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A Comuna de Paris e o Simbolismo do Primeiro de Maio / UFF NEC | Simone da Costa B. Sousa, José Rogério Costa Ribeiro, e Flávia Maria Trajano Andrade Herdeira das tradições revolucionárias francesas, a Comuna de Paris foi um governo popular organizado pelas massas parisienses em 18 de março de 1871, sendo fortemente marcado por diversas tendências ideológicas, populares e operárias. Tornou-se posteriormente, uma referência na história dos movimentos populares e revolucionários. De acordo com o escritor Prosper-Olivier Lissagaray, um communard que se tornou historiador da Comuna, esta teria sido "uma revolução feita por homens comuns e que deu aos trabalhadores a consciência de sua força, sem que esses pudessem desenvolver suas idéias". que, em suma, visavam

A comuna de paris e o simbolismo do primeiro de maio

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Page 1: A comuna de paris e o simbolismo do primeiro de maio

A Comuna de Paris e o Simbolismo do Primeiro de Maio / UFF NEC

| Simone da Costa B. Sousa, José Rogério Costa Ribeiro, e Flávia Maria Trajano Andrade

Herdeira das tradições revolucionárias francesas, a Comuna de Paris foi um governo

popular organizado pelas massas parisienses em 18 de março de 1871, sendo

fortemente marcado por diversas tendências ideológicas, populares e operárias.

Tornou-se posteriormente, uma referência na história dos movimentos populares e

revolucionários.

De acordo com o escritor Prosper-Olivier Lissagaray, um communard que se tornou

historiador da Comuna, esta teria sido "uma revolução feita por homens comuns e que

deu aos trabalhadores a consciência de sua força, sem que esses pudessem

desenvolver suas idéias". que, em suma, visavam melhorar as condições de vida dos

indivíduos que compunham aquela sociedade, tão marcada por conflitos políticos,

econômicos e sociais.

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Embora a Comuna não deva ser pensada como uma revolução socialista, é importante

frisarmos que suas propostas traziam em si preocupações de caráter social.

Priorizando, pois, tais preocupações, procuraremos em um segundo momento desta

abordagem compreender o exemplo das propostas dos communards para educação,

considerando-as como parte importante de um programa que visava, entre outras

coisas, garantir a gratuidade de todos os serviços públicos para a população e sem

nenhuma distinção.

A experiência da Comuna, todavia, duraria pouco tempo (72 dias). Sob as ordens de

Adolphe Thiers as tropas militares entraram em Paris e sufocariam a Comuna com

feroz violência. Cerca de 20 mil pessoas foram mortas em uma única semana – a

Semana Sangrenta. Era, portanto, o fim da Comuna.

últimos combates da Comuna de Paris

Sua lembrança, no entanto, ficará na memória. Um comovente texto escrito por Marx

em 30 de maio de 1871, expressava o significado da Comuna: "Os trabalhadores de

Paris, com sua comuna serão sempre considerados como gloriosos precursores de uma

nova sociedade. A memória de seus mártires será cuidadosamente conservada no

grande coração da classe trabalhadora. Ahistóriajá prendeu seus exterminadores nesse

eterno pelourinho, de onde não conseguirão arrancá-los todas as orações de seus

sacerdotes".

OS COMMUNARDS E A EDUCAÇÃO

A proposta de superação do Antigo Regime manifesta pela Revolução Francesa

assentaria as bases para o desenvolvimento de uma educação pública e nacional. Com

ela se estabeleceriam princípios que dariam a educação um caráter popular,

convertendo-a em um direito a todos os homens e garantido pelo Estado.

Segundo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão redigida em maio de 1793,

"a instrução é necessidade de todos os homens e a sociedade a deve igualmente a

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todos os seus membros". Ao longo de sua história, porém, a França revolucionária

tornar-se-ia cada vez mais moderada em relação a esses princípios que, na prática, não

se estenderiam igualmente a todos os membros da sua sociedade.

Seria na expectativa de construir uma sociedade que atendesse as necessidades dos

setores populares que a compunham, que a Comuna de Paris assentaria as bases de

suas propostas. O resgate da antiga proposta revolucionária de um ensino público,

gratuito, laico e obrigatório seria, portanto, devidamente retomado como uma das

dimensões que atendessem as necessidades desses indivíduos.

A proposta dos communards para educação visava assim, modificar uma realidade que

lhes era limitada, quando não excludente, a exemplo da educação feminina. Nesse

sentido, a Comuna tomou um conjunto decisões e medidas que procuraram redefinir

os objetivos educacionais e da escola, a saber: abertura de todas as instituições de

ensino gratuitamente ao povo e emancipado da interferência da Igreja e do Estado;

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organização do ensino primário e profissional; busca pela integração entre educação e

trabalho; administração gratuita pelos profissionais dos instrumentos de trabalho

escolar; instrução para as mulheres.

Seria assim criada pelo delegado do Ensino, o communard Edward Vaillant, em 23 de

abril de 1871, uma comissão com a finalidade de ajudar a Delegação de Ensino a

organizar o ensino primário e profissional de um modo uniforme, além de transformar

o ensino religioso em leigo. Não tardou muito para que em 6 de maio a primeira escola

profissional fosse aberta no local anteriormente ocupado pelos jesuítas. A 24 de maio,

uma comissão feminina foi instituída com a responsabilidade de organizar e cuidar do

ensino destinado às mulheres.

A Delegação de Ensino ainda solicitaria em 17 de maio, informações às

municipalidades distritais acerca dos locais e estabelecimentos adequados à pronta

instituição de escolas profissionais. Estas deveriam instruir os alunos não só

profissionalmente, mas também lhes oferecer uma instrução científica e literária.

O fim prematuro da comuna impediu que essas propostas fossem levadas a cabo. No

entanto, o resgate de uma proposta preocupada em garantir a instrução como um

direito de todos naquela sociedade é só um exemplo que a história nos mostra acerca

da importância de repensarmos as falhas produzidas por uma sociedade ao longo de

sua construção. A eficácia da proposta de uma educação igualitária a todos os homens

é, até nossos dias, um problema a ser resolvido e um desafio a ser conquistado por

muitas sociedades.

CRONOLOGIA DA COMUNA DE PARIS

Noite de 17 para 18 de março: O general Leconte tenta apoderar-se dos canhões da

guarda nacional. Ele ordena abrir fogo sobre quem resista. É feito prisioneiro

18 de março – as tropas e a população em armas se confraternizam. Os insurretos

fuzilam os generais Lecomte e Clement Thomas.

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19 de março – Thiers e o General Vinoy se refugiam em Versalhes, onde se reúne a

Assembléia Nacional.

19 de março a 02 de abril – o Governo de Versalhes negocia com o comando Alemão

a autorização para elevar de 40.000 para 80.000 e depois 100.000, o efetivo das

tropas, destinadas a operar contra paris revoltada.

26 de março – Eleições para a Comuna de Paris.

31 de março – A Comuna "considerando que a sua bandeira é a da república

universal, decide admitir estrangeiros em seu seio.

02 de Abril – Combates de Coubevoie e da avenida de Neully. Um decreto da

Comuna decide a separação entre a igreja e o Estado.

07 de abril – A Comuna substitui a bandeira tricolor pela bandeira vermelha.

17 de abril – Decreto sobre a expropriação, em proveito das sociedades operárias,

das oficinas abandonadas. Eleições complementares dos membros da Comuna.

18 de abril – Lei sobre os vencimentos. Três anos de moratória são concedidos aos

devedores a fim de regular seus débitos.

01 de maio – formação do Comitê de Salvação Pública

06 de maio – decreto sobre a restituição gratuita dos objetos penhorados à caixa de

penhores por 20 francos ou menos

10 de maio – Decreto sobre o seqüestro dos bens de Thiers e sobre a demolição de

sua casa.

17 de maio Explosão da cartucheira da Avenida Rapp. Atribuída a agentes de

Versalhes Mais de 100 vítimas.

21 de maio – Os versalheses entram pela porta de Saint Cloud.

23 de maio Tomada de Montmartre pelos versalheses; primeiros massacres dos

federados.

24 de maio – Incêndios do palácio da Legião de Honra, do Tribunal de Contas, do

Conselho de Estado, do Panteão e do Luxemburgo. Os federados respondem ao

massacre sistemático dos seus, fuzilando 10 reféns.

o 25 de maio – Tomada do forte de Montrouge.

o 26 de maio – Tomada da Bastilha. Os federados fuzilam 34 reféns.

o 28 de maio – o massacre continua. É o fim da comuna

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Bibliografia

LISSAGARAY, Hippolyte Prosper-Olivier. História da Comuna de 1871. São Paulo.

Ensaio. 1991.

MARTINHO, F.C.P. Resistências ao capitalismo: plebeus operários e mulheres. In:

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2ª ed., Vol.1.

BOITO, Armando Jr. (org.) A Comuna de Paris na História. SP: Xamâ. 2001.

COGGIOLA, Osvaldo. A Comuna de Paris, a escola e o ensino. IN,ORSO, P. J.; LERNER,

F. ; BARSOTH,P. (orgs.), A Comuna de Paris de 1871: história e atualidade. Ed. Ícone,

SP. 2002 – parte I I

DUNOIS, A. (et al). Textos, Documentos e uma análise sobre as repercussoes no

Brasil. IN: A Comuna de Paris. Rio de Janeiro, Laemmert S.A, 1968 tradutor Octávio de

Aguiar Abreu

O SIMBOLISMO DO 1º DE MAIO

Qual o significado do 1º de Maio nos dias atuais? Com certeza poucas pessoas têm

consciência do significado histórico e simbólico desta data, encarando-a apenas como

uma homenagem do Estado e da classe patronal aos trabalhadores de todo o mundo.

Talvez esta visão esteja ligada ao fato de que hoje o trabalho se encontre

regulamentado em leis ou tradições, que os trabalhadores atuais não tomaram parte

e, portanto, não vivenciaram as lutas pela construção desses direitos encarando-os

como algo natural. No entanto, esta é uma visão extremamente distorcida e

propagada no imaginário do trabalhador como algo "dado", o que reflete total

desconhecimento do rito histórico que deu origem ao simbolismo do 1º de Maio do

qual trataremos a seguir.

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A escolha do 1º de Maio como data fixa e simbólica para a realização de uma grande

manifestação operária internacional, aconteceu no primeiro congresso realizado pela

Associação dos Trabalhadores da Segunda Internacional em 1889 na cidade de Paris,

onde ficou determinado que no ano seguinte (1890) se organizariam manifestações

em prol da conquista da jornada de trabalho de oito horas diárias.

Este congresso contou com a participação dos membros de partidos e organizações

socialistas, em sua maioria europeus. Entre as várias tendências que dele participaram,

a mais influente era sem dúvida, a de orientação marxista.

A idéia para tal manifestação teve razões e precedentes: a realidade a que estavam

submetidos os trabalhadores europeus, sujeitos a jornadas de 12 horas durante sete

dias por semana, vivendo com baixos salários e em péssimas condições de saúde e

habitação e a experiência do operariado nos EUA, com a qual o movimento operário se

declarara amplamente solidário, haja vista ao incidente ocorrido na cidade de Chicago

em maio de 1886, onde a reivindicação da jornada de oito horas, principal luta das

lideranças americanas, resultaria num confronto com a polícia que deixaria o saldo de

inúmeros trabalhadores mortos e a condenação à morte de sete lideranças do

movimento.

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Conflitos entre policiais e operários em Chicago, 1886. Os trabalhadores reivindicavam

redução da jornada de trabalho

Mas a ideia de criação do 1º de Maio não se ateve somente a isso. Segundo a

historiadora Michelle Perrot, o 1° de Maio adquiriria um caráter de rito – um rito

operário, pois através da simultaneidade da manifestação que ocorreria no mesmo dia

em diferentes lugares e sob reivindicações comuns, os socialistas procurariam dar vida

a uma unidade política e cultural por meio daquilo que Perrot chama de "pedagogia da

Festa". Logo, a manifestação implicava, de certa forma, em oferecer à classe operária a

consciência de si mesma, chamando ao mesmo tempo a atenção do Estado e suas

instâncias à aplicação das reformas sociais reivindicadas por ela.

Visto como uma "criação de cima" e, em particular da corrente marxista, o 1º de Maio

de 1890 geraria polêmicas. Anarquistas, partidários de uma revolução social, viam-no

como uma manifestação oriunda de uma decisão política de pessoas interessadas em

tomar o poder e desfrutá-lo. No entanto, embora não fossem partidários da jornada de

oito horas, menos prática do que uma revolução, os anarquistas acabariam por

incorporar o 1° de Maio à sua maneira.

Às vésperas deste 1° de Maio, a elite encontrou-se apreensiva. Patrões temiam

ameaças e pressões para o fechamento das fábricas e os administradores

preocupavam-se com a manutenção da ordem pública.

Tais preocupações são compreensíveis segundo Michelle Perrot que, após analisar os

diferentes mecanismos de comunicação que anunciavam o "grande dia" para os

trabalhadores, observa que certos episódios se converteriam em rumores

assustadores para patrões e autoridades. Um informante da polícia de Lyon escreveria:

"Realmente tremo com o que vai acontecer no primeiro de maio".

Apesar da inquietude que provocou o 1° de Maio de 1890 – o primeiro de todos –, ele

não foi uma revolução. A experiência proporcionada aos trabalhadores a partir de

então, permitiria a construção de uma espécie de rito operário, praticado a cada ano

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como parte integrante da história de uma classe que ao longo de suas lutas colheria

seus direitos, os quais em muitos países ganhariam códigos de trabalho e espaço

garantido em Constituições.

Todavia, direitos podem avançar ou recuar com o passar do tempo e com as pressões

de grupos sociais organizados, fator este que suscita a necessidade de manter viva

uma memória social. O dia do trabalhador (e não do trabalho!) é um bom exemplo

disso.

No Brasil, e em boa parte do mundo, vivemos hoje um

retrocesso acentuado das conquistas dos trabalhadores do passado. As políticas de

Arrocho Salarial, que vem sendo implementadas por vários governos, tornam a vida da

classe trabalhadora difícil e restrita. Através de um discurso neoliberal, empresários e

governos em nome da competitividade do mundo globalizado tentam de todos os

meios à supressão de direitos trabalhistas conquistados ao longo da história propondo

uma flexibilização da legislação trabalhistas que, segundo eles, garantiria mais

emprego.

É, pois, em virtude dessa realidade, que coloca o trabalhador diante de organizações

sindicais enfraquecidas e do perigo do desemprego, que se faz necessário a reflexão

dessa classe em torno de suas causas, seus direitos e sua história. Repensar o

simbolismo do 1°de Maio em sua essência é estar atento a uma dura trajetória de

conquista de direitos, bem como à ampliação de novas demandas.

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BIBLIOGRAFIA

PERROT, Michelle. O Primeiro Primeiro de Maio na França(1890): Nascimento de um

rito operário. In. Os excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de

Janeiro, Paz e Terra, 1988 – 2º edição.

ROIO, José Luis Del. Cem anos de Luta (1886-1986). Ed. Global/Obore, São Paulo,

1986.

RUDE, George. A Multidão na História. Estudos dos movimentos populares na França

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MARTINHO, F.C.P. Resistências ao capitalismo: plebeus, operários e mulheres. In:

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PAMPLONA, Marco. A era da máquina e o advento da cultura de massa. In: Revendo

o Sonho Americano: 1890-1972. SP: Atual (Discutindo a História). 1995.