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SERVIÇO SOCIAL LEILA APARECIDA GARCIA BARBOSA A CONCEPÇÃO DE POBREZA E O PROGRAMA FOME ZERO TOLEDO-PR 2017

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SERVIÇO SOCIAL

LEILA APARECIDA GARCIA BARBOSA

A CONCEPÇÃO DE POBREZA E O PROGRAMA FOME ZERO

TOLEDO-PR

2017

LEILA APARECIDA GARCIA BARBOSA

A CONCEPÇÃO DE POBREZA E O PROGRAMA FOME ZERO Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Curso de Serviço Social, Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profa. Ms. Ester Taube Toretta

TOLEDO-PR 2017

LEILA APARECIDA GARCIA BARBOSA

A CONCEPÇÃO DE POBREZA E O PROGRAMA FOME ZERO

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Curso de Serviço Social, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________ Profa. Ms. Ester Taube Toretta

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

____________________________________________ Profa. Ms. Cristiane Konno

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

____________________________________________ Profa. Dra. Marize Rauber Engelbrecht

Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Toledo, 24 de fevereiro de 2017

A todas as pessoas que, ignoradas pela sociedade, deambulam pelos labirintos da burocracia, perseguidas e flageladas pelo fantasma da pobreza. Aos meus professores, aqueles que, motivados pelo meu desejo de aprender, entregaram de forma honesta o conhecimento de que dispunham.

AGRADECIMENTOS

A vida, pelos ensinamentos e desafios que me ofertou ao longo desses anos e fizeram

despertar em mim o desejo de transcender as minhas próprias expectativas.

A querida Ana Remédios que, em muito, colaborou para esse despertar, me

apresentando a mim mesma e às minhas potencialidades.

A minha família pelo apoio incondicional, em especial as minhas filhas, Marina, Luiza

e Ana Flávia e ao meu neto Oliver, que dão sentido a minha existência, me dão forças para

vencer obstáculos e me fazem acreditar que é preciso lutar por um mundo melhor, livre das

amarras da ignorância e da intolerância.

Aos colegas da turma de 2013 que, indistintamente e dentro das possibilidades de cada

um, contribuíram para o meu crescimento pessoal e acadêmico. Em especial a Alícia, a Mirele

e a Vanessa, pela preocupação, companheirismo e cuidado comigo, também a Luana e a

Fernanda. A amizade de vocês me ajudou a suportar a pressão da rotina universitária,

compartilhando as alegrias de cada superação e as angústias do amadurecimento acadêmico,

um processo nem sempre fácil de percorrer, mas que somente foi possível pela presença

constante de vocês.

Aos professores do curso pela compreensão, pelo interesse, pelo ombro amigo e solícito

e pelo desejo de transmitir o conhecimento que possuem. Especialmente à professora Ester

Taube Toretta por assumir junto a mim o difícil desafio desta proposta.

As minhas supervisoras de estágio, professora Índia Nara Smaha e a profissional Renate

Schewe Cardoso, pela importante contribuição dada para a minha formação e pela amizade

construída.

A equipe Mundo das Cópias, em especial à Michele, à Fran e ao Rafa, pelo apoio, pela

paciência e, principalmente pela amizade.

“A pobreza não é um acidente. Assim como a escravidão e o Apartheid, a pobreza foi criada pelo homem e pode ser removida pelas ações dos seres humanos. ”

(Nelson Mandela)

GARCIA, Leila Aparecida. A concepção de pobreza e o Programa Fome Zero. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Serviço Social). Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus de Toledo-PR, 2017.

RESUMO

Essa investigação é resultado da pesquisa realizada como parte da disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do Serviço Social da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste/Campus de Toledo. Por se tratar de um objeto relevante para o Serviço Social, os esforços mundiais em favor da diminuição dos níveis da pobreza absoluta e a adoção da pobreza como pauta principal do governo Luiz Inácio Lula da Silva, serviram de estímulo para a realização dessa pesquisa. Com essa produção, buscou-se compreender a concepção de pobreza no modo de produção capitalista e de que forma ocorreu seu enfrentamento pelo programa de governo Fome Zero no período de 2003 a 2011. Considerando essa perspectiva, tem-se como objetivo geral apreender a concepção de pobreza no âmbito da assistência social brasileira e o enfrentamento proposto pelo Programa Fome Zero a fim de responder a seguinte indagação: as ações do Programa Fome Zero são adequadas ao enfrentamento da pobreza? Como objetivos específicos buscou-se revisar o conceito de pobreza no modo de produção capitalista, bem como apresentar e analisar a Política de Assistência Social e as condições postas ao enfrentamento da pobreza. Quanto ao método, optou-se pela análise crítica do fenômeno, recorrendo ao materialismo histórico dialético na perspectiva de compreende-lo na sua totalidade, considerando as múltiplas determinações que caracterizam sua essência. A metodologia utilizada se classifica como um estudo bibliográfico exploratório, com uma abordagem qualitativa por possibilitar uma maior aproximação com o objeto pesquisado. Por se tratar de uma pesquisa bibliográfica, no primeiro capítulo buscou-se compreender a pobreza enquanto uma expressão da questão social resultante das relações sociais capitalista, bem como o panorama da realidade social brasileira através do diálogo com autores tais como Behring e Boschetti, Netto e Siqueira, nesse mesmo capítulo, o estudo também se baseou em materiais produzidos por organismos internacionais de fomento ao capital, tal como o Relatório do Banco Mundial, a fim de evidenciar a concepção de pobreza defendida por esses organismos. No segundo capítulo estabeleceu-se um diálogo com autores que discutem temas afetos à Política Social no âmbito do Serviço Social, tais como: Behring, Boschetti, Coutinho, Schons, Netto e Yazbek, cujas análises contribuem para a compreensão da Política de Assistência Social. Posteriormente, nas considerações finais, buscou-se realizar uma análise qualitativa da Política a partir de dados publicizados. Com esse estudo, buscou-se ultrapassar as aparências do fenômeno por meio de um arcabouço teórico capaz de forjar uma visão crítica da sociedade conectada com a realidade, condição necessária para desenvolver um exercício profissional alinhado à classe trabalhadora, conforme defende o Código de Ética Profissional do Assistente Social.

PALAVRAS-CHAVE: Programa Fome Zero; Pobreza; Política Social.

LISTA DE SIGLAS

ABE Associação Brasileira de Educação

ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

BBC British Broadcasting Corporation (Corporação Britânica de Radiodifusão)

CF/88 Constituição Federal de 1988

CFESS Conselho Federal de Serviço Social

CRAS Centros de Referência da Assistência Social

CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social

EBC Empresa Brasil de Comunicação

FHC Fernando Henrique Cardoso

FMI Fundo Monetário Internacional

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LOAS Lei Orgânica da Assistência Social

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

MESA Ministério Extraordinário para a Segurança Alimentar

MET Ministério do Trabalho e Emprego

MTur Ministério do Turismo

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

PAA Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar

PET Programa de Educação Tutorial

PIBIC Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PRONAF Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

PRONINC Programa de Apoio às Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares

PSB Proteção Social Básica

PSE Proteção Social Especial

PT Partido dos Trabalhadores

SUAS Sistema Único de Assistência Social

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 9

1 UM BREVE DEBATE ACERCA DA ORIGEM DA POBREZA: POBREZA

ENQUANTO EXPRESSÃO DA “QUESTÃO SOCIAL” ......................................... 14

1.1 A VISIBILIDADE DA POBREZA COMO AMEAÇA AO CAPITAL: A REAÇÃO DO

BANCO MUNDIAL ....................................................................................................... 18

1.2 CONCEITOS TEÓRICOS QUE PERPASSAM A DISCUSSÃO SOBRE A

POBREZA ...................................................................................................................... 21

1.3 A POBREZA NA REALIDADE BRASILEIRA ........................................................... 28

2 POLÍTICA SOCIAL E O ENFRENTAMENTO À POBREZA NO CONTEXTO

BRASILEIRO ................................................................................................................ 34

2.1 A POLÍTICA SOCIAL NO CONTEXTO BRASILEIRO ............................................. 38

2.2 O SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRO PÓS-CONSTITUIÇÃO DE

1988 ................................................................................................................................. 42

2.3 A POLÍTICA SOCIAL NO GOVERNO LULA (2003-2011): A ÊNFASE NO

ENFRENTAMENTO À POBREZA .............................................................................. 46

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 55

REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 60

9

INTRODUÇÃO

A partir da década de 1970, o capitalismo entra em seu segundo processo de crise desde

a quebra da bolsa de Nova York em 1929. Como estratégia de reinvenção do capitalismo foram

buscadas, no ideário liberal, estratégias que oferecessem resistência à crise. Durante esse

processo, os avanços sociais conquistados pela classe trabalhadora europeia, materializados

pelo Welfare State, passaram a sofrer impactos negativos, sendo, paulatinamente, alvo de

profundos desmontes. Em se tratando da América Latina, no mesmo período, Pontes (2013)

afirma que os países que a compõe, em sua grande maioria pobres e subdesenvolvidos, sofreram

os mais perversos impactos promovidos pelo neoliberalismo. A debilidade de suas políticas de

proteção social, demarcada pela vinculação ao trabalho formal e por serviços e benefícios

sociais caracterizados pela fragmentação, originou um modelo de cidadania regulada. As

transformações operadas no mercado de trabalho, em grande parte, resultantes da incorporação

de novas tecnologias, impactaram intensamente na qualidade de vida, aumentando os níveis de

desemprego e subemprego e, assim, no aprofundamento da pobreza.

É nesse contexto de necessidade de regular os índices de pobreza e miserabilidade que

asa Organização das Nações Unidas - ONU1 passa a debater sobre a necessidade de se

estabelecer metas para a diminuição da pobreza no mundo, tendo como pano de fundo a

perspectiva de impulsionar o desenvolvimento dos países pobres. A partir das discussões

realizadas pelas nações que compõem a ONU, no ano de 2000, foi lançada a Declaração do

Milênio. Nesse documento a ONU propõe um conjunto de oito objetivos a serem alcançados

pelos países membros da cúpula mundial, os quais refletem “[...] as preocupações de 147 Chefes

de Estado e de Governo e de 191 países, que participaram na maior reunião de sempre de

dirigentes mundiais.” (ONU, 2000, p. 2). Dentre os objetivos estabelecidos na Declaração do

Milênio das Nações Unidas, interessa nessa pesquisa o terceiro item que versa sobre o

“desenvolvimento e a erradicação da pobreza”.

Considerando esse movimento mundial de combate à pobreza como uma questão

fundamental para a perpetuação do capital, esse fenômeno passa a ser objeto de preocupação

para administração do Estado brasileiro. Assim, depois das primeiras iniciativas operadas ainda

na administração de Itamar Franco, o combate à pobreza ganha força sem precedentes a partir

do governo de Fernando Henrique Cardoso, entre 1º de janeiro de 1995 e 1º de janeiro de 2003,

1 Trata-se de uma organização fundada em 24 de outubro de 1945, na qual congregam países voluntários, com a finalidade de trabalharem pela paz e pelo desenvolvimento mundial (ONUBR, 2016).

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através da criação de programas e políticas sociais específicas para a redução dos níveis de

pobreza. Posteriormente, o governo de Lula (2003-2011) deu continuidade à proposta de

enfrentamento da pobreza, promovendo readequações nos programas sociais vigentes, herdados

do governo anterior. Essas readequações, aliadas ao rearranjo do Sistema Único de Assistência

Social (SUAS), cujo suporte extremamente importante, geraram impactos positivos sobre a

população pobre brasileira, superando os índices alcançados pelo governo de Fernando

Henrique Cardoso.

A compreensão de que a análise conceitual dos fenômenos sociais subsidia a construção

de estratégias de enfrentamento, deu mote para o questionamento à cerca do conceito pobreza

utilizado por organismos, a exemplo do Banco Mundial, para fundamentar ações

governamentais para seu enfrentamento. Ademais, a iniciativa de estudar a forma de

enfrentamento adotada pelo governo brasileiro para o combate à pobreza, mostrou-se

profundamente instigadora, por pelo menos duas razões que estão relacionadas: primeiro,

porque toda estratégia empreendida com a finalidade concreta de desvelar a realidade social

implica na identificação e compreensão do fenômeno sobre o qual se deseja intervir, pois não

há como agir sobre o que se desconhece; segundo, porque a formulação de políticas sociais

geralmente leva à situações de intervenção pelo Estado, fato este que incide diretamente sobre

o exercício profissional do assistente social.

De maneira imbricada, essas duas perspectivas estão histórica (BANCO MUNDIAL,

1990) e contemporaneamente relacionadas à necessidade de um conceito de pobreza que

funcione como parâmetro de medida para aferição e manutenção de equilíbrio entre as classes

sociais e suas relações, não bastando simplesmente recorrer de forma generalista ao contraste

entre os que têm recursos financeiros e os que não tem, tampouco à mera justificação da pobreza

enquanto um problema individual, oferecendo margem à justificativa de que se trata de uma

questão de incapacidade pessoal no provimento da própria sobrevivência, discurso esse que

geralmente está presente na retórica ideológica da meritocracia falaciosa disseminada pela

classe dominante em alguns setores sociais, ou ainda, recorrendo-se à responsabilização

exclusiva, simples e direta do Estado sem considerar, como faz o senso-comum, o conjunto de

fatores que envolvem a gestão político-econômica interna e externa que pesam sobre a

administração pública federal, tencionando-o, por tratar-se de um espaço de disputa constante

de interesses.

Essa pesquisa foi construída tendo como base a apropriação teórica alcançada nas

disciplinas e leituras sugeridas no curso de Serviço Social, núcleos temáticos, elaboração de

artigos e pela “aproximação” com o tema pobreza, proporcionada pela passagem da discente

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pelo Programa de Educação Tutorial (PET) e, posteriormente, pela realização de Projeto

Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) na condição de bolsista desse Programa,

cuja pesquisa intitulada “A relação entre pobreza e meio ambiente e as formas de enfrentamento

pelo Programa Família Paranaense na região da Bacia do Paraná 3” abordou a pobreza em sua

relação com o meio ambiente, e, ainda, pela participação como convidada na disciplina Tópicos

Especiais de Políticas Públicas e Direitos Humanos: políticas ambientais e sustentabilidade do

curso de pós-graduação em Serviço Social – Unioeste/Toledo.

Conforme Minayo (1999), a pesquisa social compreende toda a diversidade cultural,

social e econômica, bem como todo a carga histórica de uma dada sociedade, sendo assim revela

posicionamentos que se refletem na realidade. Nesse sentido, pesquisar é uma forma de

investigar a realidade, traduzindo-se como uma forma de conhecer e agir no mundo.

Considerando que a metodologia é o caminho a ser percorrido pela reflexão, cujo

processo “[...] inclui simultaneamente a teoria da abordagem (o método), os instrumentos de

operacionalização do conhecimento (as técnicas) e a criatividade do pesquisador (sua

experiência, sua capacidade pessoal e sua sensibilidade) [...]” (MINAYO, 2007, p. 14), a

metodologia utilizada na construção dessa pesquisa classifica-se como bibliográfica. Isso

porque trata-se de um tema com uma vasta produção teórica, de modo que esse tipo de pesquisa

oferece “[...] a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que

poderia pesquisar diretamente [...] (GIL, 2002, p. 45). Desse modo, a primeira etapa do

desenvolvimento dessa pesquisa, ocorreu no sentido de identificar as fontes bibliográficas, para,

posteriormente realizar a leitura do material escolhido e prosseguir com a produção textual.

Nesse sentido, importante destaque foi dado para o estudo de referências teóricas do

âmbito da política social, na perspectiva de construir um alicerce teórico que tornasse possível

revisar o fenômeno pobreza enquanto expressão da “questão social”, por meio do método do

materialismo histórico dialético, na perspectiva de refletir sobre como o aporte teórico e a trama

social se relacionam na dinâmica histórica do mundo, como foi e como veio a ser, considerando

que o movimento dialético impõe uma tendência que, para Severino (2007, p. 116), “[...] vê a

reciprocidade sujeito/objeto eminentemente como uma interação social que vai se formando ao

longo do tempo histórico [...]”.

Essa pesquisa se classifica como exploratória, pois conforme Gil (2002), esta categoria

de pesquisa permite uma maior flexibilidade de planejamento e familiaridade, tornando o objeto

claro ao entendimento, o que resulta numa maior aproximação com o mesmo. Para a análise

dessa pesquisa, procedeu-se a abordagem qualitativa por entender que o objeto pesquisado, para

além dos dados estatísticos, abrange o conjunto de fenômenos humanos - de caráter abstrato e,

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por isso, impassíveis de mensuração - que compõem a realidade social (MINAYO, 1999). Para

melhor orientar o leitor desse trabalho, ressalta-se que o processo de construção dessa pesquisa

traz implícita a análise do pesquisador no diálogo com os autores.

Por se tratar de um estudo bibliográfico, o universo dessa pesquisa se limitará à realidade

social brasileira na contemporaneidade, buscando compreender de que forma ocorreu o

enfrentamento à pobreza pelo programa de governo Fome Zero no período de 2003 a 2011, no

intuito de analisar as ações da política de assistência social para o combate à pobreza no

contexto do modo de produção capitalista, bem como evidenciar elementos da política social

que sejam capazes de contribuir para o fortalecimento da Política de Assistência Social numa

perspectiva universalizante.

Considerando essa perspectiva, o este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que se

constitui como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social, tem como

objetivo geral apreender a concepção de pobreza no âmbito da assistência social brasileira e o

enfrentamento proposto pelo Programa Fome Zero a fim de responder a seguinte indagação: as

ações do Programa Fome Zero são adequadas ao enfrentamento da pobreza?

Como resposta provisória a esse questionamento, argumenta-se que, compreendendo

que a pobreza é uma das expressões da “questão social” e, portanto, constitutiva da estrutura

capitalista, não é possível erradica-la da realidade. Nas elucubrações mais otimistas, a pobreza

é um fenômeno suscetível apenas de medidas de controle dos seus níveis, ou seja, uma questão

do âmbito administrativo. Além da hipótese apontada, ressalta-se ainda que a pobreza é um

fenômeno multidimensional e multifacetado, apresentando variação de características de

acordo com os aspectos sociais, culturais e econômicos de cada território. Desse modo, supõe-

se que a opção pelo critério renda como elemento único na determinação da pobreza, mostra-

se insuficiente para responder às múltiplas complexidades desse fenômeno.

No que se refere aos objetivos específicos buscou-se revisar o conceito de pobreza no

modo de produção capitalista, tomando como base para discussão do tema, a conceituação desse

fenômeno comumente utilizada pelos organismos financiadores do grande capital, para então

apresentar e analisar a Política de Assistência Social e as condições postas ao enfrentamento da

pobreza.

No primeiro capítulo buscou-se identificar as particularidades do fenômeno da pobreza

no modo de produção capitalista, bem como a análise apresentada pelo Banco Mundial que

embasam ações em âmbito mundial no combate à pobreza. O panorama da realidade brasileira

também foi apresentado, através do diálogo com autores tais como Behring e Boschetti (2011),

Netto (2006), Siqueira (2014), Yazbek (2012), entre outros.

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Compreendendo a proposta de proteção constituída a partir do modelo de seguridade

social inaugurado na constituição de 1988, no segundo capítulo buscou-se refletir sobre a

política de proteção social brasileira no contexto neoliberal e suas implicações para o

enfrentamento da pobreza, por meio da interlocução com as argumentações de autores como

Berhing e Boschetti (2008-2011), Coutinho (1994), Pereira (2008-2014) e Jaccoud (2009),

consideradas como importantes reflexões acerca do modelo de política social que se busca

firmar na realidade brasileira, como também pelos desafios apontados para a consolidação de

um sistema de proteção social universal em âmbito nacional. Finaliza-se este capítulo com a

abordagem ao programa fome zero, programa de governo que focalizou a pobreza brasileira

como diretriz estratégica. Assim o recorte do estudo na política social delimita-se a política de

assistência social

Posteriormente ao levantamento bibliográfico, o esforço se deu no sentido de realizar

uma análise qualitativa dos mesmos, a fim de estabelecer parâmetros entre a bibliografia

escolhida com a realidade social em que se inserem os sujeitos submetidos à condição de

pobreza e usuários das políticas sociais, na perspectiva de superação do senso-comum impresso

pela ótica das aparências dos fenômenos, tendo em vista a formação de um conjunto

informações que ofereçam uma visão crítica conectada com a realidade, com base no

movimento histórico dialético das relações sociais. Isso porque, segundo Guerra (2009, p. 6),

no método dialético “[...] O conhecimento resultante dos procedimentos da razão vai além da

apreensão da imediaticidade da vida cotidiana. [...] O fenômeno é (apenas e necessariamente)

o ponto de partida do conhecimento [...]”, assim, como afirma a autora, a compreensão real dos

fenômenos exige um esforço de abstração do pensamento, mergulhando-o na totalidade dos

fatos, explicitando a sua contradição. Desse modo, compreende-se que esse movimento,

representado na produção teórica, se faz necessário para o exercício profissional do assistente

social, pois pressupõe-se que o desenvolvimento de um senso crítico contribui para a realização

de leitura fiel da realidade social, requisito essencial para substanciar a práxis profissional, em

consonância com o Código de Ética Profissional.

14

1 UM BREVE DEBATE ACERCA DA ORIGEM DA POBREZA: POBREZA ENQUANTO EXPRESSÃO DA “QUESTÃO SOCIAL”

A partir de uma perspectiva histórica, compreende-se que a pobreza é um fenômeno

social que acompanha o desenvolvimento da humanidade desde a constituição das primeiras

sociedades. Tomando a sociedade feudal como ponto de partida para esse entendimento,

ressalta-se que uma de suas características principais é a economia baseada na exploração do

trabalho do camponês sem a finalidade de acumular riquezas. Os feudos eram autossuficientes,

o cultivo da terra proporcionava o sustento local com poucos recursos de capital, os servos

cultivavam seu próprio alimento e tudo de que necessitavam para a sua sobrevivência e para o

bem-estar dos seus senhores. Essa caracterização evidencia que se tratava de uma sociedade

pautada na economia de consumo, onde a produção se destinava apenas à manutenção das

condições de vida dos servos e dos senhores feudais. O modelo econômico feudal se baseava

na troca de mercadorias e, por esse motivo, desfavorecia as forças de mercado e a acumulação,

de modo que a negociação das mercadorias produzidas tinha como finalidade promover apenas

a sobrevivência e a manutenção das classes sociais2 desse período, fora do contexto da

exploração da força de trabalho e da acumulação de riqueza (BEHRING; BOSCHETTI, 2011;

KNAPIK, 2004).

A economia era baseada na agricultura e mantinha o camponês ligado ao cultivo de

porções de terras cedidas pelos senhores feudais a partir de acordos estabelecidos entre as partes

e em consonância com as legislações pertinentes da época. Conforme Batista (2014), nesses

pactos os camponeses, servos, vassalos, e os demais trabalhadores deveriam pagar os tributos

pelo uso da terra aos seus senhores, bem como o dízimo da Igreja. Nesses documentos não

haviam nenhuma cláusula que, de alguma forma, abonasse os trabalhadores do pagamento dos

tributos e do dízimo, assim, a produção ficava submetida às condições oferecidas pela natureza.

Nessa fase do desenvolvimento humano, em que o modo de produção era basicamente agrícola,

a falta de tecnologias contribuiu para a existência de períodos de fome, uma vez que a produção

2 Segundo Knapik (2004), no feudalismo existiam três classes sociais, quais sejam: o clero, representado pelos membros da Igreja; a nobreza, representada pelos reis, rainhas, príncipes, princesas e os senhores feudais (proprietários de terras); e os servos, na qual estavam todos aqueles que desempenhavam algum trabalho para outrem para promover o próprio sustento. Os camponeses, vassalos, artesãos, entre outros, constituíam essa classe. Cabe ressaltar que essa sociedade era dominada pela crença nas forças da natureza e no misticismo, de modo que todo a vida social e cultural cotidiana era orientada por tais crenças. Acreditava-se que a natureza determinava a ordem das coisas, e assim, determinava o lugar de cada homem no mundo e na sociedade. A partir disso, a ideia de mobilidade social não encontrava guarida entre seus membros. Nesse sentido, compreende-se que a Igreja desempenhou um papel fundamental na disseminação da ideologia das classes dominantes, dado que sua função dentro dessa sociedade era a de oferecer “ajuda espiritual”, ao passo que à nobreza, cabia o dever de oferecer proteção militar.

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de alimentos ficava sujeita às intempéries climáticas (estiagem, chuvas excessivas, invernos

rigorosos) que poderiam dizimar uma grande quantidade de pessoas em pouco tempo, sendo

estes elementos que caracterizavam a pobreza da época destacada.

Além do fator mencionado acima outros elementos contribuíram para o início de um

período de profunda miséria e privações materiais. As transformações territoriais ocasionadas

pela queda do Império Romano, provocaram profundos impactos nas esferas política,

econômica, social, cultural e religiosa que abalaram as estruturas da sociedade feudal. Batista

(2014) e Netto (2006) concordam que os maiores impactos foram observados no tocante a

demografia, dado que a fome e a miséria provocaram a migração da população em busca de

alimento e condições de sobrevivência. [...] a sociedade não conseguiu organizar-se rapidamente, impactando diretamente nas áreas rural e urbana. As terras cultiváveis que subsidiavam a maior parte da população, por meio de colheitas, deixaram de cumprir com este papel. Sem alimentos, faminta, a população urbana obrigou-se a migrar para o campo em busca de um pedaço de terra para plantar (BATISTA, 2014, p. 211).

A partir da implantação do modo de produção capitalista, a pobreza passa a adquirir

contornos diferentes que, como afirma Siqueira (2011), levam ao entendimento de que a

pobreza estruturada no capitalismo não é resquício da sociedade feudal, como também não é

produto de uma deficiência no desenvolvimento das forças produtivas, pelo contrário, é antes

de tudo um produto necessário à manutenção da acumulação capitalista. A autora esclarece

ainda melhor essa análise a partir dessa afirmação:

Quanto maior riqueza socialmente produzida, maior a acumulação dela por alguns poucos (que dela se apropriam mediante a exploração de mais-valia) e maior a pauperização da maioria (que a produzem, mas pouco lhes resta em relação à riqueza por eles produzida) (SIQUEIRA, 2011, p. 213).

Netto (2006, p. 153) defende essa perspectiva e ainda explica que a potencialização da

industrialização e o consequente aumento da produção proporcionado pelo capital não

significou a diminuição dos índices de pobreza, pelo contrário, constatou-se que “[...] a pobreza

crescia na razão direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas [...]”.

Reafirmando essa análise, Siqueira (2014) assegura que a pobreza é um produto da

própria estrutura do modo de produção capitalista, de maneira que a mesma somente poderá ser

analisada considerando a sua relação com a produção e acumulação de riquezas, dado que

ambas derivam da exploração e da apropriação da força de trabalho. Nesse sentido, os

16

pressupostos apontados pela autora pairam sobre a apreensão do fenômeno a partir das

contradições inerentes ao capitalismo, em meio à luta de classes, pois, ao contrário do que

ocorria nas sociedades pré-capitalista, a pobreza no modo de produção capitalista

[...] não decorre de uma penúria generalizada, mas, paradoxal e contraditoriamente, de uma contínua produção de riquezas [...] conectada a um quadro geral tendente a reduzir com força a situação de escassez. Numa palavra, [a pobreza no capitalismo] se produz pelas mesmas condições que propiciam os supostos, no plano imediato, da redução e, no limite, da sua supressão [...] (NETTO, 2007 apud SIQUEIRA, 2014, p. 241-242, grifo nosso).

É com essa concepção de pobreza, construída e disseminada ideologicamente como um

problema social, concebida como “questão social”3, que o capitalismo avança pelo século XX,

orientando, como afirma Iamamoto (2012), práticas assistencialistas de cunho moralizante e

repressivo, tendo nos problemas individuais seu foco de intervenção, numa perspectiva de

adequação à ordem burguesa.

Considerando que a “questão social” é o conceito que expressa a contradição entre

capital e trabalho e que esta resulta de uma desigualdade multifacetada, cuja pobreza se

caracteriza como uma das expressões mais abrangentes, é importante discorrer sobre os

impactos sociais promovidos pelas crises capitalistas.

Destaca-se que uma das peculiaridades do modo de produção capitalista reside no fato

de que as crises as quais esse sistema está sujeito são processos constitutivos de sua própria

estrutura e funcionam como elemento propulsor das reconfigurações de suas formas de

exploração e acumulação, isso significa dizer que, diante da constatação de queda na

lucratividade do capital, um processo de crise é intencionalmente instaurado e, nesse processo,

o grau de exploração e expropriação da classe trabalhadora aumenta. Como afirma Netto

(2012), desde o nascimento do capitalismo até a atualidade, esse modo de produção passou por

processos de crise sistêmica4.

A primeira destas crises emergiu em 1873, tendo como cenário principal a Europa e se prolongou cerca de 23 anos; marcada por uma depressão de mais de duas décadas, ela só se encerrou em 1896. A segunda crise sistêmica que o capitalismo experimentou explodiu em 1929 e, como todo mundo sabe, foi

3 Netto (2006) se utiliza das aspas para evidenciar que se trata de uma expressão burguesa para explicar as contradições sociais desvinculadas do modo de produção capitalista, de maneira que as aspas destacam o uso indevido de tal expressão, uma vez que as contradições, sob a luz da análise marxista, são constitutivas da estrutura do modo de produção capitalista. Para saber mais, ver Santos (2008, p. 27). 4 Segundo Netto (2012, p. 415, grifo do autor) a crise sistêmica “[...] não é uma mera crise que se manifesta quando a acumulação capitalista se vê obstaculizada ou impedida. A crise sistêmica se manifesta envolvendo toda a estrutura da ordem do capital.”.

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catastrófica; não teve por espaço apenas uma região geopolítica determinada: ela envolveu o globo; durou em torno de dezesseis anos e só foi ultrapassada no segundo pós-guerra (NETTO, 2012, p. 415-416).

Considerando a afirmação do referido autor, observa-se que a partir dos anos de 1970

um novo plano de reestruturação produtiva foi colocado movimento de forma globalizada,

provocando profundas transformações societárias. Segundo a afirmação de Netto (2012), tais

transformações foram potencializadas pela revolução científica e tecnológica e impactaram

fortemente sobre o mundo do trabalho e, consequentemente, abarcou a sociedade em todo os

seus âmbitos. Conforme esse autor, a partir do período destacado o modo de produção

capitalista, por meio de medidas orientadas pelo ideário neoliberal, passa a empreender um

novo processo de reestruturação produtiva, tendo como premissas a “[...] “flexibilização” (da

produção, das relações de trabalho), da “desregulamentação” (das relações comerciais e dos

circuitos financeiros) e da “privatização” (do patrimônio estatal). [...]” (NETTO, 2012, p. 417).

Durante esse decurso, como afirma Schons (2012), a intenção era, basicamente,

fomentar o crescimento econômico através do aumento da produção de alimentos, da

recuperação da indústria, da reconstrução das cidades destruídas na Segunda Guerra Mundial e

do impulso aos avanços tecnológicos sem a preocupação com os custos sociais subjacentes à

implementação desse processo, em especial aos países mais pobres, tendo em vista que tais

medidas impactaram, sobretudo, na classe trabalhadora dos países subdesenvolvidos.

Nesse sentido, a análise sobre as metamorfoses do capital aqui apresentada se configura

como um elemento importante para a apreensão dos impactos das transformações sociais

promovidas pela reestruturação produtiva capitalista sobre as expressões da “questão social”,

as quais afetam, particularmente, a classe trabalhadora. Analisando a temática da pobreza sob

o prisma das transformações societárias em marcha a partir dos anos de 1970, essa autora

argumenta que

É consenso entre os autores que analisam a questão social como resultante da contradição capital/trabalho que ela, hoje, exige que se detecte, também, as contradições que se manifestam desde o século passado, a partir da reestruturação da produção, afirmada na versão da ‘mundialização financeira’ que flexibiliza e precariza as relações de trabalho (SCHONS, 2012, p. 72).

Parece desnecessário afirmar que as passagens destacadas pelos autores citados nos

oferecem campo para a construção de uma análise crítica que possibilitam uma melhor

compreensão acerca dos desdobramentos dessas transformações na conjuntura social

mundializada, as quais evidenciam que a reconfiguração das formas de acumulação e

18

exploração capitalista colocadas em curso a partir desse período aumentaram o fosso entre ricos

e pobres. Em concordância com essa análise, Rocha (2006) afirma que as instituições voltadas

ao financiamento do desenvolvimento produtivo (ONU e Banco Mundial) e o meio acadêmico

constataram que, apesar de ter sido identificado um aumento do crescimento econômico em

nível mundial, a pobreza e a desigualdade social5 ainda alcançavam níveis preocupantes mesmo

em países desenvolvidos. Segundo a mesma autora, tanto as nações ricas como as nações

empobrecidas encontravam sérias dificuldades, seja para a erradicação dos redutos de pobreza

e exclusão, seja para o controle das crescentes desigualdades sociais advindas do processo de

reestruturação produtiva.

1.1 A VISIBILIDADE DA POBREZA COMO AMEAÇA AO CAPITAL: A REAÇÃO DO BANCO MUNDIAL

É importante frisar, como esclarece Rocha (2006), que a preocupação com os elevados

índices de pobreza não partiu dos países subdesenvolvidos. Segundo essa autora a forma como

se desenvolvem os debates e influenciam pesquisas sobre o tema, se originou nos países

desenvolvidos após a Segunda Guerra Mundial. No entanto, a pobreza passa a ocupar espaço

na agenda e no debate político a partir da constatação da potencialização das desigualdades

sociais promovidas pela reconfiguração do modo de produção capitalista, dentro do contexto

da reestruturação produtiva iniciada na década de 1970.

Num contexto de baixos índices de lucratividade, a pobreza passou a se constituir como

um risco em potencial para a ruína do capitalismo. A partir dessa constatação, o Banco Mundial

desenvolveu um estudo sobre a pobreza a fim de conhece-la, caracteriza-la, sugerir estratégias

gerais de enfrentamento e oferecer bases para ações políticas para sua superação, publicando-o

no Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 19906.

Cabe ressaltar que o Banco mundial possui poder sobre os países, principalmente em

desenvolvimento por ancorar, financiar investimentos públicos. Este banco orienta, traça

5 “A desigualdade social, na sociedade contemporânea, é um fenômeno que ocorre em quase todos os países do globo, guardadas suas proporções e dimensões, e é desencadeado, principalmente, entre outros motivos, pela má distribuição de renda em uma população, onde se concentra a maioria dos recursos nas mãos de uma minoria abastada da sociedade e, consequentemente, o melhor e maior acesso a subsídios econômicos, educacionais, de saúde e segurança, etc. Porém, é necessário entender a desigualdade social também como uma espécie de ‘leque’ de outros tipos de desigualdades geradas a partir da desigualdade econômica, como desigualdades raciais, pobreza, problemas com acesso à moradia, segurança pública, educação de má qualidade, desemprego, entre outros.” (LÚCIO, 2016, s.p.). 6 Conforme consta no próprio Relatório, trata-se do décimo-terceiro produzido pela instituição desde o ano de 1978, contendo Indicadores do Desenvolvimento Mundial, com dados sociais e econômicos selecionados, referentes a mais de 120 países, abordando o que considera as principais questões ligadas ao desenvolvimento.

19

diretrizes aos países que estão submetidos a sua agenda política. Sem delongas como diversos

estudos que apontam os impactos do consenso de Washington7.

Para Gonçalves (1994 apud SANTOS, 2012, p. 190), os programas de ajuste estrutural

promovem impactos desfavoráveis aos países em desenvolvimento. “Além da instabilidade

macroeconômica, não ter reduzido na maior parte dos países, há um aumento da pobreza e

miséria. Os cortes nos gastos públicos [...], a queda de salário, o aumento de preços dos

alimentos e o desemprego têm sido os maiores efeitos. ”

No período citado, o Banco Mundial, passou a designar e precisar a pobreza a ser

combatida em âmbito global. Contribuiu para que critérios fossem considerados para a análise

dessa expressão, bem como para a definição de estratégias com repercussão global. Princípios

como o “padrão de vida mínimo” e “linha de pobreza” também foram adotados como conceitos

referenciais, tanto para os debates sobre o tema quanto para ancorar teses que sustentam

políticas públicas no Brasil e em outros países.

No mencionado Relatório, o Banco Mundial argumenta que pobreza e desigualdade são

fenômenos diferentes, tratando-se, a primeira, de um padrão de vida absoluto de uma parte da

sociedade (os pobres), ao passo que a segunda se refere aos padrões de vida relativos de toda

uma sociedade. Considerando-a como relativa, o Relatório discute a desigualdade social

estabelecendo duas categorias, a desigualdade máxima, percebida pelo enorme abismo

existente entre a classe burguesa e a classe trabalhadora, o que, forçosamente, caracteriza a

existência de um grande número de pessoas na condição de pobreza, e a desigualdade mínima,

que pode ser observada quando as diferenças entre as classes não são percebidas, existindo um

grau de igualdade entre as pessoas. Assim, tanto pode haver pobreza generalizada (pobreza

extrema), quanto a ausência dela (pobreza zero).

Em linhas gerais o Banco Mundial relaciona à riqueza – resguardadas as

particularidades culturais de cada país – dimensões como saúde, expectativa de vida, grau de

instrução, acesso aos bens públicos e recursos de propriedade comum, utilizando tais dimensões

para discutir e estabelecer um padrão de vida mínimo, representado por outros aspectos a elas

associados, tais como a renda e os gastos per capita, acesso à nutrição, à água potável, aos

serviços públicos gratuitos, bem como aos índices de mortalidade infantil e matrícula escolar.

7 O Consenso de Washington é resultado da reunião, ocorrida em 1989 em Washington, entre os organismos de financiamento do capital (FMI, BID, Banco Mundial) e representantes de países centrais. Caracteriza-se por um conjunto de regras e condicionalidades padronizadas, cuja finalidade é a obtenção de apoio político e econômico dos países centrais e dos organismos financeiros na promoção do desenvolvimento dos países periféricos, tratando-se de uma política macroeconômica de estabilização, acompanhada de reformas estruturais (TAVARES; FIORI, 1993).

20

É a partir deste conjunto de variáveis que o Banco Mundial define pobreza como a

incapacidade de atingir a um padrão mínimo de vida (BANCO MUNDIAL, 1990, p. 26-

27).

De igual maneira, a chamada “linha de pobreza” comumente utilizada nas discussões

e na formulação de políticas sociais, aparece historicamente definida nesse mesmo Relatório do

Banco Mundial (1990). Declarando que o conceito de pobreza evoluiu historicamente e é

variável de acordo com as diferentes culturais, mas considerando necessário estabelecer uma

linha indicativa do nível de pobreza global que permitisse planejar, apontar metas e formas de

enfrentamento. Essa linha foi definida a partir do consumo e de outras medidas complementares

já mencionadas tais como nutrição, expectativa de vida, mortalidade infantil e os índices de

matrícula escolar. Isto tudo, conforme a própria instituição, mediante pesquisas em diversos

países, calculando-se em valores econômicas o quanto seria necessário a uma pessoa ter como

renda per capita para que fosse considerada acima da linha de pobreza.

Conforme o Banco Mundial (1990), trata-se de uma definição complexa em função

dessas variáveis e, de alguma forma arbitrária, mas que resultou numa estimativa para o ano de

1985, uma faixa de renda per capita compreendida entre US$ 370 (trezentos e setenta dólares)

ano, o equivalente a pouco mais que US$ 1,00 (um dólar) por dia, como nível superior de

pobreza e US$ 275 (duzentos e setenta e cinco dólares) ano, algo em torno de US$ 0,75 (setenta

e cinco cents) por dia, como nível inferior de pobreza. Por considerar que o critério de U$ 1,00

dia poderia ser impreciso, os valores foram oficialmente incrementados com uma variação

possível de US$ 0,25 (vinte e cinco cents), passando a figurar como US$ 1,25 (um dólar e vinte

e cinco cents) e US$ 1,00 (um dólar, respectivamente), situando-se a linha de pobreza entre

esses dois patamares.

Atualmente esses valores aparecem modificados. O Banco Mundial anunciou8 que no

mês de outubro de 2015 a entidade aumentou o padrão internacional da “nova linha de

pobreza”, de US$ 1,25 (um dólar e vinte e cinco cents) per capita por dia, para US$ 1,90 (um

dólar e noventa cents) per capita por dia.

A revisão de valor teria sido motivada pelo aumento geral do custo de vida ocorrido em

âmbito global e que a utilizou como base para ajuste dos preços praticados em diversos países

8 Conforme matéria publicada em 04 de outubro de 2015, sob o título “O Banco Mundial prevê que a pobreza global caia abaixo de 10% pela primeira vez; obstáculos importantes permanecem na meta de erradicação da pobreza até 2030”, o Banco Mundial divulgou atualização de valores correspondentes à chamada linha de pobreza. (THE WORLD BANK, 2015). Os esclarecimentos sobre os objetivos e métodos utilizados na revisão encontram-se no documento intitulado “Policy Research Note” produzido pelo Banco Mundial em outubro de 2015 e não traduzido para a língua portuguesa.

21

no ano de 2011. Nessa perspectiva, se considerarmos a multidimensionalidade da pobreza, as

quais incluem fatores ligados à educação e ao saneamento básico, por exemplo, supõe-se que

não há uma melhoria nas condições de vida em si. O que ocorre é a melhoria das condições de

consumo e endividamento da classe trabalhadora pobre.

1.2 CONCEITOS TEÓRICOS QUE PERPASSAM A DISCUSSÃO SOBRE A POBREZA

Parece indiscutível que a formulação conceitual para o fenômeno da pobreza, a partir de

um conjunto de características, como ocorre com a construção de qualquer outro conceito, sobre

qualquer outro fenômeno/objeto, nasça sob o risco da banalização. Isso pode ocorrer primeiro

pela possível suposição de suficiência metodológica e/ou da capacidade de investigação, por

parte de quem conceitua, culminando na crença de que o conceito gerado seja capaz de

apreender a totalidade das variáveis que configuram o fenômeno; segundo, porque, mesmo

assumindo-se a impossibilidade de abarcar todo o conjunto de variáveis, isto não impede que o

conceito gerado acabe por servir de referência quase sempre absoluta de “representação fiel da

realidade”. Assim, o conceito tende a “substituir” o fenômeno, tanto no senso-comum, quanto

nas iniciativas das ações governamentais oficiais que se utilizam dos conceitos como um

referencial indiscutível na formulação de estratégias políticas de enfrentamento, fazendo com

que tais estratégias passem a intervir sobre o conceito – como se este fosse a própria realidade

– e não mais sobre o próprio fenômeno, o que sugere uma perspectiva positivista, tal como

discutem Martins e Bicudo (2006, p. 14-15, grifo nosso):

Para que possa conhecer exatamente o seu objeto, a ciência, que segue a visão positivista, tende a efetuar uma dicotomização entre o objeto a ser conhecido, o sujeito cognoscente e produtos históricos e culturais do conhecimento posto à disposição no mundo. Subjacente a essa prática, está a concepção cartesiana de que o todo é conhecido pela soma de suas partes. [...] Desse modo, particulariza e afasta-se da questão básica que impulsionou o movimento em direção ao entendimento visualizado. Com isso, pode gerar um distanciamento do pensar autêntico, concernente ao significado que está subjacente aos procedimentos chamados científicos e pode permanecer ao nível do fazer técnico. Ou seja, pode permanecer apenas trabalhando com fórmulas, com conceitos, com símbolos que representam ideias sobre as coisas, gerando, reiteradamente, mais fórmulas, mais conceitos, mais símbolos.

Mesmo assumindo que seja impossível escapar integralmente do risco de que algumas

variáveis fujam à análise, independentemente do método utilizado na construção do conceito,

22

a dinâmica da realidade social obriga a necessária revisão conceitual enquanto medida de bom

senso e rigor científico e político, sob risco de que a banalização teórica leve ao equívoco do

reducionismo cuja prática transforma aquilo que é complexo em termos supostamente mais

simples, conferindo mais importância ao conceito criado do que ao fenômeno que deu origem

a tal conceito. Nesse sentido, questionar os conceitos comumente utilizados para explicar os

fenômenos sociais, auxilia no desenvolvimento de uma visão crítica da realidade, o que pode

resultar na ruptura com o conservadorismo no exercício profissional do assistente social.

Considerando-se o alto poder de disseminação de discursos ideológicos que caracteriza

os meios de comunicação, a naturalização das expressões da “questão social” apresenta-se, de

forma geral, como um grande recurso de inculcação e manutenção de poder, cuja veiculação

midiática massiva pode levar à formação de opiniões que, embora infundadas, embaracem a

iniciativa ética de revisão constante dos valores que sustentam os costumes sociais, mantendo

a visão distorcida da realidade.

Nessa perspectiva, a veiculação constante de propagandas de governo indicando por

meio de números e gráficos os avanços na superação da pobreza pode disseminar a ideia de

eficiência das estratégias de enfrentamento, condicionando à crença da superação do fenômeno

como algo dado, quando na verdade, sabe-se que, no que se refere a pobreza, sua superação

implica na superação do modo de produção capitalista. Nesse sentido, sabendo-se que a pobreza

no modo de produção capitalista é um fenômeno insuprimível, as metas consideradas

alcançadas são àquelas relacionadas ao conceito e não ao fenômeno.

Desse modo, quando o Banco Mundial estabelece uma linha de pobreza como

instrumento de mensuração estatística que tem em sua base a renda per capita, todo indivíduo

que tiver uma renda equivalente ou superior poderá ser declarado não pobre, como se a pobreza

pudesse ser reduzida exclusivamente à obtenção dessa. Recentemente o Instituto Trata Brasil9

veiculou uma informação explicitando que 50% (cinquenta por cento) da população brasileira

não conta com rede de esgoto, e que 35 Milhões de pessoas sequer tem acesso à água tratada.

Dois dos principais elementos relacionados ao saneamento básico e à saúde, cuja ausência

geralmente assinala e agrava a condição de pobreza. Tal cenário exige do assistente social um

olhar para além das fórmulas, conceitos e símbolos veiculados pelos instrumentos de difusão a

serviço dos interesses políticos que, costumeiramente, visam o fortalecimento do capital em

detrimento da melhora das condições de vida da classe trabalhadora.

9 O Instituto Trata Brasil é uma OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, formado por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país. (INSTITUTO TRATA BRASIL, 2016).

23

Como possibilidade irrefutável, esse processo insidioso de ocultação da realidade pode

incidir sobre a ação do assistente social, descaracterizando sua função como profissional

situado no campo da mediação entre interesses de classe, interferindo e/ou anulando uma de

suas principais características, qual seja a de identificar demandas e propor mudanças nas

políticas públicas, configurando um cenário onde a ação do assistente social pode limitar-se à

mera execução técnica da função, na medida em que basta-lhe fazer cumprir a legislação ou as

diretrizes criteriosas dos programas. Ao refletir, no exercício profissional do assistente social,

como e de que forma uma política social altera a condição do usuário, percebe-se a possibilidade

de desvelar a sua grandeza, tanto ideopolítica quanto técnico operativa. Sustentados numa

compreensão teórica, não é possível atribuir mais valor no que tem perspectiva limitada, no

caso a política social na sociedade capitalista.

Retornando ao campo da indagação, é possível refletir que se a concepção de pobreza

for resultante de uma prática positivista deliberada ou não, a tendência é que os enfrentamentos

também sejam fragmentados e focalizados, ignorando-se muitos dos fatores motivadores da

pobreza, o que levaria a trata-la de forma reducionista, como “ausência de bens de consumo”

ou pela definição conceitual de uma linha de renda per capita.

Conforme anteriormente tratado, o debate acerca da pobreza passa a ter relevância em

períodos específicos do desenvolvimento do capitalismo. É natural que não apenas sua

expressão seja a contradição exposta, mas que a mesma coloca em cheque a própria condição

de desenvolvimento da lógica capitalista. Frente as constantes atualizações do tema registram-

se novas concepções sendo adotadas. Assim, pobreza não é mais só ausência ou carência de

condições de subsistência, passando a abranger as condições que limitam a possibilidade de

superação no próprio sistema capitalista, numa perspectiva emancipadora. Desse modo, não há

uma universalidade na compreensão do conceito e da classificação de pobreza, haja visto a

diversidade de perspectivas teóricas existentes que podem substanciar o debate. Todavia, há um

consenso enquanto privação de um conjunto inter-relacionado de necessidades básicas.

Soares (2009) corrobora com esse argumento, afirmando que não há concordância sobre

o bem-estar e como medi-lo, bem como o mínimo bem-estar moralmente aceito, o que gera

diversos debates nesse entorno. Na atualidade o debate em torno a pobreza é concebido por

alguns autores a partir da multidimensionalidade.

Entretanto, dada a visibilidade da pobreza em ordem global, mesmo em países

desenvolvidos, estudos pautaram a preocupação em estabelecer balizas que retratem o universo.

Assim, as noções de pobreza relativa e pobreza absoluta passaram a ser introduzidas nos

debates como uma forma de estabelecer um padrão para fins analíticos, visando a criação de

24

estratégias de intervenção que contemplem a complexidade dessa expressão. Portanto, a noção

de pobreza relativa se refere à satisfação de um conjunto de necessidades tendo como parâmetro

o modo de vida predominante numa determinada sociedade. A pobreza absoluta está

relacionada ao suprimento das necessidades básicas de existência, com atenção especial para o

atendimento às necessidades nutricionais, as quais se constituem como elemento essencial para

a manutenção da vida.

As necessidades mais básicas são, sem dúvida, aquelas relacionadas à sobrevivência física das pessoas. Fome e desnutrição, como resultado de acidentes meteorológicos, guerras e/ou má administração de recursos escassos são ocorrências frequentes, que levam necessariamente a taxas de morbidade e de mortalidade altas, especialmente entre crianças. Assim, associar pobreza à desnutrição consiste ainda hoje, infelizmente, numa abordagem operacional, o que significa recorrer a indicadores físicos da população para medir a sua incidência. Informações antropométricas relativas a baixo peso entre os adultos e baixa estatura para a idade entre crianças, além de taxas de mortalidade elevadas, são todos indicadores adequados a condições de pobreza extrema. Esse enfoque se aplica a países muito pobres, ou mesmo a países onde, em média, a incidência de pobreza não é crítica, mas se trata de enfrentar condições de vida particularmente adversas nos bolsões de pobreza. Em ambos os casos, a abordagem se acha embasada em indicadores antropométricos e se refere de maneira inequívoca â noção de pobreza absoluta. Adotar a abordagem de necessidades básicas insatisfeitas significa ir além daquelas de alimentação para incorporar uma gama mais ampla de necessidades humanas, tais como educação, saneamento, habitação etc. (ROCHA, 2006, p. 19).

Para Rocha (2006) os limites que separam a pobreza absoluta da pobreza relativa não

são bem definidos, o que significa que o caráter relativo da pobreza implica na compreensão

das particularidades que a compõem numa dada sociedade. Isso se explica pela análise de que

os níveis de vulnerabilidade favorecem impactos simultâneos da pobreza relativa e da absoluta

sobre uma única sociedade. A determinação da existência de um estado de pobreza relativa ou

absoluta implica na incorporação de mecanismos de redução das desigualdades, bem como a

caracterização de um conjunto de indivíduos inscritos na condição de pobreza relativa ou

absoluta em relação ao padrão de vida estabelecido socialmente. (ROCHA, 2006). Nesta forma

de estratificação da pobreza, os sujeitos relativamente pobres são aqueles, cuja insuficiência de

renda, não permite que um conjunto de necessidades mínimas estabelecidas socialmente

possam ser satisfeitas, enquanto que na condição de pobreza absoluta se situam os indigentes:

um subconjunto dos pobres, cuja renda é inferior a necessária para prover as necessidades

nutricionais.

25

A incorporação da noção de pobreza relativa ou absoluta implica na adoção de um

parâmetro de valor, baseado na renda per capita, para definir e caracterizar o estado de pobreza.

Nessa perspectiva Rocha (2006, p. 12-13) afirma que a renda, ou a insuficiência dela, constitui-

se como

[...] um valor monetário associado ao custo do atendimento das necessidades médias de uma pessoa de uma determinada população. Quando se trata especificamente das necessidades nutricionais, esse valor é denominado linha de indigência, ou de pobreza extrema, em referência ao caráter essencial das necessidades alimentares. Quando se refere ao conjunto mais amplo de necessidades, trata-se da chamada linha de pobreza. Esses parâmetros são utilizados como crivo para distinguir, na população total, dois subgrupos, de acordo com a sua renda; respectivamente, indigentes e não-indigentes, no caso de linha de indigência, e pobres e não-pobres, quando se utiliza linha de pobreza.

A admissão do critério de renda10 para definir a condição de pobreza implica na

necessidade da adoção da linha de pobreza. Esta linha se configura como um mecanismo que

define os diferentes níveis de renda adequado à manutenção das condições mínimas de

subsistência de uma família. Tal mecanismo se utiliza do critério de renda para estabelecer uma

medida baseada no consumo mínimo necessário para caracterizar a linha de indigência ou de

pobreza. Contudo, a adoção da linha de pobreza não é consensual, uma vez que não é possível

estabelecer um parâmetro universal no que se refere as necessidades nutricionais. No tocante

aos outros tipos de necessidades básicas não essenciais à manutenção da vida, a autora afirma

ser este um ponto problemático, pois

[...] A abordagem de linha de pobreza é muitas vezes questionada em função das reconhecidas fragilidades inerentes à variável renda. Argumenta-se, por um lado, que a informação fornecida pelos indivíduos subestima sua renda efetiva, o que implica, naturalmente, superestimar a incidência de pobreza. Ademais, a pobreza é normalmente medida a partir da renda presente, quando a renda permanente – aquela obtida abstraindo as flutuações episódicas – seria na verdade a variável relevante para caracterizar pobreza (ROCHA, 2006, p. 18).

10 A partir da admissão do critério de renda, foi necessário estabelecer um instrumento para mensurar seu grau de concentração numa determinada sociedade ou grupo. Trata-se do índice de Gini, um instrumento criado por um matemático italiano chamado Conrado Gini que estabelece a diferença (desigualdade) na renda entre os mais pobres em relação aos mais ricos “[...] Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza. Na prática, o Índice de Gini costuma comparar os 20% mais pobres com os 20% mais ricos. No Relatório de Desenvolvimento Humano 2004, elaborado pelo Pnud, o Brasil aparece com Índice de 0,591, quase no final da lista de 127 países. Apenas sete nações apresentam maior concentração de renda [...]” (IPEA, 2004, s.p.).

26

Tomando por base as cifras estabelecidas como parâmetro para a linha de pobreza, o

Banco Mundial (1990) apontou que do total da população mundial, estimada em 4.791.491.780

bilhões de pessoas (COUNTRYMETERS, 2016), três quartos (3.345 bilhões de pessoas) eram

representados por países em desenvolvimento, das quais um terço da população (1,115 bilhão

de pessoas) estava na linha da pobreza, e que, desse total, 630 milhões (18%) encontravam-se

num nível de pobreza extrema, ou seja, com renda per capita abaixo do nível inferior de

pobreza, configurando o que convencionou chamar de déficit global de pobreza, requerendo

programas de transferência de renda para que essa população pudesse alcançar a linha de

pobreza, conforme o Gráfico 1 abaixo.

Gráfico 1 - Linha de pobreza em 1985 População

Global 4.791.491.780 Bilhões de pessoas

População de países em desenvolvimento

3.345 Bilhões

População na linha da pobreza

1,115 Bilhão de pessoas na linha da pobreza

Pobreza Extrema 630 Milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza (18%)

Fonte: Elaborado pela autora, 2016.

Conforme observado, o argumento usado foi o de retira-las da pobreza extrema e não

o de leva-las à superação da pobreza. Em 1985, cerca de 630 milhões de pessoas encontravam-

se em estado de indigência, sem recursos mínimos para a sobrevivência. A insuficiência de

renda se caracterizava como empecilho para a “ascensão social”, de maneira que o benefício de

transferência de renda passou a ser utilizado na perspectiva de essas pessoas pudessem superar

a condição de indigência para então serem classificados pobres, ou seja, para serem declaradas

como incapazes para atingir um padrão de vida mínimo (BANCO MUNDIAL, 1990). Sem um

padrão de vida mínimo que permita o consumo, não há necessidade de produção, sem produção

não há trabalho proletário e sem este não há extração de mais-valia, ou seja, a continuidade dos

sujeitos nesse estado de pobreza, configura-se como um impeditivo às taxas de lucratividade e

acúmulo de capital.

É possível observar, tanto no Relatório de desenvolvimento produzido em 1990 quanto

nas Notas de Pesquisa Política, de 2015, na qual o Banco Mundial declarou ter ajustado o valor

correspondente à renda per capita mínima e firmar projeções para os anos seguintes, que houve

uma preocupação em estabelecer uma linha de pobreza como parâmetro de análise das

27

condições de vida da população mundial, mas que não houve o estabelecimento de uma faixa

de renda per capita que assegurasse de forma concreta a superação da pobreza, ficando esta

superação relacionada ao acesso a oportunidades de geração de renda e capacidade de consumo.

Ao divulgar a revisão de valores referenciais para a linha de pobreza em 2015, o Banco

Mundial declarou um número estimado em 900 milhões o número de pessoas da população

mundial vivendo abaixo dessa linha de pobreza no ano de 2012, algo em torno de 12,7% e que

projetava queda nesse número para cerca de 700 milhões de pessoas no ano de 2015, estimando

um percentual de cerca de 9,6 % da população global (COUNTRYMETERS, 2016), conforme

os gráficos seguintes:

Gráfico 2 - Linha de pobreza em 2012 População

Global 7.057.203.973 Bilhões de pessoas

Pobreza Extrema 900 Milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza (12,7%)

Fonte: Elaborado pela autora, 2016.

Gráfico 3 - Linha de pobreza em 2015 População

Global 7.310.729 Bilhões de pessoas

Pobreza Extrema 700 Milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza (9,6%)

Fonte: Elaborado pela autora, 2016.

No Brasil o Governo Federal adotou como medida indicativa de extrema pobreza

familiar, rendimentos mensais abaixo de R$ 77 (setenta e sete reais) por pessoa (BRASIL,

2015). Conforme divulgado no Portal Brasil (2015, s.p.), em 13 de novembro de 2015:

São consideradas extremamente pobres as pessoas com renda mensal de até R$ 77, linha oficial do Bolsa Família fixada com base na referência das Nações Unidas para os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – e também válida para os novos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Ao comparar os números nos gráficos, algumas lacunas permanecem. O gráfico sobre o

ano de 1985 informa o número de pessoas na linha de pobreza e os abaixo dela, em pobreza

extrema, enquanto que os números de 2012 e de 2015 informam somente a estimativa de

pessoas abaixo da linha de pobreza, em pobreza extrema. Nos dois últimos casos, a

quantificação da pobreza propriamente dita não foi mencionada.

28

De outra forma, a comparação simples, entre os números dos gráficos indica queda no

índice de pobreza extrema. Contudo, apesar desses números suscitarem um clima de otimismo,

a frieza numérica oculta uma profunda e complexa realidade, na medida em que ao direcionar

as estratégias de enfrentamento exclusivamente à pobreza extrema (dos que estão na indigência,

representando o déficit de pobreza) sem mencionar a faixa da pobreza acima desse déficit, esses

dados ocultam a existência da pobreza, induzindo à compreensão de que ao direcionar os

programas de transferência de renda destinadas à população em situação de pobreza extrema,

tais políticas estejam eliminando a pobreza.

Essas ações, embora possam diminuir as diferenças entre a pobreza e a pobreza extrema,

apenas promovem pessoas indigentes à condição de pobres (aumentando o número de pobres),

um fato que, em meio a esse processo, acaba obscurecido, da mesma forma que ocorre uma

ocultação das pessoas, das suas dificuldades, o que é indubitavelmente mais grave, resultando

numa espécie de reducionismo que se reflete no alcance das políticas sociais ou ausência delas.

1.3 A POBREZA NA REALIDADE BRASILEIRA

No caso brasileiro a introdução do critério de renda como parâmetro para equacionar a

situação de pobreza passou a orientar as políticas sociais e se solidificaram, a partir da

inauguração da Política da Assistência Social, através de intervenções pontuais, focalizadas,

fragmentadas, com formato específico, dissociadas do direito social que na avaliação de Silva

(2010), estão desvinculadas do contexto macroeconômico, “[...] servindo mais para

regulamentação ou administração da pobreza num dado patamar.” (SILVA, 2010, p. 158),

ocultando o movimento histórico da sociedade, a luta de classes e seus desdobramentos, em

conformidade com a manutenção e o aprofundamento das formas de exploração e acumulação

capitalista.

Para refletir sobre as características da pobreza no Brasil, compreendida como um

produto da contradição entre capital e trabalho, é preciso considerar as particularidades

históricas que formam a sociedade brasileira, tendo como ponto de partida a introdução do

capitalismo no Brasil.

Behring e Boschetti (2011), a partir da análise da formação histórica e social brasileira

de Prado Jr. apontam fatores importantes que explicam as contradições impostas à sociedade

brasileira que repercutem até os dias atuais. Ancoradas nas reflexões de Prado Jr. (2006), as

autoras afirmam que o processo de colonização brasileira ocorreu sob as influências do mercado

externo, de maneira que a organização do conjunto da sociedade em formação se desenvolveu

29

sob a subordinação e a dependência do mercado externo mundial. Tornando a economia

brasileira sujeita as flutuações desse mercado.

É considerando esse aspecto que Siqueira (2011) afirma que o Brasil continua

classificado como um país periférico no que se refere ao capitalismo mundial, uma vez que o

cultivo de uma relação de dependência internacional mantém preservada, na

contemporaneidade, a sua característica colonial. Isso se explica na medida em que toda a

riqueza produzida em solo nacional permanece sendo transferida para os países centrais.

Outro fator destacado por Behring e Boschetti (2011) e Prado Júnior (2006) se refere ao

peso do escravismo que está relacionado a profunda desigualdade social que acompanha o

desenvolvimento da sociedade brasileira. Esse evento se configurou como um elemento

importante para a formação social brasileira, na medida em que sua ocorrência trouxe

consequências nocivas para a formação cultural, dos valores e da ética nacional. Conforme as

autoras, “[...] o maior exemplo desse peso é a condição do trabalho nas relações sociais e no

ambiente cultural brasileiros, carregados até hoje de desqualificação, a qual é definidora da

relação entre capital e trabalho no país [...]” (IANNI, 1989 apud BEHRING e BOSCHETTI,

2011, p. 72).

Ainda no que se refere ao peso da escravidão na conjuntura nacional, Ianni (1992)

afirma que, desde a abolição dos escravos, a trajetória histórica da sociedade brasileira é

marcada pela existência da “questão social”, passando, esta, a ser um elemento frequente no

cotidiano nacional, cuja multiplicidade das expressões se constituem como desafios aos regimes

políticos e aos governantes por se tratar de um conjunto de fenômenos que “[...] Refletem

disparidades econômicas, políticas e culturais, envolvendo classes sociais, grupos raciais e

formações regionais. Sempre põe em causa as relações entre amplos segmentos da sociedade

civil e o poder estatal.” (IANNI, 1992, p. 87, grifo nosso). Tal afirmação corrobora para a

compreensão de que a “questão social” no cenário brasileiro se caracteriza como emuladora dos

movimentos sociais, marcando presença em vários momentos decisivos da conjuntura

econômica político-social brasileira.

Behring e Boschetti (2011) destacam, por fim, o desenvolvimento desigual e combinado

como um dos elementos importantes da formação social do Brasil. Tal desenvolvimento se

caracteriza como

[...] uma formação social na qual sobressaem ritmos irregulares e espasmódicos, desencontrados e contraditórios, numa espécie de caleidoscópio de muitas épocas. O Brasil capitalista moderno seria, então, um presente que se acha impregnado de vários passados, em função da nossa via

30

não clássica desse processo de transição para o capitalismo (IANNI, 1992 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 72).

Tais elementos são essenciais para a análise dos fenômenos sociais que impactam sobre

a sociedade brasileira, uma vez que é a partir dos mesmos que se constituem e se explicam a

emergência das expressões da “questão social” no Brasil contemporâneo, em especial a

pobreza.

Como uma expressão dos fatores anteriormente elencados, a desigualdade social se

configura como fator determinante para explicar a pobreza brasileira na atualidade. Esse

fenômeno, segundo Siqueira (2011), se constitui pela forma periférica como o Brasil se insere

ao capitalismo mundial, na qual a característica colonial que marca o desenvolvimento nacional

continua sendo preservada e fomentando um tipo de relação que submete a classe trabalhadora

a altos níveis de exploração.

Trata-se de um país que comanda um processo de industrialização sem derruir as bases oligárquicas e agroexportadoras, caracterizando uma modernização conservadora, atrelada aos interesses dos ‘de cima’ (consolidando uma enorme concentração de poder). Paralelamente, a participação do Estado na promoção do desenvolvimento industrial inclui o ‘engajamento’ do trabalhador e a institucionalização e controle dos trabalhadores, inibindo as lutas de classes, o que levou a um sindicalismo considerado ‘pelego’, fortemente cooptado pelo Estado (com o qual a resistência dos trabalhadores e seu poder de pressão na defesa de seus interesses foram fortemente limitados). Estas características do processo brasileiro, que particularizam e peculiarizam seu desenvolvimento capitalista e industrial, fazem da desigualdade no país uma das maiores do mundo inteiro: a combinação de regiões industriais (‘modernas’) com grandes extensões territoriais arcaicas (consolidando uma enorme desigualdade rural-urbana), uma legislação trabalhista tímida, formas de exploração de mais-valia absoluta e um enorme exército industrial de reserva (desencadeando a expansão da pauperização absoluta), um crescimento do lucro (e da acumulação) capitalista que não se acompanha de um proporcional aumento salarial nem do desenvolvimento de serviços e políticas sociais estatais significativas (caracterizando a pauperização sem redistribuição de renda) (SIQUEIRA, 2011, p. 67, grifo do autor).

A análise de que a pobreza possui características complexas e multifacetadas, induz à

compreensão de que não é possível explicar a ocorrência desse fenômeno exclusivamente pelo

não acesso a bens de consumo. Para Yazbek (2012), a compreensão da pobreza como uma das

manifestações da “questão social” situa os sujeitos nessa condição como produto direto da

desigualdade, tanto no que se refere ao plano social, quanto ao plano político e econômico. Dito

em outras palavras, os pobres possuem um lugar definido e específico na sociedade capitalista.

31

Um lugar onde são desqualificados por suas crenças, seu modo de se expressar e seu comportamento social, sinais de “qualidades negativas” e indesejáveis que lhes são conferidas por sua procedência de classe, por sua condição social. Este lugar tem contornos ligados à própria trama social que gera a desigualdade e que se expressa não apenas em circunstâncias econômicas, sociais e políticas, mas também nos valores culturais das classes subalternas e de seus interlocutores na vida social (YAZBEK, 2012, p. 289).

Considerando tais reflexões, tem-se que a pobreza não pode ser entendida apenas sob o

aspecto da incapacidade de acesso aos bens de consumo. Trata-se de um fenômeno

multidimensional, cuja complexidade ultrapassa as necessidades materiais e a eleva à condição

de categoria política “[...] que se traduz pela carência de direitos, oportunidades, de

informações, de possibilidades e de esperanças.” (MARTINS, 1991 apud YAZBEK, 2012, p.

290), de modo que a desigualdade social, como elemento determinante na caracterização da

pobreza brasileira, extrapola os limites estabelecido pelo critério de renda para determinar o

conjunto de situações que definem a condição de pobreza. Isso significa que a desigualdade

social impacta sobre os âmbitos cultural, social, econômico e político da sociedade, fomentando

o surgimento de múltiplas expressões que se materializam principalmente através dos

preconceitos, constituindo-se como cultura que perpassa as relações sociais.

Nessa perspectiva, compreende-se que a imposição de limites para o acesso aos direitos

sociais citados pela autora (compreendidos como bens de consumo que integram o leque das

riquezas socialmente construídas na sociedade capitalista contemporânea), se configura como

um elemento relevante para o aprofundamento das condições de pobreza numa sociedade

marcada pela desigualdade social. É, também, nesse sentido que a característica relativa da

pobreza implica na compreensão e no reconhecimento da desigualdade como o elemento

gerador desse fenômeno, na medida em que “[...] a pobreza no Brasil decorre em grande parte,

de um quadro de extrema desigualdade, marcado por profunda concentração de renda [...]”

(SILVA, 2010 apud YAZBEK, 2012, p. 290).

Da mesma forma que em outros países em desenvolvimento, a pobreza brasileira é

analisada segundo a renda (Gráfico 4) per capita, cuja admissão implica na adoção do

parâmetro da linha de pobreza (Gráfico 5) para a caracterização e o dimensionamento desse

fenômeno. Para alguns autores a utilização da linha de pobreza consiste no meio mais adequado

para a abordagem da realidade brasileira, dado que

Por um lado, a economia brasileira é largamente monetizada, de modo que a renda se revela uma boa proxy do bem-estar das famílias, pelo menos no que concerne ao consumo no âmbito privado. Resultados da Pesquisa Nacional

32

por Amostras de Domicílios (Pnad – 1999) mostram que apenas 3,5% das famílias têm renda familiar igual a zero, o que certamente mascara em boa parte rendas irregulares e informais. Por outro lado, a abordagem da renda é adequada porque, desde a década de 1970, se dispõem de informações de consumo, de rendimento e de características socioeconômicas das pessoas e das famílias que permitem tanto estabelecer as linhas de pobreza, como utilizar esses parâmetros juntamente com as informações anuais de rendimento das Pnads, delimitando e caracterizando a subpopulação pobre. (ROCHA, 2006, p. 43).

Desse modo sua distinção é feita sob a ótica da insuficiência monetária para a promoção

da subsistência humana, assim compreende-se que “[...] são consideradas pobres as pessoas

cuja renda familiar per capita é inferior à linha de pobreza, valor definido de forma a refletir o

custo de atendimento das necessidades básicas em determinado momento e lugar [...]”

(ROCHA, 2006, p. 77).

Gráfico 4 - Evolução da desigualdade na renda domiciliar per capita segundo coeficiente de Gini, de 1976 a 2008

Fonte: Aranha (2010, p. 103).

33

Gráfico 5 – Índice da taxa de pobreza segundo o critério Fome-Zero. Brasil, 1999 a 2009.

Fonte: Del Grossi (2010, p. 304).

Dadas as proporções da pobreza na realidade brasileira e compreendendo que se trata

de uma manifestação subordinada à dinâmica do capital - sendo a mesma um elemento

primordial na produção de riquezas - Jaccoud (2009) salienta que a formulação de políticas

sociais para o seu enfrentamento consiste num mecanismo de gestão dos níveis de pobreza, na

perspectiva de controlar seus índices, para que esse fenômeno não se configure como um

empecilho à acumulação. Essa afirmação corrobora para o entendimento de que as ações

concebidas através dessa matriz ideológica (burguesa) são contrárias ao direito social e à

cidadania. Por essa via de análise, compreende-se que as políticas sociais oriundas dessa

corrente ideológica fomentam a formulação de políticas que se materializam através de

intervenções focalizadas, residuais, tardias e seletivas.

34

2 POLÍTICA SOCIAL E O ENFRENTAMENTO À POBREZA NO CONTEXTO BRASILEIRO

Em linhas gerais, convencionou-se afirmar que a política social consiste numa forma

de organização utilizada pelo Estado com a finalidade de desenvolver mecanismos de

enfrentamento aos riscos sociais inerentes à forma de produção estabelecida pelo capital, os

quais incidem sobre grande parcela da classe trabalhadora. Conforme Vieira (1992), trata-se

de uma estratégia governamental atrelada ao âmbito das relações jurídicas e políticas, de

maneira que sua compreensão somente é possível se a considerarmos alocada nesses espaços.

Conforme argumentam Viana e Levcovitz (2005), a política social é resultante de uma

ação política, que atribui direitos e deveres legais aos cidadãos. Entre os direitos destacam-se

as transferências de renda e serviços sociais como meio de contrabalançar as desigualdades

que colocam os sujeitos sob risco de vulnerabilidade social. Dessa maneira, a política social

consiste num mecanismo cuja finalidade é promover o acesso aos bens sociais àqueles que

não conseguem pelos próprios meios e recursos, se configurando como uma conquista da

classe trabalhadora. Conforme esses autores, a garantia de acesso a esses bens deve ser

compartilhada entre o Estado, o mercado e a sociedade. É importante salientar que a ideia de

Estado aqui apresentada é aquela defendida pela classe burguesa, cuja configuração tem em

vista que “[...] o Estado, numa sociedade dividida em classes [...] é a forma na qual os

indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns [...]” (COUTINHO,

1994, p. 20).

Desse modo, o Estado compreendido a partir dessa conformação, se caracteriza como

mediador dos interesses contraditórios em conflito na sociedade. Essa mediação se expressa

através de legislações que visam a manutenção das relações sociais fundadas sob a égide

capitalista. Tal definição de Estado é duramente criticada pela perspectiva marxista, dado o

componente ideológico que norteia a fundamentação de suas bases. Em consonância à crítica

marxista ao Estado burguês, Coutinho (1994) apresenta o modelo de Estado em vigor como:

[...] um organismo que exerce uma função precisa: garantindo a propriedade privada, o Estado assegura e reproduz a divisão da sociedade em classes [...] e, desse modo, garante a dominação dos proprietários dos meios de produção sobre os não-proprietários, sobre os trabalhadores diretos (COUTINHO, 1994, p. 19).

Como exemplo da análise apresentada por esse autor, observa-se que, no que se refere

às políticas sociais de enfrentamento à pobreza, as estratégias que são costumeiramente

35

utilizadas resultam no aumento do fosso entre ricos e pobres, na medida em que tais estratégias

garantem a apropriação e a manutenção da propriedade11 privada pela classe dominante.

Nesse sentido, Jaccoud (2009) afirma que o debate acerca da pobreza a partir da

perspectiva capitalista (burguesa), cuja análise remete à naturalização dessa condição e,

portanto, apartada da ideia de direito cidadão, leva a um tipo de política social limitada que

proporciona uma intervenção apenas para a gestão dos níveis de pobreza, sem o compromisso

com sua superação. Nesses termos, a erradicação da pobreza não passa de discurso ideológico.

É nesse sentido que tais análises condizem com a compreensão de que a política social

orientada pela ideologia burguesa apenas reforça e aprofunda as desigualdades do sistema

capitalista.

Esse conceito de política social, apesar de amplamente utilizado, não impede que

múltiplas correntes teóricas apresentem formulações das mais variadas, fato que aponta para

a existência de uma diversidade conceitual sobre essa problemática que abrange diferentes

linhas teóricas e filosóficas. Em vista disso, o debate em torno do conceito de política social

se apresenta bastante controverso, de modo que não foi possível produzir elaborações teóricas

consensuais que dessem conta da abrangência do tema. Como afirma Titmuss (1981 apud

PEREIRA, 2008), trata-se de uma categoria em que as diferentes definições existentes são

permeadas por ideologias antagônicas, valores e correntes teóricas em constante disputa

hegemônica. Essa afirmação corrobora com a análise de que toda política social corresponde

a uma perspectiva ideológica distinta que, fundamentada em um aporte teórico correspondente

à ideologia adotada, infunde um determinado direcionamento que se reflete e se materializa

na realidade social.

Desse modo, sob a luz da análise de Vieira (2004), compreende-se que a política social

apenas se caracteriza como uma resposta do Estado a partir das pressões operárias a ele

dirigidas. Tais pressões eram exercidas pelos movimentos sociais emergentes, os quais,

vinculados à luta operária, impuseram à sociedade burguesa o reconhecimento da classe

trabalhadora enquanto uma classe política. Nascida historicamente da contradição, essa classe

operária, não apenas carrega consigo um componente ideológico que confronta a

monopolização da riqueza socialmente produzida pelo capital, como também propõe um

11 “Marx não considerava a propriedade apenas como possibilidade daquele que a possui de exercer os direitos de proprietário, ou como objeto dessa atividade, mas como uma relação essencial que tem um papel fundamental no complexo sistema de classes e camadas sociais. Dentro desse sistema de categorias, a propriedade dos meios de produção é o ‘princípio orgânico que determinam tanto as relações de produção como as relações de distribuição’.” (BOTTOMORE, 1988, p. 478).

36

projeto societário, ancorado nos ideais de democracia e justiça social, em oposição às formas

de exploração e acumulação capitalista, colocando o capital sob risco real de ruína.

A elevação da classe trabalhadora à categoria política, passou a exigir que o Estado

respondesse às suas demandas através de legislações que lhes assegurassem o direito de

usufruir da riqueza socialmente construída. Para Alencar (2009, p. 454) o Estado, no

capitalismo contemporâneo, perdeu a característica de promotor e articulador do

desenvolvimento econômico e social, para se tornar “[...] um agente estimulador do grande

capital por meio do fortalecimento da autorregulação do mercado [...]”.

Boschetti (2016) coaduna com essa ideia e reitera a análise ao afirmar que as políticas

sociais, após a Segunda Guerra Mundial, passam a se caracterizar como uma “[...] importante

estratégia de manutenção do ‘pleno’ emprego e ampliação do consumo [...]”, pois, se por um

lado tais políticas contribuíram para a criação de mais empregos e para a oferta de serviços

sociais públicos, por outro contribuíram para fomentar o consumo. Isso porque a “garantia”

de emprego e renda para a classe trabalhadora permitiu uma maior circulação de mercadorias

e, assim, o fortalecimento do capital. É nesse sentido que a autora argumenta que

As políticas sociais, organizadas em sistemas de proteção social foram, portanto, importantes estratégias de sustentação do crescimento econômico verificado no período de predomínio da regulação fordista-keynesiana, entre a década de 1940 e a década de 1970 (CASTEL 1995; PALIER 2005; BEHRING; BOSCHETTI, 2006 apud BOSCHETTI, 2016, p. 27).

Nesse sentido, o reconhecimento dos direitos da classe trabalhadora transforma-se, na

prática, numa engrenagem de diminuição das tensões e dos conflitos de classe, que visam

fortalecer os interesses desse grande capital.

Pereira (2008) sustenta que a política social é resultado das relações sociais produzidas

pelo capitalismo, cuja dialética histórica expõe as contradições da relação de classes que, por

sua vez, são mediadas pelo Estado. Observa-se que a política social possui em sua essência a

mesma contradição inerente ao modo de produção capitalista, pois as transformações sociais

que ocorrem no âmbito do trabalho avançam sobre as outras áreas da vida social e cotidiana,

impactando sobre os hábitos e costumes que por sua vez incidirão sobre a cultura e os valores

construídos socialmente em uma dada sociedade. Isso significa dizer que a política social está

sujeita a avanços e retrocessos de acordo com o processo de desenvolvimento das sociedades

e da correlação de forças em disputa.

Não obstante às dificuldades em se formular um conceito que abarque a complexidade

do tema, Pereira (2008) esclarece que, antes de ser um mecanismo de provisão das

37

necessidades humanas básicas, a política social exige que seja realizado um esforço de

planejamento de ações com finalidades específicas, com a finalidade de intervir na realidade

social, promovendo mudanças por meio de benefícios materiais concretos e/ou em

comportamentos. Nesse sentido, ressalta-se que a política social, mesmo sendo idealizada na

empiria do cotidiano do conjunto da sociedade, não perde seu traço científico, na medida em

que alia teoria e prática para desenvolver-se e “[...] que não apenas se dispõe a conhecer e

explicar o mundo real, mas também a agir neste mundo, visando mudanças.” (PEREIRA,

2008, p. 166).

[...] a política social não se dá no vácuo e nem é desfalcada de relações. O seu trato (intelectual e político) imprescinde do “exame da sociedade como um todo no conjunto de seus variados aspectos [históricos, culturais] sociais, econômicos e políticos”. Em vista disso, tal política se impõe como um conceito complexo que não condiz com a ideia pragmática de mera provisão, ato governamental, receita técnica ou decisões tomadas pelo Estado e alocadas verticalmente na sociedade (como entendem os enfoques funcionalistas de vários matizes teóricos). E, para além de um conceito, a política social constitui um processo internamente contraditório que, simultaneamente, atende interesses opostos – o que exige esforço mais aprofundado de conhecimento dos seus movimentos, tendências, contratendências e relações, com vista ao estabelecimento de estratégias políticas dialeticamente interligadas (TITMUSS, 1981 apud PEREIRA, 2014, p. 24).

Trata-se, portanto, de uma política que, inserida num cenário de disputas ideológicas,

se constitui a partir da proteção de uma lei pautada pela impessoalidade e pela garantia de

direitos.

É importante destacar que, como afirma Boschetti (2016), cuja análise aponta que,

embora as políticas sociais sejam uma conquista da classe trabalhadora, estas não são capazes

de promover a superação do modo de produção capitalista. Entretanto, as políticas sociais

pautadas na formalização de um sistema de direitos e deveres, consoante a uma instituição

tributária progressiva e ampliada do fundo público12, podem alterar os níveis de desigualdade

social. Dessa forma, compreende-se que a política social somente atingirá seu objetivo

precípuo, que é o de garantir o acesso aos bens sociais aos sujeitos incapazes de fazê-lo pelos

próprios meios, se for resguardada por legislações operacionalizadas por atores ética e

politicamente comprometidos com os princípios de justiça e equidade social.

12 O fundo público está inserido no âmbito do orçamento público que se constitui como um espaço de luta política, no qual estão em jogo interesses de classe contraditórios. Nesse sentido, “O orçamento público é que garante concretude à ação planejada do Estado e espelha as prioridades das políticas públicas que serão priorizadas pelo governo.” (SALVADOR, 2012, p. 5).

38

2.1 A POLÍTICA SOCIAL NO CONTEXTO BRASILEIRO

No que se refere ao Brasil, as primeiras iniciativas que culminaram em um modelo de

proteção social13 ocorreram entre 1930 e 1943, em meio a um contexto social marcado por

profundas transformações socioeconômicas promovidas pela introdução e avanço do modo de

produção capitalista, cuja passagem do modelo agroexportador para o modelo urbano

industrial se configurou como o fator determinante para impulsionar tais transformações.

(SILVA, 2004). Essa autora afirma que o período destacado, marca ainda o momento em que

o Estado passa a atuar, de maneira geral, como agente regulador e/ou promotor nas áreas da

educação, saúde, previdência, alimentação e nutrição, moradia, saneamento, transporte

coletivo.

Mandel (1982 apud BOSCHETTI, 2016, p.47-48) salienta que o Estado brasileiro,

considerando-o situado no capitalismo tardio, desde sua constituição prioriza o

desenvolvimento econômico. Nessa perspectiva, compreende-se que os mecanismos políticos

adotados no Brasil visam, primordialmente, fortalecer as forças de mercado. Conforme esse

autor, o Estado brasileiro “Ao lado das funções repressivas/coercitivas e das funções

integradoras do Estado, [...] [assume] no conjunto das funções destinadas a ‘providenciar as

condições gerais de produção’”, o papel de promotor do bem-estar, ou seja, o Estado,

configurado como um agente regulador das relações sociais e econômicas, desenvolve um tipo

de proteção social consoante às exigências do capital.

Considerando essa premissa, a ideia de cidadania se desenvolveu sob o pressuposto da

vinculação dos sujeitos ao mercado de trabalho formal restrito ao meio urbano, sob o controle

rígido do Estado, por meio da filiação dos trabalhadores empregados aos sindicatos (SILVA,

2010), configurando no que Santos (1979) classificou como cidadania regulada.

Todavia, Mattoso (1995 apud SANTOS, 2012, p. 185) considera que o Estado

brasileiro “[...] manteve um padrão de intervenção social de baixos resultados e efeitos

compensatórios ou distributivos, caracterizado por uma postura meritocrática-particularista.”

13 “A proteção social consiste na ação coletiva de proteger indivíduos contra os riscos inerentes à vida humana e/ou assistir as necessidades geradas em diferentes momentos históricos e relacionadas com múltiplas situações de dependência. Os sistemas de proteção social têm origem na necessidade imperativa de neutralizar ou reduzir o impacto de determinados riscos sobre os indivíduos e a sociedade. Pode-se, portanto, afirmar que a formação de sistemas de proteção social resulta da ação pública que visa resguardar a sociedade dos efeitos dos riscos clássicos: doença, velhice, invalidez, desemprego e exclusão (por renda, raça, gênero, etnia, cultura, etc.)” (VIANA; LEVCOVITZ, 2005, p. 17). É nesse sentido que tais autores afirmam que a proteção social possui características diferentes de acordo com a realidade de cada país em relação ao público alvo e como oferecer serviços e benefícios da proteção social, assim como também seus limites. Tais aspectos funcionam de modo a organizar a distribuição e a discriminação da proteção social. (VIANA; LEVCOVITZ, 2005, p. 32).

39

De acordo com a autora distinto do fordismo clássico, onde a regulação trabalho e proteção

social apresenta outros patamares a classe trabalhadora.

É nesse sentido que Sposati (1991 apud JACCOUD, 2009) afirma que esse sistema de

proteção social, baseado no conceito de Bem-Estar Ocupacional, garante direitos sociais

somente por meio da vinculação ao trabalho formal, de maneira que

É o contrato de trabalho que define, imediatamente, as condições de reprodução do trabalhador no mundo da previdência ou no da assistência, cabendo à ultima, como mecanismo econômico e político, cuidar daqueles que aparentemente ‘não existem para o capital’ (SPOSATI, 1991 apud JACCOUD, 2009, p. 62).

Conforme a argumentação de Silva (2010, p. 22), esse modelo de proteção social

adentrou às décadas de 1970 e 1980; funcionando como uma estratégia de controle social à

serviço da autocracia burguesa, haja visto que os programas e os serviços sociais prestados

pelo Estado passaram a servir “[...] como compensação à repressão e ao arbítrio [...].

Ampliaram-se os programas sociais como uma espécie de compensação pela repressão aberta

direcionada aos movimentos sociais e ao movimento sindical”.

Apesar dessa e de outras estratégias de coerção utilizadas pelo Estado ditatorial,

ressalta-se que a emblemática eclosão dos movimentos sociais ocorrida nesse período,

promoveu a reorganização dos sindicatos de representação da classe trabalhadora, a

reestruturação e o reordenamento dos partidos políticos, ensejando a construção de uma

sociedade calcada nos ideais democráticos e de cidadania.

Cabe ressaltar, que nesta mesma década de 80, o Brasil passa a absorver os reflexos de

um cenário mundial, da década de 1970, período de grandes e profundas transformações

sociais e econômicas que impactaram sobre todos os países, especialmente nas nações

subdesenvolvidas. Segundo Lavergne (2012), a década de 1970 inaugura o processo de

aniquilamento do Welfare State e da política keynesiana nos países economicamente

desenvolvidos.

A oferta de bens e serviços pelo Estado e o reconhecimento de direitos sociais, marcados pelo cunho da universalidade, começaram a ser questionados por instâncias internacionais que participam ativamente da redefinição dessa nova economia mundial e da reconfiguração das políticas públicas sociais e educacionais a elas subordinadas: Banco Mundial, FMI, OMS, OCDE, BID etc. (LAVERGNE, 2012, p. 324).

40

Tendo em vista a conjuntura econômica, política e social do mundo nesse período,

observa-se que o Brasil avança para os anos de 1980 na contramão do movimento mundial,

caracterizado pela ampla retirada de direitos sociais. Esse movimento se explica pelas

articulações operadas pelos movimentos sociais brasileiros nesse lapso de tempo, as quais

foram fundamentais para o processo de abertura democrática brasileira, vindo a se constituir

como um mecanismo de retardamento da introdução das políticas neoliberais em solo

brasileiro.

Não obstante às análises de cunho científico que afirmam que a abertura democrática

brasileira é fruto de grandes disputas de interesses, no qual a Constituição de 1988 é resultado

de uma mistura difusa de ideologias liberal-democrática-universalista, cuja redação favorece

modificações do texto original, de acordo com os interesses em jogo (FALEIROS, 2000), a

Carta Magna de 1988, além de se caracterizar como o documento oficial que marca o

esgotamento da ditadura militar no Brasil e reconfigura as relações da sociedade como um todo,

estabelece diretrizes inéditas para a proteção social brasileira, constituindo-se, também num

marco histórico no que se refere à um modelo de proteção social ampliada, numa perspectiva

universalista, tendo como referência a análise de Boschetti (2016) que define proteção social

como um

[...] conjunto organizado, coerente, sistemático, planejado de diversas políticas sociais, financiado pelo fundo público e que garante proteção social por meio de amplos direitos, bens e serviços sociais [...] Tem como premissa o reconhecimento legal de direitos e a garantia de condições necessárias ao exercício do dever estatal para garanti-los (BOSCHETTI, 2016 p. 26).

Conforme Silva (2004) a ebulição dos movimentos sociais alargou a concepção de

cidadania, resultando na incorporação desse e de outros conceitos que envolvem a ampliação e

a universalização dos direitos sociais.

Nesse contexto, Comerlatto et al. (2007) afirma que a partir da promulgação da

Constituição de 1988 ocorre

[...] um reordenamento das relações socioinstitucionais na gestão de políticas públicas. A gestão das ações sociais públicas passa a ancorar-se na parceria entre Estado e sociedade porque ‘a gestão social tem, com a sociedade e com os cidadãos, o compromisso de assegurar, por meio das políticas e programas públicos, o acesso efetivo a bens, serviços e riquezas da sociedade’ (CARVALHO, 1999 apud COMERLATTO et al., 2007, p. 266).

41

Para Jaccoud (2009), é indiscutível o fato de que a Constituição de 1988 não só ampliou

o debate acerca dos direitos e da proteção social, como também situa essas áreas sob a

responsabilidade do Estado, instituindo políticas sociais públicas, bem como seu público alvo.

A ampliação das situações sociais reconhecidas como objeto de garantias legais de proteção e submetidas à regulamentação estatal implicaram significativa expansão da responsabilidade pública em face de vários problemas cujo enfrentamento se dava, parcial ou integralmente, no espaço privado. A intervenção estatal, regulamentada pelas leis complementares que normatizaram as determinações constitucionais, passou a referir-se a um terreno mais vasto da vida social, tanto com objetivos de equalizar o acesso a oportunidades, como de enfrentar condições de destituição de direitos, riscos sociais e pobreza (CARDOSO JR; JACCOUD, 2005 apud JACCOUD, 2009, p. 63).

Entretanto, as pautas sociais eram amplas nesse período, fomentadas pelos movimentos

sociais em defesa de inúmeras expressões da “questão social”. Sem desqualificar a importância

é necessário sinalizar que o discurso sobre a pobreza era articulado de forma genérica, ou seja,

a pobreza multidimensional, compreendida como expressão da “questão social” não estava

substanciada na legislação que promoveriam mudanças estruturais.

Não obstante às conquistas na área social materializadas na Nova Constituição, nos

anos de 1990, sob a influência da reação burguesa e do avanço do neoliberalismo14, observa-

se o início do processo de desmonte dessas conquistas. Conforme Berhing e Boschetti (2008),

é nesse período que a disseminação do discurso em torno da necessidade de uma reforma

constitucional ganha força, visto que, sob a ótica da ideologia neoliberal, a ampliação de

direitos promovida pela Constituição de 1988 se traduzia como um empecilho à solução dos

problemas econômicos e sociais brasileiros, dado que o modelo de Estado ampliado proposto

pela Constituição se opõe ao modelo neoliberal, cuja proposta defende a ideia de um Estado

voltado para o mercado, calcado nas privatizações, na flexibilização15 e, consequentemente no

desmonte dos direitos sociais adquiridos. Nesse sentido, o neoliberalismo dissemina a ideia da

14Trata-se de um processo de ajuste econômico global, “[...] caracteriza-se por um rearranjo da hierarquia das relações econômicas e políticas internacionais, feito sob a égide de uma doutrina neoliberal, cosmopolita, gestada na capital política do mundo capitalista, denominada Consenso de Washington. [...] Trata-se também de políticas macroeconômicas de estabilização acompanhadas de reformas estruturais liberalizantes.” (TAVARES; FIORI, 1993 apud SOARES, 2002, p. 16). Desse Consenso resultou um receituário no qual aplica-se um conjunto abrangente de regras, tendo como pressupostos básicos a abertura comercial e financeira, as privatizações do setor público e, consequentemente, o Estado mínimo. 15 Conforme Soares (2002), trata-se de um conjunto de políticas de cunho neoliberal facilitadas pelas reformas das leis trabalhistas que impactam na estabilidade no emprego, na extensão da jornada de trabalho, no direito a férias e na redução de salários, incentivando os contratos de trabalho destituídos de direitos, tornando as relações de trabalho precárias com rebatimentos nos índices de desigualdade e pobreza.

42

necessidade de se constituir um Estado mínimo para as necessidades de ordem social e máximo

para as demandas do mercado. Esse processo é visível quando o Estado realiza operações de

ajustes fiscais na perspectiva de fortalecer as forças de mercado. Assim, paulatinamente, o

desmonte dos direitos sociais conquistados foram se tornando alvo de emendas e projetos de

lei, constituindo-se como entraves burocráticos que fragilizaram sua implementação.

Como parte desse processo de reformas cabe destacar um elemento importante

salientado por Berhing e Boschetti (2008) no que se refere às políticas sociais defendidas na

Constituição de 1988. As autoras argumentam que “[...] a separação entre a formulação e

execução das políticas, de modo que o núcleo duro do Estado as formularia, a partir da sua

capacidade técnica, e as agências autônomas as implementariam” retratam a matriz neoliberal

que orientam essa reforma, na perspectiva apontada trata-se de se utilizar de estratégias

baseadas na tecnocracia que, por meio de decretos, encontram refúgio em um “[...] Congresso

submisso ou pragmático. Entretanto a maior contribuição destas autoras é a reflexão sobre a

contrarreforma16, ou seja, a reforma por dentro, que desconstrói o não construído, que não

efetiva o conquistado.

Nesse contexto e em meio a um processo de aprofundamento das desigualdades sociais

e da pobreza, Berhing e Boschetti (2008) afirmam que as políticas sociais passam a transfigurar

à lógica neoliberal, cujas características (privatização, focalização/seletividade e

descentralização) compõem as estratégias de intervenção que incidem diretamente sobre a

proteção social brasileira.

Para Sposati (2013, p. 661), “[...] o modelo brasileiro de proteção social não partiu de

um reconhecimento universal enquanto direito de todos os trabalhadores, sua lógica seletiva

foi incluindo paulatinamente segmentos da força de trabalho ativa.”

2.2 O SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRO PÓS CONSTITUIÇÃO DE 1988

Não obstante as grandes conquistas constitucionais no que se refere ao campo dos

direitos sociais, destaca-se que a reformulação do sistema de proteção social brasileiro vem

ocorrendo em meio a um processo mundial de desmonte das políticas sociais, potencializadas

pelo avanço global de políticas de ajuste neoliberal. Dessa forma, considerando o contexto

contraditório em que o sistema de proteção social brasileiro vem se desenvolvendo ao longo

16 Trata-se de um conjunto de “[...] ‘reformas’ orientadas para o mercado, num contexto em que os problemas de âmbito do Estado brasileiro eram apontados como causas centrais da profunda crise econômica e social vivada pelo país desde o início dos anos 1980.” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 148)

43

desse período, percebe-se que o Estado tem se mostrado insuficiente no provimento de políticas

sociais mais abrangentes em face do agravamento das expressões da “questão social”.

(MONNERAT; SOUZA, 2014).

Além disso, conforme Werneck Vianna (2008), o sistema de proteção social brasileiro

tem se qualificado como universal apenas na letra da Lei, pois a ideia de que política social se

destina apenas à população pobre tem se disseminado e legitimado a introdução de políticas

focalizadas que, por sua vez, precarizam o atendimento e obstaculizam o acesso aos programas

e ações da rede da Assistência Social. Essa realidade é reforçada pelo modelo de organização

da proteção social brasileira instituída no eixo da seguridade social17, onde são priorizadas a

política de saúde, assistência e previdência com critérios de elegibilidade e seletividade, se

contraponto a universalidade do direito social.

Cabe aqui salientar que a assistência social, conforme a análise de Boschetti (2016. p.

20), não deve ser confundida com a proteção social em si. Segundo essa autora, a assistência

social deve compor um sistema de proteção social mais amplo e dessa forma, não “[...] deve ser

defendida como a política por excelência de enfrentamento à miséria e à pobreza [...]”.

Sposati (2013), contribui ainda ao ressaltar que pensar na proteção social brasileira,

significa pensar incompletudes, o que caracteriza a tentativa do Estado em consolidar direitos

e promover acessos que não se conectam a princípios ou valores. Completando a ideia ressalta;

“A perspectiva de universalidade da proteção social mostra-se como confronto com as regras

do capital, da acumulação, pois confere significado de igualdade em uma sociedade que, pelas

regras do mercado, é fundada na desigualdade.” (SPOSATI, 2013, p. 661).

A composição da proteção social brasileira, instituída no âmbito da seguridade social e

alinhada aos princípios normativos da nova Constituição passou a ser implementada a partir das

décadas de 1990 e 2000. Para Sposati (2013, p. 663),

A proteção social no Brasil está inserida no conceito de seguridade social, isto é, no conjunto de seguranças sociais que em uma sociedade, de forma solidária, garante a seus membros. Portanto, a centralidade está no processo histórico de cada sociedade e nele o transito pelo qual determinadas condições sociais de dignidade e sobrevivência são asseguradas enquanto um direito social universal. A agenda de situações que são consideradas como desproteções sociais a compor a seguridade social tem diferenciação entre as três políticas sociais.

17 “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.” (BRASIL, 2016a, s.p.).

44

Jaccoud (2009) afirma que o sistema de proteção social brasileiro passa a se organizar

sobre três pilares, quais sejam: 1) previdência social: de caráter essencialmente contributivo,

visando garantir uma renda para o trabalhador em situações em que o mesmo não seja capaz de

prover seu sustento por conta própria; 2) assistência social: de caráter não contributivo,

determina que os benefícios da assistência social sejam direcionados a todos que deles

necessitarem. Cabe a assistência social a responsabilidade de garantir de uma rede de serviços

socioassistenciais à população em situação de vulnerabilidade social. É dentro dessa política

que se desenvolvem os programas de transferência de renda. 3) Saúde: caracterizada pela

universalidade de acesso e norteada pelos princípios da equidade e da integralidade. Se

materializou a partir da implementação do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo acesso

a todas as especialidades do âmbito da saúde a cerca de 75% da população brasileira.

Em decorrência da conquista da seguridade social e do reconhecimento da política de

assistência no seu tripé, enquanto política pública de direito, muitos avanços foram registrados

na política de assistência social. Conforme texto da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social

- (Lei 8.742 de 7 de dezembro de 1993), em seu artigo 1º;

A assistência social é um direito do cidadão e um dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. (MDS, 2012, p. 7, grifos do autor).

A Política de Assistência Social passa a construir um modelo de gestão e

operacionalização em torno do SUAS18 - Sistema Único de Assistência Social. Este foi

organizado a partir da oferta de dois tipos de proteção social, quais sejam: Proteção Social

Básica (PSB) cujos objetivos pautam-se na prevenção das situações de risco social e individual

por meio de oferta da oferta de programas e benefícios19, a indivíduos e famílias em situação

de vulnerabilidade e risco social decorrentes da pobreza, privação e/ou fragilização de vínculos

familiares e afetivos. No conjunto de serviços oferecidos pela PSB as pessoas com deficiência

devem ser incluídas na Assistência Social, tendo como pressuposto oferecer a atenção em

sistema de rede integrada, na perspectiva de desenvolver potencialidades e/ou de viabilizar o

18 Trata-se do modelo de gestão adotado pelo Brasil, cuja finalidade é organizar e operacionalizar as ações da assistência social. Está vinculado ao MDS sob a Lei Federal nº 8.742/1993. Em 6 de julho de 2011 foi sancionada a Lei nº 12.435 que garante a continuidade do SUAS (SÃO PAULO, 2016). 19 Programa Bolsa Família (PBF), Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) (BRASIL, 2012).

45

acesso aos benefícios sociais. Os benefícios, tanto de prestação continuada como os eventuais,

compõem a proteção social básica, dada a natureza de sua realização (BRASIL, 2012). O acesso

ao conjunto de serviços da PSB é realizado por meio do Centro de Referência de Assistência

Social (CRAS)20; Proteção Social Especial (PSE) destinada ao atendimento especializado de

famílias e indivíduos cujos direitos tenham sido violados e/ou ameaçados (BRASIL, 2012).

Englobam serviços que requisitam acompanhamento familiar e individual, com

encaminhamentos monitorados e efetivos na perspectiva de assegurar a proteção social aos

usuários. Os serviços da PSE, na medida em que atua junto aos sistemas de garantia de direitos,

requisita um tipo de gestão complexa e compartilhada com o Poder Judiciário, Ministério

Público e outros órgãos afetos. Nesse contexto, a PSE pode comportar níveis diferentes de

complexidade, sendo considerado Proteção Social de Média Complexidade aquele aparelho que

oferece atendimento especializado junto à famílias e indivíduos com situações de violação de

direitos onde os vínculos familiares não foram rompidos. A Proteção Social Especial de Alta

Complexidade se refere ao atendimento e acolhimento com a oferta de serviços especializados

nas situações de violação de direitos e rompimento de vínculos familiares e comunitários. O

acesso aos serviços da PSE se dá por meio do Centro de Referência Especializado de

Assistência Social (CREAS)21.

Neste breve registro é possível evidenciar que houve uma organização da prestação de

serviços sociais na ordem do Estado, bem como uma diretriz de operacionalização. Ou seja, a

gestão do SUAS é descentralizada e participativa, uma vez que a União, os estados, o Distrito

Federal e os municípios compartilham da responsabilidade de gerir e financiar essa política. A

política de assistência, através do SUAS definiu eixos22 norteadores dos programas sociais,

sendo território, intersetorialidade e a matricialidade, inovando num direcionamento estratégico

a uma política que por décadas seguiu o modelo do primeiro damismo, clientelismo.

Este modelo em construção, factível a críticas, passa a contrapor políticas

assistencialistas, elaboradas de modo factual por governos brasileiros populistas e que

sustentaram a manutenção do poder, tendo neste campo a maior visibilidade do seu pretenso

interesse na condição social do povo brasileiro.

20 Como afirmado no 1º § do Art. 6º-C da Lei Orgânica da Assistência Social (BRASIL, 2012, p. 17), “O Cras é a unidade pública municipal, de base territorial, localizada em áreas com maiores índices de vulnerabilidade e risco social, destinada à articulação dos serviços socioassistenciais no seu território de abrangência e à prestação de serviços, programas e projetos socioassistenciais de proteção básica às famílias.” 21 Conforme o 2º§ da Lei Orgânica da Assistência Social (BRASIL, 2012, p. 17), “O Creas é a unidade pública de abrangência e gestão municipal, estadual ou regional, destinada à prestação de serviços a indivíduos e famílias que se encontram em situação de risco pessoal ou social, por violação de direitos ou contingência, que demandam intervenções especializadas da proteção social especial.” 22 Conforme PNAS/2004, C.F./1988, Lei 8.742/1992 e Lei 12.435/2011.

46

Nesse sentido, não obstante aos avanços na direção de uma política de assistência social

ampla, enquanto um direito capaz de promover a proteção social, o Brasil, nos últimos anos,

vivenciou trocas de governos de diferentes concepções ideopolíticas que tem transformado a

assistência social num mecanismo de fortalecimento de interesses do capital, na medida em

que, como afirma Boschetti (2016), a oferta de benefícios assistenciais corresponde à função

específica de oferecer um certo grau de bem-estar para, assim garantir e preservar as condições

necessárias a produção e, consequentemente, a acumulação. Nesse contexto, em que o Estado

se configura como um mecanismo a serviço do modo de produção capitalista, a política de

assistência e sua prerrogativa de direito parece mesclada às políticas de governo.

É inegável que o atual modelo de assistência social tem conseguido resultados

importantes, principalmente no que se refere a população pobre. Dentro de um contexto

transitório onde se destacam os programas de governo, a assistência social se mostra capaz de

alterar, suprimir e expandir, direitos, serviços e benefícios sociais que atendam a população em

condição de maior vulnerabilidade, cuja pobreza é o principal critério de elegibilidade. Essa

perspectiva aponta para a compreensão de que a assistência social se constitui como um espaço

de disputa de interesses, de maneira que, condicionada a concepções ideopolíticas de viés

essencialmente capitalista, tende a perder seu caráter universal, cuja premissa reside na

viabilização de direitos sociais e na potencialização dos processos de emancipação humana.

2.3 A POLÍTICA SOCIAL NO GOVERNO LULA (2003-2011): A ÊNFASE NO ENFRENTAMENTO À POBREZA

Com a chegada de Luís Inácio Lula da Silva à presidência do Brasil, no ano de 2003, o

enfrentamento à pobreza passou a ocupar lugar de destaque na agenda política nacional. Nesse

período, o cenário brasileiro era de profunda crise econômica e social resultantes das políticas

de ajuste neoliberal implementadas pelos governos de Fernando Collor (1990) e Fernando

Henrique Cardoso (1994). Como afirma Antunes (2005), essa conjuntura social marcada por

uma aguda recessão favoreceu a ascensão do PT, considerada uma legenda político-partidária

de esquerda. Essa ascensão, em muito potencializada pela trajetória política de Lula, cuja

história o aponta como ícone dos movimentos sociais na luta pela elevação da classe

trabalhadora brasileira, o legitimou como governante.

Dada a representatividade de Lula junto a classe trabalhadora, o contexto de sua chegada

à presidência indicava o início de um período novo para a sociedade brasileira, principalmente

no que se refere à proteção social, uma vez que, como afirma Freitas (2007), as mudanças no

47

sistema de seguridade social estabelecidas pela Constituição Federal de 1988 ainda estavam em

estruturação e necessitavam de um maior aparato institucional para sua efetivação, tendo em

vista o processo de reestruturação neoliberal sofrida pelo Estado nos anos de 1990.

Lula enfatizou que um dos objetivos centrais de seu governo seria erradicar a fome da

realidade brasileira. Desse modo, o Programa Fome Zero, foi oficialmente lançado logo no

primeiro mês de sua gestão, em 30 de janeiro de 2003, sendo necessário a criação do Ministério

Extraordinário para a Segurança Alimentar (MESA) para dirigir as ações do Programa, tendo

como ministro José Graziano da Silva (FURTADO, s.d).

Conforme argumenta Silva et al (2010) o Projeto Fome Zero resultou do trabalho de um

ano de pesquisas de ONGs23, organizações populares e movimentos sociais. Segundo os dados

levantados, à época existia no Brasil um número aproximado de 44 milhões de pessoas, com

renda diária abaixo do valor da linha de pobreza estipulado pelo Banco Mundial. O número de

famílias muito pobres era maior nas pequenas e médias cidades interioranas, cerca de 20

milhões de pessoas, enquanto que nos grandes centros urbanos esse número era de 9 milhões

de pessoas. No meio rural, o quantitativo de pessoas vivendo na pobreza chegava a 15 milhões.

Um destaque importante da pesquisa realizada é que os maiores índices de pobreza eram

registrados nas regiões mais industrializadas, principalmente no Estado de São Paulo onde,

ainda hoje, se observa uma maior concentração da riqueza produzida. Diante dos resultados

apresentados pelo estudo, “A conclusão é de que a pobreza não é algo furtivo, ocasional, mas

sim o resultado de um modelo de crescimento perverso, assentado em salários muito baixos,

que tem levado à crescente concentração de renda e ao desemprego.” (SILVA et al, 2010, p.

15). Note-se que essa conclusão é coincidente com a concepção de pobreza adotada pelo Banco

Mundial, o qual não atribui o aprofundamento da pobreza ao modo de produção capitalista, de

maneira que condição de pobreza e extrema pobreza fica encoberta pelo critério de renda e

capacidade de consumo.

Conforme Aranha (2010) o Programa Fome Zero se desenvolveu a partir de quatro eixos

que se articulam entre si, quais sejam:

• Ampliação do Acesso aos Alimentos: trata-se de um conjunto de ações que objetivam

ampliar o acesso à alimentação pela população de baixa renda por meio de transferência de

renda (o Programa Bolsa Família que, no período aludido atendia a 48 milhões de pessoas

23A exemplo do Instituto Cidadania, que reúne profissionais brasileiros de diversas áreas de atuação profissional com o objetivo de contribuir para a valorização e o desenvolvimento da cidadania no Brasil (INSTITUTO DA CIDADANIA BRASIL, 2016).

48

pobres e extremamente pobres) e também pelo reordenamento e ampliação do programa de

alimentação escolar.

Resultados: até o ano de 2008, ofereceu gratuitamente cerca de 35 milhões de refeições

diárias para crianças entre 0 e 14 anos, em 2009 esse número subiu para 47 milhões com a

inserção dos alunos do Ensino Médio e do Programa de Educação para Jovens e Adultos, bem

como pelo incentivo à construção equipamentos públicos, como os restaurantes populares (até

o período pesquisado eram 90 unidades em todo o Brasil e atendiam em média 200 mil pessoas

por dia), bancos de alimentos (104 unidades e quase 1 milhão de pessoas atendidas) e as

cozinhas comunitárias (645 unidades atendendo a aproximadamente 140 mil pessoas).

• Fortalecimento da Agricultura Familiar: partindo do princípio de que é a

agricultura familiar que garante a maior parte dos alimentos consumidos pela população

brasileira, configurando-se como a principal geradora de empregos no campo, foi desenvolvido

o Plano Safra como uma alternativa de incremento e ampliação ao sistema de crédito

desenvolvido pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura (PRONAF), cujo

objetivo é incentivar a produção de alimentos. Um dado relevante sobre a oferta de uma linha

de crédito exclusiva para a agricultura familiar é que a maior parte dos financiamentos

concedidos contemplaram famílias pobres que vivem da produção de alimentos. Para

potencializar essa produção, foi instituído o Programa de Aquisição de Alimentos da

Agricultura Familiar (PAA) como meio de articular a oferta dos alimentos produzidos pela

agricultura familiar e a demanda por alimentos oriundos dos equipamentos públicos.

Resultados: não obstante a coexistência de modelos distintos de agricultura, a

agricultura familiar e a patronal, ressalta-se que a primeira, apesar de abranger uma área muito

menor, é responsável pela produção da maior parte dos alimentos consumidos pela população

brasileira, como também é a principal geradora de empregos no campo. Dessa forma, a

ampliação do crédito para esse tipo de produção financiou cerca de 60% das famílias pobres da

área rural, as quais abrangem os agricultores familiares, os assentados, os povos e as

comunidades tradicionais24. Nesse sentido, destaca-se a incorporação de ações que visam a

melhoria do acesso e abastecimento de água por famílias situadas em regiões do semiárido

brasileiro castigadas pelas longas temporadas de seca, bem como o respeito à condição

24 Conforme o Decreto nº 6040 de 07 de fevereiro de 2007, “[...] compreende-se por Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.” (BRASIL, 2007, s.p.)

49

específica dos povos e comunidades tradicionais e com a proteção da sociobiodiversidade e dos

conhecimentos tradicionais.

• Geração de Renda: através da Secretaria Nacional de Economia Solidária, criada em

2003, foram implementadas ações com o objetivo de potencializar os Empreendimentos

Econômicos Solidários25 por meio de parcerias com o Banco do Brasil e outras instituições

financeiras nacionais. Para o desenvolvimento de potencialidades regionais bem como para a

promoção de ações de capacitação de profissionais destaca-se o Programa de Apoio às

Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (Proninc), cujo objetivo é impulsionar as

iniciativas voltadas ao empreendedorismo solidário e ao cooperativismo por meio de um

conjunto de atividades sistematizadas na perspectiva de formar e assessorar empreendimentos,

desde o surgimento até a conquista de autonomia organizativa e econômica. Nessa mesma

direção, destaca-se o programa Próximo Passo direcionado aos setores da construção civil e do

turismo, com o objetivo de capacitar trabalhadores beneficiários do Programa Bolsa Família.

Sua implementação é realizada através de ações articuladas entre o Ministério do Trabalho e

Emprego (MTE), o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e o

Ministério do Turismo (MTur) em parceria com os governos estaduais e a sociedade civil.

Resultados: até o ano de 2008, a Fundação Banco do Brasil apoiou 150 projetos, os

quais beneficiaram 4.300 empreendimentos, abrangendo um total de 136.000 trabalhadores

diretos. Entre os anos de 2005 e 2008, o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) apoiou 50 projetos

que beneficiaram 7.000 famílias através de empreendimentos econômicos solidários. Até o ano

de 2008, foram criados 44 Bancos Comunitários, cujo financiamento solidário abrangeu

aproximadamente 5.000 pessoas nas periferias urbanas, comunidades tradicionais e municípios

rurais. No período entre 2003 e 2008, 76 incubadoras universitárias receberam apoio,

propiciando atingir um número aproximado de 700 Empreendimentos Econômicos Solidários

com cerca de 10.000 trabalhadores associados. No que se refere ao Programa Próximo Passo,

o valor do recurso financeiro de 20 milhões era destinado à capacitação de cerca de 26 mil

trabalhadores beneficiários do Programa Bolsa Família em 21 Estados da Federação e no

Distrito Federal.

• Ampliação da Articulação, Mobilização e Participação Popular: como parte do

processo de erradicação da fome e da miséria, a ampliação do acesso a informação objetiva

fomentar a articulação, a mobilização e a participação dos beneficiários do Programa. Para

25 “No âmbito do PRONINC, empreendimentos econômicos solidários são as organizações de caráter associativo que realizam atividades econômicas, cujos participantes sejam trabalhadores do meio urbano ou rural e exerçam democraticamente a gestão das atividades e a alocação dos resultados.” (FINEP, 2017, s.p.).

50

tanto, foram realizadas um número aproximado de cem parcerias26 que, além de promover

campanhas de combate à fome e de segurança alimentar e nutricional, buscam oferecer espaços

para o desenvolvimento da educação cidadã. Nessa perspectiva, destacam-se as unidades dos

Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) que, dentro do Sistema Único de

Assistência Social, oferecem às famílias atendidas orientação social e psicológica, identificam

demandas e realizam encaminhamentos a outros níveis de complexidade do sistema por meio

de uma rede de serviços que se articulam entre si, tendo como objetivo principal o

enfrentamento à situações de violação de direitos as quais estão sujeitas a parcela mais

vulnerável da sociedade.

Resultados: esse eixo foi o que apresentou um número maior de resultados, entre os

principais, destacam-se o fortalecimento e a criação de fóruns e conselhos de segurança

alimentar; a criação de feiras itinerantes de agricultura familiar e economia popular solidária;

as iniciativas de trabalho com os povos tradicionais, mulheres, catadores e recicladores de

materiais; o monitoramento e controle social do Programa Bolsa Família e de outras políticas

públicas; o fortalecimento das políticas territoriais; a criação de núcleos de educação popular

com as famílias beneficiárias do Projeto Fome Zero; a mobilização de educadores e famílias

para a participação nas conferências de segurança alimentar e nutricional e os processos de

discussão e aprovação das leis da área.

Não obstante ao prestígio popular de Lula e a sua caracterização como um representante

da política de esquerda, sua gestão se configurou como uma continuidade do projeto neoliberal,

implementado pelo governo de FHC, pois no primeiro mandato sob a administração de Lula

não foram priorizadas ações efetivas que alterassem o quadro de extrema pobreza e exclusão

social existentes no Brasil (CASTRO, 2005; SCHMIDT; SILVA, 2015).

Para Netto (2010, p. 26), no período aludido as ações empreendidas se concentraram na

busca de apoio através de coalizões guiadas por interesses políticos “[...] francamente

fisiológicos e oportunistas “[...] com o intuito de imobilizar os partidos de oposição, como

também no sentido de conquistar o apoio dos movimentos sociais, na medida em que a

cooptação ou a não recriminação desses movimentos colaborou para a instalação de um clima

harmônico entre as partes.

Em meio a esse contexto político favorável, o governo Lula buscou implementar as

determinações dos organismos gestores do grande capital (FMI e Banco Mundial entre outros),

como por exemplo a Lei de Responsabilidade Fiscal e a reforma previdenciária, essa última

26 Entre as parcerias, destacam-se o Programa Rede de Educação Cidadã/Talher Nacional, Programa Escolas-Irmãs, cuja tarefa se resumia na promoção da mobilização social (ARANHA, 2010).

51

fortemente combatida pelo próprio PT no governo de FHC (NETTO, 2010). Estas e outras

implementações de mesma natureza se configuram como elementos que corroboram para a

compreensão de que as concessões realizadas durante o governo Lula, sob a bandeira do PT,

explicitaram a colaboração dessa administração com o grande capital, evidenciando que o

partido passou a optar por uma ideologia político-partidária diferente de sua origem esquerdista.

No que se refere a implementação dos programas sociais, Castro (2005) afirma que o

governo Lula, em consonância com as determinações do Banco Mundial e, portanto, com as

potências econômicas estrangeiras, situou o combate à fome e a pobreza como pauta principal

do seu mandato, optando por uma readequação das ações propostas no programa Fome Zero

que, a princípio, ocupava o centro das atenções de sua gestão. Dessa forma e como parte do

processo de combate à fome e a miséria, e na mesma direção de seus antecessores, Lula adotou

o modelo de política social mexicana27 e incorporou o programa Bolsa Família ao Fome Zero.

Sob a coordenação do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza, o

programa Bolsa Família, segundo Castro (2005) entrou em vigor em 2003 como resultado da

unificação dos programas de transferência de renda28 já existentes, implementados por

Fernando Henrique Cardoso, e com o objetivo inicial de atingir 11 milhões de famílias, das

quais, conforme dados do governo, 53% estão localizadas na região nordeste do Brasil.

Como demonstra Silva (2008, p. 134-135), o Programa Bolsa Família foi implantado

através da Medida Provisória nº 132, de 20 de outubro de 2003, posteriormente foi transformada

na Lei nº 10.836, de 09 de janeiro de 2004 e regulamentado pelo Decreto nº 5.209 de 17 de

setembro de 2004, vindo a constituir-se como “[...] o principal programa de enfrentamento à

pobreza no Brasil no âmbito da Estratégia Fome Zero [...]”.

Para os idealizadores do Programa, a unificação dos programas de transferência de renda

representa uma evolução, na medida em que a perspectiva da responsabilidade partilhada entre

União, Estados e municípios, representou um importante passo para a política social brasileira

ao instituir mecanismos sistemáticos de monitoramento e avaliação. Além disso, destaca-se que

a proposta da unificação dos Programas de Transferência de Renda resultou de um exame

minucioso nos programas sociais em vigência na época, cujo diagnóstico apontou problemas

27 “Collor seguiu o México quando falava de liberalismo social e FHC se baseou no ‘Progresas’, um programa mexicano de comunidade solidária. E agora o atual Presidente brasileiro está se baseando em um programa mexicano que é uma evolução do ‘Progresas’ chamado ‘Oportunidades’. Ao se basear neste ‘Oportunidades’, o governo brasileiro cria um único programa de transferência de renda no qual as famílias decidem como gastar o dinheiro recebido, diferentemente do cartão-alimentação do Fome Zero, em que o uso do recurso está limitado à compra de alimentos.” (PEREIRA, 2001 apud CASTRO, 2005, p. 4-5). 28 Inicialmente, essa unificação ficou restrita aos quatro programas federais existentes, a saber: Bolsa-Escola (Lei nº 10.219/01), Bolsa-Alimentação (MP 2.206-1/01), Vale-Gás (DL 4.102/02) e Cartão-Alimentação (Lei nº 10.689/03) (SILVA, 2008).

52

relacionados ao desperdício de recursos em função da ausência de uma coordenação geral e de

um planejamento para os programas, orçamento insuficiente e falta de alcance de público alvo

(SILVA, 2008).

Ainda na perspectiva dos seus idealizadores do Programa Bolsa Família, a existência de

um único programa de transferência de renda focalizado no enfrentamento à pobreza e a

exigência de contrapartidas29, tem como finalidade “[...] certificar o compromisso e a

responsabilidade das famílias atendidas e representam o exercício de direitos para que as

famílias possam alcançar sua autonomia e a inclusão social sustentável [...]” (SILVA, 2007, p.

1436).

Como esclarece Silva (2008), os principais objetivos do Bolsa Família é o combate à

fome, a pobreza e as desigualdades sociais por meio da distribuição de uma renda mínima,

aliada à garantia de direitos sociais básicos (saúde, educação, assistência social, segurança

alimentar), bem como a promoção de espaços de inclusão social através de ações que

contribuam para a emancipação das famílias beneficiárias do programa, fomentando a

construção de meios e condições para que essas famílias superem a situação de vulnerabilidade

social.

Sendo a transferência de renda o principal eixo do Programa Bolsa Família, este divide-

se em três tipos de benefício, quais sejam: básico, variável (subdividido em variável à gestante,

a crianças de 0 a 15 anos e variável nutriz) e o excepcional (CALENDÁRIO BOLSA

FAMÍLIA, 2016).

Observa-se que o governo Lula possui características mistificadoras que se expressam

pela articulação de interesses opostos que, por sua vez, conjugam a manutenção de uma política

de estabilidade econômica, cuja finalidade é a estabilização monetária, com as formas de

intervenção nas expressões da “questão social”, especialmente no que se refere ao

enfrentamento à pobreza. Esse governo, segundo Santos (2012), buscou conciliar iniciativas

aparentemente contraditórias, dado que se verificou a junção de políticas neoliberais à pauta

desenvolvimentista. Isso foi perceptível quando o governo Lula se esforçou em realizar as

contrarreformas no âmbito da previdência social e da educação, ao mesmo tempo em que tratou

de realizar a implementação da assistência social. (MOTA, 2010 apud SANTOS, 2012).

29 As contrapartidas são a manutenção de filhos em idade escolar na escola, a frequência regular de crianças de 0 a 6 anos de idade aos postos de saúde e cartão de vacinação atualizado e a frequência de gestantes aos exames referentes ao pré-natal, retorno de adultos analfabetos à escola com participação da família em ações de educação nutricional que devem ser oferecidas pelo governo (SILVA, 2008).

53

Conforme apontam Schmidt e Silva (2015), esse modelo de governo assumiu uma série

de novas determinações que tem se caracterizado como “neodesenvolvimentismo”.

[...] essa ‘programática governamental’ não assegura um novo patamar de desenvolvimento. Mas tem sido funcional aos interesses das frações dominantes do capitalismo. Como estratégia de governabilidade, está assentado no seguinte tripé: programas de incentivo estatal à oligopolização da economia (fortalecimento de grandes grupos econômicos privados com apoio do BNDES); programas de investimentos públicos em infraestrutura – com ou sem parceria público-privada; e programas estatais de transferência de renda (bolsas, salário-mínimo e formalização salarial), visando a valorização do mercado interno e consumo (ALVES, 2013 apud SCHMIDT; SILVA, 2015, p. 88).

Essa estratégia de governo, apesar de apresentar melhora dos níveis de empregabilidade,

não contribuiu para a queda dos níveis de desigualdade, pois, apesar do crescimento das taxas

de emprego, no período pesquisado o índice de desemprego continuava alto entres os

trabalhadores pobres, o que resultou numa maior concentração de renda e, consequentemente,

no aumento da pauperização da classe trabalhadora.

Nessa conjuntura em que tal processo é respondido por programas de transferência de

renda, em especial pelo Programa Bolsa Família, percebe-se que, muito embora tais programas

estabeleçam critérios que corroboram para transcender seus próprios limites em direção ao

direito universal, as políticas sociais reduzidas ao atendimento focalizado da pobreza acabam

por se caracterizar como instrumentos de desmonte do modelo de proteção social baseada nos

pressupostos da universalização. Os mecanismos para a superação da “condição de pobreza”,

nos limites dos indicadores, não estão consolidados de forma a elevar a condição de vida da

população extremamente pobre, ou seja, esses mecanismos não recebem chancelas políticas

que garantam uma “evolução” na assistência social.

Nessa perspectiva, tem-se que as políticas sociais de característica compensatória e

focalizada, comumente direcionadas ao enfrentamento da pobreza, são apoiadas pelo grande

capital30. Como exemplo disso, Santos (2012) aponta que as políticas estruturantes, como a

saúde e a educação, passíveis de mercantilização, são constantemente objeto da reação

burguesa, frente à possibilidade de se tornarem políticas universais.

Considerando a ideologia subjacente ao apoio das elites, Mota (2010 apud SANTOS,

2012), alerta para o risco de naturalização da pobreza, tendo em vista que as determinações

30 Recentemente, Christine Lagarde, chefe do FMI, declarou que “[...] a injustiça social é entrave para o crescimento sustentável” (CARTA CAPITAL, 2017, s.p.).

54

estruturais do modo de produção capitalista – geradoras da pobreza e das desigualdades sociais

– são omitidas no momento da formulação das ações, fato este que induz a estratégias

focalizadas que apenas aliviam os índices de pobreza e que, por sua vez, correspondem às

necessidades de acumulação capitalista. Isso ocorre porque tais políticas são dirigidas às

populações em situação de pobreza extrema, cuja condição de miserabilidade e indigência não

permite nem a capacidade de produção, nem a de consumo, tratando-se de uma parcela da

sociedade que, segundo as análises de perspectiva neoliberal, apenas onera o Estado.

Dessa maneira, é imprescindível para a manutenção das taxas de exploração capitalista

que essa parcela ascenda ao nível da classe trabalhadora, tratando-se, portanto, de uma

estratégia burguesa que visa o aumento dos níveis de acumulação por meio de um numeroso

contingente de trabalhadores produtivos e apassivados por programas e benefícios que não

ultrapassam os limites da focalização. Ademais, a existência de programas sociais residuais e

seletivos, a exemplo do Bolsa Família, se configuram como mecanismos de obstaculização de

políticas sociais universalizantes. Portanto, à consolidação do próprio SUAS, cuja concepção

articulada e ancorada nos ideais de autonomia e proteção ao cidadão assistido, a qual busca

transformar a política social de assistência num instrumento de potencialização, expansão e

reconhecimento de direitos sociais é confrontada por uma sociedade enraizada e passiva na

desigualdade social.

55

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A crise que se instalou no capitalismo a partir da década de 1970, impôs a necessidade

de aumento nos níveis de acumulação, configurando um contexto socioeconômico em que a

pobreza, não podendo mais ser ignorada em função do risco para a estrutura do capitalismo,

passou a ocupar espaço na pauta dos debates internacionais.

Estudos elaborados por organismos mundiais de fomento do capital serviram de base

para formular ações para o seu enfrentamento em âmbito global, inclusive no Brasil. Tendo em

vista esse movimento globalizado e suas repercussões, buscou-se, com essa pesquisa, apreender

a concepção de pobreza no âmbito da assistência social brasileira e o enfrentamento proposto

pelo Programa Fome Zero, partindo da indagação: as ações do Programa Fome Zero são

adequadas ao enfrentamento da pobreza?

A busca por respostas partiu da constatação de que a pobreza é inerente ao modo de

produção capitalista enquanto condição necessária à perenidade dos níveis de acumulação

resultante da expropriação da mais valia, num processo que, ao mesmo tempo, mantém oculta

a relação intrínseca entre a pobreza na problematização desse fenômeno. Exemplos disso são

os estudos que têm por objeto a pobreza e que, costumeiramente, são utilizados pelos governos

como base para as ações de enfrentamento. Observa-se que, nesses estudos, a estrutura

capitalista, assentada na expropriação e na exploração do trabalho humano, é encoberta,

atribuindo-se à própria pobreza a responsabilidade pela insuficiência de renda necessária as

condições básicas de subsistência.

A concepção teórica sobre a pobreza, articulada e recomendada pelos organismos

internacionais – Banco Mundial, FMI, entre outros –, corresponde aos postulados do

movimento capitalista contemporâneo, cuja finalidade precípua à acumulação de riquezas é a

de ocultação da realidade, através de um discurso que tem como premissa a supressão da

essência dos fenômenos/objetos, para promover o fortalecimento das relações sociais

capitalistas assentadas no consumo. Nesse sentido, verificou-se que o que impulsiona os

organismos de fomento do capital a promover e disseminar a necessidade de enfrentamento à

pobreza extrema, é a certificação do risco iminente de ruína do sistema capitalista, resultante

da impossibilidade de aumento dos padrões de acumulação devido à incapacidade de consumo

por parte da população pobre. A partir desta configuração, a estratégia utilizada para sustentar

o modelo capitalista, passou a ser a formação um grande contingente de trabalhadores ativos,

tanto na esfera da reprodução social, como na do consumo.

56

Diante dessa realidade, o que se busca com o enfrentamento à pobreza é a viabilização

de meios para que a população miserável e indigente ascenda à condição de classe trabalhadora,

produtiva e consumidora, resultando, consequentemente, no aumento do número de pessoas

vivendo na pobreza relativa.

No caso do Brasil, as estratégias de combate à pobreza, prescritas especialmente pelo

Banco Mundial, ganharam reforço por meio dos avanços do âmbito da proteção social

preconizados na Constituição Federal de 1988. Nas décadas posteriores, principalmente a partir

da implantação do Sistema Único de Assistência Social, observou-se a instrumentalização da

assistência social, possibilitando uma melhor adequação e reordenamento das estratégias de

enfrentamento à pobreza. Essa instrumentalização se constituiu como um dos elementos

centrais para a melhoria do alcance dessas ações, as quais, por meio de processos de

transferência de renda, possibilitaram a melhoria da capacidade de consumo de um número

expressivo de pessoas, o que conferiu o Brasil a um lugar de destaque no cenário internacional

no combate à pobreza.

Entretanto, em meio a esse contexto macroeconômico contraditório, em que as ações de

governo mantêm em perspectiva as políticas neoliberais, cujo referencial defende estratégias

voltadas para o atendimento das sequelas, sem mergulhar na raiz das expressões da “questão

social”, as ações de combate à pobreza têm como traços característicos a focalização, a

fragmentação e a seletividade implementadas por meio de instrumentalização.

Nessa perspectiva, tem-se que o Programa Fome Zero previa em seu arcabouço um

conjunto amplo de ações em várias frentes, mas que convergiam para o combate à fome e a

pobreza, às quais, devido à amplitude, sofreram com problemas de operacionalização,

revelando-se pouco atrativas e de baixa visibilidade política, conflitando com os interesses de

governo. Diante desse contexto, o governo optou por ajustar os programas de transferência de

renda já existentes, transformando o Programa Bolsa família no instrumento político por

excelência no combate à pobreza, garantindo maior visibilidade às estratégias governamentais.

Verifica-se, no entanto, que apesar dos resultados positivos alcançados com o Bolsa

Família em relação à pobreza extrema, as ações baseadas na transferência de renda mostram-se

de acordo com as determinações dos organismos econômicos internacionais, ou seja, o

enfrentamento à pobreza no Brasil corresponde às necessidades da acumulação capitalista e, ao

mesmo tempo, induz e/ou reforça práticas conservadoras no âmbito da assistência. Somando-

se a isto, o fato de que a assistência social tem sido mesclada por programas de governo

transitórios, como é o caso do Programa Fome Zero, o pressuposto da universalidade

preconizada na Constituição vem sendo paulatinamente derruída, com o agravante de que,

57

estando as ações da assistência social condicionas à divisão do orçamento público, ela se torna

um campo de disputas de interesses opostos, estando sujeita à vontade e às escolhas políticas

de cada gestão.

Considerando-se, então, as condições postas para a assistência social, observa-se que as

ações as do Programa Fome Zero, apesar de atenuar os índices da pobreza extrema, não são

adequadas ao enfrentamento da pobreza por pelo menos três razões:

Primeira: se refere à constatação de que a pobreza, no modo de produção capitalista, é

passível apenas de ações de alívio e controle de seus índices, pois se trata de um fenômeno

oriundo da estrutura capitalista que expressa a contradição entre capital e trabalho, sendo

compreendida como uma expressão da “questão social”. Nesse contexto, sua erradicação

implica na eliminação do modo de produção capitalista. Ademais, como já mencionado, a

ênfase dada à pobreza enquanto categoria de análise em detrimento do conceito propriamente

dito, oculta o fato de que o que se busca promover com essas ações é a ascensão de um grande

percentual de pessoas que vivem na condição de pobreza extrema, à pobreza relativa, o que

resulta, obrigatoriamente, no aumento desta. Isso se explica pela existência de ações que

impactam apenas sobre o que é aparente ou está na superfície do fenômeno, como consequência,

sem atentar para a sua verdadeira causa;

Segunda: enquanto ação governamental que segue as orientações de mecanismos

internacionais, a exemplo do Banco Mundial e FMI, o programa Bolsa Família mantém como

base a concepção de pobreza atrelada a renda per capita, o que resulta na ocultação de outros

fatores que caracterizam esse fenômeno;

Terceira: verifica-se que estratégias de intervenção focalizadas e assentadas em

programas de transferência de renda, funcionam como um mecanismo de fortalecimento do

capital, na medida em que essas ações consistem em promover a ascensão da população

miserável ao patamar de classe trabalhadora ativa, cuja participação na reprodução social, eleva

essa população à condição de cidadão-consumidor, o que aumenta os níveis de acumulação

capitalista pela exploração e expropriação do trabalho humano.

Ressalta-se o entendimento de que, programas de transferência de renda numa sociedade

profundamente marcada pela desigualdade social como é o caso do Brasil, consistem num

mecanismo fundamental para a transformação desse cenário, haja visto o impacto social

alcançado que tirou o Brasil do mapa mundial da fome. O que se busca com essa discussão é

contribuir para o debate acerca da ampliação dos conceitos e da necessidade de transcender ao

que está posto na sociedade como uma verdade indiscutível, uma vez que as caracterizações

atribuídas aos fenômenos através da formulação de conceitos, estão impregnadas de uma

58

intencionalidade, o que, costumeiramente, sugere a omissão da verdadeira natureza de tais

fenômenos, como demonstrou ser o caso da pobreza. O que não se pode perder de vista é que

os conceitos forjados sob a ótica do capital, funcionam como instrumentos de naturalização das

expressões da “questão social”.

As investigações de temas abrangentes como o apresentado, costumam ter como

particularidade, a existência de um vasto material bibliográfico que compreende variadas

vertentes ideopolíticas, exigindo do pesquisador a máxima atenção aos objetivos do trabalho,

bem como ao tipo de abordagem que se deseja realizar. Assim, no caso desta investigação, a

dificuldade encontrada foi a seleção de um material bibliográfico que contemplasse os

propósitos da pesquisa, tendo em vista a opção por realizar uma abordagem crítica do objeto

pesquisado, cujo debate aprofundado poderia oferecer maior sustentação para a análise dos

referenciais, os quais permitem refutar ou corroborar com as hipóteses levantadas com mais

propriedade. Por se tratar de um fenômeno que se manifesta na realidade de formas variadas, a

pobreza, enquanto objeto de pesquisa, possui muitas produções científicas, nas quais esse

fenômeno é abordado sob múltiplas perspectivas e por diversas áreas do conhecimento, de

modo que, para se investigar um objeto dessa riqueza e magnitude, faz-se necessário dispor de

tempo e esforço de leitura. Além disso, a pesquisa bibliográfica tem por característica, a

exigência de ampliação da capacidade de análise e articulação do debate entre autores para que

o resultado da pesquisa pudesse se aproximar da realidade social.

Mantendo em perspectiva os objetivos deste trabalho, considera-se que o ato de

investigar possibilita a problematização da realidade. Nesse sentido, destaca-se que, antes

mesmo de responder às questões que motivaram essa pesquisa, outras indagações foram

surgindo no decorrer da interlocução com os autores escolhidos, dentre as quais, o interesse em

conhecer os limites e as possibilidades de ação do assistente social, cujo exercício profissional

encontra-se inserido num contexto contraditório de desmontes dos direitos sociais, ante as

investidas neoliberais.

Tendo em vista que as reconfigurações do Estado redundam numa mistificação da

realidade social, as quais incidem fortemente sobre a formação profissional, tem-se que essa

realidade distorcida contribui para o desenvolvimento de profissionais que têm como

pressuposto o fazer técnico, assentado no cumprimento da lei e de vínculos de trabalho, em

detrimento do pressuposto da emancipação dos sujeitos preconizado no SUAS.

Nesse sentido, observa-se que a dinâmica social capitalista introjeta na sociedade,

mecanismos de cooptação, os quais buscam ocupar todo o tempo e atenção dos sujeitos. Isso é

verificável, por exemplo, no estabelecimento de metas a serem cumpridas, pela imposição de

59

um ritmo acelerado na produção (técnica e intelectual) e nas avaliações institucionais. Todas

essas determinações obedecem a um conjunto elaborado de estratégias que têm por finalidade

“distrair” o trabalhador e impedir o desenvolvimento de uma visão crítica da realidade social.

No que se refere ao assistente social, este profissional, em particular, é afetado de

maneira ainda mais grave, uma vez que todo esse contexto se configura como desfavorável para

o desenvolvimento da práxis profissional, na medida em que a reflexão do real, da essência da

realidade, permanece impossibilitada pelas distrações criadas por essa dinâmica. Nesse

processo, observa-se que o próprio assistente social pode se tornar vítima dos subterfúgios

criados pelo sistema, resultando na alienação em relação ao seu próprio papel na sociedade e,

consequentemente, na naturalização das expressões da “questão social”.

Observa-se que no cenário descrito acima, o uso de estratégias de ocultação da realidade

social induz à reprodução do sistema capitalista e, consequentemente, reafirmam o projeto

societário burguês. Como resultado disso, forja-se um perfil profissional de acordo com as

necessidades do capital, haja visto que, ao suprimir a visão crítica da realidade, o assistente

social, enquanto mediador das relações entre Estado e sociedade, limita-se a desempenhar um

trabalho técnico, eximindo-se de desenvolver iniciativas que transcendam o mero cumprimento

da lei. Como efeito imediato, a figura do assistente social poderia tornar-se desnecessária,

podendo ser substituído por iniciativas de trabalho exclusivamente técnicas.

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