente em desuso conforme se observa na Figura 5.6, ao passo que os edifícios de apartamentos com fachada à rua (51,7% da residência nova lançada no período) e, em conjunto fechado (16,0%), substituíram-lhe, mutação auspiciada pelo novo caudal de recursos financeiros com os que o recém criado sistema UPAC irrigou aos estructuradores urbanos e às famílias de altos ganhos com capacidade para amortecer as inovações financeiras e residenciais introduzidas com ênfase desde 1972.

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Figura 5.6 Estrutura da produção residencial formal por tipo de residência, Bogotá 1952-1991

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Fonte: Rubiano 2007

A inflexão no pendente da linha da área média licenciada da Figura 5.7 a partir de 1972 é sintomática da verticalização da cidade que se tornou mais freqüente após, pois, além disso, a escala das operações imobiliárias formais se incrementou de maneira inusitada: enquanto que no período precedente o tamanho médio licenciado foi de 204 m2, a partir de 1973 esse dinamismo levou a que durante o período tal tamanho subisse a 829 m2. A maior densidade viária e as condições de habitabilidade produzidas ex ante pela intervenção urbanística estatal no eixo de expansão centro norte e centro nor-oriente foram os determinantes de que tal verticalização se concentrasse nessa zona da cidade.

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Figura 5.7 Área total licenciada para uso residencial e tamanho meio da licença,

Bogotá 1952-1992

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Ao passo que o eixo de expansão residencial nobre da cidade se

adensava em meio da permissividade urbanística latente na cidade, a informalidade urbana avançou ao ponto de superar em superfície a quantidade de solo produzida por esta modalidade de mercado à quantidade de solo produzida formalmente e com arrumo às normas mínimas construtivas. Esse solo, qualificado como de origem clandestina representou o 39,0% do crescimento urbano do período, conforme se aprecia na Figura 5.8, abrangendo 1931,6 ha de solo que serviram para alojar a perto de 30% do crescimento populacional urbano da cidade.

Pode-se inferir então, de uma perspectiva ricardiana, que a dinâmica dos mercados informais de solo em Bogotá elevou o preço dos ativos imobiliários residenciais, pois, como é sabida, essa perspectiva sustenta que é a produção que se desenvolve na terra menos fértil, com menos capacidade andadura neste caso, a que orienta os preços de mercado. De maneira que a mais do alavancamento financeiro da UPAC, a informalidade foi funcional ao interesse verticalizador dos estruturadores urbanos e, além disso, e à antecipação da intervenção urbanística estatal.

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Figura 5.8 Estrutura da produção de solo, Bogotá 1972-1991

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Fonte: Construída baseado em Hataya et. al. 1994, p. 73

Os resultados espaciais que se apresentam no Mapa 5.4 são coerentes com o exposto até agora. De um lado, é evidente o viés reativo das políticas urbanas do período em matéria de provisão das condições de habitabilidade para o sul da cidade, pois, em efeito, as zonas pobres dos eixos de expansão pobres foram afetadas positivamente com a extensão das redes matrizes de aqueduto. Isto, por sua parte, teve um efeito igualmente positivo sobre as finanças da EAAB que entrou em reduzir drasticamente - perto de 20% entre 1970 e 1988 (Jaramillo e Alfonso 1990, p. 22)- o índice de água não faturada e, com isso, elevou-se o fluxo de caixa agora fortalecido com o faturamento de novos caudais provenientes do Sistema Chingaza.

De maneira coetânea, a extensão das condições de acessibilidade urbana se materializou na ampliação da rede viária arterial em sentido pendular para o ocidente e nor-ocidente de Bogotá e, com isso, esperava-se que a densificação da cidade agora alavancada financeiramente com os crescentes fluxos de recursos financeiros provenientes do sistema UPAC, reorientasse-se para essa zona.

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Mapa 5.4 Produção de bens públicos urbanos e lançamentos residenciais, Bogotá 1973-1991

Fonte: Construído com base em Rubiano 2007 e Hurtado e Moreno 2008.

No entanto, as intervenções mais modestas como a assinalada recuperação do Passeio Simón Bolívar e a posterior extensão da Avenida Circunvalar paralela às

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Colinas Orientais, terminaram de complementar as desigualdades na provisão de bens públicos urbanos e, com isso, deu-se continuidade ao processo de segregação socioespacial urbana da cidade. A densidade de lançamentos residenciais novos pelo mercado formal, tal como se aprecia no Mapa 5.3, alcançou durante o período um máximo de 102 por km2, um crescimento de 292% frente ao máximo do período anterior, em zonas como Chapinero Alto e O Chicó em suas diferentes etapas. O eixo de expansão norte se ampliou das Colinas Orientais para a Auto-estrada Norte, zonas da cidade que acolheram novas vizinhanças de famílias de ganhos médios altos e altos. As expectativas de maiores aproveitamentos do solo urbano por parte dos estructuradores urbanos eram bastante estáveis, mas o anúncio do triunfo da chamada “sétima papeleta” e, com isso, a possibilidade de ter uma ação coletiva urbana menos permissiva, começou a modificar sua visão do futuro da ordem residencial urbana de Bogotá.

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VI BOGOTÁ 1992-2008

O TRÂNSITO PARA O PLANEJAMENTO URBANO A mudança nas regras da repartição das riquezas que emanam da estruturação residencial da cidade introduzido pelo artigo 82 da recém promulgada Nova Constituição Política da Colômbia, produziu um tremor nas expectativas dos estruturadores urbanos e detonou um inusitado auge na atividade construtiva. Como não pôde ser compreendido pela autoridade monetária e financeira, a Junta Diretiva do Banco da República, terminou sendo mal intervindo exacerbando a crise que cobrou o patrimônio residencial de mais de 52.000 famílias colombianas das que perto de 24.000 residem em Bogotá. Sem dúvida, a estrutura residencial urbana de Bogotá não voltará a ser a mesma de antes, como tampouco a forma de operação dos diferentes segmentos do mercado imobiliário residencial. Mas a cidade vai ser exposta a outros choques que farão do trânsito do laissezferismo impuro ao planejamento urbano uma etapa em que os agentes da estruturação residencial urbana ficarão imersos como nunca antes na incerteza radical que apregoa Abramo. O anúncio do Sistema Integral de Transporte Urbano e a Primeira Linha Metro em 1998 modificou de novo as expectativas de acessibilidade e mobilidade da cidade, projeto que não foi bancado pelo governo por razões financeiras dando lugar a mudança da rede viária principal da cidade para acolher o sistema de ônibus invertebrados do TransMilenio. O projeto Metro só se retomou em 2008 com grandes incertezas sobre o alavancamento financeiro da Nação. Por sua parte, as condições de habitabilidade alcançaram seu máximo histórico abrindo-se passo neste período à etapa comercial do serviço materializada em permanentes incrementos tarifários que afetarão, em especial, aos lares de baixos ganhos da cidade.

Nos discursos dos agentes melhor informados sobre o comportamento do mercado do solo urbano em Bogotá se evidencia seus propósitos dês-informativos, que enfatiza sobre a escassez física e econômica do solo urbano. Os mercados formais tornam-se incapaz de rebater o avanço da informalidade urbana. A inoperância dos programas estatais de subsídio à moradia de interesse social está sendo aproveitada de maneira indecorosa e, muito, inescrupulosa pelos representantes corporativos dos estruturadores urbanos que, imbricando-se nos interstícios legais da política, tentam captar subsídios do Estado para aqueles segmentos da moradia que não o merecem. Adicionalmente, a estrutura administrativa da cidade se modificou para finais de 2006 com o propósito de introduzir maior claridade nas funções do aparelho distrital de Estado e maior

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coordenação entre suas agências, mas, transcorrido apenas um ano da reforma, uma contra-reforma foi promovida pela entrante administração.

6.1 Condições macroeconômicas adversas, auge da atividade construtiva e

advento de uma nova Ação Coletiva Urbana, Colômbia 1992-2008 O programa de Internacionalização e Modernização da Economia Colombiana da administração do César Gaviria iniciado por volta de 1991 anunciou o relançamento do aparelho produtivo colombiano à competência internacional, ao que sobreviria a desconcentração espacial da atividade econômica que se focalizaria para os portos do país em razão das vantagens destes nos custos de transporte. Isso não ocorreu, não obstante a acuidade e profundidade das reformas liberalizantes. De outra parte, na Lei 3ª de 1991 se decidiu a liquidação do Instituto de Crédito Territorial e a criação do Instituto Nacional da Reforma Urbana, o INURBE. Nessa entidade repousará a administração do subsídio à demanda, transformação institucional que trouxe consigo uma mudança no perfil da atuação do Estado em matéria da moradia de interesse social introduzida com o propósito de superar o problema de insolvência do lance de baixos ganhos da demanda residencial.

O fenômeno da concentração desconcentrada do crescimento populacional urbano continuou sua marcha: Bogotá participa com o 21,9% de tal crescimento e as 83 cabeceiras restantes com o 58,8% - ver Tabela 6.1-, desconcentração influída notavelmente pela profundização da interação metropolitana da população:

As migrações de bogotanos para a Savana induzem seu crescimento populacional em 29,1%, quando faz quinze anos o faziam em 18,8%. Essa variação indica claramente uma profundização nas relações de metropolização com os municípios da Savana que, comparada com o impacto das demais zonas do país - ver Tabela 2-, é de uma magnitude muito considerável, pois, em efeito, o crescimento populacional do resto dos municípios da Cundinamarca é induzido em 7% pelas migrações de bogotanos enquanto que os do resto do país o são em apenas o 1,1%, níveis não muito distantes aos estimados para 1993 (Alfonso 2007a, p. 8)

A maior fonte da dinâmica populacional do núcleo metropolitano é o

crescimento vegetativo, enquanto que nos municípios envoltos no processo de metropolização é a migração. Os casos mais notáveis deste período o constituem Soledad, conurbado da Barranquilla, cujo crescimento populacional nítido -224 mil habitantes- é superado somente pelo de Bogotá, Medellín e Cali; o da Soacha -196 mil - conurbado da Capital da República cujo crescimento é o sétimo mais elevado

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do país e o de Bello -95 mil habitantes- no Vale do Aburrá de notável interação com seu centro, Medellín.

Uma propriedade adicional é possível olhar na distribuição espacial do crescimento populacional urbano colombiano: a polarização social. Amplas zonas das cidades receptoras das migrações, principalmente daquelas originadas na deterioração das condições da produção agrícola, na conseqüente pauperismo da qualidade de vida do meio rural e no deslocamento forçado pelos agentes violentos do conflito armado colombiano, incorporam-se às já existentes para consolidar a produção espontânea de um hábitat urbano com regras informais. Eles são tolerados pela sociedade na medida em que são resultado da lógica da sobrevivência e de uma ação coletiva urbana permissiva e reativa como se analisou no capítulo precedente para o caso de Bogotá. A produção informal do solo habitável para estas capas sociais supera a produção formal, operando nela estructuradores urbanos chamados piratas que obtêm lucros irregularmente mediante a venda de terrenos de reduzida capacidade, com constrangidas áreas de cessão e com a promessa que a ação curativa urbana do Estado, através dos mal chamados programas de desmarginalização ou os de melhoramento dos bairros, chegará ao futuro próximo.

Tabela 6.1

Crescimento populacional urbano por grupos de municípios, Colômbia 1992-2005 Taxonomia Municipal

Tipo # Incremento

Populacional Urbano

Taxa de Crescimento

Anual (%)

Participação

(%) Cidade Primada 1 1.635.143 2,0 21,9 Crescimento Notável 83 4.402.178 2,1 58,8 Crescimento Estável 575 1.624.782 2,3 21,7 Crescimento Moderado

149 27.631 0,6 0,4

Êxodo Moderado 243 (36.852) (0,5) (0,5) Êxodo Persistente 52 (66.311) (1,0) (0,9) Estancados 23 (104.395) (1,8) (1,4) Total 1.126 7.482.175 1,9 100,0

Fonte: Cálculo do autor com apoio nos Censos de População, DANE.

A construção civil se viu exposta a grandes sobressaltos durante este período. São discerníveis ao menos três sub-períodos demarcados por poderosas inflexões da atividade construtiva: o primeiro é um incomum auge que se inicia precisamente no ano da expedição da Nova Constituição Política e que se prolongou por perto de quatro anos durante os quais se incrementou de maneira considerável o estoque residencial urbano, tal como se infere da Figura 5.1. Começado 1996 e até o 2001 a recessão do setor, embora notável, oferece singularidades com respeito ao

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período recessivo general da economia e a seus determinantes; e, por último, no sub-período recente iniciado desde finais de 2001 se percebe uma paulatina recuperação da atividade construtiva contida, em boa medida, pela incerteza que rodeia aos agentes que operam nos segmentos residenciais sobre o futuro da estrutura urbana das principais cidades, especialmente de Bogotá, intervindas com a modificação dos sistemas de transporte maciços de passageiros.

As singularidades do desempenho da construção civil com respeito às tendências do crescimento da economia são pouco estudadas até o momento, talvez em razão do erro interpretação da idéia do setor líder que implicou equivocadas interpretações como a de uma suposta sincronia entre um e outro. Pelo contrário, nos anos do auge a que nos referimos, as condições macroeconômicas que enfrentava o setor eram bastante desfavoráveis se lhes compara com outras que lhe precederam, isto é, que a taxa de juro do crédito hipotecário se elevou notoriamente e se experimentaram juntas de considerável perda de liquidez da economia. Em términos de sua elongação no tempo, o auge da construção se prolongou por um ano mais que o crescimento da economia, ainda com condições cambiantes das grandezas macroeconômicas, de maneira que não é tão claro seu caráter anti - cíclico ou pro - cíclico.

Renovado-los acertos institucionais urbanos introduzidos nos últimos anos propiciaram uma nova dinâmica na urbanização da população colombiana. Na conjuntura de 1991 se detonou uma fase de inusitado auge da atividade construtiva nas cidades colombianas que se prolongaram até 1995, trajeto no que se introduziram as principais reforma liberalizantes da economia colombiana. Essas reformas se iniciaram com a Reforma Trabalhista em 1990 e que implicaram a maior exposição do aparelho produtivo colombiano à competência internacional e que compreenderam, além disso, a modificação do regime de trocas internacionais e a conseqüente abolição do monopólio no manejo das divisas que exercia o Banco da República.

A adoção de um novo Regime de Prestação dos Serviços Públicos Domiciliários em 1994 estigmatizou ao município como mau emprestador para justificar os processos de privatização que, ulteriormente, afetou a presença estatal em outros ramos da atividade econômica por força da adoção de um Regime de Privatizações. No plano macroeconômico, o controle da inflação passou a ser o eixo da política fiscal e monetária: a perda de uma grande fatia da massa salarial na economia e a aguda contração do crescimento econômico propulsou a ampliação dos contingentes de desempregados e subempregados estruturais em todas as cidades do país. Dalí proveio o maior contingente de pessoas que engrossaram a diáspora colombiana ao exterior, pois, conforme se colige de algumas pesquisas nos

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países receptores, ao menos a metade dos colombianos que ali residem migraram durante os noventa (cf. Alfonso 2005c).

O impacto negativo das reformas sobre o crescimento econômico, particularmente das que geram problemas de demanda efetiva, somados à elevação da taxa de juro que, no caso hipotecário, passou do 4,4% a começos de 1990 aos 18,6% a finais de 1995, configuraram um ambiente macroeconômico pouco favorável para a dinâmica da construção civil. No entanto, é uma fase de um auge da atividade inédita no país. Adicionalmente, a reforma à metodologia do cálculo do valor da UPAC que realizou o governo Gaviria em 1992 - ver Tabela 6.3 -, e que dava continuidade à estratégia de preservação da margem de intermediação financeira no negócio hipotecário iniciada pela administração Barco, encarecia ainda mais o crédito ao construtor e ao comprador pela via da modificação das regras de indexação. A taxa fixa tinha sido substituída de maneira autoritária por uma taxa flexível. Certamente que alguns dinheiros do narcotráfico e seu impressionante poder corruptor terão penetrado ao capital imobiliário; não obstante, frente a esta hipótese ainda intestada há alguns feitos contra evidentes como a dissolução por aqueles anos dos principais cartéis já pela morte de seus chefes, já por sua entrega voluntária ou já por sua captura, a contração do preço da cocaína e a adoção de novas medidas de controle e de penalidades pela lavagem de divisas. Sua importância então deve ser revisada.

Boas partes dos determinantes de tal auge correspondem, segundo meu olhar, a um capítulo mais da capacidade anticipativa e reativa do capital estruturador urbano, pois, em efeito, as reformas urbanísticas chegadas entre 1989 e 1991 não vão ser facilmente evitáveis em adiante. Como atribui ao Maldonado (Borrero 2003, p. 109), a mesma Constituição como norma de normas não pode ser demandada por inconstitucional. A incerteza a respeito da celeridade com a que o governo fora a expedir a Lei de Desenvolvimento Territorial e, subseqüentemente, com a que as cidades colombianas adotem os planos de ordenamento, constituiu um detonante sem igual da atividade construtiva: como se pode advertir na Tabela 6.1, a área licenciada nos seis anos anteriores virtualmente se superou nos quatro anos seguintes. Mas na medida em que o direito de construir se concreta com a expedição da licença de construção e, por sua vez, esta é revogável, há um incentivo para construir mais rapidamente, como se deduz que ocorreu a partir da análise do comportamento dos despachos de cimento - voltar para a Figura 5.1-.

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Tabela 6.2 Dez cidades com a maior participação nas áreas licenciadas para a construção de

bens residenciais e não residenciais, Colômbia 1992-1995 Bens Residenciais Bens Não Residenciais

Cidade Área % Cidade Área % Bogotá 12.698.536 30,4 Bogotá 4.030.063 29,1 Cali 6.230.017 14,9 Cali 1.672.626 12,1 Medellín 3.264.584 7,8 Medellín 1.634.105 11,8 Bucaramanga 1.381.983 3,3 Yumbo 609.892 4,4 Ibagué 1.205.933 2,9 Pereira 421.398 3,0 Armênia 1.163.909 2,8 Barranquilla 415.584 3,0 Pereira 936.976 2,2 Santa Marta 404.445 2,9 Floridablanca 760.967 1,8 Armenia 364.938 2,6 Envigado 709.736 1,7 Bucaramanga 353.498 2,5 Neiva 708.818 1,7 Itagüi 292.046 2,1 Resto 12.723.126 30,4 Resto 3.664.596 26,4

Total 41.784.585 100,0 Total 13.863.191 100,0 Fonte: Cálculos do autor com apoio nas estatísticas do DANE

Quer dizer que o capital estruturador urbano mobilizou sua acumulação prévia em procura da apropriação rápida dos direitos de construir na transição entre a promulgação da Constituição, a expedição da Lei de Desenvolvimento Territorial e a aprovação dos subseqüentes Planos do Ordenamento Territorial. Isso é ainda mais claro quando se analisam as particularidades da dinâmica construtiva à escala da cidade: a capacidade anticipativa do capital imobiliário, para o caso de Bogotá, fica de presente quando em condições macroeconômicas notavelmente mais favoráveis para a atividade construtiva, o número de metros quadrados licenciados em média para a construção residencial jamais tinha superado os 1.285 m2/licença, mas, em 1994, tal médio alcançou 2.995 m2/licença; no mesmo sentido, o volume total de metros quadrados licenciados para a construção de moradia que tinha alcançado seu máximo histórico em 1987 com 3.3 milhões de metros quadrados, foi superado em 1992 quando se aprovaram licenças por 4.5 milhões de metros quadrados. A incomum contração do tempo econômico transcorrido entre a decisão de localização e a execução do projeto residencial originou consideráveis lucros aos estructuradores urbanos. Enquanto os construtores contavam a seu favor com a má distribuição do ingresso que favoreceu as famílias de ganhos altos herdado do período anterior o que, em última instância, permitiram-lhes conquistar novas localizações residenciais nas grandes cidades. As rendas secundárias do solo, surtas da provisão de bens públicos urbanos para atender as novas demandas de localização, novamente se elevaram e apropriaram de maneira privada e se erigiram como o principal instrumento de segmentação da cidade, rasgo inequívoco deste período de auge da construção civil.

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Nas cidades à cabeça da rede primada e como reflexo da eficácia da capacidade anticipativa do grande capital imobiliário, o preço do solo urbano se elevou de maneira persistente alcançando valores exorbitantes à medida que as vizinhanças das famílias de ganhos altos e médios se verticalizarão como nunca antes. Tais incrementos, que foram só uma das várias manifestações da apropriação privada do direito de construir, correspondem a processos de antecipação já não induzidos pela ação estatal como ocorreu com antecedência, mas sim de especulação pura que arrastou aos agentes que operavam em outros segmentos do mercado imobiliário. Quer dizer, que o efeito rebanho operou também para encarecer os preços dos ativos imobiliários para famílias de menores ganhos. A idéia que se afiançou era que os estruturadores urbanos tinham começado a captar uma massa de lucros extraordinários grandemente desproporcionados em relação com os lucros dos intermediários financeiros que operavam o crédito hipotecário e que o mecanismo de indexação do sistema UPAC não redistribuía adequadamente tais lucros.

É por isso que, no meio do auge da construção civil, a efervescência reformista neoliberal continuou seu curso sentando as bases institucionais para a ampliação da margem de intermediação financeira no crédito hipotecário. Para finais de 1992 se expediu a Lei 31 em que se introduziu um conjunto de reformas no plano monetário, cambiário e financeiro que mudaram o papel do Banco da República na economia, dotando o de uma maior autonomia em sua relação com o Governo Central: a Junta Diretiva do Banco da República ficou investida com o caráter de autoridade monetária, cambiária e financeira, sendo a função fundamental do Banco a de velar pela manutenção da capacidade aquisitiva da moeda, ou seja, pelo controle da inflação. No concernente ao crédito hipotecário e, especificamente, no que corresponde ao sistema indexado conhecido como a Unidade de Poder Aquisitivo Constante - UPAC-, a reforma financeira estabeleceu que:

Artigo 16. Atribuições. Ao Banco da República lhe corresponde estudar e adotar as medidas monetárias, creditícias e cambiárias para regular a circulação monetária e em geral a liquidez do mercado financeiro e o normal funcionamento dos pagamentos internos e externos da economia, velando pela estabilidade do valor da moeda. Para tal efeito, a Junta Diretiva poderá: (…) f) Fixar a metodologia para a determinação dos valores em moeda legal da Unidade de Poder Aquisitivo Constante - UPAC-, procurando que esta também reflita os movimentos da taxa de juro na economia.

Transcorrerão sete anos até que a Corte Constitucional declare a in-exeqüibilidade do numeral f. da Lei 31 de 1992 por ser contrário à Constituição, lapso durante o que se tornaram evidentes os notáveis desacertos em matéria de política de crédito

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hipotecário. No momento em que se proclamou a Lei 31, as autoridades monetárias sustentavam que a taxa de juro DTF refletia conjunturalmente os movimentos da taxa de juro da economia, mas, em adiante, tal taxa vai se elevar tão vigorosamente como os lucros de intermediação dos bancos originados na ampliação da margem.

Tabela 6.3 Decisões da Junta Diretiva do Banco da República sobre a correção monetária e o

valor da Unidade de Poder aquisitivo Constante (UPAC), 1993-1995

Resolução Externa da Junta Diretiva do

Banco da República

Decisões sobre a metodologia de cálculo do valor da Unidade de Poder aquisitivo Constante, UPAC

#6 do 15/03/1993, rege a partir do

01/05/1993

Equivalente aos 90% do custo médio ponderado das captações nas contas de economia de valor constante e Certificados de Economia de Valor Constante do mês calendário anterior. O aumento anual na UPAC não poderá exceder de 100% da variação resultante do Índice de Preços ao Consumidor (total ponderado) elaborado pelo Departamento Administrativo Nacional de Estatística (DANE) para o período dos 12 meses imediatamente anteriores a aquele em que se efetue o cálculo.

#10 do 15/04/1993, rege entre 01/05/1993

e 31/05/1999

Para o mês de maio de 1993 os valores em moeda legal da UPAC se informarão pelo Banco da República calculada com apóie na metodologia prevista pela Resolução Externa Não. 6 de 1993 ou aplicando uma taxa de 19% efetivo anual, a que resulte maior.

#26 do 09/09/1994, rege a partir do

01/10/1994

Equivalente aos 74% do médio móvel da taxa DTF efetiva de que tratam as Resoluções 42 de 1988 da Junta Monetária e Externa Não. 17 de 1993 da Junta Diretiva das doze (12) semanas anteriores à data de cálculo.

#18 do 30/06/1995, rege a partir do

01/08/1995

Equivalente aos setenta e quatro por cento (74%) do médio móvel da taxa DTF efetiva de que tratam as Resoluções 42 de 1988 da Junta Monetária e Externa Não. 17 de 1993 da Junta Diretiva das quatro (4) semanas anteriores à data de cálculo.

Fonte: Feita com apoio na informação do Banco da República

Em 1994, em momentos em que a ortodoxia monetária e financeira proclamava o êxito das novas políticas de controle à inflação, a taxa de juros DTF elevou-se a tal nível como para que as Corporações de Poupança e Moradia pressionassem uma modificação na metodologia do cálculo do valor da UPAC. Isso aconteceu, pois, se a inflação estava descendo e a DTF elevando, era facilmente dedutível que o resto do sistema financeiro obtinha maiores lucros de intermediação que as entidades financeiras que operavam a UPAC - voltar para a Figura 5.2 -. Os

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frutos de tal pressão se recolheram a partir da entrada em vigência da Resolução Externa #26 de 1994 da Junta Diretiva do Banco da República, expedida ao amparo do numeral f. da Lei 31 de 1992. Em suas anteriores decisões neste frente da política financeira, isto é, que concerne à determinação das metodologias para o cálculo do valor da UPAC, a Junta Diretiva tinha preservado ao menos parcialmente à inflação como o índice de referência para tal efeito. Mas a partir de 1º de outubro de 1994 deu uma virada radical ao substituir tal índice por uma percentagem da DTF efetiva, inicialmente fixado como de 74% de seu médio móvel das últimas doze semanas.

Esta decisão teve um efeito imediato sobre os contratos de hipoteca pactuados entre as CAV e os devedores, pois, além de modificar unilateralmente as condições pactuadas quanto à mudança do índice para estabelecer a correção monetária dos saldos insolúveis das dívidas, ocasionou o incremento no montante das cotas mensais e a elevação drástica e infundada na remuneração do crédito hipotecário: a taxa DTF fechou em eleva em 1994 chegando a um nível tal - 37,9% - que, ao modificar a taxa de colocação hipotecária, chegou inclusive a superar em diferentes momentos a taxa máxima de remuneração ao crédito ou, em outras palavras, chegou a situar-se nos níveis críticos da usura (cf. Jaramillo et. al. 2000).

Tal elevação seria justificável no caso de que a remuneração à economia se elevou proporcionalmente, mas os depósitos à vista dos colombianos nas contas de economia das CAV continuaram recebendo um interesse irrisório. Não se conhece nenhum estudo ex ante do Banco da República sobre a razoabilidade da decisão mediada pelo possível impacto da Resolução 26 na ampliação infundada da margem de intermediação das Corporações de Economia e Moradia; tampouco sobre a proporcionalidade, princípio eqüitativo tão caro ao pensamento liberal, verificável no incremento real dos saldos hipotecários insolúveis e a conseqüente elevação da remuneração ao crédito hipotecário.

Mas alguma suspeita neste sentido espreitava aos membros da Junta Diretiva do Banco da República quem, em uma sorte de mea culpa decidiram que, a partir de 1º de agosto de 1995, o cálculo do valor da UPAC já não se realizaria tomando como referência o médio móvel das últimas doze semanas, só das últimas quatro. Com essa decisão certamente aspiravam a corrigir o desacerto que significava acreditar que tal cálculo refletia “o movimento da taxa de juro da economia”. Mas o efeito irreparável destas decisões quanto à credibilidade das famílias sobre a estabilidade e o equilíbrio do contrato de crédito hipotecário se começou a perceber em meio da crise levantada, em boa medida, por isso isto significa em tanto interrupção do fluxo monetário para o financiamento da produção e circulação dos ativos residenciais.

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6.2 Contração da atividade construtiva e primeiros intentos de

aperfeiçoamento da nova Ação Coletiva Urbana, Colômbia 1996-1999 A conjuntura que se iniciou em 1996 e que se prolongou até 1999, é um final de século no que a atividade construtiva se inundou em um interlúdio recessivo de que emergiram novos acertos institucionais em matéria de crédito para o financiamento da moradia em longo prazo os. Esses acertos, somados aos conteúdos na Lei 388 de 1997, incidirão decisivamente na dinâmica residencial urbana das cidades em crescimento na Colômbia. Uma taxonomia dos instrumentos da Ação Coletiva Urbana introduzida por essa Lei se apresenta no Esquema 6.1. Foi nesta junta que se revelou como a autoridade monetária e os intermediários financeiros erraram flagrantemente de objetivo, pois, em sua busca por uma maior participação dos lucros imobiliários, terminaram espremendo o já deteriorado fundo salarial para o consumo dos lares. Nesse cenário torno-se inadiável a intervenção do tripartido que porá no centro da discussão o princípio de separação de poderes ante as intervenções da Corte Constitucional nas decisões do quase-legislativo, a Junta Diretiva do Banco da República.

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Esquema 6.1 Os instrumentos da Ação Coletiva Urbana, introduzidos pela Lei 388 de 1997

As explicações que oferecem os porta-vozes mais creditados do capital estruturador urbanos sobre o auge da construção civil e a posterior introdução das mudanças institucionais no ordenamento urbano, quão mesmos por décadas

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comandaram a oposição à Reforma Urbana, que obraram com inusitada celeridade para demandar ante a Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça a 9ª Lei de 1989 e que mobilizaram suas capacidades para pôr ao serviço dessas causas, aos mais prestigiosos advogados, aparecem cândidas a luz dos acontecimentos, pois, segundo nosso entender, resulta contra-evidente que a nove anos de expedida a Constituição “tenham compreendido que o esquema tinha trocado” e que o povo da Colômbia “lhes tinha metido um gol e não se deram conta”:

Faz tão somente dois anos, em 2000, no Simpósio Internacional de Avaliações, organizada pela Fatia de Propriedade Raiz de Bogotá, Maria Mercedes Maldonado, advogada perita em desenvolvimento urbano, afirmou que o direito de propriedade não incorporava automaticamente o direito de construir e que este direito não era da coletividade. A reação de surpresa e resistência foi imediata. Posteriormente, no mesmo simpósio, o professor espanhol Javier García Bellido reafirmou o anterior; explicou que na Espanha tinham este esquema desde finais da década de 1950 e que, neste país, este princípio era indiscutível. A partir desse momento, compreendemos que o esquema tinha trocado. Em um princípio se pensou demandar a Lei 388 de 1997 por considerar que esse direito não lhes podia tirar aos proprietários de terra. Para o efeito, consultamos à doutora Maria Mercedes Maldonado e a outros advogados em direito urbanístico, quem esclareceu que este direito estava consagrado na Constituição e que era impossível demandar por inconstitucional à mesma Constituição. Já não havia dúvida, tinham-nos metido um gol na Constituição e não nos tínhamos dado conta (Borrero 2003, p. 108-109).

O anterior resulta ainda mais contra-evidente se adicionarmos que, em um episódio mais de sua ação anticipativa o grande capital estruturador urbano, que melhor tinha antecipado a intervenção urbanística estatal, contou durante o processo de elaboração da Lei 388 de 1997 com a assessoria direta do Vice ministro de Estado cuja carteira regula e decide sobre o ordenamento territorial - o Vice ministro de Moradia, Desenvolvimento Urbano e Água Potável-, prerrogativa que nenhum outro agente da estruturação residencial urbana, pequeno construtor, urbanizador popular ou semelhante, teve a seu alcance:

(…) Logo surgiu à discussão da Lei 388 de 1997, com o Juan Martín Caicedo como um dos apresentadores - nesse momento, anos 1996 e 1997, eu estava na Junta Diretiva do Camacol e, posteriormente, assumi o cargo de Presidente da Câmara da Construção em Bogotá-. Na discussão do projeto de lei, começamos a revisar em detalhe as figuras da 9ª Lei e as novas alternativas propostas -inclusive assessorados por pessoas como Fabio Giraldo Isaza, quem tinha sido vice-presidente do Camacol e nesse momento era o Vice ministro de Moradia, Desenvolvimento Urbano e Água Potável- e concluímos que Camacol não devia opor-se porque o que se precisava era, precisamente, terra troca para desenvolvimentos urbanísticos. Assim foi como entendemos que não se afetariam os interesses do grêmio da construção, e tanto a Junta Diretiva da Câmara da Construção como os principais promotores de projetos imobiliários decidimos apoiar o projeto (Borrero 2003, p. 107).

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Não é estranho que a estampagem dos estruturadores urbanos tenha

ficado indelével na Lei 388 de 1977 ou de Desenvolvimento Territorial. Tratando-se de uma lei reconhecida como intervencionista, a privatização da função pública da expedição das licenças “para adiantar obras de construção, ampliação, modificação e demolição de edificações, de urbanização e parcelamento em terrenos urbanos, de expansões urbanas e rurais” (Art. 99 da Lei 388 de 1997) sob a figura dos curadores urbanos se concebeu em meio dessa endogamia corporativa. Isso aconteceu não sem antes reeditar o velho argumento do município como mau emprestador do serviço ou executor da função pública como justificativa para sua amputação. A importância estratégica da licença é facilmente discernível a partir do estabelecido na Lei 388 de 1997, pois é o instrumento definitivo através do qual o Estado, em exercício de suas funções constitucionais relativas ao ordenamento territorial, outorga o direito de construir “prévio o encargo das cargas que cada Plano imponha” (Maldonado 2003, 223).

Com a expedição da Lei 388 de 1997 culmina um prolongado e penoso episódio da história da formação social colombiana iniciado em 1960, assinado pela busca da Reforma Urbana. Com esta ação coletiva, finalmente se dota às cidades colombianas de um conjunto de instrumentos que “oferecem possibilidades muito prometedoras para orientar e introduzir eqüidade, racionalidade e eficiência no desenvolvimento de nossas cidades” com o que “nos encontramos em uma situação excepcionalmente favorável” (Jaramillo 2003, p. 129) em comparação com outros países do subcontinente latino-americano. Tais instrumentos não só não vão contra o que está ocorrendo em outras partes do mundo (Smolka 2003, p. 369), mas sim são os suficientemente claros e progressistas para ser adaptados a outras situações. Situação semelhante se começou a verificar no Brasil a partir de 2001, ano de promulgação do Estatuto da Cidade que, ao lado da Lei de Desenvolvimento Territorial colombiana, passou a ser matéria de permanente análise por urbanistas, acadêmicos e governantes latino-americanos e de outras latitudes.

Uma das transformações mais transcendentes introduzidas no novo acordo, em relação com a Reforma de 1989 e em desenvolvimento do artigo 58 da Constituição Política de 1991, é a que elimina a extinção do domínio do ordenamento jurídico urbano colombiano:

Os imóveis que foram declarados no respectivo plano de desenvolvimento municipal ou distrital, como de desenvolvimento ou construção prioritários, de conformidade com o disposto no artigo 80 da Lei 9 de 1989, que à entrada em vigência da presente lei não lhes tiver iniciado processo de extinção do direito de domínio e que não chegarem a cumprir com sua função social, lhes aplicará o processo de alienação forçosa em público leilão e em geral toda a normatividade

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e procedimentos previstos nesta lei para imóveis objetos de declaratória de desenvolvimento ou construção prioritária (artigo 13 da Lei 388 de 1997).

A transcendência desta medida é compreensível, em primeira instância, a partir da contradição que ela entranha para os proprietários do solo urbano, pois, de um lado, levou serenidade aos especuladores ao sossegar o pânico que tinha causado o artigo 26 da 9ª Lei de 1989 e sua posterior ratificação pela Sala Constitucional da Corte Suprema de Justiça; mas, do outro, a alienação forçosa em leilão público que se concretizará na venda ao Estado dos terrenos declarados como de desenvolvimento prioritário a preços comerciais, limitou de maneira notável as lucros extraordinárias que estes obtinham por suas práticas de venda a preços exorbitantes. Outra novidade que introduziu a Lei 388, em desenvolvimento do artigo 82 da Constituição Política de 1991, foi à clarificação conceptual e procedimental da participação do Estado nos incrementos nos preços do solo -as mais-valias urbanas- que gera sua atuação urbanística, a partir da que outros capitalistas conseguiram compreender que esses lucros extraordinários, além de ilegítimas, constituem uma fuga do circuito monetário urbano. Essa moeda poderia ser mobilizada para outras atividades, e que o lucro deste propósito recai, em boa medida, no desenvolvimento dos princípios constitucionais que orientam a regulação urbanística: se através da aplicação dos instrumentos da Reforma Urbana é possível intervir a conduta dos proprietários do solo para morigerarem as rendas extraordinárias de suas práticas de antecipação/especulação, seria razoável esperar que os capitais que eles mobilizam para a compra de terrenos fluam para incrementar a oferta de recursos de credito que demandam outros agentes econômicos. Além disso, que o Estado reincorpore os recursos financeiros ao circuito para alavancar a provisão de bens públicos urbanos. Na Lei ficaram consagrados quatro fatos geradores da mais-valia urbana:

Fatos geradores. Constituem feitos geradores da participação na mais-valia de que trata o artigo anterior, as decisões administrativas que configuram ações urbanísticas conforme o estabelecido no artigo 8º desta lei, e que autorizam especificamente já seja a destinar o imóvel a um uso mais rentável, ou incrementar o aproveitamento do solo permitindo uma maior área edificada, de acordo com o que se estatuía formalmente no respectivo Plano do Ordenamento ou nos instrumentos que o desenvolvam. São feitos geradores os seguintes: 1. A incorporação de solo rural a solo de expansão urbana ou a consideração de

parte do solo rural como suburbano. 2. O estabelecimento ou modificação do regime ou a zonificação de usos do solo. 3. A autorização de um maior aproveitamento do solo em edificação, bem seja

elevando o índice de ocupação ou o índice de construção, ou ambos de uma vez.

No mesmo plano de ordenamento territorial ou nos instrumentos que o desenvolvam, especificar-se-ão e delimitarão as zonas ou subzonas beneficiárias de uma ou várias das ações urbanísticas contempladas neste artigo, as quais serão tidas em conta, seja em conjunto ou cada uma por separado, para

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determinar o efeito da mais-valia ou os direitos adicionais de construção e desenvolvimento, quando for do caso. Parágrafo. Para os efeitos desta lei, os conceitos urbanísticos de mudança de uso, aproveitamento do solo, e índices de ocupação e de construção serão regulamentados pelo Governo Nacional (artigo 74 da Lei 388 de 1997).

Por sua transcendência quanto à magnitude dos recursos potenciais a arrecadar e por ter uma gênese conceptual diferente a da contribuição de valorização, além das implicações práticas de sua liquidação e cobrança, o quarto fato gerador se tratou de maneira separada. Quer dizer, que a natureza constitucional da participação em mais-valias é diferente da mesma natureza da contribuição de valorização. No artigo 87 se reconhece, depois da constatação de numerosas evidências teóricas e empíricas, a legitimidade da participação do Estado nas mais-valias que gerem as obras públicas que este realiza em montantes de dinheiro superiores aos que signifique sua execução, limitação esta que sempre tinha tido o anterior mecanismo:

Participação em Mais-valia por Execução de Obras Públicas. Quando se executarem obras públicas previstas no plano de ordenamento territorial ou nos planos parciais ou nos instrumentos que os desenvolvam, e não se utilizou para seu financiamento a contribuição de valorização, as correspondentes autoridades dos distritos, municipais ou metropolitanas executoras, poderão determinar o maior valor adquirido pelos prédios em razão de tais obras, e liquidar a participação que corresponde ao respectivo município, distrito ou área metropolitana, conforme às seguintes regra: 1. O efeito de mais-valia se calculará antes, durante ou depois de concluídas as obras, sem que constitua limite o custo estimado ou real da execução das obras. Para este efeito, a administração, mediante ato que não poderá produzir-se depois de seis (6) meses de concluídas as obras, determinará o valor médio da mais-valia estimada que se produziu por metro quadrado e definirá as exclusões a que haja lugar, de conformidade com o previsto na presente lei. 2. Em tudo que seja pertinente, aplicar-se-ão as disposições de liquidação, revisão e valor da participação de que trata a presente lei. 3. A participação na mais-valia será exigível nos mesmos eventos previstos no artigo 83 da presente lei. 4. Aplicar-se-ão as formas de pagamento reguladas no artigo 84 da presente lei. Parágrafo. Além dos municípios e distritos, as áreas metropolitanas poderão participar da mais-valia que gerem as obras públicas que executem, de acordo com o que ao respeito definam os planos integrais de desenvolvimento metropolitano, aplicando-se, no pertinente o famoso neste capítulo sobre taxas de participação, liquidação e pagamento da participação (artigo 87 da Lei 388 de 1997).

Para rebater o desenvolvimento lote a lote que supõe a fragmentação do solo urbano acontecida em ausência da regulação urbana e para desculpar a pouco eqüitativa distribuição da riqueza coletiva herdada do laissezferismo impuro a Lei 9ª de 1989, incorporou o reajuste de terras só com o propósito de superar quão inconvenientes tal fragmentação impõe à atribuição das cargas urbanísticas. Com a

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Lei 388 de 1997 lhe outorga maior alcance ao instrumento ao reconhecer que com sua execução é possível gerar estímulos para promover a cooperação entre partícipes e, com isso, forçar a incorporação razoável da terra de proprietários relutantes, ávidos de lucros extraordinários, à produção de espaço construível. Com o reajuste de terras no fundo se busca clarificar os direitos de propriedade e de edificabilidade e, com isso, propiciar a partilha eqüitativa das cargas e benefícios que se derivam do processo de urbanização:

Execução mediante Reajuste de Terras. Sempre que o desenvolvimento da unidade de atuação requeira uma nova definição predial para uma melhor configuração do globo de terreno que a conforma, ou quando esta se requeira para garantir uma justa distribuição das cargas e os benefícios, a execução da unidade de atuação urbanística se realizará mediante o mecanismo de reajuste de terras ou integração imobiliária prevista na Lei 9ª de 1989, conforme se trate de urbanização em solo de expansão ou renovação ou redesarrollo em solo urbano respectivamente, com os ajustes que se determinam no presente artigo. Para tais efeitos, uma vez se lembrem as bases da atuação associadas segundo o previsto no artigo precedente, constituirá-se a entidade gestora conforme o convenham os interessados, a qual elaborará o projeto urbanístico correspondente que forma parte do plano parcial. Com o plano parcial se elaborará e apresentará para aprovação da autoridade de planeação correspondente, o projeto de reajuste de terras ou integração de imóveis correspondente, o qual deverá ser aprovado por um número plural de partícipes que representem pelo menos o cinqüenta e um por cento (51%) da superfície comprometida na atuação. O projeto de reajuste ou de integração assinalará as regras para a valoração das terras e imóveis contribuídos, as quais deverão ter em conta a regulamentação urbanística vigente antes da delimitação da unidade, assim como os critérios de valoração dos prédios resultantes, os quais se apoiarão nos usos e densidades previstas no plano parcial. As restituições se farão com os lotes de terreno resultantes, mediante rateio das contribuições, salvo quando isso não for possível, caso no qual se fará a correspondente compensação econômica (artigo 453 da Lei 388 de 1997).

Para compreender como foram operar conjunturalmente as mudanças institucionais introduzidas pela Reforma Urbana, há ter presente que o grande capital estruturador vinha de acumular um inusitado volume de estoques residenciais produzidos no período precedente enquanto que se contraiu a quantidade de terra urbanizada em seu poder e que tinham monopolizado, ora pelas antecipações de comprimento agrado ou já na junta de 1989. Então, é facilmente discernível sua atitude favorável à nova Reforma Urbana que se introduziu com a Lei 388 em 1997 pois, em efeito, a assessoria emprestada pelo Vice ministro e as análise de seus quadros diretores levou a capital estruturador urbano a concluir que os novos instrumentos iriam redundar em uma moderação considerável dos preços do solo.

Ficou assim configurada e se explicitou um dos paradoxos mais arrogantes do desenvolvimento imobiliário colombiano: a terra urbanizada de

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propriedade do grande capital, em épocas da dês-regulação, pagou-se a preços inusitadamente elevados mas, quando a regulação modificou as expectativas e a incerteza, a terra alheia que eles necessitaram para produzir mais espaço edificado se pagou a preços grandemente baixos em relação com os anteriores. Este é um jogo de soma zero, pois, em efeito, a concreção do processo antecipador com o ato do uso construtivo do solo, momento no que se cristalizam os lucros extraordinários, é o mesmo no que as desmedidas cargas do processo são assumidas pela cidade.

O declive da atividade construtiva durante o quatriênio se pode verificar de diferentes maneiras. Em primeiro lugar, pelo comportamento agregado das áreas licenciadas que, no caso das construções residenciais, contraíram-se em 32,2% com relação ao quatriênio precedente enquanto que as áreas licenciadas para construções não residenciais o fizeram em 24,2%. O impacto espacial de tal declive foi bastante diferenciado, afetando sensivelmente à atividade construtiva nas cidades mais importantes do crescimento populacional urbano: no caso do Cali, as áreas residenciais licenciadas se contraíram em 62% e as não residenciais em 29,3%, em Bogotá tal contração foi do 42,0 e 29,8% e no Medellín foi de 36,4% e 42,4%, respectivamente, enquanto que nas cidades de menor importância relativa para tal crescimento, a redução foi sensivelmente inferior chegando a 5,8% nas construções residenciais e 7,3% nas não residenciais - Tabela 6.4-.

Tabela 6.4 Dez cidades com a maior participação nas áreas licenciadas para a construção de

bens residenciais e não residenciais, Colômbia 1996-1999 Bens Residenciais Bens Não Residenciais

Cidade Área % Cidade Área % Bogotá 7.375.752 26,0 Bogotá 2.830.854 26,9 Cali 2.365.707 8,3 Cali 1.182.830 11,2 Medellín 2.076.796 7,3 Medellín 941.361 9,0 Ibagué 880.553 3,1 Barranquilla 665.043 6,3 Barranquilla 807.316 2,8 Bucaramanga 337.596 3,2 Villavicencio 591.833 2,1 Rionegro 263.287 2,5 Bucaramanga 583.676 2,1 Yumbo 245.745 2,3 Pasto 570.576 2,0 Santa Marta 239.576 2,3 Armênia 557.489 2,0 Neiva 207.759 2,0 Envigado 543.932 1,9 Cartagena 202.753 1,9 Resto 11.984.443 42,3 Resto 3.397.895 32,3 Total 28.338.073 100,0 Total 10.514.699 100,0 Fonte: Cálculos do autor com base em estatísticas do DANE

Por sua parte, a míngua nas entregues de cimento não foi tão drástica

dado que só decaiu em 8,5% e isso se deve de uma parte, aos efeitos inerciais da desmobilização do período anterior, pois em este - 1996-1999 - ainda havia

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construções em curso. De outra, à vigorosa entrada de uma renovada fonte de financiamento para a aquisição e o melhoramento da moradia dos lares de ganhos médios e baixos: as remessas de divisas da diáspora colombiana na América do Norte, Ásia e Europa (cf. Alfonso 2005c).

Mas a atividade construtiva residencial foi afetada estruturalmente pelas reformas financeira e trabalhista. Durante a junta recessiva, a demanda por crédito hipotecário do sistema UPAC começou a mostrar indícios do colapso a que foi induzido pelas decisões da Junta Diretiva do Banco da República contidas nas Resoluções 26 de 1994 e 18 de 1995 na medida em que, como se pode coligir da Figura 6.1, até a entrada em vigência de tais decisões virtualmente todo o crédito que as Corporações de Economia e Moradia aprovavam e entregavam aos construtores de moradia era sub-rogado pelas famílias (individuais na mesma Figura), mas, a partir de então, as demoras nas colocações vão dar lugar à acumulação de créditos aprovados que não se desembolsaram ou que foram utilizados só parcialmente.

Figura 6.1 Acumulado de aprovações de crédito hipotecário no UPAC não entregues aos

construtores e às famílias, Colômbia 1992 - 1998

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Embora no Banco da República se conhecessem bem as implicações negativas que sobre o crescimento econômico e o emprego tinha a decisão de subtrair liquidez à economia nessa conjuntura recessiva (Urrutia 2002, p. 5-6), pois significava acabar de estrangular a demanda ao ocasionar a contração do consumo e o investimento, a arrogância da ortodoxia impediu retificar o engano em que tinha incorrido. Um arremedo de tal emenda foi tirado de maneira precipitada pela Junta Diretiva com a expedição da nebulosa Resolução Externa 8 de 1999 -ver Tabela 6.5 -, mas a intervenção da Corte Constitucional já era irreversível e a seu teor a expedição da Resolução 10 esterilizou seus efeitos.

Já que os demandantes de moradia nova percebiam que postergando temporalmente a decisão de compra podiam obter preços mais baixos, conseguindo além de acumular uma maior porção de ganhos próprios para fazer-se menos dependente do crédito hipotecário, os estoques imobiliários em poder dos construtores continuaram diminuindo sua velocidade de rotação. A reação dos demandantes de crédito era prevista, pois, de um lado, refletia a perda de confiança na estabilidade contratual das condições hipotecárias pactuadas e, além disso, nessa conjuntura era usualmente aceito que o crédito hipotecário se encareceu e que, além disso, para muitas famílias era virtualmente impagável nas novas condições: foi precisamente em 1998 que a diferença entre a taxa DTF e a inflação alcançou seu máximo histórico, feito que situasse ao sistema UPAC ao bordo do colapso induzido pela nova fórmula de indexação e a capitalização dos interesses, engenhosas medidas que vão fazer crescer virtualmente os saldos hipotecários e o valor das cotas mensais de amortização.

Os grandes estruturadores urbanos se mostraram cada vez mais adeptos a apregoar menores preços da moradia a costa de incorrer em maiores perdas e muitos dos pequenos optaram por seguir esses sinais, atitude de rebanho que os conduziu indevidamente à quebra. A magnitude das falências e a necessidade de políticas corretivas eram inegáveis. Mas o comportamento da Corporações de Economia e Moradia ante a conseqüente deterioração da carteira hipotecária em poder dos construtores, isto é, que uma porção crescente da mesma incorreu em mora no pagamento, foi evitar artificiosamente que o indicador de qualidade da carteira refletisse a magnitude do problema pois isso lhes implicaria constituir mais reserva para cobrir o risco de descumprimento: as Corporações de Economia e Moradia optaram então por prorrogar este tipo de créditos e reestruturar os de maneira reiterada até que pudessem ser sub-rogados (cf. Romero 2003), de maneira que apareciam artificialmente ao dia nos reporte às entidades de controle. Esse artifício implicou que os interesses correntes e de amora que não cobriam os construtores eram incorporados ao principal do crédito, artifício contável e financeiro

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que na prática significava a capitalização dos interesses e que, no plano institucional, pôs em evidência novamente a debilidade dos acertos da época e a lassidão da Superintendência Bancária pois “os intermediários do setor encontraram maneiras de fugir dos controles estabelecidos” (Urrutia 2000, p. 21-23).

A flexibilização do contrato de trabalho que começou a fazer cada vez mais reiterado entre os colombianos a parada forçosa, além do torcido anti-salarial da política monetária constatável no incremento da taxa de desemprego aberto, retirou do mercado potencial de crédito hipotecário aos trabalhadores flexibilizados que deixaram de serem sujeitos de crédito para as Corporações de Economia e Moradia. Mesmo a aos novos desempregados que engrossaram a lista de morosos e que, posteriormente, viram-se forçados a entregar suas moradias em entrega em pago pela dívida hipotecária com as Corporações. Não por acaso, justo no momento no que a tendência da taxa de desemprego sofre a inflexão mais forte da última década, o terceiro trimestre de 1994 - olharmos Figura 6.2-, a Junta Diretiva decidiu modificar unilateralmente as condições do crédito hipotecário e, em momentos em que se confirmou o aumento do desemprego e a ampliação da informalidade - segundo semestre de 1995 -, a Junta Diretiva se reafirmou na decisão tomada com uma versão ajustada às variações conjunturais da taxa de juro DTF: esse inelutável atalho à destruição do emprego estável foi a contribuição da ortodoxia monetária e financeira à recessão.

Figura 6.2 Taxa de desemprego trimestre em sete áreas metropolitanas, Colômbia 1984-2004

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Fonte: Cálculos com apoio em estatísticas do DANE e Banco da República

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A Junta Diretiva do Banco da República e as Corporações de Economia e Moradia introduziram modificações na política de crédito hipotecário e em suas práticas a fim de tentar desculpar os enganos em que incorreram e que rasgaram as bases do negócio do crédito hipotecário. As ações que previa o governo Pastrana eram bastante pacatas diante da magnitude do problema que tinham criado e cujas conseqüências, não obstante, estavam claramente identificadas:

Por sua parte, quão usuários de maneira maciça se endividaram durante os primeiros anos da década do noventa se viram prejudicados, não somente pelo significativo incremento da correção monetária, a não ser além pela descida sustentada que desde 1996 se vem apresentando no valor das moradias; o que a sua vez incrementou a carteira má das CAV, posto que nem com a devolução do imóvel é possível saldar as dívidas (Plano Nacional de Desenvolvimento 1998-2002: 498-499).

A perda de volatilidade do comportamento da taxa DTF, assim como sua forçosa redução, levou a autoridade monetária a expedir a Resolução 6 de 1999 em que reduz o período de ponderação às últimas quatro semanas - ver Tabela 6.5-, medida através da qual tentou dar um sinal de que o custo do crédito hipotecário tinha começado a reduzir-se; no entanto, nos estabelecimentos de crédito hipotecário proliferavam múltiplos sistemas de amortização que conjugavam a capitalização de interesses com as sanções por pagamentos antecipados ao capital e dos que resultavam tantos gradientes de parcelas -entre elas a super-mínima-, que faziam ao sistema de financiamento da moradia em longo prazo cada vez menos transparente, redundando tal opacidade do sistema em um potencial usuário do crédito hipotecário cada vez mais confuso e desconfiado.

No momento de tomar esta última decisão, os membros da Junta Diretiva do Banco da República conheciam que a Corte Constitucional tinha admitido em 1º de fevereiro uma demanda de in exeqüibilidade parcial do artigo 16 da Lei 31 de 1992 e os advogados do Banco lhes reportavam os pormenores do trâmite da demanda na Corte. A intervenção do Banco da República ante a Corte procurou uma resolução de exeqüibilidade para a qual invocou a noção de banca central independente, o mandato constitucional de velar pela capacidade aquisitiva da moeda e a discrecionalidade no manejo da política monetária mas se centrou em demonstrar, sem êxito, que as modificações na metodologia de cálculo não geravam um enriquecimento sem justa causa a seus regulados:

Considera a procuradora do Banco da República que a Junta Diretiva do mesmo, "como autoridade monetária, cambiária e financeira, com sujeição a suas atribuições constitucionais e legais, pode utilizar os instrumentos que acreditem convenientes a fim de obter seu objetivo" de "velar pela estabilidade dos preços", razão pela qual, a seu entender, "tampouco poderia destacar-se que a

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determinação particular que adote" para fixar o valor em pesos da UPAC em desenvolvimento de sua função procurando que reflita o comportamento das taxas de juros na economia, não é contrário à Constituição, mas sim se trata de um mecanismo útil para que o cálculo do valor da UPAC opere "tanto para as captações como para as colocações, pelo qual é evidente que sua aplicação não gera um benefício injustificado para as entidades financeiras, como o sustenta o ator" (Sentença C-383 de 1999, Corte Constitucional).

Tabela 6.5

Decisões da Junta Diretiva do Banco da República sobre a correção monetária, valor da Unidade de Poder aquisitivo Constante em 1999

Resolução

Externa Valor da Unidade de Poder Aquisitivo Constante

#6 do 05/03/1999, rege

a partir do 01/04/1999

Continuará-se tomando o 74% do médio ponderado da DTF efetiva das quatro (4) semanas do mês anterior a aquele cujo valor se calcula a taxa DTF das semanas de cálculo terá a seguinte ponderação: a) A DTF da última semana do mês anterior ao que se calcula pondera 40%. b) A DTF das três semanas anteriores a esta, ponderarão 30%, 20% e 10% respectivamente.

#8 de 14/05/1999, rege

a partir de 01/06/1999

A correção monetária será equivalente a uma percentagem do médio ponderado da DTF efetiva das quatro (4) semanas do mês anterior a aquele cujo valor se calcula. A taxa DTF das semanas de cálculo terá a seguinte ponderação: a) A DTF da última semana do mês anterior ao que se calcula pondera 40%. b) A DTF das três semanas anteriores a esta, ponderação 30%, 20% e 10% respectivamente. Tal percentagem se calculará mensalmente e se obterá de dividir o médio aritmético das taxas de inflação anuais observadas nos doze meses anteriores ao mês no qual se faz o cálculo, entre a taxa de juro nominal correspondente à taxa de juro real de longo prazo.

#10 de 01/06/1999, rege

a partir de 01/06/1999

A correção monetária será equivalente ao médio ponderado das taxas anuais de inflação, medidas com apóie no Índice de Preços ao consumidor – IPC -, dos doze (12) meses anteriores a aquele no qual se faz o cálculo. De maneira transitiva, a correção monetária para os meses de junho a novembro de 1999 será equivalente às seguintes percentagens da inflação calculada conforme ao previsto no artigo anterior:

- Junho: 79,72% - Julho: 83% - Agosto: 86% - Setembro: 90% - Outubro: 93% - Novembro: 97%.

Fonte: Feita com base na informação do Banco da República

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O Congresso da República legislou com notável celeridade pois, além da jurisprudência acumulada nas sucessivas falhas da Corte Constitucional, tinha ao seu dispor os argumentos da Junta Diretiva e dos usuários do crédito que se organizaram na Associação Nacional de Usuários do UPAC - ANUPAC -: em 23 de dezembro de 1999 expediu a Lei 546 que, no primeiro artigo, não só criou o novo sistema no que se retorna à inflação como variável de indexação - a Unidade de Valor Real, UVR - mas sim começou a intervir decididamente no desenho da política de financiamento de moradia em longo prazo com novos acertos institucionais pois estabelece que, para tal efeito, não se poderão capitalizar os interesses e que os devedores hipotecários poderão realizar amortizações extraordinárias ao capital, denominadas como pré-pagos, sem que isso derive em qualquer tipo de sanção que pudessem aplicar aos devedores as entidades financeiras:

Âmbito de aplicação da lei. Esta lei estabelece as normas gerais e assinala os critérios aos quais deve sujeitar o Governo Nacional para regular um sistema especializado de financiamento de moradia individual em longo prazo, ligado ao índice de preços ao consumidor e para determinar condições especiais para a moradia de interesse social urbana e rural. Parágrafo. Sem prejuízo do estabelecido na presente lei, as entidades do setor solidário, as associações mutuarias de economia e crédito, as cooperativas financeiras, os recursos de empregados, o Fundo Nacional da Economia e quaisquer outra entidade diferente dos estabelecimentos de crédito, poderão outorgar créditos de moradia denominados em moeda legal colombiana ou em Unidades de Valor Real, UVR, com as características e condições que aprovem seus respectivos órgãos de direção, sempre que os sistemas de amortização não contemplem capitalização de interesses, nem se imponham sanções por pré-pagos totais ou parciais (1º artigo da Lei 546 de 1999).

Enquanto que os membros da Junta Diretiva do Banco da República

concordavam em que o que estava em jogo nesta junta era a preservação do princípio da separação de poderes. Nesse sentido, o uso da faculdade legislativa do Congresso era inescapável, o conteúdo da Lei 546 de 1999 lhes significou outra derrota na batalha liberada com a Corte Constitucional, sentando-se a partir dela o precedente de que as decisões do banco central independente não poderão estar isentas do controle de constitucionalidade. Para o usuário do crédito hipotecário a Lei 546 significou, em princípio, lhe dar mais transparência ao mercado do crédito hipotecário, pois, na transição do sistema UPAC ao novo sistema de financiamento de moradia em longo prazo - a UVR-, a Superintendência Bancária eliminou 85 dos 90 sistemas de amortização oferecidos até então pelas Corporações de Poupança e Moradia (cf. Romero 2003). Esses sistemas incluíam diferenças substanciais quanto à capitalização de interesses e aceitação de pré-pagos totais ou parciais dos saldos hipotecários insolúveis.

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Mas o legislativo incidiu de forma ainda mais decisiva na política de financiamento da moradia, pois, no artigo 17, riscou os critérios gerais de tal política com cujo contido se tentou, sem sucesso, restaurar a credibilidade do público no sistema e alavancar a reativação da construção civil. O numeral 2º significou o início de um novo capítulo da disputa corporativa cheio de contradições, pois, ainda defendendo a potestade legislativa do Congresso, os membros da Junta Diretiva do Banco da República não se economizaram argumentos para manifestar seu inconformismo e irritação com seu conteúdo. Ele significa uma intervenção permanente da taxa de juro hipotecária e, na prática, torna vai neutralizar a intervenção da autoridade monetária nessa matéria. Ulteriormente, a Corte Constitucional declarou sua exeqüibilidade na Sentença C-955 que resolve uma nova demanda de inconstitucionalidade - ver Tabela 6.6-:

Condições dos créditos de moradia individual. Sem prejuízo do estabelecido no primeiro artigo da presente lei, o Governo Nacional estabelecerá as condições dos créditos de moradia individual em longo prazo, que terão que estar denominados exclusivamente no UVR, de acordo com os seguintes critérios gerais: 1. Estar destinados à compra de moradia nova ou usada ou à construção de

moradia individual. 2. Ter uma taxa de juro remunerativa, calculada sobre a UVR, que se cobrará em

forma vencida e não poderá capitalizar-se. Dita taxa de juro será fixa durante toda a vigência do crédito, a menos que as partes acordem uma redução da mesma e deverão expressar-se única e exclusivamente em términos de taxa anual efetiva.

3. Ter um prazo para sua amortização compreendido entre cinco (5) anos como mínimo e trinta (30) anos como máximo.

4. Estar garantidos com hipotecas de primeiro grau constituídas sobre as moradias financiadas.

5. Ter um montante máximo que não exceda a percentagem, que de maneira geral estabeleça o Governo Nacional, sobre o valor da respectiva unidade residencial, sem prejuízo das normas previstas para o financiamento de moradia de interesse social subsidiable.

6. A primeira cota do empréstimo não poderá representar uma percentagem dos ganhos familiares superior ao que estabeleça, por regulamento, o Governo Nacional.

7. Os sistemas de amortização terão que ser expressamente aprovados pela Superintendência Bancária.

8. Os créditos poderão prepagarse total ou parcialmente em qualquer momento sem penalidade alguma. Em caso de pré-pagos parciais, o devedor terá direito a escolher se o montante abonado diminui o valor da cota ou o prazo da obrigação.

9. Para sua outorga, o estabelecimento de crédito deverá obter e analisar a informação referente ao respectivo devedor e à garantia, com apóie em uma metodologia tecnicamente idônea que permita projetar a evolução previsível tanto do preço do imóvel, como dos ganhos do devedor, de maneira que razoavelmente possa concluir-se que o crédito durante toda sua vida, poderia ser pontualmente atendido e estaria suficientemente garantido.

10. Estar assegurados contra os riscos que determine o Governo Nacional. Parágrafo. Não obstante o disposto no presente artigo, os estabelecimentos de crédito e todas as demais entidades a que se refere o artigo 1° da presente lei,

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poderão outorgar créditos de moradia denominados em moeda legal colombiana, sempre que tais operações de crédito se outorguem com uma taxa fixa de interesse durante todo o prazo do empréstimo, os sistemas de amortização não contemplem capitalização de interesses e se aceite expressamente o pré-pago, total ou parcial, da obrigação em qualquer momento sem penalidade alguma. Aplicar-se-ão a estas operações todas as demais disposições previstas nesta lei para os créditos destinados ao financiamento de moradia individual. Adicionalmente e a solicitude do devedor, as obrigações estabelecidas no UPAC pelos estabelecimentos de crédito e por todas as demais entidades a que se refere o artigo 1° da presente lei, poderão re-nomeasse em moeda legal colombiana nas condições estabelecidas no inciso anterior (artigo 17 da Lei 546 de 1999).

Na transição ao sistema da UVR e com arrumo ao 7º numeral, a

Superintendência Bancária procurou dar maior transparência ao mercado hipotecário facilitando a eleição do sistema de amortização ao usuário, pois, em adiante, este operará só com cinco sistemas reduzindo com isso, além disso, os custos que para a vigilância e controle significava um sistema com 90 opções de amortização. A Lei 546 incorporou, além disso, uma decisão que obrigou a recalcular as dívidas hipotecárias, de maneira que as Corporações de Poupança e Moradia -em adiante Bancos Hipotecários- tiveram que restituir os maiores valores imputados e cobrados aos usuários da UPAC desde 1993 com ocasião da modificação unilateral do contrato de hipoteca que modificou a formula de indexação. Para cobrir tais restituições, o governo recorreu a um complexo sistema de alavancamento que implicou, de um lado, um importante custo fiscal próximo a $1 trilhão e, do outro, mobilizar um conjunto de investimentos forçosos do sistema financeiro próximas aos $2 trilhões (cf. Cuéllar 2005).

Nos numerais 9º e 10º o Congresso da República legislou sobre o risco hipotecário, questão que foi preocupação secular dos economistas inclusive os da Junta Diretiva do Banco da República que, salvo contadas exceções (cf. Clavijo 2001), optaram por guardar um repreensível silêncio. Quando o sistema UPAC operou tendo como base de indexação à inflação, a correção monetária significava a transferência de uma parte do incremento salarial dos trabalhadores aos bancos para que eles atendessem os compromissos com os poupadores e extraíram parte de sua margem de intermediação, sem importar que o preço dos ativos imobiliários adquiridos se contraíra paulatinamente; mas desde que começou a operar o anatocismo e o preço dos bens imobiliários a cair de maneira rápida e sustentada, os bancos hipotecários argumentaram que era um risco que devia ser assumido novamente pelas famílias. O preço comercial de muitos imóveis foi superado pelo saldo da dívida hipotecária. Nas situações mais ruinosas, a dos devedores afetados pelo desemprego ou a flexibilização do contrato de trabalho, eles recorreram a entregar sua moradia aos bancos que, argumentando as limitações de tais bens

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para circular sob a forma dinheiro, tiveram como política não aceitá-los em entrega de pagamento. Solo até que, por força da Lei, foram obrigados a receber as moradias como entrega em pago pelos saldos insolúveis hipotecários, situação de por si penosa e lhe desmoralizem para as famílias cujo principal patrimônio é a moradia, começou-se a entender que neste tipo de operações o risco deve ser compartilhado pelo banco outorgante com o usuário do crédito.

Uma das principais questões que se levantou em relação com os términos estabelecidos na Lei 546 de 1999 é a projeção da evolução previsível do preço do imóvel, pois no fundo essa indicação guarda estreita relação não só com a valoração da garantia real como se com a estruturação do espaço residencial das cidades. Isso acontece na medida em que as contradições inerentes às formas de coordenação das decisões dos estruturadores urbanos e as dos bancos hipotecários, estão concebidas para que seja o mesmo sistema o que se encarregue de estimular a desvalorização virtual dos estoques residenciais. Se o mecanismo de coordenação das decisões de localização residencial das famílias às que lhes é aprovado um crédito hipotecário é a convenção urbana e se, em ausência de políticas urbanas locais, é possível encontrar evidências de antecipações cruzadas em tais decisões que façam que essas convenções sejam débeis, o crédito hipotecário viabiliza a busca de economias de vizinhança.

A projeção dos ganhos das famílias também enfrenta obstáculos, pois o mercado potencial esta composto cada vez mais por arrecadadores de ganhos que só conta com a precária estabilidade que lhe outorga um contrato de trabalho flexível. De maneira que para que o crédito hipotecário seja pontualmente atendido e suficientemente garantido, as alternativas se reduzem cada vez mais a um pequeno grupo de trabalhadores com contrato estável ou, alternativamente, a que o Estado concorra com o potencial usuário do crédito ao banco, isto é, que ofereça uma garantia adicional. As implicações desse novo acerto em torno do tratamento do risco vão se receber diferentes níveis como na adoção de sistemas de administração do risco hipotecário nos entes de vigilância e controle ou no número crescente de observatórios imobiliários nas cidades.

Mas a de maior impacto social é que vai clarificar que são os bancos hipotecários os verdadeiros ordenadores do espaço imobiliário residencial, pois, eles são os que validam um projeto imobiliário na localização e com as características residenciais que permitam manter uma convenção urbana vigorosa, isto é, uma vizinhança de famílias semelhantes dificilmente acessíveis a famílias estranhas ou de menores ganhos.

As características residenciais trocaram notavelmente durante esta década. Os atentados a que foram submetidas as grandes cidades pelos

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narcotraficantes, já por suas guerras intestinas ou já para intimidar à Assembléia Constituinte em sua decisão sobre a extradição, gerou um sentimento de insegurança que foi tomando corpo na adoção de medidas públicas e individuais para lhe fazer frente. Em suas dimensões urbanas e amparadas em variados argumentos como o da impossibilidade de impedir o estacionamento de algum veículo suspeito, tornou-se cada vez mais freqüente encontrar vias fechadas por quão vizinhos os confinavam ao precário amparo de uma cadeia para impedir a circulação veicular e de um vigilante em uma guarita que restringia a entrada de visitantes estranhos.

Somado ao anterior, o avanço de outras formas de delinqüência como o seqüestro e o roubo às residências se foi incorporando em uma retórica da insegurança e a violência urbana que foi catalizada pelos estructuradores urbanos: a residência em conjuntos fechados começou a oferecer-se com mais intensidade que no passado e, ao calor da inovação do muro com seus guardas de segurança, cercas eletrizadas e sistemas de vídeo, a cidade encontrou uma fonte de segmentação ainda mais segregacionista que as do passado. Com fundamento nessa retórica, as cessões obrigatórias gratuitas se foram apropriando por uma espécie de coletividade restrita de moradores que pouco a pouco se foi impondo sobre a cidadania por força da subtração de um dos fatores que a instituem, o espaço público urbano.

Depois da onda terrorista, novos ataques seletivos a lugares de aglomeração foram dirigidos pelos atores armados em seu intento de urbanização do conflito. À medida que a modalidade da residência em conjuntos fechados se foi propagando seletivamente da cúspide das hierarquias intra-urbanas até a periferia, as famílias que tentavam se confinar foi fazendo mais notórias para o crime organizado que, por sua parte, sofisticou seus métodos para acessar aos apreciados tesouros: a segurança real do muro foi degradada pelo emprego da violência, a intimidação, a extorsão ou a chantagem exercida contra algum dos membros da família, além da infiltração nos corpos de segurança privados que são contratados para vigiar o conjunto. Não obstante, o rol simbólico do muro nos conjuntos fechados continua ileso, pois os ativos residenciais que detêm essa característica são os menos propensos a uma depreciação virtual.

No capítulo VI da Lei 546 de 1999 o Congresso da República introduziu medidas relativas ao financiamento da moradia de interesse social subsidiável tais como a distribuição regional de subsídios e a obrigatoriedade das entidades de crédito hipotecário a colocar uma porção deles na moradia de interesse social. Em matéria de ordenamento territorial prorrogaram o prazo de adoção dos POT sugerindo de uma vez a outorga de estímulos para aqueles municípios que se

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acolhessem ao novo término. A Lei 388 de 1997 vai ser complementada em matéria do componente urbano dos POT. No numeral 5 do artigo 13 se convêm em que estes devem conter as estratégias e diretrizes para a disposição “de terrenos necessários para atender a demanda de moradia de interesse social”, mas a Lei 546 vai precisar que esses solos devem ser “amplos e suficientes” para atender todos os mercados da moradia de interesse social:

Os planos de ordenamento territorial deverão contemplar zonas amplas e suficientes para a construção de todos os tipos de moradia de interesse social definidos pelos planos de desenvolvimento e pelas regulamentações do Governo de tal maneira que se garanta a cobertura do déficit residencial para a moradia de interesse social. Com o propósito de garantir a reativação da construção em benefício dos adquirentes, ampliasse até em 30 de junho do ano 2000, o prazo para que os municípios, distritos e a Ilha de San Andrés adotem os planos de ordenamento territorial previstos na Lei 388 de 1997 e prorrogam-se por três (3) meses os prazos contemplados na Lei 505 de 1999, exceto os do artigo 10 de dita lei. O Governo Nacional estabelecerá estímulos em matéria de atribuição de recursos para moradia, equipamento e infra-estrutura viária e de serviços, que não constituam transferências, dirigidos aos municípios e distritos que tenham adotado seu plano de ordenamento territorial antes de 30 de junho do ano 2000. Parágrafo 1. Para aqueles municípios que se erijam com posterioridade à promulgação desta lei estabeleça o prazo até por dois (2) anos, contados a partir da eleição do primeiro prefeito municipal para que adotem os planos de ordenamento territorial prévio cumprimento dos requisitos legais e regulamentares estabelecidos para tais efeitos e referidos na Lei 388 de 1997 e as concordantes que a modifiquem ou adicionem. Parágrafo 2°. Ampliasse o prazo até por um ano mais, contado a partir da vigência da presente lei para os municípios que tenham sido eretos dentro do ano anterior à promulgação desta mesma lei, para que adotem os planos de ordenamento territorial prévio cumprimento dos requisitos legais e regulamentares estabelecidos para tais efeitos e referidos na Lei 388 de 1997 e as concordantes que a modifiquem ou adicionem (artigo 26 da Lei 546 de 1999).

A recessão construtiva residencial e não residencial se acentuo em 1999,

ano em que as entregues de cimento assim como as áreas licenciadas se situaram a níveis como os experimentados quinze anos atrás. Os novos acertos institucionais urbanos em matéria de ordenamento e crédito hipotecário se introduziram no meio do desabamento dos preços dos ativos imobiliários que se prolongaram por três anos mais afetando principalmente aos segmentos residenciais da moradia nova e usada, e dos aluguéis.

Mas um evento da natureza que porá em evidência o desastre do urbanismo das cidades colombianas ocorreu neste mesmo ano: em 25 de janeiro às 13h19min, Colômbia foi estremecida por um terremoto de considerável intensidade e superficialidade, pois alcançou 6.2 graus na escala aberta do Richter e se localizou a só 10 km. de profundidade. Seu epicentro foi o município do Córdoba no

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Departamento do Quindío cujo território faz parte da região conhecida como o Eixo Cafeeiro colombiano, e seu impactou demolidor alcançou a 28 municípios da região, a maior parte deles desse Departamento, afetando uma área que se estimou em 1.360 km2. Às 17h40min horas se sentiu uma réplica de 5.8 graus e, no transcurso do seguinte mês, registraram-se 138 réplicas de menor intensidade que alcançaram até 4.4 graus captando-se em uma área de 300 km2. O desastre do urbanismo e do modo de ocupação do território quindiano que ficou em evidencia com o sismo que cobrou a vida a 1.109 pessoas (o 93.6% do total adjudicado ao sismo), deixou feridas 6.385 (74.8%) e desaparecidas a 596 (81.5%). Além de que foram afetados de maneira consideráveis outros suportes materiais da vida na região, a população do Quindío sofreu as maiores devastações em suas moradias: 31.735 (o 73.0% do total) sofreram danos parciais, 16.458 (o 93.8%) perderam-se totalmente e 15.774 (o 85.6%) ficaram inabitáveis (cf. Alfonso 2001). 6.3 Aperfeiçoamento da Ação Coletiva Urbana, recomposição do capital

imobiliário e primeiros signos de recuperação da construção civil, Colômbia 2000-2008

Um novo ciclo do urbanismo colombiano se iniciou no 2000. As

expectativas criadas entre os prefeitos das cidades colombianas pelos estímulos anunciados no artigo 13 da Lei 546 de 1999 geraram uma avalanche de acordos locais nos que se adotavam as normas de ordenamento territorial. Durante o mês de junho de 2000 se realizaram 110 em outros tantos municípios e só no último dia do mês, data limite assinalada pela Lei, aprovaram-se 32 acordos municipais: 24 esquemas de ordenamento territorial, 7 planos básicos e um plano. Passada a euforia das adoções dos POT, e reconhecida a precariedade fiscal do governo nacional para assumir o compromisso com um programa de alguma transcendência, o aperfeiçoamento da Ação Coletiva Urbana com a adoção das normas de ordenamento continuou ao ritmo do voluntarismo local - ver Tabela 6.7-, sendo um rasgo central o tímido emprego dos instrumentos introduzidos pela Reforma Urbana para garantir uma partilha eqüitativa dos ônus e benefícios do processo de urbanização.

A capacidade anticipativa dos estruturadores urbanos, que tinha sido empregada a fundo para apropriar-se de maneira ilegítima do direito de construir de propriedade das cidades fazendo que se pagasse a preços exorbitantes o solo edificável em seu poder, foi empregada nesta nova conjuntura para procurar novas áreas de solo urbano a preços mais baixos. Essa estratégia foi feita para enfrentar o novo ciclo que se inicia e vai ser facilitada pela definição dos usos do solo e das

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áreas de expansão e de renovação urbana nos planos de ordenamento territorial. Como era de esperarem-se, os mais inescrupulosos recorreram a profissionais do urbanismo que, ao amparo da omissão estatal quando não contando com a conivência das autoridades urbanísticas locais, fugiram do disposto na Lei 388 de 1997 para converter a ilegitimidade de suas práticas formais em um problema de legalidade.

Tabela 6.7

Adoção dos acordos locais de ordenamento territorial por modalidade, Colômbia 1998-2006

Planos de Ordenamento

Territorial

Planos Básicos de Ordenamento

Territorial

Esquemas de Ordenamento

Territorial

Total

Modalidade (*)

Ano # % # % # % # % 1998 1 0,1 1 0,1 1999 4 8,7 3 1,8 25 2,8 32 2,9 2000 22 47,8 73 43,2 388 38,3 433 39,4 2001 11 23,9 30 17,8 140 15,9 181 16,5 2002 9 19,6 29 17,2 100 11,3 138 12,6 2003 14 8,3 103 11,7 117 10,7 2004 10 5,9 82 9,3 92 8,4 2005 5 3,0 34 3,9 39 3,6 2006 1 0,6 5 0,6 6 0,5

Sem O. T. 4 2,4 55 6,2 59 5,4 Total 46 100,0 169 100,0 883 100,0 1.098 100,0

(*):Os planos de ordenamento territorial são exigidos para os municípios com população superior a 100.000 habitantes, os planos básicos com população na fila de 30.000 a 100.000 habitantes e os esquemas para os que não têm mais de 30.000 habitantes (art. 9º, Lei 388 de 1997). Fonte: Cálculos do autor com base em estatísticas da Dirección de Desarrollo Territorial do Ministerio de Medio Ambiente, Vivienda y Desarrollo Territorial.

A atividade construtiva formal começou a experimentar flutuações abruptas, tanto nas áreas licenciadas como nos preços de oferta, que colocaram em dúvida os prognósticos otimistas do governo (cf. Jaramillo 2004b, p. 76-79). Como se aprecia na Figura 5.1, por exemplo, os despachos de cimento às cidades experimentaram fortes oscilações entre 1999 e 2001 e só recuperam seu caminho de crescimento estável a partir de 2002. Em términos da participação regional, a novidade que traz esta junta é o relançamento da atividade nas cidades do Eixo Cafeeiro iniciado durante o ano 1999 como resultado dos processos de reconstrução depois do terremoto, pois cidades como Armênia e Pereira incrementaram sua participação a nível nacional na desmobilização de áreas residenciais e não residenciais -ver Tabela 6.8-. Pelo resto, a primazia imobiliária de Bogotá e, em segundo lugar, do Medellín e do Cali permaneceu quase intacta.

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Tabela 6.8 Dez cidades com a maior participação nas áreas licenciadas para a construção de

bens residenciais e não residenciais, Colômbia 2000-2003 Bens Residenciais Bens Não Residenciais

Cidade Área % Cidade Área % Bogotá 9.030.899 31,3 Bogotá 3.015.552 36,0 Cali 2.335.747 8,1 Medellín 567.436 6,8 Medellín 2.314.116 8,0 Cali 477.007 5,7 Armenia 885.856 3,1 Armenia 365.046 4,4 Barranquilla 738.723 2,6 Barranquilla 338.669 4,0 Bucaramanga 679.695 2,4 Bucaramanga 253.160 3,0 Neiva 619.713 2,1 Pereira 246.941 2,9 Pereira 606.357 2,1 Rionegro 165.495 2,0 Envigado 529.831 1,8 Ibagué 147.556 1,8 Pasto 524.631 1,8 Cúcuta 133.021 1,6 Resto 10.575.471 36,7 Resto 2.676.814 31,9

Total 28.841.039 100,0 Total 8.386.697 100,0 Fonte: Cálculos do autor com apoio nas estatísticas do DANE

Como resultado da entrada em vigor do novo sistema de financiamento da

moradia em longo prazo, o custo do crédito hipotecário continuou moderando-se devido à restituição forçosa da inflação como variável de indexação para o cálculo do valor em pesos da UVR. Além disso, pela fixação do interesse dos créditos hipotecários em uma taxa de juro máxima de 13,9% efetivo anual ou 13,1% mês vencido. Posto que em junho de 2000, o 46,1% da carteira dos bancos hipotecários estava colocada a taxas superiores aos 13,0% (Urrutia 2000, p. 16), estes bancos se deram à tarefa de ajustar as taxas de captação ex ante para preservar suas margens de intermediação financeira que, por então, estimavam-se em 7,9% como diferença entre as taxas marginais de colocação e de captação. O complexo procedimento de re-liquidação dos créditos e das cotas mensais se levou a cabo com celeridade pelos agora bancos comerciais e as comunicações aos usuários levaram um pouco de quietude às famílias: as que contraíram a dívida com antecedência à entrada em vigência da Resolução 26 de 1994 da Junta Diretiva do Banco da República viram restituídas às condições inicialmente pactuadas e as que o fizeram com posterioridade perceberão um notável alívio frente à eleição que tinham realizado em meio da opacidade do sistema.

Conforme se pode inferir das fragmentárias estatísticas da entidade que agremia aos bancos hipotecários, o Instituto Colombiano de Poupança e Moradia - ICAV-, ao finalizar 1999 tinham em seu estoque 6.624 moradias entregues pelos usuários do crédito em dação em pago pela impagável dívida. Nos anos subseqüentes receberam 43.803 moradias por esta mesma razão -ver Tabela 6.9-

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de maneira que, para ter uma idéia da magnitude do fenômeno, as 50.427 moradias recebidas até finalizar o ano 2005 equivaleriam aproximadamente ao estoque total de moradias de uma cidade como Sincelejo, Popayán ou Floridablanca.

Tabela 6.9 Número, valor e margem bruta de negociação das moradias recebidas em entrega

em pago pelos Bancos Hipotecários: Colômbia 2000-2005 Recebidas em

dação em Pagamento

Vendidas Preço Médio ($ Milhões)

Margem Bruta (%) Ano

Número Valor Número Valor Recebidas Vendidas Ano Sem. 2000 8.627 453.037 5.817 286.353 52.5 49.2 - -5,3 2001 7.116 376.540 7.445 380.043 52.9 51.0 -2,8 -7,0 2002 9.402 385.721 8.678 394.255 41.0 45.4 -14,1 0,3 2003 9.020 317.939 8.646 342.991 35.2 39.7 -3,3 5,4 2004 7.046 247.073 10.212 374.933 35.1 36.7 4,2 7,3 2005 2.592 92.179 5.796 214.169 35.6 37.0 5,4 5,5 Fonte: Cálculos do autor com apoio nas estatísticas do ICAV

Nesta mesma Tabela 6.9 se calculou o preço médio ao que se receberam estas moradias e ao que foram vendidas com o propósito de calcular uma margem bruta das transações realizada pelos bancos hipotecários: caso que as moradias em poder dos bancos rota anualmente, a margem é negativo até o ano 2003 inclusive, mas se se assume que as moradias recebidas em entrega de pagamento se monetizavam cada seis meses, a margem bruta começa a ser positivo a partir de 2002 e, em qualquer caso, tal margem converge em 2005 no 5,5% sobre o valor ao que foram recebidos. Esse exercício hipotético, elaborado com dados adicionados mensais, é só uma aproximação à situação que confrontavam as famílias devedoras e que por força da nova institucionalidade vão confrontar em adiante os bancos hipotecários receptores das moradias em entrega em pagamento. Quer dizer, a não reprodutibilidade do valor de aquisição da moradia com uma margem positiva o suficientemente grande para acreditar que os “preços do imóvel raiz sempre sobem” como, de maneira equivoca, assumiam no Banco da República (Urrutia 2000, p. 8-18).

O Gerente Geral do Banco da República iniciou esta reveladora conjuntura invocando um estudo das experiências das borbulhas especulativas que ocasionaram uma abrupta elevação no preço dos escritórios em Estocolmo e Boston e sobre a propriedade imobiliária para usos comerciais em Tóquio e Bangkok nas duas décadas anteriores para assinalar ao setor financeiro como o causador do colapso do sistema. Embora estas experiências pouco contribuíssem à explicação do fenômeno na Colômbia, pois a propriedade imobiliária para usos comerciais não

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se viu envolta em tal paraliso tanto como a moradia, o Gerente Geral enfatizou na invariabilidade dos eventos a escala mundial, característica inata do pensamento único, demonstrando uma notável superficialidade e ligeireza na compreensão do comportamento do mercado da moradia na Colômbia:

A última vez que se gerou algum excesso de oferta de moradias e escritórios tinha sido em 1974, e, portanto, a gente estava acostumada a que os preços do imóvel raiz sempre subiam… O aumento da demanda se multiplicou pelo fornecimento crescente de crédito de moradia. Com preços à alta, as corporações de economia e moradia se comprometeram a financiar um maior número de projetos, e começaram a outorgar empréstimos para cobrir uma maior proporção dos mesmos. Tradicionalmente na Colômbia se financiava até 70% a compradores, este valor é para construtores de moradia, mas em 1995 já havia planos que financiavam até o 90% do projeto (Urrutia 2000, p. 8-18).

Pelo contrário, a instabilidade estrutural do mercado residencial nas

principais cidades da Colômbia ocasionada pela debilidade do mercado como mecanismo de coordenação das decisões de localização, redundou em uma persistente contração dos preços dos ativos imobiliários residenciais para a imensa maioria das famílias que concorrem em seus segmentos. Tal contração de curto prazo, estimada em términos reais entre o 40% e o 50% do preço de 2004 em relação ao alcançado em 1970 em Bogotá (Jaramillo 2004b, p. 73). Por exemplo, origina-se tanto na depreciação real dos ativos residenciais nítida de investimentos em manutenção como, especialmente, na depreciação virtuais a que tais ativos são submetidas em segmentos em que às decisões de localização se convencionam (cf. Abramo 1998, 2007). De maneira que a gente se acostumou era a que, logo depois de comprar a moradia a um determinado preço, era virtualmente impossível vendê-la a um superior que lhes permitisse resgatar o inicialmente pago com algum incremento. Se em alguns segmentos imobiliários não se apresenta tal comportamento é nos do solo urbano pois, em efeito, seu maior ou menor aproveitamento em um ambiente desregulado ocasiona que seus preços difiram grandemente dos que têm em um regulado, mas a modificação das expectativas a que dá lugar a instituição da Reforma Urbana se acostuma a ignorar neste tipo de análise.

Em meio dessa cortina de fumaça levantada com as inoficiosas experiências internacionais, o Gerente Geral fez várias revelações transcendentais sobre o manejo da política de financiamento da moradia em longo prazo: primeiro que o instrumento empregado originalmente pela autoridade monetária para conter o crescimento da carteira hipotecária foi o de uma cândida solicitude de redução do crédito a uns agentes financeiros ávidos de incrementar sua margem de intermediação; segundo, que ante a inoperância de tal instrumento a autoridade

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monetária recorreu a seu arsenal de instrumentos de controle mais convencional que esses ávidos agentes financeiros demonstraram, uma vez mais, ter a capacidade para evadi-los; terceiro que ante a ineficácia dos cândidos ou dos convencionais instrumentos de intervenção sobre a oferta de crédito hipotecário, a autoridade monetária decidiu intervir sobre a demanda para propiciar uma redução de liquidez sem mediar qualquer cálculo de proporcionalidade sobre seu impacto na margem de intermediação dos agentes financeiros e, conseqüentemente, na elevação exorbitante do custo do crédito hipotecário às famílias; e, por último, que todo o desastre econômico e social ocasionado da intervenção da Resolução 26 de 1994 sobre os demandantes individuais de crédito hipotecário - as famílias-, devia haver-se induzido com antecedência:

Embora o Banco da República reiteradamente solicitasse aos bancos reduzir o crescimento da carteira, eles ignoraram sistematicamente as advertências. Em uma reunião o presidente de um dos principais bancos do país lhe respondeu ao Gerente do Banco da República que a função de um banco é emprestar, e que não tinha sentido pedir moderação no crescimento do crédito… Ante o fracasso das advertências o Banco da República em março de 1994, tomou a decisão de impor limites ao crescimento da carteira. Por infortúnio este instrumento é bastante áspero em um sistema financeiro liberalizado e os intermediários do setor encontraram maneiras de fugir dos controles estabelecidos. Teve-se que acudir então à restrição de liquidez e a um aumento gradual nas taxas de juros para reduzir o crescimento da carteira a partir de 1994…Embora muito criticada, a política de aumentar as taxas de juros evitou maiores descalabros. poder-se-ia argumentar que o endurecimento da política monetária deveu iniciar-se antes (Urrutia 2000, p. 21-23).

Em términos do objetivo da política revelado pelo Gerente Geral, isto é, a

redução da liquidez do sistema pela via da contração da carteira hipotecária, o incremento nas taxas de juros tinha demonstrado sua inutilidade. No momento em que escrevia as notas editoriais de janeiro de 2000, o Gerente Geral, que tem acesso às estatísticas do setor financeiro de maneira privilegiada, conhecia que por quinto ano consecutivo o efeito esperado não se apresentava. Os saldos da carteira hipotecária estavam alcançando seu máximo histórico, ainda com os efeitos que sobre o comportamento das aprovações e desembolsos de crédito hipotecário tinha a desconfiança do público na estabilidade contratual das condições pactuadas.

Mas ignorando estas revelações que devem ser consideradas como tais, ou seja, como fatos da política monetária e não como meras opiniões que não comprometem ao Banco da República, alguns co-diretores empenharam-se nesta conjuntura num intento por desmoralizar em público ao vencedor na batalha corporativa de poderes. Mas eles esqueceram que aquilo que estavam fazendo era revelar sua própria desmoralização. Salvando, como de costume, a responsabilidade do Banco da República, Salomón Kalmanovitz começou sua diatribe a Corte

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Constitucional renunciando ao irrenunciável, isto é, a sua condição de co-diretor da Junta Diretiva, e invocando uma suposta unidade de corpo entre os economistas:

Quero expressar primeiro que todo que falo como cidadão, contribuinte e acadêmico e não como autoridade monetária…os economistas vêem alarmados como a Corte tomou decisões da maior transcendência sem um conhecimento adequado do terreno sobre o que está falhando ou sobre o que está regulando e sem consideração sobre as conseqüências dessas falhas no sistema de incentivos que ela desenvolve tanto para os cidadãos como para o futuro crescimento do país (Kalmanovitz 2000).

Tal unidade de corpo é inexistente, pois são reconhecidas as notáveis

cisões ao interior da disciplina. Do enfoque otimista da economia praticada pelo co-diretor, ele revelou uma maneira bastante peculiar de entender o funcionamento dos mercados da moradia e de trabalho, que ilustra o tipo de deliberações que se deviam suscitar na Junta Diretiva. Segundo ele um investimento produtivo -a de um industrial em uma máquina- é equiparável a um investimento improdutivo - a de uma família em uma moradia-, isto é, que o capital envolto rota à mesma velocidade e as condições de risco e incerteza que confrontam os tomadores de decisão é semelhante; além disso, que não há diferenças no tratamento econômico de um agente fixador de preços - como um industrial- e um que é preço lhe aceitem -como um chefe de lar que recebe um salário- e, se por acaso fora pouco, que no novo cenário da economia com contratos de trabalho flexibilizados, o trabalhador pode aspirar a implícitas ascensões qüinqüenais:

O Código Civil proíbe a capitalização de interesses de amora, mas permite a capitalização de interesses exigíveis em forma convinda. A Corte em sua sentença C-747 de 1999 declarou inexeqüível a capitalização de interesses só quando se aplica em créditos de moradia de comprimento agrado e não quando se utiliza em outros tipos de obrigações. “Quando se tratar de créditos para a aquisição de moradia, é evidente que a 'capitalização de interesses', sim resulta em contra do artigo 51 da Constituição, pois... a Constituição estabelece o 'direito à moradia digna' como um dos direitos sociais e econômicos dos colombianos”. Quando um industrial se endivida para adquirir um bem de capital que estará operando plenamente a 5 anos pode capitalizar seus interesses de 4 anos para que seu fluxo de caixa corra paralelo com o serviço de sua dívida. Resulta que isto, de algum jeito, não é digno. Mas se um adquirente de moradia tem um problema similar e sabe que em razão das ascensões que estão implícitos em sua carreira ganhará mais em términos reais em 5 anos, não pode recorrer ao mesmo procedimento para ligar seus ganhos ao serviço de sua dívida. Se o proíbe a Corte para protegê-lo, como a um infante, pelo que a maioria de magistrados considera inconveniente (Kalmanovitz 2000).

O discurso liberalizador se empregou novamente de maneira inadequada para estigmatizar a regulação do sistema financeiro como a causador do sub-desenvolvimento e uma das barreiras para o desenvolvimento do capitalismo. Os

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discutíveis argumentos do co-diretor, como aquele de que as medidas para rebater a usura propiciam a elevação das taxas de juros e das margens financeiros, apareciam pueris ante a revelação do Gerente Geral. Em efeito, os presidentes das entidades financeiras não recorriam à autoridade monetária em busca de mais leis para conter a usura, mas sim, pelo contrário, estavam ao comando de entidades que fugiram da regulação financeira para ampliar as margens de intermediação. Em defesa do poder quase-monopólico dos bancos e em uma postura conivente com a opacidade do sistema de financiamento da moradia em longo prazo, o co-diretor justificava o anatocismo como uma das mais engenhosas alternativas dentro das 90 às que o sistema submeteu a eleição do usuário do crédito hipotecário:

Terá que seguir afirmando que em economias inflacionárias e de alto risco macroeconômico os sistemas de financiamento de comprimento agrado têm que ser de correção por inflação mais taxa de juro, ao que terá que lhe adicionar um mecanismo de cobertura de risco, que a capitalização de juros sistema engenhoso que amplia o financiamento de obrigações de longo prazo a um número maior de pessoas. pode-se afirmar inclusive que as limitações anti-técnicas que lhe impõem ao sistema financeiro, como as leis contra a usura e a proibição da capitalização de interesses, terminam por impedir subdesenvolvimento (sic), a fazer que as taxas de juros e os margens de intermediação financeiro sejam mais altos e a travar crucialmente o desenvolvimento tanto da moradia em particular como do capitalismo em nosso país (Kalmanovitz 2000).

Em julho de 2000, a Corte Constitucional declarou ajustada à Constituição

a Lei 546 de 1999 e, com isso, o mecanismo de regulação da taxa de juro hipotecário contido no 2º numeral do artigo 17 da mesma - ver Tabela 6.6-. Dois magistrados da Corte recorreram ao salvamento de voto logo depois de que seus argumentos sobre a invasão das órbitas funcionais do Congresso e do Banco da República fossem desatendidos pela maioria associada. Da mesma maneira, o conteúdo da sentença proferida significou uma nova derrota da Junta Diretiva do Banco da República na luta corporativa de poderes que os enfrento desde um ano atrás. A maioria do associado que acolheu a decisão se encarregou de dissipar as dúvidas que sobre a unicidade e solidariedade corporativa: eles repudiaram o salvamento de voto dos dois magistrados levantando o discurso que diz respeito que assumir a função como se fossem juízes singulares não é constitucional. No entanto, os membros da autoridade monetária começaram a revelar individualmente ao público suas crenças particulares que não faziam mais que evidenciar a disparidade de critérios lhe reinem ali sobre a natureza do colapso e o tipo de medidas de política econômica para contê-lo.

Entrado o 2001 e recorrendo a um discurso que tentava agradar a gregos e troianos, o co-diretor Sergio Clavijo continuou com as revelações sobre as

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ligeirezas com que os policy makers crioulos obraram para arrasar a credibilidade do sistema UPAC e com o patrimônio de milhares de famílias. Esquecendo que foi a mesma Junta Diretiva do Banco da República a que, ao proferir a Resolução 26 de 1994, propiciou a modificação unilateral das condições do contrato de hipoteca, o co-diretor reclamava das intervenções da Corte Constitucional seus efeitos negativos sobre o desenvolvimento econômico e social da Colômbia. Mas, em oposição aberta à postura do co-diretor Kalmanovitz, manifestava seu alinhamento com o conteúdo da Lei 546 de 1999:

O desenvolvimento econômico e social na Colômbia está ameaçado, entre outros fatores, pela “instabilidade jurídica”, agravada agora pelo ativismo da Corte Constitucional durante os anos 1994-2000… Não só pelo respeito à separação de poderes, mas sim porque é o que lhe convém ao crescimento de comprimento agrado do país, concluímos que deveriam sobressair, como nos países desenvolvidos, os acertos institucionais através dos quais as discrepâncias econômicas se dirimem, por excelência, no Congresso da República (Clavijo 2001).

A confusão ao interior do Banco da República era evidente. Enquanto o Gerente Geral revelou que o objetivo da política de crédito era induzir da demanda a restrição de liquidez e para o co-direcor Kalmanovitz se teria como efeito “levar o financiamento em longo prazo da moradia a um maior número de famílias”, para o codirector Clavijo as medidas tomadas pela Junta Diretiva da Resolução 26 de 1994 perseguiam o objetivo oposto. Elas se tomaram sob a presunção de que com elas ia se evitar a perda de competitividade das Corporações de Economia e Moradia frente ao resto de entidades do sistema financeiro e que, como efeito, o infortúnio das famílias devedoras não podia advertir-se antecipadamente. Não obstante os dissimiles objetivos de política na mente do Gerente Geral e os co-diretores e suas extravagantes aproximações aos efeitos, à decisão associada sobre o instrumento de política a empregar se tomou sem major cautela:

Como se observa no Quadro 1, a falha relativa à atadura exclusiva da correção monetária à inflação recente (C-383 de Maio de 1999) teve várias virtudes, de um ponto de vista econômico. Por um lado, isso evitará para o futuro desagradáveis surpresas no custo que representará para os devedores a taxa de juro real, como infortunadamente ocorreu durante os anos 1993-1999. Como se lembra, durante este período a correção monetária esteve atada à taxa de juro de mercado (Banco da República, 1999, p.2), pois se presumia que através deste mecanismo se evitaria que as CAVs perdessem competitividade na captação de seus recursos. Especialmente durante os anos 1995-98, isso deu como resultado que sob o componente de “correção monetária” se acumulasse uma maior dívida, sem que isso pudesse advertir-se antecipadamente (Clavijo 2001).

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A não sostenibilidade dos sistemas de pagamento induzida pela reforma ao sistema UPAC em 1994, em meio da opacidade do mercado de hipotecas, foi finalmente reconhecida pelo co-diretor Clavijo. Dessa maneira, assentia sobre o sentido da intervenção da Corte Constitucional, não obstante que deixasse em claro que não estava de acordo com a forma em que o tinha feito, isto é, que seguia obstinado à noção da separação de poderes em defesa da autonomia da Junta Diretiva do Banco da República:

Outro efeito positivo derivado de ditas falhas e das Leis respectivas é que ao proibir a capitalização de interesses, regular os sistemas de amortização e exigir ao menos o 30% da cota inicial se evitam esquemas de pagamento que podem voltar-se insustentáveis à medida que balança a vida do crédito. O antecedente das chamadas cotas super-mínimas resultou funesto, pois os devedores dificilmente podiam ter antecipado o que isso implicava em términos de fluxos de recursos necessários para atender sortes obrigações, digamos, à altura do terceiro ano do crédito. Isto deu como resultado a entrega de ditos imóveis em entrega de pagamento à respectiva CAV, ante a impossibilidade de servir sorte dívida, o qual se viu agravado pela desvalorização da moradia devido à crise financeira que estalou em 1998 (Clavijo 2001).

A entrada da administração Uribe ao governo alimentava expectativas sobre mudanças de fundo no ordenamento territorial e na política de construção e financiamento da moradia em longo prazo. Um dos suportes ideológicos da campanha presidencial foi o argumento conservador da propriedade como requisito para acessar aos direitos e deveres que significa ser cidadão e que o então candidato Uribe difundia sob o slogan de “um país de proprietários”. Para o governo entrante era iniludível adotar uma postura sobre a situação herdada, reconhecida a importância estratégica do mercado de hipotecas para seu ideário político, e as tese do co-diretor Clavijo terminaram por ser as mais convenientes, assim não fossem as mais convincentes, pois lhe permitiram continuar abraçando as idéias ortodoxas do manejo do Estado praticadas por seus antecessores neoliberais e, de uma vez, reclamar deles os desacertos no manejo da política de financiamento da moradia em longo prazo, em particular, o inadequado instrumento empregado, a DTF com capitalização de interesses:

Somado ao anterior, fica claro que a decisão adotada no passado de pôr a competir às CAV com outros estabelecimentos de crédito não obteve os resultados esperados, ante o inadequado desenvolvimento dos mecanismos que em seu momento se desenharam para propiciar sorte competência. Portanto, fica a responsabilidade de realizar os esforços necessários para que a história não se repita, com o qual as entidades devem inclinar pela diversificação de suas pastas, tanto ativos como passivos, reduzindo assim a alta concentração que tradicionalmente se apresentou em créditos de moradia e depósitos à vista, ao tempo que se deve procurar o desenvolvimento de mecanismos como a

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titularização e a emissão de bônus hipotecários, para que se cumpra com a finalidade com que foram criados (Romero 2003).

No primeiro ano de iniciado o mandato, a administração Uribe se encontrou de cara a um fenômeno radicalmente adverso as tese ortodoxas praticadas desde 1994 pela Junta Diretiva e reveladas pelo Gerente Geral do Banco da República em janeiro de 2000. Sob o novo marco para o financiamento da moradia em longo prazo instaurado com a Lei 546 de 1999 e em condições macroeconômicas semelhantes às prevalecentes então, o objetivo açoitado pela ortodoxia -a restrição de liquidez- alcançava-se com taxas de juros grandemente mais baixas, paradoxo excessivamente incômoda para os defensores do credo monetário ortodoxo. A retórica sobre a influência negativa das decisões da Corte Constitucional e o Congresso da República sobre o crédito hipotecário, especialmente para a moradia de interesse social, apareceu como recurso explicativo do fenômeno no que o pensamento único insistiu em criar cortinas de fumaça. O mais comum, à de comparar o financiamento da moradia ao que se outorga para facilitar o consumo de um bem normal:

Como conseqüência da limitação à taxa de juro que se cobra sobra os créditos de moradia e do amparo que estendeu aos devedores hipotecários frente ao pagamento da carteira vencida, se desestimulou a colocação de crédito hipotecário, em particular da moradia de interesse social (VIS), frente à outorga de consumo ou comercial, onde há liberdade no pagamento da taxa de juro e menores riscos e gastos administrativos. Em conseqüência, a carteira hipotecária passou de 81% (em 1997) da carteira total dos bancos hipotecária, aos 53% (em 2004); e de $18 trilhões de carteira, hoje se têm $13 trilhões (Cuéllar 2005, p. 26).

Se fosse verdade a afirmação do desestímulo à colocação de crédito hipotecário para os lares de baixos ganhos, tal fenômeno constituiria, segundo meu parecer, a sentença histórica mais concludente do desacerto atribuído pela Junta Diretiva do Banco da República e o grêmio das Corporações de Poupança e Moradia às decisões da Corte Constitucional. Também à jurisprudência que o Congresso da República incorporou na Lei 546 de 1999. Para infortúnio dos argumentos da Junta Diretiva e da Presidência do Instituto Colombiano de Poupança e Moradia, ocorreu exatamente o contrário. Embora haja operado outros mecanismos para garantir o acesso das famílias demandantes de moradia de interesse social ao crédito hipotecário, o certo é que o crédito hipotecário para a moradia de interesse social aumentou notavelmente sua participação no mercado hipotecário. Tais mecanismos foram às contas de economia programada com as que se tenta forçar uma poupança prévia que faça menos oneroso o serviço do crédito às famílias de baixos ganhos, o seguro aos devedores despedidos sem justa causa ou o de cobertura dos créditos

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por um incremento da UVR superior a uma taxa de referência. Além disso, o montante médio do crédito outorgado também o tem feito, respondendo ao estímulo dado pelo novo marco institucional do crédito vigente desde inícios do ano 2000.

Figura 6.4 Participação (%) dos créditos hipotecários para moradia de interesse social no

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De maneira que as que se desestimularam foram às aprovações de crédito hipotecário para as modalidades de moradia que não são de interesse social. O comportamento dessas famílias, beneficiadas agora com a restauração das condições pactuadas com antecedência à Resolução 26 de 1994 e o das que o foi por ter contratado o crédito em meio da opacidade do mercado de hipotecas e os

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desacertos da Junta Diretiva do Banco da República, não podia permanecer intacto depois de ter sido submetida a um oneroso processo de aprendizagem. A perda de confiança na estabilidade do contrato de hipoteca e na estabilidade das condições pactuadas, fenômeno que alavancado pelo desemprego persistente e as precárias probabilidades do crescente contingente de trabalhadores informais de contar com um ingresso estável para cobrir as cotas mensais, vai desembocar de esse jeito em uma inédita contração do mercado de financiamento da moradia em longo prazo. No sistema UVR por cada $100 de carteira hipotecária em 1999, ao finalizar o 2005 o sistema só conta com $46. Como se aprecia na Figura 6.5, as colocações das até então Corporações de Poupança e Moradia alcançaram seu batente em 1999. De ali começa seu notável declive originado nos abonos a capital e os cancelamentos antecipados, nas entregas das moradias em entrega em pago pelas dívidas contraídas e nas dificuldades para a colocação de novos créditos individuais diferentes a moradias de interesse social nas novas condições de previsão do risco.

O comportamento da carteira hipotecária é notoriamente heterogêneo a escala local e regional, sendo o único semelhante à convergência em anos recentes à mencionada contração. Na Figura 6.5 (a) contrasta-se a tendência da carteira hipotecária na Colômbia com a de Bogotá que evidência como o comportamento dos lares bogotanos em relação com o crédito hipotecário assinala a tendência geral do país devido a sua considerável importância no mercado nacional de colocações que, na última década, oscilou entre o 45,5% e o 51,9% do mercado hipotecário nacional.

Tendências semelhantes experimentam os saldos da carteira hipotecária nas cidades do Medellín, Armênia e Santa Marta como se ilustra na Figura 6.5 (b). Na Figura 6.5 (c) pode-se inferir que existiu uma maior reciprocidade bancária entre os usuários do crédito e os bancos hipotecários na Bucaramanga, Barranquilla, Ibagué e Neiva, na medida em que nestas cidades os saldos da carteira hipotecária se mantiveram a níveis elevados durante quatro anos -1998 a 2001 - para começar a adequar-se à tendência contracionista a partir de 2002.

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Figura 6.5 Índice (1999=100%) da carteira hipotecária dos sistemas UPAC (1995-1999) e UVR

(2000-2005*): Colômbia e 15 cidades

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A heterogeneidade regional manifesta no comportamento da carteira

hipotecária põe de presente que, de ter existido excessos de liquidez segundo a revelação do Gerente Geral do Banco da República, estes irrigavam só a algumas fracione do capital imobiliário. Particularmente as que operavam no Cali e Envigado e, em segunda ordem, as da Bucaramanga, Barranquilla, Ibagué e Neiva. Mas o mecanismo empregado para induzir a restrição de liquidez além de inócuo causou estragos na confiança do público em todas as cidades do país. Seguindo a revelação do co-diretor Clavijo, o resultado esperado do emprego do mecanismo da taxa de juro era o incremento da competitividade das Corporações de Poupança e Moradia, agora Bancos Comerciais, na captação de depósitos à vista, a medida tomada não pôde ser mais desastrosa, pois a perda de confiança do público desestimulou, conforme insisti, a colação de novos créditos para o financiamento da moradia em longo prazo e, de uma vez, estimulou a realização dos pagos com antecedência.

Tal perda de confiança afeta tanto aos construtores como às famílias, mas nestas últimas o fenômeno é mais intenso. A partir de cálculo de uma meia móvel de sete anos com apóie nas estatísticas dos Gráficos 8 e 9, estimei que por volta de 1988 o sistema UPAC desembolsava em média o 70,2% do crédito que era aprovado aos construtores, chegando a ser de 80,1% dez anos depois, enquanto que durante a vigência da UVR os desembolsos se reduziram aos 62,8% das aprovações. A situação com as famílias - ver Figura 11 - foi diferente pois de empregar em média o 95,2% do crédito solicitado em 1988, a eficácia da modificação da formula do cálculo do valor da UPAC fez que essa utilização se contraíra paulatinamente até alcançar o 81,7% em média em 1998; durante a vigência do sistema UVR, esse cociente continuou descendendo até alcançar o 73,8%.

Um comportamento excepcional experimentou o crédito hipotecário no Cali e, mais notoriamente, no Envigado. Como se evidencia na Figura 6.5 (d), o crescimento da demanda por crédito hipotecário se antecipou quatro anos à tendência adicionada do país e a contração dos saldos hipotecários foi a mais dramática de todas as cidades: para exemplificar a magnitude de tal contração suponhamos um devedor hipotecário médio do Envigado cuja dívida subia a $345.5 milhões em 1998 e, já ao finalizar o ano 2005, solo endividava $6.7 milhões. Uma tendência semelhante embora mais moderada experimentasse o crédito hipotecário em cidades como Pereira, Cúcuta, Cartagena e Villavicencio aonde a antecipação foi de solo um ano e a velocidade da contração, como se mostra na Figura 6.5(e) foi muito mais moderado que no Cali e Envigado. O comportamento agregado do

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crédito hipotecário no resto de cidades do país põe de presente sua contração prévia a 1999 e, posteriormente, seu paralelismo com a tendência nacional.

Figura 6.6

Acumulado de aprovações de crédito hipotecário no UPAC não entregues aos construtores e às famílias, Colômbia 1999 - 2005

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Como se infere da Figura 6.6, durante os primeiros anos de vigência do novo marco do financiamento da moradia em longo prazo, a tendência do crédito hipotecária às famílias que alavanca ao mercado da moradia nova foi menos errática que a do mercado das sub-rogações individuais para a aquisição da moradia usada. Do mesmo modo, o montante médio do crédito hipotecário para a aquisição da moradia nova se reduziu de forma persistente até finais de 2003, por debaixo do

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médio histórico dos $22 milhões e, além disso, o montante do crédito para a moradia usada foi, em média, quase 50% mais elevado que o montante do crédito original. Este é um fenômeno transcendente para a compreensão do funcionamento dos segmentos imobiliários residenciais, pois o fato de que as famílias que compram uma moradia usada, por regra general, demandem uma maior porção de crédito hipotecário que as que acessam a uma moradia nova. Esse fato sugere que as famílias que chegam a localizações antigas são de menores ganhos que as precedentes e que os bancos hipotecários, ao validar com a sub-rogação do crédito hipotecário individual a localização da família entrante, está contribuindo à depreciação fictícia do estoque residencial da vizinhança receptora.

Figura 6.7 Montante médio dos créditos hipotecários individuais sub-rogados para aquisição de

moradia nova e usados: Colômbia 1999-2005 (Milhões do $ Correntes)

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��" � =��!� Fonte: Cálculos do autor com apoio nas estatísticas do ICAV e DNP

Essa é uma das contradições mais flagrantes do sistema, pois explica a redução paulatina do preço dos ativos residenciais e a resistência de um número considerável de famílias a abandonar suas vizinhanças ante a chegada de novos vizinhos se isso lhes significar uma perda patrimonial apreciável: durante esse

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período, de cada 10 famílias que demandaram crédito hipotecário só uma o solicitou para adquirir moradia usada. Como argumentei, a resposta do capital imobiliário foi o emprego de um discurso da violência e a insegurança urbana para suportar ideologicamente a necessidade de que a residência seja provida em conjuntos fechados, de maneira que as muralhas que a rodeiam passam a simbolizar a segurança, mas também a exclusão, ou seja, a impermeabilização da vizinhança rico do vizinho diferente. E o valor da garantia do crédito se preserva.

Durante essa conjuntura se fez ainda mais evidente que a principal barreira para a democratização do acesso ao crédito hipotecário está na imbricação das políticas monetária e trabalhista: a primeira por seu torcido anti-salarial e a segunda por levantar a informalidade trabalhista urbana com a flexibilização do contrato de trabalho. Parece uma asserção contra-evidente, pois, em efeito, na Figura 7 é possível constatar a inflexão da tendência da taxa de desemprego a partir do primeiro trimestre de 2001 enquanto que se verifica uma aguda contração da carteira hipotecária. A questão central a explicar é como pode ocorrer tal contração em meio de uma redução da taxa de desemprego? A resposta é simples. Na Colômbia o desemprego e a taxa de desemprego vão sentidos opostos ou, em outras palavras, se se deseja diminuir a taxa de desemprego a melhor política é modificar a metodologia empregada em sua medição. Mas, se de diminuir o desemprego se trata à ortodoxia, em sua ambigüidade, recomenda recorrer novamente a sacrifícios sociais, mas não descarta o emprego de instrumentos keynesianos.

Desde inícios de 2001, quando a taxa de desemprego se situou no 20,1% da População Economicamente Ativa, começou sua inelutável descida até situar-se no 13,5% ao finalizar o 2004. É precisamente desde começos de 2001 que se introduziu uma modificação drástica na metodologia para a medição da taxa de desemprego e, por força da inovação conceitual em que se fundamenta, a partir de então os ocupados, desocupados, inativos e subempregados são diferentes dos que existiram até dezembro de 2000. O impacto da nova metodologia sobre a medição da taxa de desemprego é discernível do esclarecimento do Gerente do Banco da República sobre o que antes não era absorvido e desde 2001 o é:

Os países andinos se caracterizam por sua elevada taxa de informalidade. Este setor permite que uma parte dos aumentos da taxa de participação, e conseqüentemente da População Economicamente Ativa (P), sejam absorvidos como PEA ocupada, em uma parte em função do aumento do produto interno bruto (PIB), mas também em outra parte graças ao crescimento do setor informal urbano (Urrutia 2002, p. 11).

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De maneira complementar, as estimativas do tamanho do mercado de trabalho já não se realizam com apóie nas projeções da população total, mas sim da população em idade de trabalhar. Como na base das projeções a taxa de crescimento da população menor de doze anos é maior que a taxa de crescimento da população total, a persistente contração do tamanho do mercado de trabalho é o único resultado plausível do exercício que continuamente realiza agora o Banco da República sobre o desemprego nas cidades das principais zonas metropolitanas do país. Mas, em uma virada ideológica insuspeita que contrariou seu pronunciamento de um ano atrás e os instrumentos que empregou o Banco da República durante o interlúdio recessivo recente da economia colombiana, o Gerente Geral de maneira ambígua sugeriu a necessidade de ampliação da liquidez e de redução das taxas de juros:

A política monetária pode contribuir à geração de emprego em um momento de recessão. A redução nas taxas de juros de intervenção por parte do banco central pode aumentar a demanda agregada da economia mediante o incentivo ao consumo e o investimento. A sua vez, o banco central pode seguir uma política contra cíclica, aumentando a liquidez da economia e reduzindo as taxas de juros em épocas de recessão ou sob crescimento. Entretanto, a política monetária só pode aumentar o emprego marginal e temporalmente, devido a conta com uma série de limitantes. Entre estas limitantes se encontram as relacionadas com o setor externo, que surgem, em parte, da impossibilidade de conduzir uma redução indiscriminada das taxas de juros sem ter em conta as pressões que isto geraria sobre a taxa de mudança, o qual poderia levar as condições especulativas nos mercados (Urrutia 2002, p. 5-6).

Com a inundação de dólares à economia mundial por conta da ampliação persistente dos déficits fiscal e comercial dos Estados Unidos que fez cair a cotação interna da divisa, as condições especulativos nos mercados financeiros não ocorreram o que atualmente coloca em questão a eficácia dos instrumentos monetários ortodoxos em uma economia pequena e dependente como a colombiana. 6.4 O trânsito ao planejamento urbano em Bogotá, primazia do discurso sobre

mobilidade urbana e inoperância da política nacional de moradia de interesse social na Capital da República

As expectativas dos agentes da estruturação residencial urbana,

especialmente as dos estruturadores urbanos, em razão da nova ordem futuro intervindo da promulgação do artigo 82 da Nova Constituição Política da Colômbia em 1991, modificaram-se de maneira estrutural. Por então, diferentes vizinhanças de Bogotá estavam sendo submetidos a uma seqüela de atentados com dinamite cujos

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responsáveis eram os narcotraficantes que tentavam amedrontar a seus residentes como estratégia para fazer modificar por meio da violência a decisão da Assembléia Nacional Constituinte sobre a extradição de colombianos reclamados pela justiça do exterior, em particular a dos Estados Unidos. Esses eventos, somados ao auge da delinqüência comum, relançaram entre os bogotanos a idéia da insegurança urbana que, novamente, foi captada pelos estruturadores urbanos que introduziram mais e mais inovações residenciais ligadas à estratégia publicitária da garantia à vida e bens dos residentes nos condomínios fechados, forma predominante para acolher tais inovações.

A delinqüência sofisticou seus métodos e, ao igual a em outras metrópoles latino-americanas, deu-se à tarefa de burlar as barreiras desenhadas pelos estruturadores urbanos. O furto a residências se tornou após uma atividade delitiva própria do crime organizado. Mas, por mais que a sensação de insegurança diminua, a proliferação dos conjuntos fechados continua criando-se com isso um panorama urbano caracterizado pela captura do espaço público urbano e pela diminuição do patrão de sociabilidade da cidade que isso conduz. A demanda de conjuntos fechados horizontais e as propostas de vizinhanças destas características pelos estruturadores urbanos virou na maior pressão sobre o mercado do solo para lares de ganhos médios e altos. As inovações estatais em políticas de moradia para lares de baixos ganhos entraram em uma fase de inoperância crítica originada na elevação substancial dos preços do solo urbano e dos custos dos materiais da construção, de cara a um subsídio direto à demanda de moradia regulada pelo mecanismo de preço cubro.

É nessa etapa em que o capital estruturador põe em evidência seus verdadeiros rasgos distintivos à luz das mutações originadas na crise de 1999. O vínculo que o mantinha cativo ao crédito construtor com os bancos hipotecários se debilitou em razão da desconfiança do público sobre a estabilidade das condições do contrato de hipoteca e, além disso, pela constatação do elevado custo da moeda de crédito hipotecário para as famílias. A demanda de ativos residenciais produzidos formalmente é administrada após de maneira diferente. As pre-vendas de vizinhanças sobre a base de planos de edificações adquiriu recentemente tal importância que perto de 52% dos novos lançamentos imobiliários residenciais se construíram por este mecanismo. De outra parte, uma porção aparentemente relevante desse estoque se está produzindo exclusivamente para o aluguel, pois, em efeito, a crise de 1999 propulsou tal sub-mercado, pois, de um lado, as famílias preferem viver em arrendo até acumular uma porção do valor final da futura residência antes que incorrer em uma maior hipoteca e, do outro, as novas

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condições de mobilidade da cidade fazem da localização residencial uma decisão crucial pois os custos de transporte se elevaram substancialmente.

Figura 6.8

Mobilidade cotidiana e desemprego, Bogotá 1971-2004

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É por isso que o discurso sobre a mobilidade urbana se tornou dominante no espaço das políticas urbanas. Para a maior parte dos analistas, o crescimento do modo privado de transporte transbordou o ritmo da provisão das condições de acessibilidade urbana, sobrevindo à congestão viária que encarece os deslocamentos cotidianos. É possível que tal dês-balanço esteja tendo alguma influência, mas, no mesmo sentido, é evidente a maior demanda de deslocamentos originada na flexibilização do contrato de trabalho com que iniciou o programa liberalizador da economia colombiana, pois, em efeito, tal flexibilização implica que o trabalhador deve estar disposto para fazer algo, em qualquer momento e em qualquer lugar, a diferença do regime anterior no que o contrato de trabalho estável reduzia a incerteza urbana de maneira notória. Além disso, o crescimento da taxa de desemprego e da informalidade urbana, como se observa na Figura 6.8 modifica a sociabilidade, pois, tal como acontecem com outras espécies do reino animal, os

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humanos hostilizam a aquilo que lhe temem; quer dizer, o gigante sub-empregado e informatizado é uma ameaça para o posto do trabalhador estável. 6.4.1 Bens públicos urbanos A provisão dos bens públicos urbanos durante este período experimentou um avanço relativo em relação com os períodos precedentes, pois, de um lado, a discussão sobre o Sistema Integrado de Transporte Maciço foi sendo governada cada vez mais pelo discurso a respeito da mobilidade urbana e, de outro, a entrada em vigor da nova regulação sobre água potável e saneamento básico e seu baluarte, a tarifa coloque que reflita os custos de sua provisão e que inclua mais que uma porção de subsídio ao consumo básico dos lares pobres, incidiram nas finanças locais para fazer contrair o saldo da dívida pública com muita claridade ao menos até 1998 pois, dali em adiante, tal saldo entrou em uma fase de tal volatilidade que volta incerto o suceder do endividamento público, tal como se aprecia na Figura 6.9.

Figura 6.9

Velocidade do crescimento do saldo da dívida pública e dos ganhos tributários, Bogotá 1950-2004

(Diferença dos logaritmos)

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Fonte: Construída com apoio nas estatísticas da Secretaria da Fazenda Distrital

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O Sistema Integrado de Transporte Coletivo entrou na conjuntura 1998/1999 em uma etapa decisiva. A decisão do nível central de governo de alavancar financeiramente a construção da Primeira Linha do Metro - PLM - em US$3.041 milhões, referendada em um documento de política lhe vinculem que se acompanhou, além disso, do traçado inicial, detonou um processo de antecipações que afetou sobremaneira o preço do solo nas zonas próximas às estações da PLM. Note-se na Figura 6.8 que é nesse ano no que o saldo da dívida se contrai de maneira dramática, o que permite inferir que as finanças de Bogotá estavam sendo preparadas para confrontar as exigências financeiras desta operação. Houve, além disso, substituição de fontes na medida em que durante o período o 56,4% em média se endivida com os bancos multilaterais quando no período anterior esses bancos eram proprietários de 78,1% de tais saldos, de maneira que a maior participação relativa dos bancos local se originou na menor escala dos projetos urbanos atacados pelo governo da cidade. 6.4.1.1 Acessibilidade A provisão das condições de acessibilidade urbana se enfocou, até 1996, a realizar as complementações arteriais para conectar o sur-ocidente da cidade com o ocidente, dando estas políticas continuidade à estratégia pendular iniciada no período anterior. No setor da Central de Provisões em Cidade Kennedy se continuou a intervenção iniciada na confluência da Avenida Dagoberto Mejía com a Avenida Cidade do Cali, para conduzir os fluxos viários para a Avenida das Américas e, dali, para o ocidente de Bogotá. Outras intervenções à altura da Avenida o Chile articulam a Avenida Cidade do Cali com a Avenida Cundinamarca, enquanto que a 9ª Avenida no norte da cidade vai conectar os desenvolvimentos de La Carolina próximas ao Unicentro com o desenvolvimento residencial médio alto que está tendo lugar para o nor-ocidente, no que Cedritos constitui o desenvolvimento mais emblemático da época. Outras obras, como as realizadas sobre a Avenida Caracas, não aumentam o traçado viário arterial, mas sim tentam adequá-lo para os novos modos de transporte.

As expectativas sobre a decisão da PML frearam outros desenvolvimentos viários arteriais que se tinham previstos na cidade. O compromisso da Nação se referendou no Documento CONPES 2999 em 1998, cuja decisão foi vincular ao nível central de governo com o 70% do serviço da dívida pública com a que se ajudariam os custos do projeto. Ao acompanhar a decisão do traçado proposto da PLM as antecipações estiveram ao alcance de todos e, ainda assim, a decisão de maneira

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pacata sugeria “estudar a conveniência da mais-valia” qualificada erroneamente como imposto:

O traçado proposto da PLM se apresenta na Figura 1. A PLM tem uma longitude de 29.34 km e 23 estações de passageiros, entre o terminal de Porto Amor no Engativá e o patio/escritorio do Tintalito. O desenho inicial do corredor férreo compreende 21.7 km elevados, 1 km em nível e 6.6 km subterrâneos. Inclui assim mesmo dois pátios de manutenção e reparação de equipes, a equipe da rodovia, os sistemas de transmissão de energia, equipem de sinalização e telecomunicações. … A Câmara de vereadores Distrital criou e regulamentou o pagamento e o destino de uma sobretaxa à gasolina na cidade como um mecanismo de financiamento do sistema de transporte maciço (Metro), manutenção viária, o plano viário e pavimentos locais. Para a construção da PLM o Distrito prevê o destino de 50% da cobrança da sobretaxa. O Anexo 9 contém as projeções de sobretaxa tal como foram incluídas no Plano de Desenvolvimento para a Santa Fé de Bogotá. Os impostos distritais que se gerem com carrego ao projeto, contabilizar-se-ão como parte das contribuições do Distrito. Em particular, o Distrito estudará a conveniência de estabelecer um imposto de mais-valia associado com a construção d o projeto. Para o caso da Nação devem explorar-se fontes que vão além das fontes de financiamento básicos. Em tal sentido, o Governo Nacional se propõe adiantar gestões ante os bancos internacionais para obter apoio no financiamento de suas contribuições ao projeto. Os impostos e tarifas farão parte do contribua da Nação ao projeto, para o qual se avaliará a utilização de mecanismos tais como os títulos de desconto tributário. … Emitir conceito favorável à participação da Nação, em um montante equivalente aos 70% do serviço da dívida do projeto Sistema de Serviço Público Urbano de Transporte Maciço de Passageiros para a cidade da Santa Fé de Bogotá, de acordo com os términos definidos neste documento (Documento CONPES 2999 de 1998).

As antecipações à intervenção urbanística estatal PLM tomaram corpo na verticalização/densificação de várias de zonas vizinhas às estações projetadas que, de fato, foi possível graças a permissividade urbanística introduzida pelo Acordo 6 de 1990. Ao modificar a gradiente de densidades também o fez o dos preços do solo e, como resultado agregado, novas localizações residenciais se fizeram viáveis para aquelas famílias com elevada disponibilidade a pagar pelos ativos residenciais enquanto que em certas vizinhanças populares o incremento na congestão apareceu como a externalidade negativa mais evidente de tal antecipação. A renovação urbana e crescente densificação da zona de São Martín no Centro Internacional através de projetos imobiliários como Parque Central Bavaria, são sintomáticos do primeiro caso que, além disso, acolhe na atualidade a maior porção do estoque residencial novo dedicado exclusivamente ao aluguel, enquanto que à altura do

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bairro As Feiras a densificação a poluição e a congestão se incrementou à espera da estação do Metro que acolheria a Rua 68.

Diversos fatores convergiram para que a viabilidade macroeconômica do grande projeto urbano PLM paralisasse e se desse passo a uma nova alternativa, o sistema TransMilenio para finais de 2000. As antecipações frustradas tiveram diferente impacto na estrutura residencial urbana. Ao optar por que as vias maiores do novo sistema se levantariam sobre as vias arteriais de Bogotá, a intervenção urbanística estatal premiou aos estruturadores que focalizaram sua intervenção para tais zonas, enquanto que os que operaram em vias alternas como a Rua 68 legou às vizinhanças a congestão inerente a um maior número de habitantes sem a acessibilidade requerida que, em este caso, deslocou-se a mais de um quilômetro, pois a estação mais próxima do TransMilenio se localizou sobre a Rua 80. A relação beneficio/custo da nova alternativa frente à PLM, a maior taxa de retorno e seu maior alcance territorial moveu uma capitalista corrente favorável de opinião a seu favor e a do prefeito de então, assim como simpatizou à Nação que agora deve comprometer menos recursos para honrar o compromisso adquirido dois anos atrás:

Com apóie nos resultados da estruturação técnica, legal e financeira da PLM (Anexo 1) se estimou para os 10 anos previstos de construção, uma participação médio do investimento, no gasto anual, próxima aos 14% do investimento total do governo central e aos 21% do investimento de livre destino (excluindo as inflexibilidades ou investimentos forçosos). Agora bem, a situação fiscal que enfrentou o Governo desde agosto de 1998 até o presente, acentuada pelo financiamento da reconstrução do eixo cafeeiro, a capitalização e o fortalecimento patrimonial dos bancos pública, a reliquidação dos créditos hipotecários, os efeitos fiscais de algumas falhas judiciais e os custos derivados da situação de ordem pública exigem esforços fiscais adicionais aos previstos. O anterior fez necessário o estudo, em forma conjunta com o Distrito, de outra alternativa de sistema de transporte público urbano. A formulação desta alternativa, em adiante denominada TransMilenio, fundamentou-se no desenvolvimento do sistema de ônibus da cidade a partir do desenvolvimento do componente flexível da PLM adiantada pelo Distrito. … A infra-estrutura do Sistema TransMilenio utiliza os sulcos centrais das principais vias da cidade. Estes sulcos se acondicionam para a circulação dos ônibus invertebrados e se separam fisicamente dos sulcos de uso misto, disponíveis para circulação de veículos particulares, caminhões e táxis. Adicionalmente, a infra-estrutura inclui a adequação de vias e paradeiros para as rotas alimentadoras; estacione nos corredores viários maiores com facilidades de acesso pedestre; pátios para a manutenção e estacionamento de ônibus; e o centro de controle. O custo estimado da infra-estrutura do TransMilenio sobe a US$1.970 milhões de 2000 (anexo 3) e o plano contemplado pelo Distrito compreende a construção, durante 16 anos, de 388 km de troncales, até cobrir a 80% das viagens de transporte público da cidade. Durante o mesmo período, prevê-se a entrada em operação de 4.475 ônibus invertebrados. O custo da totalidade dos ônibus é próximo a US$900 milhões. A tecnologia utilizada garante as cobranças baixo diferentes modalidades de pré-pago e permite a integração tarifaria com os

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ônibus alimentadores. O custo das equipes de cobrança se calcula em US$ 74 milhões. … O esquema de financiamento proposto para a infra-estrutura do sistema Transmilenio descrita no Anexo 3 considera o contribua de US$1.296 milhões constantes de 2000 da Nação e US$ 674 milhões do Distrito24 para um total de US$ 1.970 milhões. O anterior equivale a uma participação estimada da Nação no financiamento de 66% do sistema (Documento CONPES 3093 de 2000).

Previu-se que o sistema se desenvolva em quatro etapas: na primeira entre 1998 e 2001 se troncalizarão a Rua 80, a Avenida Caracas e a Auto-estrada Norte; a segunda entre 2001 e 2006 envolveria à Avenida das Américas, a Avenida Suba, CFS, a Avenida das Colinas, a 10ª Carreira e a 7ª, a 6ª Rua e a 170, a Rua 26 e a NQS; na terceira se intervirão a Avenida Boiará e a 1º de Maio, a Rua 13 e outro lance da Avenida Caracas para o sul, enquanto que na quarta e última se troncalizarão a Avenida Villavicencio e a 69, a Rua 13 e a 200, a Avenida Cidade do Cali, ALO e outro lance da Auto-estrada Norte. As troncales do sistema TransMilenio não procuram melhorar as condições de acessibilidade urbana das famílias bogotanas pois seu traçado é o mesmo da malha arterial existente mas, por tratasse de vias exclusivas para o transporte maciço dos ônibus invertebrados e, além disso, pelo fato de que alguns percorridos são rápidos, se se esperarem melhoras nas condições de mobilidade urbana com sua adequada operação, isto é, com os intervalos adequados à tarifa justa.

Ao concluir o 2007 e com ocasião da nova eleição popular de prefeitos, a discussão política sobre a PLM foi retomada sendo o núcleo da discussão novamente o alavancamento financeiro do projeto e, conseqüentemente, a conclusão do sistema TransMilenio. Os estructuradores formais continuam desenvolvendo o setor circundante à 7ª Carreira em direção centro norte e nororiental, em alguns lances como os do Chapinero Alto e Roseiras, com intensas intervenções de renovação urbana a que sobrevém uma maior densificação. Esta peculiar dinâmica construtiva torna cada vez menos factível o TransMilenio pela 7ª Carreira pois os custos privados que internalizaria o sistema o tornam cada vez menos viável. Por sua parte, a recuperação do modo férreo também se volta a relançar como uma proposta que implicaria realizar ao menos 30 passos elevados para não entorpecer a mobilidade motorizada da cidade e, com isso, os esforços coletivos requeridos se incrementam de maneira notável. A participação do nível central de governo pode viabilizar alguma destas opções pelo mecanismo fiscal das vigências futuras, mas em nenhum caso as três opções, de maneira que em matéria de acessibilidade urbana o ambiente da junta atual é a de uma notável incerteza sobre a ordem futuro da cidade.

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6.4.1.2 Habitabilidade Os lucros em matéria de acessibilidade durante este período são equivalentes quase na metade do que se alcançou durante o período 1950-1972 conforme se aprecia na Figura 4.2, pois se estenderam 104,3 km. de rede matriz de aqueduto e a espessura média foi de 23,1”. Isto obedece, como mencionei, à forma exponencial da função de produção do sistema de aqueduto que, além disso, revela-se no nível alcançado pelas coberturas domiciliárias, próximo ao da universalização do serviço, pois os resultados lhes recenseie indicam que em 2005 o 98,6% dos lares residentes na zona urbana de Bogotá têm acesso à água potável em suas residências.

Uma das particularidades da provisão da acessibilidade que, de fato, é a obra de maior envergadura realizada pela EAAB desde 1991, foi a extensão da rede matriz para a província de Savana Ocidente, especificamente para a condução da água potável a conurbação dos municípios Funza - Mosquera -Madrid. Essa conurbación é crucial para a região metropolitana de Bogotá, pois, de um lado, é um dos eixos de expansão mais dinâmico junto com o da Soacha e o de Savana Centro com a Chía e Cajicá. É uma zona que lidera o cultivo de flores de exportação, atividade que tem na água dos aqüíferos da Savana o principal componente de seu consumo intermédio mas, adicionalmente, acolheu uma série de convocações industriais que fazem do conurbado a zona mais diversificada da região metropolitana e que, por conta disso, tem sua própria dinâmica migratória: o 36,7% dos residentes na Mosquera e o 31,0% dos que habitam na Funza são nativos de Bogotá. Note-se então que esta intervenção é sintomática do avanço do processo de metropolização Bogotá - Savana que implica a integração paulatina dos mercados de trabalho, imobiliários e de serviços públicos.

A segunda intervenção em importância durante este período foi a extensão da rede matriz da EAAB da Planta de Tratamento Francisco Wiesner à localidade de Subida aonde ocorreram certos desenvolvimentos imobiliários residenciais tais como Cedritos que exigem maiores esforços coletivos para ampliar as dotações do sistema de aqueduto para acolhê-los. Por volta desta vizinhança hão migrado famílias de classe média que agora desfrutam das economias de vizinhança por achar-se em proximidades às zonas nobres da cidade do norte e em alguma medida do nor - oriente. Os centros comerciais e outra gama de bens de sociabilidade nos que se persegue a interação com os membros de famílias de altos ganhos, acompanharam estes desenvolvimentos, produzindo nova incerteza sobre o futuro do mesmo em razão da popularização de certos segmentos de mercado imobiliário residencial localizados nas zonas contíguas às vias principais.

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Não obstante essas intervenções e outras de menor bordado como se aprecia no Mapa 6.1, as grandes preocupações de começo do período foram a atenção aos desmoronamentos que voltaram a ocorrer nos túneis sob as colinas que conduzem a água tratada à cidade do Sistema Chingaza e, em segundo lugar, a sujeição do sistema comercial da EAAB à nova regulação que se expediu com arrumo à Lei 142 de 1994. Quanto à primeira preocupação, esses desmoronamentos tinham ocasionado o dês-aprovisionamento da cidade logo entrou em funcionamento a Planta Francisco Wiesner, mas as filtrações persistentes ocasionaram novos desmoronamentos que inibiram à cidade do caudal da Chingaza, tornando-a dependente do Tibitoc até o reforço dos túneis com concreto, obras que tomaram várias semanas. No plano da regulação, alcançar a “tarifa alvo” proposta pela regulação suportou a eliminação do subsídio para os consumos complementar e santuário dos lares de estratos socioeconômicos baixos e a elevação dos custos de referência da EAAB. O efeito mais transcendente foi o encarecimento do serviço para os pobres e a abrupta sujeição a um consumo básico que não supere os 20 m3, pois um consumo superior castiga sensivelmente o orçamento familiar. 6.4.2 Estrutura residencial urbana A inflexão da atividade construtiva nacional captada com o incremento nas entregues de cimento às cidades com posterioridade à promulgação da Nova Constituição Política da Colômbia em 1991, encontra em Bogotá uma de semelhantes características como se observa na Figura 6.10 em que se representa a evolução das áreas licenciadas para usos residenciais desde 1952.

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Bogotá 1952-2008

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Planeação

A fase expansiva deste ciclo parece ser de duração mais curta -até 1992- se se julgar pela desmobilização total; entretanto, se se julgar pela desmobilização média, o batente do mesmo se alcançou em 1994, data em que igualmente se percebe a descida nas entregues totais de cimento e em que esse médio alcançou seu máximo histórico -2.995 m2 por licença-, que superou em 133,2% a desmobilização média máximo do período precedente. Se, por outra parte, o número de licenças para usos residenciais se contraiu em 18,3%, isto quer dizer que as antecipações à ação coletiva urbana se materializaram na maior verticalização da cidade e não em sua expansão física. Tal situação foi possível graças a permissividade urbanística amparada no Acordo 6 de 1990 e corrobora a hipótese de que quem antecipou melhor a norma foram os estruturadores urbanos que tinham sob seu domínio porções de solo urbano que desenvolveram com peculiar celeridade. Seguindo este mesmo raciocínio, a crise que ao nível nacional se recrudesceu por volta de 1999, em Bogotá o fez no ano seguinte. Isso indica que nas metrópoles a capacidade de adaptação das famílias à crise é maior que no conjunto da economia, pois fatores institucionais inerentes à forma de operação dos sistemas financeiros e a mesma solidariedade lhe imprimem certa inércia a este tipo de desajustes induzidos por enganos de política.

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Figura 6.11 Estrutura da produção residencial formal por tipo de residência, Bogotá 1952-2005

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Fonte: Rubiano 2007

A revisão do POT em 2003 se realizou em uma conjuntura ascendente após da crise

que fará propicia a declaratória da participação nas mais-valias, mas, de novo, o

governo local se mostrou pacato e só previu a contribuição de valorização para

algumas obras que a cidade só deveu decretar por volta de 2006. A verticalização

da cidade se revestiu de duas características. De um lado, permitiu consolidar os

modelos de anti-cidade na zona norte que acolhe de maneira dominante os edifícios

de apartamentos em conjuntos fechados, tal como se pode olhar na Figura 6.11. De

maneira coletânea, a crescente participação dos agrupamentos de casas em

conjunto fechado anuncia a expansão da anti-cidade com implicações

socioeconômicas e territoriais de fundo, pois, além da mimetização da segregação

residencial sob o discurso da insegurança urbana, tal modalidade exige maiores

superfícies para áreas livres cujo efeito é a aceleração do consumo ineficiente do

solo urbano existente.

O efeito territorial sobre a estruturação residencial urbana é a elongação dos desenvolvimentos imobiliários residenciais para o silvestre norte de Bogotá aonde a demanda de solo urbano para usos residenciais de alta gama se intensificou como já se afirmou, com a modalidade da residência em conjuntos fechados. -ver Mapa 6.1-. Um caso emblemático de tal modalidade neste período é a

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320

ocupação das Colinas de Suba e de outras zonas contíguas no borde nor-ocidental da cidade. Lá foram a morar famílias do tipo bi-parental com filhos, de ganhos muito altos. Essa zona tem difíceis condições de acessibilidade dadas às fraturas morfológicas e aonde, portanto, só é possível acessar com veículos de alguma potência e de tração adaptada para zonas rústicas. A pressão das famílias de altos ganhos sobre os bens ambientais, zonas de reserva ecológica da cidade acentuaram-se ao ponto de ter optado por acessar irregularmente a licenças de construção expedidas pelos curadores urbanos que substituíram em tal função aos departamentos de planejamento locais da reforma de 1997.

A destruição criativa do capital estruturador urbano se tomou a zona do Chapinero Alto e de Rosales, tal como se aprecia na imagem 6.1, enquanto que a renovação a zona próxima ao Centro Internacional à altura do Ecopetrol e do Parque Nacional e a densificação a de São Martín na Localidade do Teusaquillo. Os lançamentos residenciais novos nestas últimas duas zonas ocorreram como resultado de uma nova etapa das antecipações dos estruturadores ao futuro da ordem residencial de Bogotá, pois, do resto de zonas da cidade, é por esta pela que indevidamente transcorrerão as futuras intervenções em matéria de acessibilidade urbana do Sistema Integral de Transporte Maciço.

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321

Mapa 6.1 Produção de bens públicos urbanos e lançamentos residenciais, Bogotá 1992-2005

Fonte: Construído com apoio em Rubiano 2007 e Hurtado e Moreno 2008.

Por sua parte, as vizinhanças do eixo nor-oriental estão sendo intervindos

na atualidade com a ampliação da espessura da rede matriz do sistema de aqueduto para permitir a distribuição de um maior caudal de água potável para atender a maior densidade de ocupação populacional promovida pelo setor privado. Em contraste, as

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322

políticas residenciais para os lares de menores ganhos estão ingressando em uma aguda fase de inoperância. Procedo então à análise conjuntural com o que pretendo fechar esta primeira etapa da reconstrução histórico-social da estruturação residencial urbana de Bogotá.

Imagem 6.1

Chapinero Alto nas proximidades á Avenida Chile, 2008

Nos últimos 55 años el sector formal ha promovido la mayor densidad de sus desarrollos desde el Centro Tradicional de la ciudad en dirección norte y nor-oriental (cf. Rubiano, 2007). La compactación de la ciudad es un proceso incesante en el que mediante la destrucción creativa el capital inmobiliario promueve nuevas densidades de ocupación. La contracción del espacio público urbano por habitante y la necesidad de un nuevo sistema de transporte masivo que atienda las necesidades de accesibilidad y movilidad de la población son los rasgos más conspicuos de una

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323

modalidad de ocupación en el epicentro de las centralidades bogotanas como se infiere de esta imagen.

Imagem 6.2

Centro Internacional nas proximidades a Ecopetrol, 2008

O gradiente da densidade de ocupação de Bogotá está descendo com o tempo na medida em que diferentes zonas da cidade continuam se verticalizando. A subida nos preços do solo por maiores intensidades de ocupação é captada como um sobre-lucro pelos estruturadores urbanos, ainda que a cidade tenha seu Estatuto de Mais-valias Urbanas desde finais de 2004. A maior intensidade de desenvolvimentos imobiliários residenciais, além da tendência espacial de que falei cm antecedência, vem-se experimentando nas zonas de maior acessibilidade urbana e, para este caso, nas zonas de influencia imediato da Primeira Línea de Metro que se estabeleceu em 1998 e que, de um u outra maneira, tendera que transitar por essas zonas da cidade.

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324

Imagem 6.3

Centro Internacional nas proximidades ao Bavaria, 2008

A contração temporária e espacial do gradiente de densidade é também resultado das previsões sobre novas localizações que os estruturadores urbanos realizam a respeito da futura estrutura urbana da cidade. A silhueta das vizinhanças se está modificando abruptamente nas zonas de maior acessibilidade urbana que, além disso, está na área de influência da Primeira Linha Metro segundo o traçado de 1998.

As seqüelas da crise hipotecária foram notáveis. De uma parte se hão redefinido as relações entre os agentes da estruturação residencial e, da outra, estão ocorrendo transformações internas de profundo conteúdo social. No primeiro caso, a desconfiança na estabilidade das condições pactuadas no contrato hipotecário levou a uma porção das famílias a abster-se de adquirir residência que esteja amparada em dívida hipotecária como no passado. Esses lares optaram por acumular uma porção de poupança prévia mais elevada que antes da crise a fim de

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reduzir o montante financiável e, com isso, o risco de uma modificação como a que operou a Junta Diretiva do Banco da República com a UPAC. Essa opção detonou outras duas transformações na interação dos agentes. Esse risco foi substituído por outro que se materializa nas denominadas pré-vendas nas que as famílias entregam periodicamente a uma fidúcia do estruturador urbano uma porção de sua poupança imputável ao valor final do bem que, por agora, encontra-se apenas como projeto e em alguns casos na etapa de cimentação. Se a proposta de vizinhança tem êxito, o estruturador tem um incentivo para não entregar o bem residencial à família, enquanto que se ocorrer o contrário o tende a formalizar sua entrega rapidamente.

O interesse deste tipo de famílias oportunistas por participar de tal risco implica que os estruturadores urbanos têm agora menos necessidades de financiamento de seus antigos sócios, os bancos hipotecários pois, em efeito, o capital estruturador agora trabalha com as economias das famílias. De maneira que na atualidade se assiste a uma dissolução paulatina das relações de reciprocidade bancária que, por décadas, orientaram as relações banco - estruturador. Dentro das famílias que decidem acessar ao crédito hipotecário, por sua parte, evidenciou-se seu interesse por amortizar rapidamente a dívida recorrendo aos pre-pagamentos que da reforma de dezembro de 1999 não têm nenhuma sanção como antes o faziam os bancos hipotecários. Mas no lapso que transcorre entre a pre-venda e o traslado da família à residência, mas, mais importante ainda, durante o período que toma acumular certo montante de economia, as famílias recorrem à residência em aluguel, sub-mercado que se expandiu de maneira transcendente, ao ponto que boa parte do estoque residencial novo que se está produzindo no Centro Internacional e em direção norte e nor-oriental da cidade é de propriedade dos estruturadores urbanos quem promove novas verticalizações só para o aluguel.

Embora esta pauta de ocupação residencial não seja nova, se tiver duas particularidades. De um lado que é um novo segmento da cidade que se levanta sem o alavancamento financeiro dos bancos hipotecários feitos que, além disso, também concerne a outra porção do estoque para a venda. E, do outro, que o estruturador urbano captou uma transformação fundamental na demanda consistente na crescente participação do lar unipessoal na estrutura de lares da cidade: enquanto em 1993 essa modalidade representava o 8,5% do total de lares, na atualidade é algo mais de 17,0%. O lar bi parental com filhos cede participação ante o impulso desta modalidade e de outras de sob tamanho como o lar bi parental sem filhos e o mono parental, sendo uma das peculiaridades desta transformação sócio-demográfica o fato de que há uma concentração dos lares de menor tamanho no centro da cidade.

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6.4.2.1 Especiais considerações sobre a inoperância do subsídio nacional no segmento da moradia de interesse social e prioritária em Bogotá

Depois de 17 anos de operação do Sistema Nacional de Moradia de Interesse Social introduzido pela Lei 3ª de 1991 que substituiu o esquema integral de intervenção do Estado prevalecente até então pelo subsídio à demanda, há evidências de que o instrumento do subsídio entrou em sua fase crítica de inoperância. Ela se inicia por volta de 2003 em alguns segmentos do solo para usos residenciais dos lares de baixos ganhos, VHBI, sendo a segmentação desses mercados entre cidades e ao interior delas um de seus principais determinantes.

Essa inoperância afeta aos lances mais críticos da pobreza, quer dizer, aos lares de mais baixos ganhos e maiores carências. A profundização dessa fase tem implicações variadas: no plano social, o avanço da pobreza sem que a resposta do Estado possa conter a de maneira eficaz; no econômico, a desaceleração da produção imobiliária residencial e, no político, o descumprimento das metas assumidas nos planos de desenvolvimento, assim como nas Metas do Milênio.

Dificilmente o instrumento do subsídio direto à demanda poderá ser substituído na presente junta por outro que desculpe os efeitos de seu inoperância atual. Em troca, é peremptório propor novas iniciativas de política para que se possa avançar no futuro imediato na contenção e erradicação do déficit residencial. A questão é que nos dois primeiros lances da política que se denominará como o da moradia de interesse prioritário e que abrange a moradia até o preço teto dos 50 e 70 salários mínimos legais, os ajustes de mercado ocorridos desde 1991, a evolução nos preços do solo e dos custos da construção, tornaram virtualmente inviável sua produção em Bogotá e, em geral, naqueles segmentos do mercado do solo para moradia de lares de baixos ganhos que alcançaram certo nível de preços só permitem a construção residencial para lares de ganhos médios e superiores. Isso afeta à população mais pobre que é objeto do subsídio beneficiando aos lances superiores, isto é, dos 100 e até os 135 salários mínimos legais. Esses lances que, embora também fosse afetado pela distorção, a forma de operação do preço teto há viabilizado certas operações imobiliárias que dificilmente são catalogáveis como de moradia de interesse social, distorção que termina de agravar a inoperância atual do mecanismo do subsídio.

De maneira simplificada, o subsídio se tornou inoperante em razão à imbricação do menos três fatores: i) os de oferta originados no incremento histórico dos preços do solo urbano e dos custos dos materiais de construção que desde 2003 tornaram inviável a produção de moradias de Tipo I e II concernentes ao lance da moradia de interesse prioritário, consistente isto com um tendência à contração

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da margem de ganho dos construtores desde meios dos noventa que faz ainda mais seletiva a oferta da VIS; ii) os de demanda pela profundização da informalidade trabalhista urbana que contribuiu a deteriorar a capacidade de economia dos lares cujo ingresso é inferior aos 4 SLML e a torná-los não bancarizaveis, isto é, não sujeitos de crédito, com o que se dificulta o acesso aos recursos complementares do crédito hipotecário; e, iII) Quão institucionais concernem ao incremento nos custos de transação inerentes ao acesso ao subsídio.

Tabela 6.11

Condições do tipo da moradia, valor da moradia e do subsídio, até a entrada em

vigência do Decreto 4466 de 2007

Tipo de moradia

Valor de moradia em SMLV(*)

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I Até 40(1) Até 21 I Até 50(2) Até 21 II Superior a 40 e até 70(1) Até 14 II Superior a 50 e até 70(2) Até 14 III Superior a 70 e até 100 Até 7 IV Superior a 100 e até 135 Até 1

(1) Em municípios com população menor a 500.000 habitantes; (2) Em municípios com população superior a 500.000 habitantes (*) SMLV = Salários mínimos legais vigentes.

Na Figura 6.12 se apresentam às tendências dos custos totais de construção e dos preços dos quatro tipos de Moradia de Interesse Social –VIS- com apóie em um índice de base 1991, ano no que se expede a 3ª Lei e entra em operação o subsídio. Estes índices se referem aos valores nominais, pois interessa inferir a maneira em que negociaram em cada período os agentes da estruturação residencial urbana; quer dizer, assume-se que primeiro aparecem os preços nominais dos bens reais -VIS- que são negociados pelos sujeitos privados com uma moeda através da que é possível estabelecer sua coesão social. Pelo resto, se todos os agentes se enfrentarem a uma mesma cesta de bens, o exercício de deflação das variáveis só fará que estas troquem de nível mais não de tendência. A curva de custo total18 condensa as modificações nos preços do solo e dos custos de construção. O lance crescente experiente até 1996 obedece, sobretudo, ao incremento estrutural nos preços do solo urbano que experimentaram

18 O comportamento dos preços do solo para ganhos baixos se tirou do Observatório do Mercado Imobiliário de Bogotá (cf. Jaramillo, 2004) e se atualizaram provisoriamente com apóie em uma meia móvel dos últimos quatro anos. Tomou-se o índice nacional dos custos de construção do DANE, posto que os específicos para o VIS só foram reportados para 2006 e 2007 mas, de qualquer maneira, o nacional parece não incluir os custos da moradia suntuosa na medida que para estes dois anos o índice de custos do VIS é o 99,4% do nacional.

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as cidades colombianas como conseqüência da antecipação dos agentes imobiliários à intervenção urbanística estatal promovida pelo artigo 82 da Constituição Política de 1991. Essa antecipação se materializou em uma aceleração da produção de ativos residenciais que alcançou seu batente em 1994 dali para começar sua destorcida que teve agudeza no 2000 em Bogotá.

Figura 6.12 Retrospectiva do preço teto dos tipos do VIS e dos custos de produção,

Colômbia 1991-2008

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Fonte: Cálculos do autor com apoio nas estatísticas do DANE e o CEDE

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329

Os segmentos da moradia de interesse social guardam certa autonomia frente aos outros segmentos do mercado residencial formal. Nas Figuras 6.13 a 6.15 é possível detectar que, em contraste com o interlúdio do auge do mercado imobiliário residencial não-VIS, o da VIS se prolongou até 1996; o interlúdio recessivo que tocou fundo em 1999 só se recrudesceu na não-VIS na junta 2003-2004.

Essa constatação é transcendente em dois sentidos. Em primeiro lugar, para acautelar daqueles discursos automatistas a respeito dos ajustes simultâneos dos diferentes segmentos do mercado residencial; e, em segundo lugar, para precisar que o segmento da VIS goza de certos margens temporários frente aos outros segmentos do mercado em tanto prolongação do auge ou posposição da crise, que poderiam aproveitar-se para introduzir políticas que promovam um ajuste favorável à produção de moradia para lares de baixos ganhos, VHBI. Entretanto, isto não ocorreu, pois enquanto que os custos da construção continuaram com sua tendência especuladora, os preços do solo urbano decresceram pari passu com a contração da atividade edificadora residencial, situação que se prolongou até 2003 quando se apresenta uma nova inflexão em que se transborda tal decréscimo. É precisamente da junta 2003/2004 quando sobrevém o estrangulamento da produção da moradia de Tipo I e II.

Na Figura 6.13 se identificam estas inflexões no segmento de mercado da VIS à luz das áreas de moradia hipoteticamente ofertadas acorde com a evolução da estrutura de custos da indústria e dos preços teto dos segmentos da VIS. Em geral, a tendência à contração das áreas ofertadas não é mais que o ajuste de quantidades suscitado pela imbricação dos fatores de oferta mencionados com o desenho do preço cubro para a VIS, cujo efeito mais transcendente é a produção de moradias de áreas tão irrisórias que se tornam inaceitáveis para famílias de algum tamanho. Mas o estrangulamento não sobrevém meramente pela contração das áreas, pois por volta de 1996 a situação já se tornou crítica.

A questão é que, tal como se ilustra na Figura 6.14, a margem de ganho nominal dos produtores da VIS se deteriorou ao ponto de representar na atualidade perto da metade daquele com que operavam por volta de 2004. Essa margem de ganho é aceitável se lhe compara com uma taxa DTF de tesouraria de 11,15% efetivo anual em 2008, mas é notoriamente mais fácil de realizar no lance dos lares bancarizaveis, isto é, os dos que demandam VIS de Tipo III e IV.

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Figura 6.13 Retrospectiva das áreas ofertadas por tipos do VIS, Colômbia 1991-2008

(Índice VIS_I - 1991 = 100%)

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Fonte: Cálculos do autor com apoio nas estatísticas do DANE e o CEDE

Do lado da demanda, o ritmo de percepção dos ganhos das famílias de menores ganhos se torna cada vez mais irregular. Por volta de 2003, o 60,7% dos ocupados na Colômbia o estava em condições de informalidade, situação relativamente similar a de outros países da Sub-região Andina. Nas capitais do país, como ocorre com o caso bogotano, a informalidade é, em média, inferior em 6% ao

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médio nacional. Em tal médio está incluída uma porção de profissionais de competências superiores que, pelo resto, valoram sua condição de independência trabalhista ao ponto de captar remunerações muito mais elevadas que o médio. Embora não disponho de uma medida precisa de sua participação nesta medida, é previsível que tratá-los por separado não afete em grande medida esta magnitude da informalidade trabalhista.

Figura 6.14

Retrospectiva da margem de ganho dos produtores do VIS, Colômbia 1991-2008

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Fonte: Cálculos do autor com apoio nas estatísticas do DANE e o CEDE

Mas o transcendente é que o cálculo econômico dos construtores da VIS os induz a produzir aquele tipo de moradias nos que é possível realizar essa margem de ganho com maior celeridade, quer dizer, selecionam aqueles projetos nos que a demanda apresenta maior solvência e que, portanto, contam com maiores possibilidades de programar a economia que cubra o 10% ou mais do preço cubro e de ser bancarizaveis.

No plano institucional, a análise dos índices a valores nominais permite estabelecer que o desenho do subsídio com apóie no preço teto suporta a que periodicamente se amplie a brecha de preços dos quatro tipos do VIS. As diferenças

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nos pendentes das linhas tendênciais dos preços dos quatro tipos de moradia implicam que, de existir produtores especializados no segmento de mercado da VIS, eles têm um poderoso incentivo para operar nos lances de preços mais elevados, enquanto que nos de preços mais baixos os estímulos às famílias são inócuos pois, ainda com a hipotética solvência da demanda que propícia o subsídio, não consegue rebater o estímulo implícito no aumento no diferencial de preços que propícia o price cup da VIS.

Tabela 6.12

Valor do subsídio de moradia urbano a partir de 2008

Caixas de Compensação

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Fundo Nacional de Moradia

Ganhos (em SMMLV)

Pontos no SISBEN

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Valor do Subsídio Familiar de Moradia

(em SMLMV)

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Fonte: Decreto 4466 de 2007, artículo 2º

A conjuntura atual para a VHBI está delimitada pela promulgação da Lei 1151 de 2007 do Plano Nacional de Desenvolvimento que modificou o esquema de operação do subsídio e que, no pertinente - artigo 84-, foi regulamentada mediante o Decreto 4466 de 2007. O novo esquema de operação que entrou em operar partir do início do 2008 reeditou o mecanismo do preço teto mas o simplificou a duas categorias: a Moradia de Interesse Social até 135 sml e a Moradia de Interesse Prioritário cujo preço não poderá superar os 70 sml. O valor do subsídio de moradia urbano outorgado através das Caixas de Compensação Familiar com carrego aos recursos para-fiscais que elas administram e do Fundo Nacional de Moradia com carrego ao Orçamento Nacional, consegui-lo-ão os postulados de acordo com os critérios da Tabela 6.12.

Nas novas condições de operação do subsídio, o lance da moradia de interesse prioritário é inviável. Como se pode inferir das Figuras 1 e 3, ao nível de preços do solo urbano atuais, dos custos dos materiais de construção e caso uma margem de ganho do construtor de 22,7% nominal sobre os custos totais, só é

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333

possível encontrar uma demanda solvente do nível dos 87,2 salários mínimos legais. Nesse nível o ajuste de quantidades permitiria produzir uma moradia de uma área de 39,9 m2.

Figura 6.15 Efeito hipotético da nova política de subsídio a VIS/VIP sobre o peso das cotas de

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Fonte: Cálculos do autor com apoio nas estatísticas do DANE e o CEDE

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Não obstante, o peso das cotas mensais hipotecárias é proibitivo para o ingresso familiar, o que implica que o acesso à moradia em propriedade suporta necessariamente a outro tipo de privações. Mais ainda, a moradia que é viável de produzir nas atuais condicione do segmento de mercado da VIS teria um preço hipotético de $40,2 milhões que para ajudá-lo uma família com um ingresso de até

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um salário mínimo legal teria que comprometer, como mínimo, o 73,3% de seu ingresso o que volta inalcançável este tipo de moradia para a entristecedora maioria dos famílias objeto da política. Este é um fator que contribui a explicar em boa medida a tendência generalizada a dês-bancarização do mercado imobiliário residencial.

As tendências mundiais do mercado de alimentos vão terminar por dar opacidade o suceder do segmento do mercado da VIS/VIP. Em primeiro lugar, o aumento nos preços da cesta alimentara ocasionado pelo desabastecimento mundial de alimentos vai castigar com maior intensidade os orçamentos dos lares de baixos ganhos. Atualmente os mantimentos pesam o 42,6% na cesta de consumo dos lares de ganhos baixos e o 30,6% da dos de ganhos médios. Portanto, a capacidade de economia dos lares objeto da política assim como seu potencial para honrar o serviço da dívida hipotecária, vai se constranger ainda mais no futuro imediato.

Mas a solvência econômica dos lares de ganhos baixos não é a única ameaça que se abatem sobre os lares eles e sobre o sistema do VIS/VIP. O acesso à moradia em propriedade dos mais pobres no novo esquema, como já se disse, tem um preço teto de 70 SML, mas no caso bogotano ela é inviável ao nível atual dos preços do solo para esse segmento, tal como se apresenta na Figura 6.16 em que se consideraram só operações de mercado de terrenos com capacidade superficial superior à meia hectare. A ausência de competência nos diferentes mercados do solo é evidente e daí a necessidade de intervir com os instrumentos de gestão, regulação e financiamento da reforma urbana ao alcance dos governos locais.

No Villavicencio se identificaram dois tipos de operações: dois de solo urbanizado e dois de solo urbanizável. Enquanto que as diferenças de preços nas de solo urbanizável são de muito baixo nível, as de solo urbanizado são consideráveis: o preço do solo no que a VIP é viável é 67,0% menor que no que não o é. Em outras palavras, há um latifundiário urbano que está captando uma renda desse teor e que teria que ser intervindo à luz do princípio da função social e ecológica da propriedade.

Mas os preços dos dois segmentos de mercado revelam muito mais. Se o preço mais baixo for o das áreas ainda não urbanizadas, quer dizer que as cargas urbanísticas mais a mais-valia urbana representam o 2.081,3% do preço do solo que viabiliza a VIS, cifra claramente exorbitante, mas que ilustra de maneira até dramática a ineficácia social dos mecanismos de coordenação mercado para propor uma solução estável e eficiente. Note-se que no município circunvizinho de Acácias essa diferença atribuível às cargas urbanísticas é de 1354,5%, notoriamente menor que no núcleo urbano do Villavicencio, mas ainda de magnitude considerável.

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No município da Soacha a dinâmica do segmento de mercado do solo para moradia de lares de baixos ganhos foi tradicionalmente vinculada a de uma conurbación ocorrida, precisamente, pela escassez física e econômica de solo edificável para este segmento da população no núcleo urbano principal, Bogotá, configurando-se Soacha em um dos municípios monoclacistas de maior dinâmica populacional do país. Detectaram-se ali cinco operações de mercado, todas sobre solo urbanizado, das quais só uma permite a edificação de VIP. Em três das restantes operações o preço borda o dobro do mais baixo aludido e um deles é superior no 300,6%. De fato, este último é 62,4% mais custoso que o consegue no silvestre sul do perímetro urbano bogotano. De maneira que a interação e paulatina integração do submercado do solo urbano para lares de baixos ganhos, tem como signo a elevação descontrolada do preço do solo urbano na conurbación que vai ocasionar o engarrafamento destes lares cuja única alternativa será a negociação irregular de lotes com urbanizadores que competem com preços mais baixos e com promessas da chegada das políticas urbanas reativas do Estado.

Figura 6.16

Viabilidade e inviabilidade da VIP em mercados do solo de 10 cidades colombianas na conjuntura 2007/2008

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Fonte: Cálculos do autor com apoio nas estatísticas do Observatório da Estruturação Residencial e da

Ocupação

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Agora é conveniente analisar esta junta em relação com outras cidades da Colômbia. O mercado do solo na Cartagena apresenta as mesmas características de segmentação das outras cidades consideradas e, entretanto, é a cidade aonde se detectou a maior oferta em condições que facilitariam a operação do subsídio a VIP. As menores discrepâncias estatísticas dos preços nas cinco ofertas detectadas, assim como as consideráveis quantidades de terreno ofertadas, revelam uma oportunidade para o submercado da VIP originado na moderação das rendas do solo surtas da saturação de submercados de maior hierarquia como o residencial de turismo. O relaxamento da expectativa mal formada a respeito da expansão ilimitada das zonas para segunda residência moveu aos estructuradores urbanos à contração da sobre ganho que para eles representa um nível de preços do solo elevado.

No Cali se distinguem dois segmentos que polarizam novamente o mercado do solo para o VHBI. A compactação de zonas de tradição popular como o Bairro Operário suportou o desenvolvimento de zonas como O Limonar nas que os preços são moderados e viáveis para programas de VIP, enquanto que na Salonia e em zonas próximas ao Clube de Tiro os preços estão 120% mais elevados que o requerido para este tipo de operações. Em cidades como Tunja, São Andrés e Manizales, os preços de oferta de solo edificável para o VHBI se localizam a um nível que viabiliza o subsídio para VIP. Na Tunja as quantidades ofertadas são superiores às de cidades como Cali, Soacha e Villavicencio. A notória heterogeneidade nos preços do solo para o VHBI entre as cidades e dentro delas, que se evidencia em suas diferenças estatísticas que tratamos de simplificar na Figura 6.16, é a expressão da forma de operação de mercados segmentados nos que os estruturadores urbanos formam expectativas com respeito à ordem futuro da cidade e à solvência da demanda. Neste tipo de mercados, a competência espacial entre agentes que tomam decisões descentralizadas de localização, os mecanismos convencionais do mercado como o preço, dificilmente oferecem uma solução ótima, estável e eficiente, abrindo-se passada uma ordem diferente e menos infeliz que é o que promove a intervenção urbanística estatal e o planejamento urbano.

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REFLEXÕES FINAIS

A escassez física e econômica de solo urbano se tornou uma preocupação pública que adquire conotações dramáticas quando por força dela a cidade se expande tornando-se mais custosa a provisão dos bens públicos urbanos e metropolitanos e os deslocamentos cotidianos dos residentes. Uma cidade dispersa é a antítese de uma cidade compacta e densa e, por tal razão, é socialmente desejável uma intervenção urbanística estatal que promova uma melhor utilização do solo escasso, isto é, socialmente menos segregada e economicamente mais eficaz.

O solo urbano é resultado da intervenção urbanística estatal que provê as condições de acessibilidade e habitabilidade que o fazem edificável e, além disso, da ação coletiva que determina seus usos potenciais e suas intensidades de uso. A escassez econômica de solo urbano é um argumento circular recorrente na economia urbana pois o elevado nível que alcançam os preços do solo urbano torna escasso esse bem que induz aos estruturadores urbanos a incorporar solo de pior qualidade ao mercado, ocasionando com isso que os novos desenvolvimentos, em muitas ocasiões informais, terminem incrementando novamente o preço do solo já se por acaso bastante elevado. A tese ricardiana de que é a terra de pior qualidade a que impõe os preços do mercado é o transfundo teórico de tal argumento circular, baseado na emergência da renda e sua capitalização como elementos determinantes da formação dos preços do solo.

O enfoque da economia institucional urbana que se promove em este trabalho permite sustentar que é na esfera da ação coletiva urbana em que se começa a formar tais preços e que lhes é imanente uma visão da ordem futuro da cidade dos estruturadores urbanos. As cessões urbanísticas que conformam o acervo de solo público são indissociáveis do solo útil para a edificação dos ativos imobiliários, e seu valor reflui ao preço de mercado do solo urbano com o que o preço de partida é um preço que incorpora as expectativas sobre a percentagem de cessões exigidas pela cidade. Quando essas cessões acolhem as funções públicas de acessibilidade e habitabilidade urbanas, o solo é afetado com as cargas urbanísticas às que o estruturador urbano lhes impõe uma margem de ganho correlativo a sua visão da ordem futuro da cidade -as expectativas- e ao poder de monopólio que exerça em ausência de ações coletivas que o incentivem a edificá-lo rapidamente. É esta a explicação teórica que permite explicar a ocupação do território bogotano nos últimos 55 anos e que se apresenta no Mapa RF-1.

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Mapa RF-1 Bens públicos urbanos e ocupação residencial formal, Bogotá 1950-2005

Fonte: Feito com base em Rubiano 2007 e Hurtado e Moreno 2008.

Quando por volta de 1961 através da norma urbanística específica em Bogotá optou por exigir mais cessões urbanísticas à moradia operária que a de uso exclusivamente residencial e semelhante à de uso multifamiliar, fecharam-se as

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possibilidades de produção de solo formal para a população de baixos ganhos da cidade. Tinham que sobrevir então os processos de ocupação informal, invasões e urbanizações clandestinas, que quase de forma imediata foram repelidos com violência pelo Estado ao calor da chamada Política de Erradicação de Tugúrios em rema por então. Esta explicação institucionalista urbana da informalidade suporta outra do mesmo aspecto como a que se expressa no Mapa RF-1: note-se que as densidades de intervenção formal sobre o território se focalizaram para o eixo de expansão centro norte e nor-oriental com tênues exceções para o ocidente e nor-ocidente da cidade. No principal eixo de expansão residencial da cidade é possível identificar quilômetros quadrados que nos últimos 55 anos acolheram até 137 lançamentos imobiliários novos aos diferentes segmentos do mercado residencial solvente, propiciando com isso a reprodução do capital imobiliário formal. Na sua fase atual ele se reveste da conhecida forma da destruição criativa de vizinhanças como as do Chapinero Alto e as de Rosales para acolher inovações verticais de considerável densidade.

Note-se também no mapa o esquema geral de segregação residencial da cidade com diáfana claridade. Mas também se evidencia que quando chegou à política urbana para remediar. Isto é, programas de extensão da rede viária arterial e da rede matriz de aqueduto e rede de esgoto para o sul da cidade, as capas de ganhos médios altos e altos de Bogotá não ocuparam estas porções do território, agora afastadas da penúria urbanística que é própria da segregação. Se o eixo centrar norte e nor-oriental continua acolhendo às famílias de elevados ganhos, é porque ali elas encontram um grande número de vantagens de aglomerarem-se em contigüidade, vantagens que a economia vulgar denomina efeito cafeteira e que no discurso da ordem caleidoscópico (cf. Abramo 1998, 2007) incorporam-se como economias de vizinhança.

A escassez física do solo urbano ocorre dependendo da maneira como se ocupa, quer dizer, com o tipo de cidade que promova a intervenção urbanística estatal e que desenvolva o mesmo Estado e os diferentes agentes da estruturação urbana. A diferença da anterior, a escassez econômica é um fenômeno no que o nível alcançado pelos preços aos que se negocia em os diferentes segmentos impede o acesso à demanda potencial que, em razão das limitações que lhe impõe sua disponibilidade a pagar, priva-se de tal bem conduzindo a necessidade a ocupar outro lugar da cidade de maneira irregular.

Uma propriedade do caso bogotano e, em geral, das metrópoles da Colômbia e que é muito semelhante ao que ocorre em outras sociedades cuja transição epidemiológica e demográfica se manifesta na atualidade em uma dilatação da participação dos grupos etários em idade produtiva, os de 15 a 60 anos,

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por exemplo, é que à medida que aumenta a idade a taxa de chefia de lar também o faz e, com isso, o tamanho médio do lar decresce. Isto indica que nestes grupos a taxa de dependência tende a ser menor com o aumento da idade, sendo muito comum entre estes o predomínio de lares unipessoais, mono parentais e ainda bi parentais sem filhos. Posto que a taxa de chefia da cidade se estima em 28,2%, o tamanho médio do lar bogotano é de 3,54 pessoas por lar que, se se comparar com resultados precedentes, denota uma tendência secular a contrair-se. As contradições de uma tendência dessa natureza, coerente com a crescente participação do tipo de lares mencionados, são evidentes. O número de lares em formação exige do Estado a canalização de maiores esforços coletivos para a provisão de bens públicos urbanos, reconhecida a relativa ineficiência social dos lares unipessoais, por exemplo, pois a sociedade deve fazer iguais esforços para produzir uma dotação de água potável, energia elétrica ou rede de esgoto sanitário para a residência de um lar de este tipo que se se tratasse de um lar bi parental com filhos, sendo o resultado socioeconômico de uma terceira ou quarta parte do que se alcançaria com o lar convencional, o bi parental com filhos.

Entretanto, para certas atividades de mercado, especialmente para o comércio e para quem oferece serviços pessoais, a conformação de lares de pequeno tamanho é uma excelente noticia, pois, como é sabido, seus membros desperdiçam muitas economias de escala no consumo ao não fazer parte de um lar convencional, pois, em efeito, tendem a realizar mais consumo por fora do lar especialmente no que concerne a itens do orçamento familiar como as comidas por fora do lar, a lavagem de roupas e até a mesma interação complexa com outras pessoas em busca de sociabilidade.

De maneira que para o comércio é uma excelente noticia o crescimento desta modalidade de lares, enquanto que para o Estado significa novos desafios que, como no caso urbano, materializam-se em primeira instância no crescimento da demanda residencial e, por conseguinte, na de solo edificável com ativos residenciais. Com apóie nas projeções de população até 2020 realizadas pelo Departamento Administrativo Nacional de Estatística e nas idades qüinqüenais e as taxas de chefia de lar correspondentes, estimei que os novos requerimentos residenciais fossem 857.487 residências, que deverão ser produzidas entre o 2006 e o 2020 para atender a pressão de demanda derivada do crescimento populacional urbano e da formação de lares. Como o déficit quantitativo prevalecente em 2005 que subia a 282.678 unidades e se, além disso, pretende-se eliminá-lo durante este lapso de tempo, em Bogotá se deverá produzir 1'140.165 residências entre 2006 e 2020.

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Por outra parte, há uma hiper-concentração da demanda prevista nos grupos etários de 50 a 64 anos de idade, quer dizer, que é nos começos da idade de aposentadoria nos que a sociedade capta os maiores requerimentos residenciais, aproximando-se estes chefes a uma idade que os volta não bancarizáveis. Mas nessa idade se espera que tenham acumulado um montante de poupança suficiente para acessar em propriedade à mesma; de resto, o avanço do sub-mercado da residência em aluguel terá alcançado tal nível que o estoque residencial estará em sua maior proporção baixo esta modalidade de ocupação. Mas, independentemente dela, a demanda de solo urbano para usos residenciais se amplia inexoravelmente e a escassez física do solo urbano sobrevém como resultado do tipo de cidade que se lembre e na maneira como a norma urbanística específicas incorpore tal aspiração em suas decisões. Considerando inalterada a estrutura socioeconômica prevalecente na cidade, quer dizer, sob o suposto de que em Bogotá terá em 2020 a mesma estrutura que no presente, consideram-se três tipos de cidade para realizar uma previsão das quantidades de solo requeridas na cidade.

O rasgo mais evidente das metrópoles latino-americanas e, por tanto, de Bogotá, é a segregação residencial ou sócio-espacial urbana, que se materializa na desigualdade na forma de apropriação do território pela população residente. Sobre esta cidade se podem reescrever outras em adiante que contraiam ou que incrementem o nível alcançado pela segregação residencial, reescritura que fica gravada no espaço urbano à maneira como as políticas o tenham ditado e as normas específicas o materializem. Três hipótese denominadas como cidade lhe incluam, cidade segregada e anti-cidade se propõem para provocar a análise das implicações que sobre a demanda de solo urbano tem a política considerada no Plano do Ordenamento Territorial. As diferenças entre as hipóteses radicam no nível de cessões urbanísticas, no índice de aproveitamento do solo e nas áreas livres que demandaria potencialmente cada lar de cada estrato socioeconômico. Advirta-se, em primeiro lugar, que se assume uma meta acessível e é que todos os lares disponham de uma residência em 2020, independentemente de sua forma de ocupação, com o que a Bogotá também terá incrementado seu patrão de sociabilidade ao desculpar os problemas de coabitação que implica um déficit residencial tão agudo como o persistente em 2005; mas, além disso, que à medida que a segregação sócio-espacial urbana se incrementa como resultado do tipo de cidade que se escolha, o solo urbano tende a esgotar-se mais rapidamente.

Uma Cidade Segregada não é mais que a que convém na reprodução da ordem residencial instaurada dos anos 50 e em sua extensão no tempo vindouro, de maneira que a provisão desigual das condições de acessibilidade e habitabilidade urbana propícia a exclusão e a segregação residencial. Essa cidade pode propiciar

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condições de exclusão mais agudas do momento no que a abundância relativa de espaços livres para certas famílias se acompanha da clausura ameaçadora das vizinhanças aonde residem, de maneira que o confinamento de tais famílias em redutos residenciais qualificados como exclusivos realmente são os mais excludentes. Portanto, o preço residencial mais elevado é o que se formou ao produzir a sociedade a melhor forma de exclusão residencial e, com ela, a Anti-Cidade. O ideal utópico da Cidade Incluínte é o de uma cidade sem lugares confinantes, em que a provisão democrática das condições básicas de acessibilidade e habitabilidade urbanas terá gerado um ambiente inigualável para o avanço social, em que a elevação do patrão de sociabilidade será correlativa à diminuição da hostilidade urbana e, portanto, à elevação do nível de vida do conjunto dos habitantes da cidade motivada, principalmente, pela conseqüente repartição eqüitativa das riquezas urbanas criadas coletivamente. LINHAS POSTERIORES DE PESQUISA A estampagem lefebvriana de que todo pensamento científico o é porque é transitivo, isto é, que está à espera de complementações e refutações, impõe-se como mito de vida dura e resistente para processar novas buscas e novos desafios intelectuais. No que corresponde a esta investigação, impõem-se duas complementações iniludíveis. A primeira é a que guarda relação com um enunciado da primeira parte sobre o mecanismo de formação dos preços do solo urbano que, consistente com a visão de uma Cidade Segmentada, terá que resolver mediante o desenvolvimento teórico do mark up, para o que a teoria poskeynesiana luz como o melhor caminho a percorrer. Se os preços do solo se formar como resultado da imposição de uma margem de ganho às cargas urbanísticas, o poder quase-monopólico do estruturador urbano sobre a cidade terá que ser debelado para explicar sua trajetória temporária. A este mesmo nível, o teórico, o papel do quase-legislativo, a Junta Diretiva do Banco Central, na inflação de ativos residenciais ainda está por ser debelado e, quando isso se alcance, certamente as diatribes sobre as borbulhas imobiliárias poderão ser decifradas por algumas hipóteses mais acreditáveis.

Na dimensão histórico-social da estruturação residencial urbana, realizou-se um superficial estudo que necessariamente terá que clarificar aspectos transcendentes. Por exemplo, se algumas de suas manifestações são inerentes só à formação social colombiana e sua metrópole dominante, isto é, se existir um determinismo geográfico motivado pelas particularidades da interação complexa dos agentes ou se, pelo contrário, há rasgos comuns com o suceder de outras

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metrópoles latino-americanas. Mas, mais importante ainda, a ausência de certo tipo de informação implicou a realização de um discurso descritivo em alguns lances da história da configuração residencial bogotana que deverão ser reformados por aproximações mais analíticas.

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Decreto 619 de 2000, Alcaldía Mayor de Bogotá Ley 3ª de 1990 Ley 388 de 1997 Ley 546 de 1999 Nueva Constitución Política de Colombia, 1991 Resolución Externa no 6 de 1993, Junta Directiva del Banco de la República Resolución Externa no 10 de 1993, Junta Directiva del Banco de la República Resolución Externa no 26 de 1994, Junta Directiva del Banco de la República Resolución Externa no 18 de 1995, Junta Directiva del Banco de la República Resolución Externa no 6 de 1999, Junta Directiva del Banco de la República Resolución Externa no 8 de 1999, Junta Directiva del Banco de la República Resolución Externa no 10 de 1999, Junta Directiva del Banco de la República Sentencia C-383 de 1999, Corte Constitucional Sentencia C-700 de 1999, Corte Constitucional Sentencia C-747 de 1999, Corte Constitucional Sentencia C-955 de 2000, Corte Constitucional Sentencia de noviembre 9 de 1989, Expediente 1937, Corte Suprema de Justicia Sentencia C-295 de 1993, Corte Constitucional Sentencia C-495 de 1998, Corte Constitucional.