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16 Curso de Graduação em Administração a Distância A concorrência entre partidos políticos Uma visão alternativa do processo po- lítico é a da concorrência entre partidos polí- ticos, desenvolvida a partir do trabalho dos economistas Joseph A. Schumpeter, que es- creveu um capítulo de seu livro Capitalismo, socialismo e democracia, de 1942, com as linhas gerais da teoria, e Anthony Downs, que escreveu uma tese doutoral sobre o tema e a publicou em 1957 com o título Uma teoria econômica da democracia, tornando-se um livro fundamental sobre o assunto. Ambos vi- ram o processo político pelas lentes da teoria econômica, inspirados no processo concorrencial dos mercados de bens e serviços. Segundo essa teoria da democracia, a sociedade é composta por indivíduos, e esses podem ser classificados em três tipos básicos: cidadãos, políticos e burocratas. Assim, os cidadãos financiam os serviços fornecidos pelo setor pú- blico e têm preferências definidas em relação à estrutura dos gastos públicos; os políticos, agindo em nome dos cidadãos, tomam as deci- sões sobre os serviços públicos; e os burocratas são os que executam as decisões dos políticos. Cidadãos Os cidadãos têm várias formas de manifestarem suas preferên- cias. O sonho dos políticos é conseguir que os cidadãos deem apoio incondicional ao governo, algumas vezes cegamente, como buscam os governos autoritários e líderes carismáticos eventuais em democra- cias, mas outras vezes um apoio consciente. Essa lealdade do cidadão Para saber mais Para saber mais Para saber mais Para saber mais Para saber mais *Joseph Alois Schumpeter (1883 – 1950) – economista austríaco que chegou a Ministro das Finanças de seu país. Lecionou nas universida- des de Bonn e de Harvard. Em seus estudos so- bre a formação dos ciclos econômicos enfatiza as inovações tecnológicas introduzidas por em- preendedores. Fonte: Sandroni (1999). *Anthony Downs – é economista e estudioso das áreas de política pública e administração pública. A premissa de Downs é a de que políti- cos e eleitores agem racionalmente. As motiva- ções dos políticos são desejos pessoais, tais como renda, prestígio e poder, obtidos via os cargos que ocupam. Fonte: <www.anthonydowns.com/ bio.htm>. Acesso em 6 abr. 2009.

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Curso de Graduação em Administração a Distância

A concorrência entre partidos políticos

Uma visão alternativa do processo po-

lítico é a da concorrência entre partidos polí-

ticos, desenvolvida a partir do trabalho dos

economistas Joseph A. Schumpeter, que es-

creveu um capítulo de seu livro Capitalismo,

socialismo e democracia, de 1942, com as

linhas gerais da teoria, e Anthony Downs, que

escreveu uma tese doutoral sobre o tema e a

publicou em 1957 com o título Uma teoria

econômica da democracia, tornando-se um

livro fundamental sobre o assunto. Ambos vi-

ram o processo político pelas lentes da teoria

econômica, inspirados no processo

concorrencial dos mercados de bens e serviços.

Segundo essa teoria da democracia, a

sociedade é composta por indivíduos, e esses podem ser classificados

em três tipos básicos: cidadãos, políticos e burocratas. Assim,

os cidadãos financiam os serviços fornecidos pelo setor pú-blico e têm preferências definidas em relação à estrutura dosgastos públicos;

os políticos, agindo em nome dos cidadãos, tomam as deci-sões sobre os serviços públicos; e

os burocratas são os que executam as decisões dos políticos.

Cidadãos

Os cidadãos têm várias formas de manifestarem suas preferên-

cias. O sonho dos políticos é conseguir que os cidadãos deem apoio

incondicional ao governo, algumas vezes cegamente, como buscam

os governos autoritários e líderes carismáticos eventuais em democra-

cias, mas outras vezes um apoio consciente. Essa lealdade do cidadão

Para saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber mais*Joseph Alois Schumpeter (1883 – 1950) –

economista austríaco que chegou a Ministro das

Finanças de seu país. Lecionou nas universida-

des de Bonn e de Harvard. Em seus estudos so-

bre a formação dos ciclos econômicos enfatiza

as inovações tecnológicas introduzidas por em-

preendedores. Fonte: Sandroni (1999).

*Anthony Downs – é economista e estudioso

das áreas de política pública e administração

pública. A premissa de Downs é a de que políti-

cos e eleitores agem racionalmente. As motiva-

ções dos políticos são desejos pessoais, tais como

renda, prestígio e poder, obtidos via os cargos

que ocupam. Fonte: <www.anthonydowns.com/

bio.htm>. Acesso em 6 abr. 2009.

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ao governo pode, desse modo, ter muitos graus. Com um pouco de

boa vontade, é possível também ver alguma semelhança com os con-

ceitos gramscianos de ideologia e de hegemonia. Veja a famosa frase

do presidente americano John F. Kennedy: “Não pergunte o que seu

país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu

país”. Uma versão empresarial é: “Vista a camisa da empresa”. Você

pode pensar em diferentes interpretações para essas frases, mas uma

delas é a do apoio incondicional.

Numa democracia, os cidadãos são expostos às plataformas po-

líticas dos partidos políticos durante as campanhas eleitorais. As plata-

formas e o perfil ideológico dos partidos políticos facilitam a escolha

dos eleitores e reduzem os custos de busca de informação sobre as

várias decisões que precisam ser tomadas pelo setor público. Por exem-

plo, em vez de cada eleitor buscar informações sobre para quem o

governo deve transferir renda nos programas sociais ou onde cons-

truir estradas em regiões distantes da sua, ele apenas presta atenção

nas proposições incluídas nas plataformas, conforme expressas pelos

candidatos aos cargos públicos, e nas realizações efetivas dos partidos

quando estão no poder. Mesmo aí, os custos de informação são altos e

o eleitor tende a esquecer o que ocorreu no passado, lembrando ape-

nas os fatos recentes.

A manifestação dessas preferências pode ocorrer de diferentes

formas. A mais frequente delas é pelo voto, mas é possível ter uma

participação mais direta via manifestações públicas ou engajamento

num partido, dedicando parte do tempo livre para isso, ou seja, a pes-

soa participa com o próprio trabalho. Outra participação mais direta é

a doação de recursos, financeiros ou materiais, a candidatos e parti-

dos. O lobby*, que pode ser direto, com trabalho próprio, ou via a

contratação de pessoas especializadas nessa atividade, é um tipo de

participação em busca de interesses específicos, tanto pessoais como

institucionais, em favor de empresas privadas, de corporações profis-

sionais ou de grupos religiosos. Em todos esses casos, os cidadãos

aceitam a sociedade como ela é com suas instituições. Quando as pes-

soas não aceitam as regras de funcionamento da sociedade, elas têm

GLOSSÁRIO*Lobby – atividadeque visa influenciaratividades e deci-sões das autoridadespúblicas dos Pode-res Executivo,Legislativo ou Judi-ciário, mediante ar-gumentos, persua-são ou coação, demodo que as deci-sões favoreçam osinteresses de deter-minado grupo eco-nômico ou organi-zação. Fonte:Lacombe (2004).

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Curso de Graduação em Administração a Distância

duas opções: a revolta ou a emigração. A emigração desse tipo é mais

adequadamente descrita como exílio voluntário.

Políticos

Os políticos são vistos, na teoria da concorrência entre partidos,

como profissionais que oferecem serviços de decisão sobre serviços

públicos, tendo como motivação a maximização de sua própria renda

real. Mas a renda real é vista de uma forma diferente da usual, que

considera o poder de compra dos rendimentos que a pessoa recebe.

Esse termo é usado para os políticos talvez por falta de um mais ade-

quado. Um componente dessa renda real é a remuneração que os car-

gos políticos podem proporcionar. Muitas vezes um nível educacional

formal relativamente baixo pode ser compensado pela habilidade de

atrair votos, gerando para o profissional uma renda monetária muito

acima do que conseguiria em empregos regulares. O mesmo argumen-

to pode ser feito em relação a habilidades para a atividade empresari-

al, que podem ser exercidas independentemente da educação formal,

embora a combinação da educação com a habilidade empresarial seja

bastante útil.

Para políticos que desenvolvem atividades econômicas parale-

las, pessoalmente ou com ajuda de familiares e amigos próximos, muitas

vezes o exercício da política dá acesso a informações sobre a máquina

pública e sobre novas leis ainda em fase de negociação fora do

Legislativo, que revertem em vantagens comerciais para o grupo, nem

sempre consideradas moralmente inaceitáveis ou proibidas por lei.

Além disso, há outros componentes nessa renda real, aos quais

os economistas costumam associar equivalentes monetários mais como

uma simplificação da análise. O exercício de cargos políticos também

gera satisfação pelo fato de a pessoa estar em posição de comando,

algo que qualquer pessoa em cargos administrativos também pode sen-

tir. No entanto, esses cargos têm seu lado negativo, pois envolvem a

solução de muitos conflitos entre pessoas e a obrigação de emitir or-

dens que envolvem, muitas vezes, consequências desagradáveis para

outras pessoas. Mas as disputas pelos cargos mostram que o resultado

líquido deve ser positivo na maioria dos casos, mesmo que essas dis-

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Módulo 8

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putas não ocorram apenas pela satisfação envolvida. Há ainda o as-

pecto psicológico de os políticos serem, em muitos cargos, o centro

das atenções e até de respeito e consideração. Na vida privada, muitas

das festas e ritos de passagem são formas de as pessoas serem o centro

das atenções por algumas horas. No caso de muitos políticos, os ga-

nhos psicológicos pessoais do exercício do poder chegam a ser imen-

sos. Além disso, tal atenção é acompanhada de benefícios que só pes-

soas muito ricas podem ter.

Um político, no entanto, não pode se lançar como candidato com

uma plataforma em que declare tal busca de renda real. De fato, há

uma cultura entranhada nas religiões e nos valores herdados de épo-

cas em que os políticos não eram remunerados e, na verdade, nem

eram escolhidos popularmente. Predomina a ideia de que a represen-

tação pública é feita pela busca desinteressada do bem comum. É a

ideia do político idealista, que salvaria a sociedade dos males de cau-

sas diversas e da incompetência dos políticos do momento. Note que

isso é diferente de existirem políticos guiados, por princípios éticos

rígidos e por valores partidários. Por conta disso, os políticos procu-

ram disfarçar ao máximo os interesses próprios ou dos grupos de inte-

resse que os apoiam, normalmente com recursos financeiros para cus-

tear campanhas eleitorais. Mesmo em regimes políticos não-democrá-

ticos, há a necessidade de os ditadores passarem a imagem do desinte-

resse pessoal. Essa necessidade de buscar o bem comum faz com que

os interesses específicos, pessoais ou de grupos, sejam disfarçadamente

apresentados como benefícios à sociedade como um todo. Nesse sen-

tido, essa teoria tem isso em comum com a ideia da legitimidade vista

anteriormente na teoria gramsciana.

Os políticos tendem a ser generalistas, por conta do grande nú-

mero de questões discutidas nos órgãos legislativos. Exatamente esse

fato de terem que entender de tudo é que lhes dá uma imagem de que

não entendem de nada, em comparação com todos os tipos de especi-

alistas presentes na sociedade, principalmente aqueles com educação

formal. Esse generalismo é que permite, muitas vezes, que um médico

que tenha exercido vários cargos de representação política possa se

tornar um competente Ministro da Fazenda, cargo que muitas pessoas

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Curso de Graduação em Administração a Distância

talvez imaginassem que apenas economistas estivessem aptos a exer-

cer. Por outro lado, o fato de se informarem e entenderem de muitas

questões, além de procurarem ser assessorados por especialistas em

temas mais complexos, faz com que os políticos diminuam os custos

de busca de informação para os eleitores. Em vez de gastar muito tem-

po para se informar sobre todos os temas que são de interesse coletivo,

o cidadão apenas escolhe seus representantes em função de suas posi-

ções sobre as questões que o próprio eleitor considera importante. Os

detalhes na hora das decisões ficam por conta desses representantes.

Partidos

Os políticos se agrupam em partidos, que equivalem a empre-

sas privadas do ponto de vista de venda de serviços, embora as regras

de pertencimento possam ser menos rígidas nos partidos políticos. Uma

plataforma política de um partido reflete sua ideologia e resulta em

pacotes de políticas governamentais. Por sua vez, a ideologia partidá-

ria equivale às marcas das empresas privadas. A composição comple-

xa das plataformas equivale à venda casada em que a empresa

condiciona a venda de um produto à compra de outro. Um exemplo

seria o eleitor que deseja um viaduto no seu bairro e, ao votar num

candidato que o promete, pode ter que ajudar no pagamento de servi-

ços de um novo posto de saúde em outra parte da cidade. Esse exem-

plo ilustra o outro lado da moeda: junto com as promessas de benefíci-

os via gastos públicos, há a conta de impostos. Os eleitores têm cons-

ciência disso, embora saibam que o efeito individual é pequeno, pelo

menos quando se trata de acréscimos de impostos em cima de uma

conta já grande.

Uma vez no poder, o partido e os respectivos políticos têm o

monopólio da representação durante o mandato. Isso significa que

podem agir de forma independente dos interesses do eleitor. Esse mo-

nopólio só será contestado ao final do mandato e ele pode ter duração

fixa, em democracias como a brasileira, ou variável, como no regime

parlamentarista. O equivalente ao término de um mandato em regimes

autoritários é a derrubada do grupo que está no poder por um grupo

rival. Nesses casos, dependendo da legitimidade desse exercício de

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Módulo 8

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Você pode comparar a

presente discussão sobre

burocracia com a

apresentação vista na

disciplina de Sociologia.

poder, o mandato pode ter longa duração até que seja contestado. Como

nos casos de duopólio* ou oligopólio*, a concorrência desses grupos

pode envolver conflitos. Entre as empresas ocorrem guerras de pre-

ços. Entre os grupos rivais que buscam o poder autoritário, monopolista,

em geral, há conflitos armados.

As vantagens do poder, monetárias ou não, são distribuídas, em

geral, via coordenação dos partidos. Daí a usual distribuição dos car-

gos de confiança em base política. Contudo, num ambiente de concor-

rência política bem azeitada, essas vantagens tendem a diminuir, pois

o exagero em seu uso pode ser utilizado pelos partidos de oposição

como elementos de suas plataformas, na forma de críticas aos partidos

da situação. Ao mesmo tempo, é exatamente esse processo competiti-

vo que permite um melhor ajuste das ações político-partidárias às pre-

ferências dos eleitores. Quanto melhor for esse ajuste, mais próximo

do atendimento do bem-comum estará o processo político, agora defi-

nido de baixo para cima.

A ideia de a competição entre empresas reduzir os lucros muito

altos é essencial em teoria econômica de mercados com alto grau de

competição. Assim como as empresas não gostam de competição, os

partidos políticos também criticam o grande número de partidos. Daí a

criação de leis que restringem esse número. No Brasil, houve o estí-

mulo ao surgimento de muitos partidos por conta de regras para o uso

do tempo obrigatório na televisão e do acesso a fundos públicos para

esses partidos. Por um lado, isso é saudável, pois aumenta a competi-

ção política, mas, por outro, torna ineficiente o debate na televisão e

até o funcionamento do Poder Legislativo.

Burocratas

Os burocratas, normalmente chamados de funcionários públi-

cos, tocam a máquina governamental. Burocracia é uma estrutura de

funções, em geral hierarquizadas, com rotinas pré-determinadas de

serviços em que as pessoas são substituíveis. Como invenção, prece-

deu a técnica de peças intercambiáveis da indústria, tendo aparecido

na Antiguidade. É também a forma como as empresas são organiza-

das, sendo os burocratas privados chamados de empregados ou funci-

GLOSSÁRIO*Duopólio – situa-ção de mercado ca-racterizada pelaexistência de apenasdois vendedores dedeterminada merca-doria ou serviço.Fonte: Sandroni(1999).

*Oligopólio – tipode estrutura de mer-cado, nas economi-as capitalistas, emque poucas empre-sas detêm o contro-le da maior parcelado mercado. Fonte:Sandroni (1999).

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Curso de Graduação em Administração a Distância

onários. Técnicas administrativas de motivação levam a designações

alternativas para esses burocratas, como a de colaborador, tendo caído

de moda a de recursos humanos.

Talvez por críticas a casos de ineficiência administrativa no se-

tor público e pelo poder discricionário que os burocratas possuem so-

bre os cidadãos em Estados autoritários, há uma imagem negativa as-

sociada ao termo burocrata, surgida ao longo do Século XX. Nós

mantemos o termo burocrata aqui por ter um sentido neutro na teoria

econômica que agora discutimos. Por exemplo, nesse sentido, profes-

sores universitários, são também burocratas. Podem sentir orgulho de

saber que as estruturas burocráticas foram invenções que viabilizaram

o crescente grau de complexidade das sociedades e civilizações desde

a Antiguidade. Em nossa época, ocorre apenas o aperfeiçoamento des-

sas estruturas organizacionais. O próprio curso que você faz neste

momento é parte do treinamento de pessoas que poderão substituir

outras.

Em termos de objetivos pessoais, o burocrata maximiza sua ren-

da real, que é composta pela remuneração em termos monetários, pe-

las condições de trabalho e, eventualmente, pelo exercício do poder,

quando em cargos de direção. Certos cargos públicos dão um bom

conhecimento da máquina governamental, e isso possibilita o exercí-

cio de funções em empresas privadas. Essa possibilidade de salários

maiores posteriormente é também parte da renda real ao longo da car-

reira desses funcionários, algumas vezes com salários abaixo do mer-

cado para funções equivalentes. Mas para evitar vantagens considera-

das indevidas a essas organizações, a passagem do funcionário público

ao setor privado é frequentemente cercada de restrições, como é o caso

de períodos de quarentena administrativa para altos funcionários do Ban-

co Central.

Como vimos, o poder de burocratas em cargos de direção de-

pende, em essência, do tamanho do birô*, definido pelo tamanho de

suas dotações orçamentárias anuais, dos ativos imobilizados que dis-

põe e do número de funcionários que controla. Esses cargos são nor-

malmente preenchidos por critérios políticos, exatamente pelas

consequências políticas que têm. Mas o número desses cargos varia

GLOSSÁRIO*Birô ou Bureau –lugar onde se reali-za um trabalho inte-lectual; escritório;gabinete. Fonte:Houaiss (2001).

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Módulo 8

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de país a país e, aparentemente, depende

do grau de maturidade dos regimes demo-

cráticos. A própria concorrência política e

a frequente alternância de partidos no po-

der motiva a diminuição do número des-

ses cargos no longo prazo, como forma de

diminuir as vantagens eleitorais do parti-

do de situação.

Um tipo especial de burocrata é o

tecnoburocrata. É um funcionário especi-

alizado que, em geral, dirige importantes

birôs. Comumente, tecnoburacratas são

identificados com os economistas e enge-

nheiros brasileiros que tiveram grande

importância entre os anos 1950 e 1970.

Ajudaram a criar o sistema financeiro bra-

sileiro e as grandes empresas estatais, além

de todo o sistema de planejamento gover-

namental. Entre os exemplos mais conhe-

cidos estão Roberto Campos, Celso Fur-

tado e Ignácio Rangel.

Poderes e níveis de governo

Portanto, a questão fundamental que

essa visão do processo político, baseada

na concorrência entre partidos políticos, procura responder é como os

interesses dos cidadãos são em última análise atendidos. Nas demo-

cracias, os políticos precisam concorrer entre si para conseguir que os

cidadãos digam sim a suas plataformas e ideologias. A ligação entre

os políticos e os burocratas tende a ser de forma hierárquica dentro de

cada poder. Mas a divisão em poderes – Legislativo, Executivo e Judi-

ciário – é uma forma de dividir trabalho na burocracia governamental

e, ao mesmo tempo, de diminuir a concentração do poder político. A

divisão em níveis de governo também pode ser vista como uma

desconcentração de poder e de busca de maior competição entre os

Para saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber mais*Roberto de Oliveira Campos (1917-2001) –

diplomata; assumiu a Presidência do Banco Na-

cional do Desenvolvimento Econômico (BNDE)

de 1958-1959; foi embaixador brasileiro nos

EUA de 1961-1964; Ministro de Planejamento

de 1964-1967. Fonte: <www.cpdoc.fgv.br/

dhbb/Verbetes_HTM/1023_1.asp>. Acesso

em: 6 abr. 2009.

*Celso Furtado (1920 - 2004) – economista

brasileiro, primeiro superintendente e idealizador

da Superintendência do Desenvolvimento do

Nordeste (Sudene) e Ministro do Planejamento

no governo de João Goulart (1961-1964). Foi

também um dos diretores do BNDE (1953). Em

1957, publicou Formação Econômica do Brasil,

seu livro mais conhecido. Fonte: Sandroni

(1999).

*Ignácio de Moura Rangel (1914-1994) –

formado em direito, mas reconhecido como eco-

nomista, ingressou no serviço público federal em

1952, na assessoria do presidente Getúlio

Vargas, e integrou o Conselho Nacional do Pe-

tróleo, aposentando-se em 1975 pelo Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico. Fon-

te: Sandroni (1999).

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Curso de Graduação em Administração a Distância

políticos. Os grupos de interesse também concorrem entre si tanto em

democracias como em regimes autoritários.

Nos regimes autoritários, a concorrência pode passar por longos

períodos de estabilidade, enquanto o monopólio é mantido, mas a con-

testação do poder por novos concorrentes pode gerar instabilidade até

que novo grupo consiga se legitimar. Mas isso, como nos mercados,

também é competição. Assim, a resposta de como os interesses dos

cidadãos são atendidos, embora com desvios eventuais, é pela compe-

tição política, de forma parecida com o que ocorre entre empresas.

Saiba mais...

O texto original de Schumpeter inicialmente critica a visãoclássica de ciência política em que se pressupõe que os políticosbuscam o bem comum. Traduzida popularmente, é aquela visão deque é necessário um líder eticamente puro e carismático para resol-ver todos os problemas da sociedade. Você pode conferir como opróprio autor discutiu isso principalmente nos Capítulos 21 e 22 de:SCHUMPETER, Josef A. Capitalismo, socialismo e democracia.Rio de Janeiro: Zahar, 1982.

Você encontra uma exposição didática da visão schumpeterianada concorrência entre partidos, com ênfase nos tipos de agenteseconômicos – cidadãos, políticos, burocratas e tecnoburocratas –no Capítulo 4 de:FILELLINI, Alfredo. Economia do setor público. São Paulo:Atlas, 1989.

Para uma exposição breve sobre o papel da competição políticano combate à corrupção, veja:SANSON, João R. O fiscal do fiscal e o combate à corrupção.Atualidade Econômica, ano 20, n. 53, p. 7-11, ago./dez. 2008.Disponível em: <www.cse.ufsc.br/gecon/boletim.htm>. Acesso em:

30 out. 2008.

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RESUMO

Nesta Unidade, você estudou duas teorias de Estado.

A teoria gramsciana enfatiza a hegemonia de frações de clas-

ses sociais, mantida por uma visão de mundo, a ideologia, acei-

ta pelas classes dominadas. Esse domínio está sujeito a contes-

tações por parte de outras frações de classe que apresentam ide-

ologias alternativas, divulgadas por seus intelectuais orgânicos.

No longo prazo, com a eventual crise da classe hegemônica,

ocorre uma alternância de poder. Por sua vez, a teoria da con-

corrência entre partidos explica o funcionamento do Estado

a partir de comportamentos individuais. Num ambiente de alta

concorrência entre os políticos, organizados em partidos políti-

cos, as preferências dos eleitores são atendidas via decisões dos

políticos e das ações de funcionários públicos, como parte da

estrutura burocrática estatal. Há, porém, fatores que restringem

a velocidade de ajuste a mudanças nessas preferências, como o

poder que os políticos têm de agirem independentemente dos

interesses de seus eleitores quando se preocupam apenas com o

curto prazo de um mandato, como o fato de os eleitores terem

memória curta em relação aos atos dos políticos e como o fato

de grupos de políticos conseguirem poder de monopólio ou algo

bastante próximo disso, o que é típico de governos autoritários.

Em comparação com a teoria gramsciana, a teoria da con-

corrência entre partidos preocupa-se mais com a explicação da

dinâmica das democracias e, mais recentemente, com a

alternância de poder pela força, como no caso de golpes de es-

tado e ditaduras mais duradouras. Em contraste, a teoria

gramsciana preocupa-se com a permanência no comando su-

premo de uma sociedade por grupos específicos, olhando para

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Curso de Graduação em Administração a Distância

várias décadas à frente. Mas as duas teorias têm em comum as

ideias da possível alternância no poder e de como o atendimen-

to das necessidades públicas e da legitimidade dos governantes

é mais efetivo com essa alternância.

Atividades de aprendizagem

Confira se você teve bom entendimento do que tratamosnesta Unidade respondendo às questões conforme os con-ceitos estudados. Para respondê-las, você deve revisar ostextos correspondentes ao assunto até ter compreendidoo que perguntamos. Você pode reler os textos quantasvezes forem necessárias para ter certeza de que entendeuo assunto. Quanto à extensão da resposta, o ideal é queseja breve, mais ou menos entre cinco e dez linhas detexto, escrita com suas próprias palavras. Você conseguiráuma redação própria mais facilmente se tiver atingido oobjetivo proposto na Unidade. Caso não se lembre, releiatambém o objetivo.

Então, bom trabalho!

Se precisar de auxílio, não deixe de fazer contato com seututor pelo Ambiente Virtual de Ensino-Aprendizagem. Eleestá à sua disposição para auxiliá-lo.

1. Qual é o papel da ideologia na hegemonia de um grupo sobre asociedade civil?

2. Caracterize o conceito de hegemonia, relacionando-o à crisehegemônica e à revolução passiva.

3. Novas ideologias são usadas como instrumento de contestaçãoao grupo hegemônico. Como os conceitos de intelectual orgânico ede guerra de posição se encaixam nesse processo?

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4. (Falso ou verdadeiro? Justifique.) Na teoria política inspirada naconcorrência entre empresas,

a) os cidadãos escolhem combinações de bens e serviços pú-blicos por meio de plataformas de partidos políticos;

b) os burocratas são generalistas que tomam as decisões sobreas múltiplas questões que aparecem nas plataformas políti-cas; e

c) plataformas políticas são um meio de reduzir custos de in-formação na hora de escolher entre diferentes combinaçõesde bens e serviços públicos.

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O tamanho do setor públicoO tamanho do setor público

UNIDADE

2

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Curso de Graduação em Administração a Distância

Objetivo

Nesta Unidade, você estudará a divisão de tarefas entre o setor público

e o setor privado. Ao final dela, você deverá ser capaz de: distinguir

entre diferentes tipos de bens, classificados de acordo com a forma

como são consumidos; identificar porque é muito caro cobrar por alguns

tipos de benefícios ou conseguir indenização por sacrifícios sofridos; e

analisar o tamanho do Estado em termos de quanto da renda total é

apropriado via tributos.

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Módulo 8

31

A fronteira entre os setores

público e privado

Caro estudante!

A questão do tamanho do setor público envolve umaclassificação dos tipos de bens. Nesta seção, você verá,inicialmente, como classificar os bens e como isso ajuda aentender o conceito de externalidade. Nas seções seguin-tes, nossa preocupação é com os tipos de atividades dosetor público. O Estado pode produzir bens e serviçosdiretamente e pode fazer parcerias com o setor privado.Além da atividade produtiva direta, que mais o Estado faz?Na verdade, regulamenta atividades privadas, estabiliza onível de atividade e, consequentemente, o emprego e, maisimportante, redistribui renda. Nas seções finais destaUnidade, nossa preocupação será com o tamanho relativodo setor público. O Estado moderno depende muitopouco de atividades produtivas próprias como fonte derenda, pois, em geral, essas atividades requerem novosinvestimentos públicos, sendo assim uma fonte adicionalde despesas públicas. Na verdade, para suas várias ativida-des, o Estado tributa os cidadãos, como você já estudou naUnidade anterior. Assim, é possível perguntar qual é essenível de tributação em comparação com o produto do país.

Bons estudos!

Tudo era setor público em algumas sociedades bastante anti-

gas, como no Império Inca, e também nos experimentos socialis-

tas do Século XX. As decisões eram totalmente centralizadas e

tomadas por um corpo de funcionários públicos, tornando a socie-

dade uma grande fazenda, como no Império Inca, ou uma grande

fábrica, como no experimento soviético. Historicamente, ocorreu

a gradual descentralização* das decisões de produção e de distri-

Veja a indicação de

leitura sobre a socieda-

de inca no Saiba mais

desta seção.

GLOSSÁRIO*Descentralização –processo de descen-tralizar. Descen-tralização significaque a maioria dasdecisões relativas aotrabalho que estásendo executado étomada pelos que oexecutam, ou comsua participação.Fonte: Lacombe(2004).

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Curso de Graduação em Administração a Distância

buição de bens com a ajuda de mercados institucionalizados desde

milhares de anos atrás.

Mas como podemos explicar essa descentralização?

Por que nem toda a produção de bens e serviços éprivatizável?

Como explicar os casos em que o setor público apenas regu-lamenta a produção privada?

Você verá, inicialmente, a grande diferença, do ponto de vis-

ta econômico, entre degustar um delicioso prato de peixe, por

exemplo, ou de camarões e ostras de Florianópolis, e um bom jogo

de futebol, num dia inspirado da seleção brasileira, visto pelo si-

nal da TV aberta. Pela caracterização de diferentes tipos de bens e

serviços, você entenderá porque há uma divisão de trabalho entre

o setor público e o setor privado. Em seguida, terá um rápido in-

ventário dos tipos de atividades estatais e, ao final, de como se

mede e explica a evolução do tamanho do setor público.

Para essa discussão, classificamos bens e serviços com base

em duas características: a rivalidade no consumo e a exclusão de

consumo. A característica da rivalidade tem um sentido físico, de

ocupação de espaço. Um bem ou serviço consumido por uma pes-

soa é rival no sentido de que apenas ela pode fazer isso, pois no

momento em que o consumo ocorre não há possibilidade de outra

pessoa fazê-lo ao mesmo tempo. Exemplos de bens ou serviços

com rivalidade: um delicioso prato de carne de sol, uma cerveja

bem gelada, uma porção de água fresca ou um bom atendimento

médico. Várias pessoas, às vezes, consomem juntas um prato de

camarões, acompanhado de cerveja, mas as porções servidas a cada

pessoa são consumidas apenas por elas. Veja, em contraste, alguns

exemplos de serviços não-rivais: defesa nacional ou sinais da TV

aberta. No caso de não-rivalidade, muitas pessoas se beneficiam

simultaneamente do serviço. Essa classificação de bens e serviços

segundo a rivalidade no consumo só admite duas opções: rival e

não-rival.

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Módulo 8

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Bens ou serviços não-rivais têm uma dimensão espacial, que pode

torná-los locais. Um primeiro exemplo é a iluminação pública, em que

o alcance do serviço tem uma área limitada pela potência das lâmpa-

das. É apenas naquele perímetro que várias pessoas podem se benefi-

ciar do serviço simultaneamente. Isso vale também para a proteção

contra certas doenças via obras de saneamento.

A característica da exclusão de consumo ocorre quando é

possível impedir que alguém possa consumir um determinado bem

ou serviço. Contudo, essa exclusão pode ser difícil e cara, crian-

do, assim, diferentes graus de exclusão possíveis. Do ponto de

vista dos custos, há muitas formas de exclusão. Uma forma

institucional, que envolve convenções sociais, é a do reconheci-

mento de direitos de propriedade. A propriedade pode ser privada

ou coletiva. A propriedade coletiva envolve exclusão de quem não

pertence àquele grupo social. Aliás, isso está implícito na defesa

de territórios, pelas forças armadas.

Já a propriedade privada envolve a exclusão de consumo

dentro da própria sociedade. Assim, se você possui um livro e as

demais pessoas reconhecem sua propriedade sobre ele, você pode

impedir outras pessoas de o lerem. É por isso que você diz a seu

amigo que poderá lhe emprestar o livro quando você não o estiver

necessitando. Você também pode emprestar algum tipo de alimen-

to com a expectativa de que terá de volta algo equivalente mais

tarde. Se a devolução ocorrer, isso implica o reconhecimento de

seu direito de propriedade sobre o alimento emprestado. Contudo,

quando se trata de amigos, é mais realístico considerar isso como

doação. Ele até reconhece seu direito de propriedade, mas a clás-

sica resposta do “devo, não nego, mas pago quando puder” pode

tornar inútil esse direito.

Os diferentes graus de exclusão dependem da tecnologia uti-

lizada e dos correspondentes custos. Por exemplo, excluir as pes-

soas de assistirem a um jogo de futebol envolve os altos custos de

construção de um estádio. O conforto dado às pessoas, que nem

sempre é a contento, vem acompanhado da exclusão dos não-

pagantes. Não incluímos aqui as entradas conseguidas gratuita-

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Curso de Graduação em Administração a Distância

Na verdade, o que

viabiliza uma empresa

de TV aberta é o

serviço de propaganda

para outras empresas.

Quem assiste TV

nessa forma recebe um

pacote de diversões e

propaganda.

mente, que refletem outros fatores de conveniência dos clubes e

donos de estádios. São exemplos de exclusão de baixo custo: co-

midas de restaurantes, alimentos vendidos em feiras, remédios ou

serviços médicos. Como exemplos de exclusão cara, podemos ci-

tar: peixes num grande lago, espaço de estacionamento em áreas

centrais de cidades ou espaço para os veículos rodarem numa es-

trada. Os sinais da TV aberta são um exemplo em que se desiste

da exclusão, embora TV a cabo e por satélite sejam exemplos de

exclusão possível para um serviço não-rival, apesar dos altos cus-

tos. Se alguém contratar os serviços de uma empresa privada para

obras de saneamento na área de sua residência terá muitas dificul-

dades em excluir os vizinhos desses benefícios. Logo, a classifi-

cação dos bens pela possibilidade da exclusão de consumo envol-

ve um número muito grande de tipos de bens possíveis.

Combinando as duas formas de classificação de bens e ser-

viços, ou seja, segundo a rivalidade ou a exclusão, podemos defi-

nir vários tipos de bens. Num extremo da dupla classificação, se o

bem é não-rival no consumo e se a exclusão é muito cara, então

ele é chamado de bem público. Note que nessa definição não di-

zemos que o bem tem que ser produzido pelo setor público para

ser caracterizado como bem público. Por exemplo, em regiões de

fronteira, onde os serviços de segurança pública ainda não chega-

ram ou são ineficazes, as pessoas podem formar uma brigada de

voluntários ou até de vigias particulares para se protegerem de la-

drões de gado. Todos os agricultores e criadores de gado da área

são protegidos simultaneamente. Isso também ocorre quando as

pessoas pagam pelo serviço de vigias numa determinada rua. Em

algumas regiões do Brasil, as pessoas fazem trabalho comunitário

para a limpeza de riachos e de valetas de escoamento de água e

esgoto, com benefício simultâneo para toda a localidade. A princi-

pal consequência para os que não colaboram é, às vezes, serem

alvo de um tratamento frio e do desprezo dado aos indivíduos que

tiram proveito excessivo de seus pares.

No outro extremo, se o bem envolve rivalidade e a exclusão é

de baixo custo, então ele é um bem privado. Esse é o caso, por exem-

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plo, da carne de sol e da cerveja. A linguagem da mídia tende a definir

bens privados como aqueles com provisão de mercado e bens públi-

cos como aqueles de provisão pública. Em geral, isso reflete um estu-

do apressado desses conceitos, mas é possível que a influência da mídia

seja maior do que a da academia no longo prazo.

Um caso intermediário ocorre quando o bem é rival, mas a

exclusão é cara. Esse é o caso dos bens de uso comum. Um exem-

plo bastante relevante para nossa época é a camada de ozônio e a

atmosfera como um todo. Quando alguém emite gases que destro-

em uma parte da camada de ozônio, consome aquela parte da mes-

ma. Como é difícil definir quem é o dono da camada, quem chegar

primeiro é o dono e a consome ao se livrar de gases poluentes.

Isso é ilustrado mais diretamente por áreas de pesca. Como é difí-

cil definir a propriedade dos oceanos, especialmente as áreas de

mares internacionais, os donos dos grandes peixes ameaçados de

extinção são os que primeiro os capturarem. Contudo, se esses

pescadores não os pescarem, outros podem pescá-los e o sacrifí-

cio de não pescá-los terá sido em vão. O sacrifício é individual,

mas o benefício de deixar os peixes atingirem a idade apropriada

para não os ameaçar de extinção é dividida com todos os pescado-

res. Logo, o sacrifício de deixar para pescar mais tarde é muito

maior do que o beneficio de fazê-lo depois. Porém, há situações

em que a exclusão é viável, seja por acerto comunitário ou inter-

nacionalmente, como nos acordos para a preservação de várias es-

pécies de baleias, seja por regulação estatal, dentro de países ou

mares cercados por poucos países. No caso da pesca, é possível

haver a exclusão quando se definem direitos de propriedade sobre

pequenas lagoas, como no caso do sistema do “pesque e pague”,

mas, então, a pesca deixa de funcionar em regime de recursos de

uso comum para se tornar um bem privado.

Podemos sistematizar essa classificação de bens com ajuda

do Quadro 1. Para a combinação de rivalidade com baixos custos

de exclusão, temos o caso dos bens privados puros. O outro caso

extremo é de bens públicos puros, normalmente mencionados na

literatura de finanças públicas apenas como bens públicos. A vari-

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Curso de Graduação em Administração a Distância

Como explicar a

distribuição gratuita de

remédios pelo setor

público? Arrisque uma

resposta e aguarde até

o próximo parágrafo,

onde chegaremos ao

conceito de

externalidade.

abilidade dos custos de exclusão gera casos mistos, conforme ob-

servamos no Quadro 1 a seguir. Fica fácil também localizar os bens

de uso comum.

Baixo

Níveis intermediários

Alto

Não

Público privatizável

Misto

Público puro

Sim

Privado puro

Misto

Uso comum

Rivalidade

Custo de

exclusão

Quadro 1: Tipos de bens, segundo o custo de exclusão e a rivalidadeFonte: adaptado de Jones (2000, p. 68)

Na explicação da fronteira entre os setores público e privado,

podemos concluir que os Estados poderiam liberar para a atividade

privada aqueles bens em que a exclusão é barata, independente de o

bem ser rival ou não no consumo. Por exemplo, a produção e até a

provisão de remédios são, em geral, atividades do setor privado, dada

a facilidade da exclusão. Já a provisão de serviços de segurança públi-

ca, cuja exclusão é difícil, normalmente fica nas mãos do setor públi-

co, embora a produção possa ocorrer via setor privado. Isso também

ocorre com a infraestrutura de transporte. Por exemplo, o Estado pode

prover esse tipo de infraestrutura, mas a produção é privada, com pa-

gamento pelo Estado, que, na verdade, apenas repassa os tributos.

O entendimento de por que a produção de bens e serviços clara-

mente privados, assim como a de bens rivais de exclusão barata, é

muitas vezes mantida publicamente necessita de mais um conceito

importante, o de externalidades. No caso de bens privados puros, o

preço pago pelos compradores reflete os benefícios proporcionados a

eles por esses bens, enquanto que o mesmo preço, do ponto de vista

dos vendedores, reflete os custos de produção. Mas há casos em que

benefícios ou custos estão envolvidos sem que as instituições permi-

tam a cobrança de tais benefícios ou o ressarcimento de custos. Não

há, portanto, um mercado para tais benefícios ou custos. É uma falha

institucional que impede o acerto entre as partes do negócio sobre o

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Módulo 8

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que é a mercadoria ou de como cobrar adequadamente por ela. Do

ponto de vista institucional, podemos dizer também que é uma falha

do mercado, pois há benefícios ou sacrifícios envolvidos na transação

que não são objetos de pagamento.

Se há custos desconsiderados ou externos a uma transação de

mercado, dizemos que ocorrem externalidades negativas. A produ-

ção será superior à que seria obtida se todos os custos fossem conside-

rados. Um exemplo importante é o de agroindústrias avícolas que po-

luem um rio. Isso afeta o uso do mesmo como fonte de água potável

ou de lazer para a população rio abaixo. Os compradores de frango

nos supermercados pagam um preço inferior ao que pagariam se os

custos de evitar a poluição fossem considerados e, assim, compram mais

do que seria o nível de produção compatível com uma poluição menor.

Um exemplo na área de saúde é o dos cuidados necessários para

diminuir a população de mosquitos transmissores de doenças, como é

o caso da dengue. Muitas pessoas desfrutam do conforto de não traba-

lhar o suficiente para evitar focos da dengue em suas propriedades,

mesmo tendo conhecimento dos mecanismos de propagação da doen-

ça. Calculam que isso não fará muita diferença quanto à probabilidade

de elas mesmas adquirirem a doença. Se muita gente fizer isso, o re-

sultado será a proliferação do vetor da doença.

Outro exemplo da área da saúde é o do consumo de drogas,

incluindo aí o fumo e o álcool, além de narcóticos ilegais. Em princí-

pio, drogas são bens privados. No entanto, seus efeitos psicológicos

ocasionam comportamentos inadequados socialmente, muitas vezes

resultando em violência contra terceiros, como no caso de acidentes

de trânsito, ou em doenças altamente custosas para os usuários e para

pessoas expostas indiretamente a seus efeitos, como é o caso dos

derivados do tabaco. Numa sociedade com acesso universal à saúde,

isso resulta em sobrecarga nas despesas do sistema. A solução para

essas externalidades negativas tem sido a proibição pura e simples

ou a restrição a seu consumo, o que ignora as preferências desses

usuários. Uma solução frequente, que respeita as preferências de

usuários, é a tributação bastante alta das drogas lícitas de forma a

compensar a sociedade por esses custos. Mas nos casos de viciados,

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Curso de Graduação em Administração a Distância

A seguridade social

brasileira está descrita

no Art.194 da Consti-

tuição Federal de

1988.

cuja elasticidade-preço da demanda é extremamente baixa, de modo

a levar a pequena queda de quantidade demandada por conta de gran-

des variações de preços, a tributação tem o efeito indesejado de pio-

rar a situação de pessoas de baixa renda. O efeito indireto é também

um aumento de despesas públicas de saúde.

Como parte da seguridade social no Brasil, que inclui o acesso

universal à saúde, a assistência social e a previdência social, você já

pensou que tipo de externalidade envolve a Previdência Social? A pre-

vidência social envolve um tipo de externalidade diferente. Quando se

é jovem, há incerteza quanto ao nível de renda que se terá na velhice.

O ideal é que todos fizessem um seguro de garantia de renda para essa

fase da vida, independente do que cada um conseguisse durante os

anos de trabalho. O seguro seria apenas uma garantia de que não se

passará necessidades. Contudo, na juventude, os anos da velhice ain-

da estão muito longe e tais rendimentos valem muito pouco no presen-

te. A tendência é que um grande número de pessoas deixe para fazer

tal tipo de seguro muito mais tarde. É por isso que os planos de previ-

dência privada cobram mensalidades bastante baixas de quem entra

nesses planos ainda jovem. Como poucos fazem isso quando jovens,

as mensalidades tendem a ficar muito altas para que a empresa de se-

guros possa cobrir os altos custos de vender o seguro apenas para pes-

soas mais velhas. Isso leva a mensalidades mais altas também para os

jovens que entram cedo no sistema, afastando-os mais ainda.

Essa é uma explicação para o fato de que a estatização desse

tipo de seguro começou cedo na Europa, ao longo do Século XIX.

Junto com a estatização veio a obrigatoriedade de se adquirir o servi-

ço. No setor público, o Estado cobra uma fração dos salários de todos

os que trabalham formalmente, que, no Brasil, são aqueles com regis-

tro na carteira de trabalho, para cobrir as despesas daqueles que já

estão aposentados ou de seus dependentes, na forma de pensões. Sem

o sistema de previdência pública, haveria um número talvez muito alto

de pessoas em situação de necessidade na velhice por conta dessa

externalidade negativa associada à baixa entrada espontânea de jo-

vens trabalhadores no sistema de seguro previdenciário.

Mas há casos em que ocorrem externalidades positivas, por

conta de benefícios que são desconsiderados numa dada transação.

Releia o conceito de

elasticidade-preço em

Carvalho Jr. (2008, p.

30-35).

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Módulo 8

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Esse fenômeno de o

resultado depender do

número de pessoas

que aderem a esse

comportamento é

chamado também de

externalidade em rede,

e tem ajudado a enten-

der a adoção de novas

tecnologias no setor

privado.

Por exemplo, uma empresa privada investe em pesquisa e desenvolvi-

mento de novos produtos (P&D), mas pode ter os resultados copiados

por outras empresas que se beneficiarão sem ter todos os custos. Isso

vale também para a autoria de trabalhos intelectuais. Como as empre-

sas que efetivamente gastam em P&D só contabilizam seus próprios

benefícios, investirão menos em P&D do que se pudessem cobrar por

todos os benefícios gerados para a sociedade.

Outro exemplo é o de um indivíduo que tem hábitos de limpeza

e ordem ao redor da sua residência, embelezando-a com jardins, mas

evitando os criadouros de insetos transmissores de doenças, gerando

desse modo benefícios para os vizinhos. Como ele tem custos ao fazer

isso, só levará em consideração os próprios benefícios, que têm talvez

mais a ver com a própria satisfação de viver num ambiente bem orga-

nizado do que com o combate a epidemias. O resultado é um menor

investimento nesse tipo de atividade do que seria o nível ótimo para a

sociedade. Mas se vários vizinhos tiverem preferências parecidas, pode

ocorrer um efeito em rede, em que quanto mais pessoas fizerem o

mesmo, maiores serão os benefícios para o grupo em termos puramen-

te estéticos. Nesse caso, haveria um efeito adicional de combate à pro-

liferação dos mosquitos.

Esses benefícios ou sacrifícios extras podem envolver os dife-

rentes tipos de bens, segundo a rivalidade e a exclusão. Em geral, os

casos de não-rivalidade e de altos custos de exclusão são mantidos nas

mãos do Estado. Contudo, se os custos de exclusão forem relativa-

mente baixos, a externalidade pode ser solucionada via contratos mer-

cantis. Por exemplo, um produtor de mel de abelha beneficiará

plantadores de frutas das redondezas. Normalmente, esse serviço não

é remunerado e o produtor de mel só leva em conta seus próprios be-

nefícios. Dependendo dos tamanhos dessas atividades, pode ser viá-

vel a alguém se especializar no serviço de polinização, deslocando as

colmeias de acordo com a remuneração recebida de produtos que se

beneficiem de uma polinização mais intensiva.

Há casos em que mesmo se tratando de bens privados, o gover-

no mantém a produção pública dos mesmos. Um exemplo importante

disso foi a produção de aço pelo Brasil via uma empresa estatal, a Cia.

Siderúrgica Nacional. Sua criação durante a Era Vargas para produzir

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Curso de Graduação em Administração a Distância

Você pode repassar

Mendes et al. (2007,

p. 107-118) agora

focando na teoria da

regulação. Note que a

presente discussão de

corte neoclássico seria

considerada pela teoria

da regulação como

apenas um subitem.

e comercializar um bem privado puro, na verdade envolvia

externalidades ligadas à defesa nacional, segundo a avaliação políti-

co-militar durante um período de grandes guerras mundiais. Em de-

corrência disso, o governo federal considerou essencial, à época, que

o controle total da produção fosse público.

Portanto, a fronteira entre os setores público e privado é explicá-

vel, em boa medida, pela existência de bens com possível rivalidade,

diferentes graus de exclusividade e externalidades associadas a bens

que, normalmente, ficariam nas mãos do setor privado. Nesses casos,

dizemos que há falhas nas instituições de mercado, que mantêm ou

levam à produção estatal.

Saiba mais...

A sociedade inca tinha uma economia totalmente centralizada, aponto de nem ter dinheiro como meio de troca, embora fosse sofisti-cada produtora de objetos de ouro e prata. A produção de bens eraadministrada coletivamente nas próprias vilas e com trocas de benstambém coordenadas coletivamente entre elas. O governo centralcuidava principalmente da coordenação político-religiosa, do contro-le militar do império, da tributação e da infraestrutura de transporte.Sobre esse tema, sugiro a leitura do Capítulo 4 de:FREITAS, Luiz C. T. Tahuantinsuyo: o Estado Imperial Inca.Luzcom Multimakers, 1997. Disponível em: <www.luzcom.com.br/inca/livro/html/>. Acesso em: 23 out. 2008.

Atividades econômicas estatais

Há uma área cinzenta na fronteira entre os setores público e pri-

vado. Além das próprias empresas estatais, em que há a divisão do

capital com o setor privado, mas sob controle estatal, há a regulamen-

tação de atividades sob concessão pública e a criação recente das

parcerias público-privadas. Essas parcerias são um arranjo em que

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Módulo 8

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Para saber mais sobre

o Conselho Adminis-

trativo de Defesa

Econômica (CADE),

acesse:

<www.cade.gov.br>.

Para saber mais sobre

o Secretaria de Direito

Econômico (SDE),

acesse:

<www.mj.gov.br/

sde>.

o Estado dá concessões para empresas privadas explorarem certas ati-

vidades, como, por exemplo, a manutenção ou a construção de estra-

das ou hospitais sob supervisão estatal. Se houver cobrança de tarifas

de usuários, quando isso é possível e decidido politicamente, o setor

público pode, eventualmente, cobrir insuficiência de receita. Essa par-

ceria é uma forma de dar ao governo uma maior capacidade de provi-

são de serviços públicos. Alguns serviços públicos, mesmo quando

produzidos pelo setor privado, estão sujeitos a regulamentação espe-

cial, em comparação com as atividades usuais de produção de bens

privados puros. Uma das razões para isso é que a tecnologia de produ-

ção e a natureza do bem ou serviço implicam grande poder de merca-

do para as empresas produtoras. Esse é o caso da produção e distribui-

ção de energia elétrica, do transporte público, dos serviços portuários,

etc. O excesso de poder de mercado, quando não contestável por po-

tenciais concorrentes, leva a preços relativamente altos e produção

relativamente baixa.

A regulamentação de atividades sob concessão pública pode ser

feita de várias maneiras. Uma é pela garantia da concorrência entre as

empresas privadas. Para isso foram criados no Brasil vários órgãos de

defesa da concorrência, como o Conselho Administrativo de Defesa

Econômica (CADE) e a Secretaria de Direito Econômico (SDE). Para

alguns setores, foram criadas as agências reguladoras setoriais. Exem-

plos são a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a Agência Nacional

de Energia Elétrica (ANEEL). Para que atinjam o objetivo de prote-

ção contra pressões das próprias empresas reguladas e de motivações

político-governamentais, essas agências, em geral, têm uma razoável

autonomia de decisão, e seus diretores têm mandatos que não coinci-

dem com os mandatos políticos.

Outra maneira de regular as utilidades públicas é pelo controle

dos preços do setor, na verdade pela definição de reajustes. A ideia é

considerar as variações de custos de produção, o que inclui os bens e

serviços, entre os quais o de mão de obra, utilizados na produção do

serviço. O ideal seria definir preços tais que cobrissem os custos de-

correntes de aumentos de produção, a partir do nível de produção em

que a empresa opera; isso é chamado de cobrança pelo custo margi-

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Curso de Graduação em Administração a Distância

nal. Mas essa forma de cobrança não garante que os custos totais se-

jam cobertos, pois não cobre os custos que a empresa tem, indepen-

dentemente de produzir, podendo, assim, gerar prejuízos. Para evitar

isso, uma forma alternativa é dividir o custo total pelo número de uni-

dades produzidas e definir o preço por esse custo médio. O problema

com essa regulação é que as empresas têm incentivos para relaxar na

eficiência técnica. Outra forma ainda é definir preços tendo uma mar-

gem de lucro sobre o capital que seja aceitável para o setor.

Como você pode ver, há muitas alternativas para a regulaçãode preços em áreas de utilidades públicas em que o Estadoqueira estimular uma maior produção a bons preços para apopulação.

Além da provisão e até da própria produção de bens e serviços,

o Estado também promove redistribuição de renda, cuida da estabi-

lidade de preços e combate grandes flutuações do nível de emprego.

Na realidade, em qualquer ação estatal com cobrança de tributos para

a provisão de serviços públicos é quase impossível ter um alinhamen-

to exato entre o que é cobrado de uma pessoa e o que ela recebe de

benefícios, considerado o pacote completo de benefícios públicos. Mas

o que chama mais atenção do ponto de vista político é a redistribuição

de renda na forma monetária. A redistribuição de renda pode ser tanto

um bem privado, quando as pessoas doam dinheiro diretamente a pes-

soas, especialmente a pessoas de baixo rendimento, quanto um bem

não-rival, quando o governo, com um mandato fundado em platafor-

ma redistributivista*, altera a própria distribuição de renda, entendi-

da em sentido estatístico, diminuindo a porcentagem de pessoas nas

faixas de renda mais baixas à custa da diminuição da renda de pessoas

em faixas mais altas.

Uma forma de redistribuição de renda no Brasil é a inclusão de

pessoas idosas de baixa renda no sistema previdenciário mesmo que

elas nunca tenham contribuído para o sistema. Para que uma pessoa

possa se aposentar no Brasil, ela precisa ter contribuído por um certo

GLOSSÁRIO* P l a t a f o r m aredistributivista oupolítica redistri-butiva – busca asse-gurar o atendimen-to às necessidadesbásicas da maioriados cidadãos de umEstado. Ela se fun-damenta noparadigma adotadopor Robin Hood:“tirar do rico paradar ao pobre”. Fon-te: Sanches (1997).

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número mínimo de anos ao sistema. São essas pessoas que geram a

receita que cobre as despesas com os aposentados e pensionistas. Quan-

do mais beneficiados são incluídos no sistema já como aposentados,

sem contribuição prévia, ocorre um aumento das despesas, que deve-

rão ser cobertas por aumentos das cobranças dos trabalhadores da ati-

va ou por outras fontes tributárias. Esse tipo de inclusão previdenciária

é, na verdade, parte dos programas de redistribuição de renda do país.

Por fim, a busca da estabilidade de preços e do combate ao

desemprego é também uma atividade essencial de governo. Num sis-

tema federal, composto por três níveis de governo, apenas a União

cuida da moeda do país, enquanto os estados e municípios se adaptam

às decisões de nível superior. Como todos os cidadãos são afetados

simultaneamente pela estabilidade da economia, temos aí um caso de

não-rivalidade. Como a exclusão desses benefícios é quase impossí-

vel, temos, na verdade, um bem público puro. O monopólio da União

sobre o controle da moeda evita a multiplicidade de moedas, algo que

a União Europeia eliminou ao adotar uma moeda única, o Euro, para

o comércio entre os países-membros.

Alterações na oferta de moeda do país podem ter implicações

sobre a evolução média dos preços. Por exemplo, quando as empre-

sas produzem em seus limites técnicos de produção e quando o nível

de produção está tão alto que começa a faltar trabalhadores

especializados, há aumentos de preços generalizados, caracterizan-

do um processo inflacionário. Numa situação dessas, uma redução

da oferta de moeda tem como primeiro efeito o aumento de juros,

pois diminui a disponibilidade de recursos para crédito. Juros maio-

res, por sua vez, diminuem o consumo e o investimento, reduzindo,

então, as pressões inflacionárias.

Para que você possa ter melhor compreensão do assunto,nossos próximos passos serão, inicialmente, definir umamedida do tamanho relativo do setor público e depois ex-plicar sua crescente participação na economia ao longo demuitas décadas. Para isso, veremos o conceito de cargatributária e, em seguida, algumas explicações fundamenta-

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Curso de Graduação em Administração a Distância

das na dinâmica da economia que leva à crescente deman-da de serviços públicos.

O Estado produtor

Para a sociedade escolher entre produzir ou não um bem qual-

quer pelo setor público, há dois elementos a considerar. Primeiro,

a teoria dos bens públicos, com base nas características de rivali-

dade e exclusão, é uma explicação pelo lado da demanda e não da

produção ou oferta. É pela demanda que mencionamos a possível

não-rivalidade de certos bens ou serviços e o alto custo de exclu-

são de outros. Juntando tais características em um único bem é

que temos os bens públicos. Isso significa que a decisão sobre pro-

duzir ou não tais bens pelo setor público é explicável por outras

características.

Em geral, como já vimos, isso tem a ver com externalidades.

Há, portanto, uma diferença essencial entre produção e provi-

são. Por exemplo, os serviços de saúde que tenham efeitos gene-

ralizados, como no caso de combate a endemias, poderiam ser pa-

gos pelo Estado, mas sua produção seria feita por empresas priva-

das. A venda direta do serviço seria inviável pela dificuldade de

exclusão de beneficiários que se recusassem a pagar pelo mesmo.

Por exemplo, o trabalho de combate ao mosquito da dengue pode-

ria ser feito por empresas especializadas, com a contratação via

licitação pública. Nesse caso, a produção seria privada e a provi-

são seria pública. Essa produção poderia ser via empresas priva-

das tanto com fins lucrativos como sem fins lucrativos. Agora, se

o governo usa um corpo de funcionários públicos, adquire e admi-

nistra os bens de capital necessários para esse serviço, então ele

próprio produz e provê o serviço. As duas soluções seriam equi-

valentes na viabilização do serviço, na suposição de custos efeti-

vos similares.

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Na verdade, essa escolha de manter a produção no setor pú-

blico tem mais a ver com decisões de administração pública. De-

pende da eventual diferença de custos na produção de um dado

bem no setor público versus o setor privado. Da discussão de anos

recentes sobre a transição das economias socialistas para econo-

mias de mercado ficou claro que um elemento essencial para a efi-

ciência relativa entre empresas públicas e privadas é o grau de

concorrência que elas enfrentam. Por exemplo, a Petrobrás enfrenta

concorrência em suas operações internacionais, enquanto o Ban-

co do Brasil enfrenta um razoável grau de concorrência de outros

bancos no próprio país, embora a criação de novos bancos tenha

restrições legais, o que enfraquece um pouco esse efeito. Já uma

empresa privada que tenha alto poder de mercado, isto é, que en-

frente pouca concorrência, terá incentivos para se tornar ineficiente

e oferecer produtos mais caros e de pior qualidade. Colocado de

uma forma simples, o comprador fica sem a opção de pegar o tele-

fone e consultar outra empresa quanto a preço e qualidade de um

dado produto. Essa pouca concorrência envolve muitas vezes o

loteamento do mercado por pouquíssimas empresas, cada uma atu-

ando como única vendedora em sua área de operação.

Alguns de vocês devem lembrar dos automóveis-carroças pro-

duzidos no Brasil anos atrás, por conta da pouca concorrência no

setor automobilístico brasileiro. O mercado brasileiro de automó-

veis era dominado por poucas empresas internacionais, que ope-

ravam sob a proteção de concorrência externa, o que mudou signi-

ficativamente a partir dos anos de 1990. É por conta da possível

ineficiência do setor público, principalmente sua lentidão em se

ajustar a mudanças na estrutura de demandas de serviços públicos

e à tecnologia de sua produção, que também existem falhas de go-

verno (STIGLITZ; WALSH, 2003, Cap. 16).

Ainda nos anos de 1990, o Brasil embarcou em forte progra-

ma de privatização de empresas estatais, até do setor financeiro

estadual em muitos casos. Isso, de fato, decorreu de o país ter falta

de recursos para melhorar suas contas públicas num período em

que o processo político gradualmente incorporou a visão de que

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Curso de Graduação em Administração a Distância

seria preciso diminuir o déficit público como parte do esforço de

combate à inflação. Mas houve também um pouco de influência

internacional, especialmente da experiência bem sucedida na In-

glaterra de privatizações em larga escala nos anos de 1980. Essa

experiência foi seguida por políticas desse tipo em países socialis-

tas como a China e depois nos países do antigo bloco soviético, o

que levou a novas concepções para o setor público, após várias

experiências de sucesso em outros países.

Contudo, no caso brasileiro as necessidades de manutenção

das grandes obras de infraestrutura já existentes requerem grandes

volumes de recursos públicos que o governo brasileiro não tem no

momento. A carga tributária, como vimos anteriormente, tem cres-

cido significativamente, restringindo essa opção. Como saída para

isso, o Estado brasileiro abriu um espaço maior para a participa-

ção do setor privado nessa área. Na verdade, as empresas de eco-

nomia mista são um exemplo antigo de tal parceria, em que acio-

nistas privados dividem o comando da empresa, com o Estado no

papel de sociocontrolador.

As parcerias público-privadas são uma forma alternativa

para essa participação do capital privado na área de infraestrutura.

Nesse arranjo, o controle da atividade fica nas mãos do setor pri-

vado, mas o Estado participa na definição dos preços de venda

dos serviços, garantindo preços sociais via subsídios ou garantia

de retorno ao capital. A construção da infraestrutura também en-

volve várias possibilidades. Uma é o Estado repassar ao setor pri-

vado uma rodovia, por exemplo, já existente para que este faça

sua manutenção em troca de pagamento de pedágios pelos usuári-

os. Outra opção é o setor privado construir a estrada e ganhar o

direito de cobrar pedágio por um período longo o suficiente para

recuperar o investimento e obter lucros. Após esse período, a es-

trada passa para o Estado.

Na área da saúde, a presença do Estado via o acesso univer-

sal aos serviços de saúde, como determinado constitucionalmente

a partir de 1988, tem consequências inesperadas. Como o atendi-

mento médico é um bem privado, há a possibilidade de esse servi-

Você verá uma discus-

são sobre déficit mais

adiante.

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ço ser prestado por empresas privadas. Contudo, a alta incerteza

envolvida na demanda por esse serviço, torna-o um objeto de pro-

teção por seguro, do mesmo modo que a proteção contra acidentes

de automóveis ou de incêndio de um imóvel. A opção de ter o

acesso ao atendimento público gratuito, contudo, induz muitas

pessoas, mesmo com condições financeiras para tal, a não fazerem

seguro privado na área da saúde. Isso cria um excesso de demanda

pelos serviços públicos, sem contar que a gratuidade tende a levar

à utilização ao máximo, restrita apenas pelos inconvenientes de

filas e de queda de qualidade do serviço pelo congestionamento

do sistema. Ao mesmo tempo, o país fez a opção política de usar o

sistema de atendimento médico público como instrumento adicio-

nal de correção da distribuição de renda. Mas as parcerias públi-

co-privadas poderiam ser utilizadas para carrear mais investimen-

tos e melhorar a eficiência do sistema, com subsídios que facilitas-

sem o acesso de pessoas mais pobres ao serviço de assistência mé-

dica. Mesmo assim, preciso mais criatividade para que o problema

do excesso de demanda seja resolvido de modo alternativo ao das

longas filas. Do ponto de vista econômico, as longas filas repre-

sentam um alto custo em termos de tempo de trabalho ou de lazer

perdido pelas pessoas.

Carga tributária

Uma forma de medir o tamanho do Estado na economia é dada

pela carga tributária, que é dada pela relação entre a arrecadação

tributária e o Produto Interno Bruto (PIB).

Essa carga ignora a transferência de renda do setor privado para

o setor público, decorrente da alta emissão monetária, que pode ser

significante em anos de alta inflação, com imposto inflacionário*

chegando a vários pontos percentuais do PIB. No período de 1990 a

1994, o governo brasileiro arrecadou 3,3% do PIB nessa forma

GLOSSÁRIO*Imposto inflacio-nário – incide sobreo dinheiro em circu-lação e é calculadopelo custo de opor-tunidade de pessoasreterem esse dinhei-ro, menos a despe-sa de produzi-lo.Fonte: elaboradopelo autor.

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(GIAMBIAGI; ALÉM, 2001, p. 31). Na atualidade, com a relativa-

mente baixa taxa de inflação, o imposto inflacionário representa uma

fatia insignificante do total arrecadado e, por isso, omitimos essa fonte

de receita.

A carga tributária tem variado bastante ao longo do tempo.

Rezende (2001, p. 26) apresenta uma longa série de dados sobre a

carga tributária brasileira, de 1947 a 1994, com base em dados levan-

tados pela Fundação Getúlio Vargas e pelo IBGE. Os dados anuais

são comparáveis entre si e são ilustrados aqui pelo gráfico apresenta-

do na Figura 1. A carga tributária era de apenas 15% em 1947. Sobe

levemente para cerca de 20% no período da construção de Brasília.

Sobe para novo patamar, ao redor de 25% do PIB, no período de sane-

amento das contas públicas dos anos de 1960. Com os vários planos

de estabilização econômica que visavam ao controle da alta inflação

brasileira, novo patamar é atingido no início dos anos de 1990, agora

em torno de 30%. Embora o gráfico não apresente esse período, a

partir do Plano Real, a carga tributária gira ao redor de 33%, com

tendência de alta. Nesses mais de 50 anos, a carga tributária subiu

sistematicamente, mais que dobrando sua participação no PIB. Se-

gundo a Secretaria da Receita Federal, a carga tributária brasileira atin-

giu 35% do PIB em 2007, conforme Brasil (2008). Isso significa que

ela cresceu muito mais rápido que o próprio PIB.

Figura 1: Brasil – Carga tributária – 1947-1994.Fonte: dados da FGV e do IBGE, conforme Rezende (2001, Tabela

1.2, p. 26).

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No federalismo fiscal brasileiro, a carga tributária é dividida em

três níveis de governo. Ainda com base no documento da Secretaria

da Receita Federal (BRASIL, 2008, p. 18), a participação maior na

arrecadação em 2006 foi do governo federal, com 69,4%, seguido pelos

governos estaduais, com 26,3%, e pelos governos municipais, com

4,3%. Embora os governos estaduais e municipais tenham participa-

ção menor, no sistema federal brasileiro há forte redistribuição de re-

cursos. Isso é feito basicamente via o Fundo de Participação dos Esta-

dos e o Fundo de Participação dos Municípios. Além disso, o princi-

pal imposto estadual, o ICMS pertence também aos municípios, em-

bora arrecadado pelos estados. Por exemplo, o IBGE calculou, para

2005, que a participação dos governos estaduais na receita disponível

pouco muda, com mais 2 pontos percentuais, enquanto os governos

municipais passam de 6% da arrecadação para 21% da receita dispo-

nível. O governo federal é o maior redistribuidor, caindo sua partici-

pação de 67% para 50%. Isso reflete as mudanças decorrentes da Cons-

tituição Federal de 1988, que descentralizou para os governos locais

algumas atribuições, como é o caso de atendimentos de saúde.

Outra forma de medir o tamanho do setor público é pelas despe-

sas públicas. A principal diferença em relação à carga tributária é a

possibilidade de o resultado orçamentário não ser nulo. Por exemplo,

o governo pode gastar menos do que arrecada. Nesse caso, tem um

superávit. A situação usual, inclusive no Brasil, é a de gastar mais do

que arrecada e, por isso, o governo apresenta déficit em suas contas.

Esses déficits são cobertos normalmente via empréstimos, o que pos-

sibilita um nível de despesa superior à receita. No período da alta in-

flação brasileira dos anos 1990, o déficit chegou a 19% do PIB

(REZENDE, 2001, p. 26). Isso dá uma ideia melhor do quanto das

despesas totais da economia é comandado pelo Estado.

Saiba mais...

A estimativa da carga tributária varia de acordo com a instituiçãoque a calcula, por conta de pequenas diferenças na definição do que éreceita tributária. São itens como multas, juros, contribuições de

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Curso de Graduação em Administração a Distância

melhoria, etc., que podem levar a diferenças em torno de dois pontospercentuais do PIB na carga tributária. Para uma comparação demetodologias, veja:IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário. Carga Tribu-

tária do 1° Semestre de 2008. Estudos do IBPT. Disponível em:

<www.ibpt.com.br>. Acesso em: 23 out. 2008.

Explicações sobre o

tamanho do setor público

Você viu que o setor público brasileiro cresceu relativamen-

te ao setor privado nas últimas décadas. Há duas explicações usu-

ais para isso. Uma delas parte das demandas que o desenvolvi-

mento econômico impõe sobre o setor público. A outra explicação

considera que o processo político tem características intrínsecas

que levam ao aumento da participação do setor público.

Adolph Wagner, que estudou o caso alemão do Século XIX,

enfatiza as pressões crescentes sobre o Estado para que promova

o progresso social. Ele constatou as mudanças nas fontes de recei-

ta pública, que haviam passado de receitas de atividades produti-

vas para tributação. Com a industrialização crescente em muitos

países, ocorreu um maior grau de urbanização e crescimento

populacional. Essa explicação, aprofundada posteriormente, é, às

vezes, denominada de Lei de Wagner*. Quando a renda média de

um país cresce, a demanda de serviços públicos cresce mais rápi-

do ainda. Com a maior renda, vem junto à demanda de serviços

mais sof i s t icados e complexos em função do progresso

tecnológico. Por exemplo, quando o

país é rico o suficiente, pode fornecer

melhores serviços de saúde a uma fa-

tia maior da população, em vez de ape-

nas combater epidemias e fornecer ser-

GLOSSÁRIO*Lei de Wagner –hipótese de que àmedida que o nívelde renda per capita

se eleva em paísesque se desenvolvemindustrialmente e seurbanizam cresce aimportância relativado setor público.Fonte: elaboradopelo autor.

Para saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber mais*Adolph Wagner (1835-1917) – Economista

alemão, professor das universidades de Viena,

Hamburgo, Dorpat, Freiburg e Berlim. Fonte:

Sandroni (1999).

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viços básicos. Contudo, não adianta a um país ter uma alta carga

tributária se o produto por pessoa, gerado no país, for muito bai-

xo. Aquilo que poderá comprar será de qualidade média inferior

ao que um país mais rico pode comprar a partir de uma carga tri-

butária menor.

Com o maior nível de atividade econômica, crescem também

as demandas de função regulatória, que afetam os custos de reali-

zar cada transação econômica. Mas a regulamentação de ativida-

des econômicas é uma faca de dois gumes, pois tanto facilita as

negociações entre as pessoas e empresas, minimizando conflitos,

como dificulta e aumenta custos quando é detalhada demais. É o

processo legislativo, essência do processo político, que pode atin-

gir um nível mais adequado dessa atividade regulatória para cada

época. As demandas de atividades de segurança também crescem

com a população e a industrialização. Do mesmo modo, crescem

as demandas de diferentes tipos de infraestrutura de apoio à ativi-

dade econômica.

Por fim, talvez mais importantes, estão os gastos de educa-

ção, saúde e redistribuição de renda. Essas atividades decorrem tam-

bém de novos valores que a sociedade pode usufruir à medida que

enriquece, como o de que é inaceitável que pessoas vivam em extre-

ma penúria numa sociedade em que a maioria da população tem razo-

ável padrão de vida.

A outra explicação do crescente tamanho do setor público, de-

senvolvida nos anos de 1960 por Alan Peacock e Jack Wiseman, é que

a crescente demanda por gastos públicos tem restrições políticas e eco-

nômicas. As pessoas querem os benefícios dos gastos públicos, mas

resistem ao correspondente aumento da carga tributária. Os políticos

sabem disso, mas também gostariam de taxar mais para distribuir mais

benesses*, pois essa distribuição é essencial na obtenção de votos de

boa parte do eleitorado. É como a fábula da galinha dos ovos de ouro,

em que os contribuintes são a galinha e os políticos seus donos. Numa

democracia competitiva, esse comportamento seria eliminado no lon-

go prazo se a estrutura dos gastos públicos ficasse muito desalinhada

das preferências dos eleitores. Mesmo na teoria gramsciana, a preocu-

GLOSSÁRIO*Benesse – vanta-gem ou lucro quenão deriva de esfor-ço ou trabalho;aquilo que se doa.Fonte: Houaiss(2001).

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Curso de Graduação em Administração a Distância

pação com a legitimidade do grupo domi-

nante teria um efeito parecido de atender

às demandas de serviços públicos da popu-

lação como um todo, apesar de uma estrutu-

ra enviesada em favor do grupo dominante.

Mas em situações excepcionais, a

população tolera aumentos da carga tri-

butária. Na Europa, essas situações ex-

cepcionais que levaram a significativos

aumentos da carga tributária teriam sido

as grandes guerras e a depressão econô-

mica dos anos de 1930. No Brasil, essas situações excepcionais fo-

ram o plano desenvolvimentista do Governo Juscelino Kubitschek,

o período de saneamento das finanças públicas do governo militar,

buscando controlar a inflação em meados dos anos de 1960, e,

novamente, o combate à inflação pelos governos civis, a partir do

final dos anos 1980. Essas situações excepcionais viabilizaram o

atendimento das pressões de demanda já latentes por conta de uma

industrialização fortemente conduzida pelo Estado e pela consequente

aceleração da urbanização a partir dos anos de 1950.

Isso significa que, no limite, cada país atingirá uma economia total-

mente estatizada? Alguns países, principalmente os países nórdicos, mas

sem considerar os países socialistas de economia totalmente estatizada,

atingiram participações superiores a 50%, mas estabilizaram esse indica-

dor. Recentemente cresceu um movimento a favor de maior participação

do Estado na economia em vários países latino-americanos, especialmen-

te como produtor de bens e serviços, por influência do movimento

bolivariano da Venezuela. A Argentina, ainda sob influência do peronismo,

também voltou a aumentar o papel do Estado-produtor. É possível que

depois de certo nível de renda média do país, a carga tributária flutue em

função da percepção dos políticos de que a galinha deseja um descanso e,

portanto, quer diminuir o número de ovos. Depois de um período de des-

canso, a galinha, então, volta a produzir mais ovos. De qualquer modo, a

analogia precisa ser completada com a informação de que boa parte dos

ovos reverte em vantagens para as próprias galinhas.

Para saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber maisPara saber mais*Juscelino Kubitschek (1902 - 1976) – médi-

co, militar e político brasileiro. Conhecido como

JK, foi presidente do Brasil entre 1956 e 1961.

Com estilo de governo inovador na política brasi-

leira, JK construiu em torno de si uma aura de

simpatia e confiança entre os brasileiros. Foi o

responsável pela construção da nova capital fede-

ral, Brasília. Fonte: <www.memorialjk.com.br>

Acesso em: 20 out. 2008.

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Os gastos públicos complementam os investimentos privados e,

em geral, aumentam sua produtividade. Com gastos excessivos, po-

dem ocorrer efeitos negativos sobre a produtividade média da econo-

mia. Como mostram estudos recentes, a reversão da crescente carga

tributária efetivamente começa a ocorrer em alguns países mais ricos.

Países em desenvolvimento talvez demorem a atingir esse estágio, mas

os contribuintes brasileiros, principalmente os de classe média, come-

çam a se manifestar contra a relativamente alta carga tributária brasi-

leira, quando comparada à carga de países com renda média equiva-

lente, apesar de a própria classe média, contraditoriamente, pressionar

por mais serviços públicos.

Saiba mais...

Você encontra mais detalhes sobre a Lei de Wagner e a explica-ção de Peacock e Wiseman em textos populares de finanças públi-cas. No texto de Flávio Riani, leia o Capítulo 4, e no texto deFernando Rezende, leia o Capítulo 1. Veja:REZENDE, Fernando. Finanças públicas. 2. ed. São Paulo: Atlas,2001.RIANI, Flávio. Economia do setor público. 3. ed. São Paulo:

Atlas, 1997.

RESUMO

Nesta Unidade, você viu explicações sobre a divisão de

tarefas entre o setor público e o setor privado. Bens públicos

puros, com rivalidade no consumo e altos custos de exclusão,

são aqueles que têm a provisão pública. O oposto ocorre com

os bens privados puros. Os bens de uso comum, às vezes, são

administrados publicamente. Além da variedade dos custos de

exclusão, que tornam indefinida a fronteira entre esses setores,

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Curso de Graduação em Administração a Distância

há casos em que certos benefícios ou custos ocorrem conjunta-

mente. É o caso das externalidades. Isso explica casos em que

bens privados puros são produzidos pelo setor público por con-

ta de envolverem conjuntamente, por exemplo, um bem públi-

co. É o que se costuma descrever como bens estratégicos.

Pelo lado institucional, o Estado tem o papel de regular

muitas atividades econômicas. As parcerias público-privadas são

uma mistura de regulação de algumas atividades e de subsídios

e garantias que viabilizam investimentos privados na produção

de bens privados associados à infraestrutura produtiva de uma

sociedade. As demais atividades públicas mencionadas foram a

redistribuição de renda e a estabilização de preços e de empre-

go. Na parte final da Unidade, você viu que a participação do

setor público no Brasil tem sido crescente desde os anos de 1950.

Viu, então, explicações baseadas tanto na demanda de serviços

públicos, ligadas à industrialização e à urbanização, como na

descontinuidade do processo político, em que situações fora do

comum tornam aceitáveis uma maior carga tributária.

Atividades de aprendizagem

Veja agora se você teve bom entendimento do que trata-mos nesta Unidade respondendo às questões conforme oque foi estudado. Para respondê-las, você pode rever ostextos correspondentes ao assunto. Você pode reler ostextos quantas vezes forem necessárias para ter certeza deque entendeu o que foi abordado. A sua resposta deveser elaborada com suas próprias palavras. Para tanto, vocêdeve reler o objetivo e ver se aprendeu a distinguir osdiferentes tipos de bens, se entendeu o porquê de cobrarpor alguns tipos de benefícios e indenização por sacrifícios

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sofridos e, ainda, se é capaz de medir o tamanho do Esta-do em termos do quanto da renda total é apropriado viatributos, pois são esses os objetivos que você deve com-preender.

Se precisar de auxílio, não deixe de fazer contato com seututor pelo Ambiente Virtual de Ensino-Aprendizagem. Eleestá à sua disposição para auxiliá-lo.

Bom trabalho!

1. Defina, exemplifique e contraste os conceitos de bem pú-blico puro e de bem privado puro.

2. Rodovias são um tipo de infraestrutura de transporte, cujaconstrução e manutenção, às vezes, são feitas pelo Estadoe, às vezes, pelo setor privado. Classifique os serviços derodovias com base nos conceitos de rivalidade, exclusivi-dade e de externalidade, e, a partir dessa classificação, ten-te explicar essa variedade de arranjos institucionais para aprovisão desse serviço.

3. Contraste as explicações de Wagner e de Peacock-Wisemansobre a crescente participação do setor público na economia.

4. Vá ao sítio da Secretaria da Receita Federal <tiyurl.com/cdh3nz> ou do IBPT <www.ibpt.com.br> e verifique osúltimos dados sobre a carga tributária no Brasil. Como estáa tendência? Converse com seus colegas e/ou com o tutorsobre isso no Fórum de discussão (Não é preciso entregar

esse material ao tutor).