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23/12/2014 A ciência da certeza - Revista de História http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos-revista/a-ciencia-da-certeza 1/4 A ciência da certeza Estimulada pelos positivistas, entusiastas de censos e estatísticas, a República custou a acertar na complicada tarefa de mensurar o país por meio dos números Nelson de Castro Senra e Alexandre de Paiva Rio Camargo 9/9/2007 As incinações positivistas de certos governantes republicanos favoreceram o desenvolvimento da atividade estatística no Brasil. No ideário positivista, ela consagrava a mensuração do mundo social, no que tornavam próximas e presentes realidades distantes e até então desconhecidas do Estado. As estatísticas colocam toda a população, a sociedade, a economia e o território – na forma de tabelas, gráficos e cartogramas – sobre as mesas daqueles a quem cabe tomar as decisões mais importantes. Este enlace entre as estatísticas e o “governo científico” do positivismo aparece, por exemplo, nas resoluções do plano urbanístico e do re- ordenamento espacial empreendidas pela reforma do prefeito Pereira Passos na capital federal, como também nas categorias de classificação “defeitos físicos” e “raça”, que informavam os estudos higienistas sobre a localização, prevenção e erradicação das moléstias nas principais capitais do país. A Constituição de 1891 determinou a realização de censos regulares, em intervalos de dez anos. Era ainda viva a lembrança o primeiro recenseamento da República, ocorrido em janeiro de 1890, tão próximo da proclamação. O responsável pela iniciativa foi um positivista de estirpe, o ministro dos Negócios do Interior, Aristides Lobo (1838-1896). Para estar à frente do empreendimento, Lobo nomeou Timóteo da Costa (1855-1934), também adepto do positivismo, engenheiro e professor da famosa Escola Politécnica da Praia Vermelha, bastião intelectual dos militantes daquela doutrina. O censo apresentou alguns problemas sérios, Quantos somos, como somos, quem somos, o que produzimos? Para responder a estas perguntas, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pôs nas ruas, em abril, um exército de mais de 70 mil recenseadores. Eles realizaram o censo agropecuário e a contagem da população nos municípios. O resultado da contagem deverá ser divulgado neste 31 de agosto, um recorde histórico. Pesquisas modernas como estas são caríssimas. Os censos de 2007 custarão nada menos que R$ 560 milhões aos cofres públicos. Tais pesquisas são elaboradas a partir de rigorosos critérios técnico-científicos e ancoradas em ricas metodologias, aplicadas por um corpo estável de técnicos especializados. Desde a criação do IBGE, em 1936, a sociedade brasileira se organiza cada vez mais pelo “governo dos números”. Mas as primeiras tentativas de se conhecer melhor o Brasil pela pesquisa censitária começaram bem antes. Foi o Império que realizou, em 1872, o primeiro censo do país. Proclamada a República em 1889, o interesse pelas estatísticas aumentou consideravelmente. O momento era outro, o regime também. Tornar cidadãos os outrora súditos e ex-escravos era uma tarefa que requeria novos critérios de hierarquização social. Por outro lado, na República Velha (1889-1930), as estatísticas passaram a servir à ânsia dos novos governantes pela legitimação. Estes tentariam, com todas as forças, provar que o Brasil ia melhor no novo regime do que no tempo do Império. Com esse propósito, a estatística emergiu como um importante instrumento de construção da República. Seus números contribuíam para elaborar a imagem de um novo começo e de uma nova identidade, com um projeto próprio e promissor – um projeto civilizador, pelo qual o país debutaria no concerto das nações. Exibir o controle numérico sobre uma vasta população de cidadãos, computando sua exuberância, sua composição e seus movimentos, era atributo reservado, na época, apenas ao seleto círculo das potências, em especial França, Alemanha e Estados Unidos. No tempo da República Velha, exemplos da grandeza nacional eram os pavilhões de estatística, montados nas exposições nacionais e universais. Pareciam feitos para apresentar uma promessa de nação, o Brasil, diante do mundo civilizado. Um destaque nesse campo foi a exposição comemorativa do centenário da Independência, realizada em 1922. Na ocasião, foi construído um edifício inteiro para representar a nação em números e divulgar com ênfase os resultados do censo geral de 1920. O nome de batismo do prédio não poderia ser mais emblemático: Pavilhão da Ciência da Certeza. A estatística era, sem dúvida, uma ciência “mais certa” que as outras, por ser mais fiel ao paradigma das ciências naturais. Por meio da matemática, o país acreditava reencontrar os trilhos do progresso.

A Ciencia Da Certeza - Revista de Historia Da Biblioteca Nacional

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Artigo de divulgação científica sobre a estatística na Primeira República, publicado na Revi de História da Biblioteca Nacional

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A ciência da certeza

Estimulada pelos positivistas, entusiastas de censos e estatísticas, a República custou

a acertar na complicada tarefa de mensurar o país por meio dos números

Nelson de Castro Senra e Alexandre de Paiva Rio Camargo

9/9/2007

As incinações positivistas de certos governantes republicanos favoreceram o desenvolvimento da atividadeestatística no Brasil. No ideário positivista, ela consagrava a mensuração do mundo social, no que tornavampróximas e presentes realidades distantes e até então desconhecidas do Estado. As estatísticas colocam todaa população, a sociedade, a economia e o território – na forma de tabelas, gráficos e cartogramas – sobreas mesas daqueles a quem cabe tomar as decisões mais importantes. Este enlace entre as estatísticas e o“governo científico” do positivismo aparece, por exemplo, nas resoluções do plano urbanístico e do re-ordenamento espacial empreendidas pela reforma do prefeito Pereira Passos na capital federal, comotambém nas categorias de classificação “defeitos físicos” e “raça”, que informavam os estudos higienistassobre a localização, prevenção e erradicação das moléstias nas principais capitais do país.

A Constituição de 1891 determinou a realização de censos regulares, em intervalos de dez anos. Era aindaviva a lembrança o primeiro recenseamento da República, ocorrido em janeiro de 1890, tão próximo daproclamação. O responsável pela iniciativa foi um positivista de estirpe, o ministro dos Negócios do Interior,Aristides Lobo (1838-1896). Para estar à frente do empreendimento, Lobo nomeou Timóteo da Costa(1855-1934), também adepto do positivismo, engenheiro e professor da famosa Escola Politécnica da PraiaVermelha, bastião intelectual dos militantes daquela doutrina. O censo apresentou alguns problemas sérios,

Quantos somos, como somos, quem somos, o que produzimos? Para responder a estas perguntas, o InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pôs nas ruas, em abril, um exército de mais de 70 milrecenseadores. Eles realizaram o censo agropecuário e a contagem da população nos municípios. O resultadoda contagem deverá ser divulgado neste 31 de agosto, um recorde histórico. Pesquisas modernas como estassão caríssimas. Os censos de 2007 custarão nada menos que R$ 560 milhões aos cofres públicos. Taispesquisas são elaboradas a partir de rigorosos critérios técnico-científicos e ancoradas em ricasmetodologias, aplicadas por um corpo estável de técnicos especializados.

Desde a criação do IBGE, em 1936, a sociedade brasileira se organiza cada vez mais pelo “governo dosnúmeros”. Mas as primeiras tentativas de se conhecer melhor o Brasil pela pesquisa censitária começarambem antes. Foi o Império que realizou, em 1872, o primeiro censo do país. Proclamada a República em1889, o interesse pelas estatísticas aumentou consideravelmente. O momento era outro, o regime também.Tornar cidadãos os outrora súditos e ex-escravos era uma tarefa que requeria novos critérios dehierarquização social. Por outro lado, na República Velha (1889-1930), as estatísticas passaram a servir àânsia dos novos governantes pela legitimação. Estes tentariam, com todas as forças, provar que o Brasil iamelhor no novo regime do que no tempo do Império.

Com esse propósito, a estatística emergiu como um importante instrumento de construção da República.Seus números contribuíam para elaborar a imagem de um novo começo e de uma nova identidade, com umprojeto próprio e promissor – um projeto civilizador, pelo qual o país debutaria no concerto das nações.Exibir o controle numérico sobre uma vasta população de cidadãos, computando sua exuberância, suacomposição e seus movimentos, era atributo reservado, na época, apenas ao seleto círculo das potências,em especial França, Alemanha e Estados Unidos.

No tempo da República Velha, exemplos da grandeza nacional eram os pavilhões de estatística, montadosnas exposições nacionais e universais. Pareciam feitos para apresentar uma promessa de nação, o Brasil,diante do mundo civilizado. Um destaque nesse campo foi a exposição comemorativa do centenário daIndependência, realizada em 1922. Na ocasião, foi construído um edifício inteiro para representar a naçãoem números e divulgar com ênfase os resultados do censo geral de 1920. O nome de batismo do prédio nãopoderia ser mais emblemático: Pavilhão da Ciência da Certeza. A estatística era, sem dúvida, uma ciência“mais certa” que as outras, por ser mais fiel ao paradigma das ciências naturais. Por meio da matemática,o país acreditava reencontrar os trilhos do progresso.

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As controvérsias acabaram por exercer uma função pedagógica junto à população. Deram vida aos números

Os resultados do censo de 1900 não só contrariavam a tão propalada imagem de civilização e progresso,como expunham uma grave ferida republicana. Eles eram a prova cabal das dificuldades encontradas pelosnovos governantes para instituir o registro civil, que fora laicizado com a queda do Império. Parte dapopulação ainda se recusava abertamente – às vezes em levantes explosivos, como o da Revolta de Canudos(1896-1897) – a aceitar a separação entre Igreja e Estado, demonizando as obrigações de registro cartoriale ainda insistindo em registrar-se nas paróquias. Por isso, para o governo seria difícil, por muito tempo,saber com exatidão os números dos nascimentos, falecimentos e casamentos. Atendendo às críticas, ogoverno federal nomeou uma comissão de avaliação, que decidiu pela “insuficiência do algarismo obtido” ejulgou oportuno desconsiderar os resultados do censo.

Admitir e oficializar o insucesso dos números de 1900 parecia ser a única maneira de salvar a credibilidadeda “ciência da certeza”, que àquela altura, por sinal, não gozava de nenhuma simpatia por parte do povo.Os primeiros governos da República viveram em permanente crise. De Deodoro da Fonseca a RodriguesAlves, viram-se envolvidos em sucessivas revoltas e manifestações de massa. A tendência do povo era ver acoleta de informações, fundamental ao recenseamento, como uma violação autoritária do espaço privado,tal qual a campanha da vacina obrigatória e o “bota-abaixo” de Pereira Passos. Desde o Império, ascamadas mais pobres da sociedade associavam as tentativas de recenseamento ao reforço do controlearbitrário do Estado sobre elas. Equiparavam o censo ao aumento de impostos, ao recrutamento militarobrigatório e até mesmo à ameaça de reescravização dos libertos.

O censo de 1900 escancarou o que se pretendia por bem ocultar: o uso político das estatísticas. A imprensada época nos mostra um momento em que isso se evidenciou de forma flagrante. Trata-se da famosapolêmica entre o médico demografista Aureliano Gonçalves Portugal (1851-1924), republicano, diretor daInspetoria Geral de Higiene, e o também médico Hilário de Gouveia (1843-1923), oftalmologista de renomemundial, catedrático da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e cunhado de Joaquim Nabuco. Membrosda Academia Nacional de Medicina, os dois digladiaram nas páginas do Jornal do Commercio sobre os índicesde mortalidade por tuberculose, cuja redução Portugal advogava e Hilário contestava.

Atacado em seus domínios, Portugal passou a destilar ácida ironia contra o, segundo ele, “monarquistasedicioso” que lhe fazia oposição. Ele reconhecia que o censo anterior, de 1890, apresentava problemastécnicos, mas não hesitou em atribuí-los aos “boatos terroristas que se espalharam” na ocasião, inflados“pela surda aversão de alguns correligionários do Dr. Hilário de Gouveia ao regime dominante”. O discursoanti-republicano teria contribuído, na sua opinião, para que “parte considerável da população se furtasse aorecenseamento”, daí os maus resultados. Outros polemistas entraram na querela, valendo-se de cálculos,diagramas e tabelas que reforçavam ou enfraqueciam os pontos de vista mais diversos.

como a demora na tabulação dos resultados e sua precária divulgação. Para se ter uma idéia, até 1895 sóeram conhecidos os dados relativos ao Distrito Federal e à comarca de Palmas, no Paraná, região envolvidaem conflito de divisas com a Argentina, cuja solução dependia dos números do censo. Para cumprir a lei, ogoverno Campos Salles faz executar um novo censo em 31 de dezembro de 1900. Convenhamos que visita derecenseador e festas de fim de ano são duas coisas que não combinam. Talvez o seu coordenador, FranciscoMendes da Rocha (1861-1949), apostasse na idéia de associar a virada do século à nova era em que o paísingressaria, a partir de um diagnóstico matematicamente preciso.

No entanto, os resultados relativos ao Distrito Federal frustraram as mais modestas expectativas. Osnúmeros referentes ao tamanho da população, por exemplo, foram considerados “muito baixos”. Mendes daRocha defendeu sua obra da única maneira que lhe convinha: desqualificando o censo precedente – marcofundador da estatística republicana. Alegou que nele se praticara “um desordenado acréscimo” dapopulação, por terem somado a esta os imigrantes que aportaram à cidade na época. Este fluxo, segundoele, era circunstancial, motivado pelo “encilhamento” – a fracassada tentativa de estimular o crescimentoeconômico feita pelo ministro da Fazenda, Rui Barbosa, em 1890, durante o governo de Deodoro daFonseca, e que provocou inflação, falências e uma especulação financeira sem precedentes.

Na opinião de Mendes da Rocha, a população da capital diminuíra porque os imigrantes haviam partido dacapital federal assim que o “brilho ilusório do papel-moeda começou a empanar-se”. Tal argumento faziapasmar qualquer cidadão médio, familiarizado com a copiosa população de imigrantes residentes nosinfernos sociais das casas de cômodos e das grandes habitações coletivas do Rio de Janeiro. Mendes daRocha agravava ainda mais, assim, sua já delicada situação de descrédito, pois seu censo enfocava umadécada em que a cidade mais acolhera imigrantes.

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Aproveitando o momento favorável, ele conseguiu quebrar as resistências regionais, instalando em cadaestado um delegado do censo, que era o responsável direto pela recuperação dos registros administrativosnos órgãos estaduais. A coroação dos esforços de Bulhões Carvalho não tardaria: o “censo do centenário” foio carro-chefe do exuberante Pavilhão da Ciência da Certeza na exposição de 1922. Coube a ele também areapuração quase integral do polêmico censo de 1900 (desconhecida da absoluta maioria dos pesquisadores ejá digitalizada pelo IBGE). Uma surpresa: os números de 1906 colhidos pelo censo municipal de PereiraPassos apontaram uma população de 811.443 habitantes na capital federal, contra a estimativa de 746.749habitantes na antiga sinopse de 1900. Tais índices revelam que, pelo menos para o Rio de Janeiro, nãohouve grande erro no censo de 1900 – e nem que ele tenha sido especialmente desastroso.

De qualquer modo, tudo ainda era muito frágil no quadro administrativo da República Velha. A realizaçãodos censos ficava sempre dependendo de um estado de pacificação social e de acordos políticos entre asesferas de governo. Não fomos recenseados em 1910, quando a verba censitária se esgotou com acontratação de um enorme quadro (8.433 pessoas!) sem qualquer cronograma de trabalho, num deslavadocaso de empreguismo. O censo foi suspenso por decreto do presidente Hermes da Fonseca, que feriu assimpreceito da Constituição de 1891. Também não seríamos contados em 1930, por força das “agitações” darevolução que levou Getulio Vargas ao poder.

Sem institucionalização, sem autonomia de ação, a estatística não vingaria como verdadeiro instrumento deplanejamento e de formulação das políticas públicas até a criação do IBGE. A partir daí é que começou afuncionar a prometida regularidade censitária no Brasil. Só com o surgimento dessa instituição passaria ahaver uma produção contínua e sistemática de estatísticas capazes de apontar, com o respaldo das ciências,as realidades complexas do país. Só assim os governos podem, pela ação política, transformá-las.

NELSON DE CASTRO SENRA É PROFESSOR DA ESCOLA NACIONAL DE CIÊNCIAS ESTATÍSTICAS, PESQUISADORDO IBGE E COORDENADOR DA COLEÇÃO HISTÓRIA DAS ESTATÍSTICAS BRASILEIRAS: 1822-2002 (IBGE, 2006 E2007).

ALEXANDRE DE PAIVA RIO CAMARGO É MESTRANDO EM HISTÓRIA SOCIAL PELA UFF E CO-AUTOR DEHISTÓRIA DAS ESTATÍSTICAS BRASILEIRAS: 1822-2002 (IBGE,2006 E 2007).

abstratos e complicados dos censos e formaram um público que, instigado pelas trocas de acusações eafrontas pessoais, ficava um pouco mais íntimo da áspera linguagem estatística. O censo do Distrito Federal, de 1906, foi realizado para marcar a gestão modernizadora do prefeito PereiraPassos na capital da República. Encomendado já nos primeiros meses de seu mandato, em 1903, deveriainspirar a remodelagem do espaço urbano carioca, constituindo assim um marco na utilização administrativadas estatísticas entre nós. Tão zeloso que era do projeto, Pereira Passos fez questão de supervisioná-lopessoalmente, instalando o organizador do censo, Aureliano Portugal, na ante-sala do seu gabinete. Queriater conhecimento de tudo, desde as nomeações dos recenseadores até a divulgação final dos resultados. Noentanto, o estado de sítio decretado por causa da Revolta da Vacina, em 1904, terminou por adiar os planosdo prefeito.

Na dimensão federal, a fragilidade técnica dos censos iniciais da República refletia a instabilidade do regime.Como um instrumento de governo, a atividade estatística se ressentia da debilidade da federação para seimpor aos estados. O que não funcionava a contento no censo tinha razões estruturais profundas e nãopodia resolver-se à força dos decretos e outras resoluções, mesmo que proviessem do mais alto escalão daRepública. Enquanto o governo federal não fizesse cumprir a obrigação dos estados de facilitar o acesso aosseus registros administrativos (alfândegas, hospitais, escolas, delegacias, tribunais) nos prazos estipuladospara as operações censitárias, o país não conheceria estatísticas de qualidade.

Novos ventos não soprariam antes de 1920, quando se fez a terceira contagem da República. Ascomemorações do centenário da Independência, em 1922, exigiam a sua perfeita execução. Sociedade,imprensa, escolas superiores, intelectuais, políticos e até religiosos vieram a público esclarecer a importânciada pesquisa, e a população abriu suas portas aos recenseadores. Além do sucesso, pioneirismo, pois foi estecenso o primeiro a fazer um levantamento econômico e um agropecuário do Brasil, ao lado do demográfico.Não há como deixar de lembrar a figura de seu idealizador, José Luiz Sayão de Bulhões Carvalho (1866-1940) – o fundador da estatística brasileira.

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