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A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

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A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

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Gisele Leite

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

CPC/2015

1ª Edição

Pindamonhangaba-SP

EDITORA LIBERLIBER

2016

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

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Mesclado entre as heranças alemã e

italiana, o CPC de 2015 nasce com uma

preocupação de ser efetivo, de cumprir a

duração razoável do processo e, promover

uma cognição aparelhada da máxima

efetividade processual possível com a

primazia do julgamento do mérito.

Embora se aluda no texto codificado

de 2015 ao processo de conhecimento e a

processo de execução, devemos

reconhecer que rigorosamente o processo

não pode ser qualificado como de cognição

ou de execução.

Lembremos que conhecer e executar

são atividades desempenhadas pelo juiz

ao longo do processo. Tratam-se de

técnicas[1] processuais de que o juiz se

vale para satisfazer ou acautelar os

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 5

direitos, valendo-se do processo.

Portanto, apenas elipticamente é que se

pode cogitar em processo de

conhecimento ou processo de execução.

Mas, o processo de conhecimento e ao

processo de execução são, em verdade,

eixos para a organização do novo CPC que

atende mais à tradição encarnada em

determinada linhagem doutrinária, que

entre nós fora positivada no CPC/1973, do

que propriamente a uma necessidade

teórica ou prática supostamente inerente

à estrutura do processo civil.

O processo de conhecimento traçado

pelo Código Fux [2] sequer poderia ser

chamado de conhecimento, na medida em

que se admite a antecipação de tutela

(arts. 294 ss.) e cumprimento da sentença

(arts. 513 ss.) em seu bojo, porque é

inerente a prática de atos concretos que

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 6

interfiram concretamente na vida das

pessoas.

[1] Cândido Rangel Dinamarco, ao

definir “técnica”, expõe de forma clara

essa interdependência entre o direito

material e o processo: “Técnica é a

predisposição ordenada de meios

destinados a obter certos resultados

preestabelecidos. Toda técnica será cega

e até perigosa se não houver a consciência

dos objetivos a realizar, mas também

seria estéril e de nada valeria a definição

de objetivos sem a predisposição de meios

técnicos capazes de promover sua

realização”.

[2] Luiz Fux (1953) é um jurista

brasileiro, ex-ministro do STJ e atual

ministro do STF. Estudou no Colégio

Pedro II e formou-se em Direito na

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Gisele Leite - 7

Faculdade de Direito da Universidade do

Estado do Rio de Janeiro em 1976, onde

viria a ser também professor. Após

formar-se, começou a carreira jurídica

como advogado da empresa Shell; foi

posteriormente promotor de Justiça do

Ministério Público do estado do Rio de

Janeiro, por 3 anos, até ser aprovado em

concurso para a magistratura.

Fux recebeu em 2011 a Medalha do Mérito

Cívico Afro-Brasileiro da Organização

Não-Governamental Afrobras e pela

Faculdade Zumbi dos Palmares. De 1983

a 1997, foi Juiz de Direito, aprovado em

primeiro lugar em concurso, e exerceu

atividades como nas comarcas de: Niterói,

Duque de Caxias, Petrópolis, Rio de

Janeiro (capital) e Registro Civil das

Pessoas Naturais. Promovido por

merecimento para o cargo de Juiz de

Direito da Entrância Especial da 9ª Vara

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 8

Cível do Estado do Rio de Janeiro.

Durante esse período, exerceu a função de

Juiz Eleitoral do Tribunal de Justiça do

Estado do Rio de Janeiro na 13ª Zona

Eleitoral e 25ª Zona Eleitoral Rio de

Janeiro. Foi também promovido por

merecimento para o cargo de Juiz de

Direito do Tribunal de Alçada do Estado

do Rio de Janeiro.

Fux foi desembargador do Tribunal de

Justiça do Estado do Rio de Janeiro, de

1997 a 2001. Em 2001, foi o escolhido pelo

presidente Fernando Henrique

Cardoso para ocupar o cargo de ministro

do Superior Tribunal de Justiça pelo terço

destinado a desembargadores de

Tribunais de Justiça, em vaga deixada

por Hélio Mosimann, que se aposentara.

Foi empossado em 29 de outubro de 2001.

Em 2003, Luiz Fux foi o relator do

julgamento no STJ que considerou a Tele

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

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Sena um título de capitalização, e não um

jogo de azar, revertendo decisão da

Justiça Federal da 3ª Região.

Reportagem da revista Isto É revelou em

2009 que o STJ solicitava a companhias

aéreas privilégios para amigos e

familiares de Fux.

Posse do Ministro Luiz Fux no Supremo

Tribunal Federal (STF). Em 1º de

fevereiro de 2011, foi indicado pela

Presidente Dilma Rousseff para ocupar

uma cadeira do Supremo Tribunal

Federal, vaga desde agosto de 2010 com a

aposentadoria do ministro Eros Grau. A

indicação foi defendida pelos políticos

Sergio Cabral Filho e Antonio Palocci.

Em 9 de fevereiro de 2011 a Comissão de

Constituição e Justiça do Senado Federal

aprovou por unanimidade a indicação de

Luiz Fux para o Supremo Tribunal

Federal. Em seguida, a matéria seguiu

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 10

para o plenário do Senado que aprovou a

indicação por 68 votos a favor, 2 contra e

sem nenhuma abstenção. Em 11 de

fevereiro, foi nomeado ministro do STF.

Em 3 de março de 2011, às 16 horas,

tomou posse como 11º Ministro da mais

alta corte do Brasil.

Em 23 de março de 2011, Fux deu o voto

decisivo contra a aplicação da Lei da

Ficha Limpa nas eleições de 2010. A

decisão do Supremo Tribunal Federal,

considerando a aplicação da lei nas

eleições de 2010 inconstitucional,

beneficiou diretamente vários candidatos

cuja elegibilidade havia sido barrada por

causa de processos na Justiça. A lei

começou a valer apenas a partir de 2012,

embora ainda possa ser questionada. O

caso teve ampla repercussão na mídia.

Membro da Academia Brasileira de

Letras Jurídicas desde 2008, presidiu a

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Gisele Leite - 11

comissão de juristas que elaborou o

anteprojeto do novo Código de Processo

Civil Brasileiro, concluído em 8 de junho

de 2010. Uma de suas maiores

preocupações foi a morosidade da Justiça;

Fux propôs a limitação do número de

recursos.

Com destacada atuação na área de

direitos humanos, Fux defende o

reconhecimento efetivo pelo Judiciário

dos direitos sociais garantidos na

Constituição.

Portanto, o processo de conhecimento

admite dentro de si a atividade executiva,

o que consiste em evidente contradição.

Em 1964 quando entregou Alfredo

Buzaid [3] o Anteprojeto de CPC

brasileiro de 1973 atendendo ao convite

do Ministro da Justiça, Oscar Pedroso

Horta [4], que lhe incumbiu da tarefa

como professo catedrático de Direito

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

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Processual Civil da Faculdade de Direito

da USP.

[3] Alfredo Buzaid (1914-1991) foi

advogado, magistrado, professor e jurista

brasileiro. Foi Ministro da Justiça

durante o governo de Emílio Garrastazu

Médici e ministro do Supremo Tribunal

Federal indicado pelo Presidente João

Figueiredo, bem como um dos principais

elaboradores do CPC de 1973 que vigeu

até 2016.

Iniciou a carreira de advogado em

Jaboticabal (SP) e, em 1938 retornou a

São Paulo, onde continuou se dedicando à

advocacia. Foi aluno de Enrico Tullio

Liebman no curso de extensão

universitária, vindo a ser um dos

integrantes da Escola Paulista de Direito

Processual. Em 1958, juntamente com

Luís Eulálio de Bueno Vidigal, José

Frederico Marques, Candido Rangel

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

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Dinamarco e Galeno Lacerda fundou o

Instituto Brasileiro de Direito Processual

Civil, onde foi secretário-geral. Em 1960

foi nomeado pelo Governo Federal para

elaborar o Anteprojeto do Código de

Processo Civil, o qual acabou sendo

apresentado por ele 4 anos depois. Em

1966, assumiu o cargo de diretor da

Faculdade de Direito da Universidade de

São Paulo. Em 1969, foi nomeado vice-

reitor da Universidade de São Paulo. Em

outubro de 1969, foi nomeado Ministro da

Justiça, sendo um dos mentores

intelectuais do Código de Processo Civil

que entrou em vigor em 1974. Permaneceu

no Ministério da Justiça até 14 de março

de 1974. Em 1973, ingressou na

Academia Paulista de Letras.

Durante sua gestão como Ministro da

Justiça, seu filho Alfredo Buzaid

Júnior foi suspeito de estar envolvido em

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

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um crime de grande repercussão ocorrido

em Brasília. Trata-se do chamado Caso

Ana Lídia em que uma menina de

apenas 7 anos foi sequestrada, torturada

e estuprada, sendo assassinada em 11 de

setembro de 1973. Na ocasião, Ana Lídia

tinha sido levada a um sítio situado em

Sobradinho, que era propriedade de

Eurico Resende, então Vice-Líder da

Arena no Senado Federal. Apesar da

participação de Eduardo Ribeiro

Rezende (filho do senador) no episódio, a

maior suspeita é a de que o crime

hediondo tenha sido cometido por

Alfredo Buzaid Júnior, razão pela qual

o caso se tornou mais um exemplo de

impunidade em Brasília. Em 22 de março

de 1982, Buzaid foi nomeado ministro do

Supremo Tribunal Federal.

[4] Faleceu em decorrência de um câncer,

em sua residência em São Paulo em 9 de

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julho de 1991, dias antes de completar

setenta e sete anos. Seu acervo - mais de

25 mil volumes - foi adquirido pela

Universidade Estadual Paulista Júlio de

Mesquita Filho (Unesp) e hoje se encontra

na biblioteca do campus de Franca (SP).

Em 1972, o Projeto fora encaminhado

ao Congresso Nacional por mensagem do

Presidente da República. Foi então

discutido e aprovado, foi sancionado o

CPC de 1973 por Médici coadjuvado pelo

então Ministro da Justiça, Alfredo

Buzaid.

A influência da processualística

alemã do final do século XIX e, mais

fortemente da doutrina italiana da

primeira metade do século XX na

formação do Código Buzaid é evidente.

E, o aponta o próprio Buzaid ao

recomendar na Exposição de Motivos a

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leitura das Instituições [5] de

Chiovenda [6] como livro-chave para

sua compreensão e ao consagrá-lo como

um monumento imperecível de glória à

Liebman [7], representando fruto de seu

sábio magistério no plano da política

legislativa; atesta-o Cândido Rangel

Dinamarco [8], com a indicação do

Manual de Liebman como o guia mais

seguro para a perfeita compreensão de

nossa lei processual.

A repercussão das noções do

conceitualismo processual civil europeu

no Código Buzaid pode ser nitidamente

aferida a partir da sua estrutura. E,

também, as linhas fundamentais do

sistema do Código Buzaid podem ser

bem compreendidas diante das suas

relações com a realidade social e com o

direito material, do mesmo modo

predeterminadas pelo clima do

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 17

cientificismo peculiar do conceitualismo

[9].

O Anteprojeto do CPC de 1964

entregue por Buzaid ao governo federal

contém apenas a redação dos três

primeiros livros do Código,

correspondentes ao processo de

conhecimento (art. 1 ao 612), ao processo

de execução (art. 613 ao 845) e ao

processo cautelar (arts. 846 ao 913). Não

contempla a redação do livro quarto,

correspondente aos procedimentos

especiais de jurisdição contenciosa e de

jurisdição voluntária.

[5] A principal obra jurídica publicada

por Chiovenda foi Instituições de direito

processual civil, escrita em 1935, nascida

de Princípios de Direito Processual Civil

(1906), que pouco a pouco, em edições

posteriores, estava assumindo forma de

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 18

manual, limitada à pretensão de prover

às exigências de seus alunos das

Universidade de Parma, Bolonha,

Nápoles e Roma, onde se observa que nas

Instituições há divisão metodológica bem

elaborada, partindo na primeira parte

dos conceitos fundamentais do processo,

na segunda parte da atuação da lei em

prol do autor, na terceira parte aborda as

relações processuais, subdividindo em

dois livros: os pressupostos processuais, e

a relação processual ordinária de

cognição.

[6] Guiseppe Chiovenda (1872-1937) foi

jurista italiano, formou-se em Roma, onde

estudou com Vittorio Scialoja. Ele

começou sua carreira de jurista em

Universidades de Parma (1902), Bolonha

(1905), Nápoles e, Roma (1907). Era

membro da Academia Nacional de Lincei

e reitor do Instituto Real de Estudos

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 19

Comerciais e Administrativos da

Universidade de Roma, "La Sapienza", a

partir de 1911 até 1913. Em 1924

juntamente com Francesco Carnelutti

fundou e editou o Jornal Da Lei de

Processo Civil. Sua contribuição

doutrinária é considerada uma referência

na elaboração do CPC em 1940 sendo um

ferrenho defensor do princípio da

oralidade, foi também editor do Código,

no projeto de reforma em 1919.

É chamado de Soberano Chiovenda

tendo influenciado a doutrina

processualística dando-lhe um nítido

caráter científico.

[7] Enrico Tullio Liebman (1903-1986)

foi importante jurista italiano nascido na

Ucrânia. Foi professor de direito

processual civil nas Universidades de

Sassari e Parma. Pouco antes da edição

das leis raciais fascistas na Itália em

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 20

1938/1939, emigrou para a América do

Sul, onde lecionou na Universidade de

Buenos Aires.

Em 1939, com 36 anos de idade, mudou-

se para o Brasil, onde lecionou na

Universidade de São Paulo, onde foi

titular da cadeira de direito processual

civil e publicou várias obras, ao qual já

tinha destaque acadêmico como docente

na Itália.

Após a queda do fascismo, retornou à

Itália em 1946, onde foi titular da cadeira

de Direito Processual Civil nas

Universidades de Pavia, Torino e Milão.

Suas obras exerceram bastante influência

no direito processual civil brasileiro,

sendo um dos maiores defensores da

teoria eclética do direito de ação. O

Código de Processo Civil brasileiro de

1973 seguiu suas teorias em virtude da

influência de Alfredo Buzaid, ministro da

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 21

Justiça e um de seus alunos.

[8] Cândido Rangel Dinamarco é

jurista brasileiro e formando pela USP. É

professor, advogado e desembargador

aposentado pelo TJSP. Um dos maiores

processualistas brasileiros vivo e ainda

produtivo. Suas obras publicadas:

Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos;

Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos

Cíveis; Capítulos de Sentença, 2.ª edição;

Capítulos de Sentença, 3.ª edição;

Execução Civil, 8.ª edição; Fundamentos

do Processo Civil Moderno, 5.ª edição;

Instituições de Direito Processual Civil,

vol. 1, 5.ª edição; Instituições de Direito

Processual Civil, vol. 2, 2.ª edição;

Instituições de Direito Processual Civil

vol. 3, 5.ª edição; A Instrumentalidade do

Processo, 13.ª edição; Intervenção de

Terceiros, 4.ª edição; Litisconsórcio, 7.ª

edição; Nova Era do Processo Civil, 2.ª

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

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edição; Processo de Execução; A Reforma

da Reforma, 6.ª edição; A Reforma do

Código de Processo Civil, 5.ª edição;

Temas Relevantes do Direito Civil

Contemporâneo; Teoria Geral do

Processo, 24.ª edição.

[9] A excessiva formalização do direito,

notadamente do direito processual

fugindo da contingência do mundo real,

das incertezas inerentes à vida humana,

desagua no conceitualismo que representa

a fuga da realidade. E, o dogmatismo é

um dos instrumentos mais eficazes no

empenho do poder em manter-se. Afinal, o

conceitualismo se desliga da realidade

social. E, tal qual as grandezas

matemáticas que não possuem história e

nem compromissos culturais, assim

também, se imagina os conceitos jurídicos

com que laboram os processualistas que

parece servir para qualquer sociedade

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 23

humana. Portanto, a neutralidade da

ciência processo é um dogma.

O construído abismo entre teoria e prática

possui dois resultados gritantes: a)

sujeitaram os magistrados aos desígnios

do poder, impondo-lhes a mera condição

de servos da lei, ou boca da lei; b) ao

concentrar a produção do Direito no nível

legislativo, sem que aos juízes fosse

reconhecida a menor possibilidade de

exercer sua posição judicial, através da

interpretação e da aplicação da lei.

Observou Ovídio Baptista que

Carnelutti era um bom exemplo como

autor metódico e formal, por obedecer ao

mais profundo e radical dogmatismo. É

visível o método matemático persistente

em suas obras.

Com isso, na ótica de Buzaid muito

provavelmente bastava somente o

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 24

processo de conhecimento, de execução e

cautelar para a organização do CPC.

Intimamente Buzaid entendeu que sua

missão estava cumprida apenas com a

apresentação dos três primeiros livros do

anteprojeto.

A própria terminologia utilizada no

quarto livro pois estreitamente ligado ao

direito material, ali existiriam os

procedimentos especiais. As ações

especiais correspondem a

“quinquilharias” pois confundiria o

direito material com o direito processual.

Afinal, o processo é conceito da ciência

processual que não pode ser adjetivado

com os conceitos ligados ao direito

material, sob pena de ser ameaçada a sua

autonomia.

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 25

Finalmente em 1972 fora

encaminhado ao Congresso Nacional

brasileiro e a influência da doutrina

italiana da primeira metade do século XX

está visível em sua construção.

O processo de conhecimento visa dar

razão a uma das partes mediante a

sentença declaratória, constitutiva ou

condenatória (Guiseppe Chiovenda

[10]).

É comum afirmar a existência de três

modelos de processos distintos, a saber: o

processo de conhecimento, o cautelar e o

de execução, havendo notáveis diferenças

entre cada um destes.

O processo de conhecimento é

instaurado na busca da tutela satisfativa,

ou seja, aquela que irá satisfazer a sua

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 26

pretensão de direito material. Neste

processo, o demandante irá afirmar a

ocorrência de um fato e deverá comprová-

lo.

[10] Na Alemanha, o código era de

procedimento e não de processo, daí o

processo não ter tanta importância tanto

na Europa quanto nos Estados Unidos da

América, e talvez este seja o aspecto

determinante de que no Brasil foi

introduzida essa idéia de ter sido Bülow

quem iniciou os modernos conceitos do

direito processual, devendo-se ao fato de

ter Chiovenda sofrido forte influência

dele, e haver o direito processual civil

brasileiro igualmente sofrido forte

influência, também, do direito processual

civil italiano e, não do direito processual

civil francês.

Na própria França, o processo, por meio

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 27

de Pothier, já havia tomado o sentido

publicista, não possuindo os magistrados

a liberdade para decidirem. Vale apontar

que a França então já se encontrava

unificada, enquanto que a Alemanha e a

Itália assim não se encontravam.

O direito italiano e o francês vão buscar

fontes jurídicas de países que já se

encontram unificados, como não caso da

Alemanha, que é o direito romano. Por

outro lado, não há no meio do século XIX

o Estado Social, o Estado ainda é o

Liberal, contudo, há fortes elementos de

pressupostos do Estado Social, no âmbito

processual, na medida em que ao se falar

em escopos metajurídicos e liberdade do

juiz, implica na proteção da sociedade

pelo magistrado.

O demandado será citado e poderá

impugnar o que o autor afirma, também

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 28

podendo apresentar a seu favor outros

fatos impeditivos, modificativos ou

extintivos.

No decorrer deste processo, haverá a

produção de provas com intuito de

convencer o magistrado a respeito de

como a situação fática se desenvolveu e,

ao final, será proferida uma sentença com

ou sem resolução de mérito.

Salvo algumas exceções,

posteriormente esta sentença, terá que

ser objeto de execução, pois nem sempre o

demandado concorda em cumpri-la ou os

seus efeitos se perfazem

automaticamente.

Percebe-se que o processo [11] é

conceito da ciência processual que não

pode ser adjetivado com conceitos ligados

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 29

ao direito material, sob pena de ser

ameaçada a sua autonomia [12].

O processo de conhecimento se inicia

com a propositura da ação que constitui

direito ao processo e a um julgamento de

mérito. E, termina com a prolação da

sentença. Com a sentença proferida, o

juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional

(functus officio) [13].

[11] No afã de definir o processo,

Chiovenda já exclui logo qualquer

definição tendo por base a defesa do

direito subjetivo, que pode coincidir ou

não com o escopo geral e objetivo de fazer

atuar a lei, como também apontou serem

inaceitáveis conceber o processo como um

modo de definir controvérsias, mas é

possível haver controvérsias fora do

processo (arbitramento), ou pode ter

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 30

processo sem controvérsias (julgamento

por revelia, o reconhecimento jurídico do

pedido pelo réu) ou ainda, não haver

definição de controvérsias( no caso de

execução por títulos extrajudiciais),

também discordou da concepção do

processo como meio de coação ao

adimplemento dos deveres, porque pode

existir processo sem coação (sentença de

denegação do pedido) e, por fim,

visualizar o processo um modo de dirimir

conflitos de vontades ou de atividades, na

medida que também existem conflitos que

são resolvidos fora do processo, como o

que ocorre na defesa da posse esbulhada

ou turbada.

[12] Ao longo da história evolutiva do

direito processual podemos apontar três

momentos distintos em relação à ciência

processual:

a) o período do sincretismo (fase

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 31

imanentista) que foi o período mais longo.

Quando o processo era considerado

apenas um meio de exercício dos direitos.

Não se percebia a autonomia da relação

jurídica processual em comparação com a

relação jurídica material. Não havia

então a distinção entre direito processual

e direito material.

O período autonomista (fase conceitual e

científica) tem origem em 1868, com a

obra Oskar Von Büllow em que o autor

alemão aponta a existência de uma

relação processual distinta da relação

material. Passa-se a reconhecer o direito

processual como ciência autônoma.

Período teleológico (fase

instrumentalista) é a fase atual. Surgiu

em meados do século XX, direciona o

processo a resultados substancialmente

justos (superando o tecnicismo que

prevaleceu por aproximadamente um

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 32

século. Não é apenas um instrumento

técnico à serviço da ordem jurídica, mas

um instrumento ético destinado a servir à

sociedade e ao Estado.

[13] O princípio da inalterabilidade da

sentença presente no art. 494 do

CPC/2015. A expressão "publicada" pode

gerar alguma confusão ao se atentar à

publicação da sentença na imprensa

oficial. A publicação pode ocorrer nos

seguintes momentos, tão logo proferida a

sentença, em se tratando de

pronunciamento judicial em audiência ou

sessão, oportunidade em que as partes,

inclusive já se dão por intimadas, ou

quando proferida em gabinete do juiz, nos

casos de julgamento antecipado da lide ou

na hipótese de sentença proferida em dez

dias depois da realização da AIJ, com sua

efetiva juntada aos autos, por ato do

escrivão.

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 33

O processo de execução tem por

objetivo promover a transformação do

mundo fático sem o concurso da vontade

do obrigado, de modo a realizar a

prestação consubstanciada no título

executivo que lhe serve de suporte. Trata-

se de atividade necessária à cognição ou

pelo menos à atividade que lhe deu

origem.

Em verdade, pretender reduzir todos

os tipos de conflitos de interesses a três

categorias, é um pouco ingênuo, mas,

certamente estas se enquadrariam nas

seguintes modalidades de crises [14]

jurídicas: a de certeza, a da situação

jurídica e cooperação (adimplemento,

descumprimento).

A crise de certeza constitui de

interesses tipificados pela necessidade de

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 34

se obter do Poder Judiciário uma certeza

jurídica acerca da existência ou

inexistência de uma relação jurídica, ou

excepcionalmente sobre a autenticidade

ou falsidade de um documento.

Já a crise de situação jurídica

constitui-se em um conflito de interesses

tipificado pela necessidade de se obter do

Poder Judiciário uma situação jurídica

nova, que represente uma mudança

jurídica da situação anterior que se

encontrava em conflito.

Na crise de cooperação

(adimplemento ou descumprimento)

configura-se em modalidade de crise

tipificada pela necessidade de se alcançar

do Poder Judiciário o cumprimento da

norma jurídica descumprida (cooperação

ou adimplemento).

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 35

Sabemos ser vedada a autotutela e,

permanecendo o conflito de interesses,

certamente essas crises jurídicas

desembocarão no Judiciário, para que

este possa então, resolvê-las de forma

justa e efetiva, trazendo a sonhada paz

social.

[14] O substantivo “crise” é feminino e de

difícil compreensão, perpassando uma

informação genérica e cuja abstração

deriva da própria natureza desse

substantivo. Ao se afirmar que o

“Judiciário está em crise” logo se

relaciona a morosidade da justiça e na

falta de duração razoável do processo, que

seria atribuível ao congestionamento

constante dos processos, e que tem

transformado a tutela dos direitos numa

saga sem fim.

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 36

Em verdade nenhum código poderá

reduzir o tempo do processo e sanar de vez

a morosidade da justiça. Um dos fatores é

a crise estrutural do Judiciário, que

reflete a ausência de infraestrutura para

a prestação de serviço jurisdicional.

Outro fator, é ineficiência e a

incapacidade de autogestão

administrativa do Judiciário. E, por fim,

a inadequação do método utilizado para

resolução dos conflitos de interesse, ou

seja, as técnicas processuais vigentes não

estariam adequadas à solução dos

conflitos da atualidade porque teriam

ficada defasadas com o tempo e a evolução

social.

O processo [15] se revela então a

ferramenta imprescindível para dar

legitimidade e legalidade à revelação da

norma concreta, enfim, para permitir e

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 37

justificar a atuação do Judiciário,

certamente deve ofertar técnicas

apropriadas para atingir a finalidade

para qual existe.

Com relação à crise de cooperação

(descumprimento obrigacional) o Direito,

especialmente, o direito processual, tem

dificuldades em pacificar esse tipo de lide,

justamente porque a mera revelação da

norma jurídica concreta não é bastante

para pôr fim ao conflito de interesses. É

preciso transcender. É necessário partir

da norma jurídica concreta declarada

para a sua atuação no mundo dos fatos.

O NCPC tem franca inspiração nos

modelos legislativos posteriores à

redemocratização alemã, sendo evidente

a inserção da Constituição Federal

brasileira vigente (e seus valores) como

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 38

lente e filtro de qualquer atividade do

Estado (função legislativa, judiciária e

executiva).

O NCPC passou aderir a superação do

modelo positivista para um pós-

positivista ou neopositivista conforme se

pode extrair no artigo 1º do CPC/2015.

Entre a cognição e execução

reconhece-se haver uma conexão

sucessiva. Pois a execução atua tão

somente por meios sub-rogatórios (arts.

625, 631, 633, 634, 636, 637, 643 e 647).

O título executivo representa a uma

obrigação certa, líquida e exigível (art.

586). Submetem-se ao processo de

execução tanto os títulos executivos

judiciais como os extrajudiciais (arts.

582/585). São espécies do mesmo gênero a

atividade judicial e extrajudicial,

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 39

disciplinada em conjunto.

Não é tarefa do juiz no processo de

execução dar razão a uma das partes e

também não há equilíbrio entre as partes

na execução porque o título executivo já

indica que uma das partes tem razão. A

tarefa do juiz é simplesmente traduzir em

fato aquilo que se encontra

normativamente encerrado no título

executivo.

[15] Chiovenda discordou de

Carnelutti o qual entende que o objetivo

do processo é a justa composição da lide

por considerar que mesmo quando entre

as parte existe um contrate, não é objetivo

imediato do processo compô-lo, mas dizer

e atuar a vontade da lei (...) se por justa

composição se entende a que é conforme à

lei, resolve-se na atuação a vontade da lei,

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 40

se porém, se entende uma composição

qualquer que seja, contando que ponha

termo à lide, deve radicalmente repudiar

uma doutrina que volveria o processo

moderno, inteiramente inspirado em alto

ideal de justiça, ao processo embrionário

dos tempos primitivos, só concebido para

impor a paz, a todo custo, aos litigantes.

Como todo e qualquer processo visa

solucionar a lide, quando aquele for

extinto por solução desta, logo, é porque o

mérito foi julgado. Assim também há de

ser no processo de execução. O processo

de execução como qualquer outro,

somente deve iniciar-se quando houver

uma lide e perdurar enquanto esta não

for solucionada.

No momento em que a lide é

solucionada, cumpre-se o objeto do

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 41

processo e com isso este deve ser extinto

com julgamento de mérito. Quando a lide

do processo de execução é solucionada,

esta deve ser extinta com julgamento de

mérito.

Quando afirmamos anteriormente

que existe lide no processo de execução,

estávamos implicitamente admitindo a

existência de mérito neste processo. Não

será o mesmo mérito do processo de

conhecimento, mas exige-se mérito.

Alguns autores negam a existência de

lide no processo de execução e, por isso

coerentemente negam a existência de

mérito neste processo.

Entretanto, outros não admitem o

mérito no processo de execução, muito

embora, o fazem de forma incoerente, pois

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 42

admite a existência de lide, concordam

que ela é o mesmo que mérito, mas por

fim negam haver mérito na execução,

conforme apontou Marcelo Navarro.

Na doutrina encontramos alguns

doutrinadores que admitem o mérito na

execução, como Donaldo Armelin, José

Frederico Marques, Pontes de

Miranda, Marcelo Navarro. O

professor Araken de Assis, faz várias

alusões ao mérito na execução, mas não

deixa clara a sua posição.

O professor Cândido Dinamarco

que não admite julgamento de mérito

direito no processo de execução, mesmo

assim, admite a existência deste mérito,

nega apenas a possibilidade de seu

julgamento, como se vê: " Como venho

dizendo, é um preconceito que leva a

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 43

pensar que o mérito seja idéia inerente

exclusivamente do processo de

conhecimento [16] ". Prossegue: "

Afastamento das questões de mérito não

significa, porém, que inexista mérito no

processo executivo”.

[16] Assim o conteúdo intrínseco de uma

de ação de conhecimento é, sem dúvida, o

direito material litigioso, caracterizador

de uma lide substantiva associada ao seu

aspecto meritório; ao passo que nas ações

cautelares, ao reverso, o conteúdo

intrínseco é, por seu turno, o Direito

Processual cautelar, caracterizador de

uma lide de dano associada ao seu

aspecto acautelatório, que revela, em

última análise, segundo expressiva

parcela da doutrina, na denominada

medida cautelar”.

Há o mérito representado pela

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 44

pretensão executiva deduzida mediante

demanda inicial. O fato de eventual

julgamento a respeito ter outra sede (a

dos embargos) não significa que o mérito

[17] inexista naquele processo

Desta forma, como o processo de

execução contém apenas atividade

executiva, eventual defesa diante da

situação substancial encerrada no título

executivo não pode ser nele apresentada.

Para se voltar contra a execução tem

o executado (art. 736) que acarretará o

início de um novo processo de

conhecimento, incidental à execução.

O critério que pavimenta a separação

entre o processo de conhecimento e o

processo de execução é o critério da

atividade do juiz [18].

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 45

Através da legitimação histórica

advinda do direito romano clássico e com

as observações conceitualistas

pontuavam que a cognição e execução não

são funções ou fases processuais distintas

de um mesmo processo, mas representam

atividades que devem ser realizadas, de

maneira naturalmente autônoma, em

dois processos distintos.

Na cognição [19] o juiz conhece com o

fim de decidir a causa; nesse, apenas

promove a adequação do mundo àquilo

que se encontra estampado no título

executivo.

[17] Mendonça Lima afirma que, "

Tecnicamente, porém, mérito é, apenas, o

conflito de interesses submetido à solução

jurisdicional, até que se esgote a atividade

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 46

dos órgãos judiciários com a sentença de

primeiro grau".

Parece-nos, que não se pode negar a

existência de mérito no processo de

execução, tendo em vista que o processo

somente se inicia quando existe uma lide

e esta sempre há de corresponder ao

mérito. Autores existem que admitem a

existência de mérito na execução, somente

não admitindo que este mérito possa ser

julgado dentro deste processo, exigindo-

se, para tanto, outro processo que no caso

são os embargos do devedor ou embargos

à execução. Entretanto, este aspecto será

analisado mais adiante

[18] Cognição e execução não devem ser

consideradas como sempre fizessem parte

de fases distintas e sucessivas do

procedimento. E, positivamente, como

classes de atividade judicial, cuja

predominância de uma ou outra poderá

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 47

até se alternar na condução do feito.

Assim analisando cada ato processual

realizado pelo órgão jurisdicional, é

possível distinguir a respectiva natureza

ainda quanto atos de caráter executivo

sejam praticados no chamado processo de

conhecimento, assim como quando atos de

caráter cognitivo sejam praticados no

âmbito do processo de execução.

Em suma, a classificação tradicional peca

pela grande imprecisão. Pois se a tutela de

cognição e de execução são categorias

decorrentes de aplicação de critério

relacionado com a natureza da atividade

judicial, já a classificação da tutela como

cautelar é consequência de critério

diverso, o da imediatidade ou

mediatidade conforme é atingido o direito

material que a parte pretenda ver

efetivado.

[19] A aproximação dos modelos jurídicos

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 48

da common law e civil law tem uma razão

histórica que se confunde e se mistura com

a razão jurídica. A Revolução Francesa e

a Revolução Gloriosa na França e

Inglaterra, respectivamente, foram

marcos decisivos para o desenvolvimento

e também o isolamento desses dois

regimes jurídicos. Contudo, após o

fenômeno de constitucionalização do

Direito (pós-segunda guerra mundial),

nesses regimes passaram a se comunicar

e traçar um entrelaçamento que nos

parece ser inevitável no vigente contexto

da sociedade de massa.

O processo cautelar visa assegurar

que uma das partes, ou o próprio

processo, em última análise, para que não

venha sofrer um dano jurídico ocasionado

por um perigo da tardança ou por um

perigo de infrutuosidade da tutela

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 49

jurisdicional, enquanto pendente o

processo de conhecimento ou de execução,

ou enquanto quaisquer destas atividades

se encontrarem prestes a iniciar.

Desta forma, concluímos que o

processo cautelar [20] é na natureza

doutrinária, dependente e acessório de

provimento do processo de conhecimento

ou de execução (arts. 796 e 806/808).

Portanto, constitui proteção provisória

emprestada à cognição e à execução. Em

síntese, é um instrumento do

instrumento.

O critério [21] identificador do

processo cautelar não é o da atividade

judicial, pois o processo cautelar

corresponde a uma unidade, o critério é o

da estrutura dos provimentos de

cognição, execução e cautelar [22].

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 50

[20] Como expressa a própria Exposição

de Motivos do Código de Processo Civil de

1973, o objeto do processo é a lide. Se a

lide é o objeto do processo, qualquer

processo que não tivesse lide seria

processo sem objeto, o que, evidentemente,

não pode ser aceito. Não pode haver

processo sem objeto e sempre que iniciado

o processo e, depois, venha desaparecer a

lide, o mesmo será extinto pela perda do

objeto. Sendo o cautelar uma modalidade

de processo, logo terá por objeto a lide.

Sem lide seria processo sem objeto e

processo sem objeto deve ser extinto,

porque inexiste razão para o seu

seguimento.

Outro aspecto que merece relevância, é o

de que todo processo tem por finalidade

solucionar uma lide, na busca da

promoção da paz social. Se assim for, e

como hoje é reconhecida a existência de

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 51

lide no processo cautelar, a sentença nesse

processo também visa solucionar a lide

cautelar (lide de segurança), no sentido de

promover a paz social.

[21] Todo e qualquer objeto pode ser

classificado segundo vários critérios. No

caso da tutela jurisdicional, é viável que

tanto os aspectos técnicos quanto os mais

intimamente ligados ao próprio direito

material protegido sejam analisados com

a finalidade de classificá-la, desde que

não se pretenda misturar as espécies

assim obtidas como se decorressem de

classificação segundo critério único. Cada

critério proporciona uma classificação.

Há, contudo, uma relação de

complementaridade entre as várias

classificações possíveis, já que cada uma

enfoca o mesmo objeto sob prisma

diferenciado. Exatamente essa idéia

de insuficiência da classificação sob um

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 52

único aspecto que nos levou a abordar

tantos critérios distintos num mesmo

trabalho, o que obviamente prejudica o

desenvolvimento de estudo aprofundado e

específico sobre cada um deles. O objetivo

traçado, porém, consistia em oferecer

noção mais ampla da tutela jurisdicional,

não vinculada à classificação segundo um

critério apenas, mas sim ressaltando a

existência de múltiplos aspectos a serem

examinados para definir com precisão a

tutela mais adequada à solução de cada

caso concreto.

[22] Outro critério segundo o qual pode

ser classificada a tutela jurisdicional é a

urgência. Entendemos, porém, que os

contornos do gênero tutela de urgência em

hipótese alguma se confundem com a

mera soma das espécies tutela cautelar e

tutela antecipada. Afinal, existem

inúmeras hipóteses legalmente previstas

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 53

que autorizam a antecipação de tutela

com base em outros fundamentos que não

a urgência, além do que o pressuposto

periculum in mora, necessário à

concessão da tutela cautelar, não exige

necessariamente a iminência de tal perigo

(urgência).

Enquanto que os provimentos de

cognição e execução são definitivos, os

provimentos cautelares são sempre

provisórios. E, pouco importa a

satisfatividade ou não do provimento

para caracterização da função cautelar.

Afinal segundo o Código Buzaid os

provimentos cautelares poderão ser

assecuratórios ou satisfativos. O que era

importante era a provisoriedade para o

delineamento das espécies que entravam

no processo de cautelar.

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 54

Com a coordenação de processo de

conhecimento, de execução e cautelar o

Código Buzaid propiciou às parts de um

procedimento padrão para a tutela de

direitos fundados somente em conceitos

processuais, portanto, independentes da

natureza do direito material posto em

juízo.

Por força de seu neutralismo

científico o Código Buzaid terminou

disciplinando o processo civil tendo se

pautado em dados sociais existentes na

Europa do final do século XIX. As

relações sociais e as situações jurídico-

materiais pressupostos eram as relações

do homem do Código Civil de 1916, de

Clóvis Beviláqua [23], não por acaso,

sendo considerado mesmo uma

codificação tipicamente oitocentista [24].

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 55

[23] Clóvis Beviláqua (1959´-1944)

jurista, legislador, filósofo e historiador

brasileiro. Estudou na Faculdade de

Direito do Recife. Dentre várias carreiras

jurídicas atuou como promotor público,

membro da Assembleia Constituinte do

Ceará, secretário de Estado, consultor

jurídico do Ministério do Exterior. Foi um

dos fundadores da Academia Brasileira

de Letras e membro do Instituto Histórico

e Geográfico. Em 1883 publicou no Recife

A filosofia positivista no Brasil,

declarando-se um "monista

evolucionista", formando, com outros da

Escola do Recife, a corrente estritamente

científica do positivismo, contra a

tendência mística e religiosa, então forte

no Brasil. Neste livro faz menção à

transformação do positivismo em

evolucionismo no norte do país, onde se

começava a buscar inspiração mais em

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 56

Spencer e em Haeckel do que em

Comte, enquanto que no Sul aquela

filosofia se mantinha ainda ortodoxa.

Também se encontra colaboração da sua

autoria na Revista de Estudos Livres

(1883-1886) dirigida por Teófilo Braga,

principal impulsionador do positivismo

em Portugal. Foi nomeado, em 1906,

Consultor Jurídico do Ministério das

Relações Exteriores, cargo que ocupou até

1934, quando foi aposentado

compulsoriamente. É interessante

observar que em todo o tempo em que

desempenhou a função de Consultor

Jurídico do Ministério das Relações

Exteriores não viajou ao exterior em

nenhuma ocasião. Sua aposentadoria foi

compulsória em razão da idade, imposta

pela Constituição de 1934. Seu sucessor

no cargo foi o jurista e escritor Gilberto

Amado. É patrono da Academia

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 57

Cearense de Letras e da Academia

Sobralense de Estudos e Letras.

Professor dos mais respeitados, crítico

literário com vários ensaios publicados e

uma produção na área jurídica das mais

sólidas, principalmente em livros de

Direito Civil e Legislação Comparada,

Clóvis Beviláqua era conhecido e

respeitado nacionalmente quando foi

convocado para ser sócio fundador da

Academia Brasileira de Letras, ocupando

a cadeira catorze, cujo patrono era

Franklin Távora. Essas mesmas

condições levaram-no a ser chamado, em

1899, pelo então Ministro da Justiça

Epitácio Pessoa, para escrever o projeto

do Código Civil Brasileiro. Clóvis redigiu

o projeto, de próprio punho, em apenas

seis meses, porém o Congresso Nacional

precisou de mais de quinze anos para que

fossem feitas as devidas análises e

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 58

emendas. Sendo promulgado em 1916,

passando a vigorar a partir de 1917

(apenas recentemente substituído pela lei

10.406 de 10 de janeiro de 2002), pode-se

afirmar que o Código Civil Brasileiro

imortalizou Clóvis Beviláqua no

cenário jurídico e intelectual.

[24] Codificação oitocentista trata-se de

técnica legislativa, fortemente marcada

pelo ideário burguês e iluminista e, por

isso, permeada por valores liberais e

individualistas. A codificação foi um

instrumento legislativo cujo objetivo seria

proporcionar organização e

sistematicidade ao Direito, concentrando

todas as normas pertinentes a um mesmo

ramo jurídico dentro de uma única lei - o

código -, que viria marcada por

características tais como: coerência,

completude, unidisciplinariedade. Sendo

assim, os primeiros códigos civis

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 59

nasceram para se tornar o centro do

sistema de direito civil, concentrando em

seu texto legal todas as normas

pertinentes aos institutos de direito civil

(Ex.: contrato, propriedade e família).

Por essa razão, o Código Buzaid era

considerado individualista,

patrimonialista e dominado pela

ideologia da liberdade tendenciosamente

irrestrita e da segurança jurídica como

defesa da manutenção do status que,

pensado a partir da ideia de dano e

preordenado a prestar tão somente uma

tutela repressiva aos direitos.

É fundamental perceber que o

conceitualismo impôs à ciência

processual uma atitude neutra em

relação à cultura. O que perenizou

indevidamente certo contexto social. E,

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 60

assim, ao isolar o direito da realidade

social, congelou o processo no momento de

sua formulação.

O direito processual civil ao ser

adepto do pandectismo [25], encampado

logo pelo método italiano que reproduziu

no século XX a realidade social existente

no século anterior.

O Código Buzaid que teve por base a

cultura oitocentista, seja porque fora

alimentado pelo conceitualismo europeu,

que a pressupunha, passou a ter atitude

neutra e imparcial, seja por teve como

referência a regulação do Código Civil de

1916, enormemente embevecido nas

ideias do Code Civil de 1804 (Napoleão)

[26] e, indiretamente, pelas lições de

Savigny e ainda a influência do Esboço de

Teixeira de Freitas [27], na sua

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 61

redação.

É inconteste a severa influência de

Savigny [28] sobre Teixeira de Freitas,

vide Clóvis Couto da Silva [29] e

Pontes de Miranda.

Em seu Código Beviláqua

esquadrinhou a vida do homem de seu

tempo, assim o homem nasce e torna-se

capaz na vida civil. Um dos primeiros

atos é o matrimônio onde se situa as

coisas de mater, de esposa, de mãe e da

sua vida privada.

Logo em seguida, constituiu o

patrimônio (formado por coisas do pater,

pai, marido e pai) busca ampliá-lo com o

tráfego jurídico (direito das obrigações) e

quando falece deixa o patrimônio (direito

das sucessões).

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 62

[25] A escola pandectista ou ciência das

Pandectas desenvolveu-se na Alemanha,

apoiada na tradição romanística,

contribuindo muito para a edificação da

moderna dogmática jurídica. A

pandectista promoveram a reconstituição

histórica do Direito Romano, criando um

sistema dogmático de normas com o uso

de suas instituições como modelo. A escola

tem este nome exatamente porque seus

adeptos estudavam principalmente a

segunda parte do Corpus Iuris Civilis, de

Justiniano, as Pandectas, normas de

direito civil com respostas de

jurisconsultos.

Os pandectistas desenvolveram o

movimento chamado de jurisprudência

conceitual desenvolvido por Puchta

(1798-1846) e outros. Mais tarde, em

posição muito polêmica perante a

jurisprudência conceitual, se desenvolveu

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 63

mais tarde a jurisprudência dos

interesses capitaneada por Philipp Heck

(1858-1943) e outros autores. E, defende

que o intérprete, ao aplicar a lei, deve

ponderar os interesses em jogo conforme

as valorações do próprio legislador, não,

porém, numa atitude de submissão

conceitual e literal à lei, mas de

obediência esclarecida.

[26] O Código Civil francês,

originalmente chamado de Code Civil ou

Code Napoléon, ou simplesmente, Código

Napoleônico foi o código civil francês

outorgado por Napoleão I e que entrou

em vigor em 21 de março de 1804. O

Código Napoleônico propriamente dito

aborda somente questões de direito civil,

como as pessoas, os bens e a aquisição de

propriedade; outros códigos foram

posteriormente publicados abordando

direito penal, direito processual penal e

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 64

direito comercial. O Código Napoleônico

também não tratava como leis e normas

deveriam ser elaboradas, o que é matéria

para uma Constituição.

Todavia, o Código Napoleônico não foi o

primeiro código legal a ser estabelecido

numa nação europeia, tendo sido

precedido pelo Codex Maximilianeus

bavaricus civilis (Reino da Baviera,

1756), pelo Allgemeines Landrecht (Reino

da Prússia, 1792) e pelo Código Galiciano

Ocidental (Galícia, à época parte da

Áustria, 1797). Embora não tenha sido o

primeiro a ser criado, é considerado o

primeiro a obter êxito irrefutável e a

influenciar os sistemas legais de diversos

outros países. Este Código,

propositalmente acessível a um público

mais amplo, foi um passo importante

para estabelecer o domínio da lei.

[27] Augusto Teixeira de Freitas

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 65

(1816-1993) foi um jurisconsulto

brasileiro reconhecido como jurisconsulto

do império. Sua obra constitui objeto de

profundos estudos acadêmicos até os dias

de hoje, no Brasil e no exterior.

Seu "Esboço de Código Civil", feita por

encomenda do imperador D. Pedro II,

por meio de decreto de 11 de janeiro de

1859. Foi uma obra com

aproximadamente 5.000 (cinco mil)

artigos, que apesar de não ter sido

diretamente utilizada no Brasil, inspirou

trabalhos posteriores no país, tal como o

que resultou no Código Civil de 1916, de

Clóvis Beviláqua, como também

influenciou profundamente os processos

de codificação no Paraguai, no Uruguai,

no Chile, na Nicarágua e, principalmente,

na Argentina, onde serviu como modelo ao

Código Civil elaborado por Vélez

Sarsfield.

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 66

[28] Friedrich Carl von Savigny (1779-

1861) foi um dos mais respeitados e

influentes juristas alemães do século XIX.

Foi o maior nome da Escola Histórica do

Direito, seu pensamento foi importante

para o direito alemão, bem como dos

países de tradição romano-germânica,

especialmente no Direito Civil. Savigny é

responsável pela criação e pelo

desenvolvimento do conceito de relação

jurídica e de diversos conceitos

relacionados, como o de fato jurídico,

tendo seu método histórico influenciado,

entre os movimentos, a jurisprudência dos

conceitos. Savigny foi Ministro da

Justiça entre 1842-1848, tendo

renunciado devido à revolução.

Embora Savigny aceite as regras

jurídicas como um dado histórico-

cultural de validade objetiva, ele não se

limita a propor uma descrição tópica e

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 67

fragmentária delas, mas propõe uma

reelaboração científica do material

recebido, a partir de pontos de vista

unitários, lançando as bases de uma

ciência jurídica a um só tempo

sistemática e historicista. Assim, o

jurista, ao estudar o direito (romano e

consuetudinário), deve identificar os

princípios gerais, evidenciar e corrigir as

lacunas e contradições, e elaborar os

conceitos fundamentais para o

desenvolvimento de um verdadeiro

sistema jurídico.

A originalidade da Escola histórica de

Savigny não foi a de evidenciar a

historicidade ou o caráter sistemático, o

que já havia sido feito pela escola

humanista e pelo jusracionalismo,

respectivamente, mas permitir uma

síntese dessas duas características.

Assim, a Escola histórica constituiu-se em

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 68

uma inovação conservadora: o novo

método de estudo do Direito é utilizado

para a manutenção do direito germânico

tradicional, impedindo as codificações

feitas pelos Estados de inspiração liberal.

Portanto, a partir das características do

elemento histórico, podemos conceituar o

historicismo de Savigny como

retrospectivo e conservador: buscava dar

um sentido objetivo ao Direito através da

ligação deste com o seu passado, opondo-

se à atualização das soluções jurídicas a

partir das condições históricas do

momento da aplicação do direito.

[29] Clóvis Veríssimo do Couto Silva

(1930) é um exemplo de jurista completo,

cuja figura invulgar merece toda

homenagem. Advogado. Formado pela

Faculdade de Direito de Direito da UFRS

em 1953. Professor universitário,

catedrático de Direito Civil da UFRS, e

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 69

professor titular do Direito Civil da

Faculdade de Direito da UFRS.

No Código de Beviláqua não vige a

preocupação com a dignidade da pessoa

humana e nem com seus direitos de

personalidade e, nem tampouco com as

questões de índole social, tal como o

trabalho, a saúde e o ensino, e nem

mesmo se preocupa com assuntos que

extrapolem o indivíduo, como por

exemplo, ambiente, a regulação dos

mercados financeiros. Não dava atenção

a determinados grupos sociais, como

consumidores, mulheres, crianças,

adolescentes, idosos e hipossuficientes

[30] em geral [31].

A preocupação prioritária do Código

Beviláqua está concentrada no binômio

indivíduo-patrimônio, cuja melhor

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 70

correspondência se encontra no binômio

liberdade-propriedade.

Não fora uma atitude isolada do

legislador. Afinal, Beviláqua que se

espelhou ainda as preocupações de

Codificações Oitocentistas europeias que

lhe antecederam e condicionaram-no.

É significativo que ao prefaciar a

edição brasileira do Código Civil de

Napoleão, observa a doutrina que o

binômio liberdade-propriedade constituía

a viga-mestra de todo o ordenamento

jurídico da época, sendo um Código

pensado para os indivíduos que dispõem

e administram um patrimônio.

A liberdade envolve o espírito da

época e a sua melhor expressão

corporificava-se no livre e tendencioso e

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 71

irrestrito exercício da vontade.

[30] O sistema jurídico positivo brasileiro

recebeu o reforço de novo conceito jurídico-

legal, trazido pela Lei 8.078/1990, ao

dispor no inciso VIII do art. 6, direitos

básicos do consumidor, a facilitação da

defesa de seus direitos, inclusive com a

inversão do ônus da prova, a seu favor, no

processo civil, quando, a critério do juiz,

for verossímil a alegação ou quando for

ele hipossuficiente, segundo as regras

ordinárias de experiência.

A hipossuficiência possibilita à parte

reconhecida como hipossuficiente, o

exercício de um direito básico do

consumidor, qual seja, a inversão do ônus

probatório. A hipossuficiência somente

tem existência e aplicação em processos

judiciais onde se discuta alguma relação

de consumo, ou seja, aquela onde estão

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 72

presentes um consumidor e um fornecedor

ou serviço oferecido indistintamente no

mercado.

A hipossuficiência se apreende apenas

dentro da relação processual, após a

verificação da condição das partes

litigantes e do objeto material do litígio;

nem todo consumidor é hipossuficiente,

embora possa ser necessitado, mas o

hipossuficiente tem que ser antes um

consumidor.

[31] As tutelas jurisdicionais

diferenciadas são aquelas criadas com

procedimentos diversos do ordinário e que

se distanciam desta forma procedimental,

na medida em que buscam garantir um

processo mais rápido, visando a efetiva

prestação jurisdicional, já que, em

diversas situações, a lentidão do

procedimento ordinário causa danos aos

interesses que dependem da tutela

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 73

jurisdicional.

A maior preocupação é dar maior

efetividade ao processo, endereçado

sempre à satisfação do direito. É a

aproximação do direito substancial ao

processo que assume definitivamente sua

instrumentalidade, sem renúncia à

autonomia da ciência processual que não

se afirma propriamente com a repetição

da velha lição da teoria civilista da ação.

Converte-se em dogma e autonomia

individual [32], fetiche da época,

passando a sua incolumidade a

comparecer ao cenário jurídico como algo

juridicamente relevante.

O tráfego comercial alimenta-se dessa

liberdade, instrumentalizado por vezes

para melhor circulação de riquezas

inclusive por títulos de créditos.

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 74

Um dos efeitos da sacralização da

vontade [33] é a impossibilidade de sua

coação, dominando o cenário obrigacional

a regra da equivalência das prestações.

A propriedade que move a cultura do

individualismo é a imobiliária, bem

inerente, à produção de riquezas pelos

fazendeiros que alavancavam na ocasião

a economia nacional.

Por esse contexto resta fácil

compreender as características centrais

do Código Buzaid. De um lado, as

verdadeiras tutelas jurisdicionais

diferenciadas conferidas aos fazendeiros

tais como as ações possessórias, e aos

comerciantes (ações de execução

fundadas em títulos extrajudiciais) que,

comportam, no primeiro caso,

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 75

possibilidade de tutela preventiva e

antecipação de tutela [34] e, no, segundo,

execução prévia à cognição, fruto

evidente da ideologia dominante na

conformação do processo.

[32] O princípio da autonomia privada é

um princípio jurídico que garante às

partes o poder de manifestar a própria

vontade, estabelecendo o conteúdo e a

disciplina das relações jurídicas de que

participam.

Em regra, permanece a vontade dos

contratantes. Porém, atualmente a

manifestação de vontade não é totalmente

livre, pois, na concepção moderna de

Estado, este exerce o dirigismo contratual,

ou seja, intervenção na relação entre os

particulares para garantir princípios

mínimos à coletividade.

É um dever do Estado, por exemplo,

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 76

garantir a isonomia substancial

(material) diante de eventual

desequilíbrio entre o fornecedor e o

comprador Como exemplo, temos o Código

de Defesa do Consumidor – CDC –, que

limita os direitos dos mais fortes e confere

direitos aos mais fracos, reequilibrando a

relação jurídica.

O flagrante desequilíbrio também

costuma ocorrer nas relações de trabalho,

por isso a criação da Consolidação das

Leis do Trabalho – CLT. Dessa forma, os

iguais são tratados de forma igual e os

desiguais na proporção de suas

desigualdades. Logo, o dirigismo

contratual é uma limitação ao princípio

da autonomia privada.

[33] A liberdade de contratar diz respeito

ao direito/poder de celebrar contratos, ou

seja, vem da capacidade civil. Portanto a

autonomia privada está relacionada com

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 77

a liberdade contratual, que é o conteúdo

do contrato. Nesta liberdade, há

interferência do Estado e limitação à

autonomia privada.

Uma das bases do Código Civil de 2002 -

CC - é o princípio da socialidade, ou

princípio da função social dos contratos,

em que, na busca dos interesses

particulares, as partes não podem

prejudicar os interesses da coletividade

(interesses metaindividual ou individuais

relativos à dignidade da pessoa humana),

art. 421 – CC: A liberdade de contratar

será exercida em razão e nos limites da

função social do contrato.

[34] Teori A. Zavascki identifica a

função desempenhada pela antecipação

de tutela e pela cautelar em virtude de

ambas servirem como mecanismos de

concretização e de harmonização de

direitos fundamentais em conflito], mais

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 78

especificamente para solucionar tensões

entre segurança jurídica e efetividade

jurisdicional. Nesse sentido, afirma: “É o

que claramente consta nos arts. 798 e 273

do Código de Processo Civil de 1973.

Utilizando terminologia fluida e de

conteúdo genérico (“fundado receio”,

“lesão grave”, “difícil reparação”, “dano

irreparável”, “abuso do direito de defesa”,

“manifesto propósito protelatório”)

aqueles dispositivos nada mais fazem

senão descrever situações de possível

confronto entre efetividade e segurança,

abrindo campo para que o juiz formule,

ele próprio, caso a caso, a solução mais

adequada a manter vivos e concretamente

eficazes os dois direitos fundamentais.

Está aí a via judicial de criação da regra

conformadora, convindo notar que, como

parece intuitivo, tal via somente será

legítima na inexistência ou na

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 79

insuficiência de regra legislada. ”

O processo padrão para tutela de

direitos no Código Buzaid é

individualista, patrimonialista dominado

pela ideologia da liberdade e da

segurança a partir da noção de dano e

apto somente a prestar uma tutela

repressiva [35]. Há no CPC/1973 uma

efetiva força da invasão da cultura

jurídica europeia do século XIX sobre o

processo civil brasileiro.

O patente individualismo do Código

Buzaid reafirma o descompromisso com

as questões de cunho social e

metaindividuais, a que o Código

Beviláqua e o espírito de oitocentos não

acudiam, Alfredo Buzaid desenhou um

sistema para tutela de direitos partindo

do pressuposto da afirmação de um litígio

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 80

entre duas pessoas em juízo, supondo-o

ainda do tipo obrigacional, permitindo no

máximo a intervenção de terceiros,

individualmente considerados, que a

julguem com interesse jurídico, que se

afirmem titulares de direito sobre a res in

iudicium deducta ou que apresentem

determinadas ligações com o direito posto

em causa.

Assim o é porque a regra de

legitimação para causa no Código

Buzaid está em que tão somente o titular

do direito material afirmado em juízo tem

legitimidade para propor ação para sua

prestação judicial, sendo excepcional,

dependendo de expressão autorização

legal, a possibilidade de propositura da

ação em nome próprio para tutela de

direito alheio (art. 6). A coisa julgada,

nessa mesma linha, alcança apenas

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 81

aqueles que foram parte no processo (art.

472 do CPC/73 ou art. 506 do CPC/2015.).

[35] A tutela repressiva volta-se a proteger

uma situação de lesão, de dano já

concretizado, determinando, em razão

disso, a reparação dos danos daí

originados ou derivados, independente da

natureza do direito material (patrimonial

ou moral). Significa dizer, em outras

palavras, que o Estado-juiz deve aplicar

uma sanção correspondente à lesão

ocorrida. O atual modelo constitucional

do processo civil reconhece que a tutela

jurisdicional deve, assim como na tutela

preventiva, possuir o viés de efetividade e

de tempestividade, ou seja, a noção

tradicional de tutela repressiva que visa à

proteção de situações que já se

consumaram lesões ou danos é

insuficiente. Atualmente é necessário que

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 82

a reparação da lesão concreta seja de

forma específica ou genérica.

Há ainda a tutela jurisdicional

“intransitiva” é aquela que dispensa

qualquer atitude da parte ou do Estado-

juiz para que surta efeitos no plano do

direito material. São, portanto, tutelas

autossuficientes, para as quais não é

necessário que haja atividade

jurisdicional complementar. É o que

ocorre, por exemplo, nas decisões

declaratórias e constitutivas, não sendo

necessário, nestas hipóteses, nenhum agir

para que esta gere efeitos práticos “fora”

do processo.

Assim, a principal peculiaridade das

tutelas intransitivas é, justamente, a

outorga do bem da vida, exclusivamente

(e de maneira satisfatória) no plano ideal.

É o caso da sentença de procedência de

uma investigação de paternidade, por

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 83

exemplo. A decisão final que reconhece a

paternidade é suficiente para que se

reconheça “X” como filho de “Y”, sendo

desnecessária (e inócua), qualquer outro

agir, seja pelas partes do processo, seja

pelo Estado-juiz, para que se declare o

vínculo paterno.

A influência do patrimonialismo na

formação do Código Buzaid salta aos

olhos pois essa patrimonialidade do

legislador pode ser aferida em pelo menos

em duas frentes. Na primeira frente está

na relevância da propriedade imobiliária.

A segunda frente, pelo caráter

patrimonial de toda a execução do Código

Buzaid. Para confirmá-lo, basta que

para disciplinar a execução em geral,

assim o Código discorre sobre a

responsabilidade patrimonial do

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 84

executado, pontuando os seus bens

presentes e futuros, salvo as restrições

estabelecidas em lei (art. 591 do CPC/73

ou art. 789 do CPC/2015).

É evidente que na ótica do Código

Buzaid, toda e qualquer execução, no

fundo, tem por objeto bens que

respondem pelo cumprimento da

prestação exigida em juízo.

A patrimonialidade do Código

Buzaid deixa antever ainda a orientação

do legislador no sentido de

mercantilização dos direitos reduzindo as

situações substanciais a situações

patrimoniais com expressão em pecúnia.

Como resultado padrão do processo,

uma tutela jurisdicional pelo equivalente

monetário. O que é compreensível em

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 85

razão do resultado padrão do processo,

uma tutela jurisdicional pelo equivalente

de prestações materiais sobre o qual

erigido o Code Civil e, daí o espírito dos

Códigos oitocentistas, dentre os quais se

insere inequivocamente o Código

Beviláqua.

O que determina a patrimonialidade

executiva, no fundo, é a sacralização da

autonomia individual e de sua

incoercibilidade. Debaixo da

patrimonialidade há uma pretensão

tendenciosa ao valor da liberdade

individual.

A execução se limita a se dirigir

apenas ao patrimônio do executado, com

medidas sub-rogatórias que, por

definição, não lhe forçam a vontade. Não

é possível, em outras palavras, coagir, a

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 86

vontade do executado, exigindo-se a sua

colaboração para obtenção da tutela

jurisdicional.

A jurisdição é uma atividade

substitutiva que independe da atividade

do executado. A execução é forçada,

porque ao juiz não é dado dar ordens às

partes: o executado não pode ser coagido

a agir, daí porque sofre a execução.

As técnicas processuais executivas,

voltadas à agressão do patrimônio do

executado, estão todas as previstas em

lei. São técnicas processuais típicas. A

razão desse posicionamento é singela: as

formas de processo sempre foram vistas

como garantias de liberdade.

Com a previsão legal de técnicas

processuais executivas, exclui-se

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 87

qualquer outra maneira de agressão à

esfera jurídica da parte, realizando-se o

ideal de não intervenção do citado nos

domínios do indivíduo salvo quando

expressamente autorizado por lei.

Trata-se de simples especificação do

princípio da liberdade no processo civil,

tão importante para o constitucionalismo

liberal triunfante, na Revolução Francesa

e que inspirou o Code Civil, chegando até

mesmo ao direito brasileiro.

À liberdade agrega-se a segurança na

conformação do processo civil de 1973. E

o mondo della sicurezza, expressão usada

por Natalino Irti [36] em L’Etat della

Decodificazione.

[36] Natalino Irti (1936) é um docente e

advogado italiano. Seu pensamento

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 88

jurídico articulado move análise

conceitual e formal das instituições, uma

forte defesa da forma (ou seja, os

procedimentos formais) como método de

decisão na administração pública e

privada. Em suas últimas obras ele

teorizou "ontológica do niilismo legal"

como resultado inevitável da pós-

modernidade e da globalização.

Sua análise também envolve a relação

entre a codificação e o papel do jurista.

Eriçado argumentou que a crise do

sistema de código leva a um

questionamento do papel do jurista, que

já não por trás dele é com a estabilidade

regulamentar. A queda do código da

segurança jurídica só pode ser garantida

por um forte papel da doutrina. Fora dos

códigos, que são produzidos e emitidos por

uma autoridade legislativa, existem leis

especiais, que são o resultado de uma

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 89

negociação entre a indústria e o poder

político. Nascido, consequentemente, fora

dos esquemas de legitimidade

democrática comuns. Seu trabalho

também foi dirigido para a recuperação

das ideologias políticas, agora

aniquilados pelo encerramento da

"pinça", daí o título de seu ensaio A pinça,

consiste, por um lado, o poder econômico,

então, por " technocracy "e, por outro, pela

religião, isto é, de" clerocrazia ".

Em 2003 foi publicado em Lima no Peru

uma versão em espanhol de sua

"introdução crítica ao estudo do privado"

direito, acompanhado das notas de direito

latino-americano, editado por professores

peruana Leysser Leon Hilario e

Rómulo Morales Hervias. No trabalho,

"Lei sem verdade", Irti trouxe a uma

conclusão o processo iniciado com as

obras "niilismo legal" e "A forma da boia",

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 90

tornando-se o portador de um positivismo

jurídico real, em que a base jurídica ela

está ancorada à mera vontade do

indivíduo, sem qualquer referência aos

alegados valores ou verdade teológica,

meta-ou metafísico.

A segurança é obviamente condição

de existência do Estado Constitucional

[37], sendo um dos elementos axiológicos

centrais de qualquer processo preocupado

com a promoção do império do Direito

[38].

A segurança leia-se é antes de tudo a

garantia de manutenção do status quo. O

procedimento comum do processo de

conhecimento é de cognição plena e

exauriente e que só permite a decisão da

causa depois de amplo exame das

questões postas em juízo e de o juiz

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 91

formar um convencimento de certeza a

respeito das alegações das partes

Neste procedimento não se admite a

decisão provisória sobre o mérito da

causa, de modo a tutelar antecipada e

intencionalmente o direito da parte que

provavelmente tem razão. Não se admite

antecipação de tutela.

Mesmo depois de farto exame da

causa em cognição plena e exauriente

pelo juiz de primeiro grau, a decisão não

é imediatamente eficaz, pois em regra, só

produz efeitos depois de reexaminado in

totum pelo Tribunal a que se dirige a

apelação (art.497).

[37] O Estado constitucional delineou

novo conteúdo ao princípio da legalidade

que agregou o qualificativo de substancial

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 92

para evidenciar que exige a conformação

da lei com a constitucional e,

particularmente, com os direitos

fundamentais. Não se cogite, porém, que o

princípio da legalidade simplesmente

sofreu um desenvolvimento, trocando a lei

pelas normas constitucionais, ou expressa

mera continuação da legalidade formal,

tão característico do Estado legislativo.

Em verdade, o princípio da legalidade

substancial significa transformações que

remodela as concepções de direito, de

jurisdição e, assim, representa o

rompimento de um paradigma.

O neoconstitucionalismo exige a

compreensão crítica da lei em face da

Constituição, para ao final fazer surgir

uma projeção ou cristalização da norma

adequada, que também pode ser

entendida como “conformação da lei”.

Essa transformação da ciência jurídica,

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 93

ao dar ao jurista uma tarefa de

construção – e não mais de simples

revelação -, confere maior dignidade e

responsabilidade ao jurista, já que dele se

espera uma atividade essencial para dar

efetividade aos planos da Constituição, ou

seja, aos projetos do Estado e às

aspirações da sociedade.

[38] A doutrina recebeu especialmente

com as obras de Dworkin e Alexy uma

boa contribuição na distinção entre

princípios e regras.

É possível dizer que as normas

infraconstitucionais são geralmente

regras, ao passo que as normas

constitucionais que definem conceitos de

justiça e que expressam direitos

constituem geralmente princípios.

Entretanto, é certo que a Constituição

contém regras e princípios. Mas, enquanto

as regras se esgotam em si mesmas, na

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 94

medida em que descrevem o que se deve,

não se deve ou se pode fazer em

determinadas situações, os princípios são

constitutivos da ordem jurídica,

revelando os valores ou os critérios que

devem orientar a compreensão e a

aplicação das regras diante das situações

concretas. Engana-se profundamente

quem pensasse que os princípios são

simples normas caracterizadas pelo seu

status constitucional.

Alexy afirma que os princípios são

normas que ordenam que algo seja

realizado na maior medida possível,

dentro das possibilidades jurídicas e

fáticas existentes, ao passo que as regras

são normas que podem ser cumpridas ou

não, uma vez que, se uma regra é válida,

há de ser feito exatamente o que ela exige,

nem mais nem menos.

De acordo com Alexy, as regras contêm

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 95

determinações em um âmbito fática e

juridicamente possível, ao passo que os

princípios podem ser realizados em

diferentes graus, consoante as

possibilidades jurídicas e fáticas.

Há semelhante orientação do Código

Buzaid, o que revela autêntica

desconfiança com a atuação do Estado. O

Judiciário ao proclamar a vontade

concreta do direito, alterando a vida das

partes depois de amplo exame e reexame

do processo.

Não por acaso que ao fazê-lo que se

homenageia uma das ideias centrais das

Codificações Oitocentistas que é a certeza

jurídica, sendo compreendida como

segurança do significado prévio da

norma, que imaginava de possível

alcance tão somente a partir de

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 96

expedientes lineares e que

possibilitassem amplo debate das

questões envolvidas no processo.

O Código Buzaid afirmou-se como

sistema processual civil totalmente

dominado pela noção de dano e ordenado

à prestação de uma tutela tão somente

repressiva.

E, o conceito de ato ilícito [39]

pressuposto no Código Beviláqua

obviamente concorreu em muito para

esse caráter puramente sancionatório da

atividade jurisdicional regida pelo

CPC/1973.

Para o legislador civil de 1916, o ato

ilícito constituía o ato contrário ao direito,

praticado com dolo ou culpa, por ação ou

omissão, de que decorria dano a alguém

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 97

(art. 159). Fica patente a confusão entre

ato ilícito, fato danoso e responsabilidade

civil.

(art. 159). Fica patente a confusão entre

ato ilícito, fato danoso e responsabilidade

civil.

[39] O conceito de ato ilícito é de grande

relevância para a responsabilidade civil,

vez que faz nascer a obrigação de reparar

o dano. O ilícito repercute na esfera

jurídica produzindo efeitos não

pretendidos pelo agente, mas impostos

pelo ordenamento jurídico. Afinal, em vez

de direitos, criam deveres.

A primeira das consequências que

decorrem do ato ilícito é o dever de

reparar. Mas, não se faz única, eis que,

dentre outras, este pode dar causa para

invalidade ou cessação de ato. No campo

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 98

jurídico, o ilícito alça-se à altura de

categoria jurídica e, como entidade

categorial, é revestida de unidade ôntica,

diversificada em penal, civil,

administrativa, apenas para efeitos de

integração, neste ou naquele campo,

evidenciando-se a diferença quantitativa

ou de grau, não a diferença qualitativa ou

de substância, conforme pondera José

Cretella Jr. E, o princípio que obriga o

autor do ato ilícito a se responsabilizar

pelo prejuízo que causou, indenizando-o, é

de ordem pública, ressalta Maria

Helena Diniz.

A definição de ato ilícito afirmada pela

plêiade de renomados doutrinadores a

seguir mencionados, salienta diferença

apenas no estilo pessoal de cada deles

expor.

Ato ilícito é, portanto, o que praticado sem

direito, causa dano a outrem. ” (Clovis

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 99

Beviláqua)

“Que é ato ilícito? Em sentido restrito, ato

ilícito é todo fato que, não sendo fundado

em Direito, cause dano a outrem. ”

(Carvalho de Mendonça)

“Ato ilícito, é, assim, a ação ou omissão

culposa com a qual se infringe, direta e

imediatamente, um preceito jurídico do

direito privado, causando-se dano a

outrem. ” (Orlando Gomes)

“ ... ato ilícito é o procedimento, comissivo

(ação) ou omissivo (omissão, ou

abstenção), desconforme à ordem

jurídica, que causa lesão a outrem, de

cunho moral ou patrimonial. ” (Carlos

Alerto Bittar)

“O caráter antijurídico da conduta e o seu

resultado danoso constituem o perfil do

ato ilícito. ” (Caio Mario da Silva

Pereira)

“O ato ilícito é o praticado culposamente

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 100

em desacordo com a norma jurídica,

destinada a proteger interesses alheios; é

o que viola direito subjetivo individual,

causando prejuízo a outrem, criando o

dever de reparar tal lesão. ” (Maria

Helena Diniz)

“Ato ilícito. Ação ou omissão contrária à

lei, da qual resulta danos a outrem. ”

(Marcus Cláudio Acquaviva).

A confusão entre tais conceitos,

dentre outras contingências, impediu o

legislador de identificar e disciplinar uma

tutela preventiva voltada à inibição,

reiteração ou continuação de um ato

ilícito ou de seus efeitos.

Impediu da mesma forma de

identificar e viabilizar uma tutela

repressiva voltada tão somente à remoção

do ilícito ou de seus efeitos.

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 101

Observando-se atentamente o Código

Buzaid, constata-se com facilidade que

nele não se surpreende nenhum

dispositivo idôneo à viabilização de uma

tutela preventiva, especialmente

mediante abstenções.

Mas lendo o art. 642 do CPC/1973 ou

art. 822 do CPC/2015 o legislador não

disciplinou não uma imposição judicial de

abstenção, o que permitiria, a

viabilização de uma tutela preventiva,

como seria de se esperar pela rubrica em

que se insere, mas a simples

possibilidade de desfazimento de algo

realizado de maneira indevida.

Assim no lugar de instrumentalizar a

tutela preventiva, nosso legislador previu

simplesmente a prestação de uma tutela

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 102

repressiva. O processo padrão do Código

Buzaid não foi, em nenhum momento,

pensado para prestar tutela jurisdicional

atípica contra o ilícito, nem para

possibilitar uma tutela preventiva atípica

aos direitos.

Inicialmente o modelo de tutela dos

direitos do Código Buzaid era fundado no

binômio cognição-execução forçada e no

processo cautelar como válvula de escape

para toda e qualquer providência

provisória urgente, preocupado somente

na viabilização de uma tutela repressiva

contra o dano sofreu o seu mais duro

golpe com a Reforma de 1994 em que

inseriu no bojo do processo de

conhecimento ao mesmo tempo o instituto

de antecipação da tutela e o da ação

unitária para a tutela das imposições de

fazer e não-fazer. Tal Reforma abriu

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 103

espaço para novo modelo de tutela dos

direitos.

Com a introdução do instituto de

antecipação de tutela e da ação unitária

de conhecimento com dois alicerces

estruturais do Código Buzaid ruíram. E,

com a antecipação de tutela se

viabilizaram provimentos executivos

dentro do processo de conhecimento.

Com o primeiro pilar abalado que era

a separação rígida entre o processo de

conhecimento e o processo de execução. É

verdade que no modelo original e

primitivo o processo de conhecimento

começava com o exercício do direito da

ação e terminava com a prolação de

sentença sem que qualquer ato executivo

pudesse ser praticado ao longo do

procedimento.

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 104

O processo era antes de puro

conhecimento, de modo que toda e

qualquer atividade executiva deveria ser

praticada apenas no processo de

execução.

A antecipação de tutela pressupõe

justamente a possibilidade de que os atos

executivos e atos mandamentais serem

praticados ao longo do processo de

conhecimento.

A ação unitária para tutela de

imposições de fazer e não-fazer é uma

unidade justamente porque pressupõe

que se seguirá à prolação [40] de sentença

de mérito, sem qualquer intervalo, a

atividade executiva ou mandamental

capaz de concretizar o comando

sentencial não sendo necessária a

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 105

instauração de outro processo para tanto.

Em segundo lugar, a antecipação de

tutela permite a prolação de provimentos

judiciais provisórios dentro do processo

de conhecimento. Com isso, outro pilar

sofreu impacto, de um lado a separação

do processo de conhecimento e o processo

de execução de um lado e, o processo

cautelar, de outro, fundada na qualidade

dos provimentos de cada um desses

processos: enquanto o processo de

conhecimento e o de execução, de cada um

desses processos: enquanto os

provimentos de conhecimento e de

execução dão lugar a provimentos

judiciais definitivos, o processo cautelar

viabilizar a prolação de provimentos

provisórios.

Como a antecipação da tutela tem por

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 106

função sumária ao longo do processo de

conhecimento, a separação fundada na

estrutura dos provimentos judiciais

rigorosamente desaparece, na medida em

que também o processo de conhecimento

passou a contar com a possibilidade de

dar lugar aos provimentos judiciais

provisórios.

[40] É bom esclarecer que não se cogita em

sinonímia perfeita notadamente na

linguagem jurídica.

Verifiquem-se os empregos dos verbos

prolatar, proferir, exarar e pronunciar.

Referem-se todos eles à decisão judicial;

não representam, no entanto, exatamente

a mesma ideia. Prolatar é utilizado em

sua acepção ampla: tanto significa

declarar oralmente a sentença, quanto

dá-la por escrito. Proferir ajunta-se à

ideia da sentença oral, exarar

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 107

corresponde a lavrar, consignar por

escrito a decisão judicial.

A pureza dos processos fora

substituída pelo processo sincrético (que

admite a cognição e a execução) e capaz

também de provimentos provisórios.

Com a antecipação da tutela e da ação

unitária para a tutela das imposições de

fazer e não-fazer, viabilizou-se a

construção da tutela preventiva dos

direitos.

A partir daí a doutrina passou a

contar as técnicas processuais capazes de

permitir uma adequada teorização sobre

o tema da tutela dos direitos – o que

viabilizou a tutela específica dos direitos

e, especialmente, sobre a tutela

inibitória.

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 108

As reformas de 2002 [41], 2005 e 2006

seguiram pelo aberto caminho feito pela

Reforma de 1994 e transformaram em

ações igualmente unitárias, as ações para

a tutela do direito à coisa e para a tutela

do dever de pagar quantia, além de

aperfeiçoar o instituto de antecipação de

tutela, da ação para a tutela de imposição

de fazer ou não-fazer e execução por

títulos extrajudiciais.

Com isso, o processo de conhecimento

passou albergar a fase executiva de título

judicial, também chamada de

cumprimento de sentença. Em face das

evidentes diferenças estruturais e

funcionais entre esses dois momentos do

CPC de 1973, passou-se inclusive a

cogitar em Código Buzaid e Código

Reformado para demarca-los

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 109

terminologicamente.

Dentro do Estado Constitucional, um

CPC só pode ser compreendido como

esforço do legislador infraconstitucional,

para densificar o direito de ação como

direito a um processo justo e,

especialmente, como um direito à tutela

jurisdicional adequada, efetiva e

tempestiva.

O mesmo vale para o direito de

defesa. Um CPC só pode ser visto, em

outras palavras, como uma concretização

dos direitos fundamentais processuais

civis que são previstos na Constituição

Federal vigente.

[41] Conforme elucida Gustavo

Tepedino surge a constatação de que a

alteração no papel do Código Civil

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 110

representa uma profunda alteração na

própria dogmática, identificando-se

sinais de esgotamento das categorias de

Direito privado, pois os novos fatos sociais

dão ensejo a soluções objetivistas e não

mais subjetivistas, a exigirem do

legislador, do intérprete e da doutrina

uma preocupação com o conteúdo e com as

finalidades das atividades desenvolvidas

pelo sujeito de direito.

O papel almejado por qualquer

codificação [42] atual pode aspirar dentro

da ordem jurídica é o de centralidade,

dando um sentido comum mínimo. Afinal,

um Código contemporâneo é antes de

tudo um Código central.

No Estado Constitucional a ordem e a

unidade do direito processual estão

asseguradas pela Constituição Federal

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 111

vigente e, especialmente pelos direitos

fundamentais que compõem o modelo de

processo justo.

Essa é a premissa da qual devemos

partir para construir

interpretativamente o sistema do

processo civil brasileiro. O Estado

Constitucional se singulariza pelo seu

dever de promover adequada tutela aos

direitos mediante a sua própria atuação

então o CPC deve reproduzir e densificar

o modelo de processo civil proposto pela

Constituição.

É afinal, um modelo constitucional de

processo civil. Do contrário, incorre o

Estado Constitucional na proibição de

proteção insuficiente e, em alguns casos,

mesmo na proibição de ausência de

proteção de direito fundamental ao

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 112

processo justo [43].

Em semelhante situação, o legislador

infraconstitucional encontrar-se-ia em

mora com os compromissos [44]

assumidos pelos Estado Constitucional.

[42] Diante da farta proliferação

legislativa, acompanhada pelo crescente

desconhecimento das leis por parte da

população e, dessa forma, o código perde

abrangência, a legislação especial é

derrogatória dos princípios gerais

codificados, sendo difícil estabelecer uma

ordem e, mais ainda, manter princípios

axiomáticos.

Tornou-se fundamental tanto na doutrina

como na jurisprudência, e a linguagem

jurídica se contaminou de genética,

economia, moral, tecnologia e computação

e, em razão disso, não apenas uma

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 113

descodificação legislativa, mas também

um problema de explosão, com uma

enorme força centrípeta, desintegradora,

no plano de lei, de outras fontes, da

doutrina e do direito privado em gerar.

O código constituiu-se em um reflexo da

criação do Estado nacional; sua pretensão

era ordenar as condutas jurídico-

privadas dos cidadãos de forma

igualitária; uma só norma, aplicável por

igual, a todos os cidadãos, sejam

nacionais ou estrangeiros", tornando- se o

código "uma garantia de separação entre

a sociedade civil e o Estado.

[43] As garantias de um processo justo

tornam obsoleta a tradicional distinção

entre processo e procedimento, porque

tanto do ponto de vista intrínseco como

extrínseco o exercício da jurisdição deve

estar por estas impregnado. Em alguns

países, como a Alemanha, há

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 114

experiências, em causas de pequeno valor,

onde ocorre a adoção de um procedimento

livre, apenas disciplinado pelo juiz. De

qualquer modo, deve o princípio da

legalidade exigir um mínimo de

regulamentação legal do procedimento,

inclusive para evitar a disparidade de

tratamento perante julgadores diferentes.

Além disso, a previsibilidade do

procedimento necessariamente resulta do

delineamento prévio do legislador de suas

etapas fundamentais, onde se

desenvolverão os múltiplos vínculos

jurídicos que tanto caracterizam a relação

jurídica processual.

[44] Na atualidade, o cidadão procurar

obter e desfrutar de segurança jurídica no

seu cotidiano, de maneira que lhe seja

assegurado, efetivamente (e não somente

como apelo teórico) o direito à vida, à

propriedade, à privacidade, à saúde, à

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 115

educação, à segurança, enfim, a bens e

valores que lhe sejam caros.

É verdade que por vezes, no entanto, o

Estado assume compromissos com os

administrados, os quais, reversamente,

neste depositam suas legítimas

expectativas, passando até a adotar

condutas conformes ao binômio

expectativa-compromisso, mas que,

surpreendentemente, passado algum

tempo, dá novo direcionamento a esse

compromisso, quebrando, abruptamente,

a expectativas dos destinatários e

cidadãos e, gerando prejuízos e desfavores

a aqueles que acreditaram por boa-fé nos

compromissos estatais.

O princípio da confiança legítima fora

concebido no continente europeu, na

Alemanha, e, posteriormente se expandiu

e está se instalando progressivamente no

Brasil, apesar que de forma tímida, para

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 116

atingir algumas relações jurídicas

estabelecidas e travadas entre o Estado e

o cidadão, cuidando de reparar ou

atenuar as consequências advindas da

quebra de expectativas legítimas e

depositadas, nos compromissos

assumidos e depois rompidos pelo Estado.

No plano infraconstitucional, um

CPC pode significar a garantia de um

sistema constitucional orientado para

todo o processo civil. Não pode o CPC

pretender ser uma disciplina plena de

ordem jurídica processual civil.

Pois tem que se entender o processo

civil dentro do quadro da teoria dos

direitos fundamentais, com a

concorrência de fontes normativas de

mesma densidade que, a partir de

conceitos e institutos comuns propostos

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 117

pelo CPC, visam à disciplina de aspectos

especiais do processo civil.

A plenitude das codificações

oitocentistas [45] foi construída à base de

um forte consenso de necessidades sociais

de então, depois de combalida pelo

fenômeno de descodificação [46] próprio

da década de setenta, cede passo a

centralidade da ideia do Código do Estado

Constitucional cuja base alimentadora

deve ser buscada na Constituição vigente.

Daí que é imprescindível para a

compreensão do novo Código a sua leitura

a partir da cultura do Estado

Constitucional, tornando-o um

instrumento idôneo para servir à prática

sem descurar das imposições que são

peculiares da ciência jurídica, como

necessidade de ordem e unidade, sem as

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 118

quais não há de se cogitar em sistema

nem tampouco em coerência que lhe é

essencial.

[45] No Direito alemão ainda que sejam

considerados os efeitos do período

existente entre as guerras mundiais, não

se pode esquecer que, quando dos debates

acerca do projeto que culminaria no BGB,

visto como um dos precursores do

chamado socialismo jurídico, e que se

afirmou no período final do século XIX e

seria a época mais favorável para uma

codificação voltada à proteção das classes

economicamente menos facorecidas.

[46] Em suas origens a descodificação

advém do incontestável fato de que a

codificação fora imposta na Europa,

apenas como decorrência da vontade de

um poder central autoritário, onde Código

Napoleônico foi um grande marco, seja

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 119

também como reflexo de um processo de

unificação tal como ocorrera na Itália e da

Alemanha. Porém, a velocidade dos

acontecimentos ocorridos durante o século

XX gerou a superação do mundo

aparentemente estável e controlável que

existiu principalmente na segunda

metade do século XIX.

Enfim tais acontecimentos conduziram a

um processo chamado de descodificação,

representando a necessidade de adoção de

um processo legislativo mais célere,

consubstanciado em leis que não fossem

tão extensas, e apto a responder às

múltiplas necessidades de contenção de

litígios, individuais ou transindividuais

que passaram a ocorrer na sociedade. As

mudanças substanciais tanto na ordem

política e econômica propiciaram o

surgimento da fase de descodificação, e,

de fato os elementos que nortearam o

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 120

século passado desapareceram, passando

da estabilidade tão peculiar do século XIX

e o início do século XX para às incertezas

permanentes do fim do século XX e do

início do século XXI.

Até mesmo a função do Estado fora

redimensionada, dado que um sistema

jurídico apenas calcado em Códigos não

está mais apto a enfrentar os problemas

sociais contemporâneos que se acumulam

e o próprio Direito deixa de atingir então

o seu prior objetivo que é, o de obter a

pacificação social.

Isso quer dizer que o Código deve ser

pensado a partir de sua finalidade e de

eixos temáticos fundada em sólidas bases

teóricas. É preciso imprimir ao NCPC

uma linha teórica para uma adequada

compreensão de sua unidade.

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 121

O NCPC assume nitidamente

compromissos constitucionais sem

embargo de nosso sistema constitucional

densificado. A rigor, não se pode cogitar

num Código sem que se exprima um

sistema.

Um CPC revela um compromisso

inafastável com o foro. E, o compromisso

deve ser adimplido dentro de um quadro

técnico coerente. A recíproca implicação

entre a teoria [47] e prática deve ser

constante a fim de que a legislação

processual civil possa constituir muito

efetivamente idôneo para orientar a

sociedade civil e o Judiciário a respeito do

significado do direito e para resolver os

problemas concretos apresentados pelas

partes.

O processo deve ser pensado e

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 122

percebido pela teoria da tutela dos

direitos. Essa é então a finalidade do

processo civil no Estado Constitucional e

constitui o eixo central de onde deve ser

lido, estudado, interpretado e aplicado.

O sentido do direito depende de uma

outorga de sentido a textos e a elementos

não textuais da ordem jurídica então a

interpretação judicial do Direito seja no

nível ordinário (dos juízes de primeiro

grau, dos TJs e os Tribunais Regionais

Federais) com a formação da

jurisprudência [48] – fonte de

permanente de colaboração para a

formação de precedentes judiciais pelos

órgãos responsáveis seja no nível

extraordinário das Cortes Supremas, ou

seja, do STF e do STJ com a formação de

precedentes judicias conta como elemento

de decisiva importância para a segurança

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 123

pública, da liberdade e principalmente da

igualdade de todos perante o Direito.

[47] A Teoria Geral do Direito e a

epistemologia do direito formam campos

complementares do conhecimento

jurídico, porém podem ser diferenciadas

uma da outra, nas palavras de Miguel

Reale. A Epistemologia jurídica aprecia

os problemas das fontes ou do processo

interpretativo do direito como condições

transcendentais logicamente prévias a

toda e qualquer experiência jurídica

possível, passada ou futura; a Teoria

Geral do Direito, ao contrário, indaga das

fontes e dos processos interpretativos

vigentes em nossa época, discriminando-

lhes as formas, as modalidades, os limites

e as funções nos quadros do ordenamento

jurídico pátrio, em confronto com os dos

Países de correlato sistema cultural.

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 124

[48] Enfim, a atuação da jurisprudência

se revela fundamental para amoldar as

concepções antiquadas de um Código à

uma realidade presente, atuação esta,

sempre somada à vigência de novas leis

especiais conforme já sustentou Henri

Capitant in verbis: "ilfaut en conclure

que Ia codification ne doitpas être trop

souvent répétêe. 11 est préférable de

vivre sur un Code vieux, tout en le

modifiant par des lois spèciales,

plusfaciles à élaborer, quant à ses parties

qui ne correspondent plus aux

conceptions actuelles, et de laisser à Ia

jurisprudence, êclairèe et dirigèe par Ia

doctrine, le soin de travailler sur ce fonds

de textes, de les remanier, de les

transformer insensiblement". E conclui

dizendo que "c 'est à elle qui ilfaut, en

première religne, confier Ia tache de

réparer les fissures qui se produisent

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 125

dans 1'edifice, au besoin même d'y

changer quelques pierres, d 'en modifier

quelques parties. C 'est par elle. toujours

en contact avec Ia vie, que se fera

désormais e progrés du droit, son

adaptation au milieu social, et ainsi, avec

une base solide et rèsistantefaite de droit

ècrit, on laisser au droit toute sa

souplesse, toute son aptitude à se

modifier, en même temps que les faits

eux-mêmes, pour être toujours d'accord

avec eux " (Cf. Henri Capitant

Introduction a Vètude du Droit Civil:

Notions Gènêrales . 3a cd.. p. 71).

Daí a razão pela qual os precedentes

da Corte Suprema constituem evidente

enriquecimento do direito vigente e

servem para lhe outorgar a unidade seja

retrospectiva, solvendo problemas

interpretativos, seja prospectiva,

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 126

desenvolvendo-o para atender às novas

necessidades sociais.

Se, em uma perspectiva particular,

ter um direito significa antes de tudo ser

uma posição juridicamente tutelável,

então é evidente que é imprescindível

primeiro identificarem-se quais são as

tutelas possíveis aos direitos.

Só depois disso é possível cogitar da

segunda etapa, aferir quais as técnicas

processuais que devem ser prestadas

mediante o processo justo para a

realização do direito material. O binômio

do Estado Constitucional é a técnica

processual e a tutela dos direitos.

A tutela dos direitos constitui ao

mesmo tempo a finalidade do processo

civil no Estado Constitucional e o eixo a

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 127

partir do qual a interpretação do codex

deve ser pautada.

A estrutura do CPC/2015 abriga uma

parte geral [49] e uma parte especial.

Sendo que a parte especial está dividida

em processo de conhecimento e

cumprimento da sentença, processo de

execução e os processos nos tribunais e os

meios de impugnação das decisões

judiciais.

Partindo-se do pressuposto de que o

Estado Constitucional se caracteriza pelo

seu dever de outorgar a tutela aos

direitos, então, o CPC sintonizado com os

seus fins, deve ser apreciado a fim de

promove-la e, deve ser pensado

exatamente nessa perspectiva.

[49] A categoria denominada de Teoria

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 128

Geral do Processo é muito difundida, não

há um consenso sobre seu conteúdo e nem

seus exatos contornos científicos. Apesar

de certas divergências doutrinárias, pode-

se afirmar que a teoria geral do processo é

um sistema de conceitos e princípios

elevados ao grau máximo de

generalização útil e condensados

indutivamente a partir do confronto de

diversos ramos do direito processual.

É certo que do estudo de conceitos teóricos

que formem uma estrutura apta a

fornecer elementos para a construção

positivada de sistema de direito

processual. Mas, não se confunda,

portanto, com o próprio direito positivo,

mas o transcende. É a teoria geral do

processo uma disciplina jurídica

destinada à elaboração, organização e

articulação dos conceitos jurídicos

fundamentais processuais. Que são

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 129

conceitos lógicos-jurídicos processuais

todos aqueles indispensáveis à

compreensão jurídica do fenômeno

processual, onde quer ele ocorra.

Há quem defenda que “o

conhecimento desses conceitos e

princípios gerais facilita a compreensão e

a aplicação das disposições legais

consignadas na parte especial” do código.

Essa posição, adotada pela

esmagadora maioria da comunidade

jurídica brasileira, está arraigada a um

paradigma semelhante ao da

“jurisprudência dos conceitos”

(Begriffsjurisprudenz) ápice da ciência

das pandectas, equivalente alemão da

école de l’exégèse francesa.

Assim, por influência do

Bürgerlichesgesetzbuch (BGB) alemão,

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 130

nitidamente pandectista, o nosso Código

Civil absorveu conceitos do século XIX,

apostando na ideia de que o ato de julgar

pudesse repousar sobre um procedimento

mecânico, quase silogístico.

A função pretendida por uma Parte

Geral é, então, a de auxiliar a

interpretação do que vier a ser a Parte

Especial de um texto normativo.

Nessa medida, é importante

compreender até que ponto as disposições

de uma Parte Geral [50] de uma lei

processual devam coincidir – se é que

deve haver essa coincidência [51] – com

as proposições e construções de uma

teoria geral do processo [52].

[50] Para Egas Moniz de Aragão, a

ausência de uma parte geral, no Código de

1973, ao tempo em que promulgado, era

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 131

compatível com a ausência de

sistematização, no plano doutrinário, de

uma teoria geral do processo. E advertiu

o autor: “não se recomendaria que o

legislador precedesse aos doutrinadores,

aconselhando a prudência que se aguarde

o desenvolvimento do assunto por estes

para, colhendo-lhes os frutos, atuar

aquele” (Comentários ao Código de

Processo Civil: v. II. 7.a Ed. Rio de

Janeiro: Forense, 1991, p. 8). O profundo

amadurecimento do tema que hoje se

observa na doutrina processualista

brasileiro justifica, nessa oportunidade, a

sistematização da teoria geral do

processo, no novo CPC.

[51] Sobre a necessidade de uma nova

teoria do conhecimento jurídico, afirma

que as causas de defasagem da teoria

clássica do direito são elementos de uma

nova feição cultural. São elas, em resumo:

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 132

1. a chamada ascensão das massas e, a

locomoção de novos grupos sociais dentro

de uma mesma sociedade, agora

detentores de interesses juridicamente

tuteláveis;

2. imprescindibilidade de utilização do

Direito como sistema de controle social;

3. a necessidade de reconstrução

conceitual do Direito, fugindo da dedução

dogmática;

4.o problema da ineficiência da

autoridade (e de falta de efetividade da

justiça).

Defende-se naturalmente que o direito

positivo deve acompanhar o momento

histórico.

[52] A teoria geral postula uma “visão

metodológica unitária do direito

processual”. Essa visão metodológica

desenvolveu-se a partir do

reconhecimento da autonomia do plano

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 133

processual, em detrimento da relação

material subjetiva. Como conteúdo básico

da teoria geral do processo construíram-

se os institutos fundamentais da ação,

jurisdição, processo e defesa. Esses

conceitos é que, historicamente, foram

mais bem trabalhados pela teoria geral, a

fim de fornecer matéria-prima para a

dogmática processual.

Boa parcela da doutrina opta por girar a

teoria geral em torno do conceito de

jurisdição – como é o caso da obra de

Dinamarco –, outra, em torno da ação –

como fizeram, com muita clareza, Pontes

de Miranda e processualistas como

Ovídio Baptista da Silva e Carlos

Alberto Álvaro de Oliveira. Outros

estudiosos, ainda, centralizam a teoria na

ideia mesma de “processo” (o que, para o

estudo aqui apresentado, parece ser a

mais adequada).

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 134

Uma perspectiva contemporânea do

estudo do processo civil deve contemplar,

portanto, a abertura de possibilidade

para que o juiz se utilize dessa

flexibilidade legislativa, a fim de

encontrar soluções jurídicas mais rentes

à realidade.

Essa flexibilização tem intimamente

contato com a atividade do juiz, que

deixou de ser mecanizada, automática,

para ser também criativa. Assim, já

prevista no Código Civil a adoção de

cláusulas gerais e de conceitos

indeterminados “incrementou – e em

muito – os poderes do magistrado entre

nós por causa da sua indisfarçável

necessidade de interpretação-aplicação-

criação pelo juiz.

No fundo, o direito subjetivo (direito

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 135

material) não existe em si mesmo,

existiria na verdade uma projeção sua

através do processo, que por seu rigor

técnico poderia transformar e deformar o

que eram as pretensões (frise-se: no

campo de direito material) originárias.

Ocorrera tal predomínio da técnica

que vigorava como pensamento científico

quando da elaboração do CPC vigente.

Porém, há muito tempo que tal

paradigma dicotômico fora superado, no

plano da ciência jurídica.

"Com o Código de Processo Civil de

1973, diploma normativo que inaugurou

entre nós, inequivocamente, o

processualismo, impondo um método

científico ao processo civil à força de

construções alimentadas pela lógica

teórico-positiva, evadindo-o da realidade.

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 136

” E, mais adiante, “o formalismo-

valorativo no Brasil desembarca com a

Constituição de 1988.

É nela que devemos buscar as bases

de um processo cooperativo, com

preocupações éticas e sociais. Superado

aquele estágio anterior de exacerbação

técnica, de vida breve entre nós, recobra-

se a consciência de que o processo está aí

para concretização de valores, não sendo

estranho à função do juiz a consecução do

justo, tanto que se passa a vislumbrar, no

processo, o escopo de realizar justiça no

caso concreto. ”.

O “modelo” processual

contemporâneo, portanto, exige esse

abrandamento de formalismo

(processualista) para dar lugar ao

formalismo-valorativo, que leva em

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 137

consideração o arcabouço ideológico que é

próprio das opções políticas da

Constituição vigente.

Os processos de conhecimento como o

de execução no CPC/2015 são sincréticos,

portanto, o processo de cognição não é de

conhecimento somente, bem como o de

execução não revela a pureza absoluta.

Também nada justifica o processo nos

tribunais e dos recursos em livro próprio.

O apropriado é que o assunto seja

disciplinado na parte geral ou no processo

de conhecimento.

Tal qual no direito alemão,

Zivilprozessodnung [53] (Ordenança

Processual Civil) reservou livro próprio

para o direito recursal. Registre-se que os

códigos processuais atuais possuem

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 138

semelhante divisão é o caso do processo

italiano e do espanhol.

O ideal é que o CPC seja percebido a

partir da ideia de tutela de direitos. É o

compromisso do Estado de Constitucional

com a tutela dos direitos e, em termos

processuais civis, com a efetiva tutela

jurisdicional dos direitos em sua dupla

dimensão que existe no Estado

Constitucional. Onde vige um verdadeiro

dever geral de proteção dos direitos.

A interpretação do NCPC que o novo

merece ser caracterizada como

sintomático deslocamento do processo à

tutela de direitos. Daí ser totalmente

apropriada a reconstrução interpretativa

do sistema a partir da teoria da tutela dos

direitos [54].

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 139

[53] O princípio do contraditório

materializa-se por meio da participação

ativa das partes no processo e, do diálogo

que deve ter o órgão jurisdicional com as

partes. Desta concepção decorrem várias

consequências, como a de que não pode o

órgão jurisdicional proferir decisão com

surpresa para as partes. E, algumas

legislações já preveem isso expressamente.

Por exemplo, o art. 3º, nº3 do CPC

português dispõe que "o juiz deve observar

e fazer cumprir, ao longo de todo o

processo, o princípio do contraditório, não

lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta

desnecessidade, decidir questões de

direito ou de fato, mesmo que de

conhecimento oficioso, sem que as partes

tenham tido a possibilidade sobre elas se

pronunciarem. Existe previsão similar no

ZPO, no §139, 2. É possível dizer, até, que,

na dúvida, o magistrado deve reputar

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 140

admissível (válido) o procedimento. Do

mesmo modo, não deve o magistrado

indeferir a petição inicial, tendo em vista

a obscuridade do pedido ou da causa de

pedir, sem antes pedir esclarecimentos ao

demandante - convém lembrar que há

hipóteses em que se confere capacidade

postulatória a não-advogados, o que torna

ainda mais indispensável o cumprimento

desse dever.

[54] Tutela de direitos, ou tutela

jurisdicional, é uma decorrência do

estudo da jurisdição, da ação, do processo

e da defesa, no “modelo” de processo civil

contemporâneo. A partir da noção de

efetividade da jurisdição, decorrente do

próprio art. 5º, XXXV, da Constituição,

significa verdadeiramente a “realização

concreta do direito que foi lesado ou

ameaçado. Seja para o autor, quando ele

tem razão, seja para o réu quando ele, o

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 141

réu, tem razão”. Essa conceituação de

tutela permite extrapolar a mera

declaração de direitos (o reconhecimento

de um direito em juízo), fazendo com que

a satisfação, a efetivação dessa situação

jurídica declarada faça parte do exercício

da jurisdição. Quer dizer, à jurisdição

calha aplicar o direito, e não somente

fazê-lo incidir no caso concreto.

Dogmaticamente importa dividir o

NCPC em três grandes linhas: a primeira

– teoria do processo civil responsável pela

construção dos conceitos de base do

direito processual civil;

Segunda: preocupação com a tutela

dos direitos mediante o procedimento

comum âmbito teórico em que situados

todos os temas ligados à tutela padrão dos

direitos.

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 142

Terceira: vocacionada à tutela de

direitos mediante procedimentos

diferenciados.

O NCPC utiliza em pontos

nevrálgicos as expressões que permitem a

construção de um sistema para a tutela

de direitos capaz de não só prestar a

tutela repressiva voltada contra o dano e

vocacionada para proteção de direitos

patrimoniais.

Em atenção aos novos direitos, o

NCPC cogita em tutela do direito contra

o ilícito, o dano, fazendo alusão inclusive

à possibilidade de inibição do ilícito e de

sua remoção (art. 497, § único).

Para promove-las, arrola inúmeras

técnicas processuais que podem ser

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 143

usadas pelo juízo, como as técnicas

antecipatórias (art.294 ss.) e as técnicas

executivas (art. 139, IV, 497, 498, 536,

537 e 538).

A compreensão da técnica processual

a partir da tutela de direitos faz com que

seja possível alcançar às partes “tutela

específica” aos direitos inclusive a tutela

preventiva contra o ilícito, ou seja, a

tutela inibitória quebrando-se com isso o

círculo vicioso da violação dos direitos e

do seu simples ressarcimento em

pecúnia, como resposta padrão do

processo civil.

O uso de expressões abertas no NCPC

é da maior relevância para a tutela de

direitos não patrimoniais tais como os

direitos da personalidade, o direito ao

meio ambiente equilibrado, o direito à

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 144

higidez do mercado de ações e financeiro,

direito à educação, à segurança no

trabalho, dentre vários outros.

Não atende ao Estado Constitucional

o binômio condenação-execução forçada,

cujo resultado acabava sempre em uma

tutela pelo equivalente monetário.

Daí a razão pela qual a adoção pelo

NCPC de expressões como tutela dos

direitos, perigo na demora e medidas

necessárias justamente porque abertas e

moldáveis concretamente às mais

diferentes situações do direito material

carentes de tutela. O que comprova sua

atenção à realidade social e ao direito

material que lhe cabe efetivamente

tutelar.

O direito à prestação jurisdicional

A Cognição e Evolução da Tutela de Direitos

Gisele Leite - 145

efetiva engloba:

1) o direito à técnica processual

adequada;

2) o direito de participar por meio de

procedimento adequado, e

3) o direito à resposta do juiz.

Significa que são necessárias a norma

processual, o procedimento em si, e o

reconhecimento do direito pelo Estado-

juiz, para se poder falar em tutela efetiva.

Nessa perspectiva, a concepção de

tutela jurisdicional pode passar a ser o

eixo metodológico do moderno estudo de

direito processual civil, pois é aí que

reside o contato mais próximo entre o

processo e o direito material.

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