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A Concepção Virginal de Cristo 1 “The Virginal Conception of Christ”, de Jonathan Sarfati 2 Primeira publicação: Apologia 3(2):411, 1994; Última atualização: 24 Dezembro 2014 1 Definição Quando cristãos biblicamente informados falam sobre ‘nascimento virginal’ eles realmente querem dizer ‘concepção virginal’ (virginitas ante partum), isto é, que Cristo, a segunda pessoa da Trindade encarnada, não teve pai biológico humano. A doutrina da concepção virginal é escritural e afirmada por cristãos primitivos como Ignácio (AD c. 108), Justino, o Mártir (c. 100 c. 165), Ireneu (c. 130 c. 200), e Tertuliano (c. 150 c. 212). Entretanto, nada houve de miraculoso a respeito do nascimento. A verdadeira doutrina da concepção virginal deve ser distinguida de algumas falsas visões: a) Virginitas in partum: Maria deu à luz de uma maneira a não sentir dores de parto e manter intacto o seu hímen. Este ensinamento foi primeiramente encontrado na gnóstica Ascenção de Isaías (final do século I) 3 , e também encontrado no Protoevangelho de Tiago 4 datado do final do século II. Entre os escritores cristãos primitivos o ensinamento foi primeiramente citado por Clemente de Alexandria no terceiro século, mas foi rejeitado por Tertuliano 5 (155/160 220) e Orígenes 6 (185 254). É inconsistente com a citação de Lucas de “todo macho que abre a madre” (Lc 2:23, cf. Ex 13:2 (N. do T.)). E se a interpretação católica romana de Ap 12.2 é correta e a mulher é Maria, então existe ainda mais espaço para a rejeição da ideia de que Maria não sofreu dores de parto. b) Virginitas post partum ou virgindade perpétua: Este ensinamento não apareceu antes do Protoevangelho de Tiago. Tertuliano, apesar de suas tendências ascéticas 7 , também opôs-se fortemente a esta doutrina 8 . Católicos romanos justificam esta doutrina com base na afirmação de Maria a Gabriel, “Eu não conheço varão” (Lc 1:34). Eles interpretam essa passagem como significando “Eu fiz um voto de nunca conhecer varão”. Esta interpretação foi primeiramente sugerida por Gregório de Nyssa (335 394) 9 , mas existem duas dificuldades aqui: primeira, o verbo conhecer (γινώσκω; ginōskō) está no presente do indicativo ativo, o qual não deveria ser lido como uma futura intenção, e segundo, ela já estava desposada com José (v. 27). Mt 1:25: “e [José] não a conheceu até que deu à luz seu filho [...]” também descarta um casamento sem relacionamento íntimo apagando as palavras depois de “conheceuseria a maneira correta de ensinar esta doutrina. 1 Tradução por J. W. S. de Vargas com a permissão de creation.com. 2 Texto original disponível em creation.com/the-virginal-conception-of-christ. 3 Hilda Graef, Mary: A History of Doctrine and Devotion 1:34, Sheed and Warde, NY, 1963. 4 (N. do T.) Denominam-se protoevangelhos os evangelhos apócrifos ou partes de outros livros canônicos que tenham a forma dos evangelhos. 5 Graef, op. cit., p. 43. 6 Idem, p. 45. 7 (N. do T.) Ascetismo: negação completa dos prazeres físicos em nome da espiritualidade; antônimo de Hedonismo. 8 Graef, op. cit., p. 34. 9 Graef, op. cit., p. 67.

A Concepção Virginal de Cristo - dl0. · PDF filecompleta natureza humana enquanto permanecia plenamente Deus; d) ... Evangelho na Bíblia. ... (N. do T. – King James Version),

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  • A Concepo Virginal de Cristo1

    The Virginal Conception of Christ, de Jonathan Sarfati2

    Primeira publicao: Apologia 3(2):411, 1994;

    ltima atualizao: 24 Dezembro 2014

    1 Definio

    Quando cristos biblicamente informados falam sobre nascimento virginal eles

    realmente querem dizer concepo virginal (virginitas ante partum), isto , que Cristo,

    a segunda pessoa da Trindade encarnada, no teve pai biolgico humano. A doutrina da

    concepo virginal escritural e afirmada por cristos primitivos como Igncio (AD c.

    108), Justino, o Mrtir (c. 100 c. 165), Ireneu (c. 130 c. 200), e Tertuliano (c. 150

    c. 212). Entretanto, nada houve de miraculoso a respeito do nascimento. A verdadeira

    doutrina da concepo virginal deve ser distinguida de algumas falsas vises:

    a) Virginitas in partum: Maria deu luz de uma maneira a no sentir dores de parto e

    manter intacto o seu hmen. Este ensinamento foi primeiramente encontrado na

    gnstica Asceno de Isaas (final do sculo I)3, e tambm encontrado no

    Protoevangelho de Tiago4 datado do final do sculo II. Entre os escritores cristos

    primitivos o ensinamento foi primeiramente citado por Clemente de Alexandria no

    terceiro sculo, mas foi rejeitado por Tertuliano5 (155/160 220) e Orgenes

    6 (185

    254). inconsistente com a citao de Lucas de todo macho que abre a madre (Lc

    2:23, cf. Ex 13:2 (N. do T.)). E se a interpretao catlica romana de Ap 12.2

    correta e a mulher Maria, ento existe ainda mais espao para a rejeio da ideia de

    que Maria no sofreu dores de parto.

    b) Virginitas post partum ou virgindade perptua: Este ensinamento no apareceu

    antes do Protoevangelho de Tiago. Tertuliano, apesar de suas tendncias ascticas7,

    tambm ops-se fortemente a esta doutrina8. Catlicos romanos justificam esta

    doutrina com base na afirmao de Maria a Gabriel, Eu no conheo varo (Lc

    1:34). Eles interpretam essa passagem como significando Eu fiz um voto de nunca

    conhecer varo. Esta interpretao foi primeiramente sugerida por Gregrio de

    Nyssa (335 394)9, mas existem duas dificuldades aqui: primeira, o verbo conhecer

    (; ginsk) est no presente do indicativo ativo, o qual no deveria ser lido

    como uma futura inteno, e segundo, ela j estava desposada com Jos (v. 27). Mt

    1:25: e [Jos] no a conheceu at que deu luz seu filho [...] tambm descarta um

    casamento sem relacionamento ntimo apagando as palavras depois de conheceu

    seria a maneira correta de ensinar esta doutrina.

    1 Traduo por J. W. S. de Vargas com a permisso de creation.com. 2 Texto original disponvel em creation.com/the-virginal-conception-of-christ. 3 Hilda Graef, Mary: A History of Doctrine and Devotion 1:34, Sheed and Warde, NY, 1963. 4 (N. do T.) Denominam-se protoevangelhos os evangelhos apcrifos ou partes de outros livros cannicos que tenham

    a forma dos evangelhos. 5 Graef, op. cit., p. 43. 6 Idem, p. 45. 7 (N. do T.) Ascetismo: negao completa dos prazeres fsicos em nome da espiritualidade; antnimo de Hedonismo. 8 Graef, op. cit., p. 34. 9 Graef, op. cit., p. 67.

    http://creation.com/http://creation.com/the-virginal-conception-of-christ

  • O fato de que os irmos (; adelphoi) estavam com Maria (Mt 12:46-50)

    sugere que eles eram seus meios-irmos, filhos de Maria e Jos (ensinado por

    Helvdio [sc. IV] e Protestantes). A viso ortodoxa oriental de que eles eram filhos

    de Jos em um casamento anterior (primeiramente afirmado no sc. III e defendido

    por Epifnio no sc. IV)10

    . Os catlicos romanos os veem como primos

    (primeiramente afirmado por Jerome10

    (331 420)), apesar de que a palavra

    (syngens, parente, primo, usado para Maria e Isabel em Lc 1:36) poderia

    ter sido usada para expressar isso, assim como outra palavra grega

    (anepsios, Cl 4:10). verdade que adelphoi pode, s vezes, significar primos, mas

    o sentido de irmos segue um bsico, mas s vezes negligenciado princpio

    hermenutico. Ou seja, na ausncia de constrangedoras consideraes exegticas e

    hermenuticas, ns deveramos evitar os usos gramaticais mais raros quando os

    comuns fazem sentido11

    .

    c) Concepo imaculada no se referindo concepo de Jesus, mas de Maria,

    isto , Maria foi concebida na maneira humana normal, porm livre da mcula do

    pecado original. Este dogma no foi definido por Roma at 1854. Ele contradito

    pelo fato de que Maria admitiu necessitar de um salvador (Lc 1:46-47) e trouxe uma

    oferta pelo pecado ao templo (Lc 2:21-24, cf. Lv 12:6-8. Ver tambm Rm 3:23). O

    Dicionrio Bblico Smith aponta que no existe trao desta doutrina nos Pais da

    Igreja nos primeiros cinco sculos, e que de fato Maria foi criticada por Tertuliano,

    Orgenes, Baslio, o Grande (329 379) e Joo Crisstomo (350 407)12

    . Alguns

    destes criticismos a algum que era bendita entre as mulheres (Lc 1:42) so muito

    injustos, mas o ponto que esses cristos primitivos claramente no acreditavam que

    Maria no tinha pecado. A estudiosa catlica romana Hilda Graef cita comentrios

    crticos desses pais, e tambm assinala que Ireneu ensinou que ela no era livre de

    faltas humanas13

    , e que o grande Trinitrio Athansio (293 373), enquanto no

    atribua pecados de verdade a ela, afirmou que maus pensamentos vieram sua

    mente14

    . Graef admite que isto [...] mostra que a imagem de sem manchas, perfeita,

    imaculada virgem no havia emergido ainda nas mentes dos pais do quarto sculo.

    2 Significncia Teolgica da Concepo Virginal

    O estudioso do Novo Testamento C.E.B. Cranfield15

    faz quatro pontos, que eu resumo a

    seguir:

    a) A concepo virginal no prova a encarnao, nem diz que ela no poderia ter

    acontecido de outra maneira. Mas aponta para a unio de Deus e homem em Cristo;

    10 Artigo sobre Irmos do Senhor, The Illustrated Bible Dictionary, IVP, Part 1, pp. 2078, 1982. 11 S. Lewis Johnson; em: Stanley D. Toussaint and Charles H. Dyer, Essays in Honor of J. Dwight Pentecost, Moody

    Press, Chicago, p. 187, 1986. Johnson est atualmente defendendo a traduo de kai como e em Gl 6:16, mas o

    seu argumento ainda se aplica. 12 F. Meyrick em Smiths Bible Dictionary; citado em: Harriet Beecher Stowe, Women of Sacred History, Portland

    House, NY, pp. 17576, primeira publicao em 1873, reipresso em 1990. 13 Graef, op. cit., p. 40. 14 Graef, op. cit., p. 53. 15 C.E.B. Cranfield, Some Reflections on the Subject of the Virgin Birth, Scot. J. Theol. 41:17789, 1988. Este

    estudioso do NT rebate muitos argumentos contra a concepo virginal.

  • b) Deus fez um novo comeo do curso da histria da sua criao ao se tornar parte

    dela, vindo para resgatar a humanidade cada do pecado;

    c) Jesus verdadeiramente humano. A segunda pessoa da Trindade tomou a

    completa natureza humana enquanto permanecia plenamente Deus;

    d) A concepo virginal atesta o fato de que a redeno da sua criao por Deus foi

    somente pela graa. [...] Nossa humanidade, representada por Maria, nada mais faz

    que aceitar e at mesmo essa aceitao um gracioso presente de Deus.

    Tambm era necessrio que Jesus fosse fisicamente descendente de Maria, para que ele

    cumprisse as profecias de que ele seria um descendente de Abrao, Jac, Jud e Davi.

    Tambm, o Protoevangelho de Gn 3:15, considerado como messinico tanto pelos

    cristos primitivos quanto pelos Targuns16

    judeus, refere-se a ele como sendo da

    semente da mulher. Isto tem suporte em Gl 4:4, [...] Deus enviou seu Filho, nascido

    (genomenon) de mulher [...]. Mais importante, para Jesus ter morrido por nossos

    pecados, Jesus, o ltimo Ado (1Co 15:45), tinha que partilhar da nossa humanidade

    (Hb 2:14), assim necessita ter sido nosso parente via descendncia comum do primeiro

    Ado, como Lc 3:38 diz. De fato, sete sculos antes da sua encarnao, o profeta Isaas

    falou dele como literalmente o Parente Remidor, isto , um que parente de sangue

    daqueles que redime (Is 59:20, usa o mesmo termo hebraico goel que usado para

    descrever Boaz em relao a Noemi em Rt 2:20, 3:1 - 4:17). Para responder questo

    sobre o pecado original, o Esprito Santo cobriu com a sua sombra a Maria (Lc 1:35),

    prevenindo que qualquer natureza pecaminosa fosse transmitida.

    3 Velho Testamento

    a) Gn 3:15: E porei inimizade entre ti e a mulher e entre a tua semente e a sua

    semente, esta te ferir a cabea, e tu lhe ferirs o calcanhar. (ARA)

    Muitos tem interpretado a semente neste verso como o Messias, inclusive os

    Targuns Judeus16

    , da a expresso talmdica calcanhar do Messias17

    . Os escritores

    da Igreja primitiva denominaram-no protevangelion, ou primeira meno do

    Evangelho na Bblia. Este versculo faz aluso concepo virginal, visto que o

    Messias chamado de semente da mulher, contrariamente prtica bblica normal de

    informar o pai ao invs da me de uma criana (cf. Gn captulos 5 e 11, 1Cr captulos

    1-9). O pronome h (ele esmagar a tua cabea (NVI), este te ferir a cabea

    (ARA)) pode ser traduzido como ele, este ou eles18

    . Um pronome feminino

    (ela) teria as consoantes h. A Septuaginta19

    (LXX) traduziu o pronome h como

    (autos), apesar de o antecedente (spermatos) ser gramaticalmente

    neutro18

    . Isto sugere que os tradutores da Septuaginta tinham um entendimento

    messinico da passagem. A Vulgata Latina traduz erroneamente h como ipsa

    (ela), o que seguindo pela traduo catlica rom