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11 JORNAL DA UNICAMP Campinas, 6 a 12 de outubro de 2008 MANUEL ALVES FILHO [email protected] Brasil realizou em Pe- quim a sua melhor cam- panha na história dos Jogos Paraolímpicos. O país conquistou 16 me- dalhas de ouro, 14 de prata e 17 de bronze, desempenho que o colocou na nona posição no quadro geral da competição. O resultado de- veu-se, obviamente, ao mérito dos atle- tas, mas também ao trabalho de cente- nas de profissionais que atuaram nos “bastidores” do evento, colocando seus conhecimentos a serviço do esporte nacional na China. Entre eles estive- ram 25 especialistas ligados à Uni- camp, que levaram a sua contribuição para que nadadores, corredores, fute- bolistas etc pudessem desempenhar suas atividades da melhor forma pos- sível. Foram convocados educadores físicos, médicos, fisioterapeutas, psi- cólogos, entre outros. Menos de uma semana depois de retornarem de Pequim, parte dos profis- sionais vinculados à Universidade já es- tava preparada para ministrar uma pales- tra aos alunos de graduação da Faculda- de de Educação Física (FEF). O objeti- vo era compartilhar com os estudantes um pouco da experiência acumulada na China. “Esse é mais um aspecto gratifi- cante da nossa participação nos Jogos. As Paraolimpíadas são o acontecimen- to máximo para quem trabalha na área de esportes adaptados. Trazer essa vivência aos nossos alunos equivale a colocá-los em contato com o que há de mais novo nesse segmento em âmbito mundial”, explica José Júlio Gavião de Almeida, professor da FEF e membro do Laboratório de Atividade Motora Adaptada (Lama) daquela faculdade. Gavião foi convocado para ir a Pe- quim para atuar junto ao Escritório do Comitê Paraolímpico Brasileiro. Foi a terceira participação dele em Paraolim- píadas. De acordo com o docente, a incorporação cada vez maior dos co- nhecimentos científicos às atividades esportivas é um dos pontos responsá- veis pela evolução do país na competi- ção. “Atualmente, não é possível reali- zar esporte de alto rendimento sem o aporte da ciência e da tecnologia. Isso vale tanto para o esporte olímpico quan- to para o paraolímpico. Quando falamos em treinamento, estamos falando tam- bém em fisiologia, medicina, psicologia, sociologia e uma série de outras áreas que ajudam a preparar adequadamente o atleta para uma disputa”, afirma. A FEF, destaca Gavião, transfor- mou-se ao longo do tempo em centro tas brasileiros estiveram em três fren- tes de atuação. O nível primário com- preendeu a prevenção das lesões e a promoção da saúde. O secundário correspondeu ao tratamento das lesões agudas. O terciário abrangeu as ativi- dades para a prevenção das lesões crô- nicas. “Todo esse trabalho foi dividido em dois momentos. Tivemos o perío- do de preparação e aclimatação dos atletas, em Macau, e o período de com- petição, em Pequim”, esclarece. Ao todo, a equipe ficou responsável pelo acompanhamento de 170 atletas. “Foi uma experiência profissional e pesso- al maravilhosa”, avalia. No estudo que faz para a sua dissertação de mestrado, Marília pretende traçar o perfil das le- sões esportivas mais comuns em atle- tas com deficiência visual. “Depois, espero aplicar os resultados na base, de modo a melhorar as condições e a quali- dade de vida dos nossos competidores”. A família Jacusiel Miranda contou com duas representantes na China. Além da médica Andréa, a irmã dela, Tatiane, também trabalhou nos Jogos Paraolím- picos. Esta, porém, foi convocada pelo Comitê Paraolímpico Internacional. “Minha tarefa foi ajudar a garantir que tudo saísse conforme o planejado”, diz. Embora tenha participado das Pa- raolimpíadas de Atenas, na Grécia, Tatiane conta que a experiência em Pe- quim foi diferente em enriquecedora. “Por estar a serviço do Comitê Interna- cional, tive a oportunidade de ter uma visão mais ampla da competição. Foi muito interessante”, afirma. Outro as- pecto importante lembrado pelos cin- co entrevistados é que a experiência e o conhecimento adquiridos por ocasião dos Jogos Paraolímpicos de Pequim servirão não somente para aprimorar a preparação dos atletas nacionais, mas também para melhorar a qualidade de vida das demais pessoas com defici- ência. “Ou seja, todo esse envol- vimento também tem um aspecto so- cial importante”, define Marilia. de excelência em pesquisas relaciona- das ao esporte adaptado. As atividades foram iniciadas pelos professores Edison Duarte, Paulo Ferreira de Ara- újo e José Luiz Rodrigues. Graças a essa condição, a faculdade tem forma- do pessoal qualificado para atuar na área. “Mas vale destacar que a convo- cação dos profissionais para trabalhar numa Paraolimpíada não tem a ver so- mente com a chancela da instituição onde estudam ou se formaram. O que mais pesa é a qualidade do trabalho que realizam e do envolvimento pessoal que cada um tem com o esporte paraolím- pico. Isso é muito interessante porque consolida o trabalho científico e estabe- lece condições para outras pessoas ve- nham participar desse esforço”, analisa. Quem também esteve em Pequim foi Artur José Squarisi de Carvalho, que fez graduação e mestrado na FEF. Atualmente, ele é assessor técnico da Confederação Brasileira de Esportes para Cegos. Nos Jogos Paraolímpicos, coordenou a área de transporte no in- terior da Vila Paraolímpica, também junto ao Escritório do Comitê Parao- límpico Brasileiro. Artur conta que quando começou a trabalhar com es- portes adaptados a participação em uma Paraolimpíada era um sonho dis- tante para ele. “Normalmente, come- çamos a trabalhar de forma voluntária e depois vamos nos envolvendo cada vez mais. Participar de um evento como o de Pequim é o ápice na carrei- ra de qualquer um que atua na área de esporte adaptado. Ou seja, é um pro- cesso que precisa ser construído. A convocação, portanto, é fruto desse tra- balho e desse comprometimento”, diz. Para Artur, a participação nos Jo- gos Paraolímpicos foi valiosa não ape- nas sob o aspecto profissional, mas também pessoal. Nos cerca de 20 dias em que passou em Pequim, ele teve oportunidade de travar contato com pessoas do mundo todo, mas especial- mente com os voluntários chineses. “Isso foi muito importante porque me ajudou a conhecer a cultura daquele país, algo que está muito distante da nossa realidade do dia-a-dia. A experi- ência foi fantástica”. Quem comparti- lha da mesma opinião é Andréa Jacu- siel Miranda, membro da equipe médi- ca brasileira em Pequim. Ao todo, eram 11 profissionais, sendo que cinco deles tiveram parte da sua formação feita na Unicamp. Ela explica que o trabalho dos médicos começou ainda na fase de preparação dos atletas, período em que ocorrem avaliações prévias. Depois, a equipe participou da fase de treinamento e adaptação dos com- petidores brasileiros, realizada em Macau. Por último, houve o acompa- nhamento durante as provas propria- mente ditas. “Além disso, a equipe médica também esteve inserida na ta- refa de classificação das deficiências dos atletas, que é feita pelo Comitê Paraolímpico Internacional, e no acom- panhamento dos exames antidoping. Neste último caso, uma de nossas res- ponsabilidades era orientar os atletas a respeito dos medicamentos que eles poderiam ou não tomar. Além disso, nós ainda éramos responsáveis pelo atendi- mento dos demais membros da delega- ção. No vôo de ida, aliás, nós tivemos que socorrer uma pessoa que apresen- tou problema de saúde”, relata. Marília Passos Magno e Silva este- ve em Pequim como integrante da equi- pe de fisioterapeutas da delegação bra- sileira. Ao todo, foram convocados 12 profissionais da área. Ela, que atual- mente é aluna de mestrado na FEF, tra- balha com esporte paraolímpico desde 2005. “Comecei trabalhando com ce- gos e me apaixonei. Isso me fez bus- car mais informações sobre o esporte adaptado, e acabei descobrindo que a FEF era um centro de excelência nes- sa área. Atualmente, atuo com o Goalball feminino”, conta. De acordo com Marília, a participação nas Olim- píadas foi a concretização de um sonho. “A aspiração de qualquer fisioterapeu- ta é integrar uma equipe esportiva. Par- ticipar dos Jogos foi um passo além”. A fisioterapeuta explica que os pro- fissionais que acompanharam os atle- O Vinte e cinco especialistas ligados à Unicamp estiveram nos Jogos Paraolímpicos de Pequim A ciência a serviço do esporte adaptado A ciência a serviço do esporte adaptado Da esq. para a dir., Andréa Jacusiel Miranda, José Júlio Gavião de Almeida, Artur José Squarisi de Carvalho, Marília Passos Magno e Silva e Tatiane Jacusiel Miranda: força-tarefa multidisciplinar Fotos: Antoninho Perri/Divulgação

A ciência a serviço do esporte adaptado - Unicamp · 2008. 10. 3. · ticipar dos Jogos foi um passo além”. A fisioterapeuta explica que os pro-fissionais que acompanharam os

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11JORNAL DA UNICAMPCampinas, 6 a 12 de outubro de 2008

MANUEL ALVES FILHO

[email protected]

Brasil realizou em Pe-quim a sua melhor cam-panha na história dosJogos Paraolímpicos. Opaís conquistou 16 me-dalhas de ouro, 14 de

prata e 17 de bronze, desempenho queo colocou na nona posição no quadrogeral da competição. O resultado de-veu-se, obviamente, ao mérito dos atle-tas, mas também ao trabalho de cente-nas de profissionais que atuaram nos“bastidores” do evento, colocando seusconhecimentos a serviço do esportenacional na China. Entre eles estive-ram 25 especialistas ligados à Uni-camp, que levaram a sua contribuiçãopara que nadadores, corredores, fute-bolistas etc pudessem desempenharsuas atividades da melhor forma pos-sível. Foram convocados educadoresfísicos, médicos, fisioterapeutas, psi-cólogos, entre outros.

Menos de uma semana depois deretornarem de Pequim, parte dos profis-sionais vinculados à Universidade já es-tava preparada para ministrar uma pales-tra aos alunos de graduação da Faculda-de de Educação Física (FEF). O objeti-vo era compartilhar com os estudantesum pouco da experiência acumulada naChina. “Esse é mais um aspecto gratifi-cante da nossa participação nos Jogos.As Paraolimpíadas são o acontecimen-to máximo para quem trabalha na áreade esportes adaptados. Trazer essavivência aos nossos alunos equivale acolocá-los em contato com o que há demais novo nesse segmento em âmbitomundial”, explica José Júlio Gavião deAlmeida, professor da FEF e membrodo Laboratório de Atividade MotoraAdaptada (Lama) daquela faculdade.

Gavião foi convocado para ir a Pe-quim para atuar junto ao Escritório doComitê Paraolímpico Brasileiro. Foi aterceira participação dele em Paraolim-píadas. De acordo com o docente, aincorporação cada vez maior dos co-nhecimentos científicos às atividadesesportivas é um dos pontos responsá-veis pela evolução do país na competi-ção. “Atualmente, não é possível reali-zar esporte de alto rendimento sem oaporte da ciência e da tecnologia. Issovale tanto para o esporte olímpico quan-to para o paraolímpico. Quando falamosem treinamento, estamos falando tam-bém em fisiologia, medicina, psicologia,sociologia e uma série de outras áreasque ajudam a preparar adequadamente oatleta para uma disputa”, afirma.

A FEF, destaca Gavião, transfor-mou-se ao longo do tempo em centro

tas brasileiros estiveram em três fren-tes de atuação. O nível primário com-preendeu a prevenção das lesões e apromoção da saúde. O secundáriocorrespondeu ao tratamento das lesõesagudas. O terciário abrangeu as ativi-dades para a prevenção das lesões crô-nicas. “Todo esse trabalho foi divididoem dois momentos. Tivemos o perío-do de preparação e aclimatação dosatletas, em Macau, e o período de com-petição, em Pequim”, esclarece. Aotodo, a equipe ficou responsável peloacompanhamento de 170 atletas. “Foiuma experiência profissional e pesso-al maravilhosa”, avalia. No estudo quefaz para a sua dissertação de mestrado,Marília pretende traçar o perfil das le-sões esportivas mais comuns em atle-tas com deficiência visual. “Depois,espero aplicar os resultados na base, demodo a melhorar as condições e a quali-dade de vida dos nossos competidores”.

A família Jacusiel Miranda contoucom duas representantes na China. Alémda médica Andréa, a irmã dela, Tatiane,também trabalhou nos Jogos Paraolím-picos. Esta, porém, foi convocada peloComitê Paraolímpico Internacional.“Minha tarefa foi ajudar a garantir quetudo saísse conforme o planejado”, diz.Embora tenha participado das Pa-raolimpíadas de Atenas, na Grécia,Tatiane conta que a experiência em Pe-quim foi diferente em enriquecedora.“Por estar a serviço do Comitê Interna-cional, tive a oportunidade de ter umavisão mais ampla da competição. Foimuito interessante”, afirma. Outro as-pecto importante lembrado pelos cin-co entrevistados é que a experiência eo conhecimento adquiridos por ocasiãodos Jogos Paraolímpicos de Pequimservirão não somente para aprimorar apreparação dos atletas nacionais, mastambém para melhorar a qualidade devida das demais pessoas com defici-ência. “Ou seja, todo esse envol-vimento também tem um aspecto so-cial importante”, define Marilia.

de excelência em pesquisas relaciona-das ao esporte adaptado. As atividadesforam iniciadas pelos professoresEdison Duarte, Paulo Ferreira de Ara-újo e José Luiz Rodrigues. Graças aessa condição, a faculdade tem forma-do pessoal qualificado para atuar naárea. “Mas vale destacar que a convo-cação dos profissionais para trabalharnuma Paraolimpíada não tem a ver so-mente com a chancela da instituiçãoonde estudam ou se formaram. O quemais pesa é a qualidade do trabalho querealizam e do envolvimento pessoal quecada um tem com o esporte paraolím-pico. Isso é muito interessante porqueconsolida o trabalho científico e estabe-lece condições para outras pessoas ve-nham participar desse esforço”, analisa.

Quem também esteve em Pequimfoi Artur José Squarisi de Carvalho,que fez graduação e mestrado na FEF.Atualmente, ele é assessor técnico daConfederação Brasileira de Esportespara Cegos. Nos Jogos Paraolímpicos,coordenou a área de transporte no in-terior da Vila Paraolímpica, tambémjunto ao Escritório do Comitê Parao-límpico Brasileiro. Artur conta quequando começou a trabalhar com es-portes adaptados a participação emuma Paraolimpíada era um sonho dis-tante para ele. “Normalmente, come-çamos a trabalhar de forma voluntáriae depois vamos nos envolvendo cada

vez mais. Participar de um eventocomo o de Pequim é o ápice na carrei-ra de qualquer um que atua na área deesporte adaptado. Ou seja, é um pro-cesso que precisa ser construído. Aconvocação, portanto, é fruto desse tra-balho e desse comprometimento”, diz.

Para Artur, a participação nos Jo-gos Paraolímpicos foi valiosa não ape-nas sob o aspecto profissional, mastambém pessoal. Nos cerca de 20 diasem que passou em Pequim, ele teveoportunidade de travar contato compessoas do mundo todo, mas especial-mente com os voluntários chineses.“Isso foi muito importante porque meajudou a conhecer a cultura daquelepaís, algo que está muito distante danossa realidade do dia-a-dia. A experi-ência foi fantástica”. Quem comparti-lha da mesma opinião é Andréa Jacu-siel Miranda, membro da equipe médi-ca brasileira em Pequim. Ao todo, eram11 profissionais, sendo que cinco delestiveram parte da sua formação feita naUnicamp. Ela explica que o trabalhodos médicos começou ainda na fase depreparação dos atletas, período em queocorrem avaliações prévias.

Depois, a equipe participou da fasede treinamento e adaptação dos com-petidores brasileiros, realizada emMacau. Por último, houve o acompa-nhamento durante as provas propria-mente ditas. “Além disso, a equipe

médica também esteve inserida na ta-refa de classificação das deficiênciasdos atletas, que é feita pelo ComitêParaolímpico Internacional, e no acom-panhamento dos exames antidoping.Neste último caso, uma de nossas res-ponsabilidades era orientar os atletas arespeito dos medicamentos que elespoderiam ou não tomar. Além disso, nósainda éramos responsáveis pelo atendi-mento dos demais membros da delega-ção. No vôo de ida, aliás, nós tivemosque socorrer uma pessoa que apresen-tou problema de saúde”, relata.

Marília Passos Magno e Silva este-ve em Pequim como integrante da equi-pe de fisioterapeutas da delegação bra-sileira. Ao todo, foram convocados 12profissionais da área. Ela, que atual-mente é aluna de mestrado na FEF, tra-balha com esporte paraolímpico desde2005. “Comecei trabalhando com ce-gos e me apaixonei. Isso me fez bus-car mais informações sobre o esporteadaptado, e acabei descobrindo que aFEF era um centro de excelência nes-sa área. Atualmente, atuo com oGoalball feminino”, conta. De acordocom Marília, a participação nas Olim-píadas foi a concretização de um sonho.“A aspiração de qualquer fisioterapeu-ta é integrar uma equipe esportiva. Par-ticipar dos Jogos foi um passo além”.

A fisioterapeuta explica que os pro-fissionais que acompanharam os atle-

OVinte e cincoespecialistasligados àUnicampestiveramnos JogosParaolímpicosde Pequim

A ciência a serviço do esporte adaptadoA ciência a serviço do esporte adaptado

Da esq. para a dir., Andréa Jacusiel Miranda, José Júlio Gavião de Almeida, Artur José Squariside Carvalho, Marília Passos Magno e Silva e Tatiane Jacusiel Miranda: força-tarefa multidisciplinar

Fotos: Antoninho Perri/Divulgação